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O direito de retenção nos casos em que credor e proprietário da ...

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Algomiro Carvalho JúniorO <strong>direito</strong> <strong>de</strong> <strong>retenção</strong> <strong>nos</strong> <strong>casos</strong> <strong>em</strong> <strong>que</strong> <strong>credor</strong>e <strong>proprietário</strong> <strong>da</strong> coisa são pessoas diferentesVERBO JURIDICO ®


VERBO JURÍDICO O <strong>direito</strong> <strong>de</strong> <strong>retenção</strong> <strong>nos</strong> <strong>casos</strong> <strong>em</strong> <strong>que</strong> o <strong>credor</strong> e <strong>proprietário</strong> <strong>da</strong> coisa são pessoas diferentes : 4Nas palavras <strong>de</strong> Luís <strong>da</strong> Cunha Gonçalves, <strong>direito</strong> real éa relação jurídica <strong>que</strong> permite e atribui a uma pessoa singular ou coletiva, ora ogozo completo <strong>de</strong> certa cousa, corpórea ou incorpórea, incluindo a facul<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> aalienar, consumir ou <strong>de</strong>struir, ora o gozo limitado <strong>de</strong> uma cousa, <strong>que</strong> éproprie<strong>da</strong><strong>de</strong> conjunta e indivisa <strong>da</strong><strong>que</strong>la e <strong>de</strong> outras pessoas ou <strong>que</strong> éproprie<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> outr<strong>em</strong>, com exclusão <strong>de</strong> to<strong>da</strong>s as <strong>de</strong>mais pessoas, as quais têm o<strong>de</strong>ver correlativo <strong>de</strong> abstenção <strong>de</strong> perturbar, violar ou lesar, ou do respeito dosmesmos <strong>direito</strong>s. 2O <strong>direito</strong> real seria então a possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> uso e gozo <strong>da</strong> coisa, <strong>da</strong> maneira prevista noor<strong>de</strong>namento, uma vez <strong>que</strong>, para ca<strong>da</strong> tipo <strong>de</strong> <strong>direito</strong> real, correspon<strong>de</strong> uma limitação ao uso <strong>de</strong>ssacoisa. Um ex<strong>em</strong>plo seria o usufruto, on<strong>de</strong> o titular do <strong>direito</strong> real <strong>de</strong> usufruto po<strong>de</strong> apenas usufruir<strong>da</strong> coisa, não po<strong>de</strong>ndo se <strong>de</strong>sfazer <strong>da</strong> mesma, sendo <strong>que</strong> o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> <strong>da</strong> coisa dispor, ficaria a cargoapenas do nu-<strong>proprietário</strong>.T<strong>em</strong>os, ain<strong>da</strong>, <strong>que</strong>, os <strong>direito</strong>s reais são típicos, ou seja, não po<strong>de</strong>m ser criados por vonta<strong>de</strong><strong>da</strong>s partes. O rol <strong>de</strong> <strong>direito</strong>s reais já se encontra normatizado no or<strong>de</strong>namento jurídico, não havendo<strong>que</strong> se falar <strong>em</strong> outros <strong>direito</strong>s reais fora do rol constante ou do artigo 1.225 do Código Civilbrasileiro ou do artigo 1.306 do Código Civil português, e fora do próprio Código. Alguns <strong>direito</strong>sreais, como no caso do <strong>direito</strong> <strong>de</strong> <strong>retenção</strong>, no or<strong>de</strong>namento brasileiro, não se encontra no rol dos<strong>direito</strong>s reais, mas se encontra normatizado <strong>de</strong>ntro do or<strong>de</strong>namento civil.2.1. Direitos reais <strong>de</strong> garantiaSão três os <strong>direito</strong>s reais: <strong>de</strong> gozo; <strong>de</strong> garantia; e <strong>de</strong> aquisição. O <strong>direito</strong> <strong>de</strong> <strong>retenção</strong> se traduznum <strong>direito</strong> real <strong>de</strong> garantia, <strong>de</strong> enorme importância no or<strong>de</strong>namento português, porém <strong>de</strong> poucavalia no or<strong>de</strong>namento brasileiro.Ver<strong>em</strong>os <strong>de</strong> maneira breve apenas as generali<strong>da</strong><strong>de</strong>s dos <strong>direito</strong>s reais <strong>de</strong> garantia, <strong>que</strong> é o <strong>que</strong>interessa para o presente trabalho.O <strong>direito</strong> real <strong>de</strong> garantia se traduz num instrumento <strong>de</strong> eficaz para tornar váli<strong>da</strong> <strong>de</strong>termina<strong>da</strong>obrigação, uma vez <strong>que</strong> a garantia presta<strong>da</strong> é o próprio b<strong>em</strong>, servindo ele, por si só, para satisfazera dita obrigação, <strong>de</strong> na<strong>da</strong> importando a situação futura <strong>em</strong> <strong>que</strong> o <strong>credor</strong> irá se encontrar.Segundo Orlando Gomes, t<strong>em</strong>os <strong>que</strong> o <strong>direito</strong> real <strong>de</strong> garantiaconfere ao <strong>credor</strong> a pretensão <strong>de</strong> obter o pagamento <strong>da</strong> dívi<strong>da</strong> com o valor dob<strong>em</strong> aplicado exclusivamente à sua satisfação. Sua função é garantir ao <strong>credor</strong> orecebimento <strong>da</strong> dívi<strong>da</strong>, por estar vinculado <strong>de</strong>terminado b<strong>em</strong> ao seu pagamento.O <strong>direito</strong> do <strong>credor</strong> concentra-se sobre <strong>de</strong>terminado el<strong>em</strong>ento patrimonial do2 Da Proprie<strong>da</strong><strong>de</strong> e <strong>da</strong> Posse, 53, 1952.


ALGOMIRO CARVALHO JÚNIOR O <strong>direito</strong> <strong>de</strong> <strong>retenção</strong> <strong>nos</strong> <strong>casos</strong> <strong>em</strong> <strong>que</strong> o <strong>credor</strong> e <strong>proprietário</strong> <strong>da</strong> coisa são pessoas diferentes : 73.1. Evolução históricaHistoricamente, houve o instituto <strong>da</strong> pignoratio priva<strong>da</strong>. On<strong>de</strong> o <strong>credor</strong> atuando sobre ascoisas do <strong>de</strong>vedor, seria também um <strong>de</strong>vedor <strong>da</strong> coisa e vice-versa.Assim, a coisa era manti<strong>da</strong> <strong>em</strong> penhor até a efetiva satisfação <strong>da</strong> obrigação. Com a evoluçãodo <strong>direito</strong> e a sua tendência à publicização, esse <strong>direito</strong> acabou por ser excluído, uma vez <strong>que</strong> essapignoratio era uma manifestação <strong>da</strong> justiça priva<strong>da</strong>.Como assevera Carlos Roberto Gonçalves 11 , o “ius retentionis surgiu e foi reconhecidocomo um instituto essencialmente baseado na equi<strong>da</strong><strong>de</strong>. Também no <strong>direito</strong> mo<strong>de</strong>rno continua elaa ser consi<strong>de</strong>ra<strong>da</strong> pela doutrina como o fun<strong>da</strong>mento do aludido <strong>direito</strong>”.Como não po<strong>de</strong>ria <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> ser diferente, o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> <strong>retenção</strong> t<strong>em</strong> suas raízes liga<strong>da</strong>s ao<strong>direito</strong> romano. Claro <strong>que</strong> o instituto sofreu diversas reformulações com o passar do t<strong>em</strong>po, até <strong>que</strong>se chegasse a sua atual configuração. Prova disso é a enorme discrepância do t<strong>em</strong>a entre osor<strong>de</strong>namentos civis brasileiro e português.3.2. Pressupostos do <strong>direito</strong> <strong>de</strong> <strong>retenção</strong>O Código Civil português apresenta, <strong>nos</strong> artigos 754 a 756 os pressupostos do <strong>direito</strong> <strong>de</strong><strong>retenção</strong>. No or<strong>de</strong>namento brasileiro, os requisitos são ditados pela doutrina.O Código Civil português <strong>de</strong>termina como pressupostos do <strong>direito</strong> <strong>de</strong> <strong>retenção</strong>,primeiramente, <strong>que</strong> <strong>de</strong>va haver uma conexão causal entre a coisa e o crédito a ser recebido. Essaconexão entre a coisa e o crédito po<strong>de</strong> resultar <strong>de</strong> <strong>de</strong>spesas feitas pela coisa ou <strong>da</strong><strong>nos</strong> por elacausados, como por ex<strong>em</strong>plo, o conserto <strong>de</strong> um veículo, on<strong>de</strong> a oficina mecânica, não recebendo ovalor acertado pelo serviço prestado, po<strong>de</strong>rá reter o aludido veículo, ou um aci<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> carro, on<strong>de</strong>o aci<strong>de</strong>ntado po<strong>de</strong>rá reter o veículo <strong>da</strong><strong>que</strong>le <strong>que</strong> <strong>de</strong>u causa ao aci<strong>de</strong>nte para garantir o pagamentodos prejuízos causados, e ain<strong>da</strong>, <strong>de</strong> uma relação legal ou contratual, como perceb<strong>em</strong>os no artigo755, do or<strong>de</strong>namento citado, <strong>que</strong> são os chamados <strong>casos</strong> especiais, on<strong>de</strong> não há, necessariamente,uma relação direta do crédito e <strong>da</strong> coisa, como o caso do albergueiro <strong>que</strong> po<strong>de</strong> reter as coisasleva<strong>da</strong>s à pousa<strong>da</strong> pelas pessoas alberga<strong>da</strong>s.O Supr<strong>em</strong>o Tribunal <strong>de</strong> Justiça (Portugal) já se manifestou dizendo <strong>que</strong>O <strong>direito</strong> <strong>de</strong> <strong>retenção</strong> traduz-se no <strong>direito</strong> conferido ao <strong>credor</strong>, <strong>que</strong> se encontra naposse <strong>de</strong> coisa <strong>que</strong> <strong>de</strong>va ser entregue a outra pessoa, <strong>de</strong> não a entregar enquantoesta não satisfizer o seu crédito, verifica<strong>da</strong> alguma <strong>da</strong>s relações <strong>de</strong> conexi<strong>da</strong><strong>de</strong>entre o crédito do <strong>de</strong>tentor e a coisa <strong>que</strong> <strong>de</strong>va ser restituí<strong>da</strong> a <strong>que</strong> a lei confere taltutela. (…) Trata-se <strong>de</strong> um <strong>direito</strong> real <strong>de</strong> garantia - <strong>que</strong> não <strong>de</strong> gozo -, <strong>em</strong>virtu<strong>de</strong> <strong>da</strong> qual o <strong>credor</strong> fica com um po<strong>de</strong>r sobre a coisa <strong>de</strong> <strong>que</strong> t<strong>em</strong> a posse, o<strong>direito</strong> <strong>de</strong> a reter, <strong>direito</strong> <strong>que</strong>, por resultar apenas <strong>de</strong> uma certa conexão eleita11 Direito Civil Brasileiro, p. 197, 2007.


VERBO JURÍDICO O <strong>direito</strong> <strong>de</strong> <strong>retenção</strong> <strong>nos</strong> <strong>casos</strong> <strong>em</strong> <strong>que</strong> o <strong>credor</strong> e <strong>proprietário</strong> <strong>da</strong> coisa são pessoas diferentes : 8pela lei, e não, por ex<strong>em</strong>plo, <strong>da</strong> própria natureza <strong>da</strong> obrigação, representa umagarantia directa e especialmente concedi<strong>da</strong> pela lei. 12T<strong>em</strong>os, então, <strong>que</strong>, para o exercício do <strong>direito</strong> <strong>de</strong> <strong>retenção</strong>, é necessário uma conexão lógicaentre a coisa e o crédito, motivo este pelo qual a coisa passa a se vincular e ser ti<strong>da</strong> comogarantidora do crédito, oponível, inclusive, erga omnes. Porém, a Lei, <strong>em</strong> alguns momentos, criasituações diversas, on<strong>de</strong> se po<strong>de</strong>rá exercer esse <strong>direito</strong>, mesmo <strong>que</strong> não haja a conexão requisita<strong>da</strong>entre coisa e crédito.Ain<strong>da</strong> seguindo o raciocínio do artigo 754 do Código Civil português, perceb<strong>em</strong>os <strong>que</strong> acoisa <strong>de</strong>ve ser certa, não se po<strong>de</strong>ndo reter coisa incerta.O <strong>direito</strong> <strong>de</strong> <strong>retenção</strong> também não po<strong>de</strong>rá ser exercido por a<strong>que</strong>le <strong>que</strong> tenha <strong>de</strong>tido a coisa <strong>de</strong>maneira ilícita ou a constituição do crédito tenha resultado <strong>de</strong> <strong>de</strong>spesas efetua<strong>da</strong>s <strong>de</strong> má-fé. LuísManuel Teles <strong>de</strong> Menezes Leitão diz <strong>que</strong>T<strong>em</strong>os assim um pressuposto geral do <strong>direito</strong> <strong>de</strong> <strong>retenção</strong> <strong>que</strong> é a não actuação <strong>de</strong>má fé por parte do retentor, po<strong>de</strong>ndo essa má fé resultar, <strong>que</strong>r <strong>da</strong> aquisição ilícita<strong>da</strong> coisa, com o conhecimento do retentor, <strong>que</strong>r <strong>da</strong> própria constituição docrédito fazendo <strong>de</strong>spesas <strong>em</strong> coisa <strong>que</strong> se sabia não lhe pertencer. A má fé é aquientendi<strong>da</strong> <strong>em</strong> sentido subjetivo, como a consciência <strong>da</strong> ilicitu<strong>de</strong> <strong>da</strong> aquisição <strong>da</strong>coisa ou <strong>da</strong> lesão do <strong>credor</strong> <strong>em</strong> face <strong>da</strong> realização <strong>da</strong> <strong>de</strong>spesa. 13Esse é um pressuposto lógico, e <strong>de</strong>corre do próprio Direito. Não po<strong>de</strong>-se beneficiar a<strong>que</strong>le<strong>que</strong> age <strong>de</strong> maneira ilícita ou <strong>de</strong> má fé, sob pena <strong>de</strong> se ferir os princípios primordiais do Direito.A<strong>que</strong>le <strong>que</strong> realiza benfeitorias <strong>em</strong> coisa <strong>que</strong> sabe-se não ser sua, e o faz s<strong>em</strong> autorização, não t<strong>em</strong>,<strong>de</strong>pois, <strong>direito</strong> à reter essa coisa enquanto não for pago pelos acréscimos ou melhoramentosrealizados. Igualmente, a<strong>que</strong>le <strong>que</strong>, <strong>de</strong> maneira Ilícita t<strong>em</strong> <strong>em</strong> sua posse a coisa, não po<strong>de</strong>rá retê-la.O terceiro requisito também <strong>nos</strong> afigura óbvio. A coisa a ser reti<strong>da</strong> não po<strong>de</strong> se revestir docaráter <strong>de</strong> impenhorabili<strong>da</strong><strong>de</strong>. Ora, se a coisa não po<strong>de</strong> ser penhora<strong>da</strong>, não po<strong>de</strong>rá ser exerci<strong>da</strong>sobre ela o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> <strong>retenção</strong>, uma vez <strong>que</strong> a coisa fica <strong>em</strong> po<strong>de</strong>r do <strong>credor</strong> como garantia <strong>da</strong>dívi<strong>da</strong> e futuramente po<strong>de</strong>rá ser utiliza<strong>da</strong> para satisfação <strong>da</strong> mesma <strong>em</strong> ação executiva.Neste sentido, Manuel Teles <strong>de</strong> Menezes Leitão <strong>nos</strong> explica <strong>que</strong> se alguém estiver obrigado aentregar bens constantes <strong>nos</strong> artigos 822 e 823 do Código Processual Civil português, o <strong>direito</strong> <strong>de</strong><strong>retenção</strong> não po<strong>de</strong>rá ser exercitado, uma vez <strong>que</strong>, sobre esses bens, se afigura impossível constituirqual<strong>que</strong>r garantia. 1412 Processo 05A2158.13 Direitos Reais, p. 500, 2009.14 I<strong>de</strong>m.


ALGOMIRO CARVALHO JÚNIOR O <strong>direito</strong> <strong>de</strong> <strong>retenção</strong> <strong>nos</strong> <strong>casos</strong> <strong>em</strong> <strong>que</strong> o <strong>credor</strong> e <strong>proprietário</strong> <strong>da</strong> coisa são pessoas diferentes : 9Outro requisito, <strong>que</strong>, nesse caso, é inclusive motivo <strong>de</strong> extinção do <strong>direito</strong> <strong>de</strong> <strong>retenção</strong> é anão prestação <strong>de</strong> caução suficiente pela parte <strong>de</strong>vedora. Conferindo, <strong>de</strong>ssa forma, ao <strong>direito</strong> <strong>de</strong><strong>retenção</strong> um viés <strong>de</strong> garantia provisória. Na<strong>da</strong> impe<strong>de</strong> <strong>que</strong> essa caução seja presta<strong>da</strong> por fiança, porex<strong>em</strong>plo.Por fim, o crédito <strong>de</strong>ve ser exigível, mas não necessariamente líquido. Essa exigibili<strong>da</strong><strong>de</strong>po<strong>de</strong>rá ser verifica<strong>da</strong> com base, também, na per<strong>da</strong> do benefício do prazo.No <strong>direito</strong> brasileiro, conforme já comentado, a doutrina é <strong>que</strong> se encarrega <strong>de</strong> enumerar ospressupostos para o exercício do <strong>direito</strong> <strong>de</strong> <strong>retenção</strong>.Os requisitos são basicamente os mesmos tratados <strong>nos</strong> artigos 754 a 756 do or<strong>de</strong>namentocivil português. O <strong>credor</strong> <strong>de</strong>ve estar na <strong>de</strong>tenção legítima <strong>da</strong> coisa <strong>que</strong> <strong>de</strong>ve ser restituí<strong>da</strong>, o crédito<strong>de</strong>ve ser exigível, mas, não necessariamente líquido. Deve haver ain<strong>da</strong> a relação <strong>de</strong> conexi<strong>da</strong><strong>de</strong>entre o crédito e a coisa, muito <strong>em</strong>bora os <strong>casos</strong> <strong>em</strong> <strong>que</strong> se aplica o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> <strong>retenção</strong>, noor<strong>de</strong>namento brasileiro, estão previstos especificamente na lei, uma vez <strong>que</strong> não se t<strong>em</strong>, <strong>em</strong> vista <strong>da</strong>legislação portuguesa, uma seção <strong>de</strong>dica<strong>da</strong> especificamente a esse instituto e haja uma aplicaçãogenérica do mesmo. Por fim, não <strong>de</strong>ve haver a exclusão legal ou convencional do exercício do<strong>direito</strong> <strong>de</strong> <strong>retenção</strong>.3.3. Natureza jurídicaNão há dúvi<strong>da</strong>s <strong>de</strong> <strong>que</strong>, no or<strong>de</strong>namento português, a natureza jurídica do <strong>direito</strong> <strong>de</strong> <strong>retenção</strong>é <strong>de</strong> garantia real. O <strong>direito</strong> <strong>de</strong> <strong>retenção</strong> ain<strong>da</strong> se fia às normas do penhor ou hipoteca, conforme ob<strong>em</strong> <strong>que</strong> esteja sendo retido, se móvel ou imóvel.No or<strong>de</strong>namento brasileiro não se t<strong>em</strong> um consenso acerca <strong>da</strong> natureza do <strong>direito</strong> <strong>de</strong><strong>retenção</strong>. Há qu<strong>em</strong> sustente tratar-se <strong>de</strong> um <strong>direito</strong> pessoal, enquanto outros, na esteira doposicionamento adotado no or<strong>de</strong>namento português, asseguram tratar-se <strong>de</strong> um <strong>direito</strong> realoponível erga omnes.Para Arnoldo Me<strong>de</strong>iros <strong>da</strong> Fonseca 15 , trata-se <strong>de</strong> um <strong>direito</strong> real. Paulo Khouri tambémassinala essa natureza <strong>de</strong> garantia real do <strong>direito</strong> <strong>de</strong> <strong>retenção</strong> quando fala <strong>que</strong> o modo <strong>de</strong> atuação<strong>de</strong>sse <strong>direito</strong> não <strong>de</strong>ixa dúvi<strong>da</strong>s quanto a esse fato. 16Portanto, quanto à natureza do <strong>direito</strong> <strong>de</strong> <strong>retenção</strong> não pairam dúvi<strong>da</strong>s <strong>de</strong> ser um <strong>direito</strong> reale <strong>de</strong> garantia, buscando, <strong>de</strong>ssa forma, <strong>de</strong> uma maneira mais bruta, uma vez <strong>que</strong> o <strong>credor</strong> passa a tera posse <strong>da</strong> coisa, impelir o cumprimento <strong>da</strong> obrigação pelo <strong>de</strong>vedor.15 Direito <strong>de</strong> <strong>retenção</strong>, p. 255-256, 1944.16 A exceção do contrato não cumprido e a sua relação com a garantia <strong>da</strong>s obrigações no <strong>direito</strong> brasileiro, trabalhoapresentado no curso <strong>de</strong> mestrado <strong>em</strong> Direito <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> Lisboa, set<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 2003.


VERBO JURÍDICO O <strong>direito</strong> <strong>de</strong> <strong>retenção</strong> <strong>nos</strong> <strong>casos</strong> <strong>em</strong> <strong>que</strong> o <strong>credor</strong> e <strong>proprietário</strong> <strong>da</strong> coisa são pessoas diferentes : 103.4. O <strong>direito</strong> <strong>de</strong> <strong>retenção</strong> <strong>em</strong> PortugalO or<strong>de</strong>namento português confere ao <strong>direito</strong> <strong>de</strong> <strong>retenção</strong> uma atenção maior do <strong>que</strong> aconferi<strong>da</strong> no or<strong>de</strong>namento brasileiro.Como observamos, há seção específica para tratar do assunto no Código Civil português,mais precisamente do artigo 754 ao artigo 761.Dessa forma, fica fácil encontrarmos as características <strong>que</strong> reg<strong>em</strong> esse <strong>direito</strong>. O artigo 754traz o <strong>que</strong> seria o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> <strong>retenção</strong>, e <strong>que</strong> já foi acima transcrito. Perceb<strong>em</strong>os, porém, <strong>que</strong> há<strong>casos</strong> genéricos para aplicação <strong>de</strong>sse <strong>direito</strong>, diferent<strong>em</strong>ente do <strong>que</strong> ver<strong>em</strong>os no or<strong>de</strong>namentobrasileiro, logo a seguir.Os <strong>direito</strong>s do retentor, quando móvel a coisa, se equipara aos <strong>direito</strong>s do <strong>credor</strong>pignoratício, e quando imóvel, no <strong>que</strong> couber, se equipara ao <strong>credor</strong> hipotecário.T<strong>em</strong>os <strong>que</strong> o retentor não <strong>de</strong>ve se atentar apenas aos <strong>direito</strong>s <strong>que</strong> possui o <strong>credor</strong>pignoratício, senão, também, os <strong>de</strong>veres <strong>que</strong> o mesmo <strong>de</strong>ve guar<strong>da</strong>r consigo, enquanto <strong>em</strong>penha<strong>da</strong>a coisa.Nos termos do artigo 670º, a, do Código Civil, o <strong>credor</strong> pignoratício, e, claro, o retentor,po<strong>de</strong>m, <strong>em</strong> relação à coisa objeto <strong>da</strong> garantia, usar as ações <strong>de</strong>stina<strong>da</strong>s à <strong>de</strong>fesa <strong>da</strong> posse, inclusivecontra o próprio dono <strong>da</strong> coisa.O <strong>credor</strong> <strong>da</strong> coisa, no entanto, t<strong>em</strong> como <strong>de</strong>ver guar<strong>da</strong>r e administrar a coisa como se suafosse e <strong>de</strong>ve abster-se <strong>de</strong> usar <strong>da</strong> coisa, senão caso esse uso seja indispensável para a conservação<strong>da</strong> mesma, além, é claro, <strong>de</strong> se obrigar a <strong>de</strong>volver a coisa, quando extinta a obrigação a <strong>que</strong> elaserve como garantia.Interessante observação, é <strong>que</strong> o próprio código traduz força máxima a esse <strong>direito</strong>, quandono seu artigo 759, 2, prevê <strong>que</strong> o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> <strong>retenção</strong> se sobrepõe à hipoteca, mesmo <strong>que</strong> houversido registra<strong>da</strong> anteriormente ao exercício <strong>de</strong>ste <strong>direito</strong>.Acerca disso, Vaz Serra <strong>nos</strong> esclarece <strong>que</strong>, permitindo a sobreposição <strong>da</strong> hipoteca sobre o<strong>direito</strong> <strong>de</strong> <strong>retenção</strong>, esses <strong>credor</strong>es se locupletariam às custas <strong>da</strong><strong>que</strong>le <strong>que</strong> realizou as <strong>de</strong>spesas nacoisa, uma vez <strong>que</strong> foi acrescido valor à mesma. 17O mesmo, ain<strong>da</strong>, carece <strong>de</strong> registro para o seu exercício, sendo exercitável <strong>de</strong> pleno <strong>direito</strong>,<strong>em</strong> havendo o <strong>de</strong>scumprimento <strong>da</strong> obrigação. E assim o é, pois a <strong>retenção</strong> <strong>da</strong> coisa já confere apublici<strong>da</strong><strong>de</strong> a<strong>de</strong>qua<strong>da</strong>, para <strong>que</strong> todos saibam <strong>que</strong> algum gravame se encontra nela, <strong>que</strong> no caso é o<strong>direito</strong> <strong>de</strong> <strong>retenção</strong> exercitado pelo <strong>credor</strong>, uma vez <strong>que</strong> a coisa não se encontra na posse do seulegítimo dono.O artigo 760 do Código Civil prevê ain<strong>da</strong> <strong>que</strong> não é transmissível o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> <strong>retenção</strong> s<strong>em</strong><strong>que</strong> seja transmitido o crédito por ele garantido. Ora, isso <strong>nos</strong> afigura lógico, uma vez <strong>que</strong> o <strong>direito</strong><strong>de</strong> <strong>retenção</strong> se apega ao crédito gerado pela coisa reti<strong>da</strong>, não po<strong>de</strong>mos, então, transmitir esse <strong>direito</strong>para outra pessoa, continuando o crédito a existir separa<strong>da</strong>mente do mesmo.17 Direito <strong>de</strong> Retenção, p. 153, 19


ALGOMIRO CARVALHO JÚNIOR O <strong>direito</strong> <strong>de</strong> <strong>retenção</strong> <strong>nos</strong> <strong>casos</strong> <strong>em</strong> <strong>que</strong> o <strong>credor</strong> e <strong>proprietário</strong> <strong>da</strong> coisa são pessoas diferentes : 11O <strong>direito</strong> <strong>de</strong> <strong>retenção</strong>, ain<strong>da</strong>, irá extinguir-se pelas mesmas causas <strong>que</strong> se extingue a hipoteca,quais sejam: extinção <strong>da</strong> obrigação a <strong>que</strong> serve <strong>de</strong> garantia; prescrição; perecimento <strong>da</strong> coisa; erenúncia do <strong>credor</strong>. Ain<strong>da</strong> <strong>nos</strong> termos do artigo 761º, o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> <strong>retenção</strong> extingue-se pela entrega<strong>da</strong> coisa.Porém, há discussão sobre a extinção pela entrega <strong>da</strong> coisa, se seria <strong>de</strong>vi<strong>da</strong>, caso esta ocorrainvoluntariamente, como no caso <strong>de</strong> uma ação judicial or<strong>de</strong>nando esta entrega, ou então no caso <strong>de</strong>esbulho <strong>da</strong> coisa ou a entrega resultar <strong>de</strong> frau<strong>de</strong>.Oliveira Ascensão enten<strong>de</strong> <strong>que</strong> a entrega, mesmo <strong>que</strong> não seja voluntária, faz o titular do<strong>direito</strong> <strong>de</strong> <strong>retenção</strong> per<strong>de</strong>r tal <strong>direito</strong>, e com isso, a garantia especial <strong>que</strong> ele carrega, uma vez <strong>que</strong>os terceiros <strong>que</strong> contratam com o dono <strong>da</strong> coisa <strong>de</strong>v<strong>em</strong> ter sua situação protegi<strong>da</strong> também,prevalecendo sobre a do retentor <strong>que</strong> tenha entregue a coisa. 18 Diferent<strong>em</strong>ente, Salvador <strong>da</strong> Costaenten<strong>de</strong> <strong>que</strong> somente a entrega voluntária extingue o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> <strong>retenção</strong>. 19O certo é <strong>que</strong> a extinção do <strong>direito</strong> <strong>de</strong> <strong>retenção</strong> não configura a extinção do crédito, no ato <strong>da</strong>entrega <strong>da</strong> coisa, o titular do <strong>direito</strong> <strong>de</strong> <strong>retenção</strong> abre mão apenas <strong>de</strong>ste <strong>direito</strong>, continuando a ser<strong>credor</strong> do dono <strong>da</strong> coisa, porém, s<strong>em</strong> esta garantia <strong>da</strong> obrigação.O retentor, porém, po<strong>de</strong>rá ficar com a coisa <strong>em</strong> seu domínio, até <strong>que</strong> lhe seja cumpri<strong>da</strong> aobrigação <strong>que</strong> a <strong>retenção</strong> está garantindo, s<strong>em</strong>, contudo, po<strong>de</strong>r usar <strong>da</strong> coisa, <strong>de</strong>vendo apenasmantê-la e conservá-la enquanto <strong>em</strong> seu domínio.3.5. O <strong>direito</strong> <strong>de</strong> <strong>retenção</strong> no BrasilO <strong>direito</strong> <strong>de</strong> <strong>retenção</strong>, no Brasil, seria como uma extensão do artigo 476 do Código Civilbrasileiro, <strong>que</strong> diz <strong>que</strong> “<strong>nos</strong> contratos bilaterais, nenhum dos contratantes, antes <strong>de</strong> cumpri<strong>da</strong> asua obrigação, po<strong>de</strong> exigir o impl<strong>em</strong>ento <strong>da</strong> do outro”.Ain<strong>da</strong> compl<strong>em</strong>enta o artigo 477, ao <strong>nos</strong> dizer <strong>que</strong>se, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> concluído o contrato, sobrevier a uma <strong>da</strong>s partes contratantesdiminuição <strong>em</strong> seu patrimônio capaz <strong>de</strong> comprometer ou tornar duvidosa aprestação pela qual se obrigou, po<strong>de</strong> a outra recusar-se à prestação <strong>que</strong> lheincumbe, até <strong>que</strong> a<strong>que</strong>la satisfaça a <strong>que</strong> lhe compete ou dê garantia bastante <strong>de</strong>satisfazê-la.Como perceb<strong>em</strong>os no artigo 477, a parte <strong>que</strong> realiza benfeitorias na coisa <strong>que</strong> pertence aterceira pessoa, <strong>de</strong>ve ser in<strong>de</strong>niza<strong>da</strong> por essas benfeitorias realiza<strong>da</strong>s, caso contrário, terá umadiminuição no seu patrimônio <strong>em</strong> virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong>ssa melhoria realiza<strong>da</strong>.No Brasil, porém, o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> <strong>retenção</strong> <strong>de</strong>ve ser alegado na contestação para <strong>que</strong> sejareconhecido na sentença. Na execução para entrega <strong>de</strong> coisa certa <strong>de</strong> título extrajudicial, po<strong>de</strong> ain<strong>da</strong>18 Reais, p. 550-551.19 O concurso <strong>de</strong> <strong>credor</strong>es, p. 231.


VERBO JURÍDICO O <strong>direito</strong> <strong>de</strong> <strong>retenção</strong> <strong>nos</strong> <strong>casos</strong> <strong>em</strong> <strong>que</strong> o <strong>credor</strong> e <strong>proprietário</strong> <strong>da</strong> coisa são pessoas diferentes : 12ser <strong>de</strong>duzido <strong>em</strong>bargos <strong>de</strong> <strong>retenção</strong> por benfeitorias, não o po<strong>de</strong>ndo ser feito, no entanto, <strong>em</strong>cumprimento <strong>de</strong> sentença, uma vez <strong>que</strong> o prazo para alegar o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> <strong>retenção</strong>, <strong>que</strong> seria nacontestação, já se escoou, há muito.4. O <strong>direito</strong> <strong>de</strong> <strong>retenção</strong> <strong>nos</strong> <strong>casos</strong> <strong>em</strong> <strong>que</strong> o <strong>credor</strong> e o <strong>proprietário</strong> <strong>da</strong> coisa são pessoasdiferentesPara a melhor compreensão e estudo do t<strong>em</strong>a proposto, realizamos uma pe<strong>que</strong>na digressãoacerca do <strong>direito</strong> <strong>de</strong> <strong>retenção</strong>, para <strong>que</strong> o t<strong>em</strong>a fosse aprofun<strong>da</strong>do <strong>de</strong> maneira sutil.Pois b<strong>em</strong>, o t<strong>em</strong>a proposto diz respeito ao exercício do <strong>direito</strong> <strong>de</strong> <strong>retenção</strong> <strong>nos</strong> <strong>casos</strong> <strong>em</strong> <strong>que</strong>o <strong>credor</strong> ao recebimento <strong>da</strong> coisa não é o real <strong>proprietário</strong> <strong>da</strong> coisa reti<strong>da</strong>, mas, no entanto, aentregou ao <strong>de</strong>vedor <strong>da</strong> entrega <strong>da</strong> coisa.Um ex<strong>em</strong>plo, on<strong>de</strong> melhor se visualiza o caso proposto, seria o célebre caso do motorista<strong>que</strong> leva o carro do patrão à oficina, s<strong>em</strong> conhecimento <strong>de</strong>ste, e no momento do acerto <strong>da</strong>obrigação, após realizado os reparos no carro, o real <strong>proprietário</strong> diz <strong>que</strong> não autorizou o conserto epor conseqüência não irá realizar o pagamento.Neste caso, po<strong>de</strong>rá o dono <strong>da</strong> oficina reter o veículo, uma vez <strong>que</strong> realiza<strong>da</strong> <strong>de</strong> boa-fé as<strong>de</strong>spesas no automóvel ou <strong>de</strong>verá entregar o carro ao seu real dono?Ain<strong>da</strong> o <strong>que</strong> paira no ar seria se essa entrega, seja ela voluntária ou involuntária, irá fazerextinguir o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> <strong>retenção</strong> do <strong>de</strong>vedor <strong>da</strong> coisa, uma vez <strong>que</strong>, como sab<strong>em</strong>os, o <strong>direito</strong> <strong>de</strong><strong>retenção</strong> é extinto com a entrega <strong>da</strong> coisa.Sab<strong>em</strong>os <strong>que</strong>, para a <strong>de</strong>fesa do <strong>direito</strong> <strong>de</strong> <strong>retenção</strong>, serão usa<strong>da</strong>s as ações <strong>de</strong>stina<strong>da</strong>s à <strong>de</strong>fesa<strong>da</strong> posse, inclusive contra o próprio dono. Pois b<strong>em</strong>, esse argumento já seria suficiente para<strong>em</strong>basar a tese <strong>de</strong> <strong>que</strong> o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> <strong>retenção</strong>, exercitado contra pessoa diferente <strong>da</strong> <strong>que</strong> entregou acoisa, e é o real dono po<strong>de</strong>rá ser exercitado.Porém, não sab<strong>em</strong>os, se<strong>que</strong>r, se, nesses <strong>casos</strong>, on<strong>de</strong> <strong>credor</strong> e <strong>proprietário</strong> <strong>da</strong> coisa sãopessoas diferentes, haverá a possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> do exercício do <strong>direito</strong> <strong>de</strong> <strong>retenção</strong>.Vaz Serra doutrina <strong>que</strong>(…) à primeira vista, pareceria <strong>que</strong> não se po<strong>de</strong>ria ter ver<strong>da</strong><strong>de</strong>ira garantia sobrea coisa, se esta se obteve <strong>de</strong> pessoa diversa do <strong>proprietário</strong>; como opor a este o<strong>direito</strong> <strong>que</strong> se recebeu <strong>de</strong> outr<strong>em</strong> <strong>de</strong>stituído do po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> concedê-lo? (…) oraciocínio exposto repousa totalmente sobre o pressuposto <strong>da</strong> garantia obti<strong>da</strong> do<strong>de</strong>vedor; ao contrário, a <strong>retenção</strong> existe por um facto próprio do <strong>credor</strong>; (…) nãoimporta já <strong>que</strong> se analise <strong>em</strong> relação a qu<strong>em</strong> surgiu este crédito: a figura do<strong>de</strong>vedor <strong>de</strong>saparece, e fica só o facto <strong>de</strong> <strong>que</strong> a <strong>de</strong>spesa se fez com a coisa, nela seincorporou (…); seja qu<strong>em</strong> for o <strong>proprietário</strong> <strong>da</strong> coisa, aproveita com a <strong>de</strong>spesa


ALGOMIRO CARVALHO JÚNIOR O <strong>direito</strong> <strong>de</strong> <strong>retenção</strong> <strong>nos</strong> <strong>casos</strong> <strong>em</strong> <strong>que</strong> o <strong>credor</strong> e <strong>proprietário</strong> <strong>da</strong> coisa são pessoas diferentes : 13feita (…). Aqui, a relação creditória, <strong>em</strong> conseqüência <strong>da</strong> utili<strong>da</strong><strong>de</strong> consi<strong>de</strong>ra<strong>da</strong>realmente na coisa, toma a figura <strong>de</strong> obligatio ob r<strong>em</strong>. 20Cláudia Ma<strong>da</strong>leno, acerca <strong>de</strong>sse fato, diz <strong>que</strong>, na vigência do Código <strong>de</strong> Seabra, esse <strong>direito</strong>,<strong>de</strong> <strong>retenção</strong>, era oponível inclusive contra o terceiro <strong>que</strong> reivindicasse a coisa como própria, pelaconexão própria do <strong>direito</strong> com o crédito. Não <strong>de</strong>ixa, a autora, <strong>de</strong> ressalvar <strong>que</strong>, no atual código,essa discussão se encontra supera<strong>da</strong>, <strong>em</strong> virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong> não haver dúvi<strong>da</strong> quanto à posição <strong>de</strong> <strong>direito</strong>real <strong>de</strong> garantia do <strong>direito</strong> <strong>de</strong> <strong>retenção</strong>, oponível erga omnes. 21Portanto, na visão dos autores, seria oponível o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> <strong>retenção</strong> contra todos a<strong>que</strong>les <strong>que</strong><strong>de</strong>sej<strong>em</strong> a coisa, até <strong>que</strong> seja integralmente satisfeita a obrigação. Porém, o caso se esten<strong>de</strong>, umavez <strong>que</strong> o terceiro <strong>que</strong> alega ser sua a coisa, não possuía conhecimento <strong>da</strong> <strong>de</strong>tenção <strong>de</strong>sta coisa poroutra pessoa, mas a<strong>que</strong>le <strong>que</strong> está com a coisa reti<strong>da</strong>, a obteve <strong>de</strong> boa-fé e <strong>de</strong> boa-fé realizou as<strong>de</strong>spesas necessárias à coisa, inclusive à sua conservação.Se, caso a coisa esteja sendo procura<strong>da</strong> para <strong>que</strong> seja penhora<strong>da</strong> e posteriormente vendi<strong>da</strong>, otitular <strong>de</strong>ste <strong>direito</strong> não po<strong>de</strong> obstar o exercício <strong>de</strong>sta ação, uma vez <strong>que</strong>, segundo já foi <strong>de</strong>cididopelo Tribunal <strong>da</strong> Relação <strong>de</strong> Lisboa, <strong>em</strong> 21 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1993(…) se o promitente-ven<strong>de</strong>dor é <strong>de</strong>sapossado <strong>da</strong> coisa para ser vendi<strong>da</strong> <strong>em</strong> hastapública o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> <strong>retenção</strong> não dá ao promitente-comprador o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> a nãoentregar, mas apenas <strong>de</strong> ser pago com preferência (…). Era no concurso <strong>de</strong><strong>credor</strong>es <strong>que</strong> o apelante teria <strong>que</strong> reclamar o seu crédito, garantido pelo <strong>direito</strong><strong>de</strong> <strong>retenção</strong>.O <strong>direito</strong> <strong>de</strong> <strong>retenção</strong>, como um modo <strong>de</strong> compelir o <strong>de</strong>vedor ao pagamento <strong>da</strong> dívi<strong>da</strong>, t<strong>em</strong>seu fim natural com a ação executiva e a ven<strong>da</strong> do b<strong>em</strong>. Portanto, na<strong>da</strong> mais fácil enten<strong>de</strong>rmos <strong>que</strong>essa entrega do b<strong>em</strong> para a ven<strong>da</strong> executiva, mesmo <strong>que</strong> tenho sido proposta por outro <strong>credor</strong>, além<strong>de</strong> não extinguir o <strong>direito</strong> já gravado na coisa, pelo seu exercício, irá ain<strong>da</strong>, satisfazer a obrigação,preferencialmente aos <strong>de</strong>mais <strong>credor</strong>es.Porém, o ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iro <strong>proprietário</strong> <strong>da</strong> coisa não a procurará, usando dos meios judiciaiscabíveis para entregá-la <strong>em</strong> execução. Porém, segundo acórdão do Supr<strong>em</strong>o Tribunal <strong>de</strong> Justiça, <strong>de</strong>26 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 2001, foi <strong>de</strong>terminado <strong>que</strong> “só a entrega voluntária funciona como renúncia a tal<strong>direito</strong>. Se o retentor per<strong>de</strong>u a <strong>de</strong>tenção <strong>da</strong> coisa s<strong>em</strong> a sua vonta<strong>de</strong>, não existe qual<strong>que</strong>r renúnciaao <strong>direito</strong> <strong>de</strong> <strong>retenção</strong>, não ocorrendo, pois, a sua extinção”.Portanto, havendo a entrega voluntária do b<strong>em</strong> ao seu real <strong>proprietário</strong>, per<strong>de</strong>rá o retentor, asua garantia especial, <strong>que</strong> lhe <strong>da</strong>va primazia no recebimento do crédito.O <strong>de</strong>vedor <strong>da</strong> coisa <strong>de</strong>verá, então, conservar a coisa <strong>em</strong> seu po<strong>de</strong>r, e utilizar dos meioscabíveis para sua <strong>de</strong>fesa, uma vez <strong>que</strong> o exercício do <strong>direito</strong> <strong>de</strong> <strong>retenção</strong> é oponível contra todos.Não obstante essas observações, a <strong>de</strong>tenção, e as <strong>de</strong>spesas realiza<strong>da</strong>s na coisa, <strong>de</strong>v<strong>em</strong> se <strong>da</strong>r <strong>de</strong>20 Direito <strong>de</strong> Retenção, p. 178 e 179.21 A Vulnerabili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong>s Garantias Reais, p. 85 e 86.


VERBO JURÍDICO O <strong>direito</strong> <strong>de</strong> <strong>retenção</strong> <strong>nos</strong> <strong>casos</strong> <strong>em</strong> <strong>que</strong> o <strong>credor</strong> e <strong>proprietário</strong> <strong>da</strong> coisa são pessoas diferentes : 14boa-fé, para <strong>que</strong> legitime o retentor <strong>da</strong> coisa a opor esse <strong>direito</strong> contra o real titular, uma vez <strong>que</strong>uma <strong>da</strong>s características primordiais do <strong>direito</strong> <strong>de</strong> <strong>retenção</strong> é a posse <strong>de</strong> boa-fé.Caso a coisa seja retoma<strong>da</strong>, então, <strong>em</strong> penhora judicial e posterior ven<strong>da</strong> executiva, apriori<strong>da</strong><strong>de</strong> no recebimento dos créditos será do <strong>credor</strong> <strong>que</strong> exercitava o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> <strong>retenção</strong>.A<strong>de</strong>mais, se houvesse a obrigação <strong>da</strong> entrega <strong>da</strong> coisa ao real dono, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>da</strong>satisfação do crédito, estaria, este, se locupletando às custas do retentor, <strong>que</strong>, <strong>de</strong> boa-fé, realizou<strong>de</strong>spesas <strong>em</strong> seu b<strong>em</strong>, <strong>de</strong>sestabilizando, <strong>de</strong>ssa forma, o or<strong>de</strong>namento jurídico.5. ConclusãoComo pu<strong>de</strong>mos observar, o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> <strong>retenção</strong> é um importante <strong>direito</strong>, com aplicaçãoprática no or<strong>de</strong>namento português, sendo <strong>de</strong> pouquíssima ou quase nenhuma aplicação noor<strong>de</strong>namento brasileiro.Assim o é por<strong>que</strong> o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> <strong>retenção</strong> <strong>em</strong> Portugal t<strong>em</strong> uma amplitu<strong>de</strong> maior <strong>da</strong> conferi<strong>da</strong>no or<strong>de</strong>namento brasileiro, sendo um <strong>direito</strong> real <strong>de</strong> garantia <strong>que</strong> se sobrepõe, inclusive, à hipoteca.Dessa forma, há espaço para sua aplicação <strong>de</strong>ntro do or<strong>de</strong>namento civil lusitano, ao passo<strong>que</strong> no Brasil, não encontra guari<strong>da</strong> por ser um <strong>direito</strong> qual<strong>que</strong>r, aplicável a <strong>casos</strong> especificados nalei e s<strong>em</strong> uma garantia como a conferi<strong>da</strong> <strong>em</strong> Portugal.No tocante ao t<strong>em</strong>a específico, o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> <strong>retenção</strong> <strong>nos</strong> <strong>casos</strong> <strong>em</strong> <strong>que</strong> <strong>credor</strong> e <strong>proprietário</strong><strong>da</strong> coisa são pessoas diferentes, foi possível chegar a uma resposta ao caso proposto.Por um lado, t<strong>em</strong>os <strong>que</strong> não seria válido o <strong>de</strong>vedor <strong>da</strong> coisa retê-la contra seu próprio dono,quando este <strong>de</strong>sconhecia, realmente, <strong>que</strong> a coisa havia sido entregue a outra pessoa para realização<strong>de</strong> benfeitorias.Por outro lado, este <strong>de</strong>vedor agiu <strong>de</strong> boa-fé, sendo este um dos requisitos previstos noCódigo Civil português (art. 756, b). Não po<strong>de</strong> ser ele penalizado pelas benfeitorias <strong>de</strong> boa-férealiza<strong>da</strong>s na coisa, sendo <strong>que</strong> não sabia qu<strong>em</strong> era seu real dono, uma vez <strong>que</strong> a<strong>que</strong>le <strong>que</strong> não era,efetivamente, o <strong>proprietário</strong> <strong>da</strong> coisa, lhe apareceu como se o <strong>proprietário</strong> fosse.A<strong>de</strong>mais, outra <strong>que</strong>stão aparece no caso <strong>em</strong> comento, aceitar <strong>que</strong> <strong>de</strong>veria haver a entregas<strong>em</strong> resistência pelo <strong>de</strong>vedor <strong>da</strong> coisa importa anuir com o enri<strong>que</strong>cimento ilícito do <strong>credor</strong> <strong>da</strong>coisa, <strong>que</strong> teve sua coisa melhora<strong>da</strong> e ain<strong>da</strong> na<strong>da</strong> teve <strong>de</strong> <strong>de</strong>spesas com isso.Dessa forma, a solução mais justa encontra<strong>da</strong>, é <strong>que</strong> efetivamente o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> <strong>retenção</strong> seráexercitado, porém, havendo ação judicial <strong>que</strong> objetive a retoma<strong>da</strong> <strong>da</strong> coisa, esta <strong>de</strong>verá serentregue, porém, o <strong>de</strong>vedor <strong>da</strong> coisa conservará <strong>em</strong> seu <strong>direito</strong> todos os benefícios concedidos pelo<strong>direito</strong> <strong>de</strong> <strong>retenção</strong>, po<strong>de</strong>ndo exercitá-los, mesmo não estando mais na posse <strong>da</strong> coisa, uma vez <strong>que</strong>não a entregou pacificamente.


ALGOMIRO CARVALHO JÚNIOR O <strong>direito</strong> <strong>de</strong> <strong>retenção</strong> <strong>nos</strong> <strong>casos</strong> <strong>em</strong> <strong>que</strong> o <strong>credor</strong> e <strong>proprietário</strong> <strong>da</strong> coisa são pessoas diferentes : 15BibliografiaASCENSÃO, José Oliveira. Direito Civil: Reais. 5. Ed. Coimbra: Coimbra editora, 2000.COSTA, Salvador <strong>da</strong>. O Concurso <strong>de</strong> Credores. 3. Ed. Coimbra, 2005.FONSECA, Arnoldo Me<strong>de</strong>iros <strong>da</strong>. Direito <strong>de</strong> Retenção. 2. Ed. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Forense,1944.FRAGA, Álvaro Moreira Carlos. Direitos Reias. Coimbra: Almedina, 2010.GOMES, Orlando. Direitos Reais. 8. Ed. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Forense, 1983.GOMES, Manuel Januário <strong>da</strong> Costa. Estudo <strong>de</strong> Direito <strong>da</strong>s Garantias, V. 1. Coimbra:Almedina, 2004.GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, V. 5, São Paulo: Saraiva, 2007.GONÇALVES, Luís <strong>da</strong> Cunha. Da Proprie<strong>da</strong><strong>de</strong> e <strong>da</strong> posse. Lisboa: Ática, 1952.LEITÃO, Luís Manuel Teles <strong>de</strong> Menezes. Garantia <strong>da</strong>s Obrigações. 2 ed. Coimbra:Almedina, 2008.______________. Direitos Reais. Coimbra: Almedina, 2009MADALENO, Cláudia. A Vulnerabili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong>s Garantias Reais: A hipoteca voluntáriaface ao <strong>direito</strong> <strong>de</strong> <strong>retenção</strong> e ao <strong>direito</strong> <strong>de</strong> arren<strong>da</strong>mento. Coimbra: Coimbra editora, 2008.NETO, Sebastião José <strong>de</strong> Assis. Curso Básico <strong>de</strong> Direito Civil. 1 ed. V. 3. Niterói: Impetus,2010.SERRA, Adriano Paes <strong>da</strong> Silva Vaz. Direito <strong>de</strong> Retenção, <strong>em</strong> Boletim do Ministério <strong>da</strong>Justiça, nº 65, 1957.VENOSA, Sílvio <strong>de</strong> Salvo. Direito Civil. 6 ed. V. 5. São Paulo: Atlas, 2006.ALGOMIRO CARVALHOPortal Verbo Jurídico | 02-2013

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