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Entre o investimento e a ameaça - Clube de Jornalistas

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TEMAReportagem <strong>de</strong> Rádio<strong>Entre</strong> o <strong>investimento</strong>e a <strong>ameaça</strong>Na rádio, a reportagem representa a melhor forma <strong>de</strong> contrariar ocarácter breve e imediato da informação. Mas numa era <strong>de</strong> mudançanos media em geral, e na rádio em particular com o <strong>de</strong>créscimo <strong>de</strong><strong>investimento</strong> publicitário, emagrecimento das redacções eemergência da Internet como plataforma <strong>de</strong> escuta, que espaço estáreservado para a emissão <strong>de</strong> trabalhos <strong>de</strong> reportagem? Cada vezmais, dizem uns. Muito pouco, lamentam outros.Texto Luís Bonixe Fotos José Fra<strong>de</strong>«Arádiovive da comida rápida, que fazfalta, mas é preciso também ter o pratoespecial e isso não po<strong>de</strong> ser cozinhadoem pouco tempo”. A metáfora gastronómicaé utilizada pelo jornalista da TSF,João Paulo Baltazar, para ilustrar a importância que areportagem tem para a rádio. Para o meio radiofónico,imediato e efémero, os trabalhos <strong>de</strong> reportagem representamuma oportunida<strong>de</strong> para aprofundar os temas quenem sempre estão na agenda mais imediata. “Só a informação<strong>de</strong> imediatismo cansa”, consi<strong>de</strong>ra Elisabete Pato,chefe <strong>de</strong> redacção do Rádio <strong>Clube</strong> Português.As principais redacções da rádio portuguesa parecemter percebido isso e, apesar dos fortes constrangimentospor que passam, continuam a apostar nos trabalhos <strong>de</strong>reportagem <strong>de</strong> maior profundida<strong>de</strong>.Na TSF, são produzidas anualmente cerca <strong>de</strong> 25 reportagense emitidas num espaço semanal que, há cinco anos,lhes é inteiramente <strong>de</strong>dicado e na Antena 1, a aposta temsido a <strong>de</strong> canalizar este tipo <strong>de</strong> trabalhos <strong>de</strong> maior profundida<strong>de</strong>para dois programas semanais. Renascença eRádio <strong>Clube</strong> também não dispensam a emissão <strong>de</strong> reportagens.José Manuel Rosendo é jornalista na Antena 1 eautor <strong>de</strong> vários trabalhos <strong>de</strong> reportagem, em particularno Médio Oriente. Para o repórter, “a reportagem é fundamentalpara que se perceba <strong>de</strong>terminado contexto.Muitos temas da actualida<strong>de</strong> morrem em meia dúzia <strong>de</strong>factos relatados nos noticiários. A reportagem, paraalém <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r ser notícia, po<strong>de</strong> ajudar a perceber asnotícias”.Pedro Leal, director-adjunto <strong>de</strong> informação daRenascença segue um raciocínio idêntico: “O nosso <strong>investimento</strong><strong>de</strong>riva da constatação que, primeiro, é necessáriodar contexto informativo e, segundo, é necessário mostrardiferentes realida<strong>de</strong>s, diferentes perspectivas que além <strong>de</strong>ajudar a explicar <strong>de</strong>terminado facto ou situação, ajudamtambém a construir uma i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> e a potenciar a credibilida<strong>de</strong>do próprio órgão <strong>de</strong> informação”.Num tipo <strong>de</strong> trabalho em que é preciso ter os jornalistasafastados da produção diária da rádio durante váriosdias ou semanas ou a <strong>de</strong>slocarem-se para fora do país, aquestão financeira vem sempre ao <strong>de</strong> cima e isso colocafrequentes entraves à realização <strong>de</strong> reportagens na rádioem Portugal.Apesar da existência <strong>de</strong> espaços radiofónicos periódicos<strong>de</strong>stinados à emissão <strong>de</strong> trabalhos <strong>de</strong> reportagem, “averda<strong>de</strong> é que é uma tendência geral da rádio para haver6|Out/Dez 2009|JJ


RUI GAUDÊNCIOJJ|Out/Dez 2009|7


TEMAreportagem <strong>de</strong> rádio“A rádio pública portuguesa tem que teruma rádio <strong>de</strong> notícias. A nossa capacida<strong>de</strong><strong>de</strong> produção justifica isso. Nós temos emPortugal canais televisivos <strong>de</strong> informação,se calhar isso também faz sentido no casoda rádio, tal como suce<strong>de</strong> noutros paísesda Europa”.Ricardo Alexandre (Antena 1)pouca reportagem. No nosso caso não fazemos maisreportagem porque não temos gente”, reconhece a chefe<strong>de</strong> redacção do Rádio <strong>Clube</strong> Português, Elisabete Pato.Dora Pires, jornalista e autora <strong>de</strong> vários trabalhos <strong>de</strong>reportagem na Renascença, não tem dúvidas <strong>de</strong> que estaforma <strong>de</strong> tratamento da actualida<strong>de</strong> está a per<strong>de</strong>r terrenono jornalismo em geral, e na rádio em particular, paraoutras abordagens. “Aparentemente há um <strong>de</strong>s<strong>investimento</strong>gradual na reportagem e que tem a ver com a falta<strong>de</strong> tempo e dos próprios espaços <strong>de</strong> informação na rádio.A programação é mais barata”.No caso da TSF, o cenário <strong>de</strong> crise vivido com a queda<strong>de</strong> <strong>investimento</strong> publicitário no sector da rádio tem umainfluência directa naquilo que é emitido. João PauloBaltazar, que foi coor<strong>de</strong>nador do programa “ReportagemTSF”, lembra que há cinco anos, quando o espaço <strong>de</strong>reportagem da estação foi criado, as coisas eram muitodiferentes.“Se era preciso ir a Moçambique íamos. Se era preciso ira Espanha íamos. Agora se é preciso ir a Coimbra ou a Faroé preciso saber quanto é que isto vai custar”. O jornalistalamenta também que, no caso da TSF, a reportagem emcinco anos <strong>de</strong> existência “nunca tenha tido um patrocínio”.Para João Paulo Baltazar, o actual cenário da rádio emPortugal, e em particular na TSF, po<strong>de</strong> gerar uma situaçãoque prejudique a realização <strong>de</strong>ste género <strong>de</strong> trabalhos. “Arádio hoje tem menos gente, menos meios, menos dinheiroe temo que as condições para este tipo <strong>de</strong> trabalho possamser afectadas, pelo menos quanto à qualida<strong>de</strong> do trabalho.Para haver qualida<strong>de</strong> é preciso haver tempo parafazer os trabalhos”.O jornalista lembra que nos primeiros quatro anos <strong>de</strong>existência do programa, os jornalistas da TSF eram dispensadosdo trabalho diário da redacção, ou seja dos turnosnos quais são realizados os noticiários, por um período<strong>de</strong> pelo menos três semanas. “No último ano, a direcçãoenten<strong>de</strong>u reduzir para duas semanas”, refere JoãoPaulo Baltazar que vê nisso um sintoma da crise que po<strong>de</strong>pôr em causa a realização <strong>de</strong>ste tipo <strong>de</strong> trabalhos na rádio.José Manuel Rosendo consi<strong>de</strong>ra normal que a reportagemseja dispendiosa, mas adverte: “não é caro, porquecaro é ter uma informação sem marca, sem chama, semnovida<strong>de</strong>, e é isso que não pren<strong>de</strong> os ouvintes e por conseguintesai caro”.O caso do serviço públicoRicardo Alexandre, director-adjunto <strong>de</strong> informação daAntena 1 consi<strong>de</strong>ra que apesar dos tempos <strong>de</strong> crise, não8|Out/Dez 2009|JJ


“A rádio hoje tem menos gente, menos meios,menos dinheiro e temo que as condiçõespara este tipo <strong>de</strong> trabalho possam serafectadas, pelo menos quanto à qualida<strong>de</strong>do trabalho. Para haver qualida<strong>de</strong> é precisohaver tempo para fazer os trabalhos”.João Paulo Baltazar (TSF)tem havido <strong>de</strong>s<strong>investimento</strong> na realização <strong>de</strong> reportagensna rádio <strong>de</strong> serviço público português.“Apesar <strong>de</strong> não ser uma coisa barata, e <strong>de</strong>sta altura <strong>de</strong>crise, continuamos a apostar na reportagem. É claro quepon<strong>de</strong>ramos este ou aquele custo, mas continuamos ainvestir. Se não for a reportagem, um dia <strong>de</strong>stes não distinguimoso jornalismo <strong>de</strong> outras formas <strong>de</strong> comunicar”,diz o jornalista.No caso da RDP, o problema não está na falta <strong>de</strong> recursos,humanos ou técnicos, mas sim no tempo disponívelpara a emissão <strong>de</strong> conteúdos informativos. Ou seja, tratando-sea Antena 1 <strong>de</strong> uma rádio generalista, e não <strong>de</strong>informação, tem que partilhar a grelha <strong>de</strong> programaçãocom os conteúdos não jornalísticos.Para ultrapassar este problema, Ricardo Alexandreenten<strong>de</strong> que se justifica que em Portugal o serviço público<strong>de</strong> rádio tenha também um canal <strong>de</strong> informação. “A rádiopública portuguesa tem que ter uma rádio <strong>de</strong> notícias. Anossa capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> produção justifica isso. Nós temosem Portugal canais televisivos <strong>de</strong> informação, se calharisso também faz sentido no caso da rádio, tal como suce<strong>de</strong>noutros países da Europa”.A existência <strong>de</strong> uma rádio pública <strong>de</strong> notícias permitiria,segundo Ricardo Alexandre, “ter mais reportagem emantena”.Já José Manuel Rosendo enten<strong>de</strong> que o facto <strong>de</strong> se tratar<strong>de</strong> uma rádio <strong>de</strong> serviço público, a Antena 1 tem responsabilida<strong>de</strong>sacrescidas na realização <strong>de</strong> trabalhos quepossam contextualizar e aprofundar os temas. “Na Antena1 a reportagem existe, mas <strong>de</strong>veria merecer mais atenção.Deveria ser pensada no seu todo, diversificando os temas,criando eventualmente uma “bolsa <strong>de</strong> repórteres” e tendoespaços <strong>de</strong> antena em horário nobre”, consi<strong>de</strong>ra o repórterque acrescenta: “a rádio pública <strong>de</strong>ve ter ainda umaresponsabilida<strong>de</strong> adicional: a <strong>de</strong> formar bons repórteres”.Os espaços da reportagemO espaço “Reportagem TSF” é o único que vive exclusivamente<strong>de</strong> reportagem. Nos casos da Antena1, Renascençaou Rádio <strong>Clube</strong>, a reportagem surge como complementoou motivo para o <strong>de</strong>bate do programa. Na TSF, a totalida<strong>de</strong>do espaço é preenchido por um único trabalho <strong>de</strong>reportagem.O programa surgiu há cinco anos quando a TSF <strong>de</strong>cidiudar maior atenção e valorização a este género jornalístico.Por outro lado, era a forma <strong>de</strong> dar alguma periodicida<strong>de</strong>à reportagem na rádio informativa. “Nos primeirostempos da TSF, a reportagem aparecia em antena a qual-JJ|Out/Dez 2009|9


TEMAreportagem <strong>de</strong> rádio“O nosso <strong>investimento</strong><strong>de</strong>riva da constatação que,primeiro, é necessário darcontexto informativo e,segundo, é necessáriomostrar diferentesrealida<strong>de</strong>s, diferentesperspectivas que além <strong>de</strong>ajudar a explicar<strong>de</strong>terminado facto ousituação, ajudam tambéma construir uma i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>e a potenciar acredibilida<strong>de</strong> do próprioórgão <strong>de</strong> informação”.Pedro Leal (Renascença)quer hora. Depois isso <strong>de</strong>sapareceu e em certa medida arádio, sem nunca <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> ir à rua, fechou-se mais sobrea redacção”, lembra João Paulo Baltazar, o jornalista escolhidopela direcção da época, li<strong>de</strong>rada por José Fragoso,para assumir a coor<strong>de</strong>nação das reportagens.Era por ele que passava a gestão dos temas propostospelos jornalistas, o acompanhamento do trabalho e a promoçãoda reportagem em antena, para além <strong>de</strong> tambémter realizado várias reportagens. Embora exista a figura <strong>de</strong>um coor<strong>de</strong>nador, na TSF não há uma equipa fixa <strong>de</strong> jornalistaspara a realização <strong>de</strong> reportagens, o que permite quetoda a redacção possa sugerir temas e realizar os trabalhos.“Não havendo uma equipa tem a vantagem <strong>de</strong> todosos jornalistas contribuírem com i<strong>de</strong>ias, mas tem a <strong>de</strong>svantagem<strong>de</strong> não haver uma massa crítica que pense o programa”,diz João Paulo Baltazar. À entrada para a sextatemporada do espaço, a actual direcção da TSF <strong>de</strong>cidiuacabar com a figura <strong>de</strong> coor<strong>de</strong>nador <strong>de</strong> reportagem.Na Rádio Renascença, o programa “Espaço Aberto”,que é emitido aos domingos, é o principal momento daprogramação para a emissão <strong>de</strong> reportagens.Não se trata <strong>de</strong> um espaço <strong>de</strong> reportagem, mas simcom reportagem, na medida em que esta existe como alavancapara o <strong>de</strong>bate. “Temos no ar todas as semanas umareportagem que é emitida ao domingo. A reportagem estáincluída no programa “Espaço Aberto, constituindo otema <strong>de</strong> abertura do programa e servindo <strong>de</strong> ponto <strong>de</strong>partida para um <strong>de</strong>bate com convidados em estúdio”,explica Pedro Leal, da direcção <strong>de</strong> informação daRenascença.Para além do “Espaço Aberto”, adianta o jornalista, naemissora católica a reportagem está presente com algumafrequência nos “espaços do Destaque do Jornal do meiodiae do Edição da Noite”.No caso da Antena 1, existem dois espaços radiofónicosprivilegiados para a emissão <strong>de</strong> trabalhos <strong>de</strong> reportagem:o programa “Visão Global”, que é emitido ao domingo, eo “Este Sábado” que vai para o ar semanalmente à hora doalmoço.Os dois espaços preten<strong>de</strong>m respon<strong>de</strong>r a duas áreas distintasda actualida<strong>de</strong>. Enquanto que o “Visão Global” está<strong>de</strong>stinado ao tratamento <strong>de</strong> temas internacionais, já o“Este Sábado”, criado em 2009, procura a actualida<strong>de</strong>nacional. “Sentimos necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> criar um espaço <strong>de</strong>análise da actualida<strong>de</strong> nacional. A nossa produção <strong>de</strong> trabalhostambém obrigou a isso”, explica o director-adjunto<strong>de</strong> informação da Antena 1, Ricardo Alexandre.Os dois programas têm em comum o facto <strong>de</strong> não10|Out/Dez 2009|JJ


“A verda<strong>de</strong> é que é uma tendência geral darádio para haver pouca reportagemNo nosso caso não fazemos mais reportagemporque não temos gente”.Elisabete Pato (Rádio <strong>Clube</strong> Português).serem, verda<strong>de</strong>iramente, espaços <strong>de</strong> reportagem.“Tentamos sempre ter uma reportagem, mas <strong>de</strong> facto nãosão programas <strong>de</strong> reportagem”, admite o jornalista.Para além disso, a rádio <strong>de</strong> serviço público tem colocadono ar reportagens <strong>de</strong> 10 a 15 minutos “sempre que se justifica”.“Felizmente temos uma direcção <strong>de</strong> programas quenos permite abrir espaço para emitir reportagens quando aactualida<strong>de</strong> o justifica”, refere Ricardo Alexandre.O Rádio <strong>Clube</strong> também não tem um programa específicopara a emissão <strong>de</strong> trabalhos <strong>de</strong> reportagem, que aparecemem antena inseridos nos programas da emissora efuncionando como um espaço <strong>de</strong> aprofundamento dotema que está a ser tratado.As soluções onlineCom as limitações que um meio como a rádio impõe emtermos <strong>de</strong> espaço temporal, a Internet começa a ser cadavez mais vista pelos jornalistas do meio radiofónico comouma plataforma útil para ultrapassar esses constrangimentos.O exemplo da reportagem é excelente, na medida emque tratando-se <strong>de</strong> trabalhos jornalísticos com algumadimensão, nem sempre é possível a sua inclusão emantena. Os sites das rádios dão assim uma boa ajuda.“Quando se pensa em reportagem mais <strong>de</strong>morada,pensa-se na net. Acho que nos estamos todos a vingar nanet”, diz a jornalista da emissora católica, Dora Pires, referindo-seao facto <strong>de</strong> haver cada vez menos espaço na emissãotradicional da Renascença para a reportagem e da Internetser um meio com menos constrangimentos temporais.Pedro Leal, director-adjunto <strong>de</strong> informação daRenascença, explica que o site da emissora tem um papel“muito importante”. “Pois além <strong>de</strong> potenciar a própriareportagem, aumentando o tempo <strong>de</strong> exibição da mesma,esta tem quase sempre uma versão ví<strong>de</strong>o, o que complementae enriquece o tema tratado, permitindo que a rádioultrapasse a sua dimensão sonora e comunique tambématravés da imagem”.A rádio pública disponibiliza no seu site as reportagensjá emitidas em antena permitindo uma nova escuta porparte dos ouvintes. Em alguns casos, a Internet funcionacomo um espaço complementar à rádio, particularmentequando se tratam <strong>de</strong> reportagens feitas no estrangeiro.“Neste caso, os jornalistas já levam uma máquina fotográfica,<strong>de</strong> filmar e é criado, por exemplo, um blogue”, explicaRicardo Alexandre, director-adjunto da Antena 1.JJ|Out/Dez 2009|11


TEMAreportagem <strong>de</strong> rádioA “a reportagem é fundamental para que seperceba <strong>de</strong>terminado contexto. Muitostemas da actualida<strong>de</strong> morrem em meiadúzia <strong>de</strong> factos relatados nos noticiários.A reportagem, para além <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r sernotícia, po<strong>de</strong> ajudar a perceberas notícias”.José Manuel Rosendo (Antena 1)Na TSF, o site serve apenas para complementar a reportagememitida na rádio tradicional com a inclusão <strong>de</strong> fotografiasou ví<strong>de</strong>os. “O site funciona como uma excelenteforma <strong>de</strong> promoção da reportagem que vai para o ar narádio”, afirma João Paulo Baltazar.Mas a Internet tem aberto caminho para a realização <strong>de</strong>algumas experiências no campo da reportagem. Por exemplo,a TSF colocou um jornalista, Rui Miguel Silva, a percorrero país e a fazer pequenas reportagens ao mesmotempo que actualiza o blogue “Fim da Rua”.Nas eleições europeias em 2009, dois jornalistas daAntena 1, Rita Colaço e Paulo Nuno Vicente, munidos <strong>de</strong>um telemóvel percorreram Lisboa na noite eleitoral numaexperiência <strong>de</strong>signada <strong>de</strong> Mojo (Mobile Journalism). Asfotos e as imagens recolhidas pelos repórteres podiam servistas no site da emissora.“É na reportagemque me realizoprofissionalmentea 200 por cento”.Ana Catarina Santos (TSF)Alguns premiadosA rádio tem-se <strong>de</strong>stacado no jornalismo português justamenteatravés da obtenção <strong>de</strong> alguns prémios para trabalhos<strong>de</strong> reportagem.João Paulo Baltazar lamenta que a rádio não tenha,hoje em dia, importância para a televisão ou para os jor-12|Out/Dez 2009|JJ


“Aparentemente há um <strong>de</strong>s<strong>investimento</strong>gradual na reportagem e que tem a ver com afalta <strong>de</strong> tempo e dos próprios espaços <strong>de</strong>informação na rádio. A programação é maisbarata”.Dora Pires (Renascença)nais e por isso “tem que ser a própria rádio a fazer a suapromoção. Os prémios que são atribuídos aos trabalhos <strong>de</strong>reportagem são, para além do reconhecimento do nossotrabalho, uma boa forma <strong>de</strong> promoção”.Os trabalhos emitidos no programa “Reportagem TSF”têm ganho diversos prémios atribuídos pelas mais variadasentida<strong>de</strong>s. É o caso do trabalho realizado pela jornalistaMarina Alves Francisco sobre o aborto. O tema surgiua propósito do referendo realizado em 2007 sobre aInterrupção Voluntária da Gravi<strong>de</strong>z e por isso tinha umproblema i<strong>de</strong>ntificado à partida por João Paulo Baltazar:“todos vão falar disto”.Por isso era preciso olhar para o tema <strong>de</strong> forma diferente.“Durante uma reunião <strong>de</strong> trabalho alguém se lembrou<strong>de</strong> perguntar: então e os homens? Às vezes é preciso vero tema <strong>de</strong> uma forma diferente”, explica o jornalista.O resultado final foi uma reportagem assinada pela jornalistaMarina Alves Francisco e com sonoplastia <strong>de</strong> JoãoFélix Pereira na qual são relatados testemunhos <strong>de</strong>homens que com as suas companheiras viveram experiências<strong>de</strong> interrupção voluntária da gravi<strong>de</strong>z. A reportagem,“Pelos Olhos <strong>de</strong>les” recebeu o prémio Parida<strong>de</strong> MulheresHomens na Comunicação Social atribuído pela Comissãopara a Cidadania e Igualda<strong>de</strong> do Género.Ana Catarina Santos, jornalista há 12 anos na TSF nãotem dúvidas: “é na reportagem que me realizo profissionalmentea 200 por cento”. A jornalista já viu trabalhosseus serem premiados e nota uma coincidência: “as duasreportagens premiadas são sobre idosos, mas a escolha dotema não foi propositada”, adverte.Aliás, sublinha a jornalista, o seu mais recente trabalhopremiado,”Filhos da Solidão”, até foi sugerido pelo coor<strong>de</strong>nador<strong>de</strong> reportagem da TSF, João Paulo Baltazar. O trabalho<strong>de</strong>bruça-se sobre o problema da violência sobre osidosos. “Um tema tramado”, reconhece Ana CatarinaSantos. “É daqueles temas que se não temos cuidado resvalamoscom facilida<strong>de</strong> para a lamechice. Acho que conseguievitar isso”.A reportagem vive <strong>de</strong> testemunhos carregados <strong>de</strong>emoção e aos quais são acrescentados sons <strong>de</strong> uma realida<strong>de</strong>cruel pelo sonoplasta Mesicles Helin. O trabalho foidistinguido em 2009 com o prémio AMI – JornalismoContra a Indiferença.Vítor Rodrigues Oliveira, da Antena 1, foi igualmentedistinguido com o Prémio Revelação atribuído pelo <strong>Clube</strong><strong>de</strong> <strong>Jornalistas</strong> pelos seus trabalhos “Hoje há Festa emBombaim”, “As tranças <strong>de</strong> Obama” e “Herança do Dragão”.Para Ricardo Alexandre, director-adjunto <strong>de</strong> informaçãoda rádio pública, “o prémio é o reflexo da aposta que aemissora tem feito neste tipo <strong>de</strong> trabalhos”. JJJJ|Out/Dez 2009|13


REPORTAGEM<strong>Entre</strong> o jornalismo e o cinemaDocumentário: oGénero híbrido que <strong>de</strong>ve muito às técnicas jornalísticas e outro tantoà narrativa cinematográfica, o documentário requer tempo para umtrabalho <strong>de</strong> proximida<strong>de</strong> com as fontes – <strong>investimento</strong> poucoenquadrável nos actuais mol<strong>de</strong>s televisivos. Será por isso que parecemigrar do pequeno para o gran<strong>de</strong> ecrã?Textos e fotografias Helena <strong>de</strong> Sousa Freitas e Luís Humberto TeixeiraPARENTE não muito afastado da gran<strong>de</strong> reportagem televisiva,o documentário já granjeou mais espaço nopequeno ecrã do que aquele que hoje lhe é <strong>de</strong>dicado.Talvez por isso, alguns festivais <strong>de</strong> cinema constituam,actualmente, a melhor oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> apreciar ogénero.No âmbito da 25ª edição do Festroia – FestivalInternacional <strong>de</strong> Cinema <strong>de</strong> Setúbal, <strong>de</strong>slocaram-se aPortugal diversos documentaristas, alguns dos quais passaramantes pelo jornalismo. Foram os próprios a explicaras proximida<strong>de</strong>s e os distanciamentos entre o género documentale a reportagem, com particular incidência notipo <strong>de</strong> abordagem e no factor tempo.Maciej Pieprzyca, nascido em 1964 em Katowice, naPolónia, licenciou-se em jornalismo e trabalhou na área,tendo revelado à JJ que as ferramentas e o backgroundconquistados nessa profissão têm sido “essenciais na criaçãodos documentários”.Para o realizador polaco, à semelhança do jornalismo,“os documentários estão perto da vida e retiram <strong>de</strong>la osseus temas”, além <strong>de</strong> terem, muitas vezes, “a intenção <strong>de</strong>mostrar ao mundo uma verda<strong>de</strong> antes oculta”, <strong>de</strong>nunciandosituações e ajudando a repor a justiça.E exemplificou com o mais conhecido dos seus trabalhosdocumentais: “I am a Mur<strong>de</strong>rer”, sobre ZdzislawMarchwicki, um alegado assassino em série que foi con<strong>de</strong>nadoà pena capital em Julho <strong>de</strong> 1975, acusado da morte<strong>de</strong> mais <strong>de</strong> uma dúzia <strong>de</strong> mulheres, tendo sido executadoa 29 <strong>de</strong> Abril <strong>de</strong> 1977.“O tema era tão complexo, envolvia tanta gente, tantospontos <strong>de</strong> vista e documentos que não era possível abordá-lonuma reportagem, pelo que tive <strong>de</strong> investir numformato mais longo. E valeu a pena, pois a investigaçãopermitiu concluir que o veredicto fora injusto, que haviasido con<strong>de</strong>nado um homem inocente”, salientou.NEUTRALIDADE OU TOMADA DE POSIÇÃO?A escolha dos assuntos a abordar não tem sido difícilporque, “afinal, um jornalista é alguém que está sempremuito próximo das pessoas, da vida quotidiana, é alguémque tem facilida<strong>de</strong> em preocupar-se com temas que sãoimportantes para os outros”, <strong>de</strong>screveu Maciej Pieprzyca,para quem a exigência <strong>de</strong> neutralida<strong>de</strong> estabelece umadistância entre jornalistas e documentaristas.“Tenho feito sempre documentários <strong>de</strong> autor, que apresentamuma visão pessoal sobre <strong>de</strong>terminado assunto”,frisou, expressando uma posição similar à <strong>de</strong> PaolaMendoza, realizadora norte-americana <strong>de</strong> origem colombianaque também visitou Setúbal no início <strong>de</strong> Setembro.“Eu não sou necessariamente neutra em relação aosassuntos que abordo. Entro num tema com um ponto <strong>de</strong>vista. É verda<strong>de</strong> que, para veicular a minha opinião sobrea história, opto geralmente por mostrar os factos que melevaram a formar essa opinião, mas, mesmo com esterecurso mais subtil, os espectadores certamente percebemaquilo que eu penso do assunto tratado”, explicou.Segundo Paola Mendoza, há uma ca<strong>de</strong>ia televisivanorte-americana para a qual “os documentários <strong>de</strong>vemapresentar o tema <strong>de</strong> forma justa e equilibrada”. “Porém,ao analisar os trabalhos <strong>de</strong>ssa estação, muitas vezes ques-14|Out/Dez 2009|JJ


lugar da partilhationo-me sobre se isso é o melhor e tenho <strong>de</strong>batido o problemacom amigos documentaristas, perguntando-lhes:‘O que é mais correcto?’, ‘O que é que vocês fazem?’,‘Porque o fazem?’, etc.” – explicou.Dado a pobreza ser um dos temas <strong>de</strong> insistência da suafilmografia, a posição <strong>de</strong> partida justifica-se, em parte,como forma <strong>de</strong> resistência ao “sistema <strong>de</strong> repressão social”norte-americano.“As comunida<strong>de</strong>s negras e imigrantes dos EstadosUnidos – muitas vezes pobres e marginalizadas – sãoretratadas <strong>de</strong> forma tão negativa nos órgãos <strong>de</strong> comunicaçãosocial do país que, enquanto cineasta,preciso <strong>de</strong> ter consciência da força dasimagens, do que elas significam e“Osdocumentáriosestão perto da vidae retiram <strong>de</strong>laos seus temas.”Maciej Pieprzycatransmitem, dos estereótipos queperpetuam. Nos meus trabalhos,tento quebrar esses estereótipos, às vezes <strong>de</strong> forma poucoperceptível, outras <strong>de</strong> forma mais evi<strong>de</strong>nte”, afirmou.A realizadora, ela própria <strong>de</strong> origens humil<strong>de</strong>s, comorevela na longa-metragem “<strong>Entre</strong> Nós”, exibida no festivale que relata a luta da sua mãe, uma imigrante colombiananos EUA, para sobreviver com dois filhos numa terraestranha, <strong>de</strong>clarou ainda que o seu cuidado com as imagensvisa também “manter o respeito pela vida das pessoasretratas”.Foi isso que procurou, logo em 2006, com “Autumn’sEyes”, que marca a sua estreia na realização. No documentário,o quotidiano <strong>de</strong> miséria <strong>de</strong> uma família <strong>de</strong>origem africana a residir em Nova Jérsia é mostradoatravés <strong>de</strong> um dos seus membros, a pequena AutumnCollier, <strong>de</strong> 3 anos.“Esse trabalho <strong>de</strong>ixou-me apaixonada pelo po<strong>de</strong>r doJJ|Out/Dez 2009|15


REPORTAGEMentre o jornalismo e o cinema“Preciso <strong>de</strong> terconsciência daforça das imagens,do que elassignificam etransmitem, dosestereótipos queperpetuam.”Paola Mendozadocumentário, <strong>de</strong> se serjornalista e <strong>de</strong> se ter ahabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> contar históriasque os protagonistasmuitas vezes são incapazes <strong>de</strong>partilhar por não terem as plataformas a<strong>de</strong>quadas”, recordou.O REAL COMO MATÉRIA-PRIMAO contacto com a realida<strong>de</strong> foi outro aspecto geralmenteassociado ao jornalismo que Paola Mendoza <strong>de</strong>stacoucomo mais-valia do género documental.“Tenciono prosseguir esta abordagem, pois mantémmecom os pés assentes na Terra num meio on<strong>de</strong> facilmentese per<strong>de</strong> o contacto com a realida<strong>de</strong>. Além disso,ajuda-me a perceber que as histórias que quero contar nãovisam apenas entreter, têm algo a dizer num contextomais lato”, explicou.E exemplificando com “Without the King”, um trabalhosobre a Suazilândia que produziu em 2007, salientouque os documentários lhe têm revelado situações que, <strong>de</strong>outro modo, “dificilmente conheceria”, tornando-se, porisso, “gratificantes a nível pessoal e um meio <strong>de</strong> alargar asfronteiras mentais”.Apesar da confessa simpatia pelo género, a realizadoranorte-americana <strong>de</strong>clarou que, tal como certas reportagens<strong>de</strong> maior fôlego, “os documentários exigem muitotempo e empenho” e – o que se torna mais difícil <strong>de</strong> gerir– “nem sempre resultam em algo concreto”. “A verda<strong>de</strong> éque nunca sabemos ao certo qual a qualida<strong>de</strong> e a pertinênciada história que temos em mãos”, confi<strong>de</strong>nciou.“Geralmente, temos uma i<strong>de</strong>ia do potencial da históriamas não conseguimos prever se nos vai levar um, dois,cinco ou <strong>de</strong>z anos a filmar, o que é assustador, pois implicaassumir um enorme compromisso”, concluiu.O realizador búlgaro Stephan Komandarev, nascidoem 1966 em Sófia, não se mostrou tão constrangido com otempo, mas fez questão <strong>de</strong> <strong>de</strong>stacar que esse factor, a par<strong>de</strong> um “envolvimento genuíno” com as fontes, distingueo seu trabalho do ofício <strong>de</strong> repórter.Stephan Komandarev trabalhava como médico numhospital pediátrico quando duas câmaras S-VHS, umamesa <strong>de</strong> montagem e um magnetofone, oferecidos aoestabelecimento para a produção <strong>de</strong> filmes didácticossobre saú<strong>de</strong>, lhe mudaram o rumo profissional. Embreve, os documentários tornar-se-iam o cerne da sua carreira.Do seu currículo fazem parte os premiados “Bread overthe fence”, <strong>de</strong> 2002, e “Alphabet of hope”, <strong>de</strong> 2003, quemostra como crianças <strong>de</strong> 16 al<strong>de</strong>ias numa zona fronteiriça16|Out/Dez 2009|JJ


“Tenho muitosamigos no jornalismoque, querendo fazero seu trabalho da melhormaneira, se queixam<strong>de</strong> não po<strong>de</strong>r <strong>de</strong>dicarmais tempoaos temas.”Stephan Komandareve montanhosa são, diariamente, conduzidas ao longo <strong>de</strong>150 quilómetros para frequentar a única escola da região.O TEMPO COMO INVESTIMENTO“Eu tento ser o mais honesto possível com as pessoascuja vida vou documentar. Mostro-lhes os meus trabalhosanteriores e vou construindo com elas uma relação baseadana confiança”, esclareceu quando inquirido sobre assimilitu<strong>de</strong>s entre o seu ofício e o jornalismo, implicitamentecontrapondo a sua atitu<strong>de</strong> à dos repórteres. E,entre a crítica e o alerta, complementou: “Se nos aproximamosdas pessoas apenas com a intenção <strong>de</strong> obter algo,elas sentem-no imediatamente”.De acordo com Stephan Komandarev, “assim que odocumentário fica pronto, os protagonistas são osprimeiros a vê-lo”, o que ajuda a cimentar “amiza<strong>de</strong>s verda<strong>de</strong>iras”,como as que resultaram <strong>de</strong> “Bread over thefence” e “Alphabet of hope”, assegurou.“Parece anedota mas, no caso <strong>de</strong>ste último, passei tantotempo numa pequena al<strong>de</strong>ia junto à fronteira turca, acerca <strong>de</strong> 500 quilómetros <strong>de</strong> Sófia, que, quando acabei arodagem, havia um comité para que me candidatasse apresi<strong>de</strong>nte da câmara, alegando que eu conhecia todos osproblemas locais”, contou, para realçar uma proximida<strong>de</strong>difícil <strong>de</strong> conquistar num trabalho jornalístico comum.Reforçou também a questão do tempo e da proximida<strong>de</strong>a propósito do seu novo documentário, que inci<strong>de</strong> numapequena localida<strong>de</strong> no noroeste da Bulgária on<strong>de</strong> praticamentesó vivem homens, cabendo a estes tomar conta dascrianças, lavar, cozinhar e, uma vez por mês, receber o dinheiroenviado pelas mulheres que, na sua maioria, estão emItália a tomar conta <strong>de</strong> doentes terminais.“Apesar <strong>de</strong> as filmagens terem <strong>de</strong>morado apenas setemeses, comecei a visitar o local em Fevereiro <strong>de</strong> 2008 e, atéDezembro <strong>de</strong>sse ano, nunca levei a câmara. Ia apenaspara estar e falar com as pessoas. Os primeiros três dias <strong>de</strong>filmagem tiveram lugar já perto do Natal e a rodagem<strong>de</strong>correu até meio <strong>de</strong> Julho passado”, revelou, consi<strong>de</strong>randoesta disponibilida<strong>de</strong> “uma vantagem <strong>de</strong> se serrealizador in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte”.“Tenho muitos amigos no jornalismo que, querendo fazero seu trabalho da melhor maneira, se queixam <strong>de</strong> não po<strong>de</strong>r<strong>de</strong>dicar mais tempo aos temas. Isso suce<strong>de</strong> porque trabalhampara um jornal, para uma televisão... É verda<strong>de</strong> queeles contam com um or<strong>de</strong>nado certo ao fim do mês e eu não,mas também enfrentam imposições e limites dos quais estoulivre”, comparou Stephan Komandarev, prosseguindo: “Eucandidato os projectos a subsídios para ter alguma verbamas, pelo menos, trabalho sem a pressão do tempo. E agirsem pressas é, talvez, o segredo do género documental”. JJJJ|Out/Dez 2009|17


REPORTAGEMentre o jornalismo e o cinemaFerenc Moldoványi, documentarista húngaro«A comunicação com o espectatravés das imagens do que daNasceu em 1960 em Debrecene já teve os seus documentáriosexibidos em canais húngaros,belgas, franceses ou norteamericanos.Há oito anos veio aPortugal com “Crianças doKosovo 2000” e em Setembroregressou com “Outro Planeta”,sobre a exploração infantil.Membro da Associação <strong>de</strong><strong>Jornalistas</strong> Húngaros e daFe<strong>de</strong>ração Internacional <strong>de</strong><strong>Jornalistas</strong>, tem carteiraprofissional mas, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> otítulo o ter sentado no banco dosréus, só a mostra em museus.Jornalismo & <strong>Jornalistas</strong> – O documentário parece ser umparente próximo da gran<strong>de</strong> reportagem. Já trabalhou ambosos géneros, correcto?Ferenc Moldoványi – Há muito tempo fiz algumasreportagens que podiam ser consi<strong>de</strong>radas trabalho jornalístico,mas agora <strong>de</strong>dico-me mais aos documentários<strong>de</strong> autor. “Outro Planeta”, por exemplo, recorre pouco àentrevista. Existem certos monólogos em que as criançascontam os seus sonhos mas não são situações tradicionais<strong>de</strong> reportagem. No entanto, é apenas uma forma diferente<strong>de</strong> fazer as coisas, que não é melhor nem pior. Aliás,no plano audiovisual, temos necessida<strong>de</strong> dos doisgéneros.18|Out/Dez 2009|JJ


ador é mais eficazs palavras»JJ|Out/Dez 2009|19


REPORTAGEMentre o jornalismo e o cinemaJJ – E os dois géneros partilham o espaço televisivo?FM – No contexto da televisão, nas últimas duas décadassurgiram tendências que encaram o documentário comolugar <strong>de</strong> criação, em que se conjuga o tema e a investigaçãoda realida<strong>de</strong> com certas abordagens estéticas, masnão há muitas ca<strong>de</strong>ias com coragem para difundir estetipo <strong>de</strong> trabalho.Por comparação com uma reportagem, há uma diferençaque me parece evi<strong>de</strong>nte: o tempo gasto em torno dotrabalho. Estive cinco anos <strong>de</strong>dicado a “Outro Planeta” enunca haveria hipótese <strong>de</strong> passar tanto tempo a prepararuma reportagem televisiva. Numa televisão isso não é, <strong>de</strong>todo, viável.Em termos <strong>de</strong> exibição, sim, o documentário já passouduas vezes na televisão húngara e no canal belga RTBF 1foi emitido em horário nobre.ISENÇÃO E ÉTICA NA ABORDAGEMJJ – Vai ser difundido também na televisão portuguesa ouficará circunscrito a um itinerário <strong>de</strong> festivais?FM – A minha i<strong>de</strong>ia é, aproveitando esta <strong>de</strong>slocação aPortugal, fazer chegar o trabalho à RTP – que é, aliás, umadas co-produtoras – para permitir a sua exibição aogran<strong>de</strong> público.JJ – Em “Outro Planeta” não temos um narrador a fazer comentáriosou juízos sobre os factos, nem uma opinião ou uma conclusãomoral <strong>de</strong>claradas. Há, pois, uma isenção jornalística.Mas as imagens dizem aquilo que as palavras calam...FM – Quando fizemos “Crianças do Kosovo 2000” os telejornaisaté exibiam cadáveres, imagens muito brutais,pelo que optámos por um registo distinto: uma estética dopreto e branco, a abstracção completa. Só filmámos a coresuma pequena sequência com as crianças.No caso <strong>de</strong> “Outro Planeta”, vimos muitas reportagens<strong>de</strong> diferentes televisões sobre a exploração e a pobreza20|Out/Dez 2009|JJ


“Estive cinco anos<strong>de</strong>dicado a ‘OutroPlaneta’ e nuncahaveria hipótese<strong>de</strong> passar tantotempo a prepararuma reportagemtelevisiva.”“A minha i<strong>de</strong>ia éfazer chegar otrabalho à RTP –que é, aliás, umadas co-produtoras– para permitir asua exibição aogran<strong>de</strong> público.”“A polícia veio <strong>de</strong>imediato,confiscou oequipamento e, aorevistar adocumentação, viua carteira <strong>de</strong>jornalista.”infantis, mas procurámos uma abordagem mais poética.Pessoalmente, creio que a comunicação com o espectadoré mais eficaz através das imagens do que das palavras.Com uma entrevista <strong>de</strong> 10, 15 minutos ou até <strong>de</strong> duashoras a uma criança po<strong>de</strong>mos ficar a conhecer algo, mas ogran<strong>de</strong> plano <strong>de</strong> um rosto cujos olhos exprimem uma tristezaprofunda, uma perda total, po<strong>de</strong> dizer muito mais doque as palavras. Por isso <strong>de</strong>ixamos que os rostos falem porsi.JJ – Focou um certo sensacionalismo <strong>de</strong> que a televisão temsido muitas vezes acusada. Que preocupações éticas <strong>de</strong>vemacompanhar o tratamento <strong>de</strong>stes temas?FM – A ética po<strong>de</strong> ser comum a uma reportagem e a umdocumentário. Em “Outro Planeta”, a equipa fez um trabalhoem estreita colaboração com as crianças. Aquelasque surgem nas imagens queriam mesmo participar – seisso não tivesse acontecido, não as teríamos filmado.Havia também uma relação <strong>de</strong> confiança, pois todossabíamos que o trabalho que estávamos a fazer não iaresolver os problemas <strong>de</strong>las. No entanto, podia sensibilizaro público para a sua condição, como suce<strong>de</strong>u naBélgica, on<strong>de</strong>, após a divulgação televisiva, várias pessoasme enviaram e-mails a perguntar como podiam ajudaraquelas crianças.DETERMINAÇÃO FACE AOS RISCOSJJ – Filmou crianças-soldado, crianças que se prostituem,outras que estão em ofícios e cumprem jornadas laboraisinconcebíveis mesmo para adultos. São situações <strong>de</strong>licadas.Com que obstáculos se <strong>de</strong>parou?FM – As dificulda<strong>de</strong>s variaram com o país, mas possodizer que, no Congo, tivemos <strong>de</strong> andar em fuga. Haviamuitos perigos, pelo que foi preciso <strong>de</strong>terminação e umesforço extra para reduzir o risco. A equipa era constituídaapenas por cinco pessoas e o trabalho foi quase artesanal,com toda a gente a fazer um pouco <strong>de</strong> tudo. Odirector <strong>de</strong> fotografia, que tem 64 anos, trabalhava 18horas por dia sob um calor enorme. Não foi fácil.JJ – Mostrou a carteira <strong>de</strong> jornalista em alguma situação ouisso traria dificulda<strong>de</strong>s acrescidas?FM – Em muitos casos, torna-se mais complicado se ofizer. No Congo, para obter uma autorização <strong>de</strong> rodagemtemos <strong>de</strong> entregar um dossier completo ao Ministério daInformação, pelo que combinámos com a UNICEF e dissemosque íamos filmar as activida<strong>de</strong>s da organização. NoCamboja, foi preciso fazer contactos para ver quem conheciaquem e pagar às pessoas certas para po<strong>de</strong>r filmar.Fiz tudo sem mostrar a carteira <strong>de</strong> jornalista.JJ – Até porque o título profissional já lhe valeu uma sentença<strong>de</strong> prisão...FM – É verda<strong>de</strong>! Foi terrível. Tinha praticamente concluídoas filmagens <strong>de</strong> “Crianças do Kosovo 2000” e só precisava<strong>de</strong> umas pequenas imagens das crianças sérvias.Elas vieram do Kosovo <strong>de</strong> comboio, pois tínhamos combinadoum encontro em Belgrado, on<strong>de</strong> os seus pais haviamsido assassinados. Filmámos sem problemas <strong>de</strong> manhã e,à tar<strong>de</strong>, peguei na câmara apenas para registar algumasimagens da cida<strong>de</strong>.A polícia veio <strong>de</strong> imediato, confiscou o equipamento e,ao revistar a documentação, viu a carteira <strong>de</strong> jornalista.Disseram que a minha situação era ilegal, que não podiacaptar imagens em Belgrado.Ia regressar a Budapeste nessa noite, mas tive <strong>de</strong> ficarpara ser ouvido em tribunal. Pensavam que eu era umespião albanês, ou da CIA, porque viram um visto norteamericano.Foi preciso os diplomatas húngaros intervirem,mas, mesmo assim, fui con<strong>de</strong>nado a cerca <strong>de</strong> ummês <strong>de</strong> prisão ou ao pagamento <strong>de</strong> uma multa <strong>de</strong> perto <strong>de</strong>100 dólares por trabalhar sem autorização na Jugoslávia.Isto foi em Setembro <strong>de</strong> 2000 e, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> então, nunca maisapresentei a carteira <strong>de</strong> jornalista. Só nos museus. JJJJ|Out/Dez 2009|21


REPORTAGEMentre o jornalismo e o cinemaPedro Sena Nunes, realizador e docente“Num documentário não pretendofazer um trabalho <strong>de</strong> actualida<strong>de</strong>”Com 15 anos parcialmente <strong>de</strong>dicados à pedagogia, dirigiu várioslaboratórios <strong>de</strong> criação documental e afirma que a questão daproximida<strong>de</strong> entre documentário e reportagem “já se tem colocado”nas suas aulas. Reconhecendo que, a nível da pesquisa, “há pontos <strong>de</strong>encontro entre realizador e jornalista”, estabelece, porém, diferençasentre os dois géneros.“POR FORMAÇÃO e por experiência, tive <strong>de</strong> apren<strong>de</strong>r atirar aquilo que me interessa <strong>de</strong> quem é focado ou visadono trabalho. Só que, embora isso pareça um procedimentojornalístico, faço-o do ponto <strong>de</strong> vista da partilha, queme parece ser exclusivo do documentário”, <strong>de</strong>clarou,quando questionado acerca das afinida<strong>de</strong>s entre o documentárioe a reportagem.E sublinhou: “Há uma gran<strong>de</strong> distância entre tentar ir<strong>de</strong>scobrindo uma pessoa e escarafunchar para chegar só aoque se quer”. A resposta soa a censura, quase a reprimenda,mas Pedro Sena Nunes esclareceu que “algumas gran<strong>de</strong>sreportagens assemelham-se francamente a documentários”.Na sua opinião, estes últimos apenas não po<strong>de</strong>m ser comparados“à filmagem momentânea <strong>de</strong> um acontecimento”.Porque “a urgência da comunicação social tornaimpraticável um tempo <strong>de</strong> reflexão sobre os materiais”que o documentário requer, explicou ainda, lamentandoque, regra geral, a pressa impeça uma justificada “reinterpretaçãodas imagens” e permita que “as pessoas sejamexpostas <strong>de</strong>snecessariamente na sua fragilida<strong>de</strong>, em situações<strong>de</strong>licadas”.“Imaginando que estou a ver uma casa a ar<strong>de</strong>r... Euseria incapaz <strong>de</strong> ficar a insistir com a pessoa que está aper<strong>de</strong>r a sua habitação para saber o que ela está a sentir”,garantiu, acrescentando que a atitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> algunsrepórteres lhe suscita interrogações: “O que recebe oespectador com essas imagens? I<strong>de</strong>ntifica-se? Vive bemcom isso? Talvez valesse a pena estudar mais esse aspecto,o lado do receptor”.Então, se estivesse no local, com a câmara ao alcance <strong>de</strong>“Há uma gran<strong>de</strong>distância entretentar ir<strong>de</strong>scobrindo umapessoa eescarafunchar parachegar só ao quese quer.”22|Out/Dez 2009|JJ


mão, resistiria a registar o incêndio? “Não, não <strong>de</strong>ixaria <strong>de</strong>filmar a casa em chamas, mas <strong>de</strong>pois procuraria estar coma pessoa no seu mundo e num tempo diferente”, assegurouPedro Sena Nunes, reforçando que a vantagem dodocumentário face, sobretudo, às imagens dos telejornais,é a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>mora.“Num documentário não pretendo fazer um trabalho<strong>de</strong> actualida<strong>de</strong>, ao passo que uma notícia tem <strong>de</strong> estar noar enquanto o é, o que cria um sufoco <strong>de</strong> captar e difundirrapidamente as imagens, já que, quanto mais <strong>de</strong>pressaelas forem conseguidas e divulgadas, mais eficazes serão”,assinalou.Uma <strong>de</strong>strinça que, todavia, “não quer dizer que umdocumentário não possa conter imagens <strong>de</strong> cariz absolutamentejornalístico”. Até porque documentário ereportagem partilham o real enquanto matéria-prima,procurando levá-lo ao espectador.Aliás, para o realizador e docente, o recente boom <strong>de</strong>documentários, “que se evi<strong>de</strong>ncia quer na vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> oscriar, quer na <strong>de</strong> os ver”, <strong>de</strong>nota a existência, nas pessoas,<strong>de</strong> “uma necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> voltar ao contacto com a realida<strong>de</strong>,uma percepção <strong>de</strong> que há outros mundos quepo<strong>de</strong>m ser partilhados”. Um <strong>de</strong>sejo que po<strong>de</strong> ser concretizadopelo bom cinema e pelo melhor jornalismo. JJ"Elogio ao ½"proporcionaleitura jornalísticaPedro Sena Nunestrabalha, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> meadosdos anos 90, num projectointitulado Microcosmos,que o tem levado apercorrer o país <strong>de</strong> Norte aSul. Numa breve <strong>de</strong>scrição:"É um olhar sobre cadaprovíncia que, espero, mevenha a permitir, um dia,ter uma visão pessoal domeu país".Começou por Trás-os-Montes, em 1995, on<strong>de</strong> filmou"Margens", <strong>de</strong>pois esteve no Minho, para rodar"Entraste no jogo, tens <strong>de</strong> jogar, assim na Terracomo no Céu", em 1999. Seguiu-se a Beira Litoral,que em 2003 <strong>de</strong>u origem ao documentário "A Mortedo Cinema", e, dois anos <strong>de</strong>pois, foi a vez da BeiraBaixa, com "Da pele à pedra".Agora filma na Beira Alta mas, antes disso, o ano <strong>de</strong>2006 levou-o ao Algarve, para "Elogio ao ½" - on<strong>de</strong>revisita a Meia-Praia três décadas após o bairro tersido retratado no cinema.Pelo tema "Índios da Meia-Praia", que José Afonsocompôs para o filme "Continuar a Viver", dirigido porAntónio da Cunha Telles em 1976, sabe-se que obairro fica "ali mesmo ao pé <strong>de</strong> Lagos" e quecomeçou por ter cabanas construídas "com setepalmos <strong>de</strong> terra", tornando-se <strong>de</strong> tijolo após "oito milhoras contadas" em que os "índios" - vindos <strong>de</strong>Monte Gordo "por seu próprio pé" - "laboraram apreceito".Escolhendo para a música Gonçalo Tocha eincluindo na equipa Pedro Macedo, como director<strong>de</strong> fotografia, e Ricardo Sequeira, como director <strong>de</strong>som, Pedro Sena Nunes fez, segundo disse, "umgrupo pequeno e quase volátil <strong>de</strong>ntro do bairro" paratentar perceber como se vivia no local em 2006,concluindo que muitas das promessas políticasfeitas 30 anos antes continuavam por cumprir.Daí resultou o quinto documentário da sérieMicrocosmos, assim apresentado por Sena Nunesna entrevista concedida durante o Festroia 2009: "O'Elogio ao ½' tem uma dimensão política, pelo que -por muita poesia que exista no trabalho -proporciona uma leitura jornalística".JJ|Out/Dez 2009|23


ANÁLISEPEDRO CUNHAMédia e publicida<strong>de</strong>O insustentável dilemaOs média e a publicida<strong>de</strong> têm histórias que se entrelaçampraticamente <strong>de</strong>s<strong>de</strong> sempre. Os editores solicitam a publicida<strong>de</strong> comdiligência. Os jornalistas não gostam nada <strong>de</strong>la e manifestam a<strong>de</strong>sconfiança. No entanto este par bem mal harmonizado <strong>de</strong>verá terainda um belo futuro à frente...Texto J.- M. Nobre-Correia *24|Out/Dez 2009|JJ


Dizem os especialistas que apublicida<strong>de</strong> é filha da propaganda.Mas, enquantoque a propaganda “visaobter a a<strong>de</strong>são a um sistemai<strong>de</strong>ológico”, a publicida<strong>de</strong>,por seu lado, visa“<strong>de</strong>senvolver ou manteruma clientela” <strong>de</strong> umaempresa ou agrupamento<strong>de</strong> empresas 1 . Po<strong>de</strong> no entanto acrescentar-se que se anoção <strong>de</strong> publicida<strong>de</strong> comercial remonta à Antiguida<strong>de</strong>romana, as relações da publicida<strong>de</strong> com a imprensa datam<strong>de</strong> bem mais tar<strong>de</strong>, evi<strong>de</strong>ntemente. Que mais não sejaporque a imprensa no sentido <strong>de</strong> publicação periódica sóaparece mesmo no fim do século XVI (os mensários),início do século XVII (os semanários).A partir <strong>de</strong>sta época, os <strong>de</strong>stinos da imprensa e dapublicida<strong>de</strong> vão com efeito estar associados. Será umpuro acaso se aquele que é consi<strong>de</strong>rado como o fundadordo primeiro semanário francês, em 1631, ThéophrasteRenaudot [1586-1653], criador <strong>de</strong> La Gazette,tenha também aberto no ano anterior um “bureau d’adresseset <strong>de</strong> rencontre” (“escritório <strong>de</strong> en<strong>de</strong>reços e <strong>de</strong>encontro”, espécie <strong>de</strong> serviço <strong>de</strong> informações e <strong>de</strong> colocaçãoem empregos, centralizador <strong>de</strong> ofertas e <strong>de</strong> procuras),e seja assim muitas vezes consi<strong>de</strong>rado como sendotambém o fundador da publicida<strong>de</strong> em França? Parafacilitar as operações <strong>de</strong>ste “escritório”, Renaudot publicaaliás um Inventaire <strong>de</strong>s adresses du Bureau <strong>de</strong> rencontreoù chacun peut donner et recevoir avis <strong>de</strong> toutesles nécessitéz et commoditéz <strong>de</strong> la vie et société humaines(«Inventário dos en<strong>de</strong>reços do Escritório <strong>de</strong> encontroon<strong>de</strong> cada um po<strong>de</strong> dar e receber conselhos <strong>de</strong> todasas necessida<strong>de</strong>s e comodida<strong>de</strong>s da vida e socieda<strong>de</strong>humanas») 2 .A “IMPRENSA POPULAR”O<strong>de</strong>stino das duas activida<strong>de</strong>s (o relato da actualida<strong>de</strong>e a expressão <strong>de</strong> opiniões, por um lado, adivulgação <strong>de</strong> produtos e <strong>de</strong> serviços e a correlativarecomendação, por outro lado) passa a ser mais estreitamenteligado a partir do momento em que, sempre noséculo XVII, diversos jornais publicam anúncios para promoveroutras publicações do mesmo impressor-editor(livros e periódicos) ou <strong>de</strong> produtos benfazejos dizendorespeito à arte <strong>de</strong> tratar e <strong>de</strong> curar. E no <strong>de</strong>curso dos séculosXVII e XVIII encontram-se, aqui e além, através daEuropa, folhas inteiras ou largamente consagradas aosanúncios, propondo os serviços mais diversos: casas àvenda ou para alugar, cargos a ce<strong>de</strong>r, guarda <strong>de</strong> doentes…Como The Publick Adviser, lançado já em 1657 emLondres por Marchamont Nedham [1620-1678]. Ou comonos Intelligenzblättern alemães, cujo primeiro exemploconhecido é o <strong>de</strong> Francoforte, lançado em 1722.A publicida<strong>de</strong> verda<strong>de</strong>iramente comercial dá entradanos jornais por ocasião da criação no mesmo dia, 1 <strong>de</strong>Julho <strong>de</strong> 1836, em Paris, dos diários La Presse, <strong>de</strong> Émile <strong>de</strong>Girardin, e Le Siècle, <strong>de</strong> Armand Dutacq. A história reteveGirardin [1806-1881] como sendo o criador da “imprensaa baixo preço”. A sua análise é simples: “o preço <strong>de</strong> assinaturados jornais diários não está em justa relação com amodicida<strong>de</strong> da renda média da gran<strong>de</strong> maioria dos leitoresfranceses que se compõem <strong>de</strong> proprietários rurais” 3 .Des<strong>de</strong> logo, para baixar o preço, Girardin procura fazerbaixar os encargos fiscais aos quais são submetidos os editores.Não o conseguindo, <strong>de</strong>ci<strong>de</strong> recorrer à publicida<strong>de</strong>,inspirado numa prática já frequente em diversas publicaçõesbritânicas.Doravante os jornais não terão só uma mas sim duasfontes <strong>de</strong> receitas: as assinaturas (as vendas avulso sãoraras nessa época) e a publicida<strong>de</strong>. Girardin po<strong>de</strong>rá assimdividir por dois o preço habitual <strong>de</strong> uma assinatura. E“bastarão poucas semanas para que Girardin e Dutacq saibamque o sucesso <strong>de</strong>les não é uma ilusão. Antes do fimdo verão, serão os felizes proprietários dos dois jornaismais vendidos da imprensa parisiense. Sem tomar leitoresaos outros títulos: simplesmente ven<strong>de</strong>ndo os seus jornaisaos que, antes, não compravam nenhum” 4 .Este novo mo<strong>de</strong>lo económico da imprensa toma umadimensão diferente em 1 <strong>de</strong> Fevereiro <strong>de</strong> 1863, por ocasiãodo lançamento do diário Le Petit Journal. Porque paraMoïse Polydore Millaud [1813-1871], trata-se <strong>de</strong> baixar opreço <strong>de</strong> venda do jornal para que seja três a quatro vezesmenos caro que os seus concorrentes. Condição essencialpara que se possa assistir ao nascimento <strong>de</strong> uma “imprensapopular”, o jornal sendo doravante vendido antes domais avulso e já não por assinatura. E, bem evi<strong>de</strong>ntemente,as receitas publicitárias <strong>de</strong>sempenham um papel maiorna estratégia económica da empresa. Um mo<strong>de</strong>lo económicoque será igualmente aplicado em Portugal por ocasiãodo lançamento do Diário <strong>de</strong> Notícias por EduardoCoelho [1835-1889] em 29 <strong>de</strong> Dezembro <strong>de</strong> 1864 5 . Mastambém, por exemplo, na Grã-Bretanha com o Daily Mail,lançado por Alfred Harmsworth [futuro Lord Northcliffe,1865-1922] em 4 <strong>de</strong> Maio <strong>de</strong> 1896.CONCEITOS DIFERENTESPara interessar um público popular e atingir umadifusão suficientemente importante <strong>de</strong> natureza ainteressar os anunciantes, a fórmula editorial dosjornais vai mudar profundamente. Com Girardin haverámenos actualida<strong>de</strong> parlamentar e editoriais, e mais actualida<strong>de</strong>judiciária. Millaud acrescentará a isso romances--folhetins (a fim <strong>de</strong> fi<strong>de</strong>lizar os leitores) e crónicas; fará“subir” os “faits divers” 6 para a primeira página ; prestaráJJ|Out/Dez 2009|25


ANÁLISEmédia e publicida<strong>de</strong>uma atenção muito particular à vulgarização da ciência,da história, da geografia e da política, assim como à simplificaçãodo estilo <strong>de</strong> escrita. Em 1890, Le Petit Journalultrapassa o milhão <strong>de</strong> exemplares. O seu jovem concorrente,Le Petit Parisien, lançado em 1876, ultrapassa-o edota-se em 1904 <strong>de</strong> um subtítulo proclamando que é “amais forte tiragem dos jornais do mundo inteiro”, atingindoos 3 031 312 exemplares no dia seguinte ao do armistício<strong>de</strong> Novembro <strong>de</strong> 1918. Enquanto que o jovem DailyMail, em Londres, ultrapassa o milhão <strong>de</strong> exemplares apartir <strong>de</strong> 1901.Após a Primeira Guerra Mundial, a imprensa vaiporém ver-se confrontada a um recém-chegado à cenamediática: a rádio. Experimental antes da guerra, a rádioafirma claramente as suas ambições logo nopós-guerra. Globalmente, duas teses se confrontamentão: a que consi<strong>de</strong>ra que a nova tecnologia<strong>de</strong>ve fazer parte do domínio dos serviçospúblicos dos correios, telégrafos e telefones;a que estima que a sua exploração <strong>de</strong>vepertencer à iniciativa privada. Por outro lado,há países que optam pelo monopólio da rádio<strong>de</strong> serviço público (Itália, Alemanha, Grã-Bretanha), outros pela coabitação legal do sectorpúblico e do sector privado (Portugal eEspanha), outros ainda por uma coabitação <strong>de</strong>facto dos dois sectores (Bélgica e França),outros enfim pelo monopólio privado(Luxemburgo).A situação será diferente <strong>de</strong> um país para o outro noque diz respeito ao serviço público, alguns <strong>de</strong>les fazendocoabitar taxa e publicida<strong>de</strong> (como na Alemanha, a partir <strong>de</strong>1924). Mas lá on<strong>de</strong> existem estações privadas, estas vão tera publicida<strong>de</strong> como única (ou quase única) fonte <strong>de</strong> receitas.O que vai ter como consequência programações que sedistinguirão cada vez mais: concertos, óperas, peças <strong>de</strong>teatro, emissões literárias, históricas, escolares e religiosasdo lado das estações públicas ; varieda<strong>de</strong>s, canções, jogos ehumor nas estações privadas (caso nomeadamente daRadio Luxembourg, lançada em 15 <strong>de</strong> Março <strong>de</strong> 1933 ecom uma audiência transnacional 7 ). O interesse do meiopublicitário pela rádio é aliás posto particularmente emevidência pela participação da francesa Havas (simultaneamenteagência <strong>de</strong> informação e concessionária <strong>de</strong> publicida<strong>de</strong>)no capital <strong>de</strong> Radio Luxembourg, mas também pelaaquisição em 1935 <strong>de</strong> Radio Cité, em Paris, por MarcelBleustein (futuro Bleustein-Blanchet, 1906-1996), que tinhafundado a agência <strong>de</strong> “reclame” Publicis em 1926.A PRODUÇÃO DE MASSAAutilização da rádio como veículo <strong>de</strong> propaganda,antes como durante a Segunda GuerraMundial, teve como consequência a nacionalizaçãodas estações praticamente por toda a parte naEuropa. Concretamente com duas excepções: o Portugalsalazarista e a Espanha franquista on<strong>de</strong>, paradoxalmente,continuam a coabitar rádios públicas e rádios privadas;os mini-Estados tais como o Luxemburgo, Andorra eMónaco on<strong>de</strong> só as rádios privadas existem, por razõesligadas aos fracos meios <strong>de</strong> que dispõem as administraçõespúblicas. O caso mais significativo em termos <strong>de</strong>publicida<strong>de</strong> é o <strong>de</strong> França. Porque apesar <strong>de</strong> um estatutolegal impondo o monopólio <strong>de</strong> serviço público (<strong>de</strong>sprovido<strong>de</strong> publicida<strong>de</strong>) quatro estações privadas emitindodo exterior imediato das fronteiras visam osouvintes e os anunciantes franceses : RadioLuxembourg, Radio Monte Carlo, Sud Radio (emitindoa partir <strong>de</strong> Andorra) e Europe 1 (emitindo a partir doprotectorado francês do Sarre,antes que, por referendo, eleseja unido à Alemanha). E apublicida<strong>de</strong> será rainha nestas“rádios periféricas”.Um terceiro actor faz irrupçãono campo mediático: a televisão.Nascida no seio das estações<strong>de</strong> rádio, terá quase portoda a parte um estatuto <strong>de</strong>monopólio, geralmente <strong>de</strong> serviçopúblico (possa embora aestação ter um estatuto legal <strong>de</strong>empresa privada, como na Itáliaou em Portugal 8 ). Com a excepçãomais uma vez do Luxemburgo e do Mónaco, on<strong>de</strong> temum estatuto privado. Com a excepção também da Grã-Bretanha on<strong>de</strong>, sob a pressão nomeadamente dos meiospublicitários, é criada a ITV (In<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nt Television), espécie<strong>de</strong> fe<strong>de</strong>ração <strong>de</strong> estações regionais nascidas a partir <strong>de</strong>22 <strong>de</strong> Setembro <strong>de</strong> 1955, que coabitará com a pública BBC(British Broadcasting Corporation).Desta vez porém, a atitu<strong>de</strong> em matéria <strong>de</strong> publicida<strong>de</strong>é contrastada: várias instituições públicas escolhem programarsequências publicitárias a fim <strong>de</strong> prover um médiacustoso em termos <strong>de</strong> produção e <strong>de</strong> funcionamento.Algumas <strong>de</strong>las recorrem à publicida<strong>de</strong> logo no início dassuas emissões (caso da RTP 9 ), outras terão acesso a elabastante rapidamente, alguns anos <strong>de</strong>pois da entrada emfuncionamento.Após uma fase <strong>de</strong> reconstrução das suas infra-estruturas,a Europa oci<strong>de</strong>ntal entra num período <strong>de</strong> expansãoeconómica e <strong>de</strong> irrupção da produção <strong>de</strong> massa. E paradinamizar a vida económica e activar o consumo, a publicida<strong>de</strong>assume um papel motor <strong>de</strong>cisivo. Des<strong>de</strong> logo, nãoé um acaso se Télé Monte-Carlo, a francesa Europe 1, TéléLuxembourg, a britânica ITV e a francesa Sud Radio sãocriadas entre 1954 e 1958, num momento em que asempresas comerciais procuram ace<strong>de</strong>r à publicida<strong>de</strong>audiovisual e em que os criadores <strong>de</strong> novas estações têmo sentimento que os anunciantes não po<strong>de</strong>rão senão acolhê-las<strong>de</strong> braços abertos. A este momento chave suce<strong>de</strong>A publicida<strong>de</strong>verda<strong>de</strong>iramentecomercial dá entradanos jornais por ocasiãoda criação no mesmodia, 1 <strong>de</strong> Julho <strong>de</strong> 1836,em Paris, dos diáriosLa Presse, <strong>de</strong> Émile <strong>de</strong>Girardin, e Le Siècle, <strong>de</strong>Armand Dutacq26|Out/Dez 2009|JJ


outro que se po<strong>de</strong> situar em torno <strong>de</strong> 1968, quando — ironiada história 10 — a publicida<strong>de</strong> é introduzida na televisãoem França…A PARTILHA DO “BOLO”Por volta do fim das “trinta gloriosas” (como lheschamou o economista e sociólogo Jean Fourastié), emais precisamente em 1971, 81 % do resultado <strong>de</strong>exploração <strong>de</strong> Le Figaro tinham como origem a publicida<strong>de</strong>,enquanto que no Le Mon<strong>de</strong> contribuía em 69 %. NaGrã-Bretanha, em 1973, esta intervenção atingia 80 % noFinancial Times, 73 % no The Times, 60 % no DailyTelegraph e 57 % no The Guardian 11 . Recor<strong>de</strong>mos poréma este propósito que é só em 1952 que The Guardianrenuncia à sua primeira página publicitária e em 1966 queThe Times o faz também, quando são consi<strong>de</strong>rados comoos dois diários <strong>de</strong> referência por excelência da socieda<strong>de</strong>britânica…Porém, este período <strong>de</strong> esplendor publicitário para aimprensa diária começa a dar sinais <strong>de</strong> enfraquecimento:a “crise económica” (dita “petrolifera”) começa a produziros seus efeitos, enquanto que a <strong>de</strong>smonopolização do sectoraudiovisual, com a criação <strong>de</strong> numerosas estações <strong>de</strong>rádio e <strong>de</strong> televisão, vai seriamenteafectar a parte leoninado “bolo publicitário” que aimprensa açambarcava. E estadisputa feroz entre diários,periódicos, rádios e televisõescoloca-os cada vez mais numaposição <strong>de</strong> <strong>de</strong>pendência, e até<strong>de</strong> submissão em relação àpublicida<strong>de</strong>, aos publicitários eaos anunciantes: estes dispunhamdoravante <strong>de</strong> uma multiplicida<strong>de</strong><strong>de</strong> escolhas possíveissem comparação com todo oPara interessar umpúblico popular eatingir uma difusãosuficientementeimportante <strong>de</strong> naturezaa interessar osanunciantes, a fórmulaeditorial dos jornaisvai mudarprofundamenteperíodo prece<strong>de</strong>nte. Com o que isso significa em termos<strong>de</strong> encolhimento da margem <strong>de</strong> latitu<strong>de</strong> dos editores, dosdirectores e dos jornalistas na concepção dos seus média eno tratamento da informação.Evi<strong>de</strong>ntemente, todos os média não se encontram emsituação idêntica: os média generalistas <strong>de</strong> larga difusãodispõem <strong>de</strong> uma margem <strong>de</strong> manobra bem maior peranteas pressões dos anunciantes do que os média especializados<strong>de</strong> difusão restrita. Os primeiros contam com umleque <strong>de</strong> anunciantes suficientemente vasto para que aperda <strong>de</strong> um <strong>de</strong>les possa ter um impacto relativamentemenor nas receitas publicitárias. Pelo contrario, um médiaespecializado (sobre automóveis, sobre cinema, por exemplo)corre o risco <strong>de</strong> ver os anunciantes <strong>de</strong> um mesmo sectoreconómico escapar-lhe durante algum tempo oumesmo <strong>de</strong>finitivamente.Esquematicamente, as pressões exercidas pelos publicitáriose os anunciantes po<strong>de</strong>m <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>r <strong>de</strong> quatrotipos <strong>de</strong> diligências: manifestar o seu <strong>de</strong>scontentamentoperante tratamentos da actualida<strong>de</strong> que lhes dizem respeitoe não dão <strong>de</strong>les, das suas empresas, produtos eserviços a imagem que <strong>de</strong>sejam propor ; favorecer apublicação <strong>de</strong> “peças” e <strong>de</strong> “temas” redactoriais que osvalorizem e globalmente positivos sobre as suas empresas; inspirar a criação <strong>de</strong> rubricas, suplementos, ca<strong>de</strong>rnos,emissões especiais, “directos” consagrados às suasiniciativas (inauguração <strong>de</strong> feiras e salões, abertura <strong>de</strong>novas lojas, lançamento <strong>de</strong> novos produtos,…); convidaros responsáveis dos média a proce<strong>de</strong>rem a reposicionamentoseditoriais capazes <strong>de</strong> respon<strong>de</strong>r melhoraos alvos 12 socioeconómicos <strong>de</strong>sejados pelas suas empresas13 .O NÓ DA QUESTÃOEsta capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> pressão e <strong>de</strong> intervençãoaumenta a partir do momento em que o média seencontra em posição <strong>de</strong> fragilida<strong>de</strong> (baixa da difusãoe da audiência, situação financeira <strong>de</strong>ficitária…). Mastambém, evi<strong>de</strong>ntemente, do momento em que tensõessociais e políticas fazem nascer incertezas a propósito dofuturo ou do momento em que a conjunturaeconómica se torna sombria, situações queprovocam uma redução sistemática dosmeios financeiros que as empresas consagramà publicida<strong>de</strong>. Anunciantes e publicitáriostornam-se então menos a<strong>de</strong>ptos <strong>de</strong> operações<strong>de</strong> sedução em relação aos média emais claramente partidários <strong>de</strong> negociaçõesduras, a pulso, exigentes sobre as tarifaspublicitárias praticadas pelos média comosobre as “trocas <strong>de</strong> boas maneiras” às quaisestes média estariam dispostos em termos <strong>de</strong>informação e <strong>de</strong> emissões.Perante tais exigências, o potencial <strong>de</strong> resistênciados média é fraco, porque a publicida<strong>de</strong> lhes permitepraticar uma política <strong>de</strong> preços <strong>de</strong> venda aceitávelpelos leitores: lá on<strong>de</strong> as 8 páginas (em gran<strong>de</strong> formato 14 )do Le Canard enchaîné se fazem ven<strong>de</strong>r a 1,20 euro emFrança e as 16 páginas (em tablói<strong>de</strong>) <strong>de</strong> Charlie Hebdope<strong>de</strong>m 2 euros, ambos sem publicida<strong>de</strong> 15 , Le Mon<strong>de</strong> propõeuma média <strong>de</strong> 40 páginas (em berlinês 16 ) a 1,40 euroe Libération 40 páginas (em tablói<strong>de</strong>) a 1,30. Enquanto quea britânica BBC (cujas televisões <strong>de</strong>stinadas ao estrangeirosão as únicas que praticam a publicida<strong>de</strong>, sendo as <strong>de</strong>stinadasao interior totalmente <strong>de</strong>sprovidas) dispõe <strong>de</strong> umataxa anual <strong>de</strong> 195,36 euros, em França as rádios públicas(sem publicida<strong>de</strong>) e as televisões públicas (com publicida<strong>de</strong>17 ) obrigam os <strong>de</strong>tentores <strong>de</strong> receptores a pagar apenas116,00 euros.Todo o nó da questão está aqui : a publicida<strong>de</strong> intervémfortemente na concepção editorial dos média e noJJ|Out/Dez 2009|27


ANÁLISEmédia e publicida<strong>de</strong>tratamento da informação. Mas, sem publicida<strong>de</strong>, aimprensa diária francófona belga, por exemplo, seriaobrigada a praticar preços <strong>de</strong> venda <strong>de</strong> pelo menos 1,5 a2,4 vezes superiores aos que os leitores estão habituados18 . E muito dificilmente se imagina que amaioria <strong>de</strong>stes leitores estaria em condições<strong>de</strong> pagá-los ou disposta a pagá-los 19 . As taxas<strong>de</strong> audiência atingidas pela imprensa gratuita(na maioria dos casos altamente criticávelno plano jornalístico 20 ) ilustram bem, a contrario,este dilema. E as contradições nasquais se <strong>de</strong>batem os sítios <strong>de</strong> informação nainternet ilustram este insustentável realida<strong>de</strong>:os internautas <strong>de</strong>sertam a gran<strong>de</strong>ssíssimamaioria dos sítios a pagamento, sem publicida<strong>de</strong>,para se voltarem para os sítios gratuitos,muitas vezes invadidos por uma publicida<strong>de</strong>intempestiva, ainda mais embrutecedorado que a que conhecíamos já nos outrosmédia.É certo que se po<strong>de</strong>ria dizer da publicida<strong>de</strong>que, por vários aspectos, tem uma função <strong>de</strong> informação apropósito <strong>de</strong> produtos e <strong>de</strong> serviços dos quais, <strong>de</strong> qualquermaneiras, as pessoas terão realmente necessida<strong>de</strong> navida quotidiana. Mas não <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser menos verda<strong>de</strong> quea função prioritária da publicida<strong>de</strong> é sobretudo <strong>de</strong> levar opúblico a optar por um tipo <strong>de</strong> produto ou <strong>de</strong> serviço, em<strong>de</strong>trimento dos outros, e a pagar um montante <strong>de</strong> dinheiropara po<strong>de</strong>r obtê-lo. A publicida<strong>de</strong> visa o consumidor enão o cidadão, ao contrário mesmo da função <strong>de</strong> informar21 . E é um infortúnio para os média (e sobretudo paraos média <strong>de</strong> informação) que a publicida<strong>de</strong> seja geralmenteum mal necessário…A VIRAGEM DA CRISEAcrise financeira <strong>de</strong>clarada em Setembro <strong>de</strong> 2008,que teve como consequência a crise económicainiciada logo em 2009, trouxe consigo uma gravecrise dos <strong>investimento</strong>s publicitários que afectou particularmenteos média “tradicionais” (impressa, rádio e televisão)em diferentes graus. A tal ponto que se assistiu a umaredução importantes dos efectivos das redacções, daspaginações dos jornais e das produções audiovisuais,assim como a um aumento do preço <strong>de</strong> venda dos diáriose dos periódicos.Mas a crise trouxe também três novida<strong>de</strong>s. A primeiradas quais foi a crise da imprensa gratuita, gravementeatingida, provocando nomeadamente o <strong>de</strong>saparecimento<strong>de</strong> numerosos títulos: caso <strong>de</strong> Sexta e <strong>de</strong> MeiaHora, em Portugal, <strong>de</strong> Metro, em Espanha, ou TheLondon Paper, na Grã-Bretanha, para citar apenas quatrocasos. A segunda novida<strong>de</strong> é mais exactamente umaconfirmação: a migração cada vez mais evi<strong>de</strong>nte dos<strong>investimento</strong>s publicitários dos “média tradicionais”para a internet, movimento claramente ilustrado no primeirosemestre <strong>de</strong> 2009, no Reino Unido, tendo os<strong>investimento</strong>s publicitários na internet (23,5 % do total)ultrapassado pela primeira vez os realizados na televisão(21,9 %) 22 .A terceira novida<strong>de</strong>, maisincerta, porque constitui <strong>de</strong>certo modo uma aposta, é ofacto <strong>de</strong> vários grupos e média<strong>de</strong> importância mundial oumais simplesmente nacionalterem <strong>de</strong>cidido que haveriaque pôr termo a uma “economiada gratuida<strong>de</strong>” suicidária.Já que a informação <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong>supõe equipas redactoriaisimportantes e custos elevados<strong>de</strong> produção, pelo quetem que ser paga. O queimplica que os sítios <strong>de</strong> informaçãona internet, autónomosou emanando <strong>de</strong> “média tradicionais”, tenham que passara exigir um pagamento aos que <strong>de</strong>sejam consultá--los 23 . Pagamento reservado a certos tipos <strong>de</strong> conteúdos,à gran<strong>de</strong> maioria ou à totalida<strong>de</strong> dos conteúdos.Pagamento por assinatura ou à peça. Uma revoluçãocoperniciana na qual a publicida<strong>de</strong> continuará certamentea ter um papel importante. Mas provavelmentemenos importante do que o que assumiu durante quaseJJdois séculos…A publicida<strong>de</strong> intervémfortemente naconcepção editorial dosmédia e no tratamentoda informação. Mas,sem publicida<strong>de</strong>, aimprensa diáriafrancófona belga, porexemplo, seria obrigadaa praticar preços <strong>de</strong>venda <strong>de</strong> pelo menos 1,5a 2,4 vezes superioresN.A.: Artigo integrado num dossiê intitulado “Publicida<strong>de</strong> : agran<strong>de</strong> barrela. Cidadãos, consumidores, papalvos ?” publicadopela revista bimestral belga Politique (nº 58, Fevereiro <strong>de</strong> 2009,http://politique.eu.org) <strong>de</strong> que o autor é membro da redacção<strong>de</strong>s<strong>de</strong> a origem.Traduzido e adaptado pelo autor.Bruxelas, 10 <strong>de</strong> Dezembro <strong>de</strong> 2008 e 7 <strong>de</strong> Outubro <strong>de</strong> 2009.* Mediólogo, professor <strong>de</strong> Teoria da Informação Jornalística, <strong>de</strong>História dos Média na Europa e <strong>de</strong> Sócio-economia dos Média naEuropa na Université Libre <strong>de</strong> Bruxelles. Autor da rubrica“Planeta Média” publicada aos sábados no Diário <strong>de</strong> Notícias.28|Out/Dez 2009|JJ


1) B. De Plas e H. Verdier, La Publicité, Paris,PUF, 1968, pp. 5-6.2) Muitas das referências <strong>de</strong>ste texto provêm<strong>de</strong> J.-M. Nobre-Correia, Histoire <strong>de</strong>s Médiasen Europe, 10.a edição, Bruxelas, PUB, 2008,368 p.3) Citado por E. Cazenave et C. Ullmann-Mauriat, Presse, radio et télévision en France<strong>de</strong> 1631 à nos jours, Paris, Hachette, 1994, p.25.4) P. Pellissier, Émile <strong>de</strong> Girardin, Paris,Denoël, 1985, p. 102.5) Ver a este propósito J. Tengarrinha,História da imprensa periódica portuguesa,1.a edição, Lisboa, Portugália, 1965, pp. 187-188 ; 2.a edição, Lisboa, Caminho, 1989, pp.213-215.6) Que se saiba, os filólogos lusófonos aindanão se preocuparam em encontrar umaterminologia portuguesa para traduzir estetermo francês. Os melhores dicionáriosfranceses <strong>de</strong>finem-no das seguintesmaneiras. Le Nouveau Petit Robert : “osacontecimentos do dia (relacionados com osaci<strong>de</strong>ntes, <strong>de</strong>litos, crimes) sem ligação entreeles, fazendo objecto <strong>de</strong> uma rubrica nosmédia “. Lexis : “notícias pouco importantesinteressando uma pessoa ou um gruporestrito <strong>de</strong> pessoas”. Le Petit Larousse :“Acontecimento sem impacto geral quepertence à vida quotidiana”. Le NouveauLittré : “conjunto <strong>de</strong> artigos <strong>de</strong> um jornaldizendo respeito aos acontecimentos do diarelativos à criminalida<strong>de</strong>, à <strong>de</strong>linquência,etc.”.7) J.-M. Nobre-Correia, « Querela francobelgaem torno <strong>de</strong> uma luxemburguesa… »,in A Cida<strong>de</strong> dos média, Porto, Campo dasLetras, 1996, pp. 123-148.8) A RTP (Radiotelevisão Portuguesa) foicriada como SARL <strong>de</strong> que o Estado <strong>de</strong>tinha20 mil acções do capital, o Rádio <strong>Clube</strong>Português 9 260, a Rádio Renascença 4 630,os Emissores do Norte Reunidos 2 310, ORádio <strong>Clube</strong> <strong>de</strong> Moçambique 2 310, osEmissores Associados 1 400, a Rádio Ribatejo30, a Rádio Pólo Norte 30, o Posto Emissor <strong>de</strong>Radiodifusão do Funchal 20, a Rádio <strong>Clube</strong><strong>de</strong> Angra 10, a Caixa Geral <strong>de</strong> Depósitos,Crédito e Previdência 2 150, o BancoNacional Ultramarino 2 125, o Banco EspíritoSanto e Comercial <strong>de</strong> Lisboa 2 150, o BancoFonsecas, Santos & Viana 2 150, o BancoLisboa & Açores 2 150, o Banco Borges &Irmão 2 150, o Banco José Henriques Totta 2150, o Banco Português do Atlântico 2 150, oBanco Pinto & Sotto Mayor 1 000, o BancoBurnay 1 000, o Crédit Franco-Portugais 500,o Bank of London & South América 300 eArmando Stichini Vilela 25 (Estatutos daR.T.P. — Radiotelevisão Portuguesa S.A.R.L.[escritura <strong>de</strong> 15 <strong>de</strong> Dezembro <strong>de</strong> 1955]).9) O que estava previsto pelo artigo 3, alíneab dos Estatutos da Socieda<strong>de</strong>.10) Foi nesse ano que teve lugar o movimentoque ficou na História como « Maio <strong>de</strong> 68 »,que <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ou nomeadamente (eaparentemente) uma contestação radical dasocieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> consumo…11) J.-Cl. Texier, « Société et publicité », inCl. Vielfaure, La Publicité <strong>de</strong> A à Z, Paris, Retz,1971, p. 413.12) « Ciblage » em francês, « targeting »em inglês.13) A concessionária <strong>de</strong> publicida<strong>de</strong> RégieMédia Belge (RMB), dando parte dos <strong>de</strong>sejosdos seus anunciantes, inspirou assimlargamente o reposicionamento das cincorádios da pública RTBF em Fevereiro-Abril <strong>de</strong>2004.14) « Sabana » em castelhano, « grandformat » em francês, “lenzuolo” em italiano, «broadsheet » em inglês.15)Le Canard enchaîné e Charlie Hebdo sãodois semanários satíricos, o primeiro dosquais atribui muita importância àinvestigação, enquanto que o segundo dámais espaço à caricatura e ao humor.16) Formato adoptado pelo portuguêsExpresso por ocasião da reforma <strong>de</strong> 9 <strong>de</strong>Setembro <strong>de</strong> 2006.17) Mas, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 5 <strong>de</strong> Janeiro <strong>de</strong> 2009, apública France Télévisions suprimiu apublicida<strong>de</strong> dos ecrãs entre as 20h00 e as 6h0,<strong>de</strong>vendo a supressão total, em princípio, terlugar num próximo futuro. Esta iniciativaserviu <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>lo ao governo espanhol, umalei promulgada em 29 <strong>de</strong> Agosto <strong>de</strong> 2009suprime a publicida<strong>de</strong> dos ecrãs da públicaTelevision Española a partir <strong>de</strong> 1 <strong>de</strong> Janeiro <strong>de</strong>2010.18) A mesma tentativa <strong>de</strong> cálculo foi feita porquatro vezes pelo autor, em Março e Abril <strong>de</strong>2009, junto dos directores dos cinco diáriosgeneralistas nacionais portugueses : Correioda Manhã, Diário <strong>de</strong> Notícias, Jornal <strong>de</strong>Notícias, Público e 24 Horas. Só o director doCorreio da Manhã respon<strong>de</strong>u à pergunta,com uma informação pouco conclusiva. Odirector do Público prometeu respon<strong>de</strong>r, masnunca <strong>de</strong>u seguimento aos “mails” seguintessobre o assunto. Os directores dos outros trêsdiários nunca respon<strong>de</strong>ram a nenhum dos“mails” do autor…19) Para uma abordagem mais geral do temaver J.-M. Charon, La Presse quotidienne, Paris,La Découverte, 2005, p. 49.20) Mas, ao longo do ano <strong>de</strong> 2008, emdiferentes países europeus, a imprensagratuita começou a dar já sinais <strong>de</strong> crise,consequência imediata da própria crisefinanceira e económica.21) J.-M. Nobre-Correia « Uma certa morteanunciada…», in JJ, Jornalismo e <strong>Jornalistas</strong>,Lisboa, n° 22, avril-juin 2005, pp. 6-14. Ou,numa versão revista e aumentada, J.-M.Nobre-Correia, « Une certaine mortannoncée… », in Communication etLangages, Paris, ed. Armand Colin, n° 147,Março <strong>de</strong> 2006, pp. 15-24.22) Le Mon<strong>de</strong>, 2 <strong>de</strong> Outubro <strong>de</strong> 2009, p. 17.23) Rupert Murdoch <strong>de</strong>u o sinal mais forte<strong>de</strong>sta viragem pouco tempo <strong>de</strong>pois <strong>de</strong>, emfins <strong>de</strong> 2007, ter tomado o controle do estadouni<strong>de</strong>nseThe Wall Street Journal. Mas JohnRidding, director executivo do britânicoFinancial Times, afirma claramente a mesmaviragem quando recorda que « o jornalismo éum ofício, é uma competência, que requerformação, que requer <strong>investimento</strong> » (TheGuardian, Londres, 2 <strong>de</strong> Outubro <strong>de</strong> 2009).JJ|Out/Dez 2009|29


ENTREVISTAMinoCarta«O nosso jornalismo é <strong>de</strong> umMino Carta, um dos mais renomados jornalistas brasileiros, nãoescon<strong>de</strong> o seu <strong>de</strong>sprezo pela imprensa. Lí<strong>de</strong>r das equipes quecriaram Veja, Jornal da Tar<strong>de</strong>, Quatro Rodas, Isto É e Carta Capital, fazparte daquele grupo <strong>de</strong> profissionais que ajudou a escrever a históriarecente do Brasil. Em sua longa trajetória, iniciada aos 15 anos,participou <strong>de</strong> inúmeras polêmicas, criou inimigos entre os militares eos barões da imprensa, mas sempre teve a ventura <strong>de</strong> ter nas mãosum veículo para expressar a sua opinião. Privilégio raro na vida damaior parte dos jornalistas.Maria da Paz Trefaut*30|Out/Dez 2009|JJ


a mediocrida<strong>de</strong> dolorosa»OLGA VLAHOU


ENTREVISTAMino CartaControverso e solitário em sua trincheira,aos 76 anos continua seu ofício comodiretor <strong>de</strong> redação da revista semanalCarta Capital (75 mil exemplares <strong>de</strong>tiragem), fundada por ele e com freqüênciaacusada <strong>de</strong> representar ummo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> jornalismo que o presi<strong>de</strong>nte Lula quer favorecer.De sua parte, Mino Carta rebate dizendo que é aliadocrítico do governo e que, apesar <strong>de</strong> todas as falhas, o governoLula é a melhor coisa que o Brasil já teve.Genovês, <strong>de</strong> uma família <strong>de</strong> jornalistas que imigroupara o Brasil, faz parte <strong>de</strong> uma geração que não frequentouas escolas <strong>de</strong> comunicação, pois não existiam, e queapren<strong>de</strong>u o ofício no dia-a-dia das redações. Talvez porisso, a sua eterna companheira <strong>de</strong> mesa ainda seja umavelha máquina <strong>de</strong> escrever Olivetti, que ajuda a manter ofolclore que cerca a sua persona. Do computador, garante,só se aproxima com cautela. Foi justamente a propósito daleitura <strong>de</strong> jornais pela Internet, hábito que cultiva, que aconversa começou:É verda<strong>de</strong> que você não abre jornais pela manhã?Abro o Corriere <strong>de</strong>lla Sera, que recebo todos os dias. NaInternet vejo os jornais estrangeiros, basicamente inglesese italianos. Eu não leio a imprensa brasileira. Só quando opessoal da redação diz que tem algo que eu <strong>de</strong>vo ler. Àsvezes leio o editorial do Estadão como exercício <strong>de</strong>humorismo. São textos humorísticos. A perseguição doEstadão ao Sarney (presi<strong>de</strong>nte do Senado, acusado <strong>de</strong> corrupçãoe nepotismo, que esteve <strong>ameaça</strong>do <strong>de</strong> per<strong>de</strong>r ocargo recentemente) é um caso exemplar. A mídia conhecea historia <strong>de</strong>le <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que foi governador do Maranhão,escolhido pela ditadura. Ele foi presi<strong>de</strong>nte da República enunca li nada parecido com o que estão escrevendo agora.Só agora que é aliado <strong>de</strong> Lula caiu em <strong>de</strong>sgraça. Não éestranho?Li uma frase sua dizendo que, comparado aos outros países,o jornalismo brasileiro é indigente. Não é um pouco radical?O nosso jornalismo é medíocre. Eu posso gostar <strong>de</strong> hipérboles,<strong>de</strong> vez em quando, e exagerar nas minhas<strong>de</strong>finições: admito tranquilamente. Mas é claro que nossojornalismo é <strong>de</strong> uma mediocrida<strong>de</strong> dolorosa. Em primeirolugar é muito mal escrito. As pessoas lidam mal com overnáculo. Claro que há aquela meia dúzia que escrevemuito bem. Mas são exceções, são flores <strong>de</strong> um orquidárioraro. Há um jornal da praça que se orgulha <strong>de</strong> escrevertudo em trinta linhas e <strong>de</strong> usar 100 palavras, uma coisa<strong>de</strong>ssas. As razões <strong>de</strong>correm do fato <strong>de</strong> que o jornalista<strong>de</strong>spreza o público nativo. Ele tem a certeza <strong>de</strong> que amaioria é composta por imbecis. Olha a trajetória darevista Veja. Eles tentaram se adaptar à imbecilida<strong>de</strong> dosleitores.Para transformá-la na maior revista do país?Eles aviltaram a língua que, a meu ver, é sempre a nossapátria. Por ora não estou me referindo às posições políticas<strong>de</strong>ste ou daquele órgão. Falo apenas da escrita. Nossosjornais estão longe <strong>de</strong> ser mo<strong>de</strong>rnos. São impressos emmáquinas estrangeiras e sujam as mãos. Mas a questãográfica é a última da discussão. O segundo aspecto a levarem conta é a postura. Os jornalistas brasileiros, ao contrário<strong>de</strong> todos os outros que conheço – trabalhei naEuropa, fiz estágio nos Estados Unidos e Alemanha –, sepautam pelo pensamento único. Estão na mão do po<strong>de</strong>r.Do po<strong>de</strong>r transcen<strong>de</strong>nte, não do contingente, representadopor este ou aquele presi<strong>de</strong>nte da República. Estão namão do po<strong>de</strong>r imanente. Eu não sou do PT (Partido dosTrabalhadores), não sou filiado, mas tento praticar um jornalismohonesto.O que você acha do Lula?Lula fez um governo sob muitos pontos <strong>de</strong> vista melhordo que os anteriores. Lula é conciliador <strong>de</strong>mais, não fez oque <strong>de</strong>via na área social nem na ambiental.E na econômica?Nessa área fez um governo muito favorável aos banqueiros.Mas não é por isso que ele é atacado. O governoa favor dos banqueiros encanta jornais como O Estado <strong>de</strong>São Paulo, a Folha, e a televisão nem se fala. O problemaé que aqui não há <strong>de</strong>bate jornalístico. Se você vai para aInglaterra, Estados Unidos, França, as mais diversastendências se manifestam por meio <strong>de</strong> órgãos <strong>de</strong> comunicação.Aqui não, são todos juntos contra o Lula. Assimcomo foram todos a favor do golpe <strong>de</strong> 1964. É uma coisavergonhosa! E <strong>de</strong>pois apoiaram a ditadura, quechamavam <strong>de</strong> “revolução”.Você não acha que com a <strong>de</strong>mocratização...Qual <strong>de</strong>mocratização! Só porque existe formalmente umparlamento? Por que temos eleições? Isso é pouco para ser<strong>de</strong>mocrático.Mas há uma pluralida<strong>de</strong> <strong>de</strong> opiniões na imprensa que nãoexistia.Pluralida<strong>de</strong>? Desculpa, mas não vejo. O negócio aqui émalhar o Lula. Tudo contra o Lula. Agora será contra aDilma Roussef (candidata <strong>de</strong> Lula à presidência em 2010)e a favor do Serra (José Serra, governador <strong>de</strong> São Paulo,do Partido da Social Democracia – PSDB). Escreve aí evocê verá.Por que isso acontece numa imprensa que é sempre favorávelao po<strong>de</strong>r, como você disse? Objetivamente o Lula é opresi<strong>de</strong>nte da República e tem seus acertos políticos juntoao po<strong>de</strong>r.Você conhece o ódio <strong>de</strong> classe? A questão é que o Lula éum operário que chegou lá. Eles não perdoam. Fazem <strong>de</strong>tudo para tentar pegar o Lula. O mensalão (esquema <strong>de</strong>compra <strong>de</strong> votos <strong>de</strong> parlamentares), por exemplo, não foiprovado. O que foi provado foi a existência <strong>de</strong> caixa 2, queé uma tradição da política brasileira.A mídia não provou nada?Tentou, mas não conseguiu. Nada foi provado. Assimcomo as supostas escutas telefônicas envolvendo o presi<strong>de</strong>ntedo Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, Gilmar Men<strong>de</strong>s (cuja32|Out/Dez 2009|JJ


Eu não leio a imprensa brasileira.Só quando o pessoal da redação dizque tem algo que eu <strong>de</strong>vo ler. Às vezesleio o editorial do Estadão comoexercício <strong>de</strong> humorismoNosso jornalismo é <strong>de</strong> umamediocrida<strong>de</strong> dolorosa. Em primeirolugar é muito mal escrito. As pessoaslidam mal com o vernáculo.Claro que há aquela meia dúzia queescreve muito bem. Mas são exceções,são flores <strong>de</strong> um orquidário raroOs jornalistas brasileiros, aocontrário <strong>de</strong> todos os outros queconheço, se pautam pelo pensamentoúnico. Estão na mão do po<strong>de</strong>r.Do po<strong>de</strong>r transcen<strong>de</strong>nte, não docontingente, representado por este ouaquele presi<strong>de</strong>nte da Repúblicafita original nunca apareceu). A Folha, o Estadão e a Vejaescreveram coisas absurdas. Nunca ninguém viu essa fita,mas as pessoas acreditam numa suposta conversa. Issosão coisas do Brasil, um país muito atrasado.A questão do pensamento único é bastante complexa.Assim como são proce<strong>de</strong>ntes observações que você faz,também existe o outro lado, em países como Cuba e naVenezuela <strong>de</strong> Hugo Chavez.Claro, claro. É sempre uma análise ten<strong>de</strong>nciosa que se faz.Não peça a objetivida<strong>de</strong> porque ela não existe. Somossubjetivos ao colocarmos no papel uma mera vírgula. Mastemos <strong>de</strong> ser honestos. E a honestida<strong>de</strong> se consegue, emprimeiro lugar, respeitando a verda<strong>de</strong> factual. Isto é umtelefone, isto é um cofre, não tem discussão. Ao mesmotempo, você tem que usar o espírito crítico. E, finalmente,você tem que fiscalizar o po<strong>de</strong>r on<strong>de</strong> quer que se manifeste.Se você executa a contento esses três princípios básicos,você será honesto. Sujeito a erros, sujeito a chuvas etrovoadas. E é isso que se <strong>de</strong>ve pedir a um jornalista. Osnossos jornalistas são <strong>de</strong>sonestos, esse é o começo dahistória. E o jornalismo impresso brasileiro é feito para aelite. Nossa elite é <strong>de</strong> uma incompetência monumental.De um exibicionismo e <strong>de</strong> uma vulgarida<strong>de</strong> sublimes.Comem mal, vestem-se mal, moram pessimamente nessesespigões com terraço gourmet. É uma coisa triste.Vivemos uma crise sem prece<strong>de</strong>ntes na imprensa. Há quemdiga que a profissão está em extinção. Você acredita nisso?Esse é um problema do mundo. O jornalismo impressoestá com claras dificulda<strong>de</strong>s. Na França saiu recentementeuma matéria muito bem feita – acho que na L’Express –sobre o problema que o jornalismo europeu estáenfrentando. Sabemos as razões: há alguns canais <strong>de</strong>comunicação novos, não sabemos como tudo vai evoluir,mas a evolução será muito rápida. Quero ser otimista.Estou convencido <strong>de</strong> que a escrita é insubstituível, masprecisa ser aplicada em outros meios. A própria Internet ésempre um exercício da escrita. Também acho que a escritaestá por trás <strong>de</strong> um bom programa da televisão ou dorádio. Como está por trás <strong>de</strong> um bom filme ou do teatro.É preciso um texto para que os atores o recitem no palco.Acho que certo tipo <strong>de</strong> jornalismo ainda é útil enecessário, embora os públicos sejam cada vez maisreduzidos...Para o reflexivo?Sim, para esse, para o analítico, e também para o jornalismodo furo.Da gran<strong>de</strong> reportagem.É, quando você se antecipa, você é único e se tornaextremamente útil. Eu ainda confio e é essa a razão domeu otimismo, nesse tipo <strong>de</strong> jornalismo.Você acha que o jornalismo tem se tornado entretenimento?Isso vale para o Brasil. Na Europa a Economist, oObserver fazem gran<strong>de</strong>s reportagens, arrasadoras em termos<strong>de</strong> pesquisas e <strong>de</strong> informações. O El Pais é um ótimojornal.JJ|Out/Dez 2009|33


ENTREVISTAMino CartaTempos atrás você escreveu um texto no seu ex-blog dizendoque a sua crença no jornalismo havia falido. O jornalismonão é, <strong>de</strong> alguma maneira, um exercício <strong>de</strong> perda <strong>de</strong> ilusõespermanente?De um modo geral acho que sim, concordo com essa colocaçãoda perda <strong>de</strong> ilusões permanente, porque a gentesempre se <strong>de</strong>fronta com a precarieda<strong>de</strong> do ser humano.Isso cria certas <strong>de</strong>silusões. Na verda<strong>de</strong>, escrevi um blogporque me pediram, porque o pessoal da Carta Capitalachou que um blog ajudaria na venda <strong>de</strong> assinaturas darevista. Aí me <strong>de</strong>parei com um bando <strong>de</strong> cães raivosos,acobertados pelo anonimato. Aí perdi a esperança que oblog seja um canal válido.Você é amigo do Lula e nas duas eleições a Carta Capital fezuma <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> voto, que foi uma coisa inédita aqui.Inédita no Brasil. Estavam todos com o Serra em 2002.Estavam todos com o Alckmin (Geraldo Alckmin, ex-governador<strong>de</strong> São Paulo e candidato <strong>de</strong>rrotado do PSDB)MASAO GOTO34|Out/Dez 2009|JJ


Não peça a objetivida<strong>de</strong> porque elanão existe. Somos subjetivos aocolocarmos no papel uma meravírgula. Mas temos <strong>de</strong> ser honestos.E a honestida<strong>de</strong> se consegue, emprimeiro lugar, respeitando a verda<strong>de</strong>factualem 2006. Mas toda a imprensa fingia, se dizia isenta. Tantahipocrisia dói (ri).Então a <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> voto foi para por as cartas na mesa?Fiz como faz o New York Times que <strong>de</strong>clara: “Somos afavor do Sr. Obama”. Os jornais europeus também fazemisso. Você se <strong>de</strong>fine. Você po<strong>de</strong> até dizer: o adversário ébom, mas nós achamos que este é melhor.Ainda assim é possível manter uma cobertura equilibrada?Mas o que toda a mídia fez com o Lula em 2002? E em1989? Conseguiram eleger o Collor!Todo o mundo sabia que ele não era “caçador <strong>de</strong> marajás”coisa nenhuma. E a mídia compactuou com isso.Quem inventou esse lema caçador <strong>de</strong> marajás? A Veja!Você já disse que até 1964 tinha sido um jornalista <strong>de</strong> algumamaneira mercenário. Explique melhor.Eu virei jornalista por causa <strong>de</strong> um terno azul marinho,não é uma piada. Quando eu tinha 15 anos haveria omundial <strong>de</strong> futebol no Brasil e meu pai foi convidadopelos ex-colegas italianos para escrever sobre apreparação. Como ele <strong>de</strong>testava futebol, me perguntou seeu gostaria <strong>de</strong> escrever. Ao saber quanto me pagariam,pensei que o dinheiro daria para fazer um terno azul marinhopara ir aos bailes <strong>de</strong> sábado. E escrevi os tais artigos.Depois foi montada em São Paulo a agência Ansa, on<strong>de</strong>trabalhei como tradutor. Aí fui para a Itália, trabalhei látrês anos até que o Victor Civita (dono da Editora Abril naépoca) ir a Roma e me convidar para voltar ao Brasil.Voltei porque ele me ofereceu um salário que, naquelemomento para mim, era absolutamente impensável naItália. E mercenário, sim, porque vim fazer uma revista <strong>de</strong>automóveis. Eu disse ao Civita que não distinguia umVolkswagen <strong>de</strong> uma Merce<strong>de</strong>s. Para mim, automóveis sãocoisas que não tem o menor interesse. Mas ele me convenceudizendo que se a Quatro Rodas <strong>de</strong>sse certo, eu iriadirigir uma revista semanal (a Veja – ainda sem nome),que eles tinham planos <strong>de</strong> lançar. Eu vivia apertado comose vivia na Europa no final dos anos 1950, não comiacarne todos os dias. Então aceitei fazer uma revista <strong>de</strong>automóveis e foi um sucesso.Até hoje é.Olha, é a única coisa que merece o meu orgulho. Sementen<strong>de</strong>r nada <strong>de</strong> carros fiz uma revista que sobreviveulargamente a mim e continua fiel aos intuitos iniciais. Erauma revista que cobria muito turismo, o que permitiu aosCivita, <strong>de</strong>pois, criar os Guias Quatro Rodas (que foram osprimeiros guias <strong>de</strong> restaurantes do Brasil). Tinha muitosbons repórteres, gente que sabia escrever. Eles não iam sócontar que tinha um hotel assim, assado, faziam matériassociológicas. Descreviam o lugar: a paisagem física ehumana.Depois você foi para o Jornal da Tar<strong>de</strong>, não é?Na verda<strong>de</strong>, em 1964, já <strong>de</strong>pois do golpe, o Julio <strong>de</strong>Mesquita Neto me convidou para fazer a edição <strong>de</strong>esportes do Estadão. Eu estava a fim <strong>de</strong> me livrar daQuatro Rodas, porque o projeto da tal revista tinha gora-JJ|Out/Dez 2009|35


ENTREVISTAMino CartaEstou convencido <strong>de</strong> que aescrita é insubstituível,mas precisa ser aplicadaem outros meios.A própria Internet ésempre um exercício daescrita. Também achoque a escrita está por trás<strong>de</strong> um bom programada televisão ou do rádioEscrevi um blog porqueme pediram, porque opessoal da CartaCapital achou que umblog ajudaria na venda<strong>de</strong> assinaturas darevista. Aí me <strong>de</strong>pareicom um bando <strong>de</strong> cãesraivosos, acobertadospelo anonimato.Aí perdi a esperançaque o blog seja umcanal válidodo por causa da renúncia do Jânio Quadros. Criou-secerta tensão política no país. E o Victor Civita chegou àconclusão que era melhor adiar a idéia do semanário.Nesse meio tempo o dono do Estadão me disse que aedição <strong>de</strong> esportes era um embrião do vespertino que pretendiamlançar. E isso me abria a perspectiva <strong>de</strong> um jornalismomais estimulante, menos mercenário. No JT elesme <strong>de</strong>ram muita liberda<strong>de</strong> – não i<strong>de</strong>ológica, mas formal.O JT foi um marco na imprensa brasileira.Eu também acho. Mas não era um jornal empenhadopoliticamente, a política era ditada pelo dono (RuiMesquita). Era reacionário do ponto <strong>de</strong> vista político. Masfazíamos belas reportagens, era um jornal graficamentemuito ousado. Foi então que os Civita vieram me convidarpara dirigir a Veja e eu vi que ali havia a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> ser um mercenário. Porque havia uma ditadurano Brasil, a censura já havia começado, mas a autonomiaque os Civita me prometiam fazia sentido. Eles não entendiamda política brasileira. Enfim, mas foi em função <strong>de</strong>tudo isso que acabei virando um jornalista <strong>de</strong> verda<strong>de</strong>.Na Veja?Exatamente.Depois <strong>de</strong> sair da Veja, apesar <strong>de</strong> tudo, você sempre conseguiuter a tua revista. Como foi possível?Bom, sai da Veja, mas meu irmão ( Luis Carta, que posteriormenteseria dono da Vogue no Brasil) e um sócio tinhamuma empresa, a editora Três e preocupados commeu <strong>de</strong>stino me ofereceram um emprego. Juntos,acabamos fundando a Isto É, on<strong>de</strong> eu não po<strong>de</strong>ria tratar<strong>de</strong> política porque eles temiam a censura. Era uma revistamensal anódina, que só quando acabou a censura <strong>de</strong>cidimostransformar em semanal. Era uma revista impressapessimamente, que <strong>de</strong>u certo.A Carta Capital você também começou mensal.No caso da Carta a evolução foi mais lenta. Começoumensal, virou quinzenal e só bem <strong>de</strong>pois, semanal. Nósestamos agora completando oito anos <strong>de</strong> semanal.E dá para se manter?Estamos apertados, bem apertados. Não é fácil, é uma lutainsana.Pela crise ou por outros problemas?Neste momento você junta as duas coisas. A redação épequeníssima, ela tem a <strong>de</strong>sconfiança <strong>de</strong> muitos publicitários.Por ser uma revista favorável ao governo e pelo fato <strong>de</strong> vocêser amigo do Lula?Por ser consi<strong>de</strong>rada uma revista favorável ao governo eporque uma quantida<strong>de</strong> enorme <strong>de</strong> colegas leva lenha àfogueira dizendo que somos uma revista chapa branca.Isso, porque os jornalistas são completamente sintonizadoscom o patrão. Aliás, este é o único país que tenho conhecimentoem que os jornalistas chamam o patrão <strong>de</strong>colega. E on<strong>de</strong> o patrão tem carteirinha do sindicato. Foradaqui, patrão é patrão e empregado é empregado. Você vêque a ex-prefeita Marta Suplicy <strong>de</strong>u o nome <strong>de</strong> RobertoMarinho para uma avenida em São Paulo e conseguiuescrever em baixo: “jornalista”. Essa é a nossa elite! É umavergonha.Mas você também tem trânsito na elite.O que você quer dizer com trânsito na elite?Você consegue anúncios para a tua revista, a gente sabeque a socieda<strong>de</strong> tem certo jogo...Não, não. O nosso é um país covar<strong>de</strong>, no qual o povo estáno limbo. A elite não enten<strong>de</strong> que Lula é imbatível porqueo povo se i<strong>de</strong>ntifica com ele. Pouco importa o que o Lulafaz, para eles é “um igual a nós que chegou lá”. Por issoque ele tem índices <strong>de</strong> aprovação nunca antes navegados.Ninguém foi tão popular, nem o Getúlio Vargas.36|Out/Dez 2009|JJ


Jornal| <strong>Clube</strong>Encontro europeu em LisboaReunião anual da Fe<strong>de</strong>ração <strong>de</strong> <strong>Clube</strong>s <strong>de</strong> <strong>Jornalistas</strong> <strong>de</strong>correu em Portugal,juntando 15 directores <strong>de</strong> vários paísesO<strong>Clube</strong> <strong>de</strong> <strong>Jornalistas</strong> <strong>de</strong>tém,em 2009, a presidênciarotativa da Fe<strong>de</strong>raçãoEuropeia <strong>de</strong> <strong>Clube</strong>s <strong>de</strong> <strong>Jornalistas</strong> eorganizou em Lisboa, entre os dias10 e 13 <strong>de</strong> Junho, a AssembleiaGeral anual da organização.Participaram no encontrorepresentantes dos <strong>Clube</strong>s <strong>de</strong>Barcelona, Paris, Londres, Frankfurt,Lyon, Viena e Varsóvia. A reunião foicomplementada com encontrosinstitucionais, nomeadamente noParlamento, on<strong>de</strong> os jornalistasinternacionais foram recebidos peloPresi<strong>de</strong>nte da Assembleia daRepública, Jaime Gama, e com quemtrocaram i<strong>de</strong>ias sobre os resultadosdas eleições europeias.Também José Saramago recebeu,na se<strong>de</strong> da sua Fundação, em Lisboa,os representantes dos <strong>Clube</strong>s <strong>de</strong><strong>Jornalistas</strong> do espaço europeu, parauma conversa informal. O escritorfalou da polémica com SílvioBerlusconi, na sequência da censuraao seu último livro em Itália e doartigo que assinou no El País, on<strong>de</strong>classificou o primeiro-ministro <strong>de</strong>David Seles e Mário Zambujal«<strong>de</strong>linquente»; da preocupação como alastrar da corrupção na socieda<strong>de</strong>actual; e também das dificulda<strong>de</strong>s doexercício do jornalismo: «É muitodifícil ser jornalista hoje… oumelhor, po<strong>de</strong> ser muito difícil ser ojornalista que se quer ser.»Os representantes dos <strong>Clube</strong>seuropeus visitaram ainda asinstalações da RTP e da RDP erealizaram uma visita à capital e àregião <strong>de</strong> Sintra-Cascais, com oapoio do Turismo <strong>de</strong> Lisboa e doTurismo <strong>de</strong> Portugal. A maioria dosconvidados estava pela primeira vezem Lisboa, cida<strong>de</strong> que percorreramem Go-Car (carros eléctricosO Grupo recebido por Jaime Gamasemelhantes a um kart), saindo dolargo Camões até ao castelo <strong>de</strong> SãoJorge e, daí, até Belém. Gostaramespecialmente do ambiente dasfestas da cida<strong>de</strong> e <strong>de</strong> um jantartípico, <strong>de</strong> sardinha assada, numlargo popular <strong>de</strong> Alfama.A Fe<strong>de</strong>ração Europeia <strong>de</strong> <strong>Clube</strong>s<strong>de</strong> <strong>Jornalistas</strong>, fundada em Paris há20 anos, procura favorecer o diálogoe a cooperação entre organizaçõescongéneres no espaço europeu,facilitar a utilização recíproca <strong>de</strong>instalações e serviços aos seusmembros e o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong>contactos entre os jornalistas e asinstituições políticas, económicas eculturais <strong>de</strong> todos ospaíses membros. O<strong>Clube</strong> <strong>de</strong> <strong>Jornalistas</strong> émembro da Fe<strong>de</strong>raçãoEuropeia <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 2007.Na reuniãorealizada em Lisboa foi<strong>de</strong>batida a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong>criar um prémioeuropeu <strong>de</strong>fotojornalismo,envolvendo todos osclubes membros. Foiigualmente <strong>de</strong>batida a necessida<strong>de</strong><strong>de</strong> criar um site conjunto que possaagregar as informações relativas atodos os clubes da Fe<strong>de</strong>ração mas,por motivos logísticos e financeiros,optou-se por adiar esse projecto eavançar, para já, com uma newslettermensal, a distribuir por todos ossócios, e pela integração <strong>de</strong>informação nos sites próprios <strong>de</strong>cada clube.A abertura da Fe<strong>de</strong>ração aospaíses do leste europeu será umadas priorida<strong>de</strong>s ao longo dopróximo ano, tendo sido aprovadacom especial agrado, em Lisboa, aa<strong>de</strong>são do <strong>Clube</strong> <strong>de</strong> <strong>Jornalistas</strong> <strong>de</strong>Varsóvia. JJ38|Out/Dez 2009|JJ


Com José SaramagoVisita às instalações da RTPJJ|Out/Dez 2009|39


Jornal | PrémiosA festa dos Prémios Gazeta 2008Com a presença do Chefe <strong>de</strong>Estado, teve lugar, noimponente hall da Caixa Geral<strong>de</strong> Depósitos, em Lisboa, a festa dosPrémios Gazeta 2008, atribuídos aSofia Leite e António Louçã, da RTP(Gran<strong>de</strong> Prémio Gazeta), VítorRodrigues Oliveira, da Antena 1(Revelação), Diário do Sul (ImprensaRegional) e José Carlos Visão, doJornal <strong>de</strong> Letras e Visão (Gazeta <strong>de</strong>Mérito).Apresentada por Dina Soares, acerimónia iniciou-se com aintervenção do Presi<strong>de</strong>nte do CJ,Mário Zambujal, que sublinhou aimportância da iniciativa navalorização da qualida<strong>de</strong> e mérito dojornalismo no nosso País e agra<strong>de</strong>ceua disponibilida<strong>de</strong> quer do Presi<strong>de</strong>nteda República quer da Caixa Geral <strong>de</strong>Depósitos na presença e apoio aosmais prestigiados galardões dosMedia nacionais.O Presi<strong>de</strong>nte do CJ saudou, naoportunida<strong>de</strong>, o mérito e qualida<strong>de</strong>dos jornalistas galardoados e lembrou,comovido, o exemplo eprofissionalismo <strong>de</strong> Acácio Barradas,Rui Cartaxana, Edite Soeiro e JoãoMesquita, membros do <strong>Clube</strong>,recentemente falecidos.Faria <strong>de</strong> Oliveira, Presi<strong>de</strong>nte daCGD, elogiou, igualmente osjornalistas premiados e reafirmou adisponibilida<strong>de</strong> do patrocinador dosGazetas no apoio ás iniciativas do CJ.Presente pela quarta vezconsecutiva na cerimónia dos Gazeta,Cavaco Silva surpreen<strong>de</strong>u as largas<strong>de</strong>zenas convidados com uma bemhumorada intervenção on<strong>de</strong>, apretexto das necessárias cautelas aoter <strong>de</strong> falar, em pleno períodoeleitoral, perante “jornalistas ehomens e mulheres da comunicaçãosocial”, acabou por aludir, <strong>de</strong> formaindirecta, à crise social e económica eà qualida<strong>de</strong> da informação. O PRlembrou o “ambiente jornalísticopolíticoque se vive no país”, comodificulda<strong>de</strong> acrescida para umaintervenção formal e, aconselhado porum assessor – não jornalista, frisou - a“falar, falar e não dizer nada”, acaboupor concordar que essa era “uma boai<strong>de</strong>ia”, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que abrisse a excepção<strong>de</strong> falar dos premiados e concluiu asua intervenção precisamente comelogios aos jornalistas galardoados.JJ40|Out/Dez 2009|JJ


Mário Zambujal, presi<strong>de</strong>nte do<strong>Clube</strong> <strong>de</strong> <strong>Jornalistas</strong>, e Faria<strong>de</strong> Oliveira, Presi<strong>de</strong>nte daCGD, recebem o Chefe <strong>de</strong>Estado na sua chegada aoedifício da Caixa Geral <strong>de</strong>Depósitos, on<strong>de</strong> <strong>de</strong>correu afesta dos Prémios GazetaO Presi<strong>de</strong>nte da República no uso da PalavraMário ZambujalFaria <strong>de</strong> Oliveira, Presi<strong>de</strong>nte da CGD, durante a sua intervençãoO Diário do Sul, vencedor do Prémio <strong>de</strong> Imprensa RegionalMário Zambujal, Cavaco Silva, Sofia Leite e Faria <strong>de</strong> Oliveiradurante o jantar que se seguiu à entrega dos PrémiosMaria Cavaco Silva la<strong>de</strong>ada por Augusto Santo Silva e José CarlosVasconcelosJJ|Out/Dez 2009|41


Jornal | PrémiosIntervençõesSofia LeiteHá dois anos, estava longe <strong>de</strong>imaginar que um dia estariaaqui, a falar da “lista <strong>de</strong>Chorin”. O António e eu tinhamosacabado <strong>de</strong> participar numa sériesobre os 50 anos da RTP equeriamos avançar com umagran<strong>de</strong> reportagem que tirasse omaior partido das nossasespecializações. Encontrámo-nosnum café, num dia feriado, paratrocar i<strong>de</strong>ias sobre temas que eleconhecia relacionados com asegunda guerra mundial. Dosvários temas que abordámos, estepareceu-me o mais a<strong>de</strong>quado a umprograma <strong>de</strong> televisão,especialmente para uma televisãonacional, uma vez que a históriatinha uma componente portuguesa.Além disso, tinha o principalinteresse <strong>de</strong> reavivar a memória dasatrocida<strong>de</strong>s cometidas pelos nazis epo<strong>de</strong>ria contribuir para evitar queoutros genocidios passem<strong>de</strong>spercebidos e possam atingirproporções comparaveis às doholocausto. “Quem ignora a históriaestá con<strong>de</strong>nado a repeti-la.”Assim se <strong>de</strong>u o primeiro passopara a realização da “lista <strong>de</strong>Chorin”. Não é por acaso quefizemos este programa na RTP.Dificilmente uma estação privada seteria interessado por uma gran<strong>de</strong>reportagem que exige a <strong>de</strong>dicação atempo inteiro <strong>de</strong> jornalistas durantevários meses, com um extensotrabalho <strong>de</strong> pesquisa, até nosarquivos americanos, e várias<strong>de</strong>slocações. Na RTP, isso foipossivel, há dois anos. O entãodirector <strong>de</strong> informação, LuisMarinho, interessou-se por esteprojecto e <strong>de</strong>u-nos luz ver<strong>de</strong>.Outro factor <strong>de</strong>cisivo foi aparticipação dos membrossobreviventes da familia Weiss-Chorin, a quem agra<strong>de</strong>cemos terem--se disposto a contarem-nos, diante dacâmara, uma história que durante 60anos, tinham recalcado. Erammemórias dificeis <strong>de</strong> assumir parauma familia, que em troca da suafortuna, conseguiu salvar-se fazendocom as SS uma negociação impossivelpara o mais <strong>de</strong> meio milhão <strong>de</strong>ju<strong>de</strong>us húngaros que acabaram numcampo <strong>de</strong> concentração.Quero também agra<strong>de</strong>cer aos<strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes dos diplomatasportugueses, Sampaio Garrido eTeixeira Branquinho, que nosrevelaram o trabalho que estesfizeram na legação portuguesa naHungria, em 1944.Quanto a este prémio, o seuprestigio vem encorajar o jornalismo<strong>de</strong> investigação. Mas não se po<strong>de</strong><strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> assinalar a preocupaçãocom o futuro do género gran<strong>de</strong>reportagem. Infelizmente cada vezparece existir menos espaço paraeste tipo <strong>de</strong> projectos, mesmo numaestação vinculada pelas obrigações<strong>de</strong> serviço publico. É importante queestes trabalhos <strong>de</strong> investigação, quehoje com gran<strong>de</strong> satisfação, vemospremiados, não se tornem numaespécie em vias <strong>de</strong> extinção.Quero ainda agra<strong>de</strong>cer a toda aequipa que trabalhou na lista <strong>de</strong>Chorin e sem qual não teria sidopossivel levar a bom termo esteprograma. Pedro Silveira Ramos,reporter <strong>de</strong> imagem, PauloAlexandre, editor vi<strong>de</strong>o, AméliaFerreira e Isabel Igreja, produtoras,Luisa Vaz, pesquisadora, AntónioGarcia, sonoplasta, Maria FlorPedroso que fez a locução e NicolauTu<strong>de</strong>la para o vi<strong>de</strong>o grafismo.Dedico este prémio à minha filhaBárbara, a quem roubei muito tempoque po<strong>de</strong>ria ter passado com elapara fazer este programa.E por último quero agra<strong>de</strong>cer àDirecção do <strong>Clube</strong>.António LouçãUm prémio <strong>de</strong>ste tipo terá <strong>de</strong>ser sempre olhado com ummanual <strong>de</strong> instruções oucom um <strong>de</strong>cálogo. E o primeiromandamento é: “Não esquecerás aequipa”. Uma gran<strong>de</strong> reportagem ésempre o resultado dum trabalhocolectivo. Para além da equipa, quea Sofia já referiu, houve ajudasimportantes em Viena <strong>de</strong> Ilse Dick,em Washington <strong>de</strong> Ferenc Katonna,em Lisboa <strong>de</strong> Camilo Azevedo, ehouve principalmente o trabalhoinspirador e pioneiro dahistoriadora húngara Eva Ban.Um segundo mandamento reza oseguinte: “Não te apropriarás dosméritos alheios”. Ao premiar uma coautoria,claro que o prémio nãopodia dar a medida justa do papelprimordial que neste trabalho<strong>de</strong>sempenhou a Sofia Leite. Mas euposso e <strong>de</strong>vo dar uma i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong>ssepapel se disser que a Sofia não só foia alma do programa na sua partepropriamente televisiva, on<strong>de</strong> issoera esperado, aten<strong>de</strong>ndo à suareconhecida competência, mastambém “invadiu”, no melhorsentido, a área da investigaçãohistórica, em que eu supostamentejogava em casa e supostamente teriamenos lições a receber. Pura ilusão:temos sempre lições a receber e eurecebi-as, neste caso, da Sofia Leite.Agora, injustiças, manuais <strong>de</strong>42|Out/Dez 2009|JJ


instrução e <strong>de</strong>cálogos àparte, esteprémio constitui sem dúvida umencorajamento, não só às pessoaspremiadas, mas a todos os quetrabalham com verda<strong>de</strong>iro espírito<strong>de</strong> serviço público na área da gran<strong>de</strong>reportagem, contra a corrente dostempos. Mas a verda<strong>de</strong> é que noquadro duma tendência paneuropeia<strong>de</strong> <strong>de</strong>smantelamento dosserviços públicos, temos vindo aassistir, um pouco por todo o lado, à<strong>de</strong>gradação dos padrões <strong>de</strong>qualida<strong>de</strong> em televisão. Os mo<strong>de</strong>losdo futuro parecem ser cada vezmenos os duma BBC nos seusmelhores tempos e cada vez mais o<strong>de</strong> televisões empobrecidas eberlusconizadas. Também emPortugal vemos a gran<strong>de</strong>reportagem a ser inexoravelmenterelegada ao papel <strong>de</strong> parente pobredo entretenimento e da informaçãodiária – isto sem <strong>de</strong>sprimor algumpara a informação diária, mas com aconsciência angustiada da falta quelhe faz, como complemento, umolhar para além da espuma dos dias.Num arco <strong>de</strong> tempo longo, temos<strong>de</strong> constatar que nenhum dosgovernos da República se empenhousem ambiguida<strong>de</strong>s em lançarfundamentos sólidos para umserviço público <strong>de</strong> televisão – o únicocaldo <strong>de</strong> cultura em que po<strong>de</strong> viveruma gran<strong>de</strong> reportagem <strong>de</strong>qualida<strong>de</strong> e exigência. O sr.Presi<strong>de</strong>nte da República não me<strong>de</strong>ixará mentir, porque já foi chefe <strong>de</strong>três governos e bem sabe que nestecapítulo o balanço dos seus governosnão foi talvez pior, mas também nãofoi certamente melhor que o dosoutros. E o mesmo po<strong>de</strong> dizer-se dosr. Ministro dos AssuntosParlamentares e do governo querepresenta.Dir-se-á que, se todos os governosse têm portado mal, esta <strong>de</strong>ve ser umalei <strong>de</strong> ferro e pouco haverá que sepossa fazer. A conclusão é <strong>de</strong>primente,mas acha-se <strong>de</strong>smentida por sinais quenos chegam da socieda<strong>de</strong>, ao cabo, porexemplo <strong>de</strong> mais <strong>de</strong> um ano <strong>de</strong> umaenérgica intervenção dos professoresAntónio Louçã e Sofia Leite (foto da página ao lado), foram os vencedores do Gran<strong>de</strong>Prémio Gazeta <strong>de</strong> 2008José Carlos Vasconcelos recebe o Troféu Gazeta <strong>de</strong> Mérito das mãos do Presi<strong>de</strong>nte daRepúblicaA mesa da Associação <strong>de</strong> Imprensa EstrangeiraJJ|Out/Dez 2009|43


Jornal | PrémiosJosé Carlos Vasconcelos e, à direita, Vítor Rodrigues Oliveira, Prémio Gazeta Revelaçãoem <strong>de</strong>fesa do ensino público. Essa é aúnica via a apontar para apossibilida<strong>de</strong> duma viragem naspolíticas que têm vindo a <strong>de</strong>gradar oserviço público <strong>de</strong> televisão. Só assimse impedirá a morte anunciada dogénero gran<strong>de</strong> reportagem. E só assimos prémios Gazeta continuarão a serum factor <strong>de</strong> enriquecimento datelevisão que há para ver.José Carlos<strong>de</strong> VasconcelosÉcom um misto <strong>de</strong> satisfação,honra e melancolia querecebo este prémio, tãoprestigioso e significativo pelaqualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> quem o outorga e <strong>de</strong>quem o entrega. A satisfação e ahonra não preciso <strong>de</strong> as explicar. Amelancolia, <strong>de</strong>riva do facto <strong>de</strong> esteGazeta Mérito se acrescentar atodos os outros prémios <strong>de</strong> carreiraque antes me foram atribuídos - oque, se aumenta a satisfação e ahonra, também acentua um certosentimento <strong>de</strong> aproximação do fimda caminhada <strong>de</strong> quem há mais <strong>de</strong>50 anos teve a sua primeira colunajornalística e hoje se mantém, e<strong>de</strong>seja manter, no activo, com oempenhamento <strong>de</strong> sempre.Um longo percurso, em variadosmeios, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os tempo da ditaduraaos da fantástica revoluçãolibertadora, em períodosentusiasmantes e conturbados, emque a comunicação social teve amaior importância, e <strong>de</strong>pois nachamada «normalização<strong>de</strong>mocrática». O que, na constantefi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong> aos mesmos valores eprincípios, e assumindo <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o 25<strong>de</strong> Abril cargos <strong>de</strong> direcção, meproporcionou inesquecíveisvivências e experiências. <strong>Entre</strong> asquais a <strong>de</strong> criar com outroscamaradas, e por eles serunanimemente eleito para dirigir,um jornal proprieda<strong>de</strong> dos própriosjornalistas, base <strong>de</strong> uma empresatambém <strong>de</strong> jornalistas, que foidurante anos a mais dinâmica dopaís, lançou iniciativas e títulospioneiros, e co-lançou umaimportante rádio, a TSF.A liberda<strong>de</strong> e a in<strong>de</strong>pendênciaperante quaisquer po<strong>de</strong>res, emparticular o económico e o político,são as primeiras condiçõesindispensáveis para um autênticojornalismo <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong>. E, sendohoje utópica a repetição <strong>de</strong> projectoscomo esse, <strong>de</strong> O Jornal, não vejomelhor forma <strong>de</strong> à partida asgarantir do que serem os jornalistas,com provas dadas, a ter participaçãoactiva nos seus conteúdos eintervenção <strong>de</strong>terminante na escolha<strong>de</strong> quem editorialmente os dirige.Por outro lado, um projectojornalístico <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> é também,nessa medida, necessariamente umprojecto cívico e cultural, no sentidomais amplo e mais nobre. E se omelhor jornalismo exige do jornalistamuito trabalho, competência, talento,serieda<strong>de</strong>, criativida<strong>de</strong> - não menosexige integrida<strong>de</strong>, rigor, rectidão,carácter. Exige saber ouvir e tentarcompreen<strong>de</strong>r, compreen<strong>de</strong>r mais doque «julgar». O que não significaqualquer complacência nainvestigação dos factos, na qual se<strong>de</strong>ve ser incansável e pertinaz, maspressupõe um respeito sem máculapelas pessoas e seus DireitosFundamentais, no integralcumprimento das normas<strong>de</strong>ontológicas.44|Out/Dez 2009|JJ


Devemos ter orgulho na nossaprofissão e <strong>de</strong> todas as formas lutarpela sua dignificação, mas serhumil<strong>de</strong>s no seu exercício. Nareportagem, na entrevista, na notícia, ojornalista não é, não po<strong>de</strong> <strong>de</strong>sejar ser,o «sujeito». O «ve<strong>de</strong>tismo», aespectacularida<strong>de</strong> injustificada, a ânsia<strong>de</strong> protagonismo e po<strong>de</strong>r, não têm aver com jornalismo e estão na base <strong>de</strong>equívocos para os quais às vezescontribuímos pelo silêncio e pelapassivida<strong>de</strong>. Se não por um certoespírito corporativo, antítese daindispensável <strong>de</strong>fesa vigorosa dosdireitos e legítimos interesses dosjornalistas e da classe, pelos quais avários títulos, incluindo os <strong>de</strong> dirigentesindical e advogado, sempre me bati.Neste tempo que nos coube viver,é um duro mas exaltante e altamenteresponsabilizante ofício, o <strong>de</strong>jornalista. Mais do que ser o po<strong>de</strong>rou «contra-po<strong>de</strong>r» que alguns tantosgostam <strong>de</strong> afirmar ou mesmoostentar, entendo que o jornalismo éresponsabilida<strong>de</strong>. Só aresponsabilida<strong>de</strong> e uma agudaconsciência <strong>de</strong>la no exercício danossa activida<strong>de</strong> legitimam, aliás,aquele po<strong>de</strong>r e a utilização, semoutros títulos, <strong>de</strong> uma arma tãopo<strong>de</strong>rosa e por vezes mortífera.Uma última nota: um doscombates em que, na medida dopossível, me empenhei, emparticular nestes quase 29 anos queleva <strong>de</strong> existência e resistência oJornal <strong>de</strong> Letras, foi o da culturaportuguesa e em língua portuguesa,o da nossa língua e sua presença nomundo, o da lusofonia, o dacomunida<strong>de</strong>, ou, como gostaria, dafraternida<strong>de</strong>, entre países, povos,gente espalhada por todas aslatitu<strong>de</strong>s em diásporas várias. Numaaltura em que no meios <strong>de</strong> tantos<strong>de</strong>bates, e etc...., não se ouve falar dacultura nem sequer da línguaportuguesa, em meu juízo o nossomais extraordinário património vivo- e para nós, jornalistas, o nossoprincipal instrumento <strong>de</strong> trabalho -,<strong>de</strong>ixo uma palavra <strong>de</strong> esperança emque a situação se altere no bomsentido, porque sei tratar- se <strong>de</strong> umtema caro ao senhor Presi<strong>de</strong>nte daRepública e que lhe merece toda aatenção. E outra palavra <strong>de</strong>esperança em que a liberda<strong>de</strong>, ain<strong>de</strong>pendência e a qualida<strong>de</strong> dacomunicação social cada vez mais seafirmem, indispensáveis que sãopara Portugal e para uma autêntica<strong>de</strong>mocracia. Muito obrigado.Vítor RodriguesOliveiraGrato pela distinção recebida,Vítor Rodrigues Oliveira,Prémio Gazeta Revelação,acentuou, num breve improviso, ofacto <strong>de</strong> a reportagem permitir “darrosto e humanida<strong>de</strong> aos temasnoticiosos”. Autor das peçaspremiadas, “Hoje há festa emBombaim”, “As tranças <strong>de</strong> Obama” e“Herança do Dragão” (esta últimaem colaboração com Ana NevesAlmeida), o jovem repórter da RDPconsi<strong>de</strong>rou ainda que as reportagens“po<strong>de</strong>m servir <strong>de</strong> compensação àsnotícias do dia-a-dia”, limitadas,frequentemente, aos diferentespontos <strong>de</strong> vista sobre o assunto. ParaVítor Rodrigues Oliveira é errada ai<strong>de</strong>ia, muito em voga, “<strong>de</strong> que se aspessoas não têm paciência para ler ojornal” e que “o caminho é dar-lhespouco”. O caminho – frisou oGazeta Revelação – “é dar - lhesmais e melhor”.Diário do SulEm representação <strong>de</strong> “ODiário do Sul”, PrémioGazeta Imprensa Regional, asua directora adjunta, Maria daConceição Piçarra, e o editorexecutivo Paulo Piçarra, fizeram aseguinte <strong>de</strong>claração: MinhasSenhoras e meus senhores, Muitonos honra a presença do Ex.mo Sr.Presi<strong>de</strong>nte da República nestadistinção ao nosso jornal. Muitoobrigado ao <strong>Clube</strong> <strong>de</strong> <strong>Jornalistas</strong>pelo prémio que hoje nos atribuem.O Diário do Sul é hoje o únicojornal Diário editado no Sul do País.Com 40 anos, colocamos todos osdias em casa dos nossos leitoresmais <strong>de</strong> seis mil jornais. Somos lidospor aproximadamente 34 milpessoas por dia. O sucesso dogrupo <strong>de</strong> comunicação só é possívelpelo empenho dos nossoscolaboradores, a <strong>de</strong>dicação dosnossos leitores e a confiança dosnossos patrocinadores. Sem eles nãoseria possível editar diariamenteeste jornal. Apenas uma palavraalentejana, para vos dizer muitoobrigado. Nós compartilhamos esteprémio com todos aqueles que emcondições difíceis fazem jornais nointerior do país. O prémio Gazetahonra-nos e responsabiliza-nos. Nósfazemos jornais há 40 anos <strong>de</strong> olhospostos no Alentejo. Cumprimos anossa obrigação, não fazemos nadamais do que INFORMAR comrespeito pelos valores humanos epelas Instituições. Hoje e amanhãseguiremos o nosso caminhoservindo o povo alentejano, porqueo Diário do Sul é a Voz <strong>de</strong>sse povo. JJJJ|Out/Dez 2009|45


Jornal | LivrosLosing the News – The Future ofthe News that Feeds Democracy.ALEX S. JONESOxford: Oxford University Press, 234 pp. 2009Texto Carla BaptistaAlex S. Jones, jornalista quefez parte da sua carreira(entre 1983 e 1992) no NewYork Times, on<strong>de</strong> ganhou umprémio Pulitzer (em 1987, comuma série <strong>de</strong> artigos sobre ocolapso do império financeiro dafamília Binghams, proprietária,entre outras coisas, dos jornaisCourier Journal e Louisville Times),actual director do Shorestein Centeron the Press, Politics and PublicPolicy da Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong>Harvard, alerta neste livro para anecessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> resgatar da crise areportagem <strong>de</strong> investigaçãobaseada em factos que os cidadãosprecisam <strong>de</strong> continuar a conhecerem profundida<strong>de</strong> para po<strong>de</strong>remtomar <strong>de</strong>cisões racionais emsocieda<strong>de</strong>s <strong>de</strong>mocráticas.No contexto actual dojornalismo, com as redacções aemagrecerem e os recursoscolocados ao serviço da reportagema minguarem, Alex S. Jones nãoteria beneficiado, provavelmente,das condições <strong>de</strong> trabalhonecessárias para ganhar um Pulitzer.Ele próprio conta que teve algumtrabalho a convencer o seu entãoeditor do NYT a <strong>de</strong>ixá-lo ficar emLouisville para escrever um artigo<strong>de</strong> quase 7000 caracteres (“umanovela”, para os padrões do jornal)sobre a saga dos Binghams, ummelodrama comoventeque misturava perdaseconómicas comtragédias familiares,incluindo a morte <strong>de</strong>dois filhos.O autor tinha boas razões paraenten<strong>de</strong>r a tristeza do ex-magnata,que <strong>de</strong>cidiu ven<strong>de</strong>r dois dosjornais regionais mais influentesdo país, já que ele próprio vem <strong>de</strong>uma família que há quatrogerações vai gerindo o GreenvilleSun, fundado pelos avós. Mas acrise não tem apenas afectado estespequenos jornais locais, tãoembed<strong>de</strong>d na paisagem social epolítica norte-americana. Mesmogigantes como o Los Angeles Times,fundado em 1881, estão a penar<strong>de</strong>s<strong>de</strong> que, em 2000, o grupo foicomprado pela Tribune Company ofChicago. Pouco tempo <strong>de</strong>pois,começaram os <strong>de</strong>spedimentos, aoponto do jornal ter hoje perdido 50por cento do seu pessoal.Existe uma ironia amarga no facto<strong>de</strong> haver tantos jornalistas excelentesno <strong>de</strong>semprego, afirma o autor. Porexemplo, quando Paul Steiger, antigoeditor do Wall Street Journal, outrovelho dinossauro agonizante,<strong>de</strong>cidiu fundar a ProPublica em 2008,uma agência <strong>de</strong> investigaçãoin<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte com fundos privados,conseguiu contratar num ápice 24pessoas entre a elite jornalísticaamericana.O jornalismo <strong>de</strong> investigaçãoprecisa <strong>de</strong> “tempo e dinheiro”,afirma Seymour Hersh, um dosmelhores repórteres da New Yorker,autor, entre <strong>de</strong>zenas <strong>de</strong> outrostrabalhos premiados,<strong>de</strong> um Pulitzer em1970 pela revelaçãodo massacre <strong>de</strong> MyLai. Não é compatívelcom o jornalismotablói<strong>de</strong>, apressado, feito <strong>de</strong>soundbites, rumores e imagens ou<strong>de</strong>clarações espectaculares queninguém verifica, acresescenta AlexJones. O jornalismo <strong>de</strong>entretenimento “é como comergelado: alimenta mas não mata afome”.Uma das metáforas mais fortesapresentadas nesta obra, recheada<strong>de</strong> histórias saborosas que só umvelho lobo como o autor saberiarecolher e contar, vem <strong>de</strong> GeorgeIrish, antigo presi<strong>de</strong>nte da HearstNewspapers. Em resposta àpergunta <strong>de</strong> como perspectivava ojornalismo nestes tempostumultuosos, respon<strong>de</strong>u que “eracomo jogar golfe no meio <strong>de</strong>nevoeiro cerrado”.Outra boa frase foi a que titulouum artigo publicado na JournalismReview: “Adapt or Die”. Sejam láquais forem as soluções paraenfrentar o mercado global,hiperfragmentado, tecnológico eon<strong>de</strong> os jovens parecem terperdido qualquer interesse pelaleitura do jornal (Alex Jonestambém não conhece a fórmulamágica), o importante é continuar apreservar a urgência expressa porHumphrey Bogart, no papel <strong>de</strong>editor do Deadline USA, no filmeDay, um melodrama <strong>de</strong> 1952:“Publica essa história ou és umhomem morto!”. JJ46|Out/Dez 2009|JJ


Jornal| SitesPor Mário Rui Cardoso > marioruicardoso@rtp.ptwww.nytimes.com/2009/10/29/business/global/29copy.html?_r=1&ref=mediaMERKEL QUER PROTEGER JORNALISMO ONLINE>A situação dos jornais alemães é tão<strong>de</strong>sesperada como noutros países. Fracasreceitas na Net que não compensam as reduções<strong>de</strong> publicida<strong>de</strong> e das vendas das edições empapel. Mas ajudas financeiras públicas ao sectornem pensar, porque os alemães ainda têm viva amemória <strong>de</strong> quando os nazis controlavam aimprensa durante o III Reich.A chanceler Angela Merkel optou por criar umapoio indirecto, prometendoestabelecer, em breve, um novotipo <strong>de</strong> direito <strong>de</strong> autor paraproteger o Jornalismo “online”.Em causa “sites” agregadores <strong>de</strong>notícias, como o Google News, queos editores alemães acusam <strong>de</strong>estar a fazer negócio comconteúdos alheios sem partilhar asreceitas.A i<strong>de</strong>ia não é bem aceite pelos<strong>de</strong>fensores daquilo a que chamam“a <strong>de</strong>mocratização dos media”.Mas os editores estão cansados <strong>de</strong>ver outros ganhar dinheiro comaquilo que produzem, e esperamque o plano <strong>de</strong> Angela Merkelpossa <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ar um novomo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> negócio “online”.Há também quem julgue indispensável que osseus artigos estejam referenciados pelo GoogleNews. Todos os dias, milhões <strong>de</strong> subscritoresrecebem alertas <strong>de</strong>ste agregador, remetendo-ospara textos <strong>de</strong> diferentes publicações, o quepotencia enormemente o número <strong>de</strong> leitores <strong>de</strong>um “site” noticioso cujas notícias estãoagregadas no Google News. Mas Robert Nilesduvida, na Online Journalism Review(www.ojr.org/ojr/people/robert/200910/1791), queisso traga gran<strong>de</strong>s benefícios para os editores. Seo alvo é global, como na CNN ou no New YorkTimes, a presença no Google News é obrigatória.Mas nos outros casos – a maioria –, a sensação<strong>de</strong> volume <strong>de</strong> tráfego po<strong>de</strong> ser ilusória. Nilesfundamenta com um curioso estudo efectuadoao tráfego dos “sites” que dirige. Essa pesquisa<strong>de</strong>monstrou que as pessoas que passam maistempo nos “sites” são aquelas que lá chegam porintermédio <strong>de</strong> um e-mail enviado por um colegaou um amigo. Depois as pessoas que procuramo “site” escrevendo directamente o nome dapágina num motor <strong>de</strong> pesquisa. Quem chegapor via do Google News, ten<strong>de</strong> sair o maisrapidamente possível. Isto num quadro em que,segundo a Nielsen, num relatório <strong>de</strong> Setembro, amédia <strong>de</strong> tempo dispensado, num mês, nastrinta principais edições electrónicas <strong>de</strong> jornaisnorte-americanos, foi <strong>de</strong> nove minutos e 22segundos. Dezanove segundos por dia! Asolução, segundo Niles, está na percepção doque é que pren<strong>de</strong> as pessoas e no<strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> uma oferta a<strong>de</strong>quada a esseefeito.www.editorsweblog.org/newspaper/2009/10/my_free_newspaper_launched_for_youths_in.phpOFERECER JORNAIS A JOVENS. O CASO FRANCÊS>Num país em que os índices <strong>de</strong> leitura entre os jovens sãomuito baixos e os custos da indústria dos jornais são dosmais altos da Europa, o Governo tenta relançar a imprensa escritaoferecendo publicações aos jovens. Apenas 10% dos francesesentre 15 e 24 lêem diariamente um jornal pago. Em face disto, oministro da cultura, Frédéric Miterrand, alargou ao âmbitonacional uma experiência já posta em prática, com sucesso, porquatro <strong>de</strong>zenas <strong>de</strong> publicações regionais. Criou o programa MonJournal Offert, em que jovens dos 18 aos 24 anos recebem um ano<strong>de</strong> subscrição gratuita <strong>de</strong> um jornal à sua escolha. Os jornaisoferecem a edição e o Governo suporta os custos <strong>de</strong> distribuição.48|Out/Dez 2009|JJ


www.poynter.org/column.asp?id=123&aid=172295O SUCESSO DO CHRISTIAN SCIENCE MONITOR>Quase um ano <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> <strong>de</strong>scontinuar a ediçãoem papel, o Christian Science Monitor(www.csmonitor.com) vai-se segurando nas águasturbulentas em que navegam os editores <strong>de</strong> jornais. Écerto que a publicação conta com a almofada confortáveldos 20 milhões <strong>de</strong> dólares anuais atribuídos pela Igreja<strong>de</strong> Cristo, Cientista, que lhe permite não <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>r <strong>de</strong>receitas publicitárias – que, mesmo assim, estão a crescerno Monitor. Porém, à tranquilida<strong>de</strong> do jornal não sãoalheias as escolhas feitas pela direcção. A <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong>acabar com a edição diária impressa permitiu reduções<strong>de</strong> custos em papel, impressão e distribuição quesuplantaram a perda <strong>de</strong> receitas <strong>de</strong> circulação. Depois,93% dos 43 mil subscritores da antiga edição diáriamigraram para uma nova revista semanal lançada peloMonitor. Finalmente, as “pageviews” do “site” on<strong>de</strong> agorase concentra o Jornalismo sério e positivo do Monitortambém subiram, 20% entre Abril e Outubro. «O maisdifícil tem sido adaptar repórteres e editores a umaestrutura em que <strong>de</strong>sapareceram os prazos <strong>de</strong> fecho daedição impressa», confessa o editor, John Yemma.http://newsosaur.blogspot.com/2009/10/how-to-sell-news-on-web-checklist.htmlE COMO VENDER NOTÍCIAS NA WEB?>Estará alguém interessado em pagar pornotícias que estão replicadas em todos os“sites” informativos da Net? Provavelmente,não. E em informação exclusiva, que contribuapara a valorização pessoal ou profissional ouque faça as pessoas ganhar dinheiro ou evitarperdê-lo? Talvez sim.Alan Mutter elenca, no blogue Reflections of aNewsosaur, uma série <strong>de</strong> critérios merecedores<strong>de</strong> serem consi<strong>de</strong>rados no momento em que sepensa ven<strong>de</strong>r conteúdos informativos “online”.Mutter me<strong>de</strong> o valor comercial da informaçãoem função <strong>de</strong> critérios como a sua exclusivida<strong>de</strong>ou oportunida<strong>de</strong>. É única, autorizada,personalizada, formatada para plataformasmóveis? É um conteúdo <strong>de</strong> entretenimentoexclusivo? Um tema inédito <strong>de</strong> um cantor muitopopular? Po<strong>de</strong> ajudar alguém a gerir as suaspoupanças ou um empresário no seu negócio?Então tem boas possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> ser umainformação vendável.JJ|Out/Dez 2009|49


Jornal| Siteshttp://www.theawl.com/2009/10/a-graphic-history-of-newspaper-circulation-over-the-last-two-<strong>de</strong>ca<strong>de</strong>sCIRCULAÇÃO DE JORNAIS EM QUEDA LIVRE>Um gráfico da associação norte-americana<strong>de</strong> controlo <strong>de</strong> tiragens mostra a quedavertiginosa da circulação dos jornais diários nosEUA, nos últimos vinte anos. Exceptuando o WallStreet Journal, que, em 2003, passou a incluir ossubscritores da edição “online” nos dados <strong>de</strong>circulação, e o New York Post, que se mantém emníveis <strong>de</strong> 1990, embora tenha também registado<strong>de</strong>scidas recentes, todas as publicaçõesapresentam <strong>de</strong>sempenhos <strong>de</strong>sastrosos, nosúltimos cinco anos.Mark Loundy sustenta, na Digital Journalist(www.digitaljournalist.org/issue0910/circling-thedrain.html),que o <strong>de</strong>clínio dos jornais começoumuito antes, vem do final da Segunda Guerra eultimamente só se tem acelerado.O patrão do New York Times, Arthur Sulzberger Jr.,estabeleceuma curiosa analogia com o Titanic(http://nymag.com/daily/intel/2009/10/times_publisher_arthur_sulzber.html). Qual foi o erro do Titanic?«Um comandante tentando estabelecer umrecor<strong>de</strong> mundial <strong>de</strong> velocida<strong>de</strong> num campo <strong>de</strong>icebergues», respon<strong>de</strong>. “Mesmo que o Titanictivesse conseguido atingir o porto <strong>de</strong> NovaIorque, chegaria <strong>de</strong>stroçado. E doze anos antes,dois irmãos tinham inventado o avião. O queestamos a fazer é a tentar converter empresas <strong>de</strong>navegação marítima em companhias aéreas”,afirma. No pressuposto <strong>de</strong> que os jornais empapel subsistirão, embora com menos força, e <strong>de</strong>que será sempre <strong>de</strong> Jornalismo que se está a falar.Ou seja, a transição inexorável para a Net não tem<strong>de</strong> levar ao <strong>de</strong>clínio do Jornalismo, mas à suareivenção. Ou, na linguagem evocativa <strong>de</strong> ArthurSulzberger Jr., “o negócio é o mesmo: o transporteseguro <strong>de</strong> pessoas em longas distâncias. E aindahá um nicho para o transporte marítimo, que jánão leva pessoas a cruzar o Atlântico, mastransporta, por exemplo, famílias para asSeychelles. Portanto, acredito que ainda haverájornais, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> algumas décadas. Mas vão ser aforça motriz? Não”.www.magazine.org/research/twenty-tweetable-truths.aspxREVISTAS DE VENTO EM POPA>As revistas parecem passar incólumes pela tempesta<strong>de</strong> que se abateu sobreos media impresos. A Associação <strong>de</strong> Editores <strong>de</strong> Revistas da Américacolocou “online” um ví<strong>de</strong>o, intitulado As Vinte Verda<strong>de</strong>s Tweetáveis Sobre Revistas, emque se apresenta a prova <strong>de</strong> vida <strong>de</strong>ste tipo <strong>de</strong> publicações. O filme, <strong>de</strong> pouco mais<strong>de</strong> dois minutos, faz <strong>de</strong>sfilar diante dos nossos olhos uma série <strong>de</strong> aforismos emgrafismo pop, nos quais se assegura, por exemplo, que “92% dos adultosamericanos lêem revistas”, “75% <strong>de</strong> adolescentes lêem revistas”, “os leitores <strong>de</strong>revistas reparam nos anúncios”, “as subscrições estão a crescer”, “continuam a serlançadas novas revistas”, “a circulação representa mais <strong>de</strong> 40% das receitas dasrevistas” ou que “as 25 principais revistas atraem mais adolescentes e adultos doque os 25 primeiros programas televisivos <strong>de</strong> prime-time”. Um maná no <strong>de</strong>serto.50|Out/Dez 2009|JJ


http://onlinejournalismblog.com/2009/10/21/what-does-a-mobile-journalist-needDO QUE PRECISA UM JORNALISTA MOJO>Um conceito que se vai afirmando é o <strong>de</strong> “mojo”,mobile journalist, repórter para todo o serviço:texto, audio e imagem. Jornalista multimédia. Nem todasas experiência “mojo” têm corrido bem, por <strong>de</strong>ficientepreparação dos jornalistas. O Christian Science Monitorteve <strong>de</strong> repensar as suas reportagens “mojo”, <strong>de</strong>vido àbaixa qualida<strong>de</strong> das mesmas.Paul Bradshaw fornece, no Online Journalism Blog, umaextensa lista <strong>de</strong> hardware, software e outros utensílios esistemas recomendados. E <strong>de</strong>senha o quadro mental dojornalista “mojo”: estar sempre pronto a publicar,integrar comunida<strong>de</strong>s móveis e ser criativo, não formal.“Porque as regras do ‘mojo’ ainda não estão criadas”,escreve Bradshaw.Aliandoa competênciae o rigorà eficiência,a EPAL apostana melhoria contínuapara levar até sium produto e um serviço<strong>de</strong> excelência.


MEMÓRIAASMAdolfoSimões MüllerJornalista *52|Out/Dez 2009|JJ


Para além da sua importância como autor <strong>de</strong> livros para crianças ejovens e como divulgador da banda <strong>de</strong>senhada em Portugal, atravésdos jornais e revistas infantis e juvenis que dirigiu, Adolfo SimõesMuller (cujo centenário do nascimento se assinala este ano) merecetambém ser lembrado pelo seu percurso como jornalista.Por Álvaro Costa <strong>de</strong> Matos**Adolfo Simões Muller na redacção do jornal ‘Novida<strong>de</strong>s’ (anos 30)JJ|Out/Dez 2009|53


MEMÓRIAAdolfo Simões MüllerAssinala-se este ano o centenário do nascimento<strong>de</strong> Adolfo Simões Müller (ASM). Com efeito,ASM nasceu a 18 <strong>de</strong> Agosto <strong>de</strong> 1909, emLisboa, e viria a falecer na mesma cida<strong>de</strong>, a 17<strong>de</strong> Abril <strong>de</strong> 1989. Ficou sobretudo conhecidocomo autor <strong>de</strong> livros para crianças e jovens,activida<strong>de</strong> que lhe valeu até o epíteto <strong>de</strong>“Mestre da Literatura Infantil” 1 . Mas estetexto procurará sobretudo <strong>de</strong>stacar o papelque teve na divulgação da banda <strong>de</strong>senhadaem Portugal, através dos jornais e revistasinfantis e juvenis que dirigiu, e, aspectomenos conhecido, o seu percurso como jornalistado diário católico Novida<strong>de</strong>s, entre 1931 e 1935. Sabemos hoje queASM <strong>de</strong>sistiu <strong>de</strong> Medicina na Escola Politécnica <strong>de</strong> Lisboa, para se <strong>de</strong>dicaràs letras e ao jornalismo – o próprio chegou a brincar com a situação,ao afirmar que <strong>de</strong>sistiu “para felicida<strong>de</strong> dos meus futuros doentes” 2 .Sabemos que, antes <strong>de</strong> lançar O Papagaio, em 1935, trabalhou para o jornalNovida<strong>de</strong>s, como secretário <strong>de</strong> redacção, tendo efectuado numerosasreportagens e entrevistas com escritores e artistas portugueses. Sabemosainda que algumas <strong>de</strong>stas entrevistas, que se revestem do maior interessepara o conhecimento da activida<strong>de</strong> dos entrevistados, foram publicadasmais tar<strong>de</strong> no jornal Letras & Letras. E pouco mais sabemos da suaactivida<strong>de</strong> como jornalista profissional, e do papel que teve no Novida<strong>de</strong>se na história do jornalismo e dos jornalistas portugueses.1. ADOLFO SIMÕES MÜLLER E OS JORNAIS “PARA OS MAIS NOVOS”ASM frequentou o curso <strong>de</strong> Medicina na Escola Politécnica <strong>de</strong> Lisboa, e,por altura dos seus 18 anos, viu-se forçado a começar a trabalhar, dandoaulas, porque, como refere numa entrevista a Luís Almeida Martins parao JL, <strong>de</strong> 16 <strong>de</strong> Março <strong>de</strong> 1987, “as posses da minha família não eram gran<strong>de</strong>s”.Tornou-se então professor nas Oficinas <strong>de</strong> S. José, em Lisboa, factoque é importante lembrar já que foi nesta escola que começou o seugosto pela literatura infantil 3 .Em 1931 publica o seu primeiro livro para crianças, Meu Portugal, meuGigante..., ano em que é “pescado” (a palavra é <strong>de</strong> ASM) para oNovida<strong>de</strong>s, trabalhando neste jornal durante alguns anos, primeiro comosecretário <strong>de</strong> redacção e <strong>de</strong>pois como repórter. Como jornalista acompanhouainda o grupo <strong>de</strong> intelectuais estrangeiros (Jacques Maritain,Unamuno, Gabriela Mistral, Ferdinand Greg, Mauriac, entre outros)que, em 1936, visitou Portugal, a convite <strong>de</strong> António Ferro. Um anoantes, Lopes da Cruz, director da Renascença, lembrando-se da vocação<strong>de</strong> ASM para lidar com jovens convidou-o para fazer um jornal – e assimnasceu O Papagaio (imagem 1), que durou até 1941. Segundo AntónioDias <strong>de</strong> Deus, nunca como n’O Papagaio, “se congregaram tão ilustresescritores e tão louvados artistas na síntese da revista mo<strong>de</strong>lo da imprensainfantil católica” 4 . De facto, sob a direcção <strong>de</strong> ASM, O Papagaio, quesaía às quintas-feiras, ao preço <strong>de</strong> 1$00, contou com uma colaboraçãoliterária <strong>de</strong> excelência, com nomes como Emília <strong>de</strong> Sousa Costa, Acácio<strong>de</strong> Paiva, Denis <strong>de</strong> Ribadouro (Hilda Correia Leite), Padre Moreira dasNeves, Maria Lamas, Armando Ferreira, Alice Ogando, Luís ForjazTrigueiros, António Botto, Aníbal Nazaré, Virgínia Lopes <strong>de</strong> Mendonça,54|Out/Dez 2009|JJ


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MEMÓRIAAdolfo Simões MüllerMaria Archer, Aurora Jardim, Gu<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Amorim, e muitos outros, semesquecer a colaboração assegurada pela próprio director. Quanto ao trabalhográfico, a exemplar maquetização inicial pertencia a Tom (D.Tomás José <strong>de</strong> Mello), que se ocupava também das capas, cabeçalhos,ilustrações soltas e histórias aos quadradinhos. Além <strong>de</strong> Tom, colaboraramainda como <strong>de</strong>senhadores José <strong>de</strong> Lemos, Margarida Müller Elias,sobrinha <strong>de</strong> ASM, Júlio Resen<strong>de</strong>, que apareceu pela primeira vez em 21<strong>de</strong> Novembro <strong>de</strong> 1935, Arcindo Ma<strong>de</strong>ira, Ilberino dos Santos, Rudy(Manuel Baptista), Ruy Lupi Manso, José Viana, Sérgio Luís, GüyManuel, Méco (António Serra Alves Men<strong>de</strong>s), entre outros. A partir donúmero 53 (16 <strong>de</strong> Abril <strong>de</strong> 1936) começaram a ser publicadas n’OPapagaio histórias <strong>de</strong> Tintin com “Aventuras <strong>de</strong> Tim-Tim na América doNorte”. Deste modo, fora das regiões francófonas foi Portugal o primeiropaís em que foi conhecido e divulgado aquele que se tornaria o maisfamoso herói das bandas <strong>de</strong>senhadas europeias – facto que se ficou a<strong>de</strong>ver a ASM, que importou a série convencido da qualida<strong>de</strong> narrativa egráfica da obra <strong>de</strong> Hergé 5 . ASM dirigiu O Papagaio até 30 <strong>de</strong> Janeiro <strong>de</strong>1941 – o jornal manteve-se até 10 <strong>de</strong> Fevereiro <strong>de</strong> 1949 para, a partir<strong>de</strong>sta data, constituir-se em secção da revista católica Flama.Mas durante estes anos ASM não se limitoua dirigir O Papagaio. Em 1937 entrou comoredactor para o Secretariado <strong>de</strong>Propaganda Nacional, tendo colaboradodirectamente com António Ferro nos trabalhosda Exposição do MundoPortuguês. Em 1940, por exemplo, acompanhoua embaixada do Brasil às festasdo duplo centenário <strong>de</strong> Portugal. Poroutro lado, a saída d’O Papagaio, em 1941,está relacionada com o aparecimento <strong>de</strong>outro jornal para crianças, o Diabrete,para o qual ASM tinha sido convidadopela Administração da Empresa Nacional<strong>de</strong> Publicida<strong>de</strong>, proprietária do Diário <strong>de</strong> Notícias 6 . O Diabrete era dirigidopor A. Urbano <strong>de</strong> Castro, tinha o mesmo preço que O Mosquito ($50) esaía aos sábados. Semanas <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> entrar para o jornal, ASM assume asua direcção total, empenhando-se então em transformar o Diabrete,mais patriótico e conservador, num rival eficaz d’ O Mosquito, mais incómodoe irreverente. O Diabrete contou com a colaboração gráfica <strong>de</strong>Fernando Bento, a face mais visível do jornal, Vítor Peón, Servais Tiago,Vasco Lopes <strong>de</strong> Mendonça, Rodrigues Neves, Marcello <strong>de</strong> Morais, Luís<strong>de</strong> Barros, San-Payo, José Manuel Soares, entre outros, enquanto o sectorliterário estava sobre a responsabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ASM, acolitado por MariaAmélia Bárcia. Acabou no número 887, a 29 <strong>de</strong> Dezembro <strong>de</strong> 1951, publicandoentre nós, durante a sua longa vida <strong>de</strong> 11 anos, algumas sériesfundamentais, como “Secret Agent X9” <strong>de</strong> Alex Raymond, “Tarzan” <strong>de</strong>Rex Maxon, Hogarth, John Lethi e Dan Barry, várias histórias <strong>de</strong> Hergé,etc.Data também <strong>de</strong> 1941 a ida <strong>de</strong> ASM para a Emissora Nacional, “on<strong>de</strong>exerceu várias funções nos serviços literários que chegou a chefiardurante alguns anos 7 . Fez parte, com Silva Dias, Silva Tavares, Pedro <strong>de</strong>56|Out/Dez 2009|JJ


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MEMÓRIAAdolfo Simões MüllerMoura e Sá, Carlos Queiroz, Luís Reis Santos, Gustavo Fraga, IsidroAranha, José Augusto, Francisco Matta, Ester <strong>de</strong> Lemos e outros, <strong>de</strong> umaequipa brilhante que soube impor a primeira estação radiofónica nacional.Subscreveu numerosos trabalhos, como “Domingo Sonoro”, “Rádio-Teatro” e “Vozes do Mundo”. Foi da sua autoria o primeiro folhetimradiofónico português: uma adaptação d’ As Pupilas do Sr. Reitor, <strong>de</strong> JúlioDinis. Fez ainda <strong>de</strong>zenas <strong>de</strong> programas infantis, transformando as emissõespara crianças em pequenos actos <strong>de</strong> teatro radiofónico infantil.A seguir ao Diabrete seguiu-se a publicação <strong>de</strong> um novo jornal paracrianças, o Cavaleiro Andante (imagem 2). Na prática, o projecto editorialera o mesmo, ainda que rebaptizado e rejuvenescido, e adaptado aosnovos tempos. O Cavaleiro Andante veio à luz do dia em 5 <strong>de</strong> Janeiro <strong>de</strong>1952, proprieda<strong>de</strong> da mesma Empresa Nacional <strong>de</strong> Publicida<strong>de</strong>, e lançado,tal como o Diabrete, para criar um competidor a sério, nas li<strong>de</strong>s dojornalismo infantil – <strong>de</strong>sta vez, porém, o alvo era, não O Mosquito, extintoa 24 <strong>de</strong> Fevereiro <strong>de</strong> 1953, mas o Mundo <strong>de</strong> Aventuras (imagem 3), proprieda<strong>de</strong>da Agência Portuguesa <strong>de</strong> Revistas. E, para esse objectivo, contounovamente com o director a<strong>de</strong>quado, ASM, na altura poeta laureado,escritor, já com prestigioso passado na direcção <strong>de</strong> jornais infantis “e,acima <strong>de</strong> tudo, perfeitamente integrado no clima <strong>de</strong> hostilida<strong>de</strong> contraos comics americanos e a sua violência <strong>de</strong>smedida” 8 . Alguns cartoonistasestrangeiros conhecidos, como Hergé, continuaram a colaborar. Mas oCavaleiro Andante revelou outros nomes, que constituíram uma novida<strong>de</strong>absoluta, como Franco Caprioli, Edgar P. Jacobs, Boscarato, Morris,Jean Graton, entre muitos mais. O sector português continuava a serli<strong>de</strong>rado por Fernando Bento, a que se juntaram José Garcês, ArturCorreia, José Félix, Alberto Manez, Fernando Silva, José Ruy, JoséManuel Soares e Baptista Men<strong>de</strong>s. Todos fizeram do Cavaleiro Andanteum jornal <strong>de</strong> referência da imprensa juvenil. Chegou a ter uma tiragem<strong>de</strong> 40.000 exemplares, o que, para a época, era um registo extraordinário.Mas o Cavaleiro Andante não conseguiu resistir à crise que abalou os jornaispara os mais novos no final dos anos 50, <strong>de</strong>signadamente no quetoca às histórias <strong>de</strong> continuação, e começou a per<strong>de</strong>r qualida<strong>de</strong>.Publicou o seu último número, o 556, a 25 <strong>de</strong> Agosto <strong>de</strong> 1962.Aúltima gran<strong>de</strong> aventura <strong>de</strong> ASM seria oFoguetão: semanário juvenil para o ano 2000(imagem 4). É certo que, antes e <strong>de</strong>pois doaparecimento do Foguetão, ASM dirigiu outrasrevistas e jornais para crianças, ou suplementosinfantis <strong>de</strong> jornais, como os Quadradinhosd’A Capital, ou a Nau Catrineta, esta integradano Diário <strong>de</strong> Notícias. Mas o Foguetão, comoASM confessou, seria a sua última “experiênciafascinante”, e, simultaneamente, o seu jornalmais bonito e o seu maior falhanço, queapareceu em 1961 e, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> publicados 13números, teve que acabar 9 . O Foguetão, proprieda<strong>de</strong>da Empresa Nacional <strong>de</strong>Publicida<strong>de</strong>, era um vistoso e ambicioso jornal infantil: com um formatogigante, estreou “Astérix”, publicou novas histórias <strong>de</strong> “Tintin” com balõ-58|Out/Dez 2009|JJ


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MEMÓRIAAdolfo Simões Müller5es franceses, novida<strong>de</strong>s e reportagens, concursos, problemas policiais,filatelia, lições <strong>de</strong> futebol, entre outras matérias, pois, para ASM, “umapublicação para jovens não <strong>de</strong>ve ser constituída exclusivamente por históriasaos quadradinhos” 10 . Contou com <strong>de</strong>senhadores estrangeiros <strong>de</strong>relevo, como U<strong>de</strong>rzo, Frank Hampson ou Edgar P. Jacobs, mas comescassa participação <strong>de</strong> portugueses – apenas ilustrações <strong>de</strong> José Garcêse Fernando Bento. Teve um suplemento, Bip-Bip (imagem 5), que continuoua ser publicado no Cavaleiro Andante, tal como todas as histórias aosquadradinhos interrompidas no Foguetão. Publicou o seu último número,o 13, a 27 <strong>de</strong> Julho <strong>de</strong> 1961, falhando porque, segundo o seu director,“era muito gran<strong>de</strong>, e os miúdos queriam todos um jornal pequeno, quepu<strong>de</strong>ssem escon<strong>de</strong>r entre os livros da escola” 11 .Falhanço que não tirou o mérito que ASM teve na <strong>de</strong>scoberta <strong>de</strong> autoresnacionais, como Fernando Bento, José Garcês, José Ruy, Vítor Peón,Servais Tiago, Tom, Rudy, Sérgio Luís, Güy Manuel, e tantos outros; na<strong>de</strong>scoberta <strong>de</strong> autores estrangeiros, como Hergé, U<strong>de</strong>rzo, Edgar P.Jacobs, Jesus Blasco, Caprioli, para só citar os mais importantes; na revelaçãodas suas célebres personagens, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> logo “Tintin”, mas também“Astérix”, “Obélix”, “Mortimor”, “Lucky Luke”, etc. Por outras palavras,na divulgação da banda <strong>de</strong>senhada, nacional e estrangeira, reconhecendo,<strong>de</strong>s<strong>de</strong> muito cedo, contra aqueles que con<strong>de</strong>navam o género, o papelque a banda <strong>de</strong>senhada podia ter no domínio da literatura infantil ejuvenil, mais concretamente na criação <strong>de</strong> hábitos <strong>de</strong> leitura.2. ADOLFO SIMÕES MÜLLER JORNALISTA DO NOVIDADESComo jornalista profissional, ASM foi secretário<strong>de</strong> redacção e, mais tar<strong>de</strong>, repórter do diárioNovida<strong>de</strong>s, entre 1931 e 1935. Fundado em1923, o Novida<strong>de</strong>s teve, durante este período,como redactor principal e editor, Tomás <strong>de</strong>Gambôa. Como colaboradores <strong>de</strong>sta épocatemos Joaquim Diniz da Fonseca, Licínio <strong>de</strong>Castro, Agostinho <strong>de</strong> Azevedo, Serras e Silva,J. Santa Rita, Albano Ramalho, Malho (autorda célebre coluna “Na Bigorna”), PiresAvelanoso, Remý Lusol (correspon<strong>de</strong>ntefrancês), Jorge Monteiro, Padre Mário Couto,Afonso, José Maria <strong>de</strong> Almeida, entre muitosoutros. A redacção, bem como as oficinas <strong>de</strong>composição, funcionavam na Travessa <strong>de</strong> Santa Marta, 41, em Lisboa,enquanto a administração ficava na Calçada do Sacramento, 40.Proprieda<strong>de</strong> da Empresa das Novida<strong>de</strong>s, o jornal era o órgão doEpiscopado Português. Era, portanto, um jornal católico, ou melhor, um“jornal católico integral que <strong>de</strong>fendia as reivindicações católicas sem asligar às conveniências da política partidária” 12 .A partir <strong>de</strong> Junho <strong>de</strong> 1939 o Novida<strong>de</strong>s passou a ser dirigido peloMonsenhor Cónego F. Pais <strong>de</strong> Figueiredo, função que manteve até aoseu falecimento, em Dezembro <strong>de</strong> 1947. Suce<strong>de</strong>u-lhe, em Fevereiro <strong>de</strong>1948, Monsenhor Avelino Gonçalves, até ao fim do jornal, em Maio <strong>de</strong>1974. <strong>Entre</strong> os redactores figuraram nomes como o historiador PadreMiguel <strong>de</strong> Oliveira, Sebastião da Silva Dias e Rogério Martins. Como60|Out/Dez 2009|JJ


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MEMÓRIAAdolfo Simões Müllerprincipais colaboradores <strong>de</strong>stacou-se, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> logo, António <strong>de</strong> OliveiraSalazar, que escreveu vários artigos sobre finanças antes <strong>de</strong> entrar parao governo, em 1928.ASM entra para o Novida<strong>de</strong>s como secretário <strong>de</strong> redacção, em 1931. Ainformação é-nos dada pelo Padre Moreira das Neves, poeta e escritor, eque, durante mais <strong>de</strong> 30 anos, foi chefe <strong>de</strong> redacção do diário católico 13 .Mas pouco tempo <strong>de</strong>pois, ainda em 1931, ASM já era enviado comorepórter cultural do jornal às principais exposições <strong>de</strong> pintura <strong>de</strong> Lisboa.Nesta qualida<strong>de</strong> cobriu e escreveu no Novida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>zenas <strong>de</strong> artigos sobreexposições: <strong>de</strong> João Marques, em Dezembro <strong>de</strong> 1931; <strong>de</strong> Álvaro Canelas,António Soares, Manuel Colmeiro, Maria A<strong>de</strong>lai<strong>de</strong> Lima Cruz e AntónioCosta, em 1932; <strong>de</strong> Guiomar Fagun<strong>de</strong>s (pintora brasileira), Tom, Sampaioe Mello, José Contente e Celestino Tocha, em 1933; entre muitas outras,em 1934 e 1935. A partir <strong>de</strong> Abril <strong>de</strong> 1933 ASM é um dos repórteres doNovida<strong>de</strong>s que é enviado para tratar um dos acontecimentos culturaismais importantes da capital, a Exposição Anual da Socieda<strong>de</strong> Nacional<strong>de</strong> Belas Artes. Os artigos que saem no jornal sobre a exposição, a trigésima,são da sua autoria (em Abril <strong>de</strong> 1933 chega a publicar 2 textos). Noano seguinte, volta a escrever sobre a mesma exposição, com um longoartigo intitulado “Notas e comentários acerca do XXXI Salão Anual daSocieda<strong>de</strong> Nacional <strong>de</strong> Belas Artes”, com <strong>de</strong>staque na última página dojornal, a 6 14 ( imagem 6 e 7).Estas reportagens não <strong>de</strong>ixam <strong>de</strong> ser reveladorasdo papel crescente que ASM vai adquirindo noNovida<strong>de</strong>s. Estamos até em crer que, pela regularida<strong>de</strong>e importância dos seus textos, ASMassume mesmo a responsabilida<strong>de</strong> pela coluna“Arte e Artistas”, on<strong>de</strong> as reportagens eramnoticiadas. Até 1934, praticamente todos osartigos assinados <strong>de</strong> exposições saíram da suapena. Mas ASM não se limitou a escrever sobreexposições: pelo menos <strong>de</strong>s<strong>de</strong> Julho <strong>de</strong> 1933que fazia também recensões críticas a livros,neste ano, na coluna “Livros Novos”, e, a partir<strong>de</strong> 1934, na coluna “Crítica das Letras”, on<strong>de</strong>dominavam as recensões <strong>de</strong> J. M. A., que faziatambém uma perninha na coluna <strong>de</strong> ASM, escrevendo sobre teatro. Amúsica ficava por conta do especialista Palma Vargas.A par da activida<strong>de</strong> <strong>de</strong> repórter ASM realizou ainda numerosas entrevistascom escritores e artistas, sempre bem conduzidas: Carlos Reis,Jorge Colaço, José Maria Rodrigues, Teixeira <strong>de</strong> Pascoaes, AntónioCorreia <strong>de</strong> Oliveira, Afonso Lopes Vieira, entre outros, com informaçõesda maior importância para o conhecimento da vida e obra dos entrevistados.Isto numa época em que as entrevistas e as reportagens caíram em<strong>de</strong>suso, per<strong>de</strong>ndo a “importância que tinham readquirido com o rejuvenescimentodo jornalismo verificado na década <strong>de</strong> 20 e simbolizado peloaparecimento, em 1921, do Diário <strong>de</strong> Lisboa” 15 . Agora, a notícia dominava,como se po<strong>de</strong> verificar no próprio Novida<strong>de</strong>s, embora ASM, com as suasreportagens culturais e entrevistas a figuras marcantes da vida portuguesa,procurasse atenuar esta tendência, fazendo do Novida<strong>de</strong>s, por62|Out/Dez 2009|JJ


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MEMÓRIAAdolfo Simões Müller8comparação com outros títulos, um jornal mais criativo e mais interessante,menos rotineiro e menos cinzento.E procurou fazê-lo com textos <strong>de</strong> inegável qualida<strong>de</strong> literária, patentequer nas suas reportagens (por exemplo, na reportagem que fez, a 18<strong>de</strong> Julho <strong>de</strong> 1933, da excursão promovida pela C. P. ao Alentejo,ou nas “Notas e comentários acerca do XXXI Salão Anual daSocieda<strong>de</strong> Nacional <strong>de</strong> Belas Artes”, publicadas a 8 <strong>de</strong> Abril <strong>de</strong>1934), quer na crítica literária que <strong>de</strong>senvolveu a partir <strong>de</strong> 1933,<strong>de</strong> que são exemplo as recensões aos livros Em Busca do Paraísoe Página <strong>de</strong> Sangue (Buiças, Costas e Companhia), ambos <strong>de</strong> SousaCosta. Neste textos, marcados pelos jogos <strong>de</strong> palavras, pelo tomcoloquial, pleno <strong>de</strong> humor, e pelo uso das sonorida<strong>de</strong>s da língua,adivinha-se já o mestre da palavra que ASM foi, e que serevelaria profundamente nas <strong>de</strong>zenas <strong>de</strong> livros que o “pedagogo<strong>de</strong> vanguarda” publicou.O reconhecimento pelo labor e qualida<strong>de</strong> dos artigos <strong>de</strong>ASM talvez se encontre nas notícias que o Novida<strong>de</strong>s fez em1935 ao semanário infantil O Papagaio, antes, durante e <strong>de</strong>poisdo aparecimento do jornalinho, com honras <strong>de</strong> primeira páginanas edições <strong>de</strong> 7, 19 e 21 <strong>de</strong> Abril (a 19 publicara ainda umanúncio, bem visível na página 3) (imagem 8), e <strong>de</strong> 21 <strong>de</strong> Junho (imagem9) e 8 <strong>de</strong> Agosto. Era o reconhecimento <strong>de</strong> um jornal que funcionou tambémcomo uma escola e um trampolim para o escritor e poeta ASM…Lisboa, 9 <strong>de</strong> Outubro <strong>de</strong> 2009.* Versão escrita da comunicação apresentada no Encontro “Adolfo Simões Müller – OMistério da Palavra”, realizado pela Câmara Municipal <strong>de</strong> Lisboa – Divisão <strong>de</strong> Gestão<strong>de</strong> Bibliotecas, na Biblioteca Municipal Orlando Ribeiro, no dia 9 <strong>de</strong> Outubro <strong>de</strong> 2009.** Coor<strong>de</strong>nador da Hemeroteca Municipal <strong>de</strong> Lisboa e Investigador do Centro <strong>de</strong>Investigação Media e Jornalismo.1 Diário Popular. A. 47, n.º 15873 (17 Abril1989), p. 48, e Letras & Letras (5 Maio 1989),p. 16.2 Cit. por Luísa Ducla Soares, “RecordandoAdolfo Simões Müller”, in Letras & Letras,N.º 20 (5 Agosto 1989), p. 9.3 “Um construtor <strong>de</strong> Sonhos chamadoAdolfo S. Müller”, in Correio da Manhã (16Janeiro 1982), p. 29.4 Os Comics em Portugal. Uma História daBanda Desenhada, Lisboa, Cotovia/Be<strong>de</strong>teca<strong>de</strong> Lisboa, 1997, p. 144.5 Sobre o impacto da revelação em Portugal<strong>de</strong> Hergé dirá ASM a Alice Vieira, numaentrevista publicada no Diário <strong>de</strong> Notícias, <strong>de</strong>4 <strong>de</strong> Junho <strong>de</strong> 1982: ”Foi, na verda<strong>de</strong>, ummundo totalmente diferente do quepropunham as bandas <strong>de</strong>senhadasamericanas aquele que Hergé – através daspáginas d’O Papagaio – introduziu emPortugal. Era a vitória da inteligência e dohumor sobre a violência gratuita. Era oiniciar <strong>de</strong> uma série imensa <strong>de</strong> personagens,todas elas bem <strong>de</strong>finidas e com as suascaracterísticas próprias, que os jovenscomeçaram a habituar-se a ter por amigos.”6 “Um construtor <strong>de</strong> Sonhos (...)”, in Correioda Manha (16 Janeiro 1982), p. 29.7 “Bibliografia”, in Letras & Letras, N.º 20 (5Agosto 1989), p. 88 DEUS, António Dias <strong>de</strong>, Op. Cit., p. 236.9 Diário <strong>de</strong> Notícias (4 Junho 1983), p. 21. OFoguetão acabou a 27 <strong>de</strong> Julho <strong>de</strong> 1961.10 Correio da Manhã (16 Janeiro 1982), p. 29.11 Diário <strong>de</strong> Notícias (4 Junho 1983), p. 21.12 LEMOS, Mário Matos e - Jornais DiáriosPortugueses do Século XX. Um Dicionário,Coimbra, Ariadne Editora/CEIS 20, 2006, p.471.13 Ver testemunho <strong>de</strong> Moreira das Nevesno dossier que o jornal Letras & Letras<strong>de</strong>dicou a ASM, “Adolfo Simões Müller”, inLetras & Letras, n.º 20 (5 Agosto 1989), p. 12.14 Novida<strong>de</strong>s. A. 49, n.º 12040 (8 Abril 1934),p. 6.15 CORREIA, Fernando, e BAPTISTA, Carla– <strong>Jornalistas</strong>. Do Ofício à Profissão. Mudançasno Jornalismo Português (1956-1968), Lisboa,Editorial Caminho, 2007, p. 57. Para situar oNovida<strong>de</strong>s no contexto do jornalismoportuguês nos anos 30 é da maior utilida<strong>de</strong>a leitura do capítulo 1. Factores <strong>de</strong> Bloqueioe sinais <strong>de</strong> mudança, e concretamente oponto 2. Características do jornalismo <strong>de</strong>s<strong>de</strong>a implantação da ditadura até meados dosanos 50. Cf. SOBREIRA, Rosa Maria – Os<strong>Jornalistas</strong> Portugueses (1933-1974). Umaprofissão em construção, Lisboa, LivrosHorizonte, 2003.64|Out/Dez 2009|JJ


CRÓNICATirocínioTIAGOSALAZARSegundo o evangelho da doutrina<strong>de</strong>mocrática que perfilho(plebeiamente) o voto é sagrado e ai <strong>de</strong>quem pratique o nulo informe. Faça-sepois ouro, incenso e sobretudo mirra <strong>de</strong>ssapremissa sempre que me chamarem ao voto,seja ele <strong>de</strong> teor autárquico, legislativo ou <strong>de</strong>escrutínio <strong>de</strong> Olivença e da causa asinina. Antes,porém, <strong>de</strong>vo recapitular o meu primeiroencontro político que em muito ajudou a talhar,a talhe <strong>de</strong> foice, a minha inclinação do e peloírrito. Tudo começou num muro da rua CoronelMarques Leitão, a Alvala<strong>de</strong>, terra enxameada <strong>de</strong>meninos rabinos pintores <strong>de</strong> pare<strong>de</strong>s easpirantes à burguesia citadina. Um certo diaoutonal já com as heras murchas e a folhagem<strong>de</strong>rramada pelos passeios, indo eu a caminho daescola, li no muro <strong>de</strong> repente <strong>de</strong>svendado oincisivo dichote “Kiki ao Po<strong>de</strong>r”.Kiki era o meu tio lá <strong>de</strong> casa, um anarca e<strong>de</strong>sertor que chamava aos militares <strong>de</strong> Abrilpalhaços e rabos, e cuspia na alcatifa quando viaalgum homem <strong>de</strong> patente na têvê ou naspáginas do Diário <strong>de</strong> Lisboa, lido por um outrotio, um comunista <strong>de</strong>butado no dia 26 <strong>de</strong> Abril<strong>de</strong> 1974. Para que raio quereria o tio Kiki opo<strong>de</strong>r, ou lho quereriam dar os votantes <strong>de</strong>Alvala<strong>de</strong>? perguntei-me com a pertinência <strong>de</strong>um infante <strong>de</strong> 7 anos e ½.Nessa noite, fui ao quarto do tio Kiki e sem<strong>de</strong>longas quis saber se ele tinha virado a casacaou se esta <strong>de</strong>botara como a do tio Zézinho. Otio irritou-se com a sua hipótese <strong>de</strong> nomeaçãovitoriosa e pôs-me a andar, não sem antesproferir um dos seus históricos impropérios àcapitão Haddock. Saí da cafurna do anarca e<strong>de</strong>sertor a toque <strong>de</strong> caixa, insultado ecabisbaixo, a sentir-me uma nulida<strong>de</strong> e<strong>de</strong>scrente da educação anárquica, masesclarecido <strong>de</strong> vez. O po<strong>de</strong>r dava azia e gases aoindigitado e ainda o melhor era <strong>de</strong>ixar os<strong>de</strong>sejos do povo marinarem no muro. AfinalKikis havia muitos, <strong>de</strong>certo <strong>de</strong> oratória menosconspurcada. Ou talvez o Kiki aspirante apatrono fosse uma senhora educada e <strong>de</strong> bem.A casa da Coronel Marques Leitão era <strong>de</strong> restoum pequeno hemiciclo tão ou mais instrutivodo que o <strong>de</strong> São Bento. Tios, além do anarca edo comunista, havia outro, <strong>de</strong>sgovernado eingovernável e ainda mais refinado <strong>de</strong> palavrasesdrúxulas do que o citado capitão Haddock. Aoelenco doméstico, on<strong>de</strong> me fiz culto animalpolítico e animal político <strong>de</strong> culto (não falta poraí quem reclame o Salazar ao po<strong>de</strong>r), juntava-seuma avó parida <strong>de</strong> sangues aristocráticos,con<strong>de</strong>scen<strong>de</strong>nte ao Oliveirinha Salazar nostempos em que o po<strong>de</strong>r não ia a votos, eextremosa do PPM assim que <strong>de</strong>scerraram ascortinas <strong>de</strong> Abril. A arbitrar conflitos e aconvivência sadia e <strong>de</strong>mocrática restava umamãe apolítica mas ditadora <strong>de</strong> costumes, umamulher bela e perigosa como uma Cassandra aquem <strong>de</strong>s<strong>de</strong> fe<strong>de</strong>lhos a senhores <strong>de</strong> famíliaspostas tentavam a corte.Dali para aqui fiz o tirocínio em todasas frentes, <strong>de</strong> Kautsky a La Boétie,do tio Patinhas ao Débord e comespecial fervor dos ensinamentos <strong>de</strong>Tristram Shandy. Abordo com leveza a maioriadas temáticas do vão (como a <strong>de</strong> encontrarestadistas honoráveis em cima <strong>de</strong> abetos ou <strong>de</strong>pinheiros mansos ou como livrar a peta da vidapolítica e vice versa) e pouco ou nada me custoua<strong>de</strong>rir ao i<strong>de</strong>al do nulo simplesmente porqueeste, em suma, <strong>de</strong> nada vale. Creio pois ter todasas faculda<strong>de</strong>s vitais para não ser eleito nosca<strong>de</strong>rnos eleitorais <strong>de</strong>ste novo Partido que meacolhe e aspirar tão-somente em futuros actoseleitorais ao mo<strong>de</strong>sto e condizente cargo <strong>de</strong>apóstolo da nulida<strong>de</strong> suprema. Isto é, souobjectivamente ineficaz no meu ofício <strong>de</strong> escribae duplamente no <strong>de</strong> escritor que pratico apenasem anos bissextos para dosear a frustração elimitar o número <strong>de</strong> vezes <strong>de</strong> exposição aoridículo. JJ66|Out/Dez 2009|JJ

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