programa - Companhia Nacional de Bailado
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ROMEUE JULIETAA Antiguida<strong>de</strong> Clássica, e Itália em especial, foipródiga em incontáveis narrativas – reais ou imaginárias– que relatavam discórdias entre facções rivais ouentre famílias ilustres; a causa <strong>de</strong> todas as dissidênciasassentava, invariavelmente, na luta pelo po<strong>de</strong>rou pelo amor, arrastando consigo ódios políticos,pactos sangrentos ou paixões impossíveis. Comumao <strong>de</strong>sfecho brutal <strong>de</strong> todas estas disputas seria aresolução inevitavelmente dramática a que os intervenientesprincipais estariam <strong>de</strong>stinados: ao exílio, aoveneno, ao claustro ou ao punhal.As ruas da Roma pré-imperial conheceram os tumultosentre os Horácios e os Curiácios, e as da Florençamedieval as escaramuças nocturnas entre os Monaldise os Filippeschi ou ainda os massacres entre as facçõespolíticas dos Gibelinos e dos Guelfi; todavia seria maisa norte, em Verona, que as rivalida<strong>de</strong>s entre as casasrivais dos Capuletos e dos Montéquios (“Two households,both alike in dignity” – como as <strong>de</strong>screveria mais tar<strong>de</strong>Shakespeare) protagonizariam o epítome da rivalida<strong>de</strong>entre bandos e as consequências trágicas <strong>de</strong> um amorjuvenil entre Romeu, um Montéquio, e Julieta, umaadolescente da casa dos Capuletos.O jovem William Shakespeare – então nos alvores dasua carreira literária – <strong>de</strong>certo não adivinhou quando,RUI ESTEVESalgures entre 1591 e 1596, ao escrever a última fraseda sua tragédia Romeu e Julieta, ela viria a ser, a par <strong>de</strong>Hamlet e <strong>de</strong> Rei Lear, a sua obra mais popular. Porém,antes <strong>de</strong>le já Ovídio (Metamorfoses) narrara os <strong>de</strong>samores<strong>de</strong> Tisbe e Píramo, em 1476 Salernitano dava--nos conta do infortúnio entre Gianozza e Mariottoe Dante mencionara, na Divina Comédia a rivalida<strong>de</strong>entre Capuletos e Montéquios. Assim sendo,Shakespeare não foi original ao contar-nos a paixão<strong>de</strong>safortunada dos dois jovens enamorados veroneses;afinal não fez mais do que dramatizar a tradução<strong>de</strong> Arthur Brooke da novela <strong>de</strong> Matteo Ban<strong>de</strong>llo (1554)intitulada Giulietta e Romeo, acrescentando, porém,pormenores muito relevantes a personagens e emparticular à Ama e a Mercúcio. E, ao completar asua obra, o mais ilustre dramaturgo da era isabelinafixou para a posterida<strong>de</strong> uma obra que viria a tornar--se sinónimo do amor impossível, da re<strong>de</strong>nção pelamorte voluntária e violenta, em suma, um verda<strong>de</strong>iromaná <strong>de</strong> inspiração para a literatura vindoura. Porcá, apenas Camilo rondou <strong>de</strong> muito perto o drama<strong>de</strong> Shakespeare; Amor <strong>de</strong> Perdição narra o ódio visceralentre Botelhos e Albuquerques, <strong>de</strong> on<strong>de</strong> emerge,pungente e trágico, o amor <strong>de</strong> Simão e Teresa.Até aos nossos dias, o filão dramático da peça <strong>de</strong>Shakespeare parece não querer esgotar-se; a suacomplexa trama alia o erro humano à mais <strong>de</strong>smesuradaluta entre o amor e a impossibilida<strong>de</strong> que conduza uma inevitável fatalida<strong>de</strong>. Ingredientes i<strong>de</strong>ais e maisque suficientes para que o teatro <strong>de</strong> ópera lhe <strong>de</strong>dicasse,pelo menos, quatro óperas dignas <strong>de</strong> menção:Giulietta e Romeo (Vaccai, 1825), I Capuleti ed i Montecchi(Bellini, 1830), Roméo et Juliette (Gounod, 1867) e Romeound Julia (Sutermeister, 1940). Nenhuma <strong>de</strong>stas obras– apenas o último acto da ópera <strong>de</strong> Vaccai conheceunos seus dias alguma notorieda<strong>de</strong> graças à cantoraMaria Malibran – parece ter assegurado uma presençamais ou menos regular nos palcos <strong>de</strong> ópera. Ainda noséculo XIX, Berlioz e Tchaikovski, dois compositoresentre tantíssimos, inspirados pela história, compuseramuma sinfonia dramatique e uma fantasia,respectivamente.No século XX, o tema inspirou dois nomes maiores dojazz: Duke Ellinton (The star-crossed lovers) e Peggy Lee(sublime em Fever) e ainda autores populares tais comoThe Supremes, Bruce Springsteen, Tom Waits, DireStraits e Lou Reed!Com o advento do cinema no início do século XX,Méliès, o “alquimista da luz”, realizou para os estúdiosEdison/Vitagraph o primeiro “Romeu” do celulói<strong>de</strong>,registo infelizmente <strong>de</strong>saparecido. Em 1936, Cukor realizapara a MGM um hollywoo<strong>de</strong>sco “Romeu” (a preto ebranco, claro), com dois protagonistas cuja ida<strong>de</strong> totalizavaos 75 anos, don<strong>de</strong> pouco credíveis nos ímpetose fulgores juvenis exigidos para os respectivos papéis.Renato Castellani, em 1954, assina outra versão para ocinema (Grand Prix <strong>de</strong> Veneza), na qual brilha essencialmenteo Frei Lourenço <strong>de</strong> John Gielgud. Franco Zeffirelli,em 1968, retoma o tema da peça <strong>de</strong> Shakespeare efilma um “Romeu e Julieta” vibrante, colorido, sexuadoe juvenil. A “Julieta” <strong>de</strong> Olivia Hussey ainda hoje comove.Em 1996, Luhmann actualiza o tema e <strong>de</strong>ci<strong>de</strong> rodar umfilme insípido com Di Caprio apenas como chamariz <strong>de</strong>bilheteira; por fim, Martin Mad<strong>de</strong>n realiza Shakespearein Love (1998) que se torna num curioso e brilhante exercício<strong>de</strong> cinema (7 Óscares) enquanto nos vai contandoquão apaixonado estava o próprio dramaturgo durantea escrita do seu “Romeu e Julieta”.Recuando, propositadamente, uns anos, impõe-serecordar a noite <strong>de</strong> 26 <strong>de</strong> Setembro <strong>de</strong> 1957, no WinterGar<strong>de</strong>n Theatre <strong>de</strong> Nova Iorque, quando, em plenaBroadway, se estreia o músical West Si<strong>de</strong> Story. Seguindo<strong>de</strong> muito perto o mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> Romeu e Julieta, o poema <strong>de</strong>Stephen Sondheim, a coreografia <strong>de</strong> Jerome Robbinse a música <strong>de</strong> Leonard Bernstein popularizaram parasempre a história trágica dos dois jovens apaixonados<strong>de</strong> Verona. O drama <strong>de</strong> Shakespeare transita então dasruelas e praças <strong>de</strong> Verona – on<strong>de</strong> se ajustam contasentre grupos inimigos – para o quarteirão <strong>de</strong>gradadodo Upper West Si<strong>de</strong>, em Nova Iorque. Capuletos eMontéquios são agora os gangues rivais dos Jets e dosSharks, e Romeu e Julieta chamam-se simplesmenteTony e Maria. West Si<strong>de</strong> Story, para além <strong>de</strong> ter constituídoum ponto <strong>de</strong> viragem na história do músicalnorte-americano, sequencia toda uma narrativa músico-teatralcom o pulsar inovador <strong>de</strong> uma linguagemuniversal, agora acrescida <strong>de</strong> ingredientes que apelame se enquadram na perfeição nos problemas <strong>de</strong> umanova geração: emigração, racismo, disputa do territóriourbano. O amor que Tony/Romeu sente por Maria/Julieta fá-los <strong>de</strong>safiar as suas respectivas famílias, osseus amigos e o seu mundo social. Em 1961 a peça éfielmente transportada para o ecrã, e será o próprioJerome Robbins a supervisionar, ao lado <strong>de</strong> Robert Wise– o realizador –, todas as filmagens dos números músicais.Mera curiosida<strong>de</strong>: todos os exteriores que envolviamcenas com coreografia <strong>de</strong> Robbins tiveram <strong>de</strong> serfilmados em tempo recor<strong>de</strong>; o quarteirão do West Si<strong>de</strong>tinha <strong>de</strong> ser <strong>de</strong>molido para ali se construir o