11.07.2015 Views

Desportos de Natureza: reflexões sobre a sua definição ... - Exedra

Desportos de Natureza: reflexões sobre a sua definição ... - Exedra

Desportos de Natureza: reflexões sobre a sua definição ... - Exedra

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

exedra • nº 2 • 20091. Notas iniciais <strong>sobre</strong> as práticas corporais em meio naturalO <strong>de</strong>sporto é hoje consi<strong>de</strong>rado como um dos maiores e mais importantes fenómenossociais. Por um lado (…) tem sido influenciado pela dinâmica social, a partir da comunicaçãoglobal iniciada, fundamentalmente com as novas tecnologias, por outro, o próprio <strong>de</strong>sporto,numa espécie <strong>de</strong> regresso ao passado, começou também a influenciar a própria socieda<strong>de</strong>, nãosó a partir dos padrões <strong>de</strong> moda que impõe, como também pelos estilos <strong>de</strong> vida que organizapara a socieda<strong>de</strong> actual, <strong>sobre</strong>tudo naquilo que diz respeito à gestão do tempo livre (Pires,1995: p. 29).De certa forma, novos hábitos e valores associados ao <strong>de</strong>sporto surgem a partir dacampanha internacional lançada pelo Conselho da Europa em 1966, <strong>de</strong>nominada por“Desporto para Todos”, consolidado mais tar<strong>de</strong> pela Carta Europeia do Desporto (1992),cujo enunciado expõe e <strong>de</strong>fine a prática <strong>de</strong>sportiva como um direito fundamental <strong>de</strong>todos os cidadãos. Este documento torna-se, aliás, num instrumento político-i<strong>de</strong>ológicoe um marco extremamente importante neste movimento, que origina o <strong>de</strong>senvolvimento<strong>de</strong> um novo paradigma, especialmente na Europa, e que torna o <strong>de</strong>sporto, para além davertente competitiva, num espaço <strong>de</strong> satisfação das novas necessida<strong>de</strong>s sociais, <strong>de</strong> fuga àrotina, <strong>de</strong> procura da evasão, da aventura e do risco (Marivoet, 2002; Gomes, 2008).Associado à crescente <strong>de</strong>mocratização da prática <strong>de</strong>sportiva operada por estemovimento, mas também através do aumento das preocupações com a sustentabilida<strong>de</strong>do planeta, têm sido gerados novos hábitos e comportamentos <strong>de</strong> consumo (Dias, Melo &Júnior, 2007), o aumento significativo da prática <strong>de</strong> activida<strong>de</strong> física <strong>de</strong>sportiva, associadaquer à valorização do tempo <strong>de</strong> lazer, quer à busca <strong>de</strong> activida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> ar livre (Costa,2007) e o crescimento, valorização e difusão dos <strong>de</strong>sportos praticados na natureza (Dias,Melo & Júnior, 2007). Estas activida<strong>de</strong>s praticadas em contacto com a natureza estãoa consolidar-se <strong>de</strong>s<strong>de</strong> há 30 anos como um dos grupos mais sólidos e com mais futurono âmbito da nova cultura corporal (Bétran & Bétran, 1995a), pois cada vez existe umamaior necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> contacto com a natureza, <strong>de</strong> procura <strong>de</strong> sensações e emoções numasocieda<strong>de</strong> <strong>de</strong>masiado rotineira e controlada, <strong>de</strong> procura <strong>de</strong> novos estados <strong>de</strong> consciêncianuma socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong>ssacralizada e laica, e um novo modo <strong>de</strong> viver o tempo livre (Miranda,Lacasa & Muro 1995).A crescente procura <strong>de</strong>ste tipo <strong>de</strong> activida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>sportivas apresenta, também,novos <strong>de</strong>safios à investigação na tentativa <strong>de</strong> explicar este fenómeno nas <strong>sua</strong>s diversasdimensões (Dias, Melo & Júnior, 2007), reflectindo-se no aumento consi<strong>de</strong>rável <strong>de</strong>trabalhos <strong>de</strong> índole académico realizados no âmbito <strong>de</strong>ste tema. Todavia estes têm, noentanto, levantado alguns problemas aquando da <strong>de</strong>limitação conceptual do seu campo<strong>de</strong> investigação, pois têm proliferando diversos termos distintos entre si, cada qual comum conjunto <strong>de</strong> pressupostos teóricos subjacentes, e que, geralmente, não têm sido alvos94


Ricardo Melo • <strong>Desportos</strong> <strong>de</strong> <strong>Natureza</strong>: <strong>reflexões</strong> <strong>sobre</strong> a <strong>sua</strong> <strong>de</strong>finição conceptualJúnior (2007), po<strong>de</strong>mos classificá-las e enquadrá-las claramente nesse campo, comouma sub-cultura <strong>de</strong>ste fenómeno, integrando uma área <strong>de</strong>sportiva mais ampla, aindaque cada modalida<strong>de</strong> específica possa ser apreendida <strong>de</strong> forma diferente, mas semprecom referências comuns.Esclarecidas e fundamentadas as dimensões do <strong>de</strong>sporto que actualmente se admiteme que nos levam a consi<strong>de</strong>rar tais práticas <strong>de</strong>sportivas <strong>de</strong> natureza como modalida<strong>de</strong>s<strong>de</strong>sportivas, dois problemas conceptuais importam explorar. Por um lado, consi<strong>de</strong>rara existência <strong>de</strong> diversos termos utilizados que <strong>de</strong>nominam um conjunto <strong>de</strong> activida<strong>de</strong>scomo o montanhismo, o “surf”, o parapente e a canoagem, cada qual com um conjunto<strong>de</strong> pressupostos teóricos distintos (Dias, 2007) e, por outro lado, consi<strong>de</strong>rar um conceitoque permita abranger uma diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> modalida<strong>de</strong>s tão díspares.Justificando esta problemática, Dias & Júnior (2006: p. 141) referem que ostermos utilizados para <strong>de</strong>signar e caracterizar essas práticas são difusos, imprecisos epouco consen<strong>sua</strong>is, pois, (…) a dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> se elaborar um conceito que possa <strong>de</strong>finir ecaracterizar com alguma precisão essas práticas acaba por criar uma dificulda<strong>de</strong> adicionalpara as <strong>sua</strong>s investigações (…). De facto, é frequente serem apresentados muitos conceitospara <strong>de</strong>signar um mesmo objecto <strong>de</strong> estudo.Diversas propostas têm sido apresentadas na tentativa <strong>de</strong>finir as práticas corporaisem meio natural, das quais salientamos:1) Activida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> ar livre – “Plein Air”: esta proposta surgiu na segunda meta<strong>de</strong>do século XIX, tendo como principal i<strong>de</strong>ia a activida<strong>de</strong> física em meio natural,num ambiente saudável (Bessy & Mouton, 2004);2) Movimentos Naturalista <strong>de</strong> Hébert e Escutista <strong>de</strong> Ba<strong>de</strong>n-Powell: estes movimentossurgem no final do século XIX e início do século XX, respectivamente. O pilarbásico <strong>de</strong>stes movimentos é a <strong>de</strong>fesa do retorno à natureza como forma <strong>de</strong>contrariar a <strong>de</strong>cadência moral e física dos europeus, em contraste com ovigor dos povos <strong>de</strong> outros continentes (Vigarello, 1983; Sobral, 1985; Bessy &Mouton, 2004).3) <strong>Desportos</strong> Californianos: esta <strong>de</strong>signação <strong>de</strong>ve-se à origem geográfica e cultural<strong>de</strong>stes <strong>de</strong>sportos, que surgem nos anos 60, do século XX, na Califónia - EUA;mas também <strong>de</strong>vido à <strong>sua</strong> “estrutura motriz” e a uma “estilo” particular daspráticas: surf, windsurf, voo-livre, skate-board, freesbe, etc. (Pociello, 1986).Estes <strong>de</strong>sportos são encarados como uma filosofia pacifista e ecologista, on<strong>de</strong>os praticantes procuram uma harmonia com a natureza, através <strong>de</strong> uma práticalivre e emocional, que se opõe à perspectiva competitiva (Pociello, 1986;Vigarello, 1986; Bessy & Mouton, 2004).97


exedra • nº 2 • 20094) Activida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Ar Livre e Exploração: preconizado por Araújo (1983), esta<strong>de</strong>signação surge em Portugal, no início da década <strong>de</strong> oitenta, sob a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong>um conjunto <strong>de</strong> activida<strong>de</strong>s que estabelecem o contacto entre o indivíduo, anatureza e os seus elementos naturais.5) Activida<strong>de</strong>s Físicas <strong>de</strong> <strong>Natureza</strong> – “Activités Physiques <strong>de</strong> Plein Nature”: estaproposta surge entre a década <strong>de</strong> oitenta e noventa, através do <strong>de</strong>senvolvimento<strong>de</strong> activida<strong>de</strong>s com o objectivo <strong>de</strong> progredir (com ou sem engenho) na natureza,estando presente um risco relativo, associado à incerteza do meio (Bessy &Mouton, 2004). Nesta perspectiva, o praticante não preten<strong>de</strong> integra-se nomeio, sendo este apenas o local <strong>de</strong> prática das activida<strong>de</strong>s (Moreira, 2007).6) <strong>Desportos</strong> <strong>de</strong> Aventura – “Adventure”/”Aventure”: esta <strong>de</strong>nominação engloba asactivida<strong>de</strong>s físicas, praticadas em meio natural, que respeitam um conjunto <strong>de</strong>regras e são praticadas com o constante aparecimento <strong>de</strong> situações imprevistas(Vanloubbeeck, 2000) e conotados com um forte sentido <strong>de</strong> risco e incerteza(Betrán, 2003).7) <strong>Desportos</strong> Radicais: esta <strong>de</strong>signação abrange as modalida<strong>de</strong>s que configuram umagran<strong>de</strong> <strong>de</strong>scarga <strong>de</strong> adrenalina, na tentativa <strong>de</strong> alcançar objectivos exigentesaos quais estão, normalmente, associados factores <strong>de</strong> risco. Estas práticasestão relacionadas com habilida<strong>de</strong>s “radicais” que <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m <strong>de</strong> engenhos (e.g.prancha <strong>de</strong> “surf”, tábua <strong>de</strong> “snowboard”, etc.), que permitem utilizar a forçada gravida<strong>de</strong> para proporcionar o maior número <strong>de</strong> soluções possíveis, e quepossam superar as forças da natureza: o ar, o solo e a água (Tomlinson, 1997).8) <strong>Desportos</strong> Extremos – “Extreme Sports”: este termo foi generalizado a partirdos anos 80, associado às activida<strong>de</strong>s relacionadas com feitos grandiosos,excessivos ou imo<strong>de</strong>rados, que são levadas ao extremo para atingir os limites(Le Scanff, 2000).9) <strong>Desportos</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>slize –“Sports <strong>de</strong> Gliss”: são as activida<strong>de</strong>s que recorrem à utilizaçãodas energias da natureza como um meio <strong>de</strong> propulsão, que proporciona o<strong>de</strong>slizamento na água no ar ou na terra (Lacroix, 1985; Pociello, 1986).Betrán & Betrán (1995b) apresentam um termo e uma sigla para <strong>de</strong>signar estaspráticas: Activida<strong>de</strong>s Físicas <strong>de</strong> Aventura na <strong>Natureza</strong> (AFAN). Tais práticas referemsesegundo os autores, a activida<strong>de</strong>s que se fundamentam no <strong>de</strong>slizamento <strong>sobre</strong>superfícies naturais, nas quais o equilíbrio dinâmico para evitar as quedas e a velocida<strong>de</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>slocamento, aproveitando as energias da natureza (eólica, da ondas, das marés, doscursos fluviais ou a força da gravida<strong>de</strong>), constituem os diversos níveis <strong>de</strong> risco controladonos quais a aventura se baseia. Desta <strong>de</strong>finição fica claro que algumas das activida<strong>de</strong>s que98


Ricardo Melo • <strong>Desportos</strong> <strong>de</strong> <strong>Natureza</strong>: <strong>reflexões</strong> <strong>sobre</strong> a <strong>sua</strong> <strong>de</strong>finição conceptualconsi<strong>de</strong>ramos enquadráveis neste tipo <strong>de</strong> práticas, ficam <strong>de</strong> fora <strong>de</strong>ste conceito, como ocaso da escalada, do pe<strong>de</strong>strianismo e do montanhismo (Villaver<strong>de</strong>, 2007).De todas estas <strong>de</strong>finições <strong>de</strong>stacamos as <strong>sua</strong>s diferenciações semânticas, pois, apesar<strong>de</strong> procurarem expressar um significado semelhante, po<strong>de</strong>rão apresentar significadosdistintos (Dias, 2007). Debruçando-nos <strong>sobre</strong> a análise conceptual dos diversos termosutilizados, e <strong>de</strong> acordo um estudo elaborado por Dias (2007) <strong>sobre</strong> a nomenclaturautilizada pelos praticantes <strong>de</strong>ste tipo <strong>de</strong> activida<strong>de</strong>s, quando convidados a comentaro termo <strong>Desportos</strong> Radicais, os praticantes <strong>de</strong> montanhismo referem que este termocontraria a posição assumida pelos montanhistas, pois na <strong>sua</strong> opinião, esta modalida<strong>de</strong>assumiria o carácter <strong>de</strong> competição <strong>de</strong>sportiva como qualquer outra, com vencedores,per<strong>de</strong>dores, prémios e recor<strong>de</strong>s, criando um conjunto <strong>de</strong> crenças e valores (competição,regulamentação, comercialização, etc.) que contraria a perspectiva tradicional e asconvicções hegemónicas estabelecidas entre a <strong>sua</strong> comunida<strong>de</strong>.Por outro lado, o termo <strong>Desportos</strong> <strong>de</strong> Aventura assume um carácter vinculativoa termos como o risco e o perigo. Consi<strong>de</strong>rando esta perspectiva, alguns praticantes,citados por Dias (2007), negam este termo contrapondo que os riscos existem em todasas modalida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>sportivas, e que a taxa <strong>de</strong> aci<strong>de</strong>ntes em modalida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>sportivastradicionais é bastante superior. A exposição ao risco é inerente aos locais <strong>de</strong> prática <strong>de</strong>tais <strong>de</strong>sportos, pela <strong>sua</strong> exposição às intempéries da natureza, <strong>de</strong>correndo daí a aventurae o risco que se procura, consumando-se no enfrentar dos <strong>de</strong>safios naturais, tais comoeles se apresentam, e, tal como Dias (2007), consi<strong>de</strong>ramos uma redundância encarar taispráticas <strong>de</strong> aventura.O termo <strong>Desportos</strong> <strong>de</strong> <strong>Natureza</strong> surge, <strong>de</strong> acordo com Bessy & Mouton (2004), só nofinal do século vinte, associado ao aparecimento <strong>de</strong> novos espaços <strong>de</strong>sportivos na naturezae ao aumento do número <strong>de</strong> praticantes que, consequentemente, proporcionaram umamaior organização, estruturação e segurança das práticas. Estamos, assim, perante umprocesso <strong>de</strong> urbanização da natureza e <strong>de</strong> naturalização da cida<strong>de</strong> (Moreira, 2007).A relação com a natureza é <strong>de</strong> facto o elo fundamental que caracteriza os praticantes<strong>de</strong>stas modalida<strong>de</strong>s numa espécie <strong>de</strong> imaginário <strong>de</strong> retorno à natureza, na busca daliberda<strong>de</strong> e integração na e com a natureza. Estas modalida<strong>de</strong>s estabelecem relaçõescom temas como a natureza e a ecologia, pois entre os praticantes e a imagem públicasurge a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> associar estas práticas à preservação da natureza e ao ambientalismo.Desta forma, a natureza contempla as características <strong>de</strong> aventura e <strong>de</strong> risco, dimensões<strong>de</strong>finidas pelos praticantes como os principais factores <strong>de</strong> motivação para a prática(Dias, 2007). Associado ao termo <strong>de</strong>sporto, optamos por utilizar o termo natureza para<strong>de</strong>signar as práticas corporais que <strong>de</strong>correm em meio natural, pois enten<strong>de</strong>mos que éaquele que po<strong>de</strong>rá <strong>de</strong>limitar todas as <strong>sua</strong>s dimensões, agrupando numa só <strong>de</strong>finição este99


exedra • nº 2 • 2009conjunto <strong>de</strong> modalida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>sportivas.A natureza é apresentada como uma proposta que preten<strong>de</strong> envolver o <strong>de</strong>sportocomo uma prática que estabelece relações intersubjectivas com os praticantes, com afinalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> eles po<strong>de</strong>rem extrair prazer <strong>de</strong>ssa interacção, e na medida em que a próprianatureza é apontada como uma das <strong>sua</strong>s motivações principais, on<strong>de</strong> os seus simbolismossão permeados por uma espécie <strong>de</strong> mitologia do reencontro com a natureza selvagem.A relação com a natureza po<strong>de</strong>rá ter, na opinião <strong>de</strong> Moreira (2007), duas vertentes:a) uma <strong>de</strong> interesse ecológico, com a <strong>de</strong>scoberta, i<strong>de</strong>ntificação, análise do envolvimentonatural, tendo como objectivo a conservação e o equilíbrio da mesma e; b) a activida<strong>de</strong>física, on<strong>de</strong> o confronto com a natureza e a <strong>sua</strong> exploração é efectuada através dodomínio <strong>de</strong> diferentes técnicas.Em relação ao termo natureza, utilizado para <strong>de</strong>signar estas práticas, não po<strong>de</strong>remos<strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rar, pelo menos, as seguintes dimensões: 1) o seu maior ou menorgrau <strong>de</strong> aventura pela exposição aos riscos objectivos, consoante o local <strong>de</strong> prática; 2) amodalida<strong>de</strong> praticada e o grau <strong>de</strong> experiência dos praticantes; 3) o carácter ecologistaque está presente nestas modalida<strong>de</strong>s e; 4) as características <strong>de</strong> evasão presentes namaioria das modalida<strong>de</strong>s, a procura da emoção, a fuga à rotina e ao stress do dia a dia.Os espaços ao ar livre em contacto com a <strong>Natureza</strong> são, <strong>de</strong> facto, o cenário comum aestas práticas, normalmente em zonas rurais ou em áreas protegidas, próximas dos locaishabituais <strong>de</strong> residência ou em locais mais afastados, on<strong>de</strong> se tenha a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong>realizar <strong>de</strong>slocações turísticas. Tais práticas associadas ao lazer, assumem-se como umpotencial factor <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento do turismo, constituindo uma das modalida<strong>de</strong>s doTurismo <strong>de</strong> <strong>Natureza</strong> e um dos 10 produtos estratégicos do turismo em Portugal (PENT,2006) e é, muitas das vezes, um dos principais garantes <strong>de</strong> sustentabilida<strong>de</strong>, em especialnas zonas rurais <strong>de</strong>primidas.As práticas <strong>de</strong> <strong>Desportos</strong> <strong>de</strong> <strong>Natureza</strong> actuam, em especial no âmbito do lazer turístico,como um agente <strong>de</strong> mudança, trazendo inúmeros impactos às condições económicasregionais, às instituições sociais e à qualida<strong>de</strong> ambiental (Mings & Chulikpongse, 1994).Estes impactos resultam <strong>de</strong> um processo complexo <strong>de</strong> interacção entre os praticantes eos <strong>de</strong>stinos <strong>de</strong> prática, incluindo as comunida<strong>de</strong>s receptoras, e resultam das diferençassociais, económicas e culturais entre a população resi<strong>de</strong>nte e os praticantes (WTO, 1993).Por vezes, tipos similares <strong>de</strong> práticas po<strong>de</strong>m originar impactos diferentes. A extensão<strong>de</strong>stes impactos <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> não só da quantida<strong>de</strong>, mas também do tipo <strong>de</strong> praticantes quese <strong>de</strong>slocam a esse <strong>de</strong>stino (Mathieson & Wall, 1996) e da natureza das socieda<strong>de</strong>s emque ocorrem (Rushmann, 1999).O <strong>de</strong>senvolvimento dos <strong>Desportos</strong> <strong>de</strong> <strong>Natureza</strong>, com um carácter sustentável, é um100


Ricardo Melo • <strong>Desportos</strong> <strong>de</strong> <strong>Natureza</strong>: <strong>reflexões</strong> <strong>sobre</strong> a <strong>sua</strong> <strong>de</strong>finição conceptualprocesso com tripla acção (WTO, 1993): i) a sustentabilida<strong>de</strong> sociocultural, que permiteque o controle e a gestão dos recursos disponíveis sejam efectivados localmente pelaspopulações autóctones, <strong>de</strong> acordo com os traços culturais e os padrões valorativos<strong>de</strong> referência; ii) a sustentabilida<strong>de</strong> ecológica, que garante a a<strong>de</strong>quação entre o<strong>de</strong>senvolvimento e a preservação ambiental e; iii) a sustentabilida<strong>de</strong> económica, quepermite a eficiência económica sem ameaçar o crescimento futuro.De acordo com Brito (2004: 122), (…) a relação entre as três dimensões é conseguida,através da garantia <strong>de</strong> preservação ambiental, atribuindo autonomia às comunida<strong>de</strong>slocais, respeitando a cultura e os valores <strong>de</strong> origem, reforçando a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> comunitária,salvaguardando o <strong>de</strong>senvolvimento económico mediante a gestão dos recursos disponíveis,assegurando a <strong>sua</strong> utilização pelas gerações futuras.3. <strong>Desportos</strong> <strong>de</strong> <strong>Natureza</strong>: uma <strong>de</strong>finição para as práticas corporais em meio naturalApós esta reflexão preten<strong>de</strong>mos assim <strong>de</strong>signar as práticas corporais que <strong>de</strong>corremem meio natural como “<strong>Desportos</strong> <strong>de</strong> <strong>Natureza</strong>”. Para a compreensão <strong>de</strong>ste conceitoem muito contribuiu a <strong>de</strong>finição estabelecida pela legislação em vigor que consi<strong>de</strong>raactivida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> <strong>Desportos</strong> <strong>de</strong> <strong>Natureza</strong> como todas as que sejam praticadas em contactodirecto com a natureza e que, pelas <strong>sua</strong>s características, possam ser praticadas <strong>de</strong> forma nãonociva para a conservação da natureza (Decreto-Lei n.º 47/99, <strong>de</strong> 16 <strong>de</strong> Fevereiro, Alteradopelo Decreto-Lei n.º 56/2002, <strong>de</strong> 11 <strong>de</strong> Março), e aquelas cuja prática aproxima o homemda natureza <strong>de</strong> uma forma saudável e seja enquadrável na gestão das áreas protegidas e numapolítica <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento sustentável. Constituem activida<strong>de</strong>s e serviços <strong>de</strong> <strong>de</strong>sporto<strong>de</strong> natureza as iniciativas ou projectos que integrem: pe<strong>de</strong>strianismo, montanhismo,orientação, escalada, rappel, espeleologia, balonismo, parapente, asa <strong>de</strong>lta sem motor,bicicleta todo o terreno (BTT), hipismo, canoagem, remo, vela, surf, windsurf, mergulho,rafting, hidrospeed, e outros <strong>de</strong>sportos e activida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> lazer cuja prática não se mostrenociva para a conservação da natureza (Decreto-Regulamentar nº 18/99, <strong>de</strong> 27 <strong>de</strong>Agosto).Face à reflexão apresentada, propomos que a <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> <strong>Desportos</strong> <strong>de</strong><strong>Natureza</strong> consi<strong>de</strong>re que estes sejam:- todas as activida<strong>de</strong>s físicas e corporais que se realizam em contacto directocom a natureza, apresentando um formato organizado ou não, que tenhampor objectivo a expressão ou o melhoramento da condição física e psíquica,o <strong>de</strong>senvolvimento das relações sociais, o intuito <strong>de</strong> recreação e lazer ou aobtenção <strong>de</strong> resultados na competição a todos os níveis, e que contribuampara a sustentabilida<strong>de</strong> do <strong>de</strong>senvolvimento local, nas dimensões ambiental,101


exedra • nº 2 • 2009económica e sociocultural.Esta nossa <strong>de</strong>finição e este <strong>de</strong>bate conceptual não terminam aqui. A necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong>aprofundamento da nossa reflexão causada por uma limitação temporal, mas tambémpela necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma plural confrontação i<strong>de</strong>ológica que contribuirá, por certo, paraa construção <strong>de</strong> novas dimensões <strong>de</strong> análise <strong>de</strong>ste novo fenómeno <strong>de</strong>sportivo em tãovertiginosa e acelerada mudança.BibliografiaAraújo, M. P. (1983). A educação mesológica: contribuição das activida<strong>de</strong>s físicas <strong>de</strong> arlivre e exploração. Lu<strong>de</strong>ns, 7, (2), 29-36.Bessy, M. & Mouton, M. (2004). Du plein air au sports <strong>de</strong> Nature. Nouvelles pratiquesnouveaux enjeux. Revue Education Physique et Sport, 309, 67-72.Betrán, J. (2003). Rumo a um novo conceito <strong>de</strong> ócio na Espanha. In A. Marinho & H.Bruhns, (org.), Turismo, lazer e natureza (pp. 157-202). São Paulo: EditoraManole.Betrán, J. & Betrán, A. (1995a). La crisis <strong>de</strong> la mo<strong>de</strong>rnidad y el advenimiento <strong>de</strong> laposmo<strong>de</strong>rnidad: el <strong>de</strong>porte y las prácticas físicas en el tiempo <strong>de</strong> ocio activo.Apunts, 41, 10-29.Betrán, J. & Betrán, A. (1995b). Propuesta <strong>de</strong> una clasificación taxonómica <strong>de</strong> lasactivida<strong>de</strong>s físicas <strong>de</strong> aventura en la naturaleza. Marco conceptual y análisis <strong>de</strong>los criterios elegidos. Apunts 41, 108-123.Boyero, R. & Serna, C. (2002). Aproximación taxonómica <strong>de</strong> las activida<strong>de</strong>s físicas en lanaturaleza en centros educativos. Retos. Nuevas Ten<strong>de</strong>ncias en Educación Física,Deporte e Recreación, 1, 6-14.Brito, B. (2004). Turismo ecológico: uma via para o <strong>de</strong>senvolvimento sustentável em São Tomée Príncipe. Tese <strong>de</strong> doutoramento apresentada no ISCTE.Brohm, J. M. (1976). Sociologie politique du sport. Paris: Jean-Pierre Delarge.Conselho da Europa (1992). Carta Europeia do Desporto. Rho<strong>de</strong>s: Reunião da Comissãodos Ministros do Conselho da Europa.Costa, L. (2007). Princípios do esporte para todos. In A. Almeida & L. DaCosta, (Eds),Meio ambiente, esporte, lazer e turismo. Estudos e pesquisa no Brasil: 1967-2007 (pp.97-99). Rio <strong>de</strong> Janeiro: Editora Gama Filho.Dias, C., (2007). Notas e <strong>de</strong>finições <strong>sobre</strong> esporte, lazer e natureza. Licere, 10, (3), 1-36.102


Ricardo Melo • <strong>Desportos</strong> <strong>de</strong> <strong>Natureza</strong>: <strong>reflexões</strong> <strong>sobre</strong> a <strong>sua</strong> <strong>de</strong>finição conceptualDias, C., Melo, V., & Júnior, E. (2007). Os estudos dos esportes na natureza: <strong>de</strong>safiosteóricos e conceituais. Revista Portuguesa <strong>de</strong> Ciências do Desporto, 7, 3, 358-367.Dias, C. & Júnior, E. (2006). Conceptual notes regarding the sports in nature. The FIEPbulletin, 76, 141-144.Gomes, R. (2008). Habeas corpus. In D. Rodigues (Org.), Os valores e as ativida<strong>de</strong>s corporais(pp. 147-178). São Paulo: Summus Editorial.Lacroix, G. (1985). Les sports <strong>de</strong> glisse. Revue Education Physique et Sport, 194, 6-9.Le Scanff, C. (2000). Les aventuriers <strong>de</strong> l’extrême. Paris: Calmann-Lévy.Marivoet, S. (2002). Aspectos sociológicos do <strong>de</strong>sporto. Lisboa: Livros Horizonte.Ministério do Ambiente. Decreto-Regulamentar nº 18/99, <strong>de</strong> 27 <strong>de</strong> Agosto. Diário daRepública, I Série-B, 200, 5932-5937.Mathieson, A. & Wall, G. (1996). Tourism – economic, physical and social impacts. London:Longman.Mings, R. C. & Chulikpongse, S. (1994). Tourism in far southern Thailand: a geographicalperspective. Tourism Recreation Research, 19, (1), 25-31.Ministério da Economia e da Inovação. Decreto-Lei n.º 47/99, <strong>de</strong> 16 <strong>de</strong> Fevereiro,Alterado pelo Decreto-Lei n.º 56/2002, <strong>de</strong> 11 <strong>de</strong> Março. Diário da República, ISÉRIE-A, 59, 2112-2128.Ministério da Economia e da Inovação (2006). Plano Estratégico Nacional do Turismo(PENT). Diário da República, I.ª Série, 67.Miranda, J., Lacasa, E. & Muro, I. (1995). Activida<strong>de</strong>s físicas en la naturaleza: un objetoa investigar. Dimensiones científicas. Apunts, 41, 53-69.Moreira, M. (2007). Matriz <strong>de</strong> análise das tarefas <strong>de</strong>sportivas. Sistema <strong>de</strong> classificaçãoestrutural – mo<strong>de</strong>lo taxinómico do surf. Tese <strong>de</strong> doutoramento apresentada àFaculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Mutricida<strong>de</strong> Humana da Universida<strong>de</strong> Técnica <strong>de</strong> Lisboa.Pires, G. (1994). Do jogo ao <strong>de</strong>sporto. Para uma dimensão organizacional do conceito<strong>de</strong> <strong>de</strong>sporto. Um Projecto Pentadimensional <strong>de</strong> Geometria Variável. Lu<strong>de</strong>ns, 14,(1), 43-60.Pires, G. (1995). Mudança social e gestão do <strong>de</strong>sporto. Lu<strong>de</strong>ns, 15, (4), 21-63.Pociello, C. (1983). Sports et société: approche socio-culturelle <strong>de</strong>s pratiques. Paris: EditionsVigot.Rushmann, D. (1999). Turismo e planejamento sustentável – a protecção do meio ambiente.São Paulo: Papirus Editora.Sobral, F. (1985). Introdução à educação física. Lisboa: Livros Horizonte.Tomlinson, J. (1997). Enciclopédia básica <strong>sobre</strong> <strong>de</strong>sportos radicais. Porto: Edinter.103


exedra • nº 2 • 2009Vigarello, G. (1986). D’une nature… l’autre: les paradoxes du nouveau retour. In C.Pociello, Sports et société: Approche socio-culturelle <strong>de</strong>s pratiques (pp. 239-247).Paris: Editions Vigot.Villaver<strong>de</strong>, S. (2003). Reflectindo <strong>sobre</strong> lazer/turismo na natureza, ética e relações <strong>de</strong>amiza<strong>de</strong>. In A. Marinho, & H. Bruhns (org.), Turismo, lazer e natureza (pp. 53-73).São Paulo: Editora Manole.WTO (1993). Sustainable tourism: gui<strong>de</strong> for local planners. Madrid: Tourism and theEnvironmental Publication.CorrespondênciaRicardo José Espírito Santo <strong>de</strong> MeloEscola Superior <strong>de</strong> Educação CoimbraPraça Heróis do Ultramar – Solum,3030-329 Coimbra, Portugalricardo.es.melo@gmail.com104

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!