ter medo de cobra, não é contra as normas), outros se <strong>que</strong>ixaram do frio,outros de sono, mas acabamos assentados <strong>em</strong> nossas posições.Acredito <strong>que</strong> cochilei, por<strong>que</strong> não me l<strong>em</strong>bro do começo dorebuliço. Alguém tinha visto um vulto esgueirar- se pela janela do quartoda <strong>em</strong>pregada, <strong>que</strong> ficava separado da casa, do outro lado do quintal.Era <strong>Papai</strong> <strong>Noel</strong> indo dar o presente de Laleca, a <strong>em</strong>pregada, uma caboclamuito bonita e, segundo Neném, “da pontinha da orelha es<strong>que</strong>rda”. Noduro <strong>que</strong> era <strong>Papai</strong> <strong>Noel</strong>, já havia até descrições do chapéu, da barba, doriso, tudo mesmo. Como os soldados dos filmes de guerra <strong>que</strong> passavamno cin<strong>em</strong>a do pai de Neném, fomos quase rastejando para debaixo dajanela de Laleca. Estava fechada agora, <strong>Papai</strong> <strong>Noel</strong> certamente não <strong>que</strong>riatest<strong>em</strong>u nhas.Mas como d<strong>em</strong>orava esse <strong>Papai</strong> <strong>Noel</strong>! Claro <strong>que</strong>, nessas horas, ot<strong>em</strong>po não anda, escorre como uma lesma. Mas, mesmo assim, a d<strong>em</strong>oraestava d<strong>em</strong>ais.— Estou ouvindo uns barulhinhos — cochichou Neném.— Eu também.— Eu também. E foi risada, ainda agora, foi risada?— Psiu!Silêncio entre nós, novos barulhinhos lá dentro.— Qu<strong>em</strong> é macho aí de perguntar se é <strong>Papai</strong> <strong>Noel</strong> <strong>que</strong> está aí?— perguntou Neném.Eu fui macho outra vez. Estava louco para apurar a<strong>que</strong>la históriatoda, <strong>que</strong>ria saber se <strong>Papai</strong> <strong>Noel</strong> tinha trazido o <strong>que</strong> eu pedira e aí griteijunto às persianas:— É <strong>Papai</strong> <strong>Noel</strong> <strong>que</strong> está aí?Barulhos frenéticos lá dentro, vozes, confusão.— É <strong>Papai</strong> <strong>Noel</strong>?A barulheira aumentou e, antes <strong>que</strong> eu pudesse repetir a perguntaoutra vez, a janela se abriu com estrépito e de dentro pulou um18
hom<strong>em</strong> esbaforido, segurando uma camisa branca na mão direita, <strong>que</strong>ime<strong>dia</strong>tamente desabalou num carreirão e sumiu no escuro. Lá dentro,ajeitando o cabelo, Laleca fez uma cara s<strong>em</strong> graça e perguntou o <strong>que</strong> agente estava fazendo ali.— Era <strong>Papai</strong> <strong>Noel</strong> <strong>que</strong> estava com você?— Era, era — respondeu ela.Mas ninguém ficou muito convencido, até por<strong>que</strong> o hom<strong>em</strong><strong>que</strong> pulara tão depressa janela afora l<strong>em</strong>brava muito o pai de Zizinho,<strong>que</strong> por sinal, no <strong>dia</strong> seguinte, deu cinco mil réis a ele, disse <strong>que</strong> ficassecaladinho sobre o episódio e explicou ainda <strong>que</strong> <strong>Papai</strong> <strong>Noel</strong> não existia,<strong>Papai</strong> <strong>Noel</strong> eram os pais, como ele, pai de Zizinho, <strong>que</strong> todo Natal iade quarto <strong>em</strong> quarto distribuindo presentes. De maneira <strong>que</strong> até hoje acoisa não está b<strong>em</strong> esclarecida e nós ficamos s<strong>em</strong> saber se b<strong>em</strong> era umahistória de <strong>Papai</strong> <strong>Noel</strong> ou se b<strong>em</strong> era uma história de mulher da<strong>que</strong>lasde arrepiar os cabelos.Contos e crônicas para ler na escola 19