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desafios educacionais diante da crescente colonizacao do mundo ...

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um princípio meto<strong>do</strong>lógico que exige a compreensão <strong>da</strong> ação social, num senti<strong>do</strong>mais amplo, e a ação individual, num senti<strong>do</strong> mais restrito, como parte de umatotali<strong>da</strong>de social maior. Isso significa dizer que não existe, no senti<strong>do</strong> literal <strong>do</strong> termo,uma ação individual, pois a mesma sempre é resulta<strong>do</strong> de uma cadeia de relaçõesque se estabelecem entre os mais diversos atores sociais e institucionais.Estou enfatizan<strong>do</strong> algo que parece ser trivial. Quem não estaria de acor<strong>do</strong>com a idéia de que não existe uma ação individual, <strong>do</strong> mesmo mo<strong>do</strong> como não podeexistir uma linguagem priva<strong>da</strong>, uma vez que qualquer coisa que digo (por exemplo,minha manifestação de fala) só adquire vali<strong>da</strong>de me<strong>diante</strong> o reconhecimento de umou mais parceiros <strong>do</strong> diálogo? A própria palavra diálogo denota já a necessi<strong>da</strong>de deenvolvimento de mais de uma pessoa. No entanto, <strong>do</strong> ponto de vista meto<strong>do</strong>lógico épreciso assegurar o caráter social de to<strong>da</strong> a ação e a necessi<strong>da</strong>de de compreendêlacomo parte de um contexto que tem, é ver<strong>da</strong>de, a sua especifici<strong>da</strong>de local,microscópica, mas que é parte integrante de uma complexi<strong>da</strong>de maior e que seconstrói a partir de sua inserção e relação com esta complexi<strong>da</strong>de.Mas trata-se, é claro, não de uma relação necessitária na qual a socie<strong>da</strong>de jádeterminaria previamente a ação individual. Se fosse assim, a ação individual nãoteria mais senti<strong>do</strong>, uma vez que perderia to<strong>da</strong> sua potenciali<strong>da</strong>de criativa. O princípiometo<strong>do</strong>lógico que aponta para a importância de se compreender a ação individualcomo inseri<strong>da</strong> num contexto social maior deve evitar to<strong>do</strong> o tipo de determinismo,que tem sempre como desfecho o aniquilamento <strong>do</strong> conceito de liber<strong>da</strong>de. Oargumento de Kant contra o determinismo causal, exposto na “Terceira Antinomia”<strong>da</strong> Crítica <strong>da</strong> Razão Pura, serve como um <strong>do</strong>s exemplos mais importantes, entre osfilósofos modernos, na defesa <strong>da</strong> ação humana livre. Sua justificativa sobre acapaci<strong>da</strong>de espontânea de se iniciar por si mesmo uma ação sem a determinaçãocausal natural, capaci<strong>da</strong>de essa que ele denomina de liber<strong>da</strong>de transcendental,deve ser concebi<strong>da</strong> como uma síntese de to<strong>da</strong> a potenciali<strong>da</strong>de humana,espontânea e criativa, para fazer frente a qualquer força vin<strong>da</strong> de fora <strong>da</strong> razão quepoderia por em risco a liber<strong>da</strong>de <strong>da</strong> ação humana. Este conceito kantiano deliber<strong>da</strong>de, como capaci<strong>da</strong>de espontânea de se iniciar por si mesmo uma ação, alémde ser central para seus propósitos sistemáticos de fun<strong>da</strong>mentar o emprego prático<strong>da</strong> razão pura, também pode ser toma<strong>do</strong> como uma referência genuína defun<strong>da</strong>mentação <strong>do</strong> conceito de ação pe<strong>da</strong>gógica. A interpretação <strong>do</strong> conceito deação pe<strong>da</strong>gógica a partir <strong>do</strong> conceito kantiano de liber<strong>da</strong>de transcendental é uma2


tarefa ain<strong>da</strong> por ser realiza<strong>da</strong>, a qual deve ser precedi<strong>da</strong>, no entanto, pelainterpretação <strong>da</strong> “Terceira Antinomia” na perspectiva de uma teoria <strong>da</strong> ação.Desenvolvo tal interpretação no texto “Liber<strong>da</strong>de transcendental e pe<strong>da</strong>gogia”(DALBOSCO, 2003, p. 107-121).Ao concebermos a ação pe<strong>da</strong>gógica como um processo interativo entre duasou mais pessoas que, <strong>do</strong> ponto de vista ético, devem ser responsáveis pelos seusatos, tanto interação como responsabilização só são possíveis me<strong>diante</strong> um conceitotranscendental e não psicológico e nem subjetivo de liber<strong>da</strong>de. Disso resulta,enquanto princípio meto<strong>do</strong>lógico, que nossas ações são constituí<strong>da</strong>s por contextossociais mais amplos e que devemos nos preocupar não só com o que acontece emnossa volta, isto é, com aquilo que está próximo de nós, mas também com aquiloque ocorre no mun<strong>do</strong>. Mais ain<strong>da</strong>, uma compreensão adequa<strong>da</strong> de nossa açãolocaliza<strong>da</strong> só é possível me<strong>diante</strong> sua compreensão como constituí<strong>da</strong> a partir <strong>da</strong>trama de relações sociais <strong>da</strong> qual ela é parte constituinte e constituí<strong>da</strong>. Com issopenso deixar clara a importância de se investigar o nexo entre ação educativa eação social, ou seja, entre educação e socie<strong>da</strong>de, evitan<strong>do</strong>, contu<strong>do</strong>, o riscodeterminista já indica<strong>do</strong>.Com base neste mesmo raciocínio pode-se tomar o fenômeno <strong>da</strong>globalização como prova evidente de que aquilo que acontece no mun<strong>do</strong> tem umainterferência direta nas economias nacionais e, de mo<strong>do</strong> particular, em nossas açõesindividuais. Ao falar em globalização, penso não só em sua dimensão econômica,que diz respeito a um processo de internacionalização <strong>da</strong> economia torna<strong>do</strong>possível, entre outros fatores, pela sofisticação ca<strong>da</strong> vez maior <strong>do</strong>s meios decomunicação, entre eles a internet, que viabiliza a transferência automática einstantânea de dinheiro virtual de uma parte para outra <strong>do</strong> planeta, mas pensotambém no aspecto cultural deste fenômeno, que põem em contato pessoas comdiferentes idiomas, valores e mo<strong>do</strong>s de ser e viver. Vivemos num momento históricoonde não só uma imensa quanti<strong>da</strong>de de capitais pode ser transferi<strong>da</strong> de uma partepara outra <strong>do</strong> globo, como também informações sobre fatos que ocorrem nos maisdistantes lugares chegam até nós instantaneamente. O exemplo mais recente dissofoi a cobertura <strong>da</strong> guerra <strong>do</strong> Iraque feita ao vivo por jornalistas que enviavam para omun<strong>do</strong> inteiro as imagens <strong>do</strong> front no mesmo instante <strong>da</strong> batalha.A globalização é expressão dessa fase avança<strong>da</strong> <strong>do</strong> capitalismo, a qual acirraain<strong>da</strong> mais a tensão que era própria ao capitalismo em sua fase inicial, a saber, por3


um la<strong>do</strong>, o desenvolvimento gigantesco <strong>da</strong>s forças produtivas, geran<strong>do</strong> o acúmulode riquezas; por outro, o aumento <strong>da</strong> pobreza e <strong>da</strong> injustiça social, sobretu<strong>do</strong>, nospaises periféricos. O processo de globalização é produto <strong>do</strong> capitalismo tardio, oqual tem suas raízes, segun<strong>do</strong> Habermas, em duas tendências evolutivas que sefazem notar, ain<strong>da</strong> no final <strong>do</strong> século XIX, em paises capitalistas desenvolvi<strong>do</strong>s.Estas duas tendências evolutivas são a ativi<strong>da</strong>de intervencionista <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> e a<strong>crescente</strong> investigação técnica que tornou as ciências na primeira força produtiva(HABERMAS, 1978, p. 74). Em síntese, a novi<strong>da</strong>de central que o capitalismo tardioapresenta é a transformação <strong>do</strong> poder técnico-científico na principal força produtivae na forma mais eficiente de ideologia.O conceito de ideologia possui múltiplos significa<strong>do</strong>s. Em Marx assume, numprimeiro momento, um senti<strong>do</strong> negativo, concebi<strong>do</strong> como falsa consciência, mastambém tem um momento positivo, de onde pode emergir a crítica, a qual, por suavez, pode ser encoberta por relações de poder e <strong>do</strong>minação. Esse duplo senti<strong>do</strong> deideologia Marx her<strong>da</strong> <strong>do</strong> conceito de reflexão <strong>do</strong> Hegel <strong>da</strong> Fenomenologia <strong>do</strong>Espírito, para o qual a consciência, embora possa se iludir, possui algo que adistingue que é a reflexão.Essa reflexão vai aparecer em Marx, só que de maneira a umtempo fantasmagórica e real, objetiva. É o capital que se refere asi mesmo, o fetiche <strong>do</strong> fetiche. Ele funciona como se fosse umaconsciência: valoriza-se a si mesmo, refere-se a si mesmo,mede as suas quanti<strong>da</strong>des etc. [...] Portanto a ideologia e falsaconsciência não são inteiramente falsas, há um momento dever<strong>da</strong>de que é inconsciente e obscureci<strong>do</strong>, porque há umarelação de poder e de <strong>do</strong>minação na ideologia, o impulso <strong>do</strong>auto-engano, <strong>da</strong> racionalização etc. [...] Por isso a idéia que estáembuti<strong>da</strong> na ideologia é a que Kant tinha em mente, que ésempre idéia <strong>da</strong> razão, e necessariamente prática, pois tem aver com sua realização ou não no mun<strong>do</strong>” (ARANTES, 2000, p.357).O conceito de ideologia assumiu significações específicas no marxismoocidental: Gramsci trata-o em conexão com o conceito de hegemonia; Althusserconcebe-o como forma de representação <strong>do</strong>s fenômenos sociais que contribui paraa inserção <strong>do</strong>s agentes numa determina<strong>da</strong> formação social; A<strong>do</strong>rno e Horkheimerdesenvolvem-no em termos de uma crítica <strong>da</strong> cultura. Habermas, já a partir deTécnica e ciência como ideologia, pretende romper não só com o conceito marxianode ideologia, como também distanciar-se <strong>do</strong> modelo de crítica <strong>da</strong> ideologia assumi<strong>do</strong>4


por Marcuse, A<strong>do</strong>rno e Horkheimer. Na base desta ruptura está, por um la<strong>do</strong>, suadistinção entre trabalho e ação comunicativa e, por outro, sua tese de que técnica eciência são, no capitalismo tardio, a principal forma de ideologia, que tem comotarefa principal substituir “a autocompreensão culturalmente determina<strong>da</strong> de ummun<strong>do</strong> <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> social pela autocoisificação <strong>do</strong>s homens (Selbstverdinglichung derMenschen) me<strong>diante</strong> categorias <strong>da</strong> ação racional dirigi<strong>da</strong> a fins e <strong>do</strong> comportamentoa<strong>da</strong>ptativo” (HABERMAS, 1978, p. 81-82).Os conceitos de sistema e mun<strong>do</strong> <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> são centrais na teoria socialhabermasiana e, por conseguinte, são os principais elementos defini<strong>do</strong>res de seupróprio conceito de socie<strong>da</strong>de. A esfera sistêmica abrange <strong>do</strong>is subsistemas deação, a economia e a política, as quais são orienta<strong>da</strong>s, respectivamente, pelodinheiro e pelo poder. Nela se radica a modernização social, responsável pelodesenvolvimento material <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de e pela sobrevivência imediata <strong>da</strong>s pessoas.Pre<strong>do</strong>mina nesta esfera ações de tipo estratégico-instrumentais, onde pessoas einstituições empregam a linguagem, o saber e o poder para, de mo<strong>do</strong> geral,conquistar interesses particulares. Ou seja, na esfera sistêmica as pessoas einstituições se pautam por relações de dinheiro e poder, visan<strong>do</strong> atingir seus finsparticulares ou os fins de seu grupo.Já o mun<strong>do</strong> <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> representa, segun<strong>do</strong> Habermas, o la<strong>do</strong> oposto <strong>da</strong> esferasistêmica, pois ele é o espaço onde ocorre, de mo<strong>do</strong> espontâneo, natural e intuitivo,a produção simbólica e cultural <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de. A lógica que orienta as ações quenele se desenvolvem não é só o dinheiro e o poder, mas principalmente oentendimento basea<strong>do</strong> num “consenso de fun<strong>do</strong>”. Ao interagirem entre si no mun<strong>do</strong><strong>da</strong> vi<strong>da</strong>, as pessoas empregam, via de regra, a linguagem como fim para seentenderem mutuamente. Portanto, o que marca a diferença entre mun<strong>do</strong> <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> esistema é o fato de que a linguagem é emprega<strong>da</strong> no primeiro nem sempre comomeio para se atingir fins particulares, mas sim como fim em si mesma para buscar oentendimento entre os participantes.Entretanto, também no mun<strong>do</strong> <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>, e não só na esfera sistêmica, alinguagem pode ser emprega de mo<strong>do</strong> deturpa<strong>do</strong>. Isto é, pode ocorrer nelesituações de fala emprega<strong>da</strong>s não para a busca <strong>do</strong> entendimento, mas para enganarou trapacear o parceiro <strong>do</strong> diálogo. Isso mostra que a própria ação comunicativa nãoestá isenta de ações estratégico-instrumentais, poden<strong>do</strong> aí a linguagem também seremprega<strong>da</strong> como meio. Justamente aqueles casos em que a ação comunicativa5


apresenta-se sistematicamente distorci<strong>da</strong> é que vai interessar a Habermas de mo<strong>do</strong>especial. Para <strong>da</strong>r conta deste problema, ele introduz o conceito de discurso, quedeve ser coordena<strong>do</strong> publicamente por diferentes comuni<strong>da</strong>des de comunicação, asquais devem ser constituí<strong>da</strong>s, além de especialistas, por representantes <strong>da</strong>socie<strong>da</strong>de em geral. Quan<strong>do</strong> pretensões de validez inerentes aos atos de falatornam-se problemáticas, as mesmas passam a ser dirimi<strong>da</strong>s pelo discurso; ou seja,quan<strong>do</strong> a ver<strong>da</strong>de, a correção normativa ou a veraci<strong>da</strong>de <strong>do</strong> falante são postas emdúvi<strong>da</strong> pelo ouvinte, rompe-se então aquele “consenso de fun<strong>do</strong>” que orientava atéentão a ação comunicativa e o conteú<strong>do</strong> <strong>da</strong>s pretensões de validez passa a sertrata<strong>do</strong> no âmbito discursivo.Muitas críticas são feitas a Habermas no que diz respeito à legitimi<strong>da</strong>de <strong>da</strong>distinção entre ação comunicativa e discurso, permanecem dúvi<strong>da</strong>s não só quantoao esclarecimento de ambos, como também quanto à passagem <strong>da</strong> açãocomunicativa para o discurso. A distinção entre ação comunicativa e discurso parecepadecer de dificul<strong>da</strong>des semelhantes àquelas presentes no dualismo entre sistema emun<strong>do</strong> <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>. Do ponto de vista conceitual torna-se decisivo, para a argumentaçãohabermasiana, saber como se relacionam ação comunicativa e mun<strong>do</strong> <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> ecomo Habermas define o significa<strong>do</strong> e o papel <strong>do</strong> conceito de discurso em relação aambos. Uma vez concebi<strong>do</strong> como mediação <strong>da</strong> ação comunicativa, perfazen<strong>do</strong> oseu pano de fun<strong>do</strong> cultural- intuitivo, o conceito de mun<strong>do</strong> <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> precisa serdistingui<strong>do</strong> também <strong>da</strong> esfera discursiva. O problema que se coloca aí diz respeitoem saber como aquele nível de racionali<strong>da</strong>de crítica atribuí<strong>da</strong> ao discurso, para queele possa ser fonte de um consenso fun<strong>da</strong><strong>do</strong>, também possa ser imputa<strong>do</strong> à açãocomunicativa, para haver um tratamento adequa<strong>do</strong> de seu caráter sistematicamentedistorci<strong>do</strong>. As dificul<strong>da</strong>des aqui são inúmeras. No que diz respeito especificamenteao conceito de mun<strong>do</strong> <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>, Masschelein tem chama<strong>do</strong> atenção, por exemplo,para aquela ambigüi<strong>da</strong>de nele inerente de ser concebi<strong>do</strong> por Habermas,simultaneamente, enquanto pano de fun<strong>do</strong> cultural – esfera <strong>da</strong>s auto-evidenciasintuitivas e não tematizáveis – e como categoria sociológica de análise que compõeo par oposto ao conceito de sistema. (MASSCHELEIN, 1991, p. 66-76).O que parece distinguir a esfera discursiva, em certa oposição ao caráterespontâneo e intuitivo <strong>da</strong> ação comunicativa e, num senti<strong>do</strong> mais amplo, <strong>do</strong> própriomun<strong>do</strong> <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>, é o fato de que o discurso, uma vez que nele a busca peloentendimento deve estar basea<strong>da</strong> na força <strong>do</strong> melhor argumento, não pode pautar-6


se por aquele caráter intuitivo e espontâneo próprio à ação comunicativa e aomun<strong>do</strong> <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>. A distinção estabeleci<strong>da</strong> por Habermas entre ação e discurso deixaclaro que, enquanto a primeira diz respeito a um âmbito de comunicação ondepressupomos e reconhecemos as pretensões de validez implícitas nos atos de fala,já o discurso caracteriza-se pela argumentação, “na qual são tematiza<strong>da</strong>s aspretensões de validez que se tornaram problemáticas e onde se examinam a sualegitimi<strong>da</strong>de ou não” (HABERMAS, 1989, p. 130). Na seqüência, Habermas afirmaque o discurso, por exigir uma “suspensão <strong>da</strong>s coações <strong>da</strong> ação” e uma“virtualização <strong>da</strong>s pretensões de validez [...], possibilita, em situações de interaçãoperturba<strong>da</strong>, restabelecer um entendimento sobre pretensões de validez que setornaram problemáticas...”. (Idem, p. 131)Na medi<strong>da</strong> em que o consenso de fun<strong>do</strong> fica rompi<strong>do</strong> devi<strong>do</strong> ao caráterproblemático assumi<strong>do</strong> pela ação comunicativa, o discurso entra em cena comomecanismo para se alcançar o entendimento fun<strong>da</strong><strong>do</strong>. Tenho insisti<strong>do</strong> aqui no papel<strong>do</strong> discurso, apesar <strong>da</strong>s dificul<strong>da</strong>des que tal conceito possa carregar, porque elerepresenta, segun<strong>do</strong> Habermas, uma instância crítica legitimamente capaz de seopor, porque fun<strong>da</strong><strong>do</strong> racionalmente, àquele caráter sistematicamente distorci<strong>do</strong> <strong>da</strong>ação comunicativa. Por isso, ele pode ser também uma referencia crítica obrigatóriapara se fazer frente a um <strong>do</strong>s principais problemas de nossa época, a saber, aoproblema <strong>da</strong> colonização <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>.Esta rápi<strong>da</strong> e livre reconstrução desses <strong>do</strong>is conceitos <strong>da</strong> teoria social deHabermas coloca-nos em condições de considerar a colonização <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>como problema central emergi<strong>do</strong> <strong>do</strong> diagnóstico habermasiano <strong>do</strong> capitalismo tardio.Este problema está diretamente liga<strong>do</strong> com a segun<strong>da</strong> tendência evolutiva expostaacima, a saber, com a transformação <strong>do</strong> saber técnico-científico em principal forçaprodutiva e no principal meio ideológico de <strong>do</strong>minação. Isso significa dizer quetécnica e ciência não só são saberes aplica<strong>do</strong>s ao desenvolvimento econômico <strong>da</strong>socie<strong>da</strong>de, como aplica<strong>do</strong>s também para <strong>do</strong>minar a natureza, as pessoas e asinstituições e suas relações.Se o progresso técnico-científico orienta<strong>do</strong> pela racionali<strong>da</strong>de estratégicoinstrumentaltraz consigo, por um la<strong>do</strong>, a possibili<strong>da</strong>de de se resolver problemasimediatos de sobrevivência material mínima <strong>da</strong>s pessoas, asseguran<strong>do</strong> conforto ebem-estar para, pelo menos, uma parte <strong>da</strong> humani<strong>da</strong>de, ele provoca a invasão <strong>do</strong>smeios oriun<strong>do</strong>s desse progresso e de sua racionali<strong>da</strong>de nos espaços que até então7


estavam reserva<strong>do</strong>s para as relações espontâneas entre pessoas, famílias e grupossociais determina<strong>do</strong>s. Colonização sistêmica <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> significa, portanto,aquele processo de subordinação <strong>da</strong> racionali<strong>da</strong>de comunicativa à racionali<strong>da</strong>de detipo estratégico-instrumental ou a sua transformação mesma à racionali<strong>da</strong>de dessetipo.O resulta<strong>do</strong> mais imediato desse processo é a invasão <strong>da</strong>s relações dedinheiro e poder naquele âmbito responsável pela socialização cultural espontânea<strong>da</strong>s pessoas, no qual elas mol<strong>da</strong>m seu caráter, constroem seus valores e atribuemsignifica<strong>do</strong> para sua existência. Colonização <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> significa, por isso,uma mu<strong>da</strong>nça na orientação <strong>da</strong> ação <strong>da</strong>s pessoas: se elas estavam antesorienta<strong>da</strong>s pela busca <strong>do</strong> entendimento, o qual era assegura<strong>do</strong> pela manifestaçãolingüística basea<strong>da</strong> em pretensões de validez, agora, com a invasão sistêmica, estasmesmas ações passam a se pautar, conforme afirma<strong>do</strong>, pela lógica <strong>do</strong> dinheiro e <strong>do</strong>poder, visan<strong>do</strong> à busca não mais <strong>do</strong> entendimento, mas sim de interesses priva<strong>do</strong>s eparticulares.O efeito mais destrutivo de to<strong>do</strong> este processo é, ao meu ver, e isso tem umaimplicação direta para o processo educacional, a ruptura <strong>do</strong>s laços de soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>deque as relações comunicativas ocorri<strong>da</strong>s no mun<strong>do</strong> <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> entre as pessoas ain<strong>da</strong>conseguiam manter e sua substituição por relações pessoais individualistas eegocêntricas. A introdução desenfrea<strong>da</strong> de ações estratégico-instrumentais noâmbito familiar e escolar agudiza, deste mo<strong>do</strong>, as tendências de individualismo e denarcisismo na formação <strong>da</strong> personali<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s pessoas, fazen<strong>do</strong> com que o filho, porexemplo, obedeça a seu pai não mais motiva<strong>do</strong> pelo respeito, mas sim em nome <strong>da</strong>recompensa que receberá, quer seja um presente ou dinheiro; ou que, no âmbitoescolar, o aluno apren<strong>da</strong> motiva<strong>do</strong> pela nota e que o professor trabalhe visan<strong>do</strong>somente a remuneração financeira.Outro efeito imediato <strong>da</strong> colonização <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> é o progressivoaumento de dificul<strong>da</strong>des para se assegurar um conteú<strong>do</strong> moral mínimo às ações, namedi<strong>da</strong> em que elas deixam-se orientar mais por fins instrumentais e menos pelabusca de um entendimento recíproco. O aumento progressivo de tal colonizaçãoprovoca uma “despotencialização ética” <strong>da</strong>s relações humanas. Guar<strong>da</strong>n<strong>do</strong> ocontexto diferencia<strong>do</strong> de discussão, diríamos, em senti<strong>do</strong> kantiano, que quanto maisinvadi<strong>do</strong> pelo sistema (por relações estratégico-instrumentais) mais o mun<strong>do</strong> <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>dá origem a ações contrárias ao dever (ações egoístas) ou, no máximo, ações8


conforme ao dever (ações formais basea<strong>da</strong>s em inclinações), mas não mais açõespor dever ações morais (KANT, 1998, v. 4, BA 11, p. 24 e 25).Disso resulta, entre outras, a per<strong>da</strong> <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong> moral na formação <strong>do</strong>caráter, porque ações movi<strong>da</strong>s por simples inclinação pessoal de caráter particular(ações egoístas) não estão basea<strong>da</strong>s em laços solidários de respeito mútuo (pordever). Ora, como o próprio Kant adverte na seqüência de seu argumento, o valor deum caráter, sen<strong>do</strong> o mais eleva<strong>do</strong> moralmente, consiste “em fazer o bem não porinclinação, mas por dever” (Idem, BA 11, p. 29). Por fim, a pre<strong>do</strong>minância de açõesinstrumentais no âmbito <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> caracteriza, e isso é o la<strong>do</strong> extremamentedestrutivo deste problema, a própria instrumentalização <strong>da</strong>s pessoas, colocan<strong>do</strong>-seisso em oposição a uma <strong>da</strong>s formulações kantianas <strong>do</strong> imperativo categórico, queordena tomar a humani<strong>da</strong>de, tanto em minha pessoa como na de qualquer outra,nunca simplesmente como meio, mas sempre como fim (Idem, BA 66-67, p. 61).3. Desafios ético-<strong>educacionais</strong>Diante desse quadro, torna-se importante precisar os <strong>desafios</strong> que osproblemas acima levanta<strong>do</strong>s trazem para o âmbito educacional, saben<strong>do</strong> em quesenti<strong>do</strong> a educação pode reagir e quais são os alcances e limites desta sua reação.Quero deixar claro, para evitar mal entendi<strong>do</strong>s, que minha crítica a um determina<strong>do</strong>conceito de desenvolvimento não pretende negar a importância <strong>do</strong> avanço <strong>da</strong> basematerial e <strong>do</strong> acumulo de riquezas para a resolução de problemas centrais que estãocoloca<strong>do</strong>s á humani<strong>da</strong>de, como à erradicação de <strong>do</strong>enças, ao controle <strong>do</strong> aumentopopulacional desenfrea<strong>do</strong> e à eliminação <strong>da</strong> fome e <strong>da</strong> miséria.Ao criticar o conceito de desenvolvimento também não preten<strong>do</strong> fazer umacrítica massiva e generaliza<strong>da</strong> à técnica e à ciência, como se fosse possíveldesconhecer as importantes conquistas que elas trouxeram para a humani<strong>da</strong>de.Hoje ninguém, certamente, concor<strong>da</strong>ria em voltar, por exemplo, a era <strong>do</strong> fogo ou <strong>do</strong>lampiamzinho a querosene, dispon<strong>do</strong>-se a deixar de la<strong>do</strong> as comodi<strong>da</strong>des <strong>da</strong> luzelétrica. Também não quero dizer que uma idéia de educação deva se limitarsomente em tratar o conceito problemático de desenvolvimento. Pois, como vimos,trata-se de um problema mais amplo que, por isso, deve envolver outros setores <strong>da</strong>socie<strong>da</strong>de e também outras áreas <strong>do</strong> conhecimento.Essa crítica se torna necessário porquê um conceito de desenvolvimentoconduzi<strong>do</strong> pelo modelo técnico-econômico que tem na maximização <strong>do</strong> lucro sua9


lógica exclusiva, não só ignora como põem em risco questões centrais que dizemrespeito à sobrevivência <strong>do</strong> planeta terra em longo prazo. Prova disso é o atualestágio de degra<strong>da</strong>ção <strong>do</strong> meio ambiente em esfera planetária: poluição <strong>da</strong> água e<strong>do</strong> ar, deteriorização <strong>do</strong>s solos produtivos, devastação <strong>da</strong> flora e <strong>da</strong> fauna, etc.Consideran<strong>do</strong> estas ressalvas iniciais, há, contu<strong>do</strong>, um aspecto dessascríticas que toca diretamente à educação e põem-na no compromisso de assumiruma postura ética <strong>diante</strong> <strong>do</strong> problema, caso não queira ver o seu senti<strong>do</strong> reduzi<strong>do</strong> àexecução de interesses dita<strong>do</strong>s por uma lógica estranha à sua natureza. Refiro-meaqui à posição que a educação deve tomar frente ao perigo <strong>crescente</strong> querepresenta para a humani<strong>da</strong>de, conforme o diagnóstico feito acima, a invasãodescontrola<strong>da</strong> de ações estratégico-instrumentais no âmbito <strong>da</strong> produção eorganização simbólico-cultural <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de. Tal invasão ocorre <strong>da</strong>s formas maisdiferentes e sutis possíveis, caracterizan<strong>do</strong>-se, no entanto, pela introduçãoirrefleti<strong>da</strong>, ca<strong>da</strong> vez massiva, <strong>do</strong> aparto tecnológico no mun<strong>do</strong> cotidiano espontâneo<strong>da</strong>s pessoas.Para objetivar meu pensamento, gostaria de tomar a escola como exemplo.Frente à problemática anuncia<strong>da</strong> acima, a escola vê-se, no mínimo, <strong>diante</strong> de algunsdilemas. Ela é, antes de tu<strong>do</strong>, uma instituição que tem a tarefa primeira de se ocuparcom a produção simbólica <strong>da</strong>s pessoas e com a socialização <strong>do</strong> sabersistematiza<strong>do</strong>. Essa função <strong>da</strong> escola é discuti<strong>da</strong>, entre outros, por Saviani (1991, p.19-30). “É a exigência de apropriação <strong>do</strong> conhecimento sistematiza<strong>do</strong> por parte <strong>da</strong>snovas gerações que torna necessária a existência <strong>da</strong> escola”. (Idem, p. 23)A escola assume, neste senti<strong>do</strong>, a tarefa <strong>da</strong> alfabetização primaria, comoensinar a ler, a contar e a escrever; tarefa essa indispensável a qualquer processoconseqüente de socialização <strong>do</strong> indivíduo no mun<strong>do</strong> moderno. O primeiro dilemaque surge aí é que a escola, por um la<strong>do</strong>, precisa impedir que suas ações sereduzam somente às ações de tipo técnico-instrumental e, por outro, não podeisentar-se de relações de poder e de dinheiro em seu interior. Poderíamos imaginaruma situação extrema onde haveria um pre<strong>do</strong>mínio de ações instrumentais nointerior <strong>da</strong> escola e isso significaria, em última instância, a instrumentalização <strong>da</strong>própria relação entre professor e aluno, evidencia<strong>da</strong> pelo caso limite onde o aluno só“apreenderia” em função <strong>da</strong> nota e o professor só “ensinaria” por causa <strong>da</strong>remuneração financeira. De outra parte, que a escola não pode se isentar derelações de poder e de dinheiro parece ser uma obvie<strong>da</strong>de mostra<strong>da</strong>,10


primeiramente, pelo fato de que tanto seus Planos Educacionais como suasustentação financeira, no caso <strong>da</strong>s escolas públicas, dependem <strong>do</strong> financiamentopublico atrela<strong>do</strong> a ações governamentais e ampara<strong>do</strong> legalmente na Constituição.Um segun<strong>do</strong> dilema, que é central para o contexto escolar e que também dizrespeito diretamente ao papel <strong>da</strong> escola, pode ser anuncia<strong>do</strong> <strong>da</strong> seguinte maneira:como ela pode tratar de suas questões localiza<strong>da</strong>s sem deixar de se conceber comoparte de um contexto internacional globaliza<strong>do</strong>. Ou seja, o dilema consiste aqui emcomo tratar <strong>do</strong> local em conexão com o global e isso representa, guar<strong>da</strong>n<strong>do</strong> asdevi<strong>da</strong>s proporções, o mesmo problema que se apresenta para a socie<strong>da</strong>debrasileira, no senti<strong>do</strong> de que ela só pode tratar conseqüentemente de seusproblemas por meio de sua inserção no mun<strong>do</strong> globaliza<strong>do</strong>. O dilema consiste aí emcomo promover um desenvolvimento sustentável para o regional e o nacional, querespeite o ser humano e a natureza, ten<strong>do</strong> que se inserir num mun<strong>do</strong> globaliza<strong>do</strong>onde pre<strong>do</strong>mina a lei de um merca<strong>do</strong> econômico competitivo e excludente. No casoespecífico <strong>da</strong> escola, o grande desafio em relação a este ponto consiste em comoela mantém-se inseri<strong>da</strong> num contexto internacional globaliza<strong>do</strong> e, ao mesmo tempo,possa tornar produtivas suas experiências e iniciativas localiza<strong>da</strong>s. Pois, somenteassim ela pode transformar a vi<strong>da</strong> cotidiana escolar num espaço irrenunciável deinstauração progressiva e permanente de grupos de estu<strong>do</strong>s, de investigação deproblemas cotidianos e localiza<strong>do</strong>s de ensino-aprendizagem, conectan<strong>do</strong>-os comproblemas e enfoques teóricos já trata<strong>do</strong>s por outros estudiosos.Diante <strong>do</strong> problema que atinge frontalmente a educação escolar, pon<strong>do</strong> emrisco a aquele conceito de escola como agente forma<strong>do</strong>ra de relações e valoressolidários entre os seus membros, não existe, como já era de se esperar, umareceita pronta que pudesse ser aplica<strong>da</strong> de mo<strong>do</strong> automático. A inexistência de talreceita não impede, no entanto, que alguns indicativos sejam aponta<strong>do</strong>s com ointuito de balizar uma reflexão crítica à instrumentalização <strong>da</strong>s ações pe<strong>da</strong>gógicas,instrumentalização essa que, de acor<strong>do</strong> com o diagnóstico de nossa época, seapresenta como um entrave permanente à construção qualifica<strong>da</strong> <strong>do</strong> processo deensino-aprendizagem.Gostaria de retomar o conceito de escola, antes apenas menciona<strong>do</strong>,enquanto instituição que tem como uma de suas tarefas principais socializar o sabersistematicamente acumula<strong>do</strong> e tratá-lo agora na perspectiva <strong>da</strong> formação deprofessores. Neste contexto, duas perguntas são pertinentes: Em que senti<strong>do</strong> a11


formação de professores pode ser trata<strong>da</strong> em conexão com a socialização <strong>do</strong> sabersistematiza<strong>do</strong>? Em que senti<strong>do</strong> este conceito de escola pode fazer frente aoproblema <strong>da</strong> instrumentalização <strong>da</strong>s ações pe<strong>da</strong>gógicas?Há um consenso quanto ao fato de que a melhoria <strong>da</strong> quali<strong>da</strong>de <strong>do</strong> ensino éuma conquista progressiva, só ocorren<strong>do</strong> me<strong>diante</strong> a valorização <strong>do</strong> magistério, cujotrabalho consistente e continua<strong>do</strong> na formação de professores, além de condiçõesde trabalho, salário e carreira, deve ser uma de suas principais metas. O próprioPlano Nacional de Educação (PNE), aprova<strong>do</strong> ain<strong>da</strong> em 2000 pela Câmara <strong>do</strong>sDeputa<strong>do</strong>s, concebe, no item “Magistério <strong>da</strong> Educação Básica”, a valorização <strong>do</strong>magistério como condição indispensável para se alcançar a melhoria <strong>da</strong> quali<strong>da</strong>dede ensino. Afirma-se no referi<strong>do</strong> Plano: “Essa valorização só pode ser obti<strong>da</strong> pormeio de uma política global de magistério, a qual implica, simultaneamente aformação profissional inicial; as condições de trabalho, salário e carreira e aformação continua<strong>da</strong>” (BRASIL, 2000, p. 63).Neste contexto, a filosofia pode <strong>da</strong>r, ao meu ver, uma contribuição decisiva nosenti<strong>do</strong> de problematizar e esclarecer o nexo entre a meta <strong>da</strong> formação deprofessores e o papel que a escola possui de socializar o saber elabora<strong>do</strong>. Suacontribuição reside numa dupla perspectiva: primeira, devi<strong>do</strong> sua característica deser um saber crítico-conceitual, a filosofia pode contribuir com o resgate histórico deideais normativos e com a construção de novos outros, os quais, tanto os históricoscomo os novos, são indispensáveis para a crítica ao <strong>crescente</strong> processo deinstrumentalização <strong>da</strong>s ações humanas e, particularmente, <strong>da</strong>s ações pe<strong>da</strong>gógicas.Segun<strong>da</strong> perspectiva, ao mostrar que uma <strong>da</strong>s condições de possibili<strong>da</strong>de deacesso ao saber sistematicamente elabora<strong>do</strong> é o diálogo crítico com a tradiçãocultural passa<strong>da</strong>, a qual se nos apresenta, entre outras, na forma de texto. Pensoaqui, de mo<strong>do</strong> especial, nas contribuições que um enfoque hermenêutico pode <strong>da</strong>rpara o trabalho de leitura, análise e interpretação <strong>do</strong> texto, bem como para otrabalho mesmo <strong>da</strong> escrita. A respeito ver, entre outros: Flickinger (1995, p. 211-221); Grondin (2001); Rittelmeyer; Parmentier (2001). O ponto específico diz respeitoao fato de que o diálogo mesmo precisa estar baliza<strong>do</strong> por referenciais normativos.Enten<strong>do</strong> por ideal normativo aquilo que serve de referência à crítica. Nestesenti<strong>do</strong>, algo muito simples, mas difícil de ser alcança<strong>do</strong>, caracteriza umpensamento crítico, a saber, o fato de que ele não pode ser identifica<strong>do</strong>, no senti<strong>do</strong>de ser iguala<strong>do</strong>, àquilo que ele pretende criticar; pois, quan<strong>do</strong> isso ocorre, a crítica12


perde a sua vali<strong>da</strong>de. Para o nosso contexto isso significa, por exemplo, que opensamento que pretende ser crítico ao pre<strong>do</strong>mínio <strong>da</strong> racionali<strong>da</strong>de instrumentalnão pode, por questão de coerência, ser ele mesmo instrumental e nem se deixarinstrumentalizar. Justamente aqui é que cobra importância o conceito de idealnormativo, por oferecer a base conceitual, os critérios e os parâmetros em nome <strong>do</strong>squais o pensamento (atitude reflexiva) realiza a crítica.Consideran<strong>do</strong> isso, gostaria de concluir minha reflexão apontan<strong>do</strong> para trêsreferências normativas que são, segun<strong>do</strong> penso, indispensáveis para fazer frente aoproblema <strong>da</strong> <strong>crescente</strong> instrumentalização <strong>do</strong> ensino. Porém, elas só podem adquirirvali<strong>da</strong>de me<strong>diante</strong> a condição de serem compreendi<strong>da</strong>s enquanto conceitos que,gesta<strong>do</strong>s historicamente, carregam o peso <strong>do</strong> contexto onde nasceram e, por isso,não podem ser simplesmente transporta<strong>do</strong>s para outros contextos sem as devi<strong>da</strong>smediações. Além disso, sua vali<strong>da</strong>de depende também de que possam incidir nareflexão <strong>da</strong> ação pe<strong>da</strong>gógica, que é, em última instância, o horizonte definitivo noqual ocorre o processo educacional-formativo <strong>do</strong>s seres humanos.A idéia de uma formação integral e de caráter solidário <strong>da</strong> paidéia grega, anoção <strong>do</strong> sujeito autônomo e <strong>do</strong> homem cosmopolita <strong>da</strong> pe<strong>da</strong>gogia iluminista,sobretu<strong>do</strong> de inspiração kantiana, e o ideal habermasiano de uma razão constituí<strong>da</strong>comunicativamente (e <strong>da</strong> ação social e pe<strong>da</strong>gógica aí radica<strong>da</strong>s) são referenciaisprodutivos para criticar, por um la<strong>do</strong>, o conceito instrumental de educação e, poroutro, para recuperar a sua dimensão humanista, atualizan<strong>do</strong>-a de acor<strong>do</strong> com asnecessi<strong>da</strong>des e exigências históricas atuais.Da paidéia grega, sobretu<strong>do</strong> de sua versão aristotélica, a recuperação <strong>do</strong>conceito de práxis permite localizar o núcleo específico <strong>da</strong> ação humana em suadimensão ético-pe<strong>da</strong>gógica e, ao mesmo tempo, visualizar o quanto problemático éestabelecer e assegurar a especifici<strong>da</strong>de <strong>da</strong> racionali<strong>da</strong>de prática em relação aoutras formas de racionali<strong>da</strong>de. Da pe<strong>da</strong>gogia kantiana, cabe reter o seu projeto deprofun<strong>da</strong> imbricação entre ação pe<strong>da</strong>gógica e ação moral como condição depossibili<strong>da</strong>de para se chegar a formação de um sujeito pe<strong>da</strong>gógico autônomo. Aícabe reter também o conceito de disciplina, concebi<strong>do</strong> por Kant como uma <strong>da</strong>sformas de ação pe<strong>da</strong>gógica que tem o objetivo de estabelecer limites à relaçãope<strong>da</strong>gógica entre educa<strong>do</strong>r e educan<strong>do</strong> e a sua relação como o mun<strong>do</strong>. Arecuperação de tal conceito deve servir como contraponto à proliferação excessiva<strong>do</strong> espontaneismo pe<strong>da</strong>gógico reinante em nossos dias. Por fim, o esforço13


habermasiano de justificar um conceito comunicativo de razão pode ser toma<strong>do</strong>como contraposição indispensável a to<strong>da</strong> aquela tentativa que pretende reduzir aação humana (incluin<strong>do</strong> nela também a ação pe<strong>da</strong>gógica) à relação meio-fiminstrumentaliza<strong>do</strong>ra.14


Referências bibliográficasARANTES, Paulo. In: NOBRE, M. e REGO, J. M. Conversas com filósofosbrasileiros. São Paulo: Editora 34, 2000.BRASIL. PLANO NACIONAL DE EDUCAÇÃO, 2000DALBOSCO, C. A. (Org.). Filosofia prática e pe<strong>da</strong>gogia. Passo Fun<strong>do</strong>: Editora <strong>da</strong>UPF, 2003.FLICKINGER, H-G. “A lógica clandestina <strong>do</strong> compreender, <strong>do</strong> pensar e <strong>do</strong> escrever”,in: DE BONI, L. A. Finitude e Transcendência, Festschrift em homenagem a Ernil<strong>do</strong>J. Stein. Porto Alegre: EDIPURS; Petrópolis: Vozes, 1995.GRONDIN , J. Von Heidegger zur Gademer. Unterwegs zur Hermeneutik. Darmstadt:WBG, 2001.HABERMAS, J. Technik und Wissenschaft als “Ideologie”. Frankfurt am Mai:Suhrkamp, 1978.HABERMAS, J. Vorstudien und Ergänzungen zur Theorie des kommunikativenHandelns. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1989.KANT, I. Werkausgabe in 6 Bänden, hrsg. v. W. Weischedel. Darmstadt: WB, 1998,v. 4.MASSCHELEIN, J. Kommunikatives Handeln und pä<strong>da</strong>gogisches Handeln. DieBedeutung der Habermasschen kommunikationstheoretischen Wende für diePä<strong>da</strong>gogik. Weinheim: Deutscher Studien Verlag, 1991.RITTELMEYER, C; PARMENTIER, M. Einführung in die pä<strong>da</strong>gogische Hermeneutik.Darmstadt: WBG, 2001.SAVIANI, D. Pe<strong>da</strong>gogia histórico-crítica: primeiras aproximações. São Paulo: CortezEditora, 1991.15

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