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A literAturA rebelde de MAriA lAcerdA de MourA e A ... - TEL

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Anais do XIV Seminário Nacional Mulher e Literatura / V Seminário Internacional Mulher e LiteraturaSua obra foi resgatada na historiografia dos anos oitenta, porMiriam Lifchitz Moreira <strong>de</strong> Leite, com a publicação <strong>de</strong> sua tese Outra facedo feminismo: Maria Lacerda <strong>de</strong> Moura, cuja leitura nos permite percorrer ospassos <strong>de</strong>sta intelectual, através dos diferentes universos que se entrecruzamem sua trajetória e vislumbrar a história do Brasil daquele período sobdiferentes perspectivas. Este importante estudo sobre Maria Lacerda,além <strong>de</strong> recuperar a cronologia <strong>de</strong> suas obras, conferências, traduções eparticipação em jornais e revistas, pontua os locais on<strong>de</strong> ocorreram suaspalestras.Um itinerário revelador da abrangência <strong>de</strong> seu trabalho em prol <strong>de</strong>diversas causas que abraçou, suas lutas e comprometimento.Em seu empenhado resgate, Míriam Moreira Leite nos apresenta umamulher muito além do seu tempo e nos ajuda a compreen<strong>de</strong>r a importância<strong>de</strong> seu engajamento nas questões relacionadas com a condição feminina,<strong>de</strong>s<strong>de</strong> seu papel inicial <strong>de</strong> educadora e posterior publicação <strong>de</strong> seusprimeiros livros, em Barbacena, Em torno da educação (1918) e Renovação(1919), à sugestão visionária <strong>de</strong> uma ca<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> história da mulher emescolas femininas, quando fez os estatutos da Fe<strong>de</strong>ração InternacionalFeminina, em 1922. Deste período, po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>stacar também a conferênciae publicação <strong>de</strong> A Mulher e a Maçonaria (1922), entre outras ousadias para aépoca, até ao lançamento <strong>de</strong> A mulher é uma <strong>de</strong>generada?, em 1924 .Muitas outras publicações, conferências, artigos e revistas relativosà mulher suce<strong>de</strong>ram à obra que enfocamos neste ensaio, assim como muitosfatos importantes <strong>de</strong> sua biografia relacionados com o panorama político,social, religioso e filosófico da época, são omitidos aqui, pela necessáriabrevida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sta apresentação.“A mulher é uma <strong>de</strong>generada?” O <strong>de</strong>safio da obra.A partir do anátema “A mulher é uma <strong>de</strong>generada”, lançado peloprofessor. e psiquiatra português Miguel Bombarda, em seu livro Liçõessobre Epilepsia e as Pseudo- Epilepsias (1896), Maria Lacerda <strong>de</strong> Mouradá título à sua obra, em 1924. O primeiro capítulo se <strong>de</strong>senvolve em tom<strong>de</strong> réplica, apoiada por um espírito científico, discutindo por partes asafirmações do autor, em torno da <strong>de</strong>generescência feminina, on<strong>de</strong> não


Anais do XIV Seminário Nacional Mulher e Literatura / V Seminário Internacional Mulher e Literaturafaltam alusões, citações e nomes que possam respaldar suacombativa e provocante.retóricaOs capítulos subseqüentes também são marcados por este estiloinflamado e corajoso da autora, corroborados por sua vasta leitura científicae filosófica.Confrontando a teoria <strong>de</strong> Bombarda, que julga “ridículo” qualqueresforço “em pról 2 da in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ncia da mulher e <strong>de</strong> sua elevação até ohomem” (Moura,1932,p.19), Maria Lacerda levanta-se também para umcombate contra uma “facção consi<strong>de</strong>rável da socieda<strong>de</strong>” que aceitava estateoria e refere-se ao autor como um apóstolo da ciência (daí a argumentaçãocientífica) e um “representante direto do anti-feminismo”. Para ela, o “sexoalto”, “cuja mentalida<strong>de</strong> nunca po<strong>de</strong>ríamos atingir”, é que po<strong>de</strong>ria serconsi<strong>de</strong>rado medíocre, quando não contribuiu para a elevação da mulher,mantendo sua ignorância e um atraso convenientes.Assim, ela valoriza a inteligência feminina e exorta a mulher a sair doseu comodismo, a <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> ser preguiçosa e a usar a astúcia, “única armaque lhe <strong>de</strong>ixaram em <strong>de</strong>fesa própria”, para tirar partido da sua situação, emque “quer ser in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte, feminista, livre, mas se é preciso luctar pelavida, arranjar emprego para ganhar o sustento, ou sacrificar a moda ou osseus caprichos, então ela se encosta a uma muleta, prefere ser protegida...”(Moura,1932,p.21-22) Ao grifar duas palavras neste trecho (feminista eprotegida), ela chama a atenção para a condição inconciliável que estaspalavras po<strong>de</strong>m sugerir ou representar para as mulheres: a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong>uma postura coerente com os anseios <strong>de</strong> emancipação feminina. E, segundoela, isto só seria possível através da conscientização e da instrução.Questionando sobre a <strong>de</strong>generescência imputada à mulher, porBombarda, ela contrapõe : “...quem mais <strong>de</strong>genera ou quem mais <strong>de</strong>generaa <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ncia: meia duzia <strong>de</strong> feministas mo<strong>de</strong>rnissimas (isso é cousa<strong>de</strong> outro dia) ou os milhões <strong>de</strong> homens que usam e abusam do alccol,2 As citações <strong>de</strong> A mulher é uma <strong>de</strong>generada?. <strong>de</strong> Maria L. <strong>de</strong> Moura,obe<strong>de</strong>cem a grafiavigente da época.


Anais do XIV Seminário Nacional Mulher e Literatura / V Seminário Internacional Mulher e Literaturada morfina, da cocaína, do ópio, e <strong>de</strong> vícios inconfessaveis?” E continua:“O feminismo nasceu hontem, criado pelas necessida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa<strong>de</strong>ntro da socieda<strong>de</strong> capitalista e é <strong>de</strong> hoje que as socieda<strong>de</strong>s se vêm<strong>de</strong>generando?”(Moura,1932,p.2)Outro “mal”, ou fator <strong>de</strong>generador, segundo Bombarda, reforçadoatravés da instrução feminina e da emancipação da mulher, seria aesterilida<strong>de</strong> (assunto abordado só em relação às mulheres, segundo ela).Ela refuta esta acusação, apontando o seu exemplo: “Comecemos pelo meucaso uma vez que me chamaram lea<strong>de</strong>r da emancipação feminina no Brasil.”(Moura,1932,p.24) E explica que, apesar <strong>de</strong> não ter filhos, não po<strong>de</strong> culpara instrução primária e o diploma <strong>de</strong> normalista, visto que suas colegas daEscola Normal <strong>de</strong> Barbacena estavam abarrotadas <strong>de</strong> filhos e sua irmã tevecinco e três prematuros. E mais: se apenas há 10 anos ela se <strong>de</strong>dicavaseriamente à leitura e, neste período, se tornou escritora e propagandista daemancipação feminina, como po<strong>de</strong> atribuir a esta ativida<strong>de</strong> sua esterilida<strong>de</strong><strong>de</strong> hoje? E cita a mulher alemã como muito fecunda e instruída, além <strong>de</strong>lembrar que a esterilida<strong>de</strong> feminina existiu em todos tempos, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a Bíblia,e não seria resultado da civilização mo<strong>de</strong>rna. Mas é tomando para si a<strong>de</strong>fesa e o discurso das mulheres que Maria Lacerda <strong>de</strong> Moura convoca asoutras mulheres à reflexão: “Não trato <strong>de</strong> mim: reivindico os direitos do meusexo, <strong>de</strong> todas as mulheres. Além <strong>de</strong> tudo, o ter filhos não <strong>de</strong>ve, não po<strong>de</strong>impedir <strong>de</strong> pensar. Não são cousas incompativeis”.(Moura,1932,p.27)Para Bombarda, a in<strong>de</strong>pendência das mulheres po<strong>de</strong>ria afetartambém a evolução das etnias, chamadas raças: “É muito do interesse dasraças e <strong>de</strong> sua pureza combater a todo transe a invasão das socieda<strong>de</strong>spor estes mo<strong>de</strong>rnos bárbaros do homem tão queridos”. “É necessário umacontra propaganda (...). Toda a tolerância neste campo é um erro que osnossos filhos terão que pagar”.(Moura, 1932,p.20)A argumentação <strong>de</strong> Maria Lacerda em relação a este ponto <strong>de</strong> vista,que envolve o campo da antropologia, passa por uma minuciosa análiseda “teoria das raças” e “pureza das raças”, on<strong>de</strong> não faltam citações emfrancês <strong>de</strong> estudiosos <strong>de</strong>ste campo científico, ou <strong>de</strong> outras ciências afins.Um instigante painel <strong>de</strong> diferentes teorias, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> as que remontam a


Anais do XIV Seminário Nacional Mulher e Literatura / V Seminário Internacional Mulher e LiteraturaAristóteles, ao Iluminismo e àquelas que são próprias do espírito cientificistada época discute sobre as dimensões do crânio: a relação entre as medidase a inteligência; as raças; os tipos dolicocéfalos ou branquicéfalos, etc.Nomes, como Colajanni, Finot, Parchappe, Broca, Manouvrier, Lacassagne,Brinton, Verneau, Buffon, e outros, se cruzam neste quadro teórico.Este <strong>de</strong>monstrativo buscava exemplificar o caráter contraditório <strong>de</strong>muitas teorias, da presunção da ciência em alimentar a possível superiorida<strong>de</strong>intelectual do homem, como a teoria <strong>de</strong> Rousseau, comentada pela autora:“Depois dos 45 anos o homem produz muito e com toda a pujança dainteligencia. Alguns começam aí sua carreira. E, quanto a mulher, é opiniãodo celebre anti-feminista e antropologista justamente o contrario: ela sópo<strong>de</strong>rá ser alguma cousa <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> entrar na velhice...”.(Moura,1932,p.35)Outros pontos do livro <strong>de</strong> Bombarda são discutidos por ela: “A<strong>de</strong>generecencia da mulher é parcial: o organismo inteiro é uma <strong>de</strong>ca<strong>de</strong>ncia;só o ovulo se salva no gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>sastre”. E ainda: “Não é preciso conhecermuito a fundo os fatos embriologicos para se saber que a sexualida<strong>de</strong>feminina simplesmente representa uma suspensão do <strong>de</strong>senvolvimento; istobastaria para caracterizar <strong>de</strong> teratologico ( <strong>de</strong> monstruoso!) o organismo damulher.”( Moura, 1932,p.41-42)À primeira afirmação ela respon<strong>de</strong> com uma pergunta: “Anatureza “errou” em a meta<strong>de</strong> do gênero humano fazendo uma lei <strong>de</strong>ssa“monstuosida<strong>de</strong>”?” E ironiza, apontando o “erro” que produz a espécie euma lei biológica. À segunda, ela respon<strong>de</strong> que aquilo que ele consi<strong>de</strong>rateratológico é o que constitui outra lei biológica, na formação do indivíduoencarregado <strong>de</strong> trazer o filho no seio. E ilustra sua argumentação com umtrecho da obra <strong>de</strong> Alexandre Roster, citada no livro Eve Réhabilitée, <strong>de</strong> ClaireGalichon.Para Bombarda, a mulher só teria “energia do espírito” para levantarse,<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> a vida sexual haver cessado: “... só então tambem a organizaçãofísica ten<strong>de</strong> a aproximar-se da do homem, pela fórma e numerosos caracteres(...) <strong>de</strong>pois da menopausa a mulher é um homem.”( Moura,1932,p.58) Sobreesta questão muito oportuna para os homens, através do relato da autora,


Anais do XIV Seminário Nacional Mulher e Literatura / V Seminário Internacional Mulher e Literaturapo<strong>de</strong>mos observar os costumes e como eram estabelecidas as relaçõesna socieda<strong>de</strong> urbana do Rio <strong>de</strong> Janeiro no início do século XX: “...no Rio, osmaridos e irmãos zélosos não admitem sua mulher, sua irmã só, nos lugaresda elite, na Avenida, etc; e, às vezes quasi sempre o pretexto é o tomaro bond, o <strong>de</strong>sastre <strong>de</strong> automóvel, emfim todos os perigos <strong>de</strong> uma gran<strong>de</strong>cida<strong>de</strong> movimentada...No entanto <strong>de</strong>scem e sobem nos bonds e andam sóspor toda parte, entre automoveis e caminhões, as avózinhas trôpegas, asvelhinhas encarquilhadas, e, quando algumas <strong>de</strong>las se per<strong>de</strong>m e os jornaesdizem com a linguagem viríl dos garôtos fórtes - <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> velha voltou a sercriança...”.( Moura,1932,p.59)Ainda neste primeiro capítulo, ela expõe com audácia a trajetória<strong>de</strong> “inferiorida<strong>de</strong>” da mulher impingida pelo homem, on<strong>de</strong> a diferença <strong>de</strong>liberda<strong>de</strong> e oportunida<strong>de</strong> foram manobras hábeis que lhe impuseram emnome da “pureza”, “do recato”, “do que podiam dizer “ e “do <strong>de</strong>creto <strong>de</strong>sua inferiorida<strong>de</strong>”. E insiste que, ao amarrarem-lhe a razão, fizeram-naprisioneira social. Para ela, o homem só educou a mulher para o seu gozoe mulheres como Hipathia <strong>de</strong> Alexandria, Blavatsky e Curie foram mulheresassombrosas, se <strong>de</strong>senvolveram e se educaram com esforço próprio. Umséculo <strong>de</strong> conquistas da mulher ainda era pouco para que surgissem outrosnomes ilustres. E pergunta: “Quantos seculos serão precisos para que elaacór<strong>de</strong> <strong>de</strong>ssa Letargia?” (Moura,1932,p.62)E conclui toda a sua análise, <strong>de</strong> forma surpreen<strong>de</strong>nte, afirmando quesua discussão não era dirigida apenas para o Sr. Bombarda, ou outros, massim contra a opinião anti-feminista <strong>de</strong> que a mulher nasceu “exclusivamentepara ser mãe, para o lar, para brincar com o homem, para diverti-lo” E o Sr.Bombarda tinha sido apenas um pretexto...O primeiro capítulo é habilmente encerrado com duas estratégiasdiscursivas, a primeira legando às mulheres a responsabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> umamaternida<strong>de</strong> consciente, em prol da humanida<strong>de</strong> futura: “Ser mãe é missão,porém não é profissão”.( Moura,1932,p.62) E era preciso saber ser mãe,abdicar do papel <strong>de</strong> criança mimada, <strong>de</strong> animal <strong>de</strong> luxo ou <strong>de</strong> trabalho,para “guiar a Humanida<strong>de</strong>, ao passar pelo berço <strong>de</strong> seu filho”. A segunda,a publicação <strong>de</strong> uma carta <strong>de</strong> Roquette Pinto sobre este capítulo,que se


Anais do XIV Seminário Nacional Mulher e Literatura / V Seminário Internacional Mulher e Literaturaconstitui como resposta e argumentação dirigida aos críticos “almofadinhas”da “imprensa melindrosa” que, entre muitas coisas, <strong>de</strong>testavam as mulheres“pensadoras”....Consciente <strong>de</strong> que a emancipação feminina era necessária paraas mudanças <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong>, assim como sua <strong>de</strong>mocratização, MariaLacerda parte para os outros capítulos do livro, imbuída da convicçãoe ousadia que <strong>de</strong>stacaram sua luta pela in<strong>de</strong>pendência e evolução damulheres. O leitor, que fora preparado e instigado pelo primeiro capítulo,tem nos <strong>de</strong>mais o roteiro sugerido por esta feminista, em <strong>de</strong>trimentodo <strong>de</strong>senvolvimento intelectual da mulher e uma crítica balizada pelaobservação do comportamento feminino da época.Destacamos dois dos capítulos que constroem este projeto. Doprimeiro,“Das vantagens da educação intelectual e profissional da mulher navida pratica das socieda<strong>de</strong>s”, selecionamos o subtítulo A educação intelectualda Mulher.Para <strong>de</strong>sconstruir as imagens sobre a condição feminina, criada pelasocieda<strong>de</strong>, Maria Lacerda precisou <strong>de</strong> questionar, <strong>de</strong>bater e <strong>de</strong>nunciar aspráticas instituídas por ela. Extraímos algumas das afirmações significativasda mulher, educadora, intelectual e militante : “A mulher é fisiologicamentediferente do homem ___ não inferior”; “A educação feminina ou melhora <strong>de</strong>seducação da mulher tem retardado a civilização”; A educaçãofeminina é lastimavel”; “A mulher precisa sentir a verda<strong>de</strong>ira vida, viverpelo pensamento, ter clarivi<strong>de</strong>ncia moral”; “Os intelectuaes fazem comoos gregos: <strong>de</strong>ixam no lar as esposas com quem não po<strong>de</strong>m trocar i<strong>de</strong>iase palestram com amigos, vão aos clubs ou visitam as heteras mo<strong>de</strong>rnas,finalmente, <strong>de</strong>liciosamente nos palácios das Rambouillet...do seculo XX.Somos sexo á parte, nós as intelectuaes.” “No regime atual a mulher éescrava porque precisa da proteção masculina. O individuo protegido valemenos, e está sob a <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ncia do protetor. Não pó<strong>de</strong> ter dignida<strong>de</strong>: aprópria <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ncia já é aviltante”. “Criticam a mulher medica, advogada,a escritora, a concorrente afinal. Entretanto, a or<strong>de</strong>m moral da atualida<strong>de</strong>obriga a mulher a se empregar nas estradas <strong>de</strong> ferro, como carregadorasem docas, como construtoras, pedreiras, a trabalhar em fabrica <strong>de</strong>


Anais do XIV Seminário Nacional Mulher e Literatura / V Seminário Internacional Mulher e Literaturapapeis pintados e na manipulação do mercurio”. “Só a mulher concientecompreen<strong>de</strong>rá porque se afirma: as liberda<strong>de</strong> não se pe<strong>de</strong>m- conquistamse”.(Moura,1932,p.75-89 )A moral, as superstições, os preconceitos, a religião e outros temassão abordados na “Educação intelectual da mulher”, sempre com o intuito<strong>de</strong> <strong>de</strong>scortinar a hipocrisia e mostrar o benefício da educação para a mulherromper um sistema que consi<strong>de</strong>ra injusto e <strong>de</strong>sigual.No segundo capítulo selecionado, “ A fraternida<strong>de</strong> pela arte e pelaMulher”, <strong>de</strong>paramo-nos com os seguintes subtítulos: “A literatura burguesa”e a “Literatura <strong>rebel<strong>de</strong></strong>”. Ao confrontar as literaturas e, mesmo, criar adiferença entre elas, percebe-se que Maria Lacerda se refere a uma literaturaburguesa, representada pela imprensa.Era um momento efervescente para o jornalismo, em geral, e tambémpara o jornalismo <strong>de</strong> feição nitidamente feminista, no Rio <strong>de</strong> Janeiro e emoutros lugares do Brasil. Ela classifica a Literatura burguesa como “uminstrumento reacionario, adaptavel, politico, capitalista”, que “<strong>de</strong>fen<strong>de</strong>os principios autoritarios e a “or<strong>de</strong>m social”, constituida sobre basesinjustas, ou é indiferente ao bem-estar social e faz parte da “instituição doelogio mutuo”, completando dizendo que “em suas mãos está a imprensamercenaria”. ( Moura,1932,p.169) Percebemos aqui, mais uma vez, a críticaa uma imprensa que, no jogo do elogio, do ataque e do silêncio, alimentavaas massas, e <strong>de</strong> quem foi vítima.Ela exalta a literatura <strong>rebel<strong>de</strong></strong> e se exalta, i<strong>de</strong>ntificando-se com ela.Sabe que ela cria tumulto e por isto incomoda, como o próprio <strong>rebel<strong>de</strong></strong> a quealu<strong>de</strong> no texto. Descreve a literatura <strong>rebel<strong>de</strong></strong> como “criadora, tem um’almasensível e leal, é forte como a verda<strong>de</strong>, <strong>de</strong>licada como sensitiva e soluça ogrito lancinante da dôr universal”. (Moura, 1932, p.172 ) É quase possívelouvi-la quando fala sobre o que significa ser um verda<strong>de</strong>iro revolucionário,como aquele que “não se ven<strong>de</strong>, não se mutila para vencer, não se presta apapeis <strong>de</strong>primentes (....) caminha <strong>de</strong>sassombradamente pela floresta dospreconceitos sociaes, criando atalhos para <strong>de</strong>ixar livres encruzilhadas aosvindouros...”.(Moura,1932,p.172-173 )


Anais do XIV Seminário Nacional Mulher e Literatura / V Seminário Internacional Mulher e LiteraturaAcredita que o “<strong>rebel<strong>de</strong></strong> se revela em todas as suas criações”. E alu<strong>de</strong>ao <strong>rebel<strong>de</strong></strong> “Giordano Bruno <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> Socrates”, “a verda<strong>de</strong> crucificada,exilada, queimada nas fogueiras”. A “Hipatia esquartejada”, “toda rondados martírios <strong>de</strong>s<strong>de</strong> Cristo até Ferrer e Tira<strong>de</strong>ntes, crucificados no próprioI<strong>de</strong>al <strong>de</strong> justiça, <strong>de</strong> Paz, <strong>de</strong> sabedoria e Amor”.( Moura,1932,p.173 ) Continua,citando Victor Hugo, Zola, Tolstoi, Dostoievski e muitos outros. Por fim,<strong>de</strong>clara que “<strong>rebel<strong>de</strong></strong> é o criador e o <strong>de</strong>molidor e construtor, o pedreiro livreque edifica com argamassa consistente <strong>de</strong> fé e do entusiasmo, para umfuturo remotíssimo (...), gritando (...) o seu sonho <strong>de</strong> beleza, o seu anseio <strong>de</strong>perfeição e equida<strong>de</strong>”. ( Moura,1932,p.175)Não por acaso, Maria Lacerda <strong>de</strong> Moura inflama-se para falar da arte<strong>rebel<strong>de</strong></strong>. Nela ressoa seu grito, sua urgência <strong>de</strong> dizer o que julga verda<strong>de</strong> eo seu compromisso com ela. No prólogo da obra, encontramos dois trechosque <strong>de</strong>finem este comprometimento: “É preciso abrir os olhos da mulher,embora mesmo ela nos queira mal por isso, vendo em nós, intelectuaes,talvez, perigosas concorrentes...”. (Moura, 1932, p.12) E finaliza: “A causada mulher é como a causa das párias <strong>de</strong> todas as civilizações: é causainternacional”. (Moura, 1932, p.13) É este espírito que nos traz aqui.....Maria Lacerda <strong>de</strong> Moura foi uma das raras mulheres que ousaramcontestar publicamente as concepções médicas da época a respeito daconstituição física e intelectual feminina. Ela nos <strong>de</strong>ixa também, o legado dasgran<strong>de</strong>s mulheres que souberam abrir caminho para que outras tivessem aoportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se orgulhar <strong>de</strong> seu sexo.


Anais do XIV Seminário Nacional Mulher e Literatura / V Seminário Internacional Mulher e LiteraturaBibliografiaBOMBARDA, Miguel. Lições sobre A Epilepsia e as Pseudo-Epilepsias. Lisboa: Livraria<strong>de</strong> Antonio Maria Pereira - Editor, 1896.LEITE,Míriam Lifchitz Moreira.Outra Face do Feminismo:Maria Lacerda <strong>de</strong> Moura.SãoPaulo:: Editora Ática,1984._________________. Maria Lacerda <strong>de</strong> Moura: uma feminista utópica.Florianópolis:Editora Mulheres; Santa Cruz do Sul: EDUNISC,2005.RAGO, Margareth. Trabalho Feminino e Sexualida<strong>de</strong> In: PRIORE,Mary Del(org.);BASSANEZI,Carla ( coord.<strong>de</strong> textos).História da Mulheres no Brasil. 9ªed.SãoPaulo: Contexto,2008,p.599.

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