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TRIBUNAL JUDICIAL DO FUNCHAL

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<strong>TRIBUNAL</strong> <strong>JUDICIAL</strong> <strong>DO</strong> <strong>FUNCHAL</strong>Sentença – acção sumária 71/99.4º Juízo Cível Tribunal Judicial do FunchalData: 09 de Março de 2001.Autora: Drª. Micaela Marisa da Silva Sousa.Transitada em julgado.Esta sentença aborda as questões relativas à natureza do prazo para intentar acção deperdas e danos (caducidade/prescrição), bem como a distinção das actividades de agentede navegação e transitário em sede de contrato de transporte marítimo.I. Relatório...... – Sociedade de Peixe da Ilha, L.da, com sede no Sítio ....., ....., Santa Cruz intentacontra ......... Actividades Transitárias, L.da, com sede no ...., n.º ....., Funchal a presente acçãodeclarativa de condenação, com processo sumário, com fundamento em que, no âmbito da suaactividade, vendeu à empresa “da Silva Fishing”, com sede na Austrália, várias postas e ovas depescada; por forma a que a mercadoria chegasse ao seu destino – Fremantle, Austrália -,solicitou à ré as operações necessárias, o que esta aceitou; ao destino chegaram apenas 661 das871 embalagens, dado que 210 foram apreendidas dado o estado de degradação em que seencontravam; a seguradora com quem havia contratado recusou-se a suportar aresponsabilidade; segundo peritagem, na origem do sucedido esteve uma insuficiência naalimentação de frio à mercadoria, resultante do péssimo estado de conservação do contentor; aA. contactou com a ré no sentido da resolução do problema, mas continua com um prejuízopatrimonial de Esc. 2.496.045$00; pretende, pois, ser indemnizada por esse valor, acrescido dejuros de mora, dado que a ré é responsável pelo transporte com falta de condições desegurança.---A ré, regularmente citada, contestou, alegando, em síntese, que a sua actividade é detransitária, pelo que não efectua transportes, sendo apenas um mandatário ou gestor de negóciossobre as mercadorias a transportar; o contentor onde a mercadoria foi transportada não é suapropriedade; foi a própria A. quem estivou e carregou o contentor que partiu do Funchal paraLeixões; os danos que ocorreram no contentor ter-se-ão dado no trajecto Leixões – Austrália,sendo que a empresa transportadora para o destino final foi a Mediterranean Shipping Company(Portugal), S. A..---1


<strong>TRIBUNAL</strong> <strong>JUDICIAL</strong> <strong>DO</strong> <strong>FUNCHAL</strong>Simultaneamente, a ré veio deduzir intervenção principal provocada desta últimaempresa, por entender que esta é a verdadeira devedora das quantias peticionadas pela A..---A A. respondeu sustentando que celebrou com a ré Ilhotrans um contrato de transportede mercadorias, sendo que esta é responsável não só pelo incumprimento das suas obrigaçõespara com o cliente, como também pelas obrigações contraídas por terceiros com quem hajacontratado.--Por despacho de fls. 39 a 41 considerou-se que o interesse da chamada estaria próximodo da ré, pelo que teria interesse directo em contradizer a pretensão da A., tendo sido admito oseu chamamento.---Uma vez citada a chamada, esta veio contestar invocando, desde logo, a suailegitimidade com fundamento em que não efectuou o transporte, pois trata-se de um agente denavegação que agencia nos portos de Lisboa e Leixões os navios do armador “MediterraneanShipping Company, S. A.”, empresa suíça; foi na qualidade de agente de navegação que emitiuo conhecimento de embarque, e nessa qualidade recebeu a reclamação formal a fim de submeterao armador, pelo que não pode ser responsabilizada pelas perdas e avarias ocorridas durante otransporte.---Deduziu, ainda, excepção de prescrição com base na circunstância de o contrato de transporteem apreço, no qual não assume a posição de transportador, reger-se pela ConvençãoInternacional relativa aos conhecimentos de embarque datada de 25 de Agosto de 1924, aqual faz parte da ordem jurídica nacional, cujo art. 6º, n.º 3 estabelece um prazo deprescrição de um ano a contar da entrega das mercadorias, dentro do qual deve ser intentadaa acção; o contentor foi carregado no dia 26 de Abril de 1997, tendo a acção dado entradano 15.07.1999, sendo a chamada citada no dia 19.11.1999, pelo que há muito o direito de aré ou a A. accionar a chamada prescreveu.---A chamada defendeu-se, ainda, por impugnação, alegando não ter estabelecidoquaisquer relações com a A., assim como não teve qualquer intervenção na operação deenchimento e fecho do contentor, o qual foi entregue no porto de Leixões devidamentefechado e selado, sendo que a obrigação de transporte resultante do conhecimento deembarque reporta-se a um contentor e não às mercadorias supostamente nele carregadas,pelo que desconhece qual a mercadoria, peso e valor acondicionada dentro desse contentor;o conhecimento de embarque foi emitido pela chamada no porto de Leixões de acordo comas informações e elementos fornecidos pela própria ré; a chamada não tinha forma deproceder à conferência da carga, para além do que foi inserida no conhecimento de2


<strong>TRIBUNAL</strong> <strong>JUDICIAL</strong> <strong>DO</strong> <strong>FUNCHAL</strong>Convenção de Bruxelas e eventual responsabilidade da ré e chamadas pelos prejuízossuportados pela A. no âmbito da execução do contrato de transporte relativo às mercadoriasexpedidas para a Austrália.---*II. Fundamentação de FactoÉ a seguinte a factualidade processualmente adquirida:---1. A A. é uma sociedade comercial cujo objecto é a comercialização de pescado ederivados (alínea A)).---2. No âmbito da sua actividade a A. vendeu à sociedade Australiana "Da SilvaFishing", com sede em 214 Hamilton Road, Speardwood 6163, ovas de pescada,postas de espada preta e filete de espada corrente, pelo preço total de USD 53,642,30, ou seja, Esc. 9.261.772$00 (alínea B)).---3. O destino dos produtos vendidos era Fremantle, na Austrália (alínea C)).---4. A A. efectuou um seguro de transporte de mercadoria para produtos alimentaresrefrigerados, cujo valor coincidiu com o valor da venda dos produtos em causa(alínea D)).---5. Para vistoriador ou perito, em caso de perda ou dano, foi nomeada a "World Marine& General Insurance, L.da" (alínea E)).---6. A A. solicitou à ré as "operações" necessárias por forma a que a mercadoriachegasse ao seu destino, o que foi por esta aceite (alínea F)).---7. Das 871 embalagens transportadas, apenas 661 chegaram ao seu destino emcondições de serem comercializadas e consumidas, sem perigo para a saúde pública(alínea G)).---8. 210 embalagens foram apreendidas pelas entidades australianas, dado o estado dedegradação em que se encontravam (alínea H)).---9. A companhia de seguros Generali, com a qual foi celebrado o contrato de seguroreferido em 4., recusou-se a assumir qualquer responsabilidade pelo sinistro, porentender que os factos determinantes do mesmo extravasavam o previsto no referidocontrato (alínea I)).---10. Segundo a peritagem da "World Marine & General Insurance, L.da" na origem dosucedido esteve uma insuficiência na alimentação de frio à mercadoria (alínea J)).---4


<strong>TRIBUNAL</strong> <strong>JUDICIAL</strong> <strong>DO</strong> <strong>FUNCHAL</strong>11. A A., após confrontação com os dados da peritagem, enviou à ré uma cartasolicitando uma indemnização por perdas e danos, indicando para o efeito o valorda mercadoria deteriorada (alínea L)).---12. Em Outubro de 1998, a A. enviou nova carta à ré, confrontando-a com anecessidade de resolução da questão (alínea M)).---13. Pelos serviços prestados pela ré Ilhotrans, L.da à A., a solicitação desta, a A. pagoua quantia de Esc. 1.053.171$00 (alínea N)).---14. A actividade da ré é a de transitária (alínea O)).---15. A "Mediterranean Shipping Company (Portugal), S. A." é um agente de navegação,e é empresa portuguesa matriculada na Conservatória do Registo Comercial deLisboa sob o n.º 00938/910902 (alínea P)).---16. E agencia nos portos de Lisboa e de Leixões os navios do armador "MediterraneanShipping Company, S. A.", empresa suíça com sede na Avenue Pittard, n.º 40, emGeneve (alínea R)).---17. A "Mediterranean Shipping Company, S. A." é accionista da "MediterraneanShipping Company (Portugal), S. A." (alínea S)).---18. Para o transporte das mercadorias referidas em 2. com o destino referido em 3., foiemitido e assinado pela "Mediterranean Shipping Company (Portugal), S. A.", nasua qualidade de agente, o "Bill of Landing" - "Conhecimento de Embarque" n.ºMSCUK 080574-3, o qual titula o contrato de transporte marítimo do contentor coma mercadoria da A. (alínea T)).---19. No Conhecimento de Embarque referido em 18. a A. aparece como "shipper"(carregador), a empresa "Da Silva Fishing" como "consignee" (consignatário), a"Mediterranean Shipping Company S. A." (Geneva), como "carrier" (transportador)e a "Mediterranean Shipping Company (Portugal), S. A." "as agents" (como agente)(alínea U)).---20. O contentor foi carregado no dia 26.04.1997 (alínea V)).---21. A "Mediterranean Shipping Company (Portugal), S. A." não teve qualquerintervenção na operação de enchimento e fecho do contentor (alínea X)).---22. O Conhecimento de Embarque referido em 18. foi emitido pela "MediterraneanShipping Company (Portugal), S. A." no porto de Leixões de acordo com asinformações e elementos fornecidos pela própria ré (alínea Z)).---5


<strong>TRIBUNAL</strong> <strong>JUDICIAL</strong> <strong>DO</strong> <strong>FUNCHAL</strong>23. Resulta dos elementos constantes do campo 12 do Conhecimento de Embarque queo objecto do contrato foi um contentor com um lote de peixe congelado, o qualdeveria ser transportado à temperatura de -18ºC (alínea AA)).---24. Foi inserida no Conhecimento de Embarque referido em 18. a cláusula STC ("SaidTo Contain" - "Diz conter") (alínea BB)).---25. Foi também inserida a expressão FCL que significa "full container load" ou seja"contentor completo" (alínea CC)).---26. Consta do mesmo Conhecimento de Embarque que "No caso dos contentorescompletos recebidos, o transportador não tem meios para verificar o conteúdo que ocarregador diz ser conforme acima" (alínea DD)).---27. É mencionado no Conhecimento de Embarque: "Recebidos os contentores emaparente bom estado e condição, os outros volumes ou unidades ostentando marcase números acima indicados no "Recibo do Transportador", dizendo o carregadorconter a qualidade das mercadorias, pesos e medidas acima indicadas nos "Detalhesfornecidos pelo Carregador", todos estes detalhes não foram conferidos peloTransportador. Estes detalhes são exclusivamente para uso do Carregador e doRecebedor, não constituindo parte do Conhecimento de Embarque e não obrigandoo Transportador" (alínea EE)).---28. Tendo sido colocado o problema da temperatura, foi enviado à ré um fax comcópias do relatório do registo de temperatura do contentor em causa durante aviagem até ao destino final (alínea FF)).---29. A insuficiência da alimentação de frio à mercadoria referida em 10. é resultante doestado deficiente do contentor N.º MSCU3603997, o qual apresentava-segravemente oxidado em vários locais e com espaços não selados que permitiram aentrada de água no contentor (ponto 1.).---30. O valor da mercadoria deteriorada é de USD 12,933,28, ou seja, de Esc.2.496.045$00 (ponto 2.).---31. O contentor onde a mercadoria foi transportada não é propriedade da ré Ilhotrans,L.da (ponto 3.)---32. Foi a própria A. que estivou e carregou o contentor que partiu de Funchal paraLeixões (ponto 4.).---33. A "Mediterranean Shipping Company (Portugal), S. A." não efectuou qualquerreclamação quando recebeu o contentor vindo do Funchal (ponto 5.).---6


<strong>TRIBUNAL</strong> <strong>JUDICIAL</strong> <strong>DO</strong> <strong>FUNCHAL</strong>34. O contentor foi entregue no porto de Leixões devidamente fechado e selado (ponto7.).-35. O que impediu a "Mediterranean Shipping Company (Portugal), S. A." de procederà abertura do mesmo e conferência da carga que nele foi acondicionada (ponto 8.).---36. O contentor em causa, antes de embarcar no navio da "Mediterranean ShippingCompany, S. A." com destino à Austrália foi devidamente inspeccionado (ponto9.).---37. Foi verificado pela empresa "REIER" o funcionamento do contentor,designadamente no que concerne ao fornecimento de ar frio, tendo concluído que omesmo se encontrava a funcionar nas devidas condições (ponto 10.).---38. A temperatura do contentor durante a viagem até ao destino final, variou entre -18ºC e -19ºC (ponto 11.).---*III. Fundamentação de DireitoDa Actividade Transitária - O Contrato de Expedição ou TrânsitoEm primeiro lugar, há, desde logo, que chamar a atenção para o facto de a actividadedos transitários implicar uma diversidade de operações o que acarreta, naturalmente, uma certacomplexidade na definição do seu regime jurídico.---A função que, usualmente, vinha sendo atribuída ao transitário era a de intermediárioentre expedidor e transportador da mercadoria, pese embora, tenha vindo a assumir uma posiçãode prestador de uma pluralidade de serviços.---Assim, o transitário pode limitar a sua actividade ao desempenho de um contrato deexpedição, ou seja, ele vai interpor-se entre o carregador e o transportador, na sequência dasolicitação daquele para que se encarregue de celebrar o contrato de transporte pretendido;como poderá desenvolver uma série de outras operações, incluindo actos jurídicos ou actosmateriais, nomeadamente: armazenagem de mercadorias, entrega aos transportadoressucessivos, recepção, verificação e entrega das mercadorias ao destinatário, celebração decontrato de seguro, etc..---O Dec.-Lei n.º 43/83, de 25.01 regulava a prestação da actividade transitária,designadamente no sentido do estabelecimento dos requisitos necessários e exigíveis para odesenvolvimento dessa actividade.---7


<strong>TRIBUNAL</strong> <strong>JUDICIAL</strong> <strong>DO</strong> <strong>FUNCHAL</strong>O art. 1º desse diploma fornecia o critério para a qualificação das empresas comotransitárias, considerando como tais "as sociedades comerciais que, tendo por objecto aprestação de serviços a terceiros, no âmbito da planificação, controle, coordenação e direcçãodas operações necessárias à execução das formalidades e trâmites exigidos na expedição,recepção e circulação de bens ou mercadorias, obedeçam aos requisitos estabelecidos nopresente diploma e nas suas disposições regulamentares".---Podem distinguir-se dois conceitos de contrato de expedição: um em sentido estrito, deacordo com o qual "o contrato de expedição é um mandato, pelo qual o transitário se obriga acelebrar um contrato de transporte por conta do expedidor-mandante. O mandato poderáabranger para além deste núcleo, a prática dos actos acessórios indispensáveis à suaconsecução"; em sentido lato, tratar-se-á de "um contrato de prestação de serviço, que poderáabranger a prática quer de operações materiais, quer de actos jurídicos, ligados a um contrato detransporte" - Francisco Costeira da Rocha, O Contrato de Transporte de Mercadorias -Contributo para o Estudo da Posição Jurídica do Destinatário no Contrato de Transporte deMercadorias, 2000, págs. 79 e 80.-A referência a contrato de expedição ou trânsito coincide com o conceito estrito domesmo.De referir que, o transitário pode intervir no início, durante e no fim do transporte,sendo certo que a garantia do cumprimento do contrato de transporte não faz parte do contratode expedição.---F. Costeira da Rocha acaba por definir o contrato de expedição ou trânsito como "ocontrato pelo qual uma parte (transitário) se obriga perante a outra (expedidor) a prestar-lhecertos serviços - que tanto podem ser actos materiais ou jurídicos - ligados a um contrato detransporte, e também a celebrar um ou mais contratos de transporte em nome e representação docliente" - op. cit., págs. 80 e 81.---Como se referiu, o contrato de expedição, em sentido estrito, consubstancia um contratode mandato, o qual poderá ser com ou sem representação, nos termos gerais, pelo que, para quehaja mandato representativo, é necessário que tenha sido concedida pelo mandante procuraçãoao mandatário.---Fundamental ao contrato de trânsito é o mandato: o transitário assume a obrigação decelebrar um contrato de transporte, com um transportador, em nome próprio ou do expedidor,mas será sempre por conta deste.---8


<strong>TRIBUNAL</strong> <strong>JUDICIAL</strong> <strong>DO</strong> <strong>FUNCHAL</strong>Não existindo poderes de representação, o transitário age por conta do expedidor, masem nome próprio, havendo que recorrer-se à disciplina dos art.ºs 1180º a 1184º do Código Civile art.ºs 266º e seguintes do Código Comercial.---O mandatário não será, então, e em princípio, responsável pela falta de cumprimentodas obrigações assumidas pelas pessoas com quem haja contratado - cfr. art. 1183º do CódigoCivil. Todavia, nesse caso, o transitário não deixa de ser responsável, como mandatário, peranteo mandante, caso se verifique incumprimento ou cumprimento defeituoso do mandato.---Dado que os transitários muitas vezes extravasam o âmbito da sua função normal deintermediários, acabando por agirem como transportadores, tal circunstância leva a que adistinção entre contrato de expedição e contrato de transporte nem sempre seja fácil.---O próprio regime jurídico decorrente do Dec.-Lei n.º 43/83, de 25.01 não é claramenteelucidativo uma vez que incide, sobremaneira, sobre a delimitação de quem pode exercer aactividade transitária e os requisitos para o respectivo exercício, e não tanto sobre a destrinçaentre o contrato de transporte e o contrato de trânsito.---Contudo, importa realçar que quando o carregador se dirige a um transitário o que elepretende não é que determinada mercadoria seja deslocada de certo local e entregue aodestinatário, sem que existam, as mais das vezes, preocupações acerca de esclarecer se está ounão a atribuir um mandato com ou sem representação.---Resulta daqui que, via de regra, «o transitário “é um simples encarregado do comitente(expedidor) para a celebração do contrato de transporte, e como tal não assume nenhumaresponsabilidade pessoal em ordem à execução do transporte”. De facto, o transitário não seobriga a transportar, mas a celebrar um contrato de transporte. Ele não celebra com o expedidorum contrato de transporte, mas sim um contrato de mandato pelo qual se obriga a celebrar, porconta deste, um contrato de transporte» – F. Costeira da Rocha, op. cit., pág. 86.---Um critério diferenciador radicará na obrigação fulcral do contrato celebrado: nocontrato de expedição, o transitário assume a obrigação de celebrar um contrato de transporte;no contrato de transporte, o transportador obriga-se a fazer deslocar pessoas ou mercadorias.---Assim, o transitário não é responsável pela boa execução do contrato de transporte, anão ser que se verifique a existência de convenção “del credere” (cfr. art. 269º do CódigoComercial), e sem prejuízo, naturalmente, das regras do mandato.---Da determinação da figura contratual em presença dependerá a definição de qual oregime jurídico aplicável, nomeadamente, a aplicação das convenções internacionais como aConvenção de Bruxelas e o direito positivo interno sobre o contrato de transporte.---9


<strong>TRIBUNAL</strong> <strong>JUDICIAL</strong> <strong>DO</strong> <strong>FUNCHAL</strong>De notar, pela importância que assume neste caso, que o prazo de prescrição aplicávelno contrato de trânsito será o prazo ordinário de 20 anos (art. 309º do Código Civil), e, emalguns casos, o de 2 anos mencionado no art. 317º, b) do C. Civil. Tais prazos são,naturalmente, diversos daqueles que resultam da aplicação da Convenção de Bruxelas quandoesteja em causa um contrato de transporte.---As considerações que têm vindo a ser expendidas enquadram-se no âmbito do regime daactividade transitária decorrente do Dec.-Lei n.º 43/83, de 25.01.---Sucede, porém, que tal regime foi revogado pela entrada em vigor do Dec.-Lei n.º255/99, de 7.07, o qual veio regular ex novo o regime de acesso e exercício da actividadetransitária, mantendo, contudo, em termos essencialmente idênticos, embora com especificaçãodas várias áreas de actuação, a definição da actividade transitária – cfr. art. 1º, n.º 2 do referidodiploma legal.O art. 13º, n.º 2 do Dec.-Lei n.º 255/99, de 7.07 permite às empresas transitárias celebrarcontratos com terceiros em nome próprio, por conta do expedidor ou do dono da mercadorias,bem como receber em nome próprio ou por conta do seu cliente, as mercadorias que lhe sãoentregues pelo transportador e actuar como gestor de negócios. Tal intervenção já resultaria, noessencial, do anterior regime, se bem que agora a lei faça referência expressa a uma prestação deserviços o que remeterá o julgador para a aplicação do regime previsto para esse contrato, que,naturalmente, coincidirá com as normas do mandato, tendo em conta o disposto no art. 1156º doCódigo Civil.--O art. 15º, n.º 1 do diploma mencionado constitui uma inovação em relação ao regimeanterior ao estipular que “As empresas transitárias respondem perante o seu cliente peloincumprimento das suas obrigações, bem como pelas obrigações contraídas por terceiros comquem hajam contratado, sem prejuízo do direito de regresso”.---Afigura-se-nos, deste modo, que diligenciando o transitário pela celebração de contratode transporte com terceiro transportador, assumirá também ele, perante o carregador/expedidor,a responsabilidade pelo integral cumprimento deste contrato, ou seja, será responsável pelachegada e entrega das mercadorias ao destinatário em boas condições, embora possa depoisexercer direito de regresso contra o transportador responsável por eventual incumprimento oucumprimento defeituoso.---O n.º 2 do referido art. 15º torna extensível ao transitário os limites estabelecidos para aresponsabilidade emergente dos contratos celebrados por aquele com terceiros, no contexto daprestação de serviços a que se obrigou, o que incluirá, nomeadamente, o limite decorrente do10


<strong>TRIBUNAL</strong> <strong>JUDICIAL</strong> <strong>DO</strong> <strong>FUNCHAL</strong>art. 4º, n.º 5 da Convenção de Bruxelas de 25.08.1924 e art. 1º, parágrafo 1ª do Dec.-Lei n.º 37748, de 1 de Fevereiro de 1950.---Por sua vez, o art. 16º do Dec.-Lei n.º 255/99, de 7.07, diversamente do que sucedia noâmbito do Dec.-Lei n.º 43/83, de 25.01, veio estabelecer um prazo de prescrição de 10 mesesrelativamente ao direito de indemnização resultante da responsabilidade do transitário, a contarda data da conclusão da prestação de serviço contratada.---Em face das considerações tecidas, passa-se agora a analisar a natureza do contratocelebrado entre a A. e a ré Ilhotrans, e qual o regime jurídico que lhe é aplicável, por forma aavaliar da responsabilidade desta pelos danos ocorridos na mercadoria transportada.---Em primeiro lugar, há que deixar claro que do que se trata aqui é de apreciar a eventualresponsabilidade da ré pelas perdas e danos ocorridos na mercadoria que a A. pretendia fazerchegar à Austrália.---Não sobram dúvidas de que tal mercadoria sofreu, em parte, danos.---Com efeito, a A. vendeu à sociedade “Da Silva Fishing”, uma série de pescado, pelopreço total de Esc. 9.261.772$00, devendo tal produto ser entregue em Fremantle, Austrália; das871 embalagens transportadas, apenas 661 chegaram aos eu destino em condições de seremcomercializadas e consumidas, tendo 210 delas sido apreendidas pelas entidades australianas,dado o estado de degradação em que se encontravam; na origem dessa «avaria» esteve umainsuficiência na alimentação de frio à mercadoria, a qual ficou a dever-se ao estado deficientedo contentor N.º MSCU3603997, o qual apresentava-se gravemente oxidado em vários locais ecom espaços não selados que permitiram a entrada de água no contentor, sendo certo que amercadoria deveria seguir à temperatura de –18ºC, e a temperatura do contentor que se verificoudurante a viagem variou entre –18ºC e –19ºC; a A. ficou prejudicada em Esc. 2.496.045$00,correspondente ao valor da mercadoria deteriorada (pontos 1. a 3., 7., 8., 10., 23., 29., 30. e38.).---Está assente que a actividade da ré Ilhotrans é a de transitária, assim como resultouprovado que o contentor onde a mercadoria foi transportada não é propriedade desta (pontos 14.e 31.).---Para efeitos de determinação da natureza da relação contratual estabelecida entre a A. ea ré Ilhotrans há que relevar os dados que os autos fornecem e que são os seguintes: a A.solicitou à ré as “operações” necessárias por forma a que a mercadoria chegasse ao seu destino,Fremantle, o que foi aceite por esta, tendo-lhe pago pelos serviços prestados a quantia de Esc.1.053.171$00; foi a própria A. que estivou e carregou o contentor que partiu do Funchal para11


<strong>TRIBUNAL</strong> <strong>JUDICIAL</strong> <strong>DO</strong> <strong>FUNCHAL</strong>Leixões (pontos 6., 13. e 32.); o conhecimento de embarque, que titula o contrato de transporte,foi emitido e assinado pela “Mediterranean Shipping Company (Portugal), S. A.”, na suaqualidade de agente, e aí surge como carregador a A. e como transportador a “MediterraneanShipping Company, S. A.” (pontos 18. e 19.).---Constata-se, assim, que a obrigação assumida pela ré a solicitação da A. foi a deefectuar as operações necessárias para que a mercadoria (peixe congelado) chegasse ao seudestino na Austrália.---Ora, na ausência de quaisquer outros elementos factuais, não sobram dúvidas, que a ré,no âmbito da sua actividade transitária, comprometeu-se a diligenciar no sentido de amercadoria ser entregue na Austrália, sendo certo que a ré Ilhotrans não assumiu a função detransportadora, já que o conhecimento de embarque, que titula o contrato de transporte, referecomo empresa transportadora a “Mediterranean Shipping Company, S. A”.---Em face do documento junto aos autos a fls. 32, verifica-se que a ré diligenciou paraque a mercadoria fosse expedida do Funchal para Leixões, sendo certo que, também aí, não foiela a empresa responsável pelo transporte, já que surge no conhecimento de embarque comocarregador e como consignatário.---Em face dos factos provados é legítimo concluir que a ré não efectuou o transporte damercadoria, nem do Funchal para Leixões, nem de Leixões para Fremantle; de todo o modo,tendo assumido perante a A. a obrigação de diligenciar para que essa mercadoria fosse entreguena Austrália, a única ilação a retirar é a de que foi a ré quem contactou com o agente denavegação por forma a promover o transporte da mercadoria.---Não sobram dúvidas, pois, que a ré Ilhotrans agiu como intermediária entre o carregadore o agente de navegação e o transportador, tendo-se limitado a desenvolver as diligênciasnecessárias a que o transporte fosse efectuado, mas não foi ela quem realizou esse transporte,diligências essas que envolveram, para além de actos materiais, a prática de actos jurídicos,designadamente, os relativos ao contrato celebrado com o agente de navegação.---À luz do acima expendido importa, deste modo, concluir que entre A e ré foi celebradoum contrato de expedição ou trânsito, em que esta se comprometeu a prestar os serviços à A.concernentes a um contrato de transporte, tendo celebrado contrato com terceiro em nomedesta.---A ré não celebrou com o expedidor – a A. - um contrato de transporte, mas sim umcontrato de mandato pelo qual se obrigou a celebrar, por conta desta, um contrato de transporte.---12


<strong>TRIBUNAL</strong> <strong>JUDICIAL</strong> <strong>DO</strong> <strong>FUNCHAL</strong>Chegados aqui, importa determinar qual o regime jurídico aplicável ao contrato subjudice.-O contrato celebrado entre A. e ré ocorreu, necessariamente, em data anterior aocarregamento do contentor no porto de Leixões com destino à Austrália, o qual ocorreu em26.04.97 (ponto 20.).---Pese embora os autos sejam omissos quanto à data de chegada da mercadoria àAustrália, pode considerar-se a data provável de chegada decorrente do documento de fls. 6, aqual se cifra em 30 de Maio de 1997; ou antes, a data constante do documento de fls. 95 queindicia que o último registo da temperatura antes do descarregamento no destino final é de 11 deJunho de 1997, pelo que esta data coincidirá com a chegada do navio à Austrália.---Seja como for, o início do contrato de expedição e o seu termo ocorreu, integralmente,no decurso do ano de 1997.---Em 1997 a lei vigente sobre a actividade transitária era a decorrente do Dec.-Lei n.º43/83, de 25.01.---Importa referir que, o art. 12º, n.º 1 do C.Civ. determina que, em princípio, a normajurídica é irretroactiva. No entanto, o n.º 2 dessa disposição legal refere que, nos casos em que alei dispõe sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhes deramorigem, entender-se-á que abrange as relações já constituídas e que subsistam à data da suaentrada em vigor.---Assim, “as normas jurídicas que determinam o efeito de um facto (de que derivam,portanto, o nascimento, a extinção ou a modificação de uma relação jurídica) referem-seunicamente aos factos futuros dessa espécie. As normas que se referem imediatamente aospróprios direitos (...) regem, igualmente, para o futuro, mas abrangem os direitos dessa índole jáexistentes” (J. Rodrigues Bastos, Notas ao Código Civil, vol. I, 1987, pág.47).---In casu, quando o Dec.-Lei n.º 255/99, de 7.07 entrou em vigor já o eventual direito aindemnização que a A. pretende, agora, fazer valer teria nascido em consequência do alegadoincumprimento do contrato, para além do que este nasceu e extinguiu-se ainda no ano de 1997.---Assim, em observância ao princípio da irretroactividade das leis, o regime aplicável aocontrato em apreço é o decorrente do Dec.-Lei n.º 43/83, de 25.01, por ser o vigente à data dacelebração, duração e extinção daquele.---Aferida a existência de um contrato de mandato celebrado entre a A. e a ré Ilhotrans,importa agora determinar se se trata de um mandato com ou sem representação, sendo certo que,13


<strong>TRIBUNAL</strong> <strong>JUDICIAL</strong> <strong>DO</strong> <strong>FUNCHAL</strong>não existindo poderes de representação, o transitário age por conta do expedidor, mas em nomepróprio, havendo que recorrer-se à disciplina dos art.ºs 1180º a 1184º do Código Civil.---No mandato, quer haja representação ou não, o mandatário age por conta de outrem.---A representação coincide com uma situação em que uma pessoa pode legitimamenteagir em nome e no interesse de outrem, e o negócio jurídico que vier a ser celebrado produzefeitos na esfera jurídica desta última - cfr. art. 258º do C. Civil; Ac. STJ de 5.03.96,mencionado na página da Internet de acesso gratuito com o endereço www.dgsi.pt/jstj.nsf.,-sendo que tal situação ocorre no mandato com representação, quando o mandatário tenharecebido poderes para agir em nome do mandante - cfr. art. 1178º do C. Civil.---O acto pelo qual alguém atribui a outrem poderes representativos chama-se procuração -art. 262º, n.º 1 do C. Civil. E é a procuração que legitima o mandatário-representante - Ac. STJde 14.01.1997, mencionado na página da Internet já identificada.---"No mandato com representação existem duas relações: uma relação interna, entremandante e mandatário, não relevante para com terceiros, dirigida a conferir ao mandatário oencargo de praticar o acto ou actos jurídicos por conta do mandante e da qual resulta, para omandatário, a obrigação correspondente; uma relação externa, essencialmente relevante paracom terceiros, que tem a sua fonte na procuração e o seu objecto na concessão de poderesrepresentativos ao mandatário" - J. Rodrigues Bastos, Notas ao Código Civil, vol. V, 1995, pág.285.---Por sua vez, o mandato sem representação apresenta os seguintes elementos: "a) ointeresse do mandante na realização do negócio sem a sua intervenção pessoal ou porintermédio de representante; b) intervenção de outra pessoa por incumbência não aparente domandante; c) celebração do negócio em nome da interposta pessoa, sem qualquer referência aomandante; d) transmissão para o mandante dos direitos adquiridos pelo mandatário na execuçãodo mandato" - Ac. STJ de 4.03.1982, mencionado na página da Internet acima referida.---Na situação sub judice, não foram carreados para os autos quaisquer dados quepermitam afirmar a existência de poderes representativos por parte da ré em relação à A..---Na verdade, apurou-se, tão somente, que a A. solicitou à ré a realização das "operações"necessárias por forma a que a mercadoria chegasse ao seu destino e que, no âmbito dessas"operações" a ré contactou com a "Mediterranean Shipping Company (Portugal) S. A.", comvista à efectivação do transporte para a Austrália.---Não consta dos autos qualquer documento comprovativo da emissão de procuração pelaA. a favor da ré, nem os dados factuais existentes, permitem concluir pela atribuição de poderes14


<strong>TRIBUNAL</strong> <strong>JUDICIAL</strong> <strong>DO</strong> <strong>FUNCHAL</strong>representativos à ré, pese embora os direitos decorrentes do contrato de transporte venham,posteriormente, a entrar na esfera jurídica da A. que, aliás, figura como carregador noconhecimento de embarque (ponto 19.), e apesar, ainda, de o mandato ser conhecido do terceiro,ou seja, de este saber da situação do mandante. Com efeito, em nenhum momento se refere oestabelecimento de quaisquer relações negociais directas entre o transportador e a A., ou sequer,entre o agente de navegação e a A..---A ilação lídima a retirar é a de que a intervenção da ré Ilhotrans integra a figura domandato sem representação, por não estar demonstrado que recebeu formalmente poderes da A.,tanto mais que de acordo com o art. 7º, n.º 2 do Dec.-Lei n.º 43/83, de 25.01, a amplitude dospoderes atribuídos ao transitário verificar-se-á pelos documentos que possua para o efeito - cfr.art. 1180º do C. Civil; Ac. STJ de 2.03.1989; Ac. TRP de 2.06.97, mencionado emwww.dgsi.pt/jtrp.nsf - "Estando provado que A contratou B para esta, como empresa transitária,lhe prestar serviços de expedição e envio de mercadorias para um seu cliente, no estrangeiro, eque o transporte foi efectuado pela empresa C, a intervenção de B consubstancia a figurajurídica do mandato sem representação (...)".---O art. 1183º do C. Civil determina que "Salvo estipulação em contrário, o mandatárionão é responsável pela falta de cumprimento das obrigações assumidas pelas pessoas comquem haja contratado, a não ser que no momento da celebração do contrato conhecesse oudevesse conhecer a insolvência delas".---Resulta daqui que, limitando-se o mandatário a substituir o mandante na celebração deum acto jurídico, embora fazendo-o em nome próprio, mas no interesse e por conta deste, é estequem terá de suportar todos os riscos inerentes à relação creditória, a não ser que outra coisatenha sido convencionada.---"A posição do mandatário é, em princípio, a da irresponsabilidade pelas dívidas doterceiro com quem contratou por conta do mandante" - Pires de Lima e Antunes Varela, CódigoCivil Anotado, vol. II, 3ª ed. revista e actualizada, 1986, pág. 753.---E assim, chega-se à conclusão que, nada tendo sido estipulado em contrário, eimplicando o contrato de expedição ou trânsito a existência de um mandato, o qual, no caso,ocorreu sem poderes de representação, a ré não pode ser responsabilizada pelos riscosdecorrentes do incumprimento ou cumprimento defeituoso do contrato de transporte realizadopelo terceiro com quem contratou, ou seja, à ré Ilhotrans não pode ser exigido pela A. opagamento do valor em que ficou prejudicada pela circunstância de parte da mercadoriaexpedida ter chegado ao local de destino danificada, sabendo-se que esta não foi a15


<strong>TRIBUNAL</strong> <strong>JUDICIAL</strong> <strong>DO</strong> <strong>FUNCHAL</strong>transportadora, para além de não ser proprietária do contentor em que a mercadoria foiacondicionada, nem teve qualquer intervenção no seu carregamento e estiva.---A obrigação assumida pela ré perante a A. foi a de diligenciar pela realização dasoperações necessárias à deslocação da mercadoria, ou seja, obrigou-se, entre o mais, a celebrarum contrato de transporte com terceiro, sendo certo que cumpriu com as obrigações para sidecorrentes do contrato celebrado com a A..---Face a esta conclusão, impõe-se, desde logo, a absolvição da ré do pedido contra sideduzido.---Contudo, e apesar de a ré vir invocar a existência de prescrição em momento em que jánão o poderia fazer, ou seja, no âmbito de resposta à contestação da chamada (que apenas foiadmitida por implicar a dedução de novo incidente de intervenção provocada), sempre se dirá,que a invocada prescrição (ou antes, caducidade, como adiante se explicará), porque decorrentedo art. 3º, n.º 6º da Convenção de Bruxelas, a qual só tem aplicação ao contrato de transporte,não é aplicável à relação negocial estabelecida entre a A. e a ré, a qual está sujeita ao prazoordinário de prescrição, não se detectando a existência de qualquer prazo de caducidade para ainstauração de acção por responsabilidade por perdas e danos advenientes do incumprimento docontrato de expedição ou trânsito.---*Do Contrato de Transporte Marítimo e da Actividade de Agente de NavegaçãoNos termos do art. 1º do Dec.-Lei n.º 352/86, de 21.10, o contrato de transporte demercadorias por mar “é aquele em que uma das partes se obriga em relação à outra atransportar determinada mercadoria, de um porto para porto diverso, mediante retribuiçãopecuniária, denominada «frete»”.---O art. 2º deste diploma legal clarifica qual o regime jurídico aplicável a este tipo decontrato, determinando que o mesmo é disciplinado pelos tratados e convenções internacionaisvigentes em Portugal e, subsidiariamente, pelas disposições do próprio Dec.-Lei n.º 352/86, de21.10.---Mediante a publicação do Dec.-Lei n.º 19857 de 18.05.1931, no D. R. de 2.06.1931,Portugal aderiu à Convenção Internacional para a Unificação de Certas Regras em matéria deConhecimentos de Embarque de 25 de Agosto de 1924, a qual passou a vigorar nas relaçõesinternacionais.---16


<strong>TRIBUNAL</strong> <strong>JUDICIAL</strong> <strong>DO</strong> <strong>FUNCHAL</strong>Pelo Dec.-Lei n.º 37748, de 1.02.1950, a referida Convenção tornou-se aplicável a todosos conhecimentos de carga, emitidos em território português, qualquer que seja a nacionalidadedas partes contratantes, a partir de 1 de Março de 1950 – art.ºs 1º e 4º daquele diploma.---Decorre daqui que, importa delimitar qual o âmbito de aplicação, por um lado, daConvenção de Bruxelas, e, por outro, do Dec.-Lei n.º 352/86, de 21.10.---Ora, o contrato de transporte de mercadorias não está sujeito, naturalmente, a doisregimes: o da Convenção e o do Dec.-Lei n.º 352/86, de 21.10, dado que, face aos princípiosconstitucionais emergentes do art. 8º da Constituição da República Portuguesa (“As normasconstantes de convenções internacionais regularmente ratificadas ou aprovadas vigoram naordem interna após a sua publicação oficial e enquanto vincularem internacionalmente oEstado Português” – n.º 2 do art. 8º), este último diploma não veio alterar as convenções emvigor no nosso país, nem tão pouco visou alterar as disposições da aludida Convenção,nomeadamente, o disposto no art. 10º desta última – cfr. Ac. RL de 19.03.96, CJ 1996, II, 85;Ac. RL de 28.05.98, CJ 1998, III, 110.---Desta forma, aos contratos de transporte abrangidos pela convenção continua a aplicarse,em primeiro lugar, o que dispõem os tratados e convenções internacionais e, nos casosomissos, subsidiariamente, o disposto no Dec.-Lei n.º 352/86, de 21.10, como resulta, aliás, doart. 2º deste diploma.---“A legislação nacional de cada país, em matéria de direito marítimo tem quase semprefunções de suprimento ou de complemento do direito internacional convencional (...) Assim, oreferido decreto-lei veio regular o transporte marítimo nos casos em que não é aplicável aConvenção de Bruxelas ou complementá-la em áreas não regulamentadas ou deficientementeregulamentadas pela Convenção, colmatando as suas lacunas e deficiência, regulando otransporte no convés excluído do domínio da convenção quando a carga seja declarada como alicarregada e transportada” – Ac. RL de 19.03.96 já mencionado.---Enquanto o Estado português não denunciar internacionalmente a Convenção deBruxelas, a qual, livremente, aceitou, continuam a aplicar-se as respectivas normas – art.º 8º, n.º2 da C.R.P.; Ac. RL de 28.05.1998; o Dec.-Lei n.º 352/86, de 21.10, por sua vez, é inaplicávelquando o sejam as normas dos tratados e convenções internacionais, já que é subsidiário emrelação a estas - cfr. Ac. STJ de 27.10.1992 mencionado na página da Internet com o endereçowww.dgsi.pt/jstj.nsf.---A Convenção aplica-se nas seguintes circunstâncias: quando o conhecimento é emitidonum estado contratante ou quando o transporte se iniciou num estado contratante. Porém, há que17


<strong>TRIBUNAL</strong> <strong>JUDICIAL</strong> <strong>DO</strong> <strong>FUNCHAL</strong>ter em conta, em última instância, que a aplicação da Convenção terá sempre de resultar de umelemento objectivo que é o local de criação do conhecimento de embarque e não propriamenteda vontade das parte, atendendo ao disposto no art. 10º da Convenção.---De referir ainda que, a Convenção de Bruxelas só se aplica ao contrato de transportemarítimo e este vigora apenas durante o tempo decorrido desde que as mercadorias sãocarregadas a bordo do navio até ao momento em que são descarregadas no porto dedesembarque – cfr. Ac. STJ de 23.05.1985, mencionado na página da Internet de acesso gratuitocom o endereço www.dgsi.pt/jstj.nsf.---O contrato de transporte de mercadorias por mar constata-se, aferindo-se os termos emque o mesmo se traduz, através do conhecimento de embarque ou de carga (cfr. art. 1º, b) daConvenção de Bruxelas), o qual deve ser emitido pelo armador, capitão ou agente do armador,contendo os elementos identificadores das mercadorias, número de volumes, objectos, ou aquantidade ou peso, e o seu estado e acondicionamento aparente (art. 3º, n.º 3 da Convenção).---O conhecimento de embarque constitui presunção da recepção pelo armador dasmercadorias tais como foram descritas naquele - art. 4º da Convenção - obrigando-se otransportador a entregá-las no destino e ao consignatário no estado e acondicionamentoaparentes em que as tenha recebido e sem avarias ou danos ocasionados durante o transporte.---O conhecimento de transporte desempenha uma tríplice função de: "a) recibo de entregaao transportador de uma certa mercadoria nele descrita; b) prova o contrato de transportefirmado entre o carregador e transportador e as condições do mesmo; c) representa a mercadorianele escrita, sendo negociável e transmissível, de acordo com os regimes dos títulos de crédito"- Ac. TRP de 11.04.2000, mencionado na página da Internet com o endereçowww.dgsi.pt/jtrp.nsf.---O contrato de transporte de mercadorias por mar só se tem por cumprido quando amercadoria esteja descarregada no porto de destino e entregue.---O carregador não pode, em casos de perda de carga (total ou parcial) exigirindemnização pelos prejuízos havidos que extravasem as declarações que prestou, por escrito,ao armador, e com base nas quais foi emitido o conhecimento de embarque, de tal forma que oarmador fica responsável apenas em função das declarações prestadas pelo carregador e aceitescomo verdadeiras na declaração do conhecimento - cfr. art. 3º, n.º 3, b) da Convenção e art. 4ºdo Dec.-Lei n.º 352/86, de 21.10; Ac. RL de 16.01.97, CJ 1997, I, 99; Ac. STJ de 12.11.1968,mencionado na página da Internet com o endereço www.dgsi.pt/jstj.nsf.---18


<strong>TRIBUNAL</strong> <strong>JUDICIAL</strong> <strong>DO</strong> <strong>FUNCHAL</strong>Estando em causa um contrato de transporte de mercadorias por mar, e tendo oconhecimento de embarque sido emitido em território português, então, como já se referiu, sãolheaplicáveis as regras emergentes da Convenção de Bruxelas; apenas subsidiariamente haveráque lançar mão do disposto no Dec.-Lei n.º 352/86, de 21.10, relativamente aos casos omissos eàs deficiências de regulação daquela Convenção.---Sendo assim, como parece dever ser, então, e antes de mais, no que concerne ao prazopara interposição de propositura da acção por perdas e danos haverá que relevar o prazo de 1ano, a contar da entrega das mercadorias ou da data em que estas deveriam ser entregues, fixadono art. 3º, n.º 6 da Convenção de Bruxelas ("Em todos os casos o armador e o navio ficarãolibertados de toda a responsabilidade por perdas ou danos, não sendo instaurada a respectivaacção no prazo de um ano a contar da entrega das mercadorias ou da data em que estasdeveriam ser entregues").Em princípio, o prazo de dois anos previsto no art. 27º, n.º 2 do Dec.-Lei n.º 352/86, de21.10, não terá, nesse caso, aplicação. Este destina-se, tão somente, a regular situações que nãosão abrangidas pelo âmbito da aplicação da Convenção de Bruxelas - cfr. Ac. RP de 9.06.99, CJ1999, III, 208.---Conforme se afere dos art.ºs 300º e seguintes e 328º e seguintes do Código Civil, odireito substantivo português contempla dois conceitos distintos de prazos, quais sejam, o daprescrição e o da caducidade.---Tem vindo a ser discutido se o prazo a que alude o art. 3º, n.º 6 da Convenção deBruxelas será um prazo de prescrição ou de caducidade, sendo certo que as partes, no caso dosautos, invocam-no como sendo de prescrição.---"A caducidade dos direitos ou das acções significa a extinção ou perda de um direito oude uma acção pelo decurso do tempo. O seu fundamento reside no interesse público que há empreestabelecer o prazo dentro do qual ou a partir do qual o direito pode ser eficazmenteexercido, pondo-se assim termo a situações contrárias ao direito e à sempre prejudicial dilaçãodo seu exercício.---A prescrição é o instituto em virtude do qual a parte contrária se pode opor ao exercíciode um direito, quando este não seja exercido durante o tempo fixado na lei. Tem porfundamento específico a recusa de protecção a um comportamento contrário ao direito, anegligência do titular, bem como a necessidade de diminuir a dificuldade da prova por parte dosujeito passivo da relação jurídica, face ao decurso do tempo.---19


<strong>TRIBUNAL</strong> <strong>JUDICIAL</strong> <strong>DO</strong> <strong>FUNCHAL</strong>Destina-se a contrariar a situação anti-jurídica de negligência - o que os distingueradicalmente é a diversidade da função do prazo: no caso da caducidade, fixa-se o lapso detempo em que há-de iniciar-se o exercício; no outro limita-se a duração da negligência, daexigibilidade" - Ac. RL de 28.05.98, CJ 1998, III, 110.---De notar que os efeitos de um e de outro são, também eles, diversos: no caso daprescrição o decurso do prazo provoca a paralisação do direito; no caso da caducidade, odecurso do prazo conduz à extinção do direito.---Tem vindo a ser maioritariamente entendido, quer a nível de doutrina, quer a nível dejurisprudência, que os prazos de propositura de acções são, em regra, prazos sujeitos acaducidade e não a prescrição - cfr. neste sentido, Pires de Lima e Antunes Varela, Código CivilAnotado, vol. I, 4ª ed., 1987, pág. 272; Ac. RL de 19.03.96, CJ 1996, II, 85.---Em consonância, ao estipular-se no art. 3º, n.º 6 da Convenção de Bruxelas que a acçãopara efectivação de responsabilidade por perdas e danos deve ser instaurada no prazo de um anoa contar da entrega das mercadorias ou da data em que estas deveriam ser entregues, importaregular essa figura de acordo com as normas estabelecidas no Código Civil e,consequentemente, entender tal prazo como um prazo de caducidade - cfr. Ac. RL de 28.05.98já citado; Ac. STJ de 27.10.1992; Ac. TRL de 12.06.1996; Ac. TRL de 17.11.1976; Ac. TRP de9.06.1999, todos mencionados na página da Internet www.dgsi.pt.---*Em princípio, o carregador é quem celebra o contrato de transporte com o transportador.Este, é a pessoa que se obriga, inicialmente, perante o carregador, a deslocar determinadasmercadorias e a entregá-las atempadamente, ao destinatário. Ao carregador incumbe ocorrespondente direito, assistindo-lhe, correlativamente, o dever de proceder ao pagamento dopreço do transporte, para além de estar obrigado a efectuar, por escrito, a descrição damercadoria.-O transportador é, tal como o carregador, um interveniente principal no contrato detransporte.---Sucede, porém, que, na maior parte dos casos, estes intervenientes principais ao invésde realizarem os actos materiais correspondentes à obrigação que assumiram, socorrem-se, asmais das vezes, de representantes ou auxiliares.---Entre a multiplicidade de intervenientes secundários que podem surgir no decurso documprimento do contrato de transporte, figura o agente de navegação.---20


<strong>TRIBUNAL</strong> <strong>JUDICIAL</strong> <strong>DO</strong> <strong>FUNCHAL</strong>A actividade do agente de navegação desenvolve-se em conexão estreita com o contratode transporte marítimo, mas não se confunde com este.---O agente de navegação não é um agente no sentido estrito da palavra, por a suaactividade não se limitar a promover a celebração de contratos por conta dos armadores outransportadores marítimos, como sucede com o agente.---Com efeito, os agentes de navegação podem exercer as diversas actividades enunciadasno art. 1º do Dec.-Lei n.º 76/89, de 3.03: dar cumprimento, em nome e por conta e ordem dearmadores ou transportadores marítimos, a disposições legais ou contratuais, executando osactos relacionados com a estadia dos navios e defesa dos respectivos interesses; promover, emnome e por conta e ordem de armadores ou transportadores marítimos, a celebração decontratos de transporte marítimo; actuar como mandatários dos armadores ou transportadoresmarítimos, podendo, em tal qualidade, ser-lhes cometidos poderes, nomeadamente, para emitir,assinar, alterar ou validar conhecimentos de carga, proceder ou mandar proceder aos trâmitesexigidos à recepção de mercadorias para embarque ou à entrega de mercadorias desembarcadas,etc..---A análise do Dec.-Lei n.º 76/89, de 3.03 permite constatar que o agente de navegaçãosurge qualificado como mandatário - art.ºs 1º, n.º 1, c) e 11º, c); como representante - art. 6º, n.º3; e como prestador de serviços - art. 9º, n.º 1, i); e poderá ainda agir como verdadeiro agente -art. 1º, n.º 1, b).---Quando o agente de navegação assume a obrigação de promover por conta do armadorou transportador a celebração de negócios, com os demais elementos típicos do contrato deagência, deverá aplicar-se o regime previsto para este último. Se o agente de navegação for umafilial ou sucursal do transportador ou armador, haverá que aplicar as regras do mandato comrepresentação. Se agir como comissário, aplicar-se-ão as regras do mandato sem representação(art. 266º do Código Comercial) - F. Costeira da Rocha, op. cit., págs. 149 e 150.---O agente de navegação pode celebrar contratos de transporte marítimo na qualidade deagente com representação (art. 2º do Dec.-Lei n.º 178/86, de 3.07) ou de mandatário, podendo,nesta qualidade, emitir, assinar ou validar conhecimentos de carga, etc..---De realçar que "qualquer que seja a qualidade em que actue, o agente de navegação nãopode ser caracterizado como transportador, e por isso não responde pessoalmente pela execuçãodo contrato de transporte" - F. Costeira da Rocha, op. cit., pág. 150.---Na verdade, quando o agente de navegação assina o conhecimento de embarque nessaqualidade de agente, fá-lo porque mantém com o transportador uma relação de mandato com21


<strong>TRIBUNAL</strong> <strong>JUDICIAL</strong> <strong>DO</strong> <strong>FUNCHAL</strong>representação, atento o facto de apenas o transportador poder emitir tal conhecimento, a não serque o agente o possa fazer em sua representação (art.ºs 1º, n.º 1, c) e 11º, c) do Dec.-Lei n.º76/89, de 3.03 e art.ºs 8º, n.º 5 e 10º, n.º 3 do Dec.-Lei n.º 352/86, de 21.10).---Recai sobre o agente, quanto tal invoca, o ónus de provar a concessão de poderes derepresentação por parte do armador ou transportador, a qual deve obedecer à forma escrita,atento o disposto no art. 3º, n.º 1 do Dec.-Lei n.º 352/86, de 21.10 e art. 262º, n.º 2 do CódigoCivil - cfr. Ac. TRL de 18.11.1993, http/trl.trs.pt.---Nestes casos, entre o agente e o carregador não foi celebrado qualquer contrato detransporte, mas antes, meros contratos de prestação de serviços, similares àqueles que ostransitários celebram como os seus clientes - cfr. Ac. STJ de 2.06.1998, www.dgsi.pt/jstj.nsf.---Nessa circunstância, e não estando em causa a celebração de um contrato de transportecom o agente de navegação este não pode ser responsabilizado por aquilo que se passou nonavio - cfr. Ac. RP de 10.03.98, CJ 1998, II, 194. Não sendo transportador, o agente denavegação não tem intervenção na materialização do transporte, e não lhe sendo reconhecido oestatuto de transportador, nem tendo celebrado qualquer contrato de transporte com ocarregador, não podem ser aplicadas às relações estabelecidas entre este e aquele as normas daConvenção de Bruxelas, e, desde logo, o prazo de caducidade a que alude o art. 3º, n.º 6respectivo - cfr. Ac. RP de 15.06.99, CJ 1999, III, 214.---De todo o modo, o agente de navegação não beneficia, necessariamente, da concessãode poderes de representação e, então, exercerá a sua actividade em seu próprio nome, tornandosesujeito de direitos e obrigações, ainda que com o dever de os transmitir para o mandante nointeresse de quem agiu. Se não declara no conhecimento de embarque que o assina em nome domandante, assumirá para si as obrigações decorrentes do mesmo que lhe serão exigíveis pelocarregador.---No que diz respeito à chamada "Mediterranean Shippping Company (Portugal) S. A."há que ponderar que esta é, efectivamente, um agente de navegação, sendo empresa portuguesamatriculada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa que agencia nos portos de Lisboae Leixões os navios do armador "Mediterranean Shipping Company, S. A.", esta última empresasuíça (pontos 15. a 17.).---O conhecimento de embarque que titula o contrato de transporte marítimo do contentorcom a mercadoria da A. foi emitido e assinado pela "Mediterranean Shipping Company(Portugal), S. A.", na sua qualidade de agente, onde figura como tal e como transportador éindicada a "Mediterranean Shipping Company, S. A.". Acresce que, a "Mediterranean Shipping22


<strong>TRIBUNAL</strong> <strong>JUDICIAL</strong> <strong>DO</strong> <strong>FUNCHAL</strong>Company (Portugal), S. A. não teve qualquer intervenção na operação de enchimento e fecho docontentor (pontos 18, 19. e 21.).---Em face desta factualidade e em consonância com o anteriormente expendido, há queretirar a ilação de que a intervenção da chamada "Mediterranean Shipping Company (Portugal),S. A." cingiu-se ao desempenho das suas funções de agente de navegação e não detransportador, porquanto esta limitou-se a promover o contrato de transporte com o armador, ouseja, com a empresa que, colocando o seu navio à disposição, veio a efectuar o transporte docontentor contendo a mercadoria da A..---A chamada emitiu e assinou o conhecimento de embarque, o qual titula tal contrato detransporte, apenas na qualidade de agente, mencionando no conhecimento tal circunstância,para além de constar do mesmo que o transportador era a "Mediterranean Shipping Company, S.A.".---A actividade desenvolvida pela chamada coincide com algumas das funções que sãoatribuídas aos agentes de navegação, que, no caso, traduziu-se na promoção da celebração deum contrato de transporte marítimo na qualidade de agente, e nessa qualidade emitiu e assinou oconhecimento de embarque.---De realçar que fê-lo em nome e por conta do transportador, sendo certo que não foramcolocados em causa os seus poderes representativos para, em nome deste, assinar oconhecimento de carga, pelo que haverá que concluir que a "Mediterranean Shipping Company(Portugal), S. A." actuou como mandatário da "Mediterranean Shipping Company, S. A.", compoderes de representação, já que se assim não fosse, não poderia assinar o conhecimento deembarque - cfr. art.ºs 1º, n.º 1, c) e 11º, c) do Dec.-Lei n.º 76/89, de 3.03 e art.ºs 8º, n.º 5 e 10º,n.º 3 do Dec.-Lei n.º 352/86, de 21.10.---É, pois, seguro que entre a ré Ilhotrans ou o carregador, a ora A., e a "MediterraneanShipping Company (Portugal), S. A." não foi celebrado um contrato de transporte marítimo,mas antes um contrato de prestação de serviços, ficando esta incumbida de providenciar pelaconcretização do transporte mediante a intervenção dos navios do transportador em causa.---Uma vez que não se está perante um contrato de transporte marítimo, e tendo a"Mediterranean Shipping Company (Portugal), S. A." limitado a sua intervenção à qualidade deagente de navegação, não pode a mesma ser responsabilizada pelo que se passou no navio, nemresponde pessoalmente pela execução do contrato de transporte.---23


<strong>TRIBUNAL</strong> <strong>JUDICIAL</strong> <strong>DO</strong> <strong>FUNCHAL</strong>Por outro lado, às relações estabelecidas entre esta chamada e o carregador ou entre elae o transitário, não podem ser aplicadas as regras emergentes da Convenção de Bruxelas, dadoque esta só tem aplicação aos contratos de transporte marítimo de mercadorias.---Consequentemente, não é aplicável aqui, e relativamente à chamada "MediterraneanShipping Company (Portugal), S. A." o prazo de caducidade de um ano para interposição daacção de perdas e danos previsto no art. 3º, n.º 6 da Convenção de Bruxelas, pelo que, nessaparte, improcede a excepção invocada pela chamada.---De todo o modo, uma vez que a pretensão da A. resume-se a obter uma indemnizaçãopelo prejuízo que teve de suportar decorrente do mau estado do contentor que provocou adeterioração de parte da mercadoria expedida, ou seja, uma vez que a acção por perdas e danosreporta-se ao que se passou no decurso do transporte, sendo certo que a "MediterraneanShipping Company (Portugal), S. A." não teve qualquer intervenção na materialização dessetransporte, nem tão pouco corroborou ou por alguma forma procedeu ao enchimento e fecho docontentor em apreço, não pode assacar-se-lhe qualquer responsabilidade pelo que se passou nopercurso entre Leixões e Fremantle.Por outro lado, a "Mediterranean Shipping Company (Portugal), S. A." emitiu oconhecimento de embarque de acordo com as instruções e elementos fornecidos pela réIlhotrans, fazendo constar que se tratava de um contentor com um lote de peixe congelado, quedeveria ser transportado à temperatura de -18ºC, mencionando ainda que o contentor foirecebido em aparente bom estado e condição; relativamente a esse contentor não foi por ela feitaqualquer reclamação quando o mesmo chegou do Funchal, o qual foi entregue no porto deLeixões devidamente fechado e selado, não podendo aquela proceder à sua abertura econferência da carga; o contentor foi inspeccionado antes de embarcar no navio da"Mediterranean Shipping Company, S. A." com destino à Austrália e concluiu-se estar em bomfuncionamento.---Desta forma, tendo a chamada cumprido com as instruções que lhe foram transmitidas,fazendo constar no conhecimento a temperatura a que o contentor deveria seguir, não tendoqualquer responsabilidade pelo estado desse contentor, tendo este sido devidamenteinspeccionado antes de embarcar no navio do armador, não lhe podem ser assacadasresponsabilidades pelos danos que vieram a ocorrer.---Além disso, a A. não deduziu qualquer pedido baseado no eventual incumprimento oucumprimento defeituoso dos contratos de prestação de serviços celebrados com osintermediários e previamente à celebração do contrato de transporte, pelo que também não está24


<strong>TRIBUNAL</strong> <strong>JUDICIAL</strong> <strong>DO</strong> <strong>FUNCHAL</strong>aqui em causa uma eventual responsabilidade da chamada por incumprimento ou cumprimentodefeituoso das suas funções enquanto agente de navegação.---Assim, também relativamente à chamada "Mediterranean Shipping Company(Portugal), S. A.", a pretensão da A. há-de improceder.---Admitida a nova intervenção da chamada "Mediterranean Shipping Company, S. A."esta veio fazer seus os articulados apresentados pela ré Ilhotrans e pela chamada "MediterraneanShipping Company (Portugal), S. A.".---Desta forma, e antes de mais, importa averiguar qual a posição da mesma no contrato detransporte e, posteriormente, avaliar da aplicação ou não do prazo de caducidade de um anoacima referido.---A "Mediterranean Shipping Company, S. A." é um armador e foi quem figurou comotransportador no conhecimento de embarque que titula o contrato de transporte marítimorelativo ao contentor com as mercadorias da A., que foi expedido de Leixões para a Austrália.---Constata-se, assim, que esta empresa assumiu a obrigação de fazer transportar o lote depeixe acondicionado em contentor de um porto para porto diverso (ou seja, de Leixões paraFremantle), mediante o pagamento de quantia monetária, isto é, a ré assumiu a obrigaçãodecorrente da celebração de um contrato de transporte por mar.---Conclui-se, pois, que entre o carregador e a Mediterranean Shipping Company, S. A.existiu um contrato de transporte marítimo de mercadorias.---O conhecimento de embarque que titula o respectivo contrato e faz prova do mesmo erespectivas condições, foi emitido por quem, relativamente ao transportador, possuía poderesrepresentativos para o efeito de emitir, assinar e validar o respectivo conhecimento, e fê-lo emterritório português, isto é, em Leixões (cfr. documento de fls. 68).---Em função do local de criação do conhecimento de embarque são aplicáveis a estecontrato de transporte marítimo as disposições da Convenção de Bruxelas, enquanto vigorar talcontrato, o qual dura desde que as mercadorias são carregadas a bordo do navio até ao momentoem que são descarregadas no porto de desembarque.---Neste caso, sabe-se que o contentor contendo as mercadorias foi carregado no dia26.04.1997 (ponto 20. e documento de fls. 68).---Não ficou, porém, assente em que dia exacto foram essas mercadorias descarregadas emFremantle, podendo, contudo, lançar-se mão dos documentos juntos aos autos para efeitos de seaferir a data em que tal terá ocorrido.---25


<strong>TRIBUNAL</strong> <strong>JUDICIAL</strong> <strong>DO</strong> <strong>FUNCHAL</strong>Analisando o documento de fls. 95, verifica-se que o último registo da temperaturaantes do descarregamento no destino final é de 11 de Junho de 1997, pelo que no dia seguintedeverá ter ocorrido o desembarque da mercadoria no porto do destino. Todavia, seguramenteque o contrato de transporte em causa desenvolveu-se entre o mês de Abril e o mês de Junho de1997.---De acordo com o art. 3º, n.º 1 da Convenção de Bruxelas, o armador está obrigado a pôro navio em estado de navegabilidade, o que consiste não só na sua solidez e estabilidade, mastambém na aptidão para a viagem que empreendeu ou vai começar; essa obrigação perduradurante todo o tempo em que durar o fretamento.---Importa realçar que, actualmente, os contentores vêm assumindo um lugar desubstitutos dos porões dos navios, e constituem elementos integrantes destes, pelo que aobrigação e responsabilização do transportador permanece quando a mercadoria sejaacondicionada em contentores- cfr. Ac. RL de 10.07.97, CJ 1997, IV, 89.---O transportador responde, naturalmente, pela execução do transporte, estando obrigadoa entregar as mercadorias no local de destino no estado aparente em que as recebeu e quedecorre das condições apostas no conhecimento de embarque, sendo responsável pelos prejuízosque ocorram no decurso do cumprimento do contrato.---O art. 3º, n.º 6 da Convenção de Bruxelas prescreve que o carregador deverá interpor aacção por perdas e danos contra o transportador, no prazo de um ano a contar da entrega dasmercadorias ou da data em que estas deveriam ser entregues. Esta norma é aplicável às relaçõesentre a A. e a "Mediterranean Shipping Company, S. A.", por entre elas ter vigorado umcontrato de transporte, assumindo esta a posição de transportador.---Assim, partindo do princípio que as mercadorias aqui em causa terão sido entregues,pelo menos até final do mês de Junho de 1997, a acção deveria ter sido interposta até Junho de1998.---A presente acção deu entrada na secretaria deste Tribunal no dia 15 de Julho de 1999,logo, muito tempo depois do decurso integral do prazo de caducidade, e a chamada foi citadaapenas em 31.03.2000 (fls. 108), sendo certo que não emergem dos autos quaisquer factospassíveis de consubstanciar um reconhecimento por parte do transportador, a "MediterraneanShipping Company, S. A.", do direito que a A. pretende fazer valer.---Concomitantemente, tem-se por legítima a ilação de que o direito a obter indemnizaçãopelas perdas suportadas pela A., em função do mau estado do contentor que provocou umadeficiente alimentação do frio e consequente deterioração de algum do peixe transportado, se26


<strong>TRIBUNAL</strong> <strong>JUDICIAL</strong> <strong>DO</strong> <strong>FUNCHAL</strong>extinguiu por força do decurso integral do prazo legalmente estabelecido para o exercício domesmo, ou seja, deu-se a sua extinção por caducidade.---Procede, desta forma, a invocada excepção (considerando-a, embora, como caducidadeque não prescrição), pelo que a chamada "Mediterranean Shipping Company, S. A." deverá,também ela, ser absolvida do pedido.---Todavia, sempre se dirá que, admitindo a responsabilidade desta última chamada pelasperdas ocasionadas na mercadoria expedida pela A. pelo facto de a mesma ser a responsávelpelo transporte e pelo contentor, tal responsabilidade deveria ser avaliada em função dos limiteslegalmente impostos para a mesma.---Ora, o art. 4º, n.º 5 da Convenção de Bruxelas estabelece que "Tanto o armador como onavio não serão obrigados, em caso algum, por perdas e danos causados às mercadorias ouque lhe digam respeito, por uma soma superior a 100 libras esterlinas por volume ou unidade,ou o equivalente desta soma numa diversa moeda, salvo quando a natureza e o valor destasmercadorias tiverem sido declaradas pelo carregador antes do seu embarque e essa declaraçãotiver sido inserida no conhecimento".---O art. 1º, parágrafo 1º do Dec.-Lei n.º 37748, de 1.02.1950 fixou em 12.500$00 o limitede responsabilidade a que se referem os art.ºs 4º, n.º 5 e 9º da Convenção de Bruxelas,posteriormente elevado para Esc. 100.000$00 pelo art. 31º, n.º 1 do Dec.-Lei n.º 352/86, de21.10.---Estas disposições visaram, essencialmente, obrigar o carregador a declara o valor damercadoria - cfr. Ac. RL de 16.01.97, CJ 1997, I, 99.---A expressão "volume" mencionada no n.º 5 do art. 4º da Convenção de Bruxelas deveser conotada com uma mercadoria individualizada no conhecimento de embarque. "A palavra«unidade», precedida da expressão «volume», usadas no n.º 5 do art. 4º da Convenção, significaum padrão, como, por exemplo, tonelada, barril, quintal, metro cúbico, etc., conforme os usos ecostumes relativos a cada espécie de carregamento. A limitação da responsabilidade dotransportador na base da unidade ou embalagem (...)obedecem à ideia de que a unidade de cargaseria bastante uniforme para possibilitar às partes, na altura do contrato de transporte, verificarse haveria necessidade de uma cobertura adicional do risco" - Ac. STJ de 25.07.1978,mencionado na página da Internet com o endereço www.dgsi.pt/jstj.nsf.---Contudo, aquilo que é decisivo para determinação de "volume" ou "unidade", a quealude o art. 4º, n.º 5, é a análise do conhecimento de embarque, sendo nele que se terá de27


<strong>TRIBUNAL</strong> <strong>JUDICIAL</strong> <strong>DO</strong> <strong>FUNCHAL</strong>encontrar o elemento definidor da responsabilidade do transportador que é de Esc. 100.000$00por volume ou unidade (cfr. Ac. TRP de 29.05.2000, mencionado em www.dgsi.pt/jtrp.nsf).---O conhecimento de embarque de fls. 68 menciona, apenas, no local destinado àdescrição das mercadorias, um contentor com um lote de peixe congelado.---De todo o modo, pese embora nada tenha sido alegado nesse sentido, constata-se que nolocal destinado à menção do peso bruto consta o número 11907,00, o qual corresponderá, emprincípio, ao peso em quilogramas, o que equivalerá a quase doze toneladas.---Assim, poder-se-ía admitir que foi utilizada uma medida padrão - a tonelada - e, comotal, cada tonelada corresponderia a uma unidade, para efeitos do disposto no art. 4º, n.º 5 daConvenção, devendo, então, o transportador, não fora a caducidade da interposição da presenteacção, responder pelo valor de Esc. 100.000$00 por cada unidade.---Seja como for, o que releva é a circunstância de a acção não ter sido interposta no prazode um ano como impunha o art. 3º, n.º 6 da Convenção, motivo pelo qual a mesma deveráimproceder em toda a sua extensão e relativamente à ré e às duas chamadas.---Improcedendo a acção, a A. terá de suportar as custas processuais respectivas, nostermos do art. 446º, n.ºs 1 e 2 do CPC.---Tudo visto e ponderado, resta decidir.---*IV. DecisãoNestes termos, e com tais fundamentos, decide este Tribunal julgar totalmenteimprocedente, por não provada, a presente acção, e, em consequência:---a. absolver a ré .....- Actividades Transitárias, L.da do pedido contra sideduzido;---b. absolver a chamada "Mediterranean Shipping Company (Portugal), S. A." dopedido;---c. absolver a chamada "Mediterranean Shipping Company, S. A. do pedido,reconhecendo, em relação a esta, a extinção do direito que a A. pretendia fazervaler por caducidade.---Custas a cargo da A..---Registe e notifique.---Funchal, 9 de Março de 2001 (depois 17 h.)28

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