do Visconde de Monte Alegre ordenara a obrigatoriedadedo registro civil de nascimentos e óbitos eprescrevera a realização do “Censo geral do Império”.O decreto causou revolta entre os “pretos epardos pobres”, como os revoltosos de Pau d’Alho sedenominaram, pois a medida serviria, na perspectivanegra, para escravizá-los, visto que “os ingleses nãodeixam mais entrar africanos”, segundo afirmou umjuiz de Pernambuco, em relatório para ao presidenteda província. Os demais relatos das autoridadeslocais seguiam a mesma linha: as ações contrárias aodecreto de Monte Alegre eram obra do “povo rude”,“da parte menos culta da sociedade”, “de ideiasfanáticas e ânimos desvairados”. Em outras palavras,a resistência popular foi vista como ignorância porparte das autoridades, inconscientes da ameaça queo censo poderia representar, ao exigir que sedeclarasse sua cor, em uma sociedade escravista4como o Brasil do Oitocentos .O voto era acessível apenas aos homenslivres, com renda superior a 200 mil réis, para sereleitor, e 400 mil réis, para ser eleito. A partir de 1881,a Lei Saraiva instituiu o voto literário, impedindo queanalfabetos tivessem capacidade eleitoral ativa,desautorizando um contingente gigantesco depessoas antes aptas a votar, com incidência proporcionalmaior sobre negros. Essa mesma lei tornou aseleições diretas e ainda atualizou o valor da renda5que se precisava possuir para poder votar . A Constituiçãode 1891 aboliu a necessidade de renda, mas ainterdição do voto do analfabeto perdurou até aCF/88, quando foi tornado facultativo.Para se ter ideia das consequências sociaisdessas regulações imperiais e escravocratas,analisemos o Censo de 1872. Dos 9.930.478 debrasileiros contados, 84,7% eram livres e 15,2% eramescravizados, média considerada baixa em relação àprimeira metade do séc. XIX. Pretos e pardos somados,tanto livres (ou seja, egressos da escravidão)quanto cativos, representavam 57,9% da população.Quanto à estatística intelectual, 81,4% da populaçãolivre ou liberta não sabia ler nem escrever. Entre osescravos, a taxa de alfabetização era 0,08%. Nenhumcativo frequentava escola primária. É preciso mencionar,também, que 41,6% da população foi classificada6como “sem profissão” .Da conjugação desses dados referentes anegros e pardos, no Censo de 1872 – elevadonúmero de pessoas não empregadas em atividadeprodutiva e virtual totalidade de analfabetos entre osescravos –, conclui-se que eles não participavam davida política e apenas marginalmente estavam inseridosem algum tipo de ocupação. De que forma,então, poderiam ascender social e economicamente?Se considerarmos, ainda, a barreira do preconceito,torna-se evidente que a desigualdade imposta anegros e pardos obstaculizou o desenvolvimentoindividual, “meritocrático”, e reiterou uma sociedadecom clivagens sociais, raciais e de gênero por maisde um século.O que mudou do século XIX para o séculoXXI? Em termos objetivos, o número de homens e demulheres que se declaram pretos e pardos somam50,7%, proporção semelhante à do Brasil Império. Acifra representa aumento em relação ao último Censo(IBGE, 2000), em razão do fato de que mais pessoasse reconhecem como negros, visto que, se considerarmosa taxa de fecundidade e de natalidade dasmulheres negras, tal proporção seria atingida apenas7em 2020 .A desigualdade, porém, continua absurdamentealta, embora tenha recuado nos últimos dezanos. A Secretaria de Assuntos Estratégicos doGoverno Federal estima que 13% dos negros acimade 15 anos são analfabetos, contra pouco menos de10% da população em geral. No Nordeste, essaestatística sobe para 21% de negros analfabetos commais de 15 anos. O número torna-se ainda maisconstrangedor, se considerarmos negros acima de865 anos: 45% .AÇÃO AFIRMATIVA NO ITAMARATYA constatação básica, diagnosticada noGoverno FHC, é que não havia igualdade de oportunidadespara brancos e negros. E que serianecessário promover uma política de discriminaçãopositiva se se quisesse modular os efeitos dessaherança histórica. Em 2002, iniciou-se o ProgramaBolsa Prêmio de Vocação à Diplomacia, quedestinava recursos a candidatos negros ao CACD,aprovados em uma seleção que consistia em provase entrevista técnica. Em 2003, o valor da Bolsa foiajustado em um total de R$ 25 mil, vigentes por 10meses, para o estudante custear seus estudos, comoaulas em cursos preparatórios. Uma pequenaporcentagem pode ser aplicada em custos demanutenção, como Internet e alimentação.4. História do Brasil Nação vol. 2: A construção nacional 1830-1889. Org. Lilian Moritz Schwarcz, p. 405. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/rev_74/MemoriaJuridica/SobreLeiSaraiva.htm (último acesso em 10/02/14)6. História do Brasil Nação vol. 2: A construção nacional 1830-1889. Org. Lilian Moritz Schwarcz, p. 467. Boletim Ipea de Políticas Sociais, n. 20/ 20128. Secretaria de Assuntos Estratégicos: http://www.sae.gov.br/site/?p=11130 (última visualização em 10/02/14)28
Foto: ReproduçãoA previsão de gastos, além do plano deestudos, deve constar em relatório a ser entregue eavaliado pelas instituições envolvidas (MRE, CNPq,principalmente, mas também a Secretaria Especialdos Direitos Humanos, a Secretaria Especial dePolíticas de Promoção da Igualdade Racial e aFundação Cultural Palmares). Até a presente data, ovalor da Bolsa permanece o mesmo. Se fossecorrigido pelo IPCA- Geral do período, deveria estarem R$ 41.696,56 , para que se mantivesse o poderaquisitivo definido em 2003. Roberto acredita que oreajuste da Bolsa é um ponto importante entre aspossíveis sugestões de melhoria do processo. Masrelembra: “A Bolsa pode conferir igualdade deoportunidades, sim. A parte financeira semprepreocupa quem estuda para concursos. Tambémdependerá do candidato estudar muito e adequadamentepara passar no concurso. São coisas complementares:a bolsa, com seus recursos, e o candidato,com seu esforço e dedicação”.A partir do certame de 2011, o edital trouxecomo novidade uma reserva de vaga de 10% naprimeira fase do concurso, cuja pontuação passou aser contabilizada na nota final do exame. Em outraspalavras, para além dos 300 aprovados na primeirafase de 2011, foram adicionadas mais 30 vagas paraaqueles que se declararam afrodescendentes. Omesmo ocorreu em 2012 (200 vagas + 20 paraafrodescendentes) e 2013 (100 vagas + 10). Emboratenha sido uma medida relevante, ao ampliar o númerode vagas para negros na primeira fase, a contabilizaçãodos pontos da prova objetiva na nota final oscolocou em ligeira desvantagem. Além disso, foraminstituídas regras um máximo de vezes para arenovação da Bolsa. A primeira renovação é concedidalivremente; a segunda, fica condicionada àaprovação na primeira fase; para a terceira, exige-seaprovação na segunda fase; a quarta, requeraprovação na terceira fase. Não será concedida umaquinta renovação da bolsa em nenhuma hipótese.Para Ernesto, esta mudança “não aumentou[a eficiência do programa]. Em 2013 foi aprovadoapenas um bolsista, que ficou com a bolsa durante 5anos. Sabemos que a preparação para esseconcurso é complexa e envolve continuidade. Alémdisso, sabemos que há casos de excelentes candidatosque vão até a quarta fase em um ano, e nãopassam sequer no TPS no ano seguinte. Tambémconhecemos casos de candidatos que ficam anos naprimeira fase do concurso e, quando passam,conseguem a aprovação no CACD. A mudança doscritérios de distribuição da bolsa seguiu uma políticade atendimento a certas exigências feitas pelo TCU[Tribunal de Contas da União], que estava preocupadocom a eficiência do programa, mas que nãorecomendou explicitamente essa mudança. Infelizmente,como temos acompanhado nos últimos trêsanos, ela não teve o efeito esperado, e na minhaopinião está minando o programa de dentro parafora”.9. http://economia.uol.com.br/financas-pessoais/calculadoras/2013/01/01/indices-de-inflacao.htm. Correção de 66%, considerada a inflação do períodoJun/2003 a Jan/2013 (última visualização em 10/02/14)29