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ABORDAGEM ETNOBOTÂNICA NA COMUNIDADE DE ...

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Núm. 31: 169-197Marzo 2011species Copaifera langsdorffi i Desf., Aspidospermapolyneuron Muell. Arg., Hymenaeastignocarpa Mart., Diptychandraaurantiaca Tul., Cariniana rubra Gardnerex Miers and the families Mimosaceae, Bignoniaceae,Caesalpiniaceae, Fabaceae andSapindaceae. The results showed that peopleare knowledgeable about plant diversity inthe landscape units of the countryside.Key words: ethnobotany, plants, Conceição-Açu.RESUMOO presente trabalho tem como objetivo realizaro levantamento etnobotânico de plantasclassificadas em diferentes categorias de usona comunidade de Conceição-Açu, no municípiode Cuiabá, MT e estimar o valor de usodas espécies botânicas em matas de galeria.Entrevistas estruturadas e semi estruturadase o uso do questionário foram aplicadosem residentes adultos de ambos os sexos.Identificou-se as unidades de paisagem:quintais, roças, hortas e matas de galeria,e identificadas 180 espécies. A maioria dasespécies foi coletada durante a entrevistae depositadas no Herbário da UFMT. Nosquintais das residências identificou-se 86espécies, pertencentes a 43 famílias, amaioria cultivada e utilizada como alimento(48%) e como remédio (45%). Nas roças osprincipais cultivos são: Manihot esculentaCrantz. (100%), Carica papaya L. (76%),Musa paradisiaca L. (71%), Saccharumoffi cinarum L. (57%). Na mata de galeriadestacou-se a categoria medicinal (65%),com as espécies: Copaifera langsdorffiiDesf., Aspidosperma polyneuron Muell.Arg., Hymenaea stignocarpa Mart., Diptychandraaurantiaca Tul., Cariniana rubraGardner ex Miers e as famílias botânicasMimosaceae, Bignoniaceae, Caesalpiniaceae,Fabaceae e Sapindaceae. Os resultadosmostram que a população ao referir ascategorias de uso das plantas expressam oconhecimento sobre a diversidade vegetalnas unidades de paisagem rural.Palavras-chave: etnobotânica, plantas,Conceição-Açu.INTRODUÇÃOO cerrado brasileiro apresenta uma biodiversidadeque oferece distintas possibilidadespara um aproveitamento sustentável, comoenfatizam Guarim Neto et al. (2000). Logo,os recursos vegetais assumem uma importânciadecisiva nesse processo, pois, atravésdos séculos, a sua utilização por gruposhumanos tem fornecido elementos primordiaispara a manutenção da vida humana emesmo de todos os outros organismos quehabitam essas áreas.O conhecimento específico sobre o uso deplantas é o resultado de uma série de influênciasculturais, como a dos colonizadoreseuropeus, dos indígenas e dos africanos.Os descobrimentos e a conquista de novasterras por parte dos colonizadores tiveramdiversas conseqüências. Uma delas, talveza mais notável, tenha sido o fato de quemuitas plantas hoje empregadas na medicinapopular, foram introduzidas no inícioda colonização do Brasil. Não só plantasmedicinais estiveram envolvidas nessemovimento de plantas entre os continentes,mas também muitas hortaliças (Almeida &Albuquerque, 2002).A etnobotânica tem como o objetivo a buscade conhecimento e resgate do saber botânicotradicional, particularmente relacionado170


Pasa, M.C.: Abordagem etnobotânica na comunidade de Conceição-açu. Mato Grosso, Brasilao uso dos recursos da flora. Os estudosetnobotânicos indicam que a estrutura decomunidades vegetais e paisagens é sempreafetada pelas pessoas, tanto sob aspectosnegativos, como beneficiando e promovendoos recursos manejados. Os seres humanosagem como agente seletivo para plantas,alterando ciclos de vida, padrões de mortalidade,reprodução e sobrevivência de suaspopulações, bem como modificando e tirandovantagens das defesas químicas para seubenefício (Ferraz et al., 2006). Nesse contexto,a investigação etnobotânica pode desempenharfunções de grande importância,como reunir informações acerca de todos ospossíveis usos das plantas, contribuindo parao desenvolvimento de novas formas de exploraçãodos ecossistemas que se oponhamàs formas destrutivas vigentes.Para Galeano (2000), somente nas últimasdécadas o desenvolvimento e aplicaçõesde métodos quantitativos na etnobotânicareceberam maior atenção. Phillips & Gentry(1993a) buscaram abordagens quantitativase estatísticas para os dados de levantamentosetnobotânicos, de forma a proporcionar ouso de testes de hipóteses e de técnicas deestimativas de parâmetros, ao mesmo tempoque defenderam a adoção do valor de usocomo uma variável quantitativa capaz derefletir a importância de cada espécie. Aindapara Galeano (2000), é importante quea avaliação do valor de uso seja feita porcategorias de uso para que assim reflita omanejo aplicado pela comunidade à florestae possibilite identificar as espécies objeto decoletas destrutivas.A abordagem sobre a utilização, a manutençãoe a conservação de tais recursos édiscutida na literatura, e, sobre esse aspecto,entre outros, autores como Martin (1995),Alexiades (1996), Amorozo (2000), Albuquerque& Andrade (2002) têm oferecidouma contribuição valiosa, enfocando ocontexto etnobotânico nos mais diversosespaços geográficos do país, bem como a relaçãoque se estabelece entre as populaçõeshumanas, o ambiente e seus recursos.Em Mato Grosso desvelar o universo do etnoconhecimentoem uma população humanaé sem sombra de dúvidas uma tarefa gratificantee resgatar, através da etnobotânica,os conhecimentos acumulados através degerações revelam uma pluralidade cultural,biológica, social que, no caso específico dosestudos de recursos vegetais, volta-se para apotencialidade da flora (Macedo et al., 2004,Pasa et al., 2004, 2005 e Pasa 2007, 2008;Guarim Neto & Carniello, 2008, Moraiset al., 2009), especificamente das plantascom diversificadas formas de uso, que sedistribuem para compor as etnocategorias(as êmicas), oriundas do saber local (Geertz,2000) instalado, decodificadas por meio dacientificidade (as éticas).Este estudo tem como objetivo catalogar,sistematizar e analisar, de forma integrada,o conhecimento etnobotânico que os moradoresrurais da comunidade de Conceição-Açu possuem a respeito da flora local, bemcomo a utilização desses recursos vegetaise a dinâmica que move a interação homemplanta.MATERIAL E MÉTODOSÁrea de estudoA comunidade rural de Conceição-Açu estásituada na Baixada Cuiabana, no Municípiode Cuiabá, MT. A área localiza-se a 45 kmao sul de Cuiabá, na alta bacia do rio Aricá171


Núm. 31: 169-197Marzo 2011Açu, afluente do rio Cuiabá (região de APAconforme Decreto Estadual de 27/11/1995).Delimitada pelas coordenadas geográficas15º 30’ e 15º 40’ S e 55º 35’ e 55º 50’ W pertenceà Microregião de Cuiabá e Mesoregião– Centro Sul Mato-grossense (Radambrasil,1982) (Fig. 1).Segundo a classificação climática deKöppen, domina na área um sistema declima pertencente ao Grupo A (Clima TropicalChuvoso). O tipo climático é dominantementeo Aw, caracterizado por ser umclima quente e úmido com duas estaçõesdefinidas, uma estação chuvosa (outubro amarço) e outra seca (abril a setembro), quecoincide com o inverno. As precipitaçõesmédias anuais registram em torno de 2000mm e as temperaturas médias são altas eregulares durante o ano, com médias anuaisde 23ºC a 25ºC. Há um declínio poucosensível nos meses de julho e agosto. Amédia das máximas fica entre 30ºC e 32ºCsem grandes oscilações durante o ano, emboraas mínimas decresçam no inverno e anoite. A formação vegetal predominante é ocerrado, com a presença de floresta decíduana encosta dos morros, com paredões e afloramentoscalcáreos representados pela Serrade Chapada dos Guimarães e mata de galeriaao longo dos rios (PCBAP, 1997).A área de estudo é banhada pelos mananciaishídricos da porção alta e margem esquerdada microbacia do rio Aricá-Açu, potencialhídrico da região, caracterizado como umrio de 3ª ordem, conforme classificação deStrabler & Strabler (1989). Seus afluentes,caracterizados como de menor porte, sãorepresentados pelos rios e córregos denominadosAguaçu, Claro, Glória, Conceição,Tamanduá, Piancó, Barrero, entre outros.O rio Aricá Açu possui uma extensão deaproximadamente 112 km e a porção alta dabacia que representa a área de estudo possui31 km e uma área de aproximadamente 413km 2 ( Laboratório de Cartografia da UFMT,2007).A região apresenta solos minerais não hidromórficos,com horizonte B, do vermelho aoamarelo, de textura média à argilosa, de poucoprofundo a profundo, podendo ser bemdrenado ou imperfeitamente drenado e relevoondulado, forte ondulado e montanhoso;a unidade típica de paisagem é de savanacom mata de galeria (PCBAP, 1997).Embora a região localizada não muito distanteda área urbana, o que não impede apenetração das concepções do mundo atual,influenciadas pelo meio social circundantesob a força da urbanização que avança emdireção à area rural de forma acelerada, aindaé visível as atividades econômicas comoagricultura familiar, fabricação de farinhade mandioca, pesca, caça, somente paraconsumo da familia ou a troca de excedentes(produtos coletados e/ou cultivados) dentroda comunidade ou entre familiares.METODOLOGIAOs dados foram coletados entre outubrode 2001 a dezembro de 2002 e julho de2007, com freqüência de visitas semanais.A coleta dos dados etnobotânicos se deu naspropriedades rurais da comunidade Conceição-Açu,pertencentes ao município deCuiabá. O referencial metodológico seguiuos presupostos da etnobotânica (Martim,1995, Alexiades, 1996). Utilizou-se formulário,observação participante, entrevistassemi-estruturadas (Minayo, 1994) para obtençãode características sócio-econômicasdos informantes, características botânicas172


Pasa, M.C.: Abordagem etnobotânica na comunidade de Conceição-açu. Mato Grosso, BrasilFig. 1 . Localização da área de estudo. Fonte: Laboratório de Cartografia/UFMT.2003.173


NspiPasa, M.C.: Abordagem etnobotânica na comunidade de Conceição-açu. Mato Grosso, Brasilonde, Uspi é o número de usos mencionadospor informante i por espécie sp em cadaevento, e nspi é o número de eventos como informante i por espécie sp.b. O valor de uso global de cada espécie(VUsp), dado como:VUsp =∑ VUspi--------------nsonde, ns é o numero de informantes entrevistadospor cada espécie.RESULTADOS E DISCUSSÃOCaracterização sócio-econômica dosentrevistadosNum universo de 24 familias (90 pessoas)que compõe a população da comunidaderural local foram entrevistados 59 individuosadultos. Dos entrevistados, cerca de 52% sãohomens e 48% são mulheres. Em média, osentrevistados tem 55 anos de idade. Todosos entrevistados são agricultores (n = 59),mas também desempenham outras atividades.Do total de mulheres entrevistadas (n =28), cerca de 90% trabalham no cultivo deplantas (agricultura familiar) e também responsáveispelos cuidados com a casa e 10%são aposentadas. Dos homens entrevistados(n = 31), cerca de 85% exercem atividadesrurais como principal fonte de renda familiare outros 15% são aposentados.Quanto a escolaridade a maioria dos entrevistadoscursou no máximo até a 4 a série doensino fundamental e 45% não possui escolaridade.A dificuldade de acesso a escolaalgumas decadas atrás e a lida na roça desdea infância são os fatores que contribuirampara a reduzida taxa de escolaridade. Comrelação a posse de terra, cerca de 90% sãoproprietários da terra que ocupam, tanto paramoradia quanto para cultivo de plantas ecriação de animais, como gado, por exemplo.Algumas caracteristicas ainda fazem comque a região estudada seja considerada comoo reduto das etnias de negros e índios daBaixada Cuiabana ( Pasa et al., 2004, Pasa,2007, Guarim Neto et al., 2008, Morais etal., 2009). Essa região de tradição rural, arelação com a terra baseia-se na produçãode subsistência e troca do excedente, utilizandobasicamente a mão-de-obra familiar.A sociabilidade constrói-se em torno dascomunidades rurais e da ajuda mutua entrevizinhos e parentes, o que, segundo Candido(1964), caracteriza a sociedade caipira tradicional,onde a “cultura caipira” é analisadacomo um modo de vida próprio das antigaspopulações interioranas do Estado de SãoPaulo, em geral mesticos de brancos comindios. Os dados do censo demografico(IBGE, 2006) reafirmam esta forte ligaçãocom a terra, pois na comunidade a maioriados moradores reside no local há mais detrinta anos. Estes dados nos levam a inferirque existe uma resistência por parte da populaçãorural, que insiste em permanecer emseu local de origem.As Unidades de PaisagemA organização espacial da região muito sedeve às características ambientais e as relaçõessociais construídas e reconstruídas aolongo da história de ocupação e de trabalhovividas pela população local. Na região,diríamos que, pelo menos, quatro ambientesecológicos são imediatamente percebidos:roça, quintal, horta e mata de galeria.175


Núm. 31: 169-197Marzo 2011As roçasA formação desse espaço geográfico produtivoe reprodutivo está montado sobreum cenário que levou décadas para emergirdas bases da organização social, política eétnica na região.As roças representam os espaços de produçãoagrícola cuja formação ocorre nas áreasabertas no interior da vegetação natural,principalmente com a derrubada da mataripária ou nas bordas do campo cerradofazendo limite com as matas.As áreas de manejo agrícola são representadaspelas unidades familiares. As atividadesagrícolas praticadas pelos moradoresrurais são, principalmente, as culturas decana-de-açúcar, mandioca, banana, mamão,melancia, milho e feijão. A agricultura desubsistência, nessa região, é consideradaatividade fundamental, sendo diversificadanas unidades de produção familiar da comunidade.Identificou-se nas roças locais umnúmero mínimo (3) de cultivos agrícolasManihot esculenta Crantz. (mandioca), Caricapapaya L. (mamão), Musa paradisiacaL. (banana) e um máximo (7) sendo Phaseolusvulgaris L. (feijão preto), Zea mays L.(milho), M. esculenta Crantz (mandioca),M. paradisiaca L. (banana), C. papaya L.(mamão), Citrullus vulgaris L. (melancia) eSaccharum officinarum L. (cana-de-açúcar).Como a produção agrícola está baseado namão-de-obra familiar alguns cultivos encontram-seretraídos. Especificamente é caso doZea mays L. e Phaseolus vulgaris L., sendoque 14 % dos moradores ainda se dispõem aplantar e do Oryza sativa L. 9.5%, mas nãoem todos os anos. A retração na produçãodesses cultivos é justificada pela redução damão-de-obra familiar, geralmente dos filhosque saíram para estudar ou em busca de outrasatividades de natureza não rurais.Foi registrado um total de 12 produtos cultivados,e entre eles a M. esculenta Crantz.constitui o cultivo principal (Tabela 1) ecaracteriza-se como uma exploração tipicamenteregional, sem fins de comercialização.Dados semelhantes foram reportados emSanto Antônio do Leverger (MT) (Amorozo,2000) e entre os caiçaras da Mata Atlântica(Begossi, 2001). O processamento domésticoda mandioca para a produção de farinha éde pequena escala e artesanal, apenas para oconsumo familiar, sendo o método tradicionalo manejo que vigora na comunidade.Dados semelhantes destacam Albuquerque& Andrade (2002) em estudos no agrestePernambucano afirmando que a comunidaderural depende de várias atividadesprodutivas, dentre as quais predomina umaeconomia de subsistência baseada no cultivode feijão (Phaseolus vulgaris L.), milho (Zeamays L.), mandioca (Manihot esculentaCrantz), e de algumas fruteiras como a pinha(Annona squamosa L.) e a goiaba (Psidiumguajava L.). Grandes áreas são cultivadascom a palma forrageira (Opuntia fi cus-indicaMill.) para a alimentação de animais ecoleta de frutos para consumo humano. Oslocais de cultivo geralmente estão na áreadas casas, aqui denominadas de unidadesprodutivas. O plantio em geral é feito nasprimeiras chuvas que geralmente caem nosmeses de abril a junho. No entanto, os pequenosagricultores podem perder a colheita,principalmente nos anos caracterizados pelabaixa precipitação pluviométrica.A área de plantio diversificado nas roças deConceição-Açu varia de 0,4 ha até 2 ha porunidade familiar. As atividades referentes à176


Pasa, M.C.: Abordagem etnobotânica na comunidade de Conceição-açu. Mato Grosso, BrasilTabela 1. Frequencia dos cultivos nas roças das propriedades rurais. Conceição Açu,Cuiabá, MT.Nº de Propriedades Espécie Freqüência (%)24 Manihot esculenta Crantz. 10019 Carica papaya L. 80.018 Musa paradisiaca L. 75.018 Citrus aurantium L. 75.018 Citrus limonum Osbeck 75.015 Saccharum officinarum L. 62.014 Citrullus vulgaris L. 58.013 Ipomoea batatas L. Lam. 55.006 Zea mays L. 25.006 Ananas comosus (L.) Merril 25.006 Phaseolus vulgaris L. 25.005 Oryza sativa L. 20.0roça não apresentam grandes distinções nadivisão sexual do trabalho, sendo que 10%do total das propriedades (24) na região sãoadministradas somente por mulheres. Oscuidados dispensados à manutenção das lavourasenvolvem a limpeza constante da áreade plantio, a qual é executada com freqüênciadiária, que varia de uma a duas vezes.Ainda, em relação aos cuidados dispensadosàs roças é importante registrar a presença dafauna (Tapirus terrestris, Dasyprocta aguti,Agouti paca, Hydrochaerus hydrochaeris,Mazama gouazoubira, Dusycion vetulus,Tayassu tajacu, Euphactus sexcinatry etc)na época da seca. Este comportamentoconstitui-se um padrão sazonal resultanteda ação conjunta de fatores climáticos eecológicos que se traduz pela diminuiçãoou mesmo falta de alimentos nas matas degaleria da região, representando uma somade habitats de borda.Para manter o estoque genético das espéciesplantadas nas roças, as sementes são obtidas,geralmente, na propriedade. A troca, entreparentes e vizinhos, constitui uma práticabastante comum na região, não sendo comuma compra de sementes ou mudas deplantas.Os moradores da comunidade são simplese trabalham sem equipamentos modernosnas atividades das produção agrícola local.Encontram-se limitados pela escala de produçãoimposta pelo tamanho da propriedade,que são pequenas, e pela falta de infra-estruturae mão-de-obra. Assim, usam a estratégiade manter a produção diversificada a qual é177


Núm. 31: 169-197Marzo 2011percebida como uma técnica aprimorada queconta com a força da mão-de-obra familiarcomo uma atividade locus de produção esobrevivência da família. É comum entre osmoradores de Conceição-Açu o uso dos recursosnaturais como insumos, expressandouma tecnologia própria e pertinente para aforma de trabalho agrícola local. O estercode animais domésticos e restos de alimentossão usados como adubo em 80% das propriedades(24) da comunidade. As técnidasrotação de cultura e plantio consorciado sãoexecutadas em 17 e 13 das propriedades ruraislocais, respectivamente. Em termos deconservação dos recursos vegetais a práticado pousio na formação das roças constituiuma estratégia que visa a ressignificação dafertilidade da terra para novos plantios.Os quintaisOs sistemas de quintais agro-florestais sãoconhecidos também como hortos caseirosonde ocorre o uso da terra em propriedadeparticular, na qual vária espécies de árvoressão cultivadas juntamente com culturasperenes e anuais e, ocasionalmente, criaçãode pequenos animais ao redor da casa(Wiersum, 1982).Outro espaço que colabora para a subsistênciada família é o quintal, que exerceconsiderável papel econômico na vida daspessoas. Em geral, os quintais de Conceição-Açulocalizam-se atrás das residências,sendo de tamanho suficiente para atender ademanda familiar; são constituídos por espéciesperenes e uma riqueza de espécies quepermite a produção ao longo do ano. Alémdisso, os quintais possuem uma coberturavegetal diversificada sobre o solo. A produçãovegetal dos quintais e hortas na regiãopode ser dividida em espécies (1) frutíferas,(2) hortaliças e (3) medicinais. Todas as residências(24) possuem um quintal que serve,entre outras funções, como fonte de alimentoe de remédio. É através da produçãohortifrutífera dos quintais que a população(1) mantém a baixa dependência de produtosadquiridos externamente, porque os quintaissão aptos para fornecer produtos para usolocal bem como contribuir para a economiaregional através dos produtos que este espaçooferece; (2) ocasiona impactos mínimossobre o ambiente, ao desempenhar váriasfunções ecológicas, incluindo benefícioshidrológicos, modificações microclimáticase controle da erosão do solo; (3) conservaos recursos vegetais e a diversidade cultural,fundamentada no saber e na cultura dosmoradores locais, recebendo um tratamentoespecial ao ser utilizado como espaço paraatividades variadas como: trabalho, encontros,festas, rezas e cerimônias; (4) utiliza osinsumos naturais (dejetos animais, restos devegetais, folhas , raízes, cinza) como adubonatural nas hortas e quintais para garantir aboa produção de subsistência.Foram encontradas 83 espécies nos quintaisdas residências (24) e representadas por 43famílias botânicas (tabela 2). A maioria dasespécies foi registrada praticamente emtodos os quintais das residências. As categoriasde uso das plantas nos quintais queforam citadas pelos informantes refletem ademanda das necessidades básicas de cadafamília, ou seja, alimentação, medicinal,ornamental, lenha, fibra, utensílios e cerimoniais,refletindo a influência cultural dapopulação local (índios e negros) na seleçãode espécies introduzidas na unidade depaisagem quintal.A categoria de uso alimentar representou48% das espécies e estão presentes em todos178


Pasa, M.C.: Abordagem etnobotânica na comunidade de Conceição-açu. Mato Grosso, BrasilTabela 2. Espécies existentes nos quintais de Conceição Açu, Cuiabá, MT. Usos:Al = Alimento; Re = Remédio; Or = Ornamental; Ot = OutrosEspécie Nome Vulgar Família UsosPersea americana Mill. Abacate Lauraceae AlAnanas comosus (L.) Merril Abacaxi Bromeliaceae AlCucurbita pepo L. Abóbora Cucurbitaceae Re, AlMalpighia glabra L. Acerola Malpighiaceae AlLactuca sativa L. Alface Asteraceae AlGossypium herbaceum L. Algodão Malvaceae ReChicorium endivia L. Almeirão Asteraceae AlMorus nigra L. Amora Moraceae AlArtemisia absinthium L. Atermije, losna Asteraceae ReRuta graveolens L. Arruda Rutaceae Re,OtVernonia ferruginea Less. Assa-peixe Asteraceae ReAdiantum sp. Avenca Adiantaceae OrAlloe vera L. Babosa Liliaceae ReMusa parasidiaca L. Banana Musaceae AlIpomoea batatas L. Lam. Batata- doce Convolvulaceae AlBegonia sp. Begônia Begoniaceae OrColeus barbatus (Andrews) Boldo Lamiaceae ReBenth.Brachiaria sp. Braquiária Poaceae OrCereus sp. Cacto Cactaceae OrCoffea arabica L. Café Rubiaceae AlVernonia polianthes L. Caferana Asteraceae ReSpondias dulcis L. Cajá-manga Anacardiaceae Re,AlAnacardium occidentale L. Caju Anacardiaceae AlMatricaria chamomilla L. Camomila Asteraceae ReSaccharum officinarum L. Cana-de-açúcar Poaceae AlBambusa vulgaris L.Cana-taquara, PoaceaeAltabocaCymbopogum citratus L. Capim -cidreira Poaceae Re,OrJacaranda semiserrata C. Carobinha-docampoBignoniaceae ReBaccharis trimera (Less.) DC. Carqueja Asteraceae ReAllium choenoprasum L. Cebolinha Liliaceae AlDaucus carota L. Cenoura Apiaceae AlCoriandrum sativum L. Coentro Apiaceae AlCocos nucifera L. Coco-da-Bahia Arecaceae Al,OrAlpinia speciosa Schum. Colônia Zingiberaceae ReDieffenbachia picta Schott. Comigoninguém-podeAraceaeOr,OtSymphytum officinale L. Confrei Boraginaceae Re179


Núm. 31: 169-197Marzo 2011Tabela 2. Continuación.Espécie Nome Vulgar Família UsosBrassica oleracea L. Couve Brassicaceae AlLipia alba (Mill.) N.E. Brown Erva-cidreira Verbenaceae RePolygonum acre Lam. Erva-de-bicho Polygonaceae ReSansevieria cylindrica Hort Espada-São- Liliaceae Or,OtJorgeSpathodea campanulata P. Espatódea Bignoniaceae OrBeauv.Spinacea oleracea L. Espinafre Chenopodiaceae AlEucalyptus spp Eucalipto Myrtaceae Re,OrCassia occidentale L. Fedegoso Leguminosae ReZingiber officinalis Rosc. Gengibre Zingiberaceae ReSesamum indicum DC Gergelin Pedaliaceae AlPsidium guajava L. Goiaba Myrtaceae Al,OrPetiveria alliacea L. Guiné Phytolaccaceae Re,OtMentha piperita L. Hortelã Lamiaceae ReMyrciaria cauliflora (DC) Berg. Jaboticaba Myrtaceae AlArtocarpus integrifolia L.f. Jaca Moraceae AlGenipa americana L. Jenipapo Rubiaceae AlStachytarpheta augustifolia Jervão Verbenaceae ReLopez-PalaciosSolanum aff. lycocarpum A. Jurubeba Solanaceae ReSt.-Hil.Citrus aurantium L. Laranja Rutaceae Al,OrCitrus limetta Risso Laranja-lima Rutaceae Al,OrCitrus limonum Osb. Limão Rutaceae Re,Al,OrCarica papaya L. Mamão Caricaceae AlManihot esculenta Crantz. Mandioca Euphorbiaceae AlMangifera indica L. Manga Anacardiaceae Al,OrPassiflora edulis Sims Maracujá Passifloraceae Re,Al,OrAchyrocline satureoides (Lam.) Macela Asteraceae ReDC.Chenopodium ambrosioides L. Mastruz Chenopodiaceae ReCucumis melo L. Melão Cucurbitaceae AlZea mays L. Milho Poaceae AlEncyclia sp. Orquídea Orchidaceae OrCucumis sativus L. Pepino Cucurbitaceae AlMentha pulegium L. Poejo Lamiaceae RePhyllanthus niruri L. Quebra-pedra Euphorbiaceae Re180


Tabela 2. Conclusión.Pasa, M.C.: Abordagem etnobotânica na comunidade de Conceição-açu. Mato Grosso, BrasilEspécie Nome Vulgar Família UsosPunica granatum L. Romã Punicaceae Re,OrEruca sativa Mill. Rúcula Brassicaceae AlSambucus nigra L. Sabugueiro Caprifoliaceae RePetroselinum crispum (Mill.) Salsa Apiaceae AlNymanSmilax sp. Salsaparrilha Smilacaceae RePolypodium sp.Samambaia-dobrejoPolypodiaceae OrTerminalia cattapa L. Sete-copas Combretaceae OrColocasia esculenta L. Taioba Araceae ReTamarindus indica L. Tamarindo Leguminosae AlLycopersicum esculentum Mill. Tomate Solanaceae Re,AlBactris glaucescens Drude Tucum Arecaceae ReBixa orellana L. Urucum Bixaceae AlCereus peruvianus Mill. Urumbeba Cactaceae OrScoparia dulcis L. Vassourinha Scrophulariaceae Re181


Núm. 31: 169-197Marzo 2011os quintais, com destaque para as frutíferas,sendo as mais freqüentes Mangifera indicaL. (manga), Anacardium occidentale L.(caju), Psidium guajava L. (goiaba), Citrusaurantium L. (laranja) e Citrus limonumOsbeck (limão) entre outras. Dados semelhantesforam registrados nas comunidadesde Varginha, Barreirinho e Morro Grande noMato Grosso por Amorozo (2000).A categoria de uso ornamental representou25% do total das espécies usadas pela população.As famílias Rutaceae, Myrtaceae,Cactaceae e Poaceae foram as mais freqüentesnessa categoria. Mais da metade dasespécies utilizadas como ornamentais sãotambém consideradas alimentícias, como éo caso da Mangifera indica L., Myrciariacaulifl ora (Mart.) O. Berg., Anacardiumoccidentale L., Citrus aurantium L. e Citruslimonum Osbeck, destacando-se comoimportantes elementos estruturais nessaunidade de paisagem.Espécies como Ruta graveolens L. (arruda),Dieffenbachia picta Schott. (comigo-ninguém-pode),Sansevieria trifasciata Hort.(espada-de-São Jorge) e Petiveria alliaceaL. (guiné) foram referidas como de “proteção”baseado no uso em crenças e ritosespirituais, representando as espécies usadasnos “cerimoniais religiosos”.A categoria medicinal representa 45% dasespécies usadas pela população e as famíliasmais freqüentes foram Asteraceae, Lamiaceae,Liliaceae, Solanaceae e Verbenaceae.As espécies medicinais mais freqüentesforam Coleus barbatus (boldo), Baccharistrimera (Less.) DC (carqueja), Artemisiaabsinthium L. (atermije), Chenopodium ambrosioidesL. (mastruz), Mentha pulegiumL. (poejo), Phyllanthus orbiculatus Rich.(quebra-pedra), Symphytum offi cinale L.(confrei), Matricaria recutita L (camomila),Cymbopogum citratus L. (capim-cidreira),entre outros. Resultados semelhantes foramencontrados por Guarim Neto & Carniello(2008), Pasa et al. (2004, 2005, 2006), Pasa(2007); Borba et al. (2006) e Berg (1980).Algumas destas espécies, na sua maioriaherbáceas, possivelmente foram introduzidaspor imigrantes, devido à sua facilidadede transporte de uma região para outra.Das plantas usadas como medicinais 37espécies foram indicadas para tratamentode 29 doenças, como: inflamação do útero,inflamação do ovário, febre, dor de cabeça,abortivo, diurético, úlcera, gastrite, tontura,derrame, pressão alta, vômito, diarréia,tosse, gripe, hemorróida, vermes, azia, varizese fraturas (tabela 3). A parte da plantausada como remédio que obteve o maiorpercentual foi a folha (69%), seguida daflor (5.5%), raiz (5.5%), sumo, casca docaule, fruto, semente e bulbo (2.8% cadauma). Entre as formas de preparo, a maisexpressiva é o chá (81%), outras formastambém foram relatadas como infusão,compressas, banhos, macerado, emplastroe ao natural.O uso das plantas como remédio destacao sistema digestório com 25% para o tratamentode indigestão, prisão de ventre,diarréia, dores estomacais e fígado, seguidopelas doenças ocasionadas por infecção eparasitas com 17%, aparelhos circulatório egeniturinário (16%) cada, sistema tegumentar(8%) e sistema nervoso e aparelho respiratório(5.5%) cada. Doenças do sistemaosteomuscular e tecido conjuntivo, afecçõesdo sangue e órgão hematopoiéticos, transtornosmentais e comportamentais representam2.5% cada. Esses resultados são compara-182


Pasa, M.C.: Abordagem etnobotânica na comunidade de Conceição-açu. Mato Grosso, BrasilTabela 3. Plantas cultivadas nos quintais usadas como remédio para as doenças referidas pelos informantes.Conceição-Açu, Cuiabá, Mato Grosso.Categorias Planta UsosDoenças do sistema nervoso capim-cidreira, maracujá ansiedadeDoenças do aparelho digestivo boldo, caferana, losna, carqueja, limão,hortelã, jurubeba, camomila macelaDoenças do aparelho respiratório eucalipto, assa-peixe gripe, resfriadoindigestão, azia, náusea, dor deestômago, mal estar, fígadoDoenças do aparelho circulatório colônia, limão, erva-de- bicho, confrei pressão alta, sangue grosso,hemorróida, limpar o sangueDoenças do aparelhogenitourináriotomate, algodão, quebra-pedra, romã,vassourinha, carobinha-do-campodiurético, inflamação dos ovários,útero, bexiga, urina, menstruação,menopausaDoenças da pele o do tecido arruda, guiné, taioba coceiras, alergia, manchassubcutâneoDoenças infecciosas e parasitárias abóbora, hortelã, mastruz, jervão, vermes, infecção intestinalcamomila, cajá-mangaDoenças do sistema osteomuscular tucum energéticoe tecido conjuntivoTranstornos mentais eerva- cidreira calmantecomportamentaisDoenças do sangue e órgãos hematopoiéticossalsaparrilha limpa o sangue183


Núm. 31: 169-197Marzo 2011dos com os registros emitidos através dasconsultas executadas pela Coordenadoriade Saúde Rural, de frequencia mensal nacomunidade (Relatório Anual da SecretariaEstadual de Saúde do Mato Grosso, 2004).A mesma presta assistência à saúde atravésde serviços ambulatoriais da Fundação daSaúde de Cuiabá – Coordenadoria de SaúdeRural da Prefeitura Municipal de Cuiabá.A mata de galeriaBiodiversidade: conhecimentos e práticasde utilizaçãoA presença da mata de galeria, particularmenteno cerrado mato-grossense, reveste-sede grande importância na vida da populaçãoregional. De um lado, pela oferta de remédiose alimentos para a subsistência dasfamílias, de outro, por ser um dos vetoresque leva determinados moradores locais àconservação dos recursos nela existentese, através dela se identificam socialmente,enquanto membro da comunidade.A mata de galeria é considerada pela populaçãolocal um componente essencial e fundamentalà unidade paisagística que caracterizaa região. Nela encontram-se presentesos representantes da flora e da fauna localque são considerados símbolos vivos nãosó de uma geração, mas de várias gerações.Na região estudada as matas de galeria seestendem por toda a extensão no alto damicrobacia do rio Aricá-Açu e são drenadaspelos rios que nascem na serra da Chapadados Guimarães e correm em direção ao rioAricá-Açu. Tanto as matas de galeria quantoos rios presentes em cada propriedade lhesconfere o valor patrimonial dos recursosnaturais neles existentes, os quais são expressospelas seguintes afirmações:184“... das matas nós tira de tudo, a madeira,a comida, os remédios, tem comida pra nóse pros bichos também... no tempo da seca émais difícil os bichos saem prá buscá comida...no tempo das chuva tem mais fartura...na mata sempre tem água pros bichos ...”(Sra. D. A. A. da S, 69 anos. Comunidadede Conceição Açu, Cuiabá, MT).“... Se acabá com a mata, acaba a sombra,acaba a água, a comida, acaba a fartura detudo que se busca lá (na Mata)... o causo éque a gente e os bichos depende de tudo quetem na mata... é uma riqueza muito grandeque a gente tem na vida, a gente tem que dámuito valor pra ela (Mata) tem que zelá”.(Sr. D. S. R. da S. 64 anos, comunidade deConceição Açu, Cuiabá, MT).As pessoas que vivem em Conceição-Açutambém executam atividades como pesca,caça e coleta de frutos e produtos encontradosnas matas de sua propriedade rural. Sãoas matas de galeria e seus respectivos cursoshídricos locus importantíssimos para a vidados moradores que, ao utilizarem os recursosvegetais do meio ambiente, utilizando-sede diferentes formas de manejo tradicional,mantêm o ecossistema equilibrado, mesmointervindo cotidianamente.Quanto à coleta de produtos na mata de galeria,presenciou-se o processo de extração doóleo de copaíba, o qual é retirado do cerneda árvore (Copaifera langsdorffi i Desf.),muito utilizado com finalidades medicinais.Para Almeida & Albuquerque (2002) estaespécie obteve um dos mais altos índicesquanto ao valor de importância relativa (IR)das plantas conhecidas como medicinais naFeira de Caruaru, Agreste de Pernambuco.Em Conceição-Açu, a atividade de coletaacontece através de mutirão. Para execuçãoda coleta são observados itens considerados


Pasa, M.C.: Abordagem etnobotânica na comunidade de Conceição-açu. Mato Grosso, Brasilfundamentais como a idade da árvore, aaltura, o diâmetro do tronco, localização daárea a que pertencem às plantas selecionadase a localização espacial da espécie nacomunidade vegetal. Depois de identificadase marcadas as árvores escolhidas, a próximaetapa é o processo de extração.Durante o processo de extração os participantesnão olham para cima, não falam alto,não gritam, não riem ou fazem qualqueroutro tipo de manifestação efusiva “... nãopode pertubá o ambiente... ela (árvore) escondeo líquido da gente” (Sr. P. P. 66 anos.Comunidade de Conceição Açu. Cuiabá,MT). No entendimento desses moradoreslocais, essas atitudes estariam perturbandoa energia que conserva a natureza emequilíbrio, estariam desrespeitando a “forçamaior” das matas e assim promovendo adesconcentração espiritual e mental dosextratores, a diluição do óleo e a diminuiçãoda sua quantidade, conforme relato de ummorador: “Não pode estar ventando muitoporque o vento promove o “espalhamento”do óleo da árvore para os galhos e as folhase com isso provoca a redução na quantidadedo produto a ser coletado”. O materialusado para a extração do óleo compõe-se dotrado, mangueira de pequeno calibre, balde,frascos ou recipientes de vidro e cortiça.Conversam em voz baixa para definir aárea e a altura da perfuração no tronco daárvore. Dá-se o início, então, à perfuraçãodo tronco através do manivelar de um tradoque o perfura até atingir o cerne. O tempodispensado à etapa da coleta de óleo podevariar de árvore para árvore, conforme aquantidade de óleo existente, e demorar deduas até cinco ou seis horas.O óleo é extraído, geralmente, de uma ouduas árvores apenas e a extração é sazonal,preferencialmente no mês de agosto. Assimacontece porque esse período representa ofinal da época seca, significando que o óleoencontra-se mais concentrado, mais consistente.Apresenta aspecto viscoso, coloraçãoamarelada e um aroma agradável. O óleo éusado como antinflamatório, para gripes,tosses, resfriados, dores no corpo, para tratarde feridas abertas, fraturas e alergias.Outras espécies presentes nas matas da região,como Calophyllum brasiliensis Camb.,Hymenea stignocarpa Mart., Tabebuiaheptaphylla (Vell.) Toledo, Bixa orellanaL., Protium heptaphyllum (Aubl.) March.,Croton salutaris Muell. Arg., Carinianarubra Gardner. ex. Miers., Inga sp, são bastanteconhecidas e utilizadas pela populaçãolocal. São árvores de terra firme e de certoslugares úmidos e arenosos. Sua madeira éusada para confecção de móveis, prateleiras,bancos, cercas e mourões. Alguns frutossão comestíveis e usados como remédio namedicina caseira. Um estudo que aborda ouso dos recursos vegetais da Caatinga, noagreste de Pernambuco revela que entreos usuários das plantas locais Hymenaeastigonocarpa Mart. ex. Hayne (jatobá) éaltamente utilizado na região de Alagoinha(PE), demonstrando a importância da espéciecomo medicinal para a comunidade local(Albuquerque & Andrade, 2002).Para Vendruscolo et al., 2006 ao abordaremo uso das plantas na categoria medicinalressaltam a importância do valor de uso, aforma de coleta e o armazenamento das espéciesAchyrocline satureioides (“marcela”)e Cuphea carthagenensis (“sete-sangria”),entre outras espécies com maior índice deimportância para a comunidade local e quesão adquiridas com vizinhos e amigos queas cultivam.185


Núm. 31: 169-197Marzo 2011Na região de Conceição-Açu o trabalho nasmatas de galeria encerra dimensões múltiplas,reunindo elementos que fazem parteda percepção que as pessoas detêm sobre asplantas através do seu cotidiano, associadoaos elementos atrelados ao mundo mágico,ritual, espiritual, enfim, ao simbólico. A naturezaé um lugar de permanente observaçãoe reprodução de saberes. A mata de galeria épercebida como uma unidade fundamentalna paisagem da região desenhada por seuscontornos hídricos e florísticos que lheatribuem um valor substancial ao cenárioribeirinho e rural de Conceição-Açu. Asespécies vegetais que compõem a flora sãodescritas pela função que exercem, disponibilidadede acesso, cor, forma, aroma, sabor,frutos e folhas.A forma como os moradores classificam osrecursos vegetais das matas de galeria emConceição-Açu permite descrever as plantasdo ser humano, as plantas de animais decaça, as plantas de peixes, segundo suascaracterísticas percebidas pelo conhecimento,visual, tátil e olfativo adquirido no seucotidiano. Depoimentos de pessoas entrevistadasreferem o conhecimento empíricode objetos da natureza.“... Os frutos do jatobá é bom pra peixe... Oque escorre do tronco do jatobá parece sanguepuro... Quando colhe no vidro é igual asangue de gente... não tem deferença...porisso a seiva dele(do jatobá) é bom pra curáanemia nas pessoas... o sangue do jatobá edas pessoas se parecem por demais...” (Sra.A.M.P. 82 anos. Comunidade de ConceiçãoAçu, Cuiabá, MT).186“... toda planta tem seu uso pra pessoa, nocauso e até pros bichos, tem a folha, tem araiz, tem o tronco. A gente conhece cadauma olhando bem pras folha, amassa as folhase já sente o cheiro, se a casca tem cheiroardido... a gente até exprementa na línguapara sabe o tipo de cada planta, assim nãoerra... o óleo da copaíba é bom pra pessoae pras machucaduras nos bichos, serve pratudo...” (Sr. M.A.M, 78 anos. Comunidadede Conceição Açu, Cuiabá, MT).Em Conceição-Açu, as plantas são reconhecidasatravés dos nomes vulgares (tabela4) que definem as diferentes espéciesou mesmo as variedades de uma mesmaespécie. Assim, as pessoas identificam aplanta em função da utilização das partesda mesma para um determinado fim. Alémdisso, investem o seu conhecimento emfunção da quantidade de indivíduos daespécie como forma de conservar os vegetaisenquanto recurso de uso para suasubsistência. Transcreve-se a referência dealguns entrevistados:“... o óleo da sangra d’água servepara remédio, ele cura as ferida... fechaas feridas depressa... mais não pode usálogo cedo da machucadura, tem de esperáuns dias e aí já pode bebe ou passa delena ferida...essa árvore tem bastante nabeira do rio” (Sra. D.G.D. 53 anos. Comunidadede Conceição Açu, Cuiabá, MT).“... a casca do catipé é boa pra fazer o sabãopreto... sabão muito bom pra lavá... lava atéas ferida, as machucadura... limpa tudo...”(D.A.A. da S., 59 anos. Comunidade deConceição Açu, Cuiabá, MT).Nas matas de galeria o valor dispensado acada planta varia de acordo com a multiplicidadede sua utilização. Existem plantasque têm diferentes partes utilizadas, comoa raiz, o tronco e as folhas, outras apenasas raízes ou as folhas. Uma espécie vegetalpode pertencer a várias categorias, podendo


Pasa, M.C.: Abordagem etnobotânica na comunidade de Conceição-açu. Mato Grosso, Brasilser mencionada como alimentícia, medicinale ornamental.O seu valor de uso será, então, diretamenteproporcional ao número de usos mencionados.As categorias de uso mencionadasforam: alimentícia, medicinal, ornamental,místico, madeireira (construção de utensíliosde trabalho e domésticos), tecnologia(móveis, sabão) e rituais religiosos ou cerimoniais(tabela 4).A utilização múltipla das plantas é que vaiexpressar os valores dados as mesmas. Assimé pois, aquelas que permitem acumularo caráter de uso alimentar com outros doisou três (medicinal, ornamental, mistico etc)são as mais valoradas por serem as maisutilizadas. A valoração utilitária das espéciesapresentadas na tabela 4 mostou que 52%das mesmas possuem vusp = 1,00. Outrasespécies que representam muito bem o valorde uso das plantas locais (vusp = 2,00)são Anadenanthera peregrina (L.) Spreng.,Myracroduon urundeuva (Fr.All.) Engl.,Diptychandra aurantiaca Tul., Tabebuiaochracea Standl., Tabebuia heptaphylla(Vell.) Toledo, Cariniana rubra Gardner. ex.Miers., Lafoensia pacari St. Hil., Tabebuiaaurea (M.) Benth & Hook., Acosmium subelegans(Mohl.) Yak., Tamarindus indicaL. e Bactris glaucescens Drude. Com valoraçãoutilitária vusp = 2,33 encontramosHymenaea stigonocarpa Mart. ex. Hayne(jatobá), ou seja, com ampla utilização entreas pessoas da comunidade pela multiplicidadede usos. Para as espécies que apresentammaior valoração utilitária, ou seja, vusp =2,50 destaca-se Orbignya oleifera Burret.(babaçu) que envolve valor atribuído ao seuuso como artesanato, cobertura de residênciae de casas de farinha etc, Copaifera langsdorffii Desf. caracterizada como medicinalo valor atribuído envolve a disponibilidadede extrato usado na medicina popular regionalassociado as manifestações culturais,principalmente no processo de extração. Aespécie Aspidosperma polyneuron Muell.Arg. (guatambu) muito usado na categoriamadeira e seu valor atribuído se dá emrelação a satisfação direta das necessidadesmateriais para construção de residências,dos equipamentos de trabalho, de casasde farinha e cercado para animais. E Crotonsalutaris Muell. Arg. (sangra d’água)apresenta também alta valoração utilitáriapor apresentar multiplicidade de usos expressivos,principalmente nas categoriasmedicinal e madeira na região.Para Torres-Cuados & Islebe (2003), asrelações entre a importância cultural dasespécies de plantas, expressa pelo valor deuso, e sua disponibilidade, expressa pelovalor de importância, podem significar quenem todas as espécies de plantas são utilizadasde acordo com sua disponibilidade nosistema e que a utilização de um recurso eo conhecimento de seu uso pode gerar umimpacto positivo ou negativo em sua sustentabilidade.Apesar de Phillips & Gentry(1993a) afirmarem que as espécies mais comunssão as mais conhecidas pelas pessoas,Albuquerque & Andrade (2002a) afirmamque as espécies mais importantes para umacomunidade não são necessariamente asmais abundantes ou importantes do pontode vista ecológico, com algumas exceções,o que foi comprovado por este estudo.No sistema de reconheciemnto por valoraçãoutilitária no componente florístico asfamílias botânicas reconhecidas foram emnúmero de 43 (tabela 4) sendo as que mais sedestacaram por categoria e número de espécies:valor de uso das espécies e importância187


Núm. 31: 169-197Marzo 2011Tabela 4. Plantas da mata de galeria usadas pela comunidade de Conceição-Açu, MT. Categorias de uso: A = Alimentar; R =Remédio; Or = Ornamental; Ot = Outros: madeira, artesanato, lenha. Valor de uso das espécies = Vusp; Ref = coletor e número(MCP= M.C. Pasa); Hábito: HB= Herbácea; SA= Subarbustivo; AB= Arbustivo; AV= Arbóreo; PAL= Palmeira; EPI= Epifita; TR=Trepadeira. Origem: N= Nativa; C= Cultivada; E= EspontâneaNome popular Espécie Família Uso Vusp Hábito OrigemAlgodãozinho Brosimum gaudichaudii Trécul. Moraceae R 1.00 AB <strong>NA</strong>mescla Protium heptaphyllum (Aubl.)Marchand.Burseraceae R 1.00 AV <strong>NA</strong>ngélica, tiborna Himatanthus obovatus Müll. Arg. Apocynaceae R 1.00 AB <strong>NA</strong>ngico Anadenanthera falcata (Benth.) Mimosaceae Ot 1.50 AV NSpreng.Angico branco Anadenanthera peregrina (L.) Spreng. Mimosaceae Ot 2.00 AV <strong>NA</strong>ngico jacaré Anadenanthera peregrina (L.) Spreng. Mimosaceae Ot 1.50 AV <strong>NA</strong>ricá Physocalymma scaberrim Pohl. Lythraceae Ot 1.33 AV <strong>NA</strong>roeira Myracroduon urundeuva (Fr.All.) Engl. Anacardiaceae Ot 2.00 AV <strong>NA</strong>ssa peixe Vernonia ferruginea Less. Asteraceae R 1.66 HB <strong>NA</strong>ta do mato Annona dioica St. Hil. Annonaceae A 1.00 AV NBabaçu Orbignya oleifera Burret. Arecaceae A,Ot 2.50 PAL NBacuri Rheedia brasiliensis Camb. Clusiaceae R,Ot 1.50 AV NBanana Musa paradisiaca L. Musaceae A 1.50 AB CBarbatimão Stryphnodendron adstringens (Mart.) CovilleMimosaceae R 1.50 AV NBocaiúva Acrocomia aculeata (Jacq.) Lodd. ex.Mart.Arecaceae A 1.00 PAL NCabaça coite Crescentia cujete L. Bignoniaceae R 1.00 AV NCabriteiro Rhamnidium elaeocarpum Reiss. Rhamnaceae Ot 1.00 AB NCafé Coffea arabica L. Rubiaceae A 1.33 AB CCambará-do-mato Vochysia haenkeana Mart. Vochysiaceae Ot 1.33 AV NCana-de-macaco Philodendron sp. Araceae R 1.00 HB CCancerosa Synadenium grantii Hook. f. Euphorbiaceae R 1.00 AB CCanjiquinha Byrsonima intermedia A. Juss. Malpighiaceae Ot 1.00 AV N188


Tabela 4. Continuación.Pasa, M.C.: Abordagem etnobotânica na comunidade de Conceição-açu. Mato Grosso, BrasilNome popular Espécie Família Uso Vusp Hábito OrigemCansanção Jatropha urens L. Euphorbiaceae R 1.00 SA NCarobinha-branca Jacaranda decurrens Cham. Bignoniaceae R 1.00 AB NCarvão-branco Callisthene fasciculata (Spr.) Mart. Vochysiaceae Ot 1.33 AV NCarvão vermelho Diptychandra aurantiaca Tul. Caesalpiniaceae Ot 2.00 AV NCatipé Licania sp. Chrysobalanaceae Ot 1.00 AV NCatuaba Anemopaegma arvense (Vell.) S. Bignoniaceae R 1.00 SA NChico-magro Guazuma ulmifolia Lam. Sterculiaceae R 1.00 AV NCipó-caboclo Doliocarpus sp. Dilleniaceae R 1.00 TR NCopaíba Copaifera langsdorffii Desf. Caesalpiniaceae R 2.50 AV NCoração-de-negro Crisophyllum sp. Sapotaceae Ot 1.00 AV NCoroa-de-frade Mouriria elliptica Mart. Melastomataceae R 1.00 AV NCumbarú Dipteryx alata Vogel Leguminosae Ot 1.75 AV NDorme-dorme Mimosa adenocarpa Benth. Mimosaceae R 1.50 AV NDouradinha Palicourea xanthophylla Muell. Arg. Rubiaceae R 1.00 AS NEmbaúba Cecropia pachystachya Trécul Cecropiaceae R 1.00 AV EErva-de-bicho Polygonum acre Lam. Polygonaceae R 1.00 HB NEspicha-couro Xylopia aromática (Lam.) Mart. Annonaceae Ot 1.00 AV CFruta-do-conde Annona reticulata L. Annonaceae A.R. 1.00 AV CGervão Stachytarpheta angustifolia Lopez-PalaciosVerbenaceae R 1.00 HB EGravatá Bromelia balansae Mez. Bromeliaceae R 1.00 HB NGuanandi Callophyllum brasiliensis Camb. Clusiaceae R 1.00 AV NGuaraná Paullinia cupana H.B.K. Sapindaceae A.R. 1.50 TR CGuatambu Aspidosperma polyneuron Muell. Arg. Apocynaceae Ot 2.50 AV NHortelã-do-brejo Hyptis goyazensis St. Hil. ex. Benth Lamiaceae R 1.66 HB CIngá Inga edulis Mart. Leguminosae R 1.50 AV NIpê-amarelo Tabebuia ochracea Standl. Bignoniaceae R 2.00 AV NIpê-roxo Tabebuia heptaphylla (Vell.) Toledo Bignoniaceae R 2.00 AV N189


Núm. 31: 169-197Marzo 2011Nome popular Espécie Família Uso Vusp Hábito OrigemJaborandi-da-mata Ottonia corcovadensis Miq Piperaceae R 1.00 AB NJatobá Hymenaea stigonocarpa Mart. ex.HayneCaesalpiniaceae R 2.33 AV NJequitibá Cariniana rubra Gardner ex. Miers Lecythidaceae R 2.00 AV NJurubeba Solanum aff. lycocarpum A. St.-Hil. Solanaceae R 1.00 AB NLimão Citrus limonum Osb. Rutaceae R 1.00 AB CLíngua-de-vaca Orthopappus angustifolius (Sw.)Gleason.Asteraceae R 1.00 HB CLixeira Curatella americana L. Dilleniaceae R 1.66 AV NLixinha Davilla nitida (Vahl.) Kubitz Dilleniaceae R 1.00 AB NLouro-branco Cordia glabrata (Mart.) A. DC. Boraginaceae A 1.00 AV NMamica-de-porca Zanthoxylum rhoifolium Lam. Rutaceae Ot 1.00 AV NMangaba Hancornia speciosa Gomez Apocynaceae R 1.50 AV NMangava-brava Lafoensia pacari St. Hil. Lythraceae R 2.00 AV NMaracujá-do-mato Passiflora sp. Passifloraceae R 1.00 TR NMaria-pobre Dilodendron bipinnatum Radlk. Sapindaceae R 1.33 AV NMarmelada-bola Alibertia edulis (L.R.) A. Rich ex DC. Rubiaceae R 1.00 AB NMarmeladaespinhoAlibertia verrucosa S. Moore Rubiaceae A 1.00 AB NNegramina Siparuna guianensis Aublet Siparunaceae R 1.50 AV NOlho-de-pomba Coussarea hydrangeaefolia Benth. &Hook.Rubiaceae R 1.00 AV NParatudo Tabebuia aurea (M.) Benth & Hook. Bignoniaceae R 2.00 AB NPau-d´anta Cybistax antisyphyllitica Mart. Bignoniaceae R 1.00 AV NPau-doce Vochysia rufa Mart. Vochysiaceae R 1.00 AV NPau-santo Kielmeyera coriacea Mart. Clusiaceae Ot 1.50 AV NPau-terra Qualea grandiflora Mart. Vochysiaceae R 1.50 AV NPau-terra-macho Qualea multiflora Mart. Vochysiaceae Ot 1.00 AV NTabela 4. Continuación.190


Pasa, M.C.: Abordagem etnobotânica na comunidade de Conceição-açu. Mato Grosso, BrasilTabela 4. Conclusión.Nome popular Espécie Família Uso Vusp Hábito OrigemPequi Caryocar brasiliense Cambess. Caryocaraceae A 1.75 AV NPeriquiteiro Trema micrantha (L.) Blume Ulmaceae Ot 1.00 AV EPeroba Aspidosperma australe Muell.Arg. Apocynaceae R 1.00 AV NPitomba Talisia esculenta (A.St.- Hil.) Radlk Sapindaceae A 1.33 AV NQuina-genciana Acosmium subelegans (Mohl.) Yak. Fabaceae R 2.00 AV NRabo-decaxinguelêPhlebodium decumanum (Willd.) J. Sm. Polypodiaceae R 1.00 EPI NSalsa paredão Caladium sp. Araceae R 1.00 HB NSamambaia-mato Polypodium sp. Polypodiaceae Or 1.00 EPI NSangra-d´-água Croton salutaris Muell. Arg. Euphorbiaceae R 2.50 AV NSerigüela Spondias lutea L. Anacardiaceae A 1.00 AV CSucupira-branca Pterodon pubescens Benth. Fabaceae R 1.50 AV NSucupira-preta Bowdichia virgiloides H. B. K. Fabaceae R 1.50 AV NTaioba Colocasia esculenta L. Araceae R 1.00 HB CTamarindo Tamarindus indica L. Leguminosae R 2.00 AV CTarumã Vitex cymosa Bertero ex. Spreng. Verbenaceae R 1.00 AV NTarumarana Buchenavia tomentosa Eichl. Combretaceae R 1.00 AV NTimbó Magonia pubescens St. Hil. Sapindaceae R 1.00 AV NTripa de galinha Bauhinia glabra Jacq. Caesalpiniaceae R 1.00 TR NTucum Bactris glaucescens Drude Arecaceae A 2.00 PAL NUnha-de-boi Bauhinia sp. Caesalpiniaceae R 1.75 AB NUrucum Bixa orellana L. Bixaceae A 1.66 AB CUva-brava Cissus erosa Rich. Vitaceae R 1.00 TR NVinhático Plathymenia reticulata Benth. Mimosaceae Ot 1.00 AV NXimbuva Enterolobium contortisiliquum (Vell.) M.Mimosaceae Ot 1.00 AV N191


Núm. 31: 169-197Marzo 2011cultural. Alimentícia (26%) com destaquepara Arecaceae e Rubiaceae (3 espéciescada); Medicinal: (66%) destacando-seMimosaceae (8 espécies), Bignoniaceae(7 espécies), Caesalpiniaceae (6 espécies),Fabaceae e Sapindaceae (4 espécies cada),Apocynaceae, Araceae, Asteraceae, Dilleniaceae,Euphorbiaceae e Rubiaceae (3espécies cada) e Clusiaceae, Moraceae,Polypodiaceae e Vochysiaceae (2 espéciescada) e Ornamental: Polypodiaceae. Nasdemais categorias destacam-se: Mimosaceae(4 espécies), Clusiaceae, Rutaceae eVochysiaceae (2 espécies cada).A maior parte das plantas usadas comoremédio na comunidade local destina-seao tratamento de problemas referentes asdoenças do sangue e órgãos hematopoiéticoscomo hipertensão arterial, dor de cabeça,tontura, furunculos, anemia entre outros. Emsegundo lugar, para as afecções do sistemadigestório (15%), seguido das doenças infecciosase parasitárias (13%), doenças doaparelho genito-urinário e digestivo (10%)cada, doenças da pele (5%) e doenças dosistema nervoso, sistema osteomuscular,tecido conjuntivo e neoplasias (3%) cada.(tabela 5).A maioria das plantas recebeu, em média,três usos terapêuticos, destacando-se Carinianarubra Gardner. ex. Miers (gastrite,hemorróida, inflamação da garganta, inflamaçãodos ovários); Copaifera langsdorffii Desf. (antinflamatório, depurativodo sangue, cicatrizante); Stryphnodendronadstringens (Mart.) Coville (úlcera, inflamação,ferida).A parte da planta que obteve o maior percentualde uso foi a folha (48.3%), seguidoda casca do caule (23%) e da raiz (6.8%).Entre as formas de preparo utilizadas pelapopulação local a mais expressiva é o chá,com 63%, outras formas também foramrelatadas como xarope, infusão, emplastro,compressas, banhos e garrafada.A população local ao usar as plantas comoremédio citou com maior frequencia as doençascomo gripe, febre, resfriados, gastrite,úlcera, problemas do fígado e estômago, feridas,tonturas, inflamação do útero e ovário.Assim a utilização das espécies medicinaisencontradas nas matas de galeria ocorre, preferencialmente,em função da proximidadecom o local de coleta. O extrativismo prevalececomo forma de obtenção da maioriadas espécies, principalmente as folhas paraervas e arbustos, seguido da casca do caulepara árvores. As sementes, frutos e raízes sãoutilizados em menores proporções. Nessesentido, diante da realidade em que vive acomunidade local, o que prevalece é o empírico,de modo que a maioria das plantasusadas como medicinais pertence à floramato-grossense e o investimento em estudosfarmacológicos proporcionaria resultadosexpressivos, contribuindo para o uso dasespécies referidas com maior precisão. Corroborandocom a idéia Schwenk et al., 1999;Macedo et al., 2004; Bortolotto et al., 2004;Bertsch et al., 2005; Pasa (2007) e Moraiset al., 2009, apreendem os mesmos fatos efeitos em comunidades matogrossenses.CONCLUSÃONos quintais e roças as plantas foram classificadascomo cultivadas, pois sofreramalgum tipo de manejo pelo homem e apreferência de usos é equivalente, alimentorepresenta 48% e medicinal 45%. Nas matasde galeria e adjacências as plantas coletadassão úteis e não tiveram qualquer tipo de192


Pasa, M.C.: Abordagem etnobotânica na comunidade de Conceição-açu. Mato Grosso, BrasilTabela 5. Espécies das matas de galeria usadas como remédio pela comunidade de Conceição-Açu, Cuiabá, Mato Grosso.Categorias Espécies UsosDoenças do sistema nervoso maracujá-do-mato, dorme-dorme ansiedade, calmante, sistema nervosoDoenças do aparelho digestivo jequitibá, mangava-brava, marmelada bola, gastrite, úlcera, dor de estômagoolho-de-pomba, jurubeba, gervão, pau-terraDoenças do aparelhorespiratórioDoenças do aparelhocirculatórioDoenças do aparelhogeniturinárioassa-peixe, cabaça coité, mescla, hortelã dobrejo, ingá, embaúba, sucupirasalsa paredão, urucum, guanandi, copaíba,coroa-de-frade, negramina, taioba, tripa degalinha, sucupira pretalixeira, carobinha branca, tamarindo,embaúba, douradinha, rabo-de-caxinguelêGripe, febre, tosse, bronquite, sinusite,constipação nasalpressão alta, varize, prurido, hemorróida,malina, ácido úrico, depurativo dosanguedoença venérea, pedra nos rins, bexiga,cistite, rins, inflamação no canal da urinaAfecções sistema tegumentar chico-magro, cipó-caboclo tarumarana alergia, irrritação da pele, feridasDoenças do olho e anexos Bacuri dor no olhoDoenças infecciosas eparasitáriasjaborandi da mata, douradinha, lixinha, salsaparedão, cabaçá coité, tiborna, sucupira preta,maria pobrelimpa intestino, tuberculose, dor debarriga, depurativo, verme, prurido analDoenças do sistemapau d’anta, pau-terra-macho, aroeira dor nas cadeiras, arca caídaosteomuscular e conjuntivoNeoplasias ipê-roxo, ipê-amarelo início de câncerDoenças do sangue e órgãoshematopoiéticosfruta-do-conde, taioba, língua-de-vaca,carobinha branca, paratudo, sangra d’água,guanandi, jatobá, jequitibá, copaíba, sucupirapretaanemia, depurativo do sangue, fraqueza,reumatismo193


Núm. 31: 169-197Marzo 2011manejo consciente. As plantas coletadasenglobam as nativas representando 83% dasespécies utilizadas na região e as espontânes,ou seja, as que nascem e crescem sem interferênciahumana nesse ambiente natural.Assim, nas matas de galeria a equivalênciadas categorias de uso medicinal e alimentíciademonstra a diversidade vegetal do ambientee a conseqüente diversidade culturalna utilização das plantas locais. Quanto aovalor de uso das espécies nativas destacamse:Copaifera langsdorffi i Desf (copaíba),Diptychandra aurantiaca Tul. (carvão vermelho),Cariniana rubra Gardner. ex. Miers(jequitibá), Tabebuia aurea (M.) Benth &Hook (paratudo), Acosmium subelegans(Mohl.) Yak. (quina genciana), Aspidospermapolyneuron Muell. Arg. (guatambu),Tabebuia ochracea Standl. (ipê-amarelo),Tabebuia heptaphylla (Vell.) Toledo (ipêroxo),Croton salutaris Muell. Arg. (sangrad’água), Myracroduon urundeuva (Fr.All.)Engl. (aroeira), Orbignya oleifera Burret.(babaçu), Hymenaea stigonocarpa Mart.ex. Hayne (jatobá), Lafoensia pacari St.Hil. (mangava-brava), Bactris glaucescensDrude (tucum), entre outros. Destaque paraas famílias Mimosaceae, Bignoniaceae,Caesalpiniaceae, Fabaceae e Sapindaceae. Acomunidade de Conceição-Açu concebe osrecursos vegetais dentro de um significadomuito amplo de utilidade apresentando umadependência dos recursos localmente disponíveis,especialmente de plantas medicinaisna mata de galeria e alimentar nas roçase quintais. Os usos dos recursos vegetaisdescritos na mata de galeria revelam umexpressivo aproveitamento em relação àsfunções de coleta, demonstrando uma preocupaçãocom a manutenção das potencialidadesvegetais contribuindo, dessa forma,para a conservação da biodiversidade nosecossistemas naturais.AGRA<strong>DE</strong>CIMENTOSAo Grupo de Pesquisas da Flora, Vegetaçãoe Etnobotânica – FLOVET da UniversidadeFederal de Mato Grosso, em especial Prof.Dr. Germano Guarim Neto. Aos moradoresde Conceição-Açu pela disponibilidade ecarinho. Às Profas. Dra. Carmen EugeniaRodríguez Ortíz, pelo resumen e MarceleLazzari, pelo Abstract.REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICASAlmeida, C.F.C.B.R. & Albuquerque, U.P.,2002. “Uso e conservação de plantase animais medicinais no Estado dePernambuco (Nordeste do Brasil): umestudo de caso”. Interciência, 27(6):276-285.Albuquerque, U.P. & Andrade, L.H.C.,2002. “Uso de recursos vegetais dacaatinga: o caso do Agreste do Estadode Pernambuco (Nordeste do Brasil)”.Interciência, 27(7): 336-346., 2002a. “Conhecimento botânicotradicional e conservação em uma áreade caatinga no Estado de Pernambuco,Nordeste do Brasil”. Acta BotanicaBrasilica, 16(3): 273-285.Albuquerque, U.P.; Lucena, R.F.P.; Cunha,L.V.F.C (org.), 2008. Métodos e técnicasna pesquisa etnobotânica. Recife,Comunigraf Editora/ NUPEEA,Recife-PE.Albuquerque, U.P. & Lucena, R.F.P., 2005.“Can apparency affect the use of plantsby local people in Tropical Forests?”Interciencia, 30(8): 506-511.194


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