22Cf. GALERIA BRITO CIMI-NO. <strong>Nelson</strong> <strong>Leirner</strong>: arte e nãoarte. Texto <strong>de</strong> Ta<strong>de</strong>u Chiarelli.São Paulo: Taka<strong>no</strong>, 2002, p.37.Na fila, o espectadorDuas vocações da arte contemporânea já estavam presentes em Adoração.A primeira diz respeito a sua necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> transformar o espectadorem agente ativo e experimentador. A segunda está diretamente ligada àobsessiva tensão entre artistas e instituições <strong>de</strong> arte. Para compreen<strong>de</strong>rmelhor como ambas afetaram a produção da obra em questão, precisaremos<strong>no</strong>s aproximar <strong>de</strong> outras “obras” produzidas antes e <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> 1966.O momento em que <strong>Leirner</strong> passa a <strong>de</strong>spertar a atenção da críticaespecializada e dos pares coincidiu com o golpe militar <strong>de</strong> 1964, o queaguçou o sentido interativo e crítico <strong>de</strong> seu trabalho, que antes possuíaincursões na abstração informal. 22 O <strong>no</strong>vo regime político trouxe <strong>de</strong>safiosGrupo Rex,da esquerda para direita,em primeiro pla<strong>no</strong>: Barros,Lee, <strong>Leirner</strong> e <strong>Carlos</strong> Fajardo. Emsegundo pla<strong>no</strong>: Marcelo Nitschee José Resen<strong>de</strong>. No fundo, TeresaQuié e a obra Adoração. São Paulo,1966.204<strong>ArtCultura</strong>, Uberlândia, v. 11, n. 19, p. 197-209, jul.-<strong>de</strong>z. 2009
conceituais e políticos. Em 1965, uma obra sua fora retirada da mostraPropostas 65, 23 colocando-o, pela primeira vez, diante da censura. Naquelemesmo a<strong>no</strong>, ele apresenta seus “meta-objetos”, <strong>de</strong>rra<strong>de</strong>iro início <strong>de</strong> umafase inquieta, ácida e provocadora, na Galeria Atrium — sempre em SãoPaulo — ao lado <strong>de</strong> Geraldo <strong>de</strong> Barros. Em 1966, ao lado <strong>de</strong> Barros e <strong>de</strong>Wesley Duke Lee, <strong>Leirner</strong> funda o grupo Rex. 24O grupo tinha como finalida<strong>de</strong> construir formas <strong>de</strong> divulgação daarte longe do circuito <strong>de</strong> galerias, que, segundo eles, incluía, também, acrítica especializada e as instituições oficiais <strong>de</strong> cultura. Para dar expressãoàs inquietações, o grupo abriu a Rex Gallery & Sons, seguida da publicaçãodo Rex Time e da realização <strong>de</strong> encontros, palestras e happenings <strong>de</strong> sotaqueneodadaísta.Graças ao Rex o artista pô<strong>de</strong> produzir exercícios e obras criativas cujoobjetivo era provocar interação entre o público e a obra. 25 Ao artista cabia“procurar um modo <strong>de</strong> dar ao indivíduo a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ‘experimentar’,<strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> ser espectador para ser participante”, segundo <strong>Leirner</strong>. 26 Além<strong>de</strong> Adoração, a obra mais <strong>no</strong>tável nesse tocante foi o happining Exposição-nãoexposição.Em 1967, <strong>Leirner</strong> anunciava que, em sua exposição individual, asobras expostas po<strong>de</strong>riam ser levadas pelo público <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que se conseguisseretirá-las do lugar — as peças estavam meticulosa e obstinadamente fixadas—, para isso ele oferecia serras, martelos e outros instrumentos. No dia daabertura da mostra, uma multidão invadiu a Rex Gallery & Sons levandoobras ou <strong>de</strong>struindo as que não conseguiram carregar, numa balbúrdia eagressivida<strong>de</strong> que estavam em consonância com a postura antimercadológicado artista. 27Da mesma forma que Exposição-não-exposição buscava a interação nãoconvencional com seu público, <strong>de</strong>monstrava, também, sua antipatia pelaarte enquanto circuito e suas instituições, ao subverter o príncipio comercialdas exposições, doando as obras. É assim que naquele mesmo 1967, oartista provoca o circuito da arte, ao enviar para IV Salão <strong>de</strong> Arte Mo<strong>de</strong>rna<strong>de</strong> Brasília um porco empalhado com pernil amarrado <strong>no</strong> pescoço <strong>de</strong>ntro<strong>de</strong> um engradado <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira. A inscrição <strong>de</strong> O porco empalhado, comoexplicou o artista, tinha uma finalida<strong>de</strong> provocativa e visava, <strong>de</strong> modoconfesso, ser recusado pelo júri. Contudo, o corpo jurado (composto porMário Pedrosa, Fre<strong>de</strong>rico Moraes, Walter Zanini, Mário Barata e Clarivaldo Prado Valares) aceitou-o, fazendo com que o artista indagasse, em artigopublicado pelo Jornal da Tar<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo, sobre quais os critérios adotadospelos jurados para incluí-lo. Como <strong>no</strong>s esclarece Agnaldo Farias, <strong>Leirner</strong>“tor<strong>no</strong>u-se o primeiro não recusado <strong>de</strong> um salão a indagar ao júri, pelojornal, sobre quais tinham sido os critérios utilizados para sua seleção” 28 .O artista esclareceu a<strong>no</strong>s <strong>de</strong>pois que:Ia ser um trabalho político. Era um porco empalhado numa gra<strong>de</strong> e tinha umacorrente <strong>no</strong> pescoço e acompanhava um presunto que foi consumido <strong>no</strong> caminho;comeram o presunto e <strong>de</strong>ixaram só a corrente. Essa era a obra. Mas havia um conceitopor trás do trabalho. Era a relação entre o produto industrializado, que era opresunto, e a forma bruta, que era o porco. E a idéia era o porco ir a Brasília. Aceitoou não, ele voltaria, e quando ele voltasse — eu já tinha combinado com um amigomeu — eu iria con<strong>de</strong>corar o porco por sua ida. Agora, como o porco foi aceito, mebateu aquela luz <strong>de</strong> falar com o Ivan Angelo, e ele publicou na página 2 do Jornalda Tar<strong>de</strong> a foto do porco e a frase: “O artista <strong>Nelson</strong> <strong>Leirner</strong> quer saber por que o23Propostas 65 fora inspiradana mostra carioca Opinião 65 eocorreu na Fundação ArmandoÁlvares Penteado, em SãoPaulo, <strong>no</strong> mês <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembrodaquele a<strong>no</strong>, organizada porWal<strong>de</strong>mar Cor<strong>de</strong>iro, FlávioImpério e Sérgio Ferro e contoucom 47 artistas; Cf. PECCINI-NI, Daisy. Figurações. Brasil a<strong>no</strong>s60. São Paulo: Itaú Cultural eEdusp, 1999, p.56.24Juntaram-se aos três <strong>de</strong>s<strong>de</strong>o início: Fre<strong>de</strong>rico Nasser,José Resen<strong>de</strong>, <strong>Carlos</strong> Fajardoe Thomaz Souto Correa; i<strong>de</strong>m,ibi<strong>de</strong>m, p.69 e 72.25<strong>Leirner</strong> esclarece em <strong>de</strong>poimentoao jornal O Estado <strong>de</strong> SãoPaulo, em 1967: “Durante o a<strong>no</strong>em que funcio<strong>no</strong>u, a Rex cumpriuuma missão que estavaestreitamente ligada à espécie<strong>de</strong> pesquisa artística a qual<strong>no</strong>s <strong>de</strong>votamos: a pesquisa dohappening, do acontecimento,da reação do público”, apudGALERIA BRITO CIMINO.op.cit., p.82.26apud FARIAS, Agnaldo. “Ofim da arte segundo <strong>Nelson</strong><strong>Leirner</strong>”. In <strong>Nelson</strong> <strong>Leirner</strong>.Catálogo da mostra retrospectiva.São Paulo: Paço das Artes,1994, p.30.27FARIAS, op.cit. p.38.28FARIAS, op. cit., p.49.A r t i g o s<strong>ArtCultura</strong>, Uberlândia, v. 11, n. 19, p. 197-209, jul.-<strong>de</strong>z. 2009 205