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ED 16 REVISTA SAPIENTIA

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<strong>ED</strong>ITORIALA <strong>16</strong>ª <strong>ED</strong>IÇÃO DA ÚNICA <strong>REVISTA</strong> COM CONTEÚDOEXCLUSIVO SOBRE O CACD NO BRASILO cientista político e professor da Fundação Getulio Vargas(FGV-SP) Oliver Stuenkel é o nosso entrevistado desta edição. Stuenkelvem-se tornando uma das vozes mais críticas à política externa dogoverno Dilma Rousseff na atualidade, fomentando o debate sobre asiniciativas brasileiras no cenário internacional.A <strong>16</strong>ª edição traz também análises sobre a agricultura familiar esobre o refúgio ambiental. O ano de 2014 foi declarado pela ONU o AnoInternacional da Agricultura Familiar. O consultor do Programa dasNações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) Carlos Germano Costatraça um panorama desse setor no Brasil, por meio da análise do históricode políticas destinadas à área, seus resultados e desafios. A questão dorefúgio ambiental, por sua vez, é tratada pelo Presidente da Comissão daOAB/SP para o Direito do Refúgio, Asilo e da Proteção Internacional ecoordenador da Faculdade de Relações Internacionais da FMU,Professor Manuel Nabais Furriela.Em Professor Sapientia Comenta, a professora de Direito ediretora geral do Curso Sapientia, Priscila Amaral Zillo, comenta asmudanças trazidas pelo Concurso de Admissão à Carreira de Diplomata(CACD) em 2014.Na seção Vida de Concurseiro, é discutida a Bolsa Prêmio deVocação à Diplomacia e, em Vida de Diplomata, o tema é o trabalho dosEscritórios de Representação do Itamaraty nos estados brasileiros.Não perca também a entrevista com o General Floriano PeixotoVieira de Moraes, que foi force commander da MINUSTAH e analisa osdez anos da missão no Haiti, e a coluna de português da professoraClaudia Simionato.A Revista Sapientia está mudando. Com base nas demandas enas dificuldades impostas pelo CACD este ano, nossas seções serãoreformuladas e a publicação passa a ser bimestral. Também atuaremoscom mais força nas redes sociais. Aliás, já curtiu a página do CursoSapientia no facebook?Equipe Revista SapientiaDireção GeralPriscila Canto Dantas do Amaral ZilloCoordenadora e Editora-ChefeAna Paula S. LimaEditora-AssistenteAnariá C. RecchiaRevisãoClaudia SimionatoColaboradoraJuliana PiescoEdição de ArteEquipe SapientiaAgradecimentosOliver StuenkelManuel Nabais de FurrielaCarlos Germano F. CostaLuís Fernando Cardoso de AlmeidaErnesto Maré JúniorGeneral Floriano Peixoto Vieira NetoMajor Marcos PicardoSoldado Rafael SilvaADVERTÊNCIAA Revista Sapientia é uma publicação do Curso Sapientia, preparatório para o Concursode Admissão à Carreira de Diplomata. Seu conteúdo tem cunho estritamente acadêmicoe não guarda nenhuma relação oficial com o Ministério das Relações Exteriores ouquaisquer outros órgãos do governo. Tampouco as opiniões dos entrevistados e autoresdos artigos publicados expressam ou espelham as opiniões da instituição Sapientia. Estarevista é imparcial política e ideologicamente e procurará sempre democratizar asdiscussões, ouvindo diferentes opiniões sobre um mesmo tema. Nosso maior objetivo éfomentar o debate, salutar à democracia e à construção do conhecimento e da sabedoriados candidatos à Carreira de Diplomata.A marca Sapientia é patenteada. É permitida a reprodução das matérias e dos artigos,desde que previamente autorizada por escrito pela Direção da Revista Sapientia,comcrédito da fonte.Al. Santos, 200 - 1° andarCEP: 01418-000São Paulo / SPTelefone: (11)3587-1217revistasapientia@cursosapientia.com.brwww.cursosapientia.com.br


SUMÁRIOFoto: UN Photo/Ian SteeleCAPAFEVEREIRO/MARÇO201423VIDA DE DIPLOMATAO ITAMARATY NOS ESTADOS BRASILEIROS26 VIDA DE CONCURSEIROBOLSA PRÊMIO DE VOCAÇÃOÀ DIPLOMACIA31 <strong>SAPIENTIA</strong> INDICAAGENDA DE MARÇO 2014FOTO CAPA: ANA PAULA S. LIMA06ENT<strong>REVISTA</strong> DE CAPAOLIVER STUENKEL32INICIATIVAS <strong>SAPIENTIA</strong>MARATONA CACD 201413PROFESSOR <strong>SAPIENTIA</strong> COMENTA2014: O APOCALIPSE DIPLOMÁTICO? NÃO!34UM CAFÉ COM CLAUDIAINFINITIVOS15OPINIÃO CRÍTICA DE CONVIDADOA NOVA MODALIDADE DE REFÚGIO:O AMBIENTAL36<strong>SAPIENTIA</strong> INSPIRADEZ ANOS DA MINUSTAH19ESPAÇO ABERTO: ARTIGO ENVIADOA AGRICULTURA FAMILIAR E OS DESAFIOS FRENTEÀ R<strong>ED</strong>UÇÃO DA POBREZA E DA DESIGUALDADE NO BRASIL40CHARGEJOGO DURO


visibilidade internacionalmente, mas o problema éque o Brasil doa US$ 1 milhão para esse fundo, oque não é suficiente para gerar impacto. Então euacho que dizer que vamos contribuir nessapolítica de desenvolvimento e não pagar nada...eu não sei se isso não pode complicar esseprojeto de querer ter um impacto visível.Sapientia – Além de estreitar as relaçõesbilaterais e de angariar votos em organismosmultilaterais, haveria outros ganhos com apolítica de cooperação em âmbito interno?Oliver Stuenkel – Quando a gente fala de ajudaeconômica ao desenvolvimento, se for, por exemplo,na região, há um impacto imediato, defortalecer não só a situação econômica, mastambém a situação política. Um grande projetobrasileiro que contribui ao desenvolvimentoeconômico na Bolívia também tem um efeitopositivo na situação política, pois a estabiliza. Ogrande objetivo regional do Brasil é defender osregimes democráticos e manter a estabilidade,que evita fluxos de refugiados para cá, reduz orisco de crime organizado internacional. A estabilidadepolítica é bom para os investimentosbrasileiros nessas regiões.Na África, além das questões dasvotações, vimos ganhos importantes no pleito decandidatos brasileiros em organizações internacionais,como o Graziano, o Azevêdo. Isso nãoé trivial, são conquistas. Os dois têm tido umaatuação muito boa. O Azevêdo é, entre os diplomatasinternacionais, um dos mais conhecidos domundo. De maneira talvez um pouco abstrata,isso traz uma grande vantagem para o Brasil. Eleé uma pessoa muito importante. Na África, há oaspecto diplomático e o aspecto econômico. Aparticipação econômica brasileira é cada vezmaior. O Brasil tem uma responsabilidadeenorme de participar desses processos. Só paravocê ter uma noção, empresas brasileiras emMoçambique pagam US$ 800 milhões emimposto. Isso é mais do que a ajuda econômicaamericana ou europeia. A importância econômicado Brasil para o governo de Moçambique é muitogrande. Isso faz que o Brasil tenha responsabilidadeem assegurar que não haja instabilidadepolítica, o que seria péssimo para os investimentosbrasileiros. Muitas vezes a participação emprojetos de desenvolvimento abre portas paraempresas brasileiras entrarem no país.Eu acho que também existe uma respon-sabilidade humanitária. Com a crise econômicaeuropeia e americana, a gente não pode maisapenas depender desses países ricos para lidarcom catástrofes humanitárias porque, querendoou não, a maneira como esses países lidam comessas situações é seletiva. Algumas catástrofesservem mais do que outras, e a participação dosemergentes nesse sentido é importante paraequilibrar a situação. Um dos países que maisrecebem ajuda econômica americana no OrienteMédio é Israel. O PIB per capita de Israel é muitomaior do que o da Palestina, o que levou o Brasil adoar mais para a Palestina. Isso mostra que aparticipação em projetos de desenvolvimento émuito importante ao longo prazo.Sapientia – Apesar de não conferir prioridade àpolítica externa, há pelo menos uma bandeiraque a Presidenta Dilma levanta, que é a questãoda governança da internet. São Paulo vai sediarum encontro em abril.Oliver Stuenkel – Eu acho que a decisão deassumir a liderança nessa área foi um passo,considerando a insatisfação popular em relaçãoao programa de espionagem americano. Esseprimeiro passo foi importante. Agora é precisomostrar que o Brasil não apenas recebe todomundo para uma conferência, mas, de fato,também apresenta propostas concretas de comolidar com essa questão.Sapientia – Em outubro 2013, a Presidenta seencontrou com o CEO da ICANN, Fadi Chehadé,ocasião em que ficou definido que São Paulosediaria o encontro. Quais são os interesses doBrasil em jogo? A ICANN é subordinada aosEUA, por isso gostaria de saber qual a posição doBrasil, na medida em que me parece que o Brasildefende tirar a centralidade dessa organizaçãoem relação ao tema?Oliver Stuenkel – Existe um dilema porque aICANN atua de maneira bastante independente e,a princípio, o fato de a ICANN ser subordinada aogoverno norte-americano não tem afetado aindependência desse órgão. O problema é que aprincipal contraproposta, que conta com o apoioda China e da Rússia, inclui tirar o controle dagovernança da internet da ICANN, passando-a àUnião Internacional de Telecomunicações (UIT),que, por ser da ONU, daria muito poder aosgovernos. Se essa proposta for implementada,isso poderá facilitar muito o controle que os Estados10


querem exercer sobre a internet. Isso pode levar auma situação muito pior do que hoje, na qual ainternet é controlada em alguns países, acabandocom essa realidade que temos de ter uma internetaberta e relativamente livre. Para países ditatoriais,facilitaria muito a estratégia de quererbloquear conteúdo. É perigoso. Não são duasopções agradáveis. No governo brasileiro, existeinsatisfação em relação à posição da ICANN, maso Brasil continua apoiando oficialmente aimportância desse grupo. A declaração do Brasilnão foi muito clara. A princípio, o Ministro daJustiça, José Eduardo Cardozo, apoia o status quo,mas o Ministro de Comunicações, PauloBernardo, está mais alinhado com a posiçãochinesa e russa.Sapientia – Então não há uma posição consolidadaainda?Oliver Stuenkel – Não, não há. Muitos paísesagora aguardam essa conferência em São Paulopara entender quais seriam as outras maneiras.Uma decisão muito importante, a meu ver, serianão passar uma lei que queira guardar todos osdados de usuários, por exemplo, de Facebook,aqui no Brasil. A internet funciona como funcionaporque empresas como Google e Facebook nãoprecisam guardar os dados dos usuários em cadaum dos países em que atua. Isso aumentariamuito o custo dessas empresas, o que pode levarao enfraquecimento da internet livre. É um debatemuito complexo, com muitas variáveis, e eu achoque essa conferência é ótima, porque a genteprecisa ter um debate amplo, sobre como queremoslidar com essa situação porque o que aconteceuagora com os EUA não é uma situação sustentável.Sapientia – Em dezembro de 2012, Dubai sediouuma Conferência Mundial de Telecomunicações.Parece que na ocasião o Brasil assinouuma declaração que apoia a intenção da UIT decentralizar o tema. Apoiar essa proposta, que dámais poder aos governos nacionais, não iriacontra o trabalho do Comitê Gestor da Internetem âmbito interno, que inclui no debate váriossetores da sociedade?Oliver Stuenkel – Aí foi a participação do Ministrodas Comunicações. Para o Brasil virar um paísimportante, que contribui de maneira ativa nosdebates, é preciso que também defina a agenda,que apresente novas ideias e conceitos quepodem, de maneira clara e concreta, influenciaras conversações. O Brasil vai ter que lançar umaFoto: Ana Paula Limanota inicial, vai ter que tentar articular algum tipode declaração final. Mas isso tudo requer umdomínio profundo do tema, além de agilidadeburocrática para desenvolver uma posição oficialnas próximas semanas e ter o apoio da Presidente.Isso precisa ser feito antes da Conferência,para que esse encontro possa levar a algum resultado.Existe uma pressão muito grande para queuma posição em amarrado seja desenvolvida.Sapientia – O diálogo do MRE com a sociedadecivil é um tema que aparece constantemente emseu trabalho. O que o senhor pensa das iniciativasrecentes do governo brasileiro nessecampo?Oliver Stuenkel – O Itamaraty fez um esforçoinédito, sobretudo na época do Patriota, de seaproximar da sociedade civil. A gente viu muito ainteração entre o Ministro e acadêmicos, representantesde setores, etc. A publicação de blogsde jovens diplomatas também contribuiu parauma aproximação do trabalho do Ministério com asociedade, porque a maioria da população nãoentende qual é a autoridade de um Ministério dasRelações Exteriores, qual é a importância de umadiplomacia forte e ativa. Mas esse é um processolento e que também precisa de apoio da Presidente.O MRE não consegue fazer isso sozinho.Nos últimos meses, creio que vimos um processointerno importante no Itamaraty, no sentido depromover um debate de como reformar a políticaexterna. Está circulando no Itamaraty um questionárioanônimo que oferece uma plataformapara todos os diplomatas e funcionários fazerempropostas sobre como melhorar a atuação doMinistério. Essa é uma medida importante. Alémdisso, continuam muitas iniciativas, como, porexemplo, os Diálogos sobre Politica Externa. OMinistério convida com frequência acadêmicos,11


jornalistas, etc. Eu vejo o Ministério no caminhocerto. Mas para realmente aumentar o interessepúblico na questão da política externa, a genteprecisa que ela seja mais ativa. Uma políticaexterna ativa, do tipo que a gente viu na época doLula, ajuda muito porque as decisões do governonaquela época geravam debates constantes. Euacho que isso é preciso para fazer que a sociedadecivil escute e monitore com frequência aatuação brasileira no exterior.Sapientia – Em sua opinião, seria possívelaproveitar alguma experiência de outro país parareforçar esse diálogo? Vemos um grande investimentona plataforma online. Há exemplos foradesse campo?Oliver Stuenkel – Existem vários exemplosinteressantes. A África do Sul fez uma campanhanacional para explicar o conceito BRICS aossul-africanos. Vários ministros viajaram por todo opaís, participando de eventos, para explicar porque era tão importante o país fazer parte dessegrupo. Essa iniciativa abriu o debate e fortaleceubastante a discussão. A Índia, um país quetradicionalmente não se envolvia muito fora da suaregião, começou a ter uma atuação mais global efez um esforço notável de atuar de maneira maistransparente, de ter uma forte atuação na mídiasocial, que também deu muito certo. A gente viu ocaso interessante da Alemanha, que tradicionalmentenão se envolvia em assuntos de segurançainternacional e no final dos anos 1990, pelaprimeira vez, participou de uma intervençãomilitar na Iugoslávia. Nos últimos anos, vimos umatransformação do debate público na Alemanha,cada vez mais voltada a assuntos internacionais. Eagora, com a nova ministra de Defesa, acho quenovamente vamos ter uma atuação mais ativa daAlemanha, sempre com um esforço muito grandedo Ministério das Relações Exteriores a engajar asociedade civil. Nenhum país consegue sustentaruma atuação importante no mundo sem apoiopúblico.Sapientia – Qual o impacto da redução das vagasdo IRBr na política externa?Oliver Stuenkel – O número reduzido é resultadodas restrições orçamentárias que o Ministériosofreu e simboliza um pouco o fato de o Itamaratynão ter uma importância muito grande no governoDilma. Isso tem implicações a longo prazo porqueo tamanho do corpo diplomático é muito importantepara que um país consiga influenciar um debate.Se não há diplomatas o suficiente, o país não temacesso a informações-chave sobre assuntoscomplexos ao redor do mundo. É preciso ter umapresença diplomática forte para participar dasnegociações e discussões. Não ter recursoshumanos suficientes cria uma limitação permanenteque dificulta e reduz a credibilidade doBrasil e a capacidade de assumir responsabilidadesem relação a grandes temas internacionais.Sapientia – Em muitos dos seus artigos, o senhorreforça seu ponto de vista de que a sociedadecivil não apenas precisa participar dos debates,como convencer a Presidenta de que a políticaexterna é importante. Levando em conta os esforçosdo MRE para se aproximar da populaçãocivil, há alguma coisa que possa ser feita nosentido inverso?Oliver Stuenkel – Eu acho que o MRE mudoumuito, abriu-se bastante, sobretudo na época doPatriota. A gente viu uma participação muito forte,que nem existe em todos os países. É comumdizer que o Itamaraty é um ministério fechado,mas acho que não é mais o caso. Quem realmentegosta de participar dos debates tem ampla oportunidade.O desafio, a meu ver, é das universidadesparticiparem desse processo e dos jornais cobriremeventos internacionais. Por exemplo, aConferência de Segurança de Munique não teverepercussão alguma da mídia do país porquenenhum brasileiro participou. Esse encontro foimuito importante pra debater o futuro no OrienteMédio, e não ter representação lá foi um problema.Eu acho que a imprensa brasileira, em geral,precisa continuar falando dessas questõesmesmo com a política externa mais passiva. Asuniversidades têm uma responsabilidadeenorme e eu acho que poucas delas cumpremsua função ou usam todo o seu potencial de viraratores internacionais. As faculdades brasileirasainda não têm o peso e a visibilidade que deveriam,e eu acho que é preciso um esforço aindamaior para fortalecer parcerias, para aumentar onúmero de intercambistas, para, de fato, colocaras instituições no mapa quando a gente fala dosdebates. Poucos acadêmicos brasileiros foramao Fórum Econômico Mundial em Davos, masmuitos americanos participavam. Então eu achoque esses são alguns passos importantes, mas épreciso lembrar que esses processos demoram.Podem até demorar uma geração para fazer asociedade participar ainda mais das discussõesinternacionais.12


PROFESSOR <strong>SAPIENTIA</strong> COMENTA2014: O APOCALIPSE DIPLOMÁTICO? NÃO!Por Priscila Amaral ZilloEspecialista, mestre e doutoranda em Direito pela PUC-SP. Professora de Direito e diretora geral doCurso Sapientia.OO Concurso de Admissão à Carreira deDiplomata (CACD) surpreendeu os candidatoscom o anúncio de apenas 18 vagas este ano. Paraos que já encaravam com reticência o retorno àmédia de 30 vagas, o número ofertado em 2014desanimou muitos estudantes que, até então,nutriam uma perseverança ainda pouco maculadana busca da realização do sonho de se tornaremdiplomatas.Diante da perplexidade gerada, nãofaltaram discursos que explicassem a diminuiçãode vagas (quando em análise comparativa aosanos anteriores). Surgiram rumores oportunistas,explicações pseudo-intelectuais e uma série decálculos e levantamentos estatísticos (algunsválidos; outros, inúteis). Nos três dias de intervaloentre a divulgação da portaria e a publicação doedital, emergiu uma multidão especialista emCACD, tanto de comentaristas políticos quanto deprofetas do que seria o apocalipse diplomático.A pseudo-intelectualidade pode atéchegar a ser divertida (não há nada como veralguém que leu alguns trechos de Foucault acharque já tem tudo a dizer sobre os mais complexosenigmas enfrentados pela ciência). Entretanto, emsituações mais sérias, que podem desequilibraras emoções de muitos candidatos e alterar o rumode muitas vidas, cumpre rechaçar certos conteúdoscolocados sem critério, porque podem gerarpânico e tomar proporções indesejáveis.Provocações à parte, justiça seja feita:também surgiram inúmeros comentáriospertinentes, tanto sobre as possíveis causas daredução de vagas, como a respeito de suas consequências.Renomados intelectuais deram especialatenção ao fato, fomentando relevantesdiscussões não só entre os interessados, mastambém na mídia e na sociedade, de forma maisgeral.Não há dúvidas de que todo debate quegere reflexão é saudável. Entretanto, ao candidatoque se encontra absorto no objetivo de ser aprovadono CACD, recomenda-se pragmatismo. De poucovale, às vésperas da prova, questionar-se sobre osmotivos de decisões políticas que, no momento,são inalteráveis.NÚMERO DE VAGAS/ANOANO VAGAS INSCRITOS20042005200620072008200920102011201220132014Fonte: CESPE3532105105105105108263030182.5796.6376.3088.6698.2319.1968.8927.18<strong>16</strong>.4236.492Os enredos contados pelas várias vozespodem ser diferentes, mas o capítulo final detodas as histórias narradas é o mesmo e estáconsubstanciado no edital publicado no último dia17. Portanto, queridos alunos e leitores, é hora desuperar o estado de choque, arregaçar asmangas, abrir os livros e enfrentar o gigante (aindaque só com apenas cinco pedras e um estilingue).Neste espírito, apresentamos uma análisesucinta das principais alterações na estrutura doconcurso e que, portanto, devem ser objeto deatenção redobrada ao longo dessas últimas semanasque o antecedem.ESTRUTURA DO CACD 2014:Se antes o concurso se apresentava emquatro fases bem distintas, em 2014 deparamoscom uma divisão bem diferente: serão três fases,na prática divididas em apenas dois blocos.Vejamos:-13


11ª FASECACD20142ª FASE23ª FASEBLOCO 1:A primeira fase ocorrerá em 06 de abril.São novidades relevantes: FORMATO: desta vez serão apenasquestões no formato CERTO/ERRADO (foramcompletamente eliminadas as questões de múltiplaescolha). NÚMERO DE QUESTÕES: aumentoupara 73. Em comparação ao ano anterior, épossível afirmar que, em média, foi acrescida umaquestão para cada disciplina. Aqui entra umdetalhe importante: o tempo de prova permaneceo mesmo (2h30 na parte da manhã e 3h30 na parteda tarde). Significa, portanto, que o candidato terámenos tempo para resolver as questões. Se antesa preocupação com o relógio já era importante,agora é ainda mais crucial. Podemos entender, embases gerais, que se são 6 horas de provas (ou 360minutos) para 73 questões, a média que o candidatodeve ter em mente é de 4,9 minutos porquestão. Procurando manter esse parâmetro, ficamais fácil manter o foco e administrar o tempocom sabedoria.BLOCO 2:Composto pela segunda e pela terceirafases. Formam um só bloco porque, na prática,não haverá intervalo relevante entre as provas.Enquanto a prova da segunda fase está agendadapara o dia 03 de maio, a primeira prova da terceirafase será no dia seguinte, 04 de maio. Apesar de asegunda fase não apresentar mudanças (continuaformada por uma redação e 2 exercícios), aterceira etapa trouxe inovações: - prova. Verdade é que, apesar de ter surpreendidoalguns, essa mudança pode ser considerada umtanto quanto compreensível, já que, pelo menosnos últimos dois concursos, houve questões naprova de terceira fase de geografia que mais seassemelhavam ao conteúdo exigido em políticainternacional, e vice-versa (como, por exemplo, aquestão sobre o Acordo Sykes-Picot, que caiu em2013). Assim, não deve ser motivo de frustração.Principalmente ao chegar à terceira fase, o candidatodeve ter em mente que se preparou exaustivamentepara uma prova cujo enfoque é multidisciplinare que, portanto, pode se sair muito bem sesouber utilizar os conteúdos apreendidos ao longodo tempo, nas diferentes disciplinas, a seu favor. pertencerem à terceira fase, serão disciplinascobradas, agora, em formato objetivo. Serão 50questões de CERTO/ERRADO. Vale lembrar apontuação diferenciada em relação à primeirafase: a nota de cada item será igual a 0,50 ponto,caso esteja corretamente respondido, ou de 0,50ponto negativo em caso de erro.propôs a fazer uma pesquisa rápida sobre umassunto do estudo e se flagrou há 40 minutosperdendo tempo no Facebook que atire a primeirapedra.ciosque dormir bem traz são enormes e inversamenteproporcionais aos malefícios que a falta desono acarreta.livros na íntegra agora não é indicado para quemestá buscando apenas relembrar tópicos específicosde uma matéria. Prefira fichamentos,anotações de aula e resolução de questões. estabelecendo prioridades e objetivos concretos efactíveis. Não adianta programar 18 horas deestudos por dia se sabe que não vai cumprir.Elabore um planejamento razoável, que se adapteàs suas necessidades e possibilidades, e siga-origorosamente.ores.Vários assuntos tendem a se repetir comcerta frequência. outros hobbies. Eles são importantes para mantero equilíbrio e aliviar a tensão.Passado o período de provas, sim, éimprescindível retomar os debates sobre as políticasenvolvidas com o novo formato do concurso enúmero de vagas oferecidos. Por ora, desejando atodos bons estudos, queremos contrapor o jáfamoso Força, Fé e Foco com o novo: Suor, Serenidadee Sapientia!14


OPINIAO CRITICA DE CONVIDADOA NOVA MODALIDADE DE REFÚGIO: O AMBIENTALPor Manuel Nabais da FurrielaPresidente da Comissão da OAB/SP para o Direito do Refúgio, Asilo e da Proteção Internacional; coordenadorda Faculdade de Relações Internacionais da FMU e professor convidado das Universidades deAngers (França), East London (Inglaterra) e Lódz (Polônia).INTRODUÇÃOOO objetivo do presente trabalho écontextualizar o instituto do refúgio e apresentaros refugiados ambientais, que dizemrespeito a uma modalidade ainda nãoprevista nas normas internacionais. Ainclusão de novas modalidades de refugiados,principalmente os econômicos e osambientais, é considerada importante para oavanço do instituto do refúgio, assim comopara atender a demandas internacionaisdecorrentes das mudanças climáticas e dosdestrates naturais. A norma central de estudoé a convenção internacional de 1951 denominadade Estatuto dos Refugiados. Essetratado foi incorporado pela legislaçãobrasileira e pela lei de diversos outros Estadose blocos, como a União Europeia, a qualincluímos como fonte de estudo comparativo.A QUESTÃO DO REFUGIADO NO MUNDO, NAUNIÃO EUROPEIA E NO BRASILPara atendermos nosso objetivo, queé o de apresentar as diferenças de tratamentojurídico acerca do tema em nosso Estado ena União Europeia, devemos definir o institutodo refúgio e apresentar alguns aspectossobre a temática. A definição do que sãorefugiados é o primeiro norte a ser adotado.Vejamos o que determina o mencionadoEstatuto dos Refugiados de 1951:“Artigo - 1Definição do termo refugiadoA. Para os fins da presenteConvenção, o termo refugiado aplicarse-áa qualquer pessoa:(1) Que tenha sido consideradarefugiada em aplicação dos Arranjos de12 de Maio de 1926 e de 30 de Junho de1928, ou em aplicação das Convençõesde 28 de Outubro de 1933 e de 10 deFevereiro de 1938 e do Protocolo de 14de Setembro de 1939, ou ainda emaplicação da Constituição da OrganizaçãoInternacional dos Refugiados.As decisões de não elegibilidadetomadas pela Organização Internacionaldos Refugiados enquanto duraro seu mandato não obstam a que seconceda a qualidade de refugiado apessoas que preencham as condiçõesprevistas no (2) da presente secção;(2) Que, em consequência deacontecimentos ocorridos antes de l deJaneiro de 1951, e receando com razãoser perseguida em virtude da sua raça,religião, nacionalidade, filiação emcerto grupo social ou das suas opiniõespolíticas, se encontre fora do país deque tem a nacionalidade e não possa ou,em virtude daquele receio, não queirapedir a proteção daquele país; ou que,se não tiver nacionalidade e estiver forado país no qual tinha a sua residênciahabitual após aqueles acontecimentos,não possa ou, em virtude do dito receio,a ele não queira voltar.No caso de uma pessoa quetenha mais de uma nacionalidade, aexpressão do país de que tem a nacionalidaderefere-se a cada um dos países deque essa pessoa tem a nacionalidade.Não será considerada privada daproteção do país de que tem a nacionalidadequalquer pessoa que, sem razãoválida, fundada num receio justificado,não tenha pedido a proteção de um dospaíses de que tem a nacionalidade.”(Grifos nossos)O trecho acima transcrito determina oconceito internacional de refugiados, principalmenteo que tomamos a liberdade degrifar, uma vez que essa parte é a que maisclaramente nos faz entender o instituto. Oexcerto destacado demonstra que algunselementos são essenciais para que uma15


pessoa natural seja identificada comorefugiado: a perseguição, a perseguição pormotivos inaceitáveis (como a religião), oreceio das consequências nefastas daperseguição (risco de morte, principalmente),o fato de encontrar-se fora de seuEstado de residência habitual e por essereceio não querer retornar. A esses elementospodemos incluir alguns outros: a fuga dapessoa natural para um destino consideradoseguro ou menos arriscado que o deprocedência e o receio de que seus direitoshumanos sejam desrespeitados.As inclusões acima são decorrentesda evolução da análise do instituto e danecessária menção aos direitos humanos, emfunção de sua crescente importância.Em continuidade ao nosso estudo,devemos determinar quais são as razões quelevam uma pessoa a buscar o refúgio emoutro Estado. Já estudamos o quesito receio edesrespeito, mas ainda não verificamos quequestão factual levaria a isso.O grande mote que faz que sejamgerados refugiados em um Estado quebusquem refúgio em outro é o conflito entregrupos políticos ou étnicos, que resultam,principalmente, em guerras civis, mas issonão significa que as guerras entre Estadosnão gerem esse efeito.Dessa feita, as populações civis quesejam alvo de perseguição ou que tenhamsua região original de residência atingida porgrupos que a tomem ou a destruam se tornamrefugiados na maior parte das ocasiões. Alémdessa modalidade tradicional de geração derefugiados, podemos encontrar outras, inclusivealgumas que ainda estão sendoconceituadas e construídas.Entre essas novas modalidades,temos o refúgio ambiental e o econômico. Noprimeiro caso, a mudança do meio ambienteonde uma população tradicionalmente viviapode fazer que ela não possa continuar asubsistir em função da desertificação ou daalteração climática e até mesmo de umdesastre natural, como foi o caso do terremotono Haiti há alguns anos. Na segundahipótese, temos adversidades econômicasdecorrentes de uma ruptura de tal monta, quefariam que certa população perdesse ascondições financeiras mínimas de se alimentare de manter sua prole. Nesse último caso,temos muito ainda a discutir, principalmentepelo fato de que, ao buscar melhores oportunidades,uma pessoa poderia ser melhorconfigurada como imigrante, e não comorefugiado.O BRASIL E A UNIÃO EUROPEIA NO NOVOCONTEXTO INTERNACIONALPara adentrarmos no tratamentojurídico que o Brasil confere aos refugiados,devemos ter a percepção de que o refugiado,em sua fuga, busca a melhor alternativa paraseu local de destino, ou seja, uma regiãoonde não continuará a ser perseguido, ondepossa encontrar tolerância religiosa, étnicaou de qualquer outra natureza e onde possacontinuar sua vida enquanto persistirem emseu local de origem as razões nefastas que olevaram a fuga. O Brasil tem sido cada vezmais atraente por abarcar grande parte dosanseios dos refugiados, sendo que, nosúltimos anos, adquiriu projeção internacionalbastante positiva em termos econômicos.A União Europeia apresenta, mesmoem tempos de crise econômica, as mesmasvantagens atribuídas ao Brasil, mas com oacréscimo de que se trata do continente maisrico do planeta, e com um fator determinante,ao analisarmos a questão do refúgio: a proximidadegeográfica com os principais polosgeradores de refugiados, a saber, África eÁsia.O fator proximidade é extremamenterelevante nessa questão, pois, na maioria dasvezes, durante o desespero inerente à fuga, orefugiado não tem condições de buscar destinosmais distantes.Com relação ao conceito de refúgiono Brasil e na União Europeia, temos que otratamento é idêntico, apenas com a diferençade que nosso país, assim com asdemais nações da América Latina, diferenciaesse instituto em relação ao do asilo. A AméricaLatina passou por um processo históricode ditaduras militares quase que de formauniforme em toda a região e, dessa forma,criou o asilo como forma de proteger maisadequadamente os que são perseguidos porrazões políticas.Em outras palavras, o Brasil aceita osinstitutos do asilo e do refúgio, e a UniãoEuropeia entende que o conceito do refúgio é<strong>16</strong>


amplo e, por essa razão, engloba o que, paranós, de forma independente, é o asilo.No Brasil, o refúgio é regulamentadopor norma própria - a Lei 9474/97 -, a qual seconfigura como um estatuto normativo modernoe que assimilou por completo os estatutosinternacionais. Nessa lei, o conceito derefugiado atualizou-se e incluiu a questão dainfração aos direitos humanos:TÍTULO IDos Aspectos CaracterizadoresCAPÍTULO IDo Conceito, da Extensão e daExclusãoSEÇÃO IDo ConceitoArt. 1º Será reconhecido comorefugiado todo indivíduo que:I - devido a fundados temoresde perseguição por motivos de raça,religião, nacionalidade, grupo social ouopiniões políticas encontre-se fora deseu país de nacionalidade e não possaou não queira acolher-se à proteção detal país;II - não tendo nacionalidade eestando fora do país onde antes teve suaresidência habitual, não possa ou nãoqueira regressar a ele, em função dascircunstâncias descritas no incisoanterior;III - devido a grave e generalizadaviolação de direitos humanos, éobrigado a deixar seu país de nacionalidadepara buscar refúgio em outro país.SEÇÃO IIDa ExtensãoArt. 2º Os efeitos da condiçãodos refugiados serão extensivos aocônjuge, aos ascendentes e descendentes,assim como aos demais membros dogrupo familiar que do refugiadodependerem economicamente, desdeque se encontrem em territórionacional.Além de incluir os direitos humanos,a lei acima determinou o reagrupamentofamiliar, que é um instituto moderno e decaráter humanitário inegável.As normas da União Europeia sobre otema são semelhantes às do Brasil, por teremcomo base as mesmas normas internacionais.Sua principal norma é a Diretiva 2004/83/CE,da qual destacamos a alusão de expressaproibição da “repulsão” e a consideração deque a grave ameaça pode emanar de diversosagentes, e não somente diretamente dopoder central do governo de um Estado.Nos itens abaixo, apresentamosalguns dados.REFUGIADOS NO BRASIL E NA UNIÃO EURO-PEIA: ORIGENS E MOTIVOS reassentamentoAngolanos e ColombianosREFUGIADOS NA UNIÃO EUROPEIAAS NOVAS MODALIDADES DE REFÚGIOConforme já discutimos, as novasmodalidades de refúgio, além das tradicionalmenteestudadas, deverão certamenteser alvo de debates cada vez mais profundose regulares, em decorrência da necessidadede atender a novas demandas internacionaisrelacionadas com problemas ambientais eeconômicos mundiais.O REFÚGIO ECONÔMICOA modalidade de refugiadoeconômico consiste na existência decondições sociais e financeiras internacionaisque fazem existir discrepância no nível dedesenvolvimento dos Estados de tal ordem,que uma região do globo seja significativamentemais desenvolvida que outra. Essasassimetrias geram expectativas de umdestino melhor para os que buscam mudançapara um Estado que ofereça melhores oportunidadesde emprego, remuneração ouascensão social ao indivíduo.17


Além da busca de oportunidadesmelhores, não podemos deixar de lembrarque, muitas vezes, o indivíduo busca um localonde possa sobreviver. A situação na qual seencontra é tão depauperada que a busca porum local com mais oportunidades torna-seuma questão de sobrevivência.Essa modalidade de refúgio é alvo deseveras críticas, pois se confunde com oconceito de imigração, que é completamentedistinto de refúgio.O REFÚGIO AMBIENTALO refugiado ambiental é aquele que,em virtude de profundas transformações domeio ambiente onde se encontra, não podepermanecer no seu local habitual. Essasalterações, regra geral, são determinadascomo desertificações, empobrecimento dosolo, alteração climática acentuada, contaminaçãodo solo, entre outras.Além da razão acima exposta, temosainda a questão dos desastres naturais comoterremotos, maremotos, atividade vulcânica efuracões, que, em muitos casos, mudam completamentea situação de determinadasregiões e geram situações insustentáveis desobrevivência.Devemos analisar, nesse caso, queas constantes agressões ao meio ambiente e,principalmente, o aquecimento global têmagravado o problema, determinando o deslocamentode grandes populações, as quaispodem ser consideradas pela ideia emestudo como refugiados ambientais.Outro fator de agravamento é ocrescimento populacional, o que gera umamaior ocupação de espaços, disputa delocais para moradia e desenvolvimento deatividades agrícolas e pastoris, entre outros.Os principais instrumentos destinadosao problema do refugiado ambiental sãoas normas internacionais de combate aosproblemas ambientais globais, como o doaquecimento global. Por essa lógica, o combateao problema ambiental gera menosrefugiados ambientais.Mas como a questão do refúgio ambientalse apresenta na mesa mesmo comtantos esforços dos ambientalistas em editarmedidas internacionais de combate aos problemasambientais globais, devemos aprimoraras normas internacionais sobre refúgio eincluir o refugiado ambiental como umamodalidade a ser atendida.CONCLUSÃOAnte o exposto, concluímos quenovas modalidades de refúgio devem serestudadas para a modernização das normasinternacionais sobre o tema e que, se orefúgio ambiental é discutível, ele já seconfigura como um fato que deve ser atendidopelo Direito Internacional, suas normas,seus institutos e seus instrumentos deproteção internacional.REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICASACNUR/Brasil. Direito Internacional dos Refugiados. Programa de Ensino. Brasília: ACNUR, 2010.BARRETO, Luiz Paulo Teles F. Refúgio no Brasil. A proteção brasileira aos refugiados e seu impactonas Américas. Brasília: Ministério da Justiça / ACNUR, 2010.GODINHO, Luiz F; RODRIGUES, Gilberto M. A.(Orgs.). Diretório Nacional de Teses de Doutorado eDissertações de Mestrado sobre Refúgio, Deslocamentos Internos e Apatridia. Brasília/Santos: ACNUR/ UniSantos, 2011 (Suporte digital).JUBILUT, Liliana Lyra. O Direito Internacional dos Refugiados e sua aplicação no ordenamento jurídicoBrasileiro. São Paulo/Brasília: Método/ACNUR, 2007.PEREIRA, Luciana Diniz D. O Direito Internacional dos Refugiados. Análise Crítica do Conceito de“Refugiado Ambiental”. Belo Horizonte: Del Rey, 2010.RODRIGUES, Gilberto Marcos A. Direito Internacional dos Refugiados. Uma perspectiva brasileira. In:Anuário Brasileiro de Direito Internacional n. II, v. 1, Belo Horizonte: C<strong>ED</strong>IN, p. <strong>16</strong>4-178, 2007.VEYRET, Yvette (Org.). Os riscos. O homem como agressor e vítima do meio ambiente. São Paulo:Contexto, 2007.18


é conhecida como o eixo central na produção dealimentos e no emprego rural. É o principalsustento da segurança alimentar nacional, sendoresponsável pela produção de alguns dos produtosmais importantes da alimentação: aves e ovos(40%), milho (49%), leite (54% do bovino), suínos(58%), feijão (70%) e mandioca (84%), contabilizando4,3 milhões de unidades produtivas (84%do total de estabelecimentos rurais) e 14 milhõesde pessoas ocupadas, o que representa em tornode 74% das ocupações no campo e 33% do PIBagropecuário brasileiro.Tabela - Número de Municípios com AgricultoresFamiliares consolidados em Unidades da Federação.UFNº de MunicípiosTotal Com AFNº AFRO52 52 75.251AC 22 22 25.187AM 62 62 61.843RR 15 15 8.908PA 143 143 196.150AP <strong>16</strong> <strong>16</strong> 2.863TO 139 139 42.899MA 217 217 262.089PI (*) 224 223 220.757CE 184 184 341.510RN <strong>16</strong>7 <strong>16</strong>7 71.210PB 223 223 148.077PE 185 185 275.740AL 102 102 111.751SE 75 75 90.330BA (*) 417 4<strong>16</strong> 665.831MG 853 852 437.415ES 78 78 67.403RJ (*) 92 89 44.145SP (*) 645 630 151.015PR 399 399 302.907SC 293 293 <strong>16</strong>8.544RS (*) 496 495 378.546MS 78 78 41.104MT 141 141 86.<strong>16</strong>7GO 246 246 88.436DF1 1 1.824BRASIL 5.565 5.543 4.367.902Fonte: IBGE - Censo Agropecuário 2006(*) UF com municípios sem Agricultores FamiliaresEm todo o caso, é importante definiragricultura familiar como uma forma de produçãoonde predomina a interação entre gestão, direçãoe trabalho com pouca participação de trabalhoassalariado, com predominância de mão de obratemporária. Em torno de 5% dos estabelecimentosfamiliares contratam empregados permanentes,enquanto na agricultura patronal este percentualsupera os 60%, conforme apontam estudos daFAO e do INCRA, com base no Censo Agropecuáriode 2006 do IBGE.A agricultura familiar, é importantelembrar, é especializada no mercado nacional,revelando-se importante no ambiente do abastecimentointerno, mas contribuindo de forma apenasmarginal na pauta de exportações.Tabela - Número de DAP Emitidas e Ativas registradasna base de dados da SAF comparados com o universode Agrigultores Familiares apurados pelo CensoAgropecuário do IBGE 2006 segundo Unidade daFederação.UFNº DAPEmitidasNº DAPAtivasNº AgricultoresFamiliaresAC 52.474 30.700 25.187AL 234.514 112.039 111.751AM 104.214 82.257 61.843AP <strong>16</strong>.527 11.332 2.863BA 1.024.171 633.294 665.831CE 1.8<strong>16</strong>.244 670.663 341.510DF 4.799 3.735 1.824ES 150.297 78.420 67.403GO 104.782 53.257 88.436MA 708.532 455.385 262.089MG 868.485 375.989 437.415MS 69.061 27.212 41.104MT 143.098 63.836 86.<strong>16</strong>7PA 388.746 195.818 196.150PB 636.871 242.769 148.077PE 688.504 352.514 275.740PI 617.748 314.538 220.757PR 695.459 201.825 302.907RJ 28.911 18.952 44.145RN 340.059 133.333 71.210RO 118.940 65.431 75.251RR 11.796 9.369 8.908RS 1.217.553 344.091 378.546SC 496.061 142.964 <strong>16</strong>8.544SE 246.980 87.803 90.330SP 135.080 82.619 151.015TO 73.638 42.3<strong>16</strong> 42.899TOTAL 10.993.544 4.832.461 4.367.902O PRONAF - Programa Nacional deFortalecimento da Agricultura FamiliarEntre os anos de 2003 e 2011, 5,3 milhõesde agricultores rurais ascenderam socialmente.Desses, 3,7 milhões passaram a integrara classe média, com ganho real de 52% na renda.Até o ano de 2011, o crédito PRONAF aumentou290%, saltando de R$ 5,4 bilhões para R$ 21bilhões, com taxas de juros que variaram entre0,5% a 2% a.a para investimento e 1,5% a 3,5% a.a11. O PRONAF é um programa de apoio ao desenvolvimento rural, que tem como base o fortalecimento da agricultura familiar como segmento gerador deemprego e renda, de modo a estabelecer um novo padrão de desenvolvimento sustentável que assegure a melhoria da qualidade de vida e a ampliação doexercício da cidadania por parte dos agricultores familiares. Através do PRONAF, busca-se redirecionar políticas e serviços públicos de acordo com as reaisnecessidades dos agricultores familiares, viabilizar a infraestrutura rural necessária à melhoria do desempenho produtivo e da qualidade de vida da populaçãorural, fortalecer os serviços de apoio ao desenvolvimento da agricultura familiar e elevar o nível de capacitação dos agricultores familiares e demais atoressociais comprometidos com o desenvolvimento rural sustentável.20


meio do PRONAF Mulher e PRONAF Jovem, quedestina microcrédito orientado, acompanhamentofinanceiro e orientação para projetos específicospara esses públicos.TendênciasFoto: UN Photopara custeio. Com aumento de limite de créditopor operação de R$ 130 mil para R$ 150 mil noPRONAF mais Alimentos, e de R$ 130 mil para R$300 mil para os setores de avicultura, suinoculturae fruticultura, houve relevante aumento no númerode pessoas beneficiadas, passando de 500 mil a750 mil. O limite de crédito para investimentos emcooperativas passou de R$ 10 milhões para R$ 35milhões, e foi observado mais de 25% de aumentono limite de crédito de custeio por operação, quepassou de R$ 50 mil para R$ 80 mil, e nos últimosanos atingiu R$ 100 mil. São números quemostram a pujança e a importância desse setorpara a economia e para a sociedade, e oempenho para o fortalecimento do setor, mas quetambém indicam que muito ainda necessita serfeito.No âmbito dessa estratégia, a AgriculturaFamiliar conta ainda com o PRONAF Inovação,que destina recursos a juros de 2% a.a, por umperíodo de até 15 anos, para irrigação, armazenagem,desenvolvimento de cultivo protegidopara hortifrutigranjeiros, automação, avicultura esuinocultura, e, ainda, atualização tecnológicapara bovinocultura de leite e inclusão de tecnologiasdesenvolvidas pela Inova Empresa-Agro.A agricultura familiar conta ainda com osuporte do Programa de Aquisição de Alimentos(PAA), que completou dez anos em 2013, e visa agarantir demanda estável aos agricultoresfamiliares por meio das compras institucionais.Além de programas públicos de assistênciaalimentar, com investimentos específicos para osetor em crédito e seguro rural, assistênciatécnica, custeio, compra de equipamentos, apoioao associativismo, entre outros, totalizando R$ 39bilhões para o período 2013/2014.Outra iniciativa fundamental dessaspolíticas, com efeitos na redução da pobrezanacional e melhoria do acesso a oportunidades,foi abordar as questões de gênero e juventude porO Brasil tem evidente capacidade depropiciar melhor redistribuição de riquezas eresolver o problema da pobreza. A agriculturafamiliar é, sem dúvidas, um dos recursos paraatingir esse resultado. Programas e políticas detransferência de renda e estímulo à produçãoagrícola vêm desempenhando um papel fundamentalna melhoria dos indicadores sociais doBrasil nas duas últimas décadas.Duas lições principais emergem daexperiência brasileira. Em primeiro lugar, oalinhamento das políticas sociais no campo com omercado desempenhou um papel importante naredução da pobreza, mesmo durante um períodode estagnação econômica. Em segundo lugar,políticas macroeconômicas e comerciais nãonecessariamente prejudicam os pobres,sobretudo se os níveis global e local estiveremalinhados. No caso específico de políticas quepromovem redistribuição de renda, elas tendem adar um contributo significativo na luta contra apobreza, mesmo quando o objetivo é ativar aeconomia, ainda que em nível local. Aproveitaressa conjunção de fatores no momento em que oBrasil vivencia uma tendência de redução dadesigualdade entre as regiões, e entre áreasurbanas e rurais, pode ser a chave para alçar opaís a níveis mais elevados de desenvolvimento.Apesar de visíveis, os benefícios daexpansão da agricultura familiar no país ainda sãomascarados por carências que exigem atenção eações articuladas; por exemplo, 36,8% dasfamílias rurais ainda estão em situação deindigência, conforme o Projeto Fome Zero; maisde 76% dos estabelecimentos familiares ainda nãoforam atendidos pelo PRONAF; apenas <strong>16</strong>,7% dosagricultores receberam alguma assistênciatécnica, sendo que no Nordeste este índice baixapara 2,7% dos estabelecimentos (FAO/INCRA).Diante dos resultados obtidos até omomento, o próximo passo deverá ser norteadopor uma maior integração das mulheres, comampliação do acesso destas aos recursos essenciaisde desenvolvimento da agricultura. Amedida – relacionada aos Objetivos de Desenvolvimentodo Milênio – visa a aumentar a produ-21


tividade, gerando mais igualdade de oportunidadese empoderamento. Haverá, ainda, anecessidade de fortalecimento de outras políticasestruturais como a reforma agrária, melhoresformas de acesso a seguros, canais de comercializaçãoe, inclusive, a difusão de tecnologiasem projetos e programas de desenvolvimentoagrícola e produção de alimentos considerandoas mudanças climáticas, que possivelmente terãoforte impacto sobre os sistemas de produçãoagrícola e índices de desenvolvimento e pobreza.Por último, mas não menos importante,vale lembrar que esse segmento tem sido profundamenteafetado pelo processo de globalização,o que, por vezes, ocasiona redução de postos detrabalho e acentua os problemas sociais tanto emzonas rurais quanto nos centros urbanos. Háainda vários desafios a serem enfrentados, como:a) Ampliar a produção de alimentos deforma socialmente e ambientalmentesustentável;b) Gerar novas ocupações produtivas;c) Melhorar o nível de renda dos agricultoresfamiliares;d) Promover a reconversão do êxodo rurale dos agricultores em processo deexclusão do meio produtivo;e) Ampliar o poder de negociação dosagricultores familiares nos mercadosglobalizados e a diversificação produtiva,de forma a proporcionar um fluxo derenda mais regular ao longo do ano,reduzindo a vulnerabilidade do agricultor.Foto: UN Photo/Martine Perret Faz-se necessária a profissionalização dosetor, o que implicará uma melhor capacitaçãodos agricultores familiares e a identificação denichos de mercado, além de maior agilidade noprocesso de liberação de créditos e uma efetivafiscalização por parte do governo e da sociedadecivil para a redução de fraudes e irregularidades.A luta contra a desigualdade regional e2de oportunidades, a coerência entre políticas e,claro, o combate à corrupção estão no topo dalista dos futuros desafios.REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICASBARROS, R. P.; CARVALHO, M.; FRANCO, S.; MENDONÇA, R. Determinantes Imediatos da Quedada Desigualdade de Renda Brasileira. Chapter 12 in Barros, Foguel and Ulyssea (eds.) Desigualdadede Renda no Brasil: uma análise da queda recente. Rio de Janeiro: IPEA. 2006.CENSO AGROPECUÁRIO. Agricultura Familiar. Primeiros Resultados. Brasil, Grandes Regiões eUnidades da Federação. IBGE. MDA. MPOG. ISSN 0103-6157. Rio de Janeiro, p.1-267, 2006.FERREIRA, F.; PHILLIPPE, L.; JULIE, L. The Rise and Fall of Brazilian Inequality: 1981-2004, MacroeconomicDynamics12: 199-230. 2008.FERREIRA, F. H. G.; LEITE, P. G.; RAVALLION, M. Poverty Reduction without Economic Growth?Explaining Brazil’s Poverty Dynamics, 1985-2004. Policy Research Working Paper. 4431 In:. 2007.PLANO SAFRA DA AGRICULTURA FAMILIAR. Transformando vidas. Plantando o futuro. Em:. Acessado em: 25/01/2014.RAVALLION, M. A Comparative Perspective on Poverty Reduction in Brazil, China and India. PolicyResearch Working. Paper 5080. In: . 2013.SECOM -The Secretariat for Social Communication. Brazil launches national poverty alleviation plan.In: .2013.SOARES, F. V., SOARES, S., M<strong>ED</strong>EIROS, M.; OSÓRIO, R. G.. Cash Transfer Programmes in Brazil:Impacts on Inequality and Poverty. International Poverty Centre Working Paper # 21. 2006.2. A adoção de políticas coerentes entre si pressupõe que a política comercial não anule ou prejudique os efeitos das políticas para o desenvolvimento e queas políticas de crescimento econômico não ignorem ou ampliem os efeitos negativos dessa atividade econômica sobre o meio ambiente.22


VIDA DE DIPLOMATAO ITAMARATY NOSESTADOS BRASILEIROSBrasília não é a única possibilidade de trabalho para os diplomatas no território brasileiro. Nove capitaisdo país sediam Escritórios de Representação do Ministério das Relações Exteriores (MRE).Por Ana Paula LimaAA Secretaria de Estado das RelaçõesExteriores (SERE), nome pelo qual o MRE emBrasília é conhecido, concentra as decisões dapolítica externa e grande parte das atividadesdesenvolvidas pelo Itamaraty. Há, no entanto,intensa demanda de trabalho em outras regiões dopaís, sob a coordenação dos Escritórios de Representaçãoregional. Eles estão localizados nascidades de Porto Alegre, Florianópolis, Curitiba,São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Recife,Salvador e Manaus.Os Escritórios de Representação dãosuporte às ações do MRE em âmbito local. Nãoraro exigem a articulação com os governosmunicipal e estadual, além das assembleias legislativase do poder judiciário. O Segundo-Secretário Luís Fernando Cardoso de Almeida,aprovado em 2006, é responsável pelos setoresCultural e Consular no Escritório de Representaçãode São Paulo (ERESP). Bacharel em Direitopela Universidade de São Paulo (USP) e mestreem Finanças pela Fundação Getúlio Vargas(FGV-SP), o diplomata falou à Revista Sapientiasobre o trabalho desempenhado pelo Itamaratynos estados da federação.Sapientia – Quais são as atividades desempenhadaspelos Escritórios de Representação?Luís Fernando Cardoso de Almeida – OsEscritórios de Representação regional do Itamaratytêm o objetivo de assessorar as ações doMRE localmente, nas cidades e regiões brasileirasonde estão situados. Portanto, servem comointerface do Itamaraty para demandas locais,tanto aquelas relativas a brasileiros quanto aestrangeiros. De forma geral, as atividades que osescritórios realizam são semelhantes àquelas quesão feitas em Brasília, porém em escala menor eregionalizada. Tendo como exemplo o ERESPFoto: Divulgação(Escritório de São Paulo), há uma intensaatividade de cerimonial, já que centenas de autoridadesestrangeiras visitam anualmente a cidadede São Paulo; demandas consulares, ligadas àgrande população estrangeira e aos diversosconsulados internacionais que se situam em SãoPaulo; pedidos de legalização de documentos;um intenso esforço de promoção comercial eeconômica das empresas paulistas em iniciativasinternacionais; apoio às instituições culturais e aosartistas paulistas; convênios e parcerias comuniversidades; entre diversas outras.Sapientia – Esses escritórios estão subordinadosa que órgão em Brasília?Luís Fernando Cardoso de Almeida – Não hásubordinação direta a nenhum departamento oudivisão especifica em Brasília, mas os Escritóriosde Representação são subordinados e recebeminstruções da Secretaria de Estado das RelaçõesExteriores (SERE), da mesma forma que ocorre23


com os postos no exterior. Assim, conforme o desde sua gênese. Essa parceria também estátema, os Escritórios consultam o departamento ou sendo feita, por exemplo, em relação a outrosdivisão pertinente em Brasília, solicitando grandes eventos, como a Copa do Mundo e osinstruções ou simplesmente relatando Jogos Olímpicos.informações. Há também uma certa autonomiapara agir localmente, conforme o entendimento dochefe do Escritório de Representação, função quenormalmente é exercida por um Embaixador,Sapientia – Qual é a estrutura dos Escritórios deRepresentação em número de funcionários? Hácontratação de funcionários locais e estagiários?cargo máximo da carreira diplomática. Luís Fernando Cardoso de Almeida – OSapientia – Como se dá a cooperação dosescritórios de representação do MRE com asprefeituras e com os governos estaduais? Umexemplo seriam as campanhas para sediar eventosinternacionais, como a de São Paulo emrelação à Exposição Universal de 2020, queacabará ocorrendo em Dubai.Luís Fernando Cardoso de Almeida – Uma dasprincipais funções dos Escritórios de Representaçãoé justamente manter contato perene com asentidades governamentais locais – não apenasgovernos estaduais e prefeituras, mas tambémassembleias legislativas e poder judiciário. Assim,o contato e cooperação com essas esferas estataisé bastante intenso, abrangendo várias áreas. Hágrupos de trabalho regulares e cooperação empraticamente quaisquer assuntos que envolvamtemas internacionais. Ainda que um projeto sejacapitaneado por uma esfera específica, como foi ocaso da Prefeitura Municipal de São Paulo(PMSP) em relação à campanha para a Expo2020, há sempre uma importante participação doItamaraty, que cuida da promoção de tais iniciativasinternacionalmente e trabalha nesses projetostamanho dos Escritórios de Representação variamuito de cidade para cidade. Há desde escritóriosque possuem apenas o chefe e algunsfuncionários quanto escritórios maiores, como é ocaso de Rio de Janeiro e São Paulo. Na capitalpaulista, especificamente, são cerca de 12funcionários de carreira, entre diplomatas, oficiaisde chancelaria e assistentes de chancelaria, alémde contratados locais e estagiários, totalizandocerca de 30 pessoas. Um estágio pode ser umaboa forma de começar a aprender como o MREfunciona internamente. Geralmente o MREoferece vagas de estágios aos alunos dos principaiscursos de Relações Internacionais dasuniversidades 1 .Sapientia – Vemos atualmente uma grande preocupação,por parte do MRE, de se aproximar dasociedade civil. Os Escritórios de Representaçãodesenvolvem algum trabalho nesse sentido, jáque estão mais próximos da população?Luís Fernando Cardoso de Almeida – Sim, osEscritórios de Representação existem tambémpara aproximar o MRE das pessoas que vivem nasregiões mais populosas do Brasil, facilitando oO Escritório de Representação em São PauloFoto: Divulgação1. No caso do ERESP, currículos podem ser enviados para eresp@itamaraty.gov.br.24


acesso aos seus serviços. São diversos osserviços que os Escritórios prestam às populações,como nas áreas de assistência consularpara pessoas que tenham familiares em apuros noexterior, a legalização de documentos brasileirosque precisam ser chancelados pelo MRE paraserem válidos no exterior (mais de 20 mil por mêsapenas em São Paulo), assim como apoio aempresas, instituições e pessoas fisicas em temaseconômicos, comerciais, culturais e educacionais.Sapientia – Além de facilitar o acesso aosserviços do MRE à população, há iniciativas como intuito de aumentar a transparência da políticaexterna, como a realização de eventos quereúnam vários setores da sociedade civil oucampanhas que expliquem as escolhas do Brasilna esfera internacional?Luís Fernando Cardoso de Almeida – OsEscritórios de Representação em si raramenteorganizam eventos por conta própria, até porquecontam com um orçamento mais limitado.Contudo, como são, na prática, “extensões” doItamaraty nos estados da federação, geralmenteapresentam grande participação quando a SEREpromove grandes eventos nas diversas capitaisbrasileiras.Foto: DivulgaçãoO diplomata Luís Fernando Cardoso de Almeida é responsável pelos setores Cultural e Consular do ERESPSapientia – Há a possibilidade de cessão dodiplomata para órgãos estaduais ou municipais?De que maneira isso pode ocorrer?Luís Fernando Cardoso de Almeida – Sim, odiplomata pode ser cedido não apenas paraórgãos estaduais e municipais, como tambémpara outros órgãos da União, como Ministérios oumesmo órgãos legislativos, como a Câmara Legislativae o Senado. Isso ocorre quando normalmenteum desses órgãos necessita de um profissionalhabilitado para a condução de atividadesligadas às relações internacionais, que éjustamente a especialidade dos diplomatas.Assim, o órgão realiza um pedido formal ao MRE,que pode ceder ou não o servidor, por períododeterminado. Uma vez acabado o prazo dacessão, o diplomata retorna ao MRE normalmente,retomando suas funções habituais.Sapientia – Você já passou por essa experiênciano ERESP?Luís Fernando Cardoso de Almeida – Sim, eu fuicedido durante o período de cerca de um anopara a PMSP, onde ocupei o cargo de Chefe deGabinete da Secretaria de Relações Internacionais.Realizava as funções normais de um chefe degabinete de Secretaria, gerenciando a parteadministrativa. Além disso, era responsável porlevar as demandas da PMSP ao Itamaraty,justamente por ser originário deste Ministério.Sapientia – Quais são as vantagens e desvantagenspara a carreira de trabalhar nos Escritóriosde Representação?Luís Fernando Cardoso de Almeida – Há muitospontos positivos em trabalhar em um Escritório deRepresentação. Como não são muito grandes edetêm relativa autonomia, se o diplomata estádisposto a criar iniciativas com as principaisentidades locais, as possibilidades de trabalhosão diversas, especialmente em uma cidadegrande como São Paulo, que é a capitaleconômica e cultural não apenas do Brasil, mastambém da América Latina. São também umaalternativa para aqueles que querem a carreiradiplomática mas, por algum motivo, ainda nãodesejam ir ao exterior e nem querem viver emBrasília. Como desvantagem, há aspectos administrativos,como o fato de o período servido nosEscritórios não contar tempo para promoção ouremoção, pois tecnicamente, apesar de seremunidades gestoras autônomas, não funcionamcomo os postos no exterior. Também há a questãode ficarem um pouco distantes das principaisesferas decisórias do MRE, que estão em Brasília.25


VIDA DE CONCURSEIROBOLSA PRÊMIO DE VOCAÇÃOÀ DIPLOMACIAA evolução histórica dos direitos dos afrodescendentes e a política do Itamaraty para facilitar o acesso denegras e de negros à carreira diplomática.Por Anariá C. RecchiaOO acesso de negras e de negros aomercado de trabalho, tanto no âmbito privado, quantono público, foi, tradicionalmente, dificultado porrazões históricas, sociais e econômicas. O legado daescravização, a reiteração ideológica do preconceito,com base no mito da democracia racial freyreana, e aocupação em atividades produtivas pouco valorizadasrotinizaram, como se fosse natural, uma situaçãoeminentemente social. Dos anos 1990 em diante, omovimento negro tornou-se mais organizado epassou a demandar o enforcement de leis garantidorasde seus direitos, bem como a requerer a criaçãode normas que fizessem avançar a agendaafrodescendente.Da convergência desses fatores, surgiu, em2002, no último ano do Governo FHC, a Bolsa Prêmiode Vocação à Diplomacia, como resultado, também,dos compromissos brasileiros assumidos naConferência de Durban, de 2001, e do engajamentodo Embaixador João Almino, diretor do Instituto RioBranco à época. O objetivo declarado do Programade Ação Afirmativa do Itamaraty é proporcionar maiorigualdade de oportunidades de acesso à carreira dediplomata e acentuar a diversidade étnica nosquadros do Itamaraty.Até a primeira década dos anos 2000, oúnico embaixador negro de que se tinha notícia eraRaimundo Souza Dantas, nomeado por Jânio Quadros,presidente que intentou impulsionar as relações entreÁfrica e Brasil, ao nomeá-lo para o posto em Gana.Apenas em 2010, chegava, pela primeira vez, aoposto mais alto da diplomacia o embaixador –negro – Benedicto Fonseca Filho, funcionário decarreira.Com o objetivo de compreender o cotidianode quem busca uma vaga no Itamaraty, com oauxílio da Bolsa Prêmio, entrevistamos o físicoErnesto Batista Mané Júnior o economista e adminis-1trador de empresas Roberto Avelar .Foto: Reprodução/ joaoalmino.comA Bolsa Prêmio de Vocação à Diplomacia foi implementadadurante a gestão de João Almino (foto) no Instituto Rio Branco.Ernesto formou-se em Física pela UniversidadeFederal da Paraíba, em 2005; em 2009, recebeuo título de PhD em Física Nuclear pela Universidadede Manchester, no Reino Unido, e, em 2012, concluiupós-doutorado em Física Nuclear pelo LaboratórioNacional de Física Nuclear e Partículas do Canadá. Amãe é brasileira, contadora, e fez especialização naFundação Getúlio Vargas (FGV); o pai, guineense, éeconomista e ingressou no mestrado na USP, mas foijubilado por motivos de perseguição racial. Em 2013,segundo ano em que Ernesto recebe os benefíciosda Bolsa, foi aprovado em primeiro lugar na seleçãodo Programa de Ação Afirmativa do Itamaraty, (PAA).Roberto tem duas graduações: Administração deEmpresas, pela FGV, e Ciências Econômicas, pelaUSP, onde também concluiu mestrado na disciplina.Filho de pai militar e mãe professora, ambos comensino superior completo e já aposentados, Robertojá havia sido contemplado com a Bolsa, em 2011, anoem que chegou à terceira fase. Para ele, ser negro noBrasil é “ser orgulhoso do seu passado, presente efuturo. O Brasil tem mudado, não na velocidade e,muitas vezes, não da forma que queremos. Mas sernegro, atualmente, é diferente de ser negro nostempos dos meus avós. Ainda é difícil ser negro,ainda há preconceito, sem dúvida alguma. Mastambém há mais oportunidades. A Bolsa-Prêmio éum exemplo disso”.1. Nome fictício, a pedido do entrevistado.26


EVOLUÇÃO HISTÓRICA DAS ESTATÍSTICASA Constituição Federal de 1988 tem, comoum dos princípios que regem o Brasil em suasrelações internacionais, o repúdio ao racismo (artigo4º, VIII). Elenca, também, como um de seus fundamentos,a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III).Além disso, afirma ser um objetivo fundamental aerradicação da pobreza e da marginalização, bemcomo a redução das desigualdades sociais. Osdireitos inscritos em nossa Carta Maior representamas diretrizes básicas do ordenamento jurídiconacional. Há dezenas de leis infraconstitucionais,como a Lei 9459/1997, sobre crimes resultantes depreconceito de raça ou de cor, e tratados internacionaisdos quais o Brasil é parte, como a ConvençãoInternacional sobre a Eliminação de Todas asFormas de Discriminação Racial, adotada na ONU,em 1966, e assinada pelo Brasil em 1968.“A regra da igualdade nãoconsiste senão em quinhoardesigualmente aos desiguais,na medida em que sedesigualam”. Rui Barbosa;Oração aos Moços, 1920.A necessidade de se reforçar juridicamenteum impedimento é prova de que a prática, emborainterdita, permanece recorrente. Pode-se encontrarparalelo histórico, a grosso modo, na proibição de2escravização do indígena, nos tempos coloniais . Areiteração de leis contrárias a esse tipo de trabalhocompulsório era prova de que, apesar dos regulamentosexpedidos pela Coroa, continuava-seexplorando mão de obra indígena. Argumentos emprol do indígena baseavam-se em critérios religiosos,porém, a história econômica demonstra que oinstituto da escravização do índio não resultava emganhos monetários para os colonizadores, diferentementeda escravização do negro. A triangulaçãocomercial entre América Portuguesa, África(principalmente Benin e Daomé) e Lisboa criava umafluxo de dinheiro da colônia para a metrópole, cujasmercadorias eram compostas de cachaça, fumo epessoas escravizadas.O instituto da escravidão deixou marcasindeléveis na composição social brasileira. O termo“herança” é comumente utilizado para justificar asrecentes medidas de discriminação positiva, mas háque se lembrar que a herança da escravização, dasubmissão forçada de negros e de negras pela elitebranca, criou um imaginário coletivo, amplamentearraigado e difundido, de que o trabalho manual nãoé algo honroso e de que os escravos eram, nomáximo, mercadorias. Tanto é verdade que, no Império,os debates no Parlamento sobre a aboliçãogiravam em torno da necessidade de indenizaçãodos proprietários. No livro A ordem do progresso, oautor Gustavo Franco argumenta que o “Programa deOuro Preto”, que facilitava a concessão de créditopara a grande lavoura, era uma forma de compensaçãofinanceira aos ex-proprietários de escravos . Ao3fim e ao cabo, a enxurrada de papel moeda, levadaadiante, em outros moldes, por Rui Barbosa, com aregionalização bancária das emissões e com a novaLei das Sociedades Anônimas, resultou no Encilhamento.A compensação para os escravizados?Nenhuma. Ao contrário. A inserção de negros enegras na sociedade estamental, patriarcal e racistanão contou com nenhum tipo de acessibilidade,independentemente da data da alforria. Embora oEstado não concedesse canais institucionais para aparticipação plena de negros na sociedade oitocentista,havia resistência social daqueles direta e indiretamenteafetados pela escravização.Pintura de Jean Baptiste Debret, de 1827, retrata a época daescravizaçãoO governo tentara promover o primeiroCenso nacional em 1851, mas houve grande resistênciapopular, sobremaneira, em Pernambuco,Sergipe, Paraíba e Alagoas. O gabinete conservador2. História do Brasil; Edusp , Boris Fausto.3. A Ordem do Progresso, vários orgs, Campus Editora, p. 1927


do Visconde de Monte Alegre ordenara a obrigatoriedadedo registro civil de nascimentos e óbitos eprescrevera a realização do “Censo geral do Império”.O decreto causou revolta entre os “pretos epardos pobres”, como os revoltosos de Pau d’Alho sedenominaram, pois a medida serviria, na perspectivanegra, para escravizá-los, visto que “os ingleses nãodeixam mais entrar africanos”, segundo afirmou umjuiz de Pernambuco, em relatório para ao presidenteda província. Os demais relatos das autoridadeslocais seguiam a mesma linha: as ações contrárias aodecreto de Monte Alegre eram obra do “povo rude”,“da parte menos culta da sociedade”, “de ideiasfanáticas e ânimos desvairados”. Em outras palavras,a resistência popular foi vista como ignorância porparte das autoridades, inconscientes da ameaça queo censo poderia representar, ao exigir que sedeclarasse sua cor, em uma sociedade escravista4como o Brasil do Oitocentos .O voto era acessível apenas aos homenslivres, com renda superior a 200 mil réis, para sereleitor, e 400 mil réis, para ser eleito. A partir de 1881,a Lei Saraiva instituiu o voto literário, impedindo queanalfabetos tivessem capacidade eleitoral ativa,desautorizando um contingente gigantesco depessoas antes aptas a votar, com incidência proporcionalmaior sobre negros. Essa mesma lei tornou aseleições diretas e ainda atualizou o valor da renda5que se precisava possuir para poder votar . A Constituiçãode 1891 aboliu a necessidade de renda, mas ainterdição do voto do analfabeto perdurou até aCF/88, quando foi tornado facultativo.Para se ter ideia das consequências sociaisdessas regulações imperiais e escravocratas,analisemos o Censo de 1872. Dos 9.930.478 debrasileiros contados, 84,7% eram livres e 15,2% eramescravizados, média considerada baixa em relação àprimeira metade do séc. XIX. Pretos e pardos somados,tanto livres (ou seja, egressos da escravidão)quanto cativos, representavam 57,9% da população.Quanto à estatística intelectual, 81,4% da populaçãolivre ou liberta não sabia ler nem escrever. Entre osescravos, a taxa de alfabetização era 0,08%. Nenhumcativo frequentava escola primária. É preciso mencionar,também, que 41,6% da população foi classificada6como “sem profissão” .Da conjugação desses dados referentes anegros e pardos, no Censo de 1872 – elevadonúmero de pessoas não empregadas em atividadeprodutiva e virtual totalidade de analfabetos entre osescravos –, conclui-se que eles não participavam davida política e apenas marginalmente estavam inseridosem algum tipo de ocupação. De que forma,então, poderiam ascender social e economicamente?Se considerarmos, ainda, a barreira do preconceito,torna-se evidente que a desigualdade imposta anegros e pardos obstaculizou o desenvolvimentoindividual, “meritocrático”, e reiterou uma sociedadecom clivagens sociais, raciais e de gênero por maisde um século.O que mudou do século XIX para o séculoXXI? Em termos objetivos, o número de homens e demulheres que se declaram pretos e pardos somam50,7%, proporção semelhante à do Brasil Império. Acifra representa aumento em relação ao último Censo(IBGE, 2000), em razão do fato de que mais pessoasse reconhecem como negros, visto que, se considerarmosa taxa de fecundidade e de natalidade dasmulheres negras, tal proporção seria atingida apenas7em 2020 .A desigualdade, porém, continua absurdamentealta, embora tenha recuado nos últimos dezanos. A Secretaria de Assuntos Estratégicos doGoverno Federal estima que 13% dos negros acimade 15 anos são analfabetos, contra pouco menos de10% da população em geral. No Nordeste, essaestatística sobe para 21% de negros analfabetos commais de 15 anos. O número torna-se ainda maisconstrangedor, se considerarmos negros acima de865 anos: 45% .AÇÃO AFIRMATIVA NO ITAMARATYA constatação básica, diagnosticada noGoverno FHC, é que não havia igualdade de oportunidadespara brancos e negros. E que serianecessário promover uma política de discriminaçãopositiva se se quisesse modular os efeitos dessaherança histórica. Em 2002, iniciou-se o ProgramaBolsa Prêmio de Vocação à Diplomacia, quedestinava recursos a candidatos negros ao CACD,aprovados em uma seleção que consistia em provase entrevista técnica. Em 2003, o valor da Bolsa foiajustado em um total de R$ 25 mil, vigentes por 10meses, para o estudante custear seus estudos, comoaulas em cursos preparatórios. Uma pequenaporcentagem pode ser aplicada em custos demanutenção, como Internet e alimentação.4. História do Brasil Nação vol. 2: A construção nacional 1830-1889. Org. Lilian Moritz Schwarcz, p. 405. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/rev_74/MemoriaJuridica/SobreLeiSaraiva.htm (último acesso em 10/02/14)6. História do Brasil Nação vol. 2: A construção nacional 1830-1889. Org. Lilian Moritz Schwarcz, p. 467. Boletim Ipea de Políticas Sociais, n. 20/ 20128. Secretaria de Assuntos Estratégicos: http://www.sae.gov.br/site/?p=11130 (última visualização em 10/02/14)28


Foto: ReproduçãoA previsão de gastos, além do plano deestudos, deve constar em relatório a ser entregue eavaliado pelas instituições envolvidas (MRE, CNPq,principalmente, mas também a Secretaria Especialdos Direitos Humanos, a Secretaria Especial dePolíticas de Promoção da Igualdade Racial e aFundação Cultural Palmares). Até a presente data, ovalor da Bolsa permanece o mesmo. Se fossecorrigido pelo IPCA- Geral do período, deveria estarem R$ 41.696,56 , para que se mantivesse o poderaquisitivo definido em 2003. Roberto acredita que oreajuste da Bolsa é um ponto importante entre aspossíveis sugestões de melhoria do processo. Masrelembra: “A Bolsa pode conferir igualdade deoportunidades, sim. A parte financeira semprepreocupa quem estuda para concursos. Tambémdependerá do candidato estudar muito e adequadamentepara passar no concurso. São coisas complementares:a bolsa, com seus recursos, e o candidato,com seu esforço e dedicação”.A partir do certame de 2011, o edital trouxecomo novidade uma reserva de vaga de 10% naprimeira fase do concurso, cuja pontuação passou aser contabilizada na nota final do exame. Em outraspalavras, para além dos 300 aprovados na primeirafase de 2011, foram adicionadas mais 30 vagas paraaqueles que se declararam afrodescendentes. Omesmo ocorreu em 2012 (200 vagas + 20 paraafrodescendentes) e 2013 (100 vagas + 10). Emboratenha sido uma medida relevante, ao ampliar o númerode vagas para negros na primeira fase, a contabilizaçãodos pontos da prova objetiva na nota final oscolocou em ligeira desvantagem. Além disso, foraminstituídas regras um máximo de vezes para arenovação da Bolsa. A primeira renovação é concedidalivremente; a segunda, fica condicionada àaprovação na primeira fase; para a terceira, exige-seaprovação na segunda fase; a quarta, requeraprovação na terceira fase. Não será concedida umaquinta renovação da bolsa em nenhuma hipótese.Para Ernesto, esta mudança “não aumentou[a eficiência do programa]. Em 2013 foi aprovadoapenas um bolsista, que ficou com a bolsa durante 5anos. Sabemos que a preparação para esseconcurso é complexa e envolve continuidade. Alémdisso, sabemos que há casos de excelentes candidatosque vão até a quarta fase em um ano, e nãopassam sequer no TPS no ano seguinte. Tambémconhecemos casos de candidatos que ficam anos naprimeira fase do concurso e, quando passam,conseguem a aprovação no CACD. A mudança doscritérios de distribuição da bolsa seguiu uma políticade atendimento a certas exigências feitas pelo TCU[Tribunal de Contas da União], que estava preocupadocom a eficiência do programa, mas que nãorecomendou explicitamente essa mudança. Infelizmente,como temos acompanhado nos últimos trêsanos, ela não teve o efeito esperado, e na minhaopinião está minando o programa de dentro parafora”.9. http://economia.uol.com.br/financas-pessoais/calculadoras/2013/01/01/indices-de-inflacao.htm. Correção de 66%, considerada a inflação do períodoJun/2003 a Jan/2013 (última visualização em 10/02/14)29


Como sugestão de melhoria, Ernestoargumenta que “uma diferença de um ou dois pontospode parecer pequena, mas no CACD desse ano, oprimeiro candidato que ficou fora da lista não passoupor 0,05 pontos, de modo que o mais coerente, para aconsecução de uma política de inclusão racial efetiva,seria a extensão da cota para todas as fases doconcurso ou a eliminação da nota da primeira fase nacontagem final”.De acordo com a dissertação de mestradode Ana Paula de Conceição Oliveira (UFBA/ 2011),entre 2002 e 2010, foram mais de sete mil inscritos noPrograma de Ação Afirmativa do Itamaraty, comaproximadamente 309 negros e negras contempladoscom a Bolsa. Pelo que ela pôde recolher dosarquivos do Itamaraty e de relatos orais durante suapesquisa, no período mencionado, <strong>16</strong> candidatosbolsistas foram aprovados. É possível que maisafrodescendentes tenham ingressado na carreirasem a ajuda de Bolsa, mas não há dados oficiaisdisponíveis.Embora necessária, a iniciativa governamentalde promover políticas de inclusão social nãodeveria ficar somente à mercê do Estado. “Desejamoster um canal permanente e periódico de comunicaçãocom os formuladores do programa. Mudançasnas regras do programa não podem ser unilateralmentedecididas e impostas de cima para baixo, poisnossas vidas estão em jogo”, acentua Ernesto.O físico se debruça sobre os números dosúltimos concursos e conclui que: “se considerarmosque, desde 2002, aproximadamente, 400 bolsistasreceberam a bolsa e apenas 20 foram aprovados,temos uma eficiência de 5%. Há um ganho de eficiênciarelativa, considerando o universo total de inscritosno CACD, que é o que defende o governo. De todomodo, esse número é ainda menor, se consideramosque as várias edições do CACD, cumulativamente,no mesmo período, recrutaram mais de 750 diplomatasnão negros. Ou seja, continuamos com umabaixíssima (2,6%) representatividade de negras e denegros no corpo diplomático brasileiro, no quedeveria ser considerada uma iniciativa modelo deinclusão racial no âmbito do governo federal. Asrazões para essa ineficiência são muitas e eu possomencionar algumas delas. Em primeiro lugar, o valorda bolsa está bastante aquém das necessidades depreparação de um candidato que queira ser minimamentecompetitivo para prestar o concurso. O valorda bolsa não sofre reajuste há quase uma década, esabemos que a inflação corrói o valor do benefício – ésó olhar os reajustes anuais dos cursinhos. Temos decontar com a boa vontade dos cursinhos para obterdescontos nas disciplinas. Em segundo lugar, ogoverno faz exigências que não são realistas emtermos da forma como os gastos são feitos pelosbolsistas. Um exemplo claro é que, com 30% da bolsadestinado à manutenção (alimentação, transporte,moradia), fica inviável para um bolsista de fora doeixo Rio-São Paulo-Brasília ter chances de vivernessas cidades, onde há os melhores cursinhos eprofessores particulares. Mesmo para um bolsistanatural dessas cidades, o valor da bolsa impede queo candidato se prepare em tempo integral para oconcurso. Em terceiro lugar, falta apoio pedagógicopara os bolsistas se prepararem de maneira maisefetiva para o concurso. Mesmo que o plano deestudos preparado pelo bolsista seja objeto deavaliação no ato de concessão da bolsa, e mesmoque o bolsista conte com a ajuda de diplomatastutoresvoluntários, o sistema pode ser mais eficienteno sentido de oferecer ao bolsista um melhordirecionamento dos gastos dos recursos da bolsa.Sempre vai haver exceções, quando passa um oudois candidatos, o que é motivo de muita alegria, masestamos falando de uma política pública que temcomo objetivo aprovar o maior número de candidatos”.E resume: “Mesmo que, no Brasil, grandeparte da população tenha descendência africana, asociedade brasileira sabe identificar quem são osnegros e, para essa parte da população, é dispensadoum tratamento que, historicamente, os temcolocado e os tem mantido em posição de desvantageme de subalternidade. Estamos tentando quebraresse paradigma”.Na ordem (esquerda para direita):Luiz Inácio Lula da Silva, Dilma Rousseffe Fernando Henrique ao assumirem aPresidência da República Federativado Brasil.Fotos: Reprodução30


<strong>SAPIENTIA</strong> INDICAAGENDA DE EVENTOSMARÇO 2014COURSERADireito Internacional dos Direitos Humanos:Perspectivas e DesafiosO módulo gratuito, ministrado peloProfessor Laurence R. Helfer, da UniversidadeDuke, introduz as leis, as instituições e as teoriaslegais e políticas que respaldam a proteção dasliberdades básicas dos seres humanos. As aulasestimulam o engajamento dos alunos em questõessobre dignidade humana, soberania dos Estadose justiça interna. Outros temas de estudo sãogenocídio e intervenção humanitária, direito à vidae pena de morte. O curso, em inglês, tem duraçãode seis semanas.Início: 31 de marçoMais informações:https://www.coursera.org/course/intlhumanrightslawFundamentos da Indústria Mundial de EnergiaNeste curso, o Professor Michael J.Orlando, da Universidade do Colorado, fará umaintrodução aos negócios que envolvem aprodução de energia primária. Será examinada anatureza da demanda e do abastecimento nomercado global de energia, assim como seusparticipantes. Ao fim do modulo, os alunos serãocapazes de identificar os desafios das empresasque atuam no desenvolvimento desses recursos.O curso é gratuito e será ministrado em inglês.Início: 17 de marçoMais informações:https://www.coursera.org/course/globalenergybusinessD S T Q Q S SBOLSAS DE ESTUDODoutorado nas Universidades de Nottingham eBirmingham (CAPES)A seleção para o doutorado plenoabrange diversas áreas do conhecimento, comoprodução agrícola sustentável; petróleo, gás ecarvão mineral; energias renováveis; biotecnologia;biodiversidade e bioprospecção. Para participarda triagem, o candidato precisa cumprir osrequisitos especificados no edital e apresentarcandidatura – composta de projeto de pesquisa,formulários e documentação necessária - à Capesaté o dia 2 de abril e à Universidade de Nottinghhame/ou à Universidade de Birmingham até 17 demarço. A bolsa terá duração de 36 meses e incluimensalidade, auxílio deslocamento, auxílioseguro-saúde e auxílio instalação. O início dasatividades acadêmicas será em setembro.Mais informações:MARÇOPelo e-mail nottingham_birmingham@capes.gov.bre pela página do programa:http://capes.gov.br/cooperacao-internacional/reino-unido/nottinghambirmingham31


INICIATIVAS <strong>SAPIENTIA</strong>MARATONA <strong>SAPIENTIA</strong> CACD 2014: a hora é agora1ª Etapa: preparatória para a primeira faseInício:Término:Carga horária:Corpo docente:2ª Etapa: preparatória para a segunda fasePrevisão de início: Corpo docente:3ª Etapa: preparatória para a terceira fasePrevisão de início: Corpo docente:32


CURSOS AVANÇADOS: -Atualizações de Política Internacional: Governo DilmaCorpo docente:Organização Mundial do Comércio (OMC): análises Pós-Conferência de BaliCorpo docente:Formação Econômica do Brasil (FEB)Corpo docente:Literatura: Interpretações do BrasilCorpo docente:ÁfricaCorpo docente:‘Cidadania no Brasil: um longo caminho’ – uma análise da obra de José Murilo de CarvalhoCorpo docente:33


CAFE COM A CLAUDIAINFINITIVOSClaudia Simionato formou-se em Letras pela USP, é professora de Português e Redação especialista noCACD e diretora pedagógica do Curso Sapientia.OO uso dos infinitivos e suas flexõessempre traz dúvidas aos alunos. O infinitivoé uma das três formas nominais, ao lado dogerúndio e do particípio. As formas nominaissão assim designadas porque são verbos queapresentam também a função de nomes. Elasnão flexionam em tempo ou modo, mas oinfinitivo pode flexionar em pessoa, dependese ele tem sujeito ou não. Daí temos o infinitivopessoal e o impessoal.¹O infinitivo pessoal (ou flexionado) éo que tem sujeito, por isso apresenta adesinência que traz a marca de pessoa:CantarCantaresCantarCantarmosCantardesCantaremAssim, se há sujeito claramenteexpresso na oração, o infinitivo deve flexionar:É curioso nós não cantarmos hoje.Ainda que esteja na ordem inversa:É importante irem todos embora.Se não há sujeito expresso, masdeseja-se marcar o sujeito, deve-se tambémflexionar o infinitivo:Seria bom não irmos embora.Mas tudo depende de querer ou nãoenfatizar o sujeito. Eu posso usar o infinitivoimpessoal, não flexionado, para dar ênfase àação, ou posso flexiná-lo para dar ênfase aosujeito. Depende da intenção da frase:É bom ter um cão.É bom termos um cão.Por isso, o único caso em que o infinitivoé de fato obrigatório é quando o sujeitoestá claramente expresso na oração.Quando, porém, o sujeito do infinitivofor um pronome átono, ou um substantivo quevenha depois dele, o verbo fica obrigatoriamentena forma não flexionada:Ouvi-os cantar.Ouvi cantar os pássaros.Quando o substantivo sujeito vierantes do infinitivo, é indiferente a flexão:Ouvi os pássaros cantar/ cantarem.Se houver uma preposição entre osujeito e o verbo, é opcional a flexão,conforme veremos a seguir.No TPS:No TPS de 2011, na questão 12,havia a seguinte afirmação:Seriam mantidos o sentido e acorreção gramatical do texto se osinfinitivos flexionados fossemsubstituídos pelas respectivas formasdo infinitivo não flexionado nosegmento “as gotas a evaporarem, aslesmas a prepararem os corpos paranovas caminhadas” (L.24-26).341. Para os verbos regulares, a conjugação do infinitivo pessoal é igual à do futuro do subjuntivo.


A opção pedida ficaria: “as gotas aevaporar, as lesmas a preparar os corpospara novas caminhadas”. Está corretatambém. Embora o sujeito esteja expresso naoração, a preposição “a” entre o sujeito e oinfinitivo dá a possibilidade de este serflexionado ou não, a depender da ênfase quese quer dar: no sujeito ou na ação.Em outra prova do Cespe, para ocargo de Analista Legislativo da Câmara dosDeputados, foram dadas as seguintesquestões sobre o texto:Para melhor compreenderem anação e os cidadãos — nas suas origens, noseu devir colonial e, finalmente, soberano —,nossos pensadores avançam os olhos portodo o mapa do país, tomam emprestadolunetas e alcançam outras épocas e outrascivilizações. Chamam a atenção para asgrandes conquistas que foram feitas desdesempre, pelo mais anônimo dos índios e dosescravos, passando pelos lavradores, faiscadores,trabalhadores, funcionários públicos,profissionais liberais, latifundiários, capitãesde indústria, e que tornaram o país uma dasnações mais adiantadas da América Latina.Entretanto, também querem acercar-se dascausas das injustiças sociais, combatê-laspelas armas da palavra, saber o porquê detanta miséria e sofrimento por parte de umpovo, apesar de tudo, trabalhador e sempredisposto a buscar a prosperidade e oprogresso moral seja dos seus, seja daNação. Brasil, o nosso “claro enigma”.A questão número 1 está errada. Aforma verbal “compreenderem”, embora fiquemelhor na forma flexionada devido ao sujeitoexpresso, pode ir para o singular, devido àpresença da preposição ‘para’. Já “acercarse”não pode ir para o plural, uma vez que oauxiliar já está flexionado. Escrevo “As criançasdevem andar pela calçada”, não “devemandarem”. O primeiro flexionou, o segundonão flexiona.A questão número 2 está correta. Por“tomar emprestado” ser uma locução verbal,o verbo em forma nominal não flexiona. Sefosse um adjetivo, ele concordaria em gêneroe número com o substantivo.Em caso de dúvida, o gramáticoNapoleão Mendes de Almeida afirma:“Devemos limitar a flexão do infinitivoaos casos de real necessidade de identificaçãodo seu sujeito. Não verificada essanecessidade, deixemos intacto o infinitivo”.Celso Cunha cita Said Ali:“ ‘A escolha do infinitivo depende decogitarmos somente da ação ou do intuito ounecessidade de pormos em evidência oagente da ação.’ Trata-se, pois, de umemprego seletivo, mais do terreno da estilísticado que, propriamente, da gramática”.Então, quanto menos rígidos formoscom os infinitivos, melhor.Silviano Santiago. In: Intérpretes do Brasil, vol. I, Rio deJaneiro: Nova Aguilar, 2000 (com adaptações).1) O emprego do infinitivo flexionadoem “compreenderem” é opcional,assim como o infinitivo não flexionadoem “acercar-se” poderia sersubstituído por sua forma flexionada.Até a próxima!Claudia Simionato2) O emprego não flexionado de “emprestado”indica tratar-se aí de umaforma verbal de particípio e não deum adjetivo.35


<strong>SAPIENTIA</strong> INSPIRADEZ ANOS DE MINUSTAHO General Floriano Peixoto Vieira Neto, comandante das Forças Militares da Missão de Paz da ONU noHaiti entre 2009 e 2010, faz um balanço da participação brasileira no país caribenho na últiuma década.Por Anariá C. RecchiaO Brasil tem amplo histórico de participaçãoem missões de paz das Nações Unidas,embora a Carta da ONU não tenha previstooriginalmente esse tipo de operação. Sua basejurídica foi construída de forma consuetudinária,1com previsão no “Capítulo Seis e Meio” da Carta ,conforme afirmou o então Secretário-Geral DagHammarskjöld, ao ser indagado sobre a naturezada UNEF I (Primeira Força de Emergência dasNações Unidas em Suez/ 1956-67). Os princípiosde peacekeeping operations foram formalizadossomente na década de 1970.No contexto de reformulação dasatividades do Conselho de Segurança das NaçõesUnidas (CSNU) no pós-Guerra Fria, o Secretário-Geral Boutros Boutros-Ghali foi incumbido deanalisar os novos desafios internacionais e asrespectivas ações a serem tomadas pela organização.O documento “Uma Agenda para a Paz”(1992), resultante desses esforços, teve como focoas guerras civis, intraestatais, que se multiplicavamna ocasião. É desse período a criação do Departamentode Operações de Manutenção da Paz dasNações Unidas (DPKO), quando se intensificaramos debates sobre a necessidade de “consenso daspartes”. Nos anos 2000, após alguns revesessofridos pela ONU, como na Somália, Ruanda e emSrebrenica, o Secretário-Geral Kofi Annan solicitoua um grupo de peritos um estudo sobre asoperações de paz, resultando no relatórioBrahmini. As conclusões desse documento foramparcialmente adotadas em 2005, com a criação daComissão de Consolidação da Paz e do estabelecimentodo conceito de Responsabilidade de Proteger.Em 2009, a organização encomendou um novoestudo, intitulado “Novo Horizonte para as Missõesde Paz das Nações Unidas”, sobre as maioresdificuldades enfrentadas pelas missões dos diasatuais.O Brasil mantém a tradição de enviartropas para contribuir com a estabilização em regiõesda América Latina e de países lusófonos, em missõesbaseadas no Capítulo VI da Carta da ONU, cujosfundamentos são as soluções pacíficas de controvérsias,sem envolvimento da força. No primeirodecênio dos anos 2000, contudo, a interpretação dachancelaria brasileira em relação às operações depaz adicionaria ao conceito de não intervenção aideia de não indiferença. O discurso do entãochanceler Celso Amorim afirmava que o Brasilvinha assumindo responsabilidades crescentes nocenário internacional e que a elas não se furtaria.Nesse contexto, o Brasil aceita liderar a Missão dasNações Unidas de Estabilização no Haiti(MINUSTAH), estabelecida com base no CapítuloVII, a partir de 2004.Em 2014, a MINUSTAH completa dezanos. Para analisar a liderança brasileira na missãode paz, a Revista Sapientia entrevistou, em SãoPaulo, o General-de-Divisão do Exército BrasileiroFloriano Peixoto Vieira Neto, que ocupa atualmenteo posto de Comandante da 2ª Divisão de Exército.O General Floriano Peixoto esteve no Haiti em duasocasiões: em 2004, como chefe de operações doprimeiro contingente brasileiro enviado ao país, eentre abril de 2009 e abril 2010, quando liderou oComponente Militar da ONU no Haiti na condiçãode comandante das Forças Militares (ForceCommander).General Floriano PeixotoFoto: Arquivo Pessoal1. Relações Internacionais do Brasil, v. 2,orgs Lessa e Altemani; capítulo O Brasil e as Operações de Paz, autor Eugênio Diniz.36


Revista Sapientia: Em 2014, a MINUSTAHcompleta dez anos de operações no Haiti. Qualevolução podemos verificar ao longo desseperíodo?General Floriano Peixoto – Vejo, em termos decontribuição internacional – e o Brasil foi oprimeiro país a oferecê-la –, uma nação que, deuma situação calamitosa tornou-se um país pacificado,sob o controle das forças de segurançalocais, a Polícia Nacional do Haiti. E eu tive a honrade participar do primeiro contingente, integrandoa Brigada Brasileira de Força de Paz. A missão,constituída com a finalidade de estabilizar o Haitiao longo desta última década, foi, portanto, alcançada.Muito desse êxito deveu-se à participaçãodas Forças Armadas Brasileiras e do Brasil, nãosomente no oferecimento de tropas no contexto doesforço internacional de pacificação do Haiti, mas,também, no provimento de auxílio específico emdeterminadas circunstâncias. O mesmo pode serdito em relação a outras missões do passado, dasquais nosso país participou. É uma constataçãofactual de que o Brasil, no ambiente da ONU, emparticular, e no cenário internacional, em geral, émuito respeitado e tem um reconhecimento muitogrande pelos locais onde atua. Nossas tropas -tanto Exército, quanto Marinha e Aeronáutica - sãorequisitadas em qualquer ocorrência perigosaonde se necessite de um braço para estabilizarpacificamente uma região, ou mesmo com oemprego da força: o Brasil é sempre lembrado.Revista Sapientia: O senhor esteve duas vezesno Haiti, em 2004 e 2010. Que diferenças pôdeobservar entre esses dois períodos? Como asForças Armadas Brasileiras atuaram nessasduas fases?General Floriano Peixoto – O Brasil está inseridoem um contexto de participação internacional degrande amplitude no Haiti. Outros países tambémestabeleceram um modelo de cooperação paraque o país adquira condição de autossustentabilidade.Minhas percepções, baseadas nas duasoportunidades em que estive naquele país amigo,são muito diversas. Em 2004, o Brasil foi o primeiropaís que pisou no Haiti, como parte da MINUS-TAH, e a situação era caótica. Existia uma guerrainterna, entre gangues, ex-militares... Foi umperíodo de muita tensão e de considerável atritomilitar. Ao longo do tempo, nós estabelecemos asbases, que, inicialmente, eram só em PortoPríncipe, mas o cronograma de chegada dos demaiscontingentes internacionais nos levou para outrasoito em diferentes locais do Haiti. Com o passar dotempo, estabelecemos bolsões operacionaisbastante eficientes para combater e reprimir asgangues, desmantelando, definitivamente, suasestruturas e capturando seus líderes. A situaçãode estabilidade foi-se concretizando com as medidasde eficácia que tomamos. Podemos entãodizer que a pacificação do Haiti se estendeu até2008. A partir de 2009, a segurança já estavaconsolidada e, com isso, os investimentos externoscomeçaram a chegar ao Haiti. O paíscomeçou a recuperar sua confiança internacional,como nação estável, com todas as suas instituiçõesfuncionando plenamente, incluindo portos,aeroportos, hospitais, comércio, enfim, tudooperando normalmente, dentro de um ambienteseguro. Aí você imagina: subitamente, no dia 12 dejaneiro de 2010, às <strong>16</strong>h53, o país sofre aqueleabalo sísmico, que, nas palavras do ministro CelsoAmorim, “foi uma tragédia de dimensões bíblicas”,e o país retorna a uma condição muito mais degradadado que aquela que nós vivenciamos em2004. O fato é que o país começou a se reestruturarem 2010, muito por conta do componentemilitar da ONU, dentro do qual se inseria o Brasilcom uma força mais robusta em presença, porémcom um caráter preponderantemente humanitárioapós o terremoto, de recuperação emergencial.Isso demorou um tempo. Hoje, o país não estámais nesta situação emergencial e recupera acondição de autossutentabilidade, tanto no que dizrespeito à infraestrutura quanto na questão daformação de lideranças, para poder voltar a atrairinvestimentos internacionais e credibilidadeestrangeira. É bom salientar que o terremotodestruiu não só a infraestrutura, como tirou a vidade pessoas muito capacitadas para levar o paísadiante, com sua lucidez administrativa. Oterremoto ceifou o primeiro e o segundo escalõesdo governo e da administração pública. O paísteve, de 2010 até hoje, que se recompor. O Brasilse orgulha muito de ter aberto as portas para qualificaresses profissionais, para reassumir essasfunções que ficaram desprovidas de lideranças,por intermédio de cooperações bilaterais direcionadasà qualificação de administradores haitianos.Revista Sapientia: É notável que a atuaçãobrasileira, ao menos em Timor Leste, que éconsiderado um grande exemplo de êxito demissão de paz, seja pautada não só pelo peace-37


keeping, mas também pelo peacebuilding, ouseja, pela construção de escolas, pontes, estradas,etc. Além disso, é perceptível que o Exércitoacaba construindo uma relação culturalcom a sociedade local. Isso também ocorreu noHaiti? As tropas foram bem-vindas, mesmo apósdez anos de atuação e com possíveis desgastesnesse meio do caminho?General Floriano Peixoto – O soldado brasileiro émuito cuidadoso e respeitoso quanto à culturalocal, à população em geral, aos preceitosinternacionais em vigor, não só os da ONU, mastambém os do Direito Internacional Humanitário. Éextremamente respeitoso também em relação àsnormas de relacionamento consensualmentefirmadas pela sociedade, em qualquer circunstância,dentro e fora do Brasil. Nosso soldado épadrão de atuação em todas as circunstâncias emque atue, no país e no exterior, sobejamentereconhecido. Falo isso com a experiênciainternacional que eu tenho, não só no Haiti, masem outros países onde residi [o General foi AssessorMilitar Brasileiro junto à Academia Militar deWest Point, Estados Unidos da América]. Tenho,portanto, uma clara noção daquilo que falo emtermos de comparação e relatividade, principalmenteno que diz respeito a valores. Eu vi, no Haiti,cenas que me impressionaram muito, dedesprendimento do soldado brasileiro emoferecer à população mais necessitada parte desua alimentação, de seu vestuário civil, umdesprendimento enorme dentro daquela relatividadede condição que estava estabelecida entre osoldado e a comunidade. Isso não se desgastou,Foto: Arquivo PessoalGeneral Floriano Peixoto ao lado do secretário-­‐geral da ONU Ban ki-­‐moonmuito pelo contrário. Ao longo do tempo, a opiniãobrasileira foi-se consolidando e se fortalecendo noHaiti. Além do respeito conquistado, e nãoimposto, pelas tropas brasileiras, há também umelemento de identidade muito comum que sefirma entre haitianos e brasileiros, que é oelemento Foto: Arquivo cultural Pessoal presente na música, artes, etambém no grande propagador, que é o futebol. Ohaitiano torce para o Brasil em qualquercompetição. Ele tem o Brasil como segundapátria. Isso nos causou uma curiosidade muitoforte, pois, ao chegarmos lá em 2004, víamos, nasruas, bandeiras do Brasil, nomes de jogador defutebol em ônibus. Havia haitianos usando camisasdo Brasil. Quando houve a partida de futebolentre Brasil e Haiti, que nós organizamos, foi umafesta nacional, celebrada até hoje como um dosmaiores eventos da vida haitiana contemporânea.Há, portanto, uma identidade culturalmuito forte entre aquilo que nós cultuamos aqui noBrasil e o que o haitiano também cultua, lá. Essaidentidade serve para fortalecer e consolidar areputação do Brasil. As Forças Armadas são vistascomo as instituições nacionais de maior grau decredibilidade e reputação, e, em determinadamedida, esse conceito se repete no exterior. Emnenhum momento, nesses dez anos, tivemosqualquer deslize da tropa, em termos de desrespeitoa cultura local, normas em vigor e a populaçãohaitiana, assim como em relação aos demaisrepresentantes da comunidade internacional empresença. Nenhum caso registrado.Revista Sapientia: Como se chegou a essesoldado padrão? Que tipo de treinamento éoferecido antes de eles embarcarem para outropaís?General Floriano Peixoto – Do soldado aogeneral, o traço característico que identifica essapostura militar não é exclusivo do militar, é próprioda cultura brasileira. O povo brasileiro é extremamentesolidário, respeitador. Aquela ideia que setem, às vezes, do brasileiro brincalhão não seobserva em situações reais, de extrema necessidade.O brasileiro é um povo sério, desprendido eextremamente solidário. Isso nos foi legado pelaprópria formação da nacionalidade, desde osprimórdios de nosso descobrimento, e se forjou,ao longo dos anos, com essa miscigenação deraças que tão espetacularmente define o caráternacional de todos nós. Chegamos ao que somos.Isso agrada muito à ONU, em tarefas de pacificaçãode regiões, porque sabe que a tropabrasileira atua com seu braço forte, na medidacerta, nunca aplicando a força além do estritamentenecessário, mas também com uma mãoamiga, que oferece ajuda sempre que preciso.Além dessa condição original, há que se destacaro trabalho de elevadíssima qualidade tradicionalmenteconduzido pelas Forças Armadas nopreparo de seus recursos humanos, para atender38


Foto: Arquivo PessoalGeneral Floriano Peixoto ao lado do ex-­‐Presidente Lula no Haitiàs determinações constitucionais. Em respeito àcapacitação dos futuros peacekeepers, cabesalientar o trabalho realizado em nosso CentroConjunto de Operações de Paz do Brasil(CCOPAB), sediado no Rio de Janeiro, por umperíodo de seis meses para cada contingente,antecedendo ao desdobramento no país quehospeda a missão de paz. Nesse centro, seguimostodos os modelos de preparo preconizados pelaONU e acrescentamos outros, decorrentes denossa experiência nas inúmeras missões de pazcontabilizadas pelo Brasil, além do intercâmbiofirmado com outros países, nesse particular.Revista Sapientia: Como foi o episódio do terremoto?General Floriano Peixoto – Nós tivemos a tristezade perder vários militares brasileiros, não só tropa,como Estado-Maior. Só para você ter uma ideia, oprimeiro terremoto, do dia 12/01, durou 30 segundos,e o prédio onde ficava o quartel-general damissão da ONU ruiu em quatro segundos,portanto, sem nenhuma possibilidade de escape.Morreram mais de cem funcionários da ONU,entre os quais vários brasileiros. Mas, mesmo comas baixas, o componente militar não foi abalado.Pelo contrário, desde os primeiros minutos,prestamos socorro às pessoas soterradas, àlimpeza de rua e aos feridos. Montamos, na basebrasileira, uma enfermaria, para atender haitianos.Foi uma situação muito difícil, mas que teve umaresposta imediata de todos os contingentes, emespecial do brasileiro, que, por possuir umnúmero maior de tropas, ocupava uma área maisexpandida e tinha, portanto, condições de receberferidos em maior quantidade. Em curto espaço detempo, a Força Aérea Brasileira deslocou para oHaiti o seu hospital de campanha, que foi deimportância fundamental para o atendimentoemergencial. Para se ter uma ideia, sete horasapós o pouso da aeronave C-130, que levou para oHaiti o hospital de campanha, já estávamos fazendoa primeira cirurgia. E lá o hospital ficou por váriosmeses. Ao final, o centro cirúrgico passou a sermenos utilizado, mas a Força Aérea mantevemédicos especialistas para atender em clínicas.Esse apoio foi fundamental, complementandooutros esforços da ONU que já existiam, como ohospital argentino e outros de Porto Príncipe, mascuja capacidade não era tão grande quanto à doBrasil.Foto: Arquivo PessoalSoldados brasileiros no HaitiRevista Sapientia: O senhor acha que existe umamudança no eixo de poder nas Américas, oumesmo mundial, devido ao declínio relativo dopoderio norte-americano em detrimento deoutras potências em ascensão? O senhoracredita que o Brasil tenha o poder decapitalizar sobre sua atuação em missões depaz, como a do Haiti?General Floriano Peixoto – Essa é uma perguntaque não me cabe falar na posição que ocupo,como Comandante da 2ª Divisão de Exército, poisse refere ao eixo diplomático brasileiro, tão bemconduzido pelo Ministério das Relações Exteriores.Mas não entendo a relatividade internacionalsul-americana em termos de eixo de poder. Nãotemos e nunca tivemos uma perspectivahegemônica. O relacionamento que temos com ospaíses da América do Sul é o melhor possível, semqualquer área de conflito. Toda nossa fronteira foiconsolidada por tratados, sem ocorrência deguerras, há muito tempo. O que eu vejo hoje emdia é a consolidação do papel do Brasil como umparceiro de grande importância para todos ospaíses com que se relaciona, dentro ou fora daesfera subcontinental. É um posicionamentonatural. Essa condição, aliada à credibilidadeadquirida ao longo dos tempos nas parceriasfirmadas pela ONU para a solução pacífica deconflitos, sempre colocará o Brasil como um país aser lembrado em circunstâncias difíceis, ao ladode outras nações que, da mesma forma, têmemprestado contribuição à paz mundial.39


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