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Produto Nacional: uma história da indústria no Brasil - CNI

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PRODUTONACIONAL


CONFEDERAÇÃO NACIONALDA INDÚSTRIA – <strong>CNI</strong>PresidenteArmando de Queiroz Monteiro Neto1º Vice-PresidentePaulo Antonio SkafVice-PresidentesRobson Braga de AndradeEduardo Eugenio Gouvêa VieiraPaulo Gilberto Fernandes TigreJosé de Freitas MascarenhasRodrigo Costa <strong>da</strong> Rocha LouresAlcantaro CorreaJosé NasserJorge Parente Frota JúniorFrancisco de Assis Benevides GadelhaFlavio José Cavalcanti de AzevedoAntonio José de Moraes Souza1º SecretárioPaulo Afonso Ferreira2º SecretárioJosé Carlos Lyra de Andrade1º TesoureiroAlexandre Hercula<strong>no</strong> Coelho de Souza Furlan2º TesoureiroAlfredo FernandesDiretoresLucas Izoton VieiraFernando de Souza Flexa RibeiroJorge Lins FreireJorge Machado MendesJorge Wicks Côrte RealEduardo Prado de OliveiraEduardo Machado SilvaJoão Francisco SalomãoAntonio Rocha <strong>da</strong> SilvaJosé Conrado Azevedo SantosEuzebio André GuareschiRivaldo Fernandes NevesFrancisco Renan Oro<strong>no</strong>z ProençaJosé Fernando Xavier FaracoOlavo Machado JúniorCarlos Antonio De Borges GarciaManuel Cesario FilhoConselho FiscalTitularesSergio Rogerio de CastroJulio Augusto Miran<strong>da</strong> FilhoJoão Oliveira de AlbuquerqueSuplentesCarlos Salustia<strong>no</strong> de Sousa CoelhoTelma Lucia de Azevedo GurgelCharles Alberto EliasSuperintendência Corporativa – SUCORPSuperintendente: Antonio Carlos Brito MacielDiretoria Executiva – DIREXDiretor: José Augusto Coelho FernandesSERVIÇO SOCIAL DA INDÚSTRIA – SESIConselho <strong>Nacional</strong>Presidente: Jair MeneguelliSESI – Departamento <strong>Nacional</strong>Diretor: Armando de Queiroz Monteiro NetoDiretor-Superintendente: Antonio Carlos Brito MacielSERVIÇO NACIONAL DE APRENDIZAGEMINDUSTRIAL – SENAIConselho <strong>Nacional</strong>Presidente: Armando de Queiroz Monteiro NetoSENAI – Departamento <strong>Nacional</strong>Diretor-Geral: José Manuel de Aguiar MartinsINSTITUTO EUVALDO LODI –IEL / NÚCLEO CENTRALPresidente do Conselho SuperiorArmando de Queiroz Monteiro NetoDiretor-GeralPaulo Afonso FerreiraSuperintendenteCarlos Roberto Rocha Cavalcante© 2008. <strong>CNI</strong> – Confederação <strong>Nacional</strong> <strong>da</strong> Indústria.Todos os direitos reservados. Nenh<strong>uma</strong> parte deste livro poderá ser reproduzi<strong>da</strong>, de qualquer forma ou porqualquer meio, sem autorização expressa <strong>da</strong> <strong>CNI</strong>.Os relatos, idéias e opiniões conti<strong>da</strong>s na publicação são de responsabili<strong>da</strong>de do autor, não refletindo necessariamenteo posicionamento <strong>da</strong>s Enti<strong>da</strong>des do Sistema Indústria.B928pBue<strong>no</strong>, Eduardo.<strong>Produto</strong> nacional: <strong>uma</strong> história <strong>da</strong> indústria <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong> / Eduardo Bue<strong>no</strong>. – Brasília: <strong>CNI</strong>, 2008.240 p. : il.ISBN 978-85-88566-74-31. Indústria – <strong>Brasil</strong> 2. História <strong>da</strong> Indústria – <strong>Brasil</strong> I. TítuloCDU: 338.1(81)


ApresentaçãoNeste a<strong>no</strong>, comemoramos dois eventos muito importantes paraa Indústria <strong>Brasil</strong>eira.O primeiro deles, os 200 a<strong>no</strong>s <strong>da</strong> chega<strong>da</strong> <strong>da</strong> FamíliaReal Portuguesa ao <strong>Brasil</strong>, foi bastante celebrado pela socie<strong>da</strong>debrasileira, e permitiu, entre outras coisas, resgatar a fi gura de D.João VI. Até há pouco tempo geralmente considerado um rei apenasfraco e indeciso, hoje os historiadores têm procurado destacar suascaracterísticas de negociador astuto e habilidoso que, com seus recuosestratégicos, ajudou a promover, em Portugal, o primeiro ensaio <strong>da</strong>derroca<strong>da</strong> do poderoso exército de Napoleão.Logo que chegou ao <strong>Brasil</strong>, ain<strong>da</strong> como príncipe regente,D. João assi<strong>no</strong>u dois decretos fun<strong>da</strong>mentais para inserir <strong>no</strong>sso país<strong>no</strong> contexto internacional, não mais como simples colônia, mascomo nação em vias de tornar-se livre e independente. Ao abrir osportos às nações amigas, liberou-<strong>no</strong>s o comércio e, em segui<strong>da</strong>, aorevogar o alvará de sua mãe, D. Maria I, que proibia a instalaçãode manufaturas <strong>no</strong> país, permitiu, ofi cialmente, que se iniciasse oprocesso de industrialização do <strong>Brasil</strong>.É bem ver<strong>da</strong>de que esses atos foram muito mais simbólicos do quepráticos, pois ain<strong>da</strong> levaria muitos a<strong>no</strong>s para que os empresários brasileirosconseguissem se organizar para vencer os muitos obstáculos e entraveslegais, estruturais e políticos que atrasaram e, em alguns casos, ain<strong>da</strong>atrasam o desenvolvimento de <strong>uma</strong> indústria forte e competitiva <strong>no</strong> país.Para registrar de forma adequa<strong>da</strong> to<strong>da</strong> essa trajetória, pensamosem produzir um livro.E para escrevê-lo, convi<strong>da</strong>mos o re<strong>no</strong>mado escritor e jornalistaEduardo Bue<strong>no</strong>, bastante conhecido por seus livros sobre Históriado <strong>Brasil</strong>. Eduardo é tido por alguns como polêmico, ou mesmoirreverente, mas essas características só servem para acrescentarsabor a seus relatos, pois ele é incansável na busca e seleção defontes históricas para fun<strong>da</strong>mentar seus escritos.De<strong>no</strong>minado “<strong>Produto</strong> <strong>Nacional</strong>”, o livro faz ampla abor<strong>da</strong>gem sobrea luta pela industrialização do <strong>Brasil</strong> e, paralelamente, sobre a formaçãodo pensamento industrial de <strong>no</strong>sso país, dentro do qual se situa o segundodos eventos que são motivo de comemoração neste a<strong>no</strong>, ou seja, a criação<strong>da</strong> Confederação <strong>Nacional</strong> <strong>da</strong> Indústria – <strong>CNI</strong>, a mais abrangente enti<strong>da</strong>dede representação <strong>da</strong> classe industrial brasileira, cujos 70 a<strong>no</strong>s tambémestamos celebrando, com o destaque merecido, em 2008.Ao perpassar a <strong>no</strong>ssa história faz um balanço de como se encontrao Sistema Indústria hoje, destacando a <strong>no</strong>ssa visão sobre a indústria <strong>no</strong>futuro, suas oportuni<strong>da</strong>des e desafi os.O livro não pretende, contudo, ser a única ver<strong>da</strong>de. Por isso mesmoele se considera “<strong>uma</strong> história <strong>da</strong> Indústria <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>”. Deve serencarado, portanto, como <strong>uma</strong> provocação e um estímulo ao debate ebusca permanente por <strong>no</strong>vos fatos, relatos e abor<strong>da</strong>gens que venham aenriquecer, ain<strong>da</strong> mais, a discussão sobre <strong>no</strong>ssas origens e desti<strong>no</strong>.Mas, antes de tudo, ele é um livro para ser lido, pois será, semsombra de dúvi<strong>da</strong>, <strong>uma</strong> fonte constante de informações para queoutros pesquisadores e autores possam se aprofun<strong>da</strong>r sobre algunsdos temas mais relevantes de <strong>no</strong>ssa história. Esperamos que todos oapreciem e enten<strong>da</strong>m que só através <strong>da</strong> construção e consoli<strong>da</strong>ção de<strong>uma</strong> indústria forte, para a qual o Sistema Indústria, através de suasEnti<strong>da</strong>des (<strong>CNI</strong>, SESI, SENAI e IEL) tem orgulho de ter participado,poderemos alcançar o desenvolvimento sustentável, contribuindo assimpara que tenhamos <strong>uma</strong> socie<strong>da</strong>de evoluí<strong>da</strong> e justa em <strong>no</strong>sso país.Armando Monteiro NetoPresidente <strong>da</strong> <strong>CNI</strong>


SISTEMA INDÚSTRIAApoio InstitucionalAntonio Carlos Brito MacielJosé Manuel de Aguiar MartinsCarlos Roberto Rocha CavalcanteJosé Augusto Coelho FernandesRafael Esmeraldo Lucchesi RamacciottiMarco Antonio Reis GuaritaSilvio Silva AndriottiCoordenação técnicaWladimir Bezerra LuzRevisão técnicaJosé Mário Paranhos do Rio BrancoJúlio Cezar de Andrade Miran<strong>da</strong>Luiz Eduardo Azevedo PedrozaMaria Beatriz de Castro GarottiAna Amélia Ribeiro BarbosaRodrigo Fabia<strong>no</strong> Leite WeberApoio técnicoMarcus Barros PintoOto Morato ÁlvaresAna Suely Pinho LopesVitor Emanuel RamosGabriela LeitãoMaria Clara Pires <strong>da</strong> CostaLúcia Maria de Souto<strong>CNI</strong>Confederação <strong>Nacional</strong> <strong>da</strong> IndústriaSetor Bancário NorteQuadra 1 – Bloco CEdifício Roberto Simonsen70040-903 – Brasília – DFTel.: (61) 3317- 9001Fax: (61) 3317- 9994http://www.cni.org.brServiço de Atendimento ao Cliente – SACTels.: (61) 3317-9989 / 3317-9992sac@cni.org.brPRODUTO NACIONALConcepção, texto final, edição e pesquisaEduardo Bue<strong>no</strong>Textos e pesquisaPaula TaitelbaumTextos adicionaisEliziário Goulart RochaFotografiaFernando Bue<strong>no</strong>Assistente de fotografiaDudu ContursiReproduções fotográficasDudu Contursi e Fernando Bue<strong>no</strong>Pesquisa ico<strong>no</strong>gráficaEduardo Bue<strong>no</strong>Pré-impressãoGRB – Tratamento de imagemProjeto gráfico e direção de arteAna A<strong>da</strong>ms – A<strong>da</strong>ms designDireção de arte e diagramaçãoRaquel Alberti – A<strong>da</strong>ms designRevisãoJô Sal<strong>da</strong>nha e Bianca PasqualiniProdução em campo e contato com as empresasLiliana ReidCoordenação geral Buenas IdéiasFernando Bue<strong>no</strong>RealizaçãoBuenas IdéiasFoto <strong>da</strong> sobrecapa – CEPAR: Acervo JeanManzon, foto Jean Manzon.Foto p. 4 e 5 – Fábrica <strong>da</strong> Grendene em Sobral,Ceará – <strong>Brasil</strong>. Foto Fernando Bue<strong>no</strong>.


IntroduçãoCaso Thomas Cochrane (1775-1860) não tivesse aplicadoum golpe na bolsa de Londres, em 1814, é bem possívelque a história <strong>da</strong> indústria brasileira não viesse a ser muitodiferente do que é. A história do pensamento industrial <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>,porém, seu arcabouço institucional, a estrutura dos sindicatospatronais, a defesa dos projetos industrialistas, isso tudo com certezateria outra trajetória e um perfi l distinto. E talvez a maior organizaçãoclassista do setor, a Confederação <strong>Nacional</strong> <strong>da</strong> Indústria, sequerexistisse – pelo me<strong>no</strong>s não <strong>no</strong>s moldes em que foi fun<strong>da</strong><strong>da</strong> a 12 deagosto de 1938, há exatos 70 a<strong>no</strong>s.Thomas, lorde Cochrane, era o fi lho mais velho do <strong>no</strong><strong>no</strong> conde deDundonald, que perdera suas proprie<strong>da</strong>des na Escócia e se mu<strong>da</strong>rapara a França, onde viveu <strong>no</strong> alcoolismo e na miséria. Embora viessea her<strong>da</strong>r o título do pai, Thomas fora repudiado por ele ao não aceitarum vantajoso acordo matrimonial. Ao invés disso, aos 37 a<strong>no</strong>s, ofuturo lorde fugiu com <strong>uma</strong> jovem de 16. Ao eclodirem as guerrasnapoleônicas, alistou-se na marinha inglesa e, ascendendo ao postode capitão, adquiriu a reputação de ser o mais brilhante coman<strong>da</strong>ntenaval <strong>da</strong> história – “de qualquer marinha em qualquer época”,segundo inúmeras fontes. Tamanha era a sua audácia que o próprioNapoleão o apeli<strong>da</strong>ria de o “Lobo do Mar”.No auge <strong>da</strong> glória, Cochrane elegeu-se para o parlamentoinglês. E foi então que se envolveu na rumorosa fraude <strong>da</strong> Bolsa deValores, em fevereiro de 1814. Perdeu o que tinha e foi condenadoà prisão. Mas conseguiu escapar e refugiou-se <strong>no</strong> Chile – onde setornaria herói nacional ao destruir a arma<strong>da</strong> espanhola <strong>no</strong> Pacífi co.Como não recebeu o que lhe julgava devido, zarpou para o Rio deJaneiro, em março de 1823. Lá, tor<strong>no</strong>u-se amigo e foi contratadopor D. Pedro I para tomar parte nas lutas pela independência.Virou o primeiro almirante do <strong>no</strong>vo país.Iniciaram-se assim as relações que sua família estabeleceria como <strong>Brasil</strong>. Mas elas pouco tiveram a ver com o irascível lorde que,após e<strong>no</strong>rme contribuição para a consoli<strong>da</strong>ção <strong>da</strong> independência,mais <strong>uma</strong> vez julgou-se mal pago e abando<strong>no</strong>u o país, levandoconsigo um navio “à guisa de indenização”. Mas tão marcante foisua passagem pelo Rio que, 16 a<strong>no</strong>s depois, seu neto e homônimo,Thomas, decidiu transferir-se para a capital imperial. Médico, foium dos introdutores <strong>da</strong> homeopatia <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong> e combateu a terrívelepidemia de cólera de 1855. Dez a<strong>no</strong>s antes, casara-se com Helena<strong>da</strong> Gama, viúva do escocês Robert Wallace, adotando e <strong>da</strong>ndo seu<strong>no</strong>me aos dois fi lhos <strong>da</strong> mulher. O mais velho, Ignácio Wallace <strong>da</strong>Gama Cochrane, viria a ser o avô e a maior infl uência na vi<strong>da</strong> deRoberto Cochrane Simonsen.A Roberto Cochrane Simonsen (1889-1948) caberiadesempenhar um papel de tal forma decisivo na consoli<strong>da</strong>ção dopensamento industrial <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong> que, sendo a trama <strong>da</strong> história


teci<strong>da</strong> de tantos fi os, parece conveniente puxar por aquele quedesce mais longe – motivo pelo qual esta introdução procurourestabelecer a conexão familiar que, embora por vias transversas,vincula o Lobo do Mar ao principal mentor <strong>da</strong> <strong>CNI</strong>.Mas não se trata apenas de ressuscitar contraparentesco umtanto remoto, nem de mero exercício de genealogia. Afi nal, lordeCochrane <strong>no</strong>tabilizou-se na luta contra Napoleão, e foi justamentepor causa de Napoleão que a indústria – <strong>no</strong> sentido que hoje sedá à palavra – desembarcou <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>, junto com a Família Realportuguesa. Com efeito, mais do que a carta régia de abertura dosportos “às nações amigas”, assina<strong>da</strong> pelo então príncipe regenteD. João, em janeiro de 1808, na Bahia, foi o alvará de abril domesmo a<strong>no</strong>, fi rmado <strong>no</strong> Rio, que, ao revogar a decisão de 1785mediante a qual to<strong>da</strong> a ativi<strong>da</strong>de industrial fi cara proibi<strong>da</strong> <strong>no</strong><strong>Brasil</strong>, rompeu de vez os grilhões que atavam a colônia.Publicado <strong>no</strong> momento em que o <strong>Brasil</strong> celebra os 200 a<strong>no</strong>s<strong>da</strong> chega<strong>da</strong> de D. João, <strong>Produto</strong> <strong>Nacional</strong> foi concebido pararesgatar, em pincela<strong>da</strong>s breves, os 70 a<strong>no</strong>s de fun<strong>da</strong>ção <strong>da</strong><strong>CNI</strong>. A fórmula escolhi<strong>da</strong> foi a confecção de um amplo, emboranecessariamente superficial, painel <strong>da</strong> indústria brasileira em500 a<strong>no</strong>s de <strong>Brasil</strong>. Sim, cinco séculos de <strong>Brasil</strong> e 500 – nãoapenas 200 – a<strong>no</strong>s de indústria “nacional”, pois, como se verá,na tela e <strong>no</strong>s dramas <strong>da</strong> história, tudo conecta, desde o momentoem que, impulsionados por sua extraordinária indústria naval,os portugueses lançaram-se aos mares do mundo, rumo àÍndia, e, em meio à jorna<strong>da</strong>, depararam com as praias de areiasfaiscantes do que viria a ser o <strong>Brasil</strong>. Praias, aliás, já habita<strong>da</strong>spor um povo industrioso, que domesticara a mandioca,o algodão, o milho e o feijão.Mas, mais do que conquista e colonização, o que a épicaaventura ultramarina dos portugueses fez – ao mostrar que,ao invés de <strong>uma</strong> barreira intransponível, o ocea<strong>no</strong> era a maiseficiente <strong>da</strong>s rotas de comércio – foi deflagrar aquilo que, séculosdepois, viríamos a chamar de “globalização”. Holandeses eingleses vieram em seu encalço, forjando o mundo moder<strong>no</strong>.E se lorde Cochrane pôde virar o “Lobo do Mar” foi só porqueo ocea<strong>no</strong> já estava, em seu tempo e com sua aju<strong>da</strong>, sob controlebritânico. Mas é claro que a hegemonia inglesa não se deveuapenas ao domínio <strong>da</strong>s rotas de navegação e comércio: foi fruto,também e principalmente, <strong>da</strong> Revolução Industrial, inicia<strong>da</strong> nãopor acaso na velha ilha do Norte.A Inglaterra cedo impôs seu domínio sobre Portugal e, após aindependência, o estendeu ao <strong>Brasil</strong>. Mas como a suposta pátriado liberalismo econômico era, também, o lar do protecionismo, osbritânicos – que já haviam forçado D. João a assinar o chamado“tratado desigual” de 1810, estabelecendo <strong>uma</strong> taxa alfandegária deapenas 15% para os produtos ingleses, virtualmente inviabilizandoo estabelecimento <strong>da</strong> indústria <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong> – forçaram, em troca doreconhecimento <strong>da</strong> independência, a prorrogação do infame acordopor mais vinte a<strong>no</strong>s.Portanto, seria apenas em 1844, quando Alves Branco taxouos produtos importados em até 60%, que o <strong>Brasil</strong> gozaria de seuprimeiro ciclo industrial. Devido às pressões inglesas e às mazelasinternas do país, um dos únicos frutos práticos <strong>da</strong> tarifa foi o


advento <strong>da</strong> Era de Mauá – o primeiro industrial brasileiro dig<strong>no</strong>do <strong>no</strong>me. Mas a nação de Mauá era também <strong>uma</strong> nação escravista,vincula<strong>da</strong> à grande lavoura cafeeira. E a “banca<strong>da</strong> ruralista” doSenado tratou de abortar seu projeto. Mas também caberia ao cafédecretar o fi m <strong>da</strong> escravidão, estimular a vin<strong>da</strong> de imigrantes,precipitar o advento <strong>da</strong> República e gerar os capitais responsáveispela eclosão do surto industrialista de São Paulo, entre 1890 e1920, tão prenhe de <strong>no</strong>mes lendários, como Matarazzo, Klabin,Lafer, Pereira Ignácio e Ermírio de Moraes.Foi n<strong>uma</strong> reação à “República do café com leite” que GetúlioVargas partiu do Sul, defl agrando o movimento que <strong>da</strong>ria inícioà era <strong>da</strong> indústria de base <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>. E estimulando também,outra vez por vias transversas, o advento <strong>da</strong> liderança classista deRoberto Simonsen. Achando-se, a princípio, em campos opostos,Vargas e Simonsen logo estariam conectados. A ponte foi obrado mineiro Euvaldo Lodi. Mas não se restringiria a isso o papelfun<strong>da</strong>mental desempenhado por Lodi na história <strong>da</strong> indústriabrasileira. Ao a<strong>da</strong>ptar seus interesses patronais às regras dosindicalismo varguista, ele seria, junto com o parceiro Simonsen,o principal artífi ce <strong>da</strong> Confederação <strong>Nacional</strong> <strong>da</strong> Indústria, bemcomo o primeiro e mais longevo presidente <strong>da</strong> enti<strong>da</strong>de quecomandou com destreza e competência ao longo de 16 a<strong>no</strong>s.Gera<strong>da</strong> em meio às turbulências do Estado Novo, a <strong>CNI</strong>concretizou os anseios dos industrialistas de constituir <strong>uma</strong> enti<strong>da</strong>desóli<strong>da</strong> o bastante para defender seus interesses. Ao fazê-lo, tor<strong>no</strong>ureali<strong>da</strong>de o sonho de fi guras heróicas, quase quixotescas, comoInácio Álvares Pinto de Almei<strong>da</strong> (fun<strong>da</strong>dor <strong>da</strong> SAIN), AntônioFelício dos Santos (idealizador <strong>da</strong> Socie<strong>da</strong>de Industrial) e SezerdeloCorreia e Jorge Street (criadores do CIB), personagens com os quaiso leitor se familiarizará ao longo do livro.A partir do surgimento <strong>da</strong> <strong>CNI</strong>, o antigo confronto entreagricultura e indústria, comércio e indústria, livre iniciativa eintervenção estatal; to<strong>da</strong>s as mazelas e deslizes, suplantaçõese conquistas – em s<strong>uma</strong>, to<strong>da</strong> a história <strong>da</strong> indústria nacional– passaram a se concentrar em tor<strong>no</strong> <strong>da</strong> enti<strong>da</strong>de, que acompanhouo início, o meio e o fi m <strong>da</strong> Era Vargas, vivendo os a<strong>no</strong>s dourados deJK, os a<strong>no</strong>s de chumbo do regime militar e aju<strong>da</strong>ndo a concretizara redemocratização plena do país.Tão plena que em 1º de janeiro de 2003, na aurora do <strong>no</strong>vomilênio, Luiz Inácio Lula <strong>da</strong> Silva – ex-torneiro mecânico formadopelo SENAI – tomou posse na presidência do país sem turbulênciasou rumores golpistas. Um momento que pareceu concretizar também<strong>uma</strong> vitória <strong>da</strong> indústria nacional – sóli<strong>da</strong> o sufi ciente para formarum líder <strong>da</strong>s dimensões de Lula; madura o bastante para vê-loassumir o comando <strong>da</strong> nação.Embora feito por encomen<strong>da</strong> <strong>da</strong> própria <strong>CNI</strong>, <strong>Produto</strong><strong>Nacional</strong> foi escrito com total liber<strong>da</strong>de editorial. Na<strong>da</strong>mais natural: liber<strong>da</strong>de, indústria e livre iniciativa semprecaminharam juntas. Até porque, há exatos 200 a<strong>no</strong>s, a indústriaajudou a libertar de vez o <strong>Brasil</strong>.Eduardo Bue<strong>no</strong>Porto Alegre, julho de 2008


IOS GRILHÕESDA COLÔNIA


O começo <strong>da</strong> HistóriaO ACHAMENTO DO BRASILOprimeiro ato foi... <strong>uma</strong> troca.O encontro entre os homens que estavamna praia e os homens que estavam na proa foiindeciso e reticente, mas amistoso – como namaior parte <strong>da</strong>s vezes em que povos desconhecidosentre si viram-se pela primeira vez. A bordo de umescaler, o capitão Nicolau Coelho – um vetera<strong>no</strong><strong>da</strong>s viagens marítimas portuguesas, que já estiverana Índia – aproximou-se <strong>da</strong> costa e, após sinalizarcom as mãos para que os cerca de vinte homensque an<strong>da</strong>vam por ali baixassem seus arcos e setas,jogou-lhes “um barrete vermelho, <strong>uma</strong> carapuçade linho que levava na cabeça e um sombreiropreto”. Em retribuição, um dos guerreiros queestavam na areia deu-lhe “um sombreiro de penasde aves, compri<strong>da</strong>s”, enquanto outro lhe alcançava“um ramal grande de continhas brancas miú<strong>da</strong>s”.Então, Coelho “se volveu às naus por ser tardee não poder haver deles mais fala, por causa (doruído) do mar”.O <strong>Brasil</strong> tinha acabado de entrar ofi cialmente<strong>no</strong> curso <strong>da</strong> história <strong>da</strong> expansão européia aoredor do globo.A singela troca de presentes entreportugueses e tupiniquins não confi gurou, enem pretendia ser, <strong>uma</strong> transação comercial.Ain<strong>da</strong> assim, naquele instante inaugural do16


<strong>Brasil</strong>, ambos os povos apresentaram um ao outroprodutos de sua indústria. Afi nal, o “barretevermelho”, mencionado na célebre carta dePero Vaz de Caminha, na<strong>da</strong> mais era do queo típico gorro de lã, “de baixa quali<strong>da</strong>de epreço”, tradicionalmente usado pelos marujosportugueses até os dias de hoje. Fora introduzidoem Portugal pelos navegadores ge<strong>no</strong>veses <strong>no</strong>século 13. A “carapuça de linho”, que NicolauCoelho tirou <strong>da</strong> própria cabeça, também erapeça habitual <strong>da</strong> indumentária <strong>da</strong> época, emborame<strong>no</strong>s refi na<strong>da</strong> e cara do que o “sombreiropreto” – ou chapéu de copa cônica e abas largas– igualmente usado pelo capitão. Feitos de lã,linho e feltro, eram produtos típicos <strong>da</strong> indústriatêxtil européia; já prenunciavam o advento e oímpeto do ramo fabril que logo iria se tornar omotor <strong>da</strong> eco<strong>no</strong>mia <strong>da</strong>quele continente.A palavra “indústria”, <strong>no</strong> entanto, não se refereapenas à produção de manufaturas. No momento emque o homem se serve do trabalho para transformarqualquer matéria-prima em algo para seu usufruto,está, grosso modo, exercendo <strong>uma</strong> ativi<strong>da</strong>de“industrial”. Ora, “o sombreiro de penas de aves”referido por Caminha era, evidentemente, um cocar,e não é preciso ser conhecedor <strong>da</strong> extraordináriacomplexi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> arte plumária dos indígenasbrasileiros para saber que, como o próprio ramalde continhas brancas (ou seja, um colar de búzios),o objeto ofertado pelos tupiniquins era resultadode “aplicação, empenho, esforço e trabalho”– sinônimos, todos eles, <strong>da</strong> palavra latina industrae.Em termos mais específicos, porém, o fato é queos portugueses só chegaram àquele porto seguro,encravado <strong>no</strong> litoral sul <strong>da</strong> Bahia, graças ao poder eà eficiência de seus navios – frutos de <strong>uma</strong> afluenteindústria naval. Ali, depararam com os tupiniquins,<strong>uma</strong> <strong>da</strong>s “parciali<strong>da</strong>des” <strong>da</strong> grande nação Tupi que,cerca de quinze séculos antes, havia conquistadoboa parte <strong>da</strong> costa brasileira, impulsiona<strong>da</strong> por <strong>uma</strong><strong>no</strong>tável i<strong>no</strong>vação tec<strong>no</strong>lógica: um revolucionáriométodo de plantio de mandioca.Assim, embora o impulso que impelisseos portugueses por mares nunca <strong>da</strong>ntesnavegados – rumo à Índia – fosse de inspiraçãobasicamente comercial, e a ocupação <strong>da</strong> costabrasileira pelos tupis confi gurasse <strong>uma</strong> típicaconquista expansionista, fora graças a avançostec<strong>no</strong>lógicos fun<strong>da</strong>mentalmente industriais queaqueles dois povos acabaram por encontrar-senaquela praia de areias faiscantes, ao entardecerde 22 de abril de 1500.Naquele momento, portanto, não era apenasa história oficial do <strong>Brasil</strong> que se iniciava.Estava nascendo também a história de suaindústria nacional.A frota com a qual Cabral aportou <strong>no</strong><strong>Brasil</strong> – em meio à sua jorna<strong>da</strong> para aÍndia – era composta por dez naus etrês caravelas. Trazia cerca de 1.500homens a bordo. Era a maior e maispoderosa arma<strong>da</strong> já envia<strong>da</strong> parasingrar o Atlântico. Empreendimentocaríssimo – <strong>no</strong> qual foram investidosmais de 40 milhões de reais (leiasobre o valor <strong>da</strong> moe<strong>da</strong> <strong>no</strong> século 16na p. 27) –, a aventura foi paga nãosó com os recursos do Tesouro régioportuguês, mas também financia<strong>da</strong>por banqueiros florenti<strong>no</strong>s. O relato<strong>da</strong> chega<strong>da</strong> ao <strong>Brasil</strong> baseia-sena carta de Pero Vaz de Caminha,enquanto que as informações sobre obarrete, a carapuça e o sombreiro sãooriun<strong>da</strong>s <strong>da</strong>s <strong>no</strong>tas que o historiadorJaime Cortesão fez ao texto deCaminha (veja a bibliografia).17


A indústria naval portuguesaÉ PRECISO NAVEGAR18


Bojudos como peixes e leves como pássaros,eles singravam os mares – seu suporte– soprados pelos ventos – seu motor.Os navios portugueses <strong>da</strong> Era dosDescobrimentos confi guraram <strong>uma</strong> extraordináriai<strong>no</strong>vação tec<strong>no</strong>lógica, a ponto de já terem sidodefi nidos como “um dos mais complexos engenhosconstruídos até então pela indústria h<strong>uma</strong>na”. Suaefi ciência permitiu aos portugueses lançarem asbases de um dos maiores impérios ultramari<strong>no</strong>s<strong>da</strong> História. Seus cascos foram a ponta-de-lança<strong>da</strong> ocupação européia do Novo Mundo. Suas velascarregaram a cruz de Cristo mais longe do que elajamais havia ido. Sua produção em série foi, porfi m, responsável pelo surgimento de <strong>uma</strong> afl uenteindústria naval. Indústria que faria a glória e a<strong>da</strong>nação de Portugal.Isolado na orla ocidental <strong>da</strong> Cristan<strong>da</strong>de, tidocomo um “jardim sobre o Atlântico debruçado”, odiminuto rei<strong>no</strong> europeu cedo vislumbrou naqueleenigmático ocea<strong>no</strong> sua melhor saí<strong>da</strong>. Em 1317, orei D. Diniz contratou o almirante ge<strong>no</strong>vês ManuelPessanha para <strong>da</strong>r início ao processo que resultariana expansão naval lusitana. Um século depois,o infante D. Henrique, o Navegador, criava achama<strong>da</strong> Escola de Sagres, lançando Portugal aosmares do mundo. A construção naval, então, tornasesimultaneamente a indústria pesa<strong>da</strong> de seutempo e a tec<strong>no</strong>logia de ponta do Renascimento.Na sua diversi<strong>da</strong>de multidisciplinar, fundeconhecimentos ocidentais e orientais, mediterrâneose atlânticos, árabes e cristãos. O processo culminacom a invenção <strong>da</strong> chama<strong>da</strong> “caravela dosdescobrimentos”. A mais antiga representação de<strong>uma</strong> caravela é de 1488, mas essa extraordináriaembarcação – a primeira capaz de navegarcontra o vento – foi concebi<strong>da</strong> e construí<strong>da</strong> pelosportugueses por volta de 1430-1440. Caravela édiminutivo de caravo – pequena embarcação usa<strong>da</strong><strong>no</strong> Mediterrâneo, cujo <strong>no</strong>me provém <strong>da</strong> palavra grega“karabos” (lagosta), pois de início elas navegavamsomente nas cercanias <strong>da</strong> costa. Sob o ribombar dosmartelos e o ranger <strong>da</strong>s serras, as caravelas eramconstruí<strong>da</strong>s na fervilhante Ribeira <strong>da</strong>s Naus, nazona portuária de Lisboa.Como o <strong>no</strong>me indica, naquele movimentadoestaleiro passaram a ser produzi<strong>da</strong>s também asnaus. A nau foi a evolução natural <strong>da</strong> caravela,sendo dez metros mais longa do que ela. No século16, havia 19 mestres de navios, 200 carpinteiros,114 calafates e 18 carpinteiros de gáveas labutandona Ribeira <strong>da</strong>s Naus. Confi guravam <strong>uma</strong> bempaga elite profi ssional, responsável pela produçãode 800 navios por a<strong>no</strong>. A construção navalgerou ain<strong>da</strong> indústrias subsidiárias, igualmentedinâmicas, entre as quais a de manufatura decânhamo para os cor<strong>da</strong>mes, a de linho para asvelas, a de breu, alcatrão, chumbo e pregos, além<strong>da</strong> ta<strong>no</strong>aria – já que ca<strong>da</strong> nau levava cerca de 500tonéis (provém <strong>da</strong>í o termo “tonelagem”, que ain<strong>da</strong>hoje defi ne a capaci<strong>da</strong>de de carga dos navios).Os navios portugueses abriram para a Europaum Novo Mundo. E para ele trouxeram a cruz e aespa<strong>da</strong>, a pólvora e a sífi lis. Mas também o ferro,a cana, o café, os engenhos, as máquinas e odinheiro. Em s<strong>uma</strong>, a desordem e o progresso.Foi basicamente a bordo de nausque os portugueses conquistarama costa brasileira. Uma nau de 500tonela<strong>da</strong>s tinha cerca de 30 metrosde comprimento por oito de largurae custava cerca de 25 mil cruzados,ou dez milhões de reais (moe<strong>da</strong>s doséculo 16). A construção empregavavários meses e utilizava 2.200 pausde sobro, 1.800 paus de pinho manso,350 dúzias de tabuado, 200 pausde pinho bravo para escoras, 900quintais de pregadura, 300 quintaisde breu, 100 quintais de estopa pretae 40 quintais de chumbo (o quintalequivalia a cerca de 60 quilos), mais170 mil pregos e 20 barris de alcatrão,além de cal, estopa e cor<strong>da</strong>s. Ostextos desta página baseiam-se <strong>no</strong>slivros O ponto onde estamos, de PauloMicelli, e Viagem do Descobrimento,de Eduardo Bue<strong>no</strong>.19


Indústria indígenaPelo me<strong>no</strong>s quatro plantasdomestica<strong>da</strong>s por tribos indígenasiriam se vincular à história <strong>da</strong> indústria<strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>: o algodão, a seringueira,o tabaco e a erva-mate. Sabe-seatualmente que a espécie de algodão(Gossypium hirsutum) encontra<strong>da</strong>pelos europeus na América foratrazi<strong>da</strong> <strong>da</strong> Ásia pelos grupos decoletores e caçadores que colonizaramo Novo Mundo. Já seringueira é o<strong>no</strong>me comum de diversas árvoresdo gênero Hevea, dentre as quaisse destaca a Hevea brasiliensis,conheci<strong>da</strong> como “árvore <strong>da</strong> borracha”e nativa <strong>da</strong> Amazônia, onde se deu ociclo econômico descrito na página161. A erva-mate (Ilex paraguaensis),planta sagra<strong>da</strong> dos guaranis, ain<strong>da</strong>é sorvi<strong>da</strong> <strong>no</strong> Sul do país na forma dechimarrão. Também sagrado – a pontode ser chamado “erva santa” – era otabaco (Nicotiana tabacum), que saiudo <strong>Brasil</strong> para invadir o mundo.Uma boa fonte sobre o tema é Seedsof change (“Sementes <strong>da</strong> mu<strong>da</strong>nça”),de Herman Viola.O PÃO DO BRASILHá mais que um simples prefi xo e um merohífen a separar história e pré-história <strong>no</strong>Novo Mundo. Persiste, entre ambos os períodos,um abismo de desconhecimento e incompreensão.Mas não resta dúvi<strong>da</strong> de que o processo deconquista <strong>da</strong>s Américas pelos europeus jamaisteria sido o mesmo não tivessem eles se servido<strong>da</strong>s técnicas e experiências acumula<strong>da</strong>s pelosindígenas ao longo de milênios de vivência <strong>no</strong>território que seus ancestrais descobriram eocuparam mais de cem séculos antes <strong>da</strong> chega<strong>da</strong>do ge<strong>no</strong>vês Cristóvão Colombo a <strong>uma</strong> diminutailha <strong>no</strong> mar que ele batizou de Caribe.Do vasto leque de alternativas e possibili<strong>da</strong>desalimentares, ecológicas e logísticas que os nativoslegaram aos adventícios – fossem eles portugueses,espanhóis, ingleses, holandeses ou franceses –,a herança mais preciosa foi fruto do laboriosoprocesso de domesticação de plantas que existiamapenas <strong>no</strong> Novo Mundo e que, a partir do século16, cruzaram o ocea<strong>no</strong> para modifi car de vezos hábitos europeus. Dentre as espécies maismarcantes – batata, milho, cacau e tomate –,nenh<strong>uma</strong> era nativa do <strong>Brasil</strong>. Na ver<strong>da</strong>de, <strong>da</strong>splantas genuinamente “brasileiras”, apenas <strong>uma</strong>iria conquistar o Velho Mundo, onde acendeu ódiose paixões: o insidioso tabaco.Se não tiveram maior importância na Europa,vários dos vegetais cultivados pelos industriosostupis-guaranis se imiscuíram na vi<strong>da</strong> cotidiana doscolo<strong>no</strong>s <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>, entre eles o feijão, a abóbora, omamão, o abacaxi e o caju. Outros, como o algodão,a erva-mate e o próprio tabaco iriam desempenharpapel de relevo na história <strong>da</strong> indústria nacional.Por fi m, como adiante se verá, <strong>uma</strong> árvore acabariapor <strong>no</strong>s tornar a todos “brasileiros” – literalmente.Antes do pau-brasil, porém, veio o pão do <strong>Brasil</strong>.Durante os três primeiros séculos de colonizaçãoportuguesa, a mandioca de fato foi o pão de ca<strong>da</strong>dia do <strong>Brasil</strong>: a comi<strong>da</strong> de sustento, o “basalto <strong>da</strong>alimentação”, a base <strong>da</strong> pirâmide alimentar nãosó dos nativos, mas também <strong>da</strong> casa-grande e <strong>da</strong>senzala. A “casa de Mani” – ou “Mani-oca”, comoa batizaram os indígenas que a domesticaram – éconsidera<strong>da</strong> a mais brasileira <strong>da</strong>s plantas e sustentoumilhares de gerações. Primeiro, gerações de tupis,mas também de aruaques, jês e guaranis. Depois,gerações de colo<strong>no</strong>s lusos; a seguir, gerações deafrica<strong>no</strong>s – tanto na própria África, para onde aplanta foi leva<strong>da</strong>, como nas agruras do Novo Mundo,para onde eles foram trazidos. A raiz se impôs como arainha dos trópicos, e rei<strong>no</strong>u por mais de 400 a<strong>no</strong>s naculinária popular <strong>da</strong> zona em que nasceu, ostentandosua coroa irrenunciável até a vira<strong>da</strong> do século 20.20


Conforme a mitologia tupi, a mandioca(Manihot utilíssima, classifi cação <strong>da</strong><strong>da</strong> em 1817pelo botânico austríaco Johann Emanuel Pohl– que não hesitou em empregar superlativo em<strong>no</strong>me científi co) surgiu do cadáver de Mani, netade um líder tribal cuja fi lha engravi<strong>da</strong>ra virgem.Bani<strong>da</strong> pelo pai, a jovem cunhã deu à luz <strong>uma</strong>menina muito branca, que morreu na mais tenrainfância. Enterra<strong>da</strong> na própria oca, transformouseem estranha raiz: suculenta, mas vene<strong>no</strong>sa.A engenhosi<strong>da</strong>de “industrial” dos tupis não seresumiu, portanto, a domesticar a mandioca, masem desenvolver as técnicas que lhes permitiram“purgá-la” do mortífero ácido prússico.Em meio a recursos vegetais tão ricos,por que teriam os tupis adotado <strong>uma</strong> plantavene<strong>no</strong>sa? Porque é resistente à seca: enquantoas outras esturricam, a mandioca fl oresce.Porque não precisa de terras férteis: podeser cria<strong>da</strong> “<strong>no</strong> pó, sem dó”. Porque, <strong>uma</strong> vezprocessa<strong>da</strong>, conserva-se por meses a fi o. Porque,além de durável e saborosa, vira mingau, pudim,pirão, tapioca, biju. Por fi m, mas não por último,porque fornecia o cauim, bebi<strong>da</strong> inebriante queregava os festins canibais dos tupis.A mandioca parece ter embriagado tambémcertos heróis brasileiros. Em infl amado discursoàs Cortes de Lisboa, o revolucionário baia<strong>no</strong>Cipria<strong>no</strong> Barata (1762-1838) fez bravata: “O<strong>Brasil</strong> pode manter-se independente <strong>da</strong> Metrópole,e até <strong>da</strong> Europa: tem farinha para alimentar-se ealgodão para vestir-se”.Depois de quatro séculos alimentandopopulações em todo o <strong>Brasil</strong>, oconsumo <strong>da</strong> farinha de mandiocavem se tornando ca<strong>da</strong> vez mais raloe, desde a déca<strong>da</strong> de 1970, esfarelaseem ritmo alarmante. Embora aprodução se mantenha estável (26milhões de tonela<strong>da</strong>s/a<strong>no</strong>), não houvemodernização <strong>no</strong>s métodos, i<strong>no</strong>vação<strong>no</strong>s derivados, nem melhoramentosou padronização na quali<strong>da</strong>de doproduto. Apesar de nunca teremostentado a mesma complexi<strong>da</strong>dedos engenhos de açúcar, as “casasde farinha” (acima, na imagemde Rugen<strong>da</strong>s) viveram um boomfabril <strong>no</strong>s a<strong>no</strong>s 1920. Mesmo então,a fabricação <strong>da</strong> farinha entre os“mestres” do Nordeste se mostravamais próxima do século 16 do que do20. Na aurora do <strong>no</strong>vo milênio,“o mais brasileiro dos alimentos”perdeu espaço. E o pior é que operdeu para comi<strong>da</strong>s vazias, comi<strong>da</strong>srápi<strong>da</strong>s. A leitura recomen<strong>da</strong><strong>da</strong>é História <strong>da</strong> alimentação <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>,de Câmara Cascudo.21


O pau-brasilCOM QUANTOS PAUS SE FAZ UMA NAÇÃOUma <strong>da</strong>s primeiras ações dos homenscoman<strong>da</strong>dos por Cabral, poucos dias apósdesembarcarem <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>, foi... derrubar <strong>uma</strong>árvore. Não se sabe exatamente qual – supõe-seque um cedro –, mas sabe-se por quê: o lenhotombou para se transformar n<strong>uma</strong> cruz. A primeiracruz, à sombra <strong>da</strong> qual foi reza<strong>da</strong> a primeiramissa. Por causa dela, batizou-se o territóriorecém-descoberto de Terra de Vera Cruz. Mas orei D. Ma<strong>no</strong>el não gostou <strong>da</strong> de<strong>no</strong>minação: cruz“ver<strong>da</strong>deira”, julgava o pio sobera<strong>no</strong>, era apenas<strong>uma</strong>, “Aquela em que foi martirizado Nosso SenhorJesus Cristo”. Por isso, o monarca mudou o <strong>no</strong>mepara Terra de Santa Cruz. Mas a determinaçãoreal também não pegou: para os marinheiros que atinham visitado, aquela era a Terra dos Papagaios.Papagaio, a ave parladora – relíquia viva e valiosado tempo em que todos os animais falavam –,a <strong>no</strong>va terra de fato tinha em profusão. Como tinhabugios e búzios e “copiosas maneiras de frutas”.Não tinha, porém, pimenta, canela ou <strong>no</strong>z-mosca<strong>da</strong>.Mais grave ain<strong>da</strong>, não tinha ouro “nem coisade metal algum” – pelo me<strong>no</strong>s <strong>no</strong> diagnóstico deAmérico Vespúcio, padrinho do Novo Mundo eintegrante <strong>da</strong> primeira missão exploratória envia<strong>da</strong>por D. Ma<strong>no</strong>el direto ao <strong>Brasil</strong>, em março de 1501,<strong>no</strong> rastro <strong>da</strong> descoberta cabralina.22


Por causa do relato de Vespúcio – “nessa terranão vimos coisa de metal algum, apenas <strong>uma</strong>infi ni<strong>da</strong>de de árvores de pau-brasil” –, a colôniaacabou “privatiza<strong>da</strong>”. Com a atenção e os recursosdo Tesouro Régio voltados para a Índia, D. Manueldecidiu arren<strong>da</strong>r o <strong>Brasil</strong> por 12 a<strong>no</strong>s. Quemarrematou o negócio foi um consórcio de cristãos<strong>no</strong>vos,liderado por Fernando de Noronha. Noronhaenviou Vespúcio outra vez ao <strong>Brasil</strong>, em 1503-1504,<strong>da</strong>ndo início ao chamado “ciclo do pau-brasil”.O movimento inaugural <strong>da</strong> eco<strong>no</strong>mia brasileiraconfi gurou <strong>uma</strong> ativi<strong>da</strong>de meramente extrativista,que na<strong>da</strong> teve de “industrial”. A indústria,<strong>no</strong> sentido mais estrito <strong>da</strong> palavra, mantinhasea um ocea<strong>no</strong> de distância de Pindorama.Ain<strong>da</strong> assim, tudo se iniciou ali.O pau-brasil foi o primeiro produto deexportação, o primeiro mo<strong>no</strong>pólio estatal,o primeiro bem privatizado, o primeiroartigo contrabandeado e a primeiramercadoria a colocar o <strong>Brasil</strong> <strong>no</strong> mapa<strong>da</strong>s transações intercontinentais. Sim, porque sena colônia sua exploração foi mero extrativismo,tão logo chegava à Europa, o “pau-de-tinta”mergulhava direto em um ciclo industrial. Aindústria têxtil dos Países Baixos e do Norte <strong>da</strong>França buscava sequiosamente corantes – emespecial corantes rubros. Após a<strong>no</strong>s de uso restritoà alta <strong>no</strong>breza e às autori<strong>da</strong>des eclesiásticas, a corvermelha não apenas estava libera<strong>da</strong>: estava namo<strong>da</strong>. Reduzido a pó, o pau-brasil concedia aostecidos um fl amante tom purpúreo, vivo e intenso.Não chega a ser surpresa, portanto, que <strong>uma</strong>enxurra<strong>da</strong> de “entrelopos” – ou contrabandistas –franceses tenha se dirigido à Terra dos Papagaios,de costas tão largas e tão desprotegi<strong>da</strong>s, em buscado lenho tintorial. Sua iniciativa teve o apoio do reiFrancisco I, que se recusava a aceitar a vali<strong>da</strong>dejurídica do Tratado de Tordesilhas: “Gostariade ver a cláusula do testamento de Adão que meafastou <strong>da</strong> partilha do mundo”, cost<strong>uma</strong>va dizer omonarca, com fi na ironia.Eram os indígenas que encontravam, cortavam,desbastavam e transportavam até os navios as pesa<strong>da</strong>storas de pau-brasil, em troca de miçangas, espelhos,anzóis e, sobretudo, machados. O machado deferro os fascinara desde o momento em queo primeiro fora usado para abater a primeiraárvore <strong>da</strong> primeira cruz na primeira missa.Foi ele, afi nal, que fez os nativos passareminstantaneamente <strong>da</strong> I<strong>da</strong>de <strong>da</strong> Pedra paraa I<strong>da</strong>de do Ferro. Mas o machado e o paufi zeram mais: transformaram Pindorama,a Terra <strong>da</strong>s Palmeiras, em Terra do <strong>Brasil</strong>.E, a todos nós, em “brasileiros”.Embora a etimologia <strong>da</strong> palavra “brasil” sejarepleta de mistério e ressonâncias, o fato é quese as regras gramaticais tivessem sido aplica<strong>da</strong>s,seríamos “brasilienses”. Chamavam-se “brasileiros”apenas aqueles que se dedicavam ao trato dopau-brasil – assim como pimenteiros, baleeiros enegreiros eram os que li<strong>da</strong>vam com a pimenta, asbaleias e os escravos. Os machados dos brasileirosabateram sete milhões de árvores tintoriais.Atualmente, o pau-brasil encontra-se em viasde extinção.O “ciclo do pau-brasil”, como ode<strong>no</strong>mi<strong>no</strong>u Roberto Simonsen, foium ciclo extrativista: <strong>uma</strong> matériaprimaem estado bruto, exporta<strong>da</strong>para a Europa, onde era transforma<strong>da</strong>em corante para tingir tecidos, queentravam <strong>no</strong> mercado com altíssimo“valor agregado”, para usar aexpressão hoje tão cara a publicitáriose tec<strong>no</strong>cratas. O mais grave é quenem mesmo era Portugal que lucravacom o “trato do brasil”: além docontrabando – obra não apenas defranceses, mas dos próprios colo<strong>no</strong>slusos –, o pau virava pó (e a seguircorante) <strong>no</strong>s Países Baixos, ondetambém eram produzidos os tecidosque ele tingia. O pau-brasil revelouse,assim, o primeiro mau negóciodo <strong>Brasil</strong>. Um quintal (60 quilos) depau-brasil valia 2,5 cruzados (ou 8,75gramas de ouro).23


O açúcarUM REINADO DOCE-AMARGOAprimeira indústria brasileira foi a do açúcar.E tão grande revelou-se o impacto do docepó branco na história do <strong>Brasil</strong> que seria difícilexagerar o papel que ele desempenhou tanto nacoluna do ativo como na do passivo. Foi o açúcarque proporcio<strong>no</strong>u a base econômica capaz dejustifi car o esforço colonizador de Portugal, mas foitambém ele que consagrou o latifúndio, instalou oregime escravocrata e, <strong>no</strong> seu exclusivismo, inibiu,quase vetou, o desenvolvimento de outras lavouras.O açúcar inventou <strong>uma</strong> paisagem caracteriza<strong>da</strong> pelaverdejante ondulação dos canaviais batidos pelosventos e domina<strong>da</strong> pelo decantado “quadriláterorural”: a casa-grande, a senzala, a capela e oengenho. Mas também degradou o meio ambiente,empobreceu o solo, poluiu os rios e devastou a mataatlântica. O açúcar propiciou o desenvolvimentode um estilo de vi<strong>da</strong> que marcou a existência deto<strong>da</strong>s as cama<strong>da</strong>s <strong>da</strong> população que integrou, masreservou seus privilégios para poucos.Ao contrário de outros produtos agrícolasque ora fi zeram a fortuna ora a miséria do <strong>Brasil</strong>– como o algodão, o café e o cacau –, o açúcarfoi o primeiro que deu lugar à <strong>uma</strong> organização24


propriamente industrial. Não só porque os engenhos– muito propriamente chamados de “fábricas”– imprimiam um ritmo manufatureiro à produçãocomo também porque, conforme observou ohistoriador Evaldo Cabral de Mello, “o açúcar criou,<strong>no</strong> âmbito do tempo cíclico <strong>da</strong> eco<strong>no</strong>mia rural, oprimeiro tempo artifi cial na vi<strong>da</strong> brasileira, o quenão fi zeram os demais gêneros agrícolas”.Nos grandes engenhos, a moagem podia terlugar ininterruptamente dia e <strong>no</strong>ite, empregandoequipes que se revezavam de contínuo, sócessando a produção por ocasião do Natale do A<strong>no</strong>-Novo. O ritmo <strong>da</strong>quela ativi<strong>da</strong>degenuinamente fabril e a complexi<strong>da</strong>de mecânicados engenhos espantaram os cronistas e viajantesque estiveram <strong>no</strong> Nordeste do <strong>Brasil</strong> <strong>no</strong>s séculos16 e 17. O relato mais impressionante do interiorde <strong>uma</strong> “fábrica de açúcar” é do padre AntônioVieira: “Quem vir na escuri<strong>da</strong>de <strong>da</strong> <strong>no</strong>ite aquelasfornalhas tremen<strong>da</strong>s perpetuamente ardentes (...)o ruído <strong>da</strong>s ro<strong>da</strong>s, <strong>da</strong>s cadeias, <strong>da</strong> gente to<strong>da</strong> decor <strong>da</strong> mesma <strong>no</strong>ite, e gemendo tudo, sem tréguanem descanso; quem vir enfi m to<strong>da</strong> a máquina eaparato confuso <strong>da</strong>quela Babilônia, não poderáduvi<strong>da</strong>r, ain<strong>da</strong> que tenha visto Etnas e Vesúvios,que é <strong>uma</strong> semelhança do infer<strong>no</strong>”.O doce açúcar era produzido à custa demuito amargor.Tido como <strong>uma</strong> especiaria até o século 12,constando até de testamentos de reis e reservadoapenas para o consumo dos mais ricos, o pó brancoespalhou-se pela Europa com a mesma rapidez edispersão com que a cana-de-açúcar dissemi<strong>no</strong>usepelo mundo. Nativa do sudeste <strong>da</strong> Ásia, a plantafoi leva<strong>da</strong> pelos cruzados para a Sicília, de ondechegou aos arquipélagos atlânticos. A ilha <strong>da</strong>Madeira foi o laboratório vivo <strong>no</strong> qual os portuguesesensaiaram o pla<strong>no</strong>-piloto para a implantação do<strong>Brasil</strong> açucareiro. O projeto deu tão certo que, pormais de 200 a<strong>no</strong>s, o açúcar foi o outro <strong>no</strong>me do<strong>Brasil</strong>, concretizando a única conexão efi ciente entrelavoura e indústria na história do país.O engenho de açúcar foi a primeirauni<strong>da</strong>de fabril a se instalar <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>.Como o próprio <strong>no</strong>me indica, sua“engenhosi<strong>da</strong>de” configurava umprodígio tec<strong>no</strong>lógico para a época.Havia vários tipos de engenho, dediferentes forças-motrizes. Mastanto os que usavam água quanto osque empregavam bois não podiamdispensar a mão-de-obra escrava. Osprimeiros escravos foram indígenas– mas eles logo sucumbiram aoritmo pesado do trabalho forçado.A lavoura clamou então pelaescravatura africana – e os negroscomeçaram a chegar já em 1540. Osengenhos dispunham em média de 50escravos ca<strong>da</strong>, mas os proprietáriosprecisavam contratar também, asalário, os “oficiais de serviço”: omestre-de-açúcar, o purgador, oscalafates, os caldeireiros, tacheiros ecaixeiros. No século 16, um engenhocapaz de moer dez mil arrobas pora<strong>no</strong>, e com 950 hectares de lavoura,valia 48 mil cruzados (168 quilos deouro), o dobro de <strong>uma</strong> nau.25


O ENGENHO DOS ERASMOSO Engenho dos Erasmos pode serconsiderado a primeira fábricaergui<strong>da</strong> <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>. Situado <strong>no</strong> sopédo morro <strong>da</strong> Caneleira, nas franjas<strong>da</strong> Serra do Mar, o engenho, movidoà água, foi construído de pedra e cal,obti<strong>da</strong> do sambaqui sobre o qual elefoi assentado. Desde 1958, a áreapertence à USP e, embora haja váriosprojetos de preservação, as ruínaspossuem tal relevância histórica quemereciam atenção ain<strong>da</strong> maior. Asfontes indispensáveis para o estudodo açúcar são os livros de EvaldoCabral de Mello e de Gilberto Freyre,bem como Segredos inter<strong>no</strong>s, deStuart Schwartz.Embora o senso comum considere, com boasrazões, o Nordeste como a pátria brasileira doaçúcar, o fato é que as primeiras plantações de canae o primeiro engenho surgiram não <strong>no</strong> rico solo demassapé <strong>da</strong> Zona <strong>da</strong> Mata <strong>no</strong>rdestina, mas <strong>no</strong> litoraldo atual estado de São Paulo. E não por iniciativaexclusiva de Portugal: um século antes <strong>da</strong> invasãode Pernambuco (1630), os holandeses já estavamenvolvidos <strong>no</strong> negócio. O do<strong>no</strong> do empreendimento,instalado em São Vicente, em 1534, era o fi<strong>da</strong>lgoMartim Afonso de Sousa. Mas logo ele se associoucom o mercador holandês Johan van Hielst que, porsua vez, fez socie<strong>da</strong>de com o opulento banqueiroErasmus Schetz, radicado na Antuérpia. Assim, aprimeira “fábrica de açúcar” do <strong>Brasil</strong> – que, comoas demais, também servia como fortim –, chamouseinicialmente Engenho do Governador, depoisEngenho de São Jorge, até passar a ser conheci<strong>da</strong>como Engenho dos Erasmos.A história do Engenho dos Erasmos foi muitosimilar a dos engenhos <strong>da</strong> ilha <strong>da</strong> Madeira: umempreendimento mercantil em terras portuguesas,financiado por capital holandês, visando o mercadodos Países Baixos. Em fins do século 16, porém, amelhor quali<strong>da</strong>de dos solos e a maior proximi<strong>da</strong>de coma Europa mu<strong>da</strong>ram o centro <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de açucareirade São Paulo para o litoral do Nordeste. Mesmo apósser vendido pelos Schetz (talvez em 1593), o Engenhodos Erasmos se manteve na ativa pelo me<strong>no</strong>s até1881. Atualmente, é patrimônio histórico e pertence àUniversi<strong>da</strong>de de São Paulo (leia à esquer<strong>da</strong>).26


O DOCE BRASIL HOLANDÊSComo se a comprovar que, para os lusobrasileirosdo século 17, açúcar e <strong>Brasil</strong> eramquase sinônimos, a senha para defl agrar ainsurreição pernambucana de 1645 e expulsaro invasor holandês foi precisamente a palavra“açúcar”. Quinze a<strong>no</strong>s antes, em 1630, osholandeses tinham invadido Pernambuco – ondeexistiam 130 engenhos, que produziam 1.000tonela<strong>da</strong>s de açúcar por a<strong>no</strong>. Ao fazê-lo, uniramo útil do lucro açucareiro (em 1621, já existiam25 refi narias em Amsterdã; boa parte do açúcarbrasileiro era refi nado lá e distribuído para aEuropa) ao doce de <strong>uma</strong> vingança contra um velhoinimigo. O inimigo, <strong>no</strong> caso, era a Espanha – que,desde 1580, controlava Portugal e suas colôniassob o eufemismo <strong>da</strong> chama<strong>da</strong> “União Ibérica”. Por25 a<strong>no</strong>s, os holandeses seriam senhores <strong>da</strong> regiãoque produzia a maior parte do açúcar <strong>no</strong> mundo.O movimento de Restauração visou recriar omo<strong>no</strong>pólio luso não só com a retoma<strong>da</strong> do Nordeste,mas com a reconquista de Angola, de onde vinhamos escravos e que também fora invadi<strong>da</strong> pelosholandeses. No entanto, nem tudo saiu como oprevisto, pois o apoio <strong>da</strong>do pela Inglaterra aomovimento iria marcar o início dos privilégiosingleses em Portugal e <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>; depois, o início<strong>da</strong> produção açucareira <strong>no</strong> Caribe encerraria ahegemonia brasileira, fazendo despencar o preço doproduto <strong>no</strong> mercado europeu. O açúcar se tornariao segundo mau negócio do <strong>Brasil</strong>.A época áurea do domínio holandês<strong>no</strong> <strong>Brasil</strong> foi o chamado períodonassovia<strong>no</strong>: os sete a<strong>no</strong>s (1637-1644)ao longo dos quais o comando <strong>da</strong>sações esteve nas mãos do conde JoãoMaurício de Nassau. Nobre alemãode formação h<strong>uma</strong>nista, Nassaunão só reorganizou a produção deaçúcar <strong>no</strong> Nordeste como trouxepara o Novo Mundo vários cientistase artistas cujo trabalho resultouna primeira documentação fiel <strong>da</strong>natureza e <strong>da</strong>s riquezas do <strong>Brasil</strong>.Além de implementar os métodosde produção, Nassau combateu odesmatamento e a poluição dos riospelo bagaço <strong>da</strong> cana, determinandotambém o plantio de mandioca paragarantir a alimentação dos escravose do povo. Na época de Nassau, aarroba (14,63 kg) de açúcar valia 1.376réis, contra 480 reais em 1550. Em1580, o plural de real passou a sergrafado réis. O real era o “dinheiro decontado”, do dia-a-dia, e o cruzado,a moe<strong>da</strong> <strong>da</strong>s grandes transações.Um cruzado valia 400 reais (ou réis) eequivalia a 3,5 gramas de ouro.27


Os escravosO TRATO DOS VIVENTESApesar de ter operado em escala “industrial”,o tráfi co de escravos entre <strong>Brasil</strong> e Áfricaevidentemente não foi <strong>uma</strong> ativi<strong>da</strong>de industrial.Foi só <strong>uma</strong> transação comercial. Uma <strong>da</strong>s maislongas, rentáveis e bem-sucedi<strong>da</strong>s transaçõescomerciais <strong>da</strong> história – não apenas do <strong>Brasil</strong>,mas <strong>da</strong> h<strong>uma</strong>ni<strong>da</strong>de. O “infame tráfi co”prolongou-se por mais de 300 a<strong>no</strong>s, apesar deilegal durante as duas últimas déca<strong>da</strong>s. De 1540a 1850, mais de quatro milhões de escravos foramtrazidos para o <strong>Brasil</strong>, <strong>no</strong> maior fl uxo escravista<strong>da</strong> história. To<strong>da</strong>s as ativi<strong>da</strong>des industriaispioneiras do país – <strong>da</strong> Fábrica de Ferro deSorocaba ao estaleiro <strong>da</strong> Ponta de Areia, do barãode Mauá – contaram com mão-de-obra escrava.Das indústrias não-fabris, nem se fala. Aprincipal delas, o engenho de açúcar, não podiadispensar a “força-motriz h<strong>uma</strong>na”. Tão estreito erao vínculo entre indústria canavieira e escravidão quese discutiu até se o braço escravo não seria, se nãomais eficiente, mais lucrativo que a tração animal,já que bois e cavalos eram raros e caros. Discutiu-setambém se seria melhor comprar ou “criar” escravos,permitindo que reproduzissem em cativeiro. Sabia-seque um escravo durava em média sete a<strong>no</strong>s – e quese pagava em cinco. A “mercadoria” era perecível,mas o lucro estava garantido.28


Mas não foi só em função <strong>da</strong> força detrabalho e <strong>da</strong> rentabili<strong>da</strong>de que o tráfi co deescravos se manteve vivo por três séculos. Foitambém devido à efi ciência de um esquemaque, de início, era triangular, mas que foi setornando ca<strong>da</strong> vez mais um vantajoso comérciobilateral. O arranjo era virtualmente perfeito:na África, os trafi cantes luso-brasileirosobtinham cativos em troca de cachaça desegun<strong>da</strong> e tabaco de terceira, além de farinhade mandioca, Os escravos então eram trazidospara o <strong>Brasil</strong>, onde plantavam a mandioca queos alimentava (e o algodão que os vestia), alémdo tabaco e <strong>da</strong> cana, transforma<strong>da</strong> em açúcare cachaça. O açúcar seguia para Portugal, e acachaça e o tabaco viravam valiosa moe<strong>da</strong> detroca na África. Desse modo, Salvador e Recifeacabaram por estabelecer vínculos mais estreitoscom Luan<strong>da</strong> e Benguela (portos de Angola) doque, por exemplo, com São Luís ou Belém. O“trato dos viventes” foi se consoli<strong>da</strong>ndo com aparticipação ca<strong>da</strong> vez me<strong>no</strong>r <strong>da</strong> Metrópole. Virouum negócio genuinamente afro-brasileiro.A princípio, os escravos se destinavamà lavoura de cana – onde substituíram osindígenas, mortos de trabalho e de vergonha, jáque nas socie<strong>da</strong>des tribais a labuta agrária eratradicionalmente reserva<strong>da</strong> às mulheres. Mastão logo foi descoberto o ouro <strong>da</strong>s Gerais, paralá foram levados os africa<strong>no</strong>s. Quando o minériodeslocou para o centro-sul o pólo dinâmico <strong>da</strong>eco<strong>no</strong>mia colonial, o Rio de Janeiro se consolidoucomo o maior porto escravista do Atlântico.Em 1711, o jesuíta André Antonil escreveuque os escravos eram “as mãos e os pés dossenhores de engenho”. Mas eles foram tambémos olhos e os braços dos do<strong>no</strong>s <strong>da</strong>s minas;os ombros, as costas e as pernas que fi zeraman<strong>da</strong>r a Colônia e o Império; as bestas decarga e os pastores dos rebanhos; o ventre quegerou imensa população mestiça e o seio queamamentou os fi lhos dos senhores.Em 500 a<strong>no</strong>s de história, o <strong>Brasil</strong> teve trêsséculos e meio de escravidão e pouco maisque um século de trabalho livre. Instituiu-secom isso um legado terrível, não só moral esocialmente, como ética e eco<strong>no</strong>micamente, poistrabalhar virou sinônimo de desonra <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>.“Um jovem brasileiro preferiria morrer de fomea abraçar <strong>uma</strong> profissão manual”, a<strong>no</strong>tou em1846 o inglês Thomas Ewbank, empresáriodo ramo fabril, partidário do liberalismo, quese radicou <strong>no</strong>s Estados Unidos, dedicou-se aestudos de mecânica e hidráulica e foi pioneironas ciências sociais. “Considerar o trabalhodesonroso traz resultados superlativamentemaus, pois inverte a ordem natural e destrói aharmonia <strong>da</strong> civilização.”O tráfico de escravos para o <strong>Brasil</strong>operou em três grandes ciclos: o <strong>da</strong>Guiné, <strong>no</strong> século 16; o de Angola,<strong>no</strong> século 17, e o <strong>da</strong> Costa <strong>da</strong> Mina(hoje Benin e Daomé), <strong>no</strong> século18. De Angola vieram cerca de ummilhão de escravos, a maioria dogrupo banto: congos (ou cabin<strong>da</strong>s),benguelas e ovambos. De Daomé eBenin viriam mais de 1,5 milhão desu<strong>da</strong>neses: iorubás (ou nagôs), jejes,minas e bornus. O preço <strong>da</strong>s “peças”(como os escravos eram chamados)variou muito – não só devido aopassar dos a<strong>no</strong>s, mas em função <strong>da</strong>s“flutuações” do mercado. Em 1622,um escravo valia 29 mil-réis (ou 200gramas de ouro); em 1652, 55 mil-réis(240 gramas de ouro). Em 1835, opreço subira para 375 mil-réis (750gramas de ouro), atingindo 1.256mil-réis (quase dois quilos de ouro)em 1875. Da vasta bibliografia sobre otema, dois livros extraordinários sãoO trato dos viventes, de Luis FelipeAlencastro, e A manilha e o libambo,de Alberto <strong>da</strong> Costa e Silva.29


A exploração racional de qualquerminério constitui genuína ativi<strong>da</strong>deindustrial, que requer técnicas einstrumentos adequados (abaixo). Nãofoi o que ocorreu <strong>no</strong> ciclo <strong>da</strong>s Gerais,pelo me<strong>no</strong>s até a chega<strong>da</strong> de técnicosalemães e ingleses, entre 1819 e 1823.Ain<strong>da</strong> assim, tal era a quanti<strong>da</strong>de deouro existente nas cercanias de VilaRica (hoje Ouro Preto) que entre 1700e 1799 foram extraí<strong>da</strong>s, sem auxíliomecânico, cerca de 800 tonela<strong>da</strong>s deminério. O contrabando teria chegadoa 35% desse montante (para finscomparativos, na déca<strong>da</strong> de 1980,Serra Pela<strong>da</strong> produziu 350 tonela<strong>da</strong>s).Cultura e opulência do <strong>Brasil</strong> porsuas drogas e minas, escrito em 1711pelo jesuíta Antonil, traça um vívidopa<strong>no</strong>rama <strong>da</strong> região.O ciclo <strong>da</strong> mineraçãoNEM TUDO QUE RELUZ É OUROAntes mesmo de desembarcar de seus navios,os portugueses já estavam obcecados pelaidéia de encontrar ouro <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>. O simples fato deum indígena que subira a bordo <strong>da</strong> nau capitâniaindicar o colar usado por Cabral e depois apontarpara a terra foi tido como sinal inequívoco de quena <strong>no</strong>va terra haveria ouro, muito ouro. E de fatomuito ouro havia – só que dois séculos, incontáveisdesilusões e muitas vi<strong>da</strong>s seriam gastos antes queele se revelasse <strong>uma</strong> espantosa reali<strong>da</strong>de.Enquanto o ouro não aparecia, os portuguesesprecisavam ganhar o pão <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong> com o suor deseus rostos, como n<strong>uma</strong> maldição bíblica. E o pioré que, quase ao lado, na vizinha e rival AméricaEspanhola, Peru e México pareciam produzir<strong>uma</strong> quanti<strong>da</strong>de inesgotável de metais preciosos.Então, em fi ns do século 17, o rei de Portugal,D. Pedro II (1648-1706), escreveu aos “homensbons” de São Paulo clamando para que elestornassem a buscar minas – ao mesmo tempo emque modifi cava a legislação régia que concedia àCoroa os direitos sobre todos os achados minerais.Assim, a partir de 1695, como que por encanto, aschama<strong>da</strong>s “minas gerais” surgiram às dezenas –sinal claro de que os sertanistas já as conheciam,apenas não haviam revelado a existência deriquezas que lhes seriam confi sca<strong>da</strong>s.O ouro era muito – e estava à flor <strong>da</strong> terra e à flor<strong>da</strong> água. Era ouro aluvional, resultante de depósitosgeológicos recentes, cuja exploração, segundo ojesuíta Antonil, resumia-se “à mera catagem, quesó necessitava braço h<strong>uma</strong><strong>no</strong>, sem jeito especialou inteligência amestra<strong>da</strong>”. Tão logo a <strong>no</strong>tícia seespalhou, cerca de 30 mil pessoas embrenharam-senas trilhas escabrosas que separavam o litoral <strong>da</strong>sserras <strong>da</strong> fortuna e <strong>da</strong> <strong>da</strong>nação. Eram aventureirosde to<strong>da</strong>s as espécies, “os mais pobres deles só comsonhos por mantimento”, disse um cronista.A discórdia, os assassinatos e a fome – sintomastípicos <strong>da</strong> febre do ouro – transformaram as minas<strong>no</strong> lugar onde “o atrevimento imperava armado e odireito vivia inerme”.O minério foi explorado com tal avidez que osveios logo se esgotaram. Cento e vinte a<strong>no</strong>s depois,quando os primeiros técnicos em mineralogiachegaram a Minas, fi caram espantados com aimprevidência dos pioneiros. Além do esgotamentodo ouro aluvional e <strong>da</strong>s técnicas de exploraçãoinefi cientes e retrógra<strong>da</strong>s, a falta de espíritocooperativo dos mineradores para exploraçõesconjuntas e os preços abusivos cobrados pelomaterial indispensável para o manejo <strong>da</strong>s jazi<strong>da</strong>s(em especial o ferro, a pólvora e os escravos)corroboraram para a derroca<strong>da</strong> <strong>da</strong> mineração.30


A fabricação de ferro <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong> era proibi<strong>da</strong>pela Metrópole, e as ferramentas e instrumentoschegavam às minas “oneradíssimos”, devidoao lucro dos comerciantes e atravessadores deLisboa e do Rio, ao qual é preciso acrescentar opreço dos fretes marítimos e terrestres e os altosimpostos, então chamados “direitos de entra<strong>da</strong>”. Apólvora, privilégio real, também alcançava valoresexorbitantes, ao passo que o custo <strong>da</strong>s “peças” – aimprescindível mão-de-obra escrava – era alvo dee<strong>no</strong>rme especulação por parte dos traficantes dehomens <strong>da</strong> praça do Rio de Janeiro. Ao despontar oséculo 19, a indústria mineradora do <strong>Brasil</strong> Colônia,inicia<strong>da</strong> um século antes sob as mais auspiciosasexpectativas, encontrava-se virtualmente arruina<strong>da</strong>,e e<strong>no</strong>rme quanti<strong>da</strong>de de minério fora desperdiça<strong>da</strong>.“Falhas, irregulari<strong>da</strong>des, abusos e desleixo,fraudes e violências na administração <strong>da</strong>s minas e nadistribuição <strong>da</strong>s águas, de que tanto dependiam ostrabalhos nas lavras; querelas e deman<strong>da</strong>s intermináveis,legislação confusa e má-fé judiciária oprimiam earruinavam os empresários mineiros e acabaram porprovocar o abando<strong>no</strong> <strong>da</strong>s lavras”, conta a historiadoraMyriam Ellis. “E como se não bastassem tantos motivospara explicar a decadência <strong>da</strong> indústria mineradora,a tributação exigente e opressiva, imprevidentee i<strong>no</strong>portuna ante o evidente declínio <strong>da</strong>s minas,acarretou descaminhos, contrabando e mil entraves aodesenvolvimento <strong>da</strong>s chama<strong>da</strong>s fábricas minerais e oempobrecimento de seus do<strong>no</strong>s”.A indústria mineira confi gurou assim o terceiromau negócio do <strong>Brasil</strong>, muito embora, como severá, tenha aju<strong>da</strong>do a enriquecer a Inglaterra.


OS DIAMANTES NÃO FORAM PARA SEMPRE– Seja louvado Nosso Senhor Jesus Cristo – gritavaum escravo, erguendo <strong>uma</strong> <strong>da</strong>s mãos para o céu.– Louvado seja – respondiam os demais, porimposição de seus algozes e feitores. Mais umdiamante tinha acabado de emergir <strong>da</strong> misturade cascalho e água arduamente peneira<strong>da</strong> nasfral<strong>da</strong>s do Serro do Tijuco.– Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo– ecoavam, pelas ruas de Lisboa, a um ocea<strong>no</strong> dedistância, padres, <strong>no</strong>bres, príncipes e até o reiD. João V, em longas procissões, festas religiosase suntuosos te-déuns organizados especialmentepara festejar o extraordinário achado.Tanto fervor e celebração se justifi cavam:como se não bastasse o fausto que o ouro trouxera,quando ele começou a escassear, surgiram osdiamantes. Em quali<strong>da</strong>de e quanti<strong>da</strong>de prodigiosas:três milhões de quilates saíram <strong>da</strong>s minas doTijuco. Parecia mesmo milagre. O historiadorSérgio Buarque de Holan<strong>da</strong>, aliás, defendeu a tesede que a eco<strong>no</strong>mia brasileira desenrolou-se n<strong>uma</strong>seqüência de milagres e desperdícios. Primeiro,o milagre do açúcar, que se amargou. Depois,o do ouro, que se fi ndou. Quando o milagre dosdiamantes se concretizou, em 1730, havia trêsdéca<strong>da</strong>s entrara em vigor o tratado de Methuen...


DE METHUEN A POMBALOs festejos natali<strong>no</strong>s já se haviam encerrado erestavam apenas quatro dias para o fi nal do a<strong>no</strong>de 1703, quando o embaixador extraordinário <strong>da</strong>Inglaterra em Portugal, John Methuen, dirigiu-seao Paço Real de Lisboa para assinar o Tratado dePa<strong>no</strong>s e Vinhos, que entraria para a história comseu <strong>no</strong>me. Passados mais de 300 a<strong>no</strong>s, o tratadoain<strong>da</strong> acende viva polêmica entre os historiadores.Com apenas três artigos e não mais do que 1.500palavras, o acordo comercial determinava quea Inglaterra taxaria os vinhos de Portugal comdois terços dos impostos cobrados aos vinhos <strong>da</strong>França, ao passo que Portugal se comprometiaa adquirir “para sempre” os tecidos de lãproduzidos na Inglaterra.Como mais artigos de lã eram consumidos<strong>no</strong> rei<strong>no</strong> ibérico do que vinhos eram bebidos naInglaterra, instalou-se um crescente desequilíbriona balança comercial entre as duas nações.A diferença passou a ser coberta com o metalarrancado às minas gerais. Embora a infl uência eas imposições britânicas sobre Portugal estivessemse tornando progressivamente maiores desde1640, quando a monarquia lusa buscara apoiopolítico e militar inglês em sua luta contra aEspanha e a Holan<strong>da</strong>, o fato é que nunca houveimposição inglesa para que a indústria têxtil – ouqualquer outra – deixasse de se estabelecer emPortugal. Além disso, era por meio de transaçõesparticulares, e de muito contrabando, que o ourobrasileiro fluía para a Inglaterra.As interpretações mais lúci<strong>da</strong>s sobre asconseqüências <strong>da</strong><strong>no</strong>sas que o tratado de fato tevepara Portugal sugerem que tanto a Coroa quantoa <strong>no</strong>breza lusitanas – hip<strong>no</strong>tiza<strong>da</strong>s pelo fulgordo ouro do <strong>Brasil</strong> – simplesmente descui<strong>da</strong>ramse<strong>da</strong> produção agrícola (inclusive a viticultura),enquanto seguiam ig<strong>no</strong>rando as vantagens que aprodução de manufaturas poderia lhes trazer. Osexcessos praticados de 1707 a 1750, <strong>no</strong> reinadode D. João V, o “Rei Sol português”, são típicos de<strong>uma</strong> época de fausto, desperdício e imprevidência.Em dez a<strong>no</strong>s, de 1713 a 1723, os portuguesesgastaram 1,3 milhão de libras em tecidos ingleses.Então, em 1º de <strong>no</strong>vembro de 1755, umterremoto de <strong>no</strong>ve graus na escala Richter, seguidode um tsunami de 17 metros e de um incêndiode e<strong>no</strong>rmes proporções, devastou Lisboa. O ouroe os diamantes brasileiros foram usados parareconstruir a capital. Mas em 1762 não só o metale as pedras começaram a escassear como <strong>uma</strong>crise internacional fez despencar o preço do açúcare do tabaco. Quem enfrentou a situação foi omarquês de Pombal, todo-poderoso ministro do reiD. José I, <strong>no</strong> tro<strong>no</strong> desde julho de 1750. Admirador<strong>da</strong> eco<strong>no</strong>mia inglesa, Pombal tentou modernizarPortugal, incentivando a industrialização e aagricultura. Mas era um fi siocrata, e seus métodosdespóticos geraram mais ódio do que lucros.Quando D. José morreu, em fevereiro de 1777, suafi lha, D. Maria I, subiu ao tro<strong>no</strong> e afastou Pombal,defl agrando a chama<strong>da</strong> “Viradeira”.Chamado de “Rei Sol português”,D. João V (abaixo) rei<strong>no</strong>u em meio aexcessos. Sucedeu-o D. José I, cujoreinado foi marcado pela presençae poder de seu primeiro-ministro,marquês de Pombal (acima). No livroclássico Raízes do <strong>Brasil</strong>, Sérgio Buarquede Holan<strong>da</strong> analisa, entre outrascoisas, as conseqüências do Tratado deMethuen para o <strong>Brasil</strong> e Portugal.33


Primórdios <strong>da</strong> luta pela industrializaçãoCABEÇAS COROADAS E CABEÇAS CORTADASCerto dia de maio de 1785, um ofi cial dejustiça do vice-rei Luiz Vasconcelos Souzabateu à porta <strong>da</strong> ofi cina de Jacob Munier, <strong>no</strong>Rio de Janeiro, e orde<strong>no</strong>u a apreensão dos cincoteares em que os escravos <strong>da</strong>quele negociantefrancês produziam tecidos fi <strong>no</strong>s em ouro e prata.Mais tarde, outros 15 teares eram apreendidose as ofi cinas onde funcionavam, fecha<strong>da</strong>s elacra<strong>da</strong>s. Após meses de investigações sigilosas,cumpria-se o alvará de 5 de janeiro de 1785, <strong>no</strong>qual D. Maria I determinava:“Eu, a rainha (...) hei por bem ordenar que to<strong>da</strong>sas fábricas, manufaturas ou teares de galões, detecidos ou de bor<strong>da</strong>dos de ouro e prata; de veludos,brilhantes, cetins, tafetás ou de qualquer outraquali<strong>da</strong>de de se<strong>da</strong> (...) ou de qualquer outra quali<strong>da</strong>dede linho (...) ou de outra qualquer quali<strong>da</strong>de de tecidosde lã (...) sejam extintas e aboli<strong>da</strong>s em qualquer parteonde se acharem <strong>no</strong>s meus domínios do <strong>Brasil</strong>”.A alta voltagem dramática <strong>da</strong> cena de confi scodos teares e o fechamento <strong>da</strong>s ofi cinas, alia<strong>da</strong>ao tom incisivo e intervencionista expresso pelaspalavras do alvará, tem levado certos historiadoresnacionalistas a demonizarem a fi gura <strong>da</strong> rainhaD. Maria I, bem como a atribuírem à lei o atraso eas mazelas vivi<strong>da</strong>s pelo <strong>Brasil</strong> Colônia. Mas tratasede <strong>uma</strong> posição anacrônica.34


Em primeiro lugar, a decisão real estava deacordo com a lógica mercantilista <strong>da</strong> “Viradeira” efazia parte do que se convencio<strong>no</strong>u chamar “antigosistema colonial”. A proibição visava estimular aindústria têxtil em Portugal – e o único mercadopara os tecidos lusos, mais caros e piores do queos ingleses, era o próprio <strong>Brasil</strong>. Por fi m, a medi<strong>da</strong>pretendia também coibir o contrabando de ouro,já que os “tecidos fi <strong>no</strong>s” eram bor<strong>da</strong>dos com ometal. Mas o que de fato cabe ressaltar é que asconseqüências práticas do alvará se mostraraminsignificantes: apenas 20 teares foram confi scadosna colônia inteira, pois a lei isentava “as fazen<strong>da</strong>sgrossas de algodão que servem para o uso dos negrose para empacotar”. A absoluta maioria dos tecidosfabricados <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong> se enquadrava nessas categorias.Além disso, muito mais que as restrições doalvará, foi a própria insistência <strong>da</strong> elite lusobrasileira– liga<strong>da</strong> à grande lavoura – em apegarseao regime escravista o que de fato inviabilizouo fl orescimento <strong>da</strong> indústria na colônia, na medi<strong>da</strong>em que impedia que certos ofícios “burgueses”– como o dos tecelões, sapateiros, ferreiros,ourives e marceneiros – pudessem se fi rmar eorganizar-se corporativamente, já que os escravoseram empregados também naquelas ativi<strong>da</strong>des eo produto de seu trabalho evidentemente chegavaao mercado com preços muito me<strong>no</strong>res. Isso nãosignifi ca dizer, porém, que nessa mesma épocadeterminados setores <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de colonialbrasileira não tenham lutado pela liber<strong>da</strong>de ealimentado sonhos autenticamente industrialistas– embora um tanto inconsistentes.O mais célebre deles surgiu <strong>no</strong> seio de ummovimento revolucionário que, ao fi m e aocabo, mostrou-se, ele próprio, um tanto fugaz: aConjuração Mineira. Embora de fato tenha reveladoum viés heróico e saído em defesa de interessesnacionalistas, a revolta defl agra<strong>da</strong> em Vila Ricae Diamantina, em fi ns de 1788, nunca possuiua dinâmica interna necessária para consoli<strong>da</strong>r aseparação do <strong>Brasil</strong> do jugo português. De todomodo, o movimento preconizava o favorecimento<strong>da</strong> indústria têxtil e metalúrgica, a criação de <strong>uma</strong>universi<strong>da</strong>de e a diminuição <strong>da</strong> carga tributária.Os pla<strong>no</strong>s industrialistas partiram de JoséÁlvares Maciel. Filho do capitão-mor de Vila Rica,Maciel foi aos 21 a<strong>no</strong>s para Coimbra, onde se formouem mineralogia. Concluído o curso, rumou para aInglaterra onde visitou indústrias de Birminghan, emespecial siderurgias e manufaturas têxteis, tomandocontato com industriais e técnicos e com as idéias doliberalismo. De volta ao <strong>Brasil</strong> em 1788, conheceuTiradentes, envolveu-se na Conjuração e foi preso econdenado à morte em 1792.Enquanto Maciel amargava seu exílio africa<strong>no</strong>,D. Maria I, que havia comutado sua pena de morteem degredo, enfrentava seus próprios fantasmas<strong>no</strong>s sombrios e suntuosos salões do Palácio deQueluz. Desde 1792, a rainha perdera o juízo.Porém, em 1808, quando os franceses invadiramPortugal e a Família Real precisou abandonarLisboa às pressas, transferindo-se para o <strong>Brasil</strong>,teria sido dela a frase mais lúci<strong>da</strong> e reveladora:– Mais devagar, se não vão achar queestamos fugindo...Fruto <strong>da</strong> fermentação intelectual eartística evoca<strong>da</strong> pelo ciclo do ouroe também conseqüência direta <strong>da</strong>abusiva política fiscal <strong>da</strong> Coroa, aConjuração Mineira foi o mais célebremovimento em prol <strong>da</strong> liber<strong>da</strong>de<strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>, tendo gerado aquele queprovavelmente é o maior dos heróisnacionais: o alferes Joaquim José <strong>da</strong>Silva Xavier, o Tiradentes. O processode “ca<strong>no</strong>nização” civil de Tiradentescomeçou com a República e levou océlebre Pedro Américo a pintar, em1893, o óleo Tiradentes esquartejado,tido como a mais perturbadorapintura <strong>da</strong> arte brasileira. O quadrofoi adquirido pelo empresário AlfredoFerreira Lage, filho de Maria<strong>no</strong>Procópio, e desde 1922 encontra-se<strong>no</strong> Museu Maria<strong>no</strong> Procópio,em Juiz de Fora.35


IIINDÚSTRIA EINDEPENDÊNCIA


O nascimento de <strong>uma</strong> naçãoDE PORTOS BEM ABERTOSOprimeiro ato foi... marcado pelo mútuoestranhamento. A Família Real, e membros<strong>da</strong> <strong>no</strong>breza portuguesa estavam na proa, fugindo <strong>da</strong>máquina de guerra de Napoleão. O povo estava napraia, à espera de <strong>uma</strong> <strong>no</strong>va era. Quando os doisgrupos se encontraram, na pedra do cais, <strong>no</strong> caos<strong>da</strong> capital colonial, a decepção veio em via de mãodupla. Mas os dois lados logo sairiam ganhando.Há mesmo certas semelhanças entre a chega<strong>da</strong>do príncipe-regente D. João ao Rio de Janeiro eo desembarque de Cabral na Bahia, pois o queocorreu em 8 de março de 1808 foi <strong>uma</strong> espécie deredescobrimento do <strong>Brasil</strong> – com a diferença que,ao invés de serem colocados, romperam-se naqueleinstante os grilhões <strong>da</strong> colônia. D. João não portavacarapuças ou miçangas, mas acordos e tratados queestraçalharam o “pacto colonial” e trouxeram aindústria e o livre comércio para o <strong>Brasil</strong>.Antes de chegar ao Rio, a esquadra real fi zeraescala na Bahia. E foi em Salvador, a capital queem 1763 perdera seu posto para o Rio, que José <strong>da</strong>Silva Lisboa, futuro visconde de Cairu, articuloucom o príncipe-regente a assinatura do tratado queabriu os portos “às nações amigas”. Mesmo que,naquele momento, nações amigas não requeressemplural – pois se resumiam à Inglaterra –, o tratadofoi como <strong>uma</strong> carta de alforria ao <strong>Brasil</strong>.38


Para José <strong>da</strong> Silva Lisboa, a escala dopríncipe-regente em Salvador revelou-se de todoprovidencial. Intelectual de alta estirpe, formadoem Coimbra, infl uenciado pelas idéias de A<strong>da</strong>mSmith, ele se aproximou de D. João – tido comolerdo e vacilante em suas decisões – e, em me<strong>no</strong>sde <strong>uma</strong> semana, convenceu-o a assinar a cartarégia de 28 de janeiro de 1808, que abria osportos do <strong>Brasil</strong> ao comércio internacional eestabelecia <strong>uma</strong> taxa alfandegária de 24% sobreartigos importados. Pode-se dizer, sem temer ahipérbole, que, naquele instante, deixava o <strong>Brasil</strong>de ser colônia para se transformar <strong>no</strong> centro doimpério português.Mas não era só a história do <strong>Brasil</strong> que sereiniciava: inaugurava-se também a primeira fase<strong>da</strong> indústria nacional, pois os grilhões do sistemaseriam removidos de vez <strong>da</strong>li a três meses, em 1ºde abril, quando, já <strong>no</strong> Rio, o príncipe-regenterevogou o alvará de janeiro de 1785, medianteo qual sua mãe, a rainha D. Maria I, proibira aexistência de fábricas <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>.Porém, como observa Nícia Vilela Luz, em seuestudo clássico, “não se efetua a industrializaçãode um país por simples decreto”. Por isso,D. João foi instado a <strong>da</strong>r mais um passo à frentee, em 28 de abril de 1809, <strong>no</strong>vo alvará concediaisenção de direitos às matérias-primas necessáriasàs fábricas nacionais, isenção de imposto deexportação para os produtos manufaturados feitos<strong>no</strong> país e determinava o uso de artigos nacionais<strong>no</strong>s uniformes <strong>da</strong>s tropas reais. Novas medi<strong>da</strong>s defomento à indústria brasileira viriam a seguir.As demais concessões feitas por D. João àindústria nascente não foram bem vistas pelosliberais, pois, de certo modo, abriam caminho paramo<strong>no</strong>pólios. De fato, foram outorgados privilégiosexclusivos, por 14 a<strong>no</strong>s, “aos introdutores ouinventores de <strong>no</strong>vas máquinas”, bem como concedidos60 mil cruzados anuais – provenientes de <strong>uma</strong> loteriaestatal – para as manufaturas que necessitassemauxílio, “particularmente as de lã, algodão, ferro eaço”. Para justificar o subsídio, o alvará asseguravaser aquele “o meio mais conveniente para promovera indústria de qualquer ramo nascente, e que vaitomando maior aumento pela introdução de <strong>no</strong>vasmáquinas dispendiosas, porém utilíssimas”, sendonecessário, portanto, “conferir-se-lhes algum cabe<strong>da</strong>lque anime o capitalista, vindo a ser esta concessãoum dom gratuito que lhe faz o Estado”.A única obrigação imposta para o recebimentodo vultoso “dom gratuito” – equivalente a 24mil contos de réis – era o desenvolvimento e oaperfeiçoamento de <strong>uma</strong> <strong>no</strong>va fábrica. Comotemiam desde o princípio os partidários doliberalismo econômico, tais privilégios “iriam,<strong>no</strong> decorrer do século, favorecer certos abusos eimplicar <strong>no</strong> surgimento de mo<strong>no</strong>pólios”, segundoNícia Vilela Luz em A Luta pela industrializaçãodo <strong>Brasil</strong>. Mas não se pode negar que as decisõestoma<strong>da</strong>s por D. João entre janeiro e abril de1808 confi guraram, como bem escreveu RubensRicupero, “um raro momento de eclipse parcial efugaz <strong>da</strong> hegemonia britânica” sobre Portugal e o<strong>Brasil</strong>. Fugaz e parcial, com efeito, pois que nãodurou nem dois a<strong>no</strong>s, como se verá.O baia<strong>no</strong> José <strong>da</strong> Silva Lisboa(1756-1835), visconde de Cairu, foio homem certo, <strong>no</strong> lugar certo, nahora certa, pois se tor<strong>no</strong>u o artífice<strong>da</strong> “abertura dos portos”. Burocratade carreira, formado em Coimbra,autor já consagrado de Princípio deEco<strong>no</strong>mia Política (1804), era umliberal, discípulo de A<strong>da</strong>m Smith. Lerao Tratado <strong>da</strong> Riqueza <strong>da</strong>s Nações naversão portuguesa que lhe havia sido<strong>da</strong><strong>da</strong> pelo próprio tradutor, o genialdicionarista Antônio de Morais Silva. É<strong>no</strong> Dicionário de Morais, de 1813, quea palavra indústria surge dicionariza<strong>da</strong>pela primeira vez em português,como “arte, destreza, para granjeara vi<strong>da</strong>: engenho, traça em lavrar, efazer obras mecânicas”. Não se usava,nem se conhecia, o termo <strong>no</strong> sentidode “reprodução de mercadorias pelamáquina”. Cairu teria contribuído nare<strong>da</strong>ção do verbete.39


Para inglês ver (e lucrar)O escocês A<strong>da</strong>m Smith (1723-1790)é o pai <strong>da</strong> eco<strong>no</strong>mia modernae o mais importante teórico doliberalismo econômico. Mas, maisque eco<strong>no</strong>mista, Smith era filósofo,e só é possível entender suadoutrina à luz de preceitos éticose preocupações morais. De todomodo, é um anacronismo quereratribuir à Inglaterra protecionista de1807-1808 a posição de defensora dolivre comércio, o que ela só se tor<strong>no</strong>umeio século depois, por influência deRichard Cobden e o apoio do primeiroministroRobert Peel, com a aberturados portos britânicos à navegação e aocomércio de to<strong>da</strong>s as nações, em 1852.As fontes para a re<strong>da</strong>ção dos textosdesta página e <strong>da</strong>s três precedentesforam A Luta pela Industrialização do<strong>Brasil</strong>, de Nícia Vilela Luz, e A Aberturados Portos, de Luís V. de Oliveira eRubens Ricupero (orgs.)IDAS E VINDAS DO VELHO LIBERALISMOAo assinar o alvará de 28 de janeiro de 1808abrindo os portos do <strong>Brasil</strong> “às naçõesamigas” – que, como já referido, restringiam-se àInglaterra (apesar do interesse latente dos EstadosUnidos) –, D. João e seus assessores estabeleceramum taxa alfandegária de 24% sobre os produtosimportados. Cinco meses mais tarde, porém, já <strong>no</strong>Rio, <strong>no</strong>vas regras foram feitas para restringir osprivilégios concedidos aos britânicos e benefi ciar ocomércio luso-brasileiro. Em 11 de junho, o príncipeassi<strong>no</strong>u um decreto determinando que mercadoriaspertencentes a portugueses “transporta<strong>da</strong>s porconta própria em embarcações nacionais” pagariamnas alfândegas 16% ad valorem, mantendo-separa as estrangeiras, inclusive inglesas, a taxa de24%. Ao mesmo tempo, a navegação de cabotagemfoi proibi<strong>da</strong> aos navios estrangeiros e o comércioexter<strong>no</strong> ficou limitado aos portos do Rio de Janeiro,Bahia, Pernambuco, Maranhão e Pará.Foi o que bastou para defl agrar a indignaçãoe a ira dos ingleses. A Marinha Britânica haviaconcor<strong>da</strong>do em <strong>da</strong>r proteção à frota que trouxera afamília real ao <strong>Brasil</strong> em troca de vantagens fi scais,garanti<strong>da</strong>s, aliás, pela “convenção secreta” deLondres, de 22 de outubro de 1807. Em julho de1808, Lord Strangford chegou ao Rio para apresentara conta e mostrar quem estava <strong>no</strong> comando.Salga<strong>da</strong> foi a taxa de proteção cobra<strong>da</strong>pelos ingleses: na prática, ela equivaleria àtransferência quase integral para o <strong>Brasil</strong> dosacordos de 1654 e 1661, bem como do Tratadode Methuen, que, na insuspeita opinião dohistoriador inglês Alan Manchester, haviamconvertido Portugal em “virtual vassalo comercial<strong>da</strong> Inglaterra”. Não seria diferente a situação <strong>no</strong><strong>Brasil</strong>. Agindo com prepotência e arrogância,Strangford obteve, em 19 de fevereiro de 1810, aassinatura do Tratado de Navegação e Comércio,tão ig<strong>no</strong>minioso que passaria à história como o“tratado desigual”.Desigual<strong>da</strong>de quase “humorística”, na opiniãode Rubens Ricupero, pois, enquanto as mercadoriasinglesas foram taxa<strong>da</strong>s em 15%, os produtosportugueses continuaram submetidos à taxa de 16%instituí<strong>da</strong> em junho de 1808. Só em outubro de1810 lembrar-se-ia o príncipe-regente de igualar astarifas. Ratifi cado o Tratado de Strangford em 26 defevereiro de 1810, “expiravam com a tenra i<strong>da</strong>de dedois a<strong>no</strong>s as vantagens instituí<strong>da</strong>s pela abertura dosportos”, comenta Ricupero. E o pior para o <strong>Brasil</strong> foique, em 1825, quando o “tratado desigual” expirou,os ingleses, em troca de seu reconhecimento àindependência do <strong>Brasil</strong>, forçaram D. Pedro I aprorrogá-lo por mais 15 a<strong>no</strong>s...40


Por mais de 30 a<strong>no</strong>s, o “tratado desigual”tornaria virtualmente impossível às manufaturasbrasileiras competir com produtos industrializadosingleses. Mas, apesar <strong>da</strong>s óbvias restrições entãoimpostas à indústria “nacional”, é preciso salientarque a elite mercantil luso-brasileira – em especialos senhores de engenho, com maior capital einfluência política – não tinha interesse emproteger, subsidiar e muito me<strong>no</strong>s adquirir produtoslocais de baixa quali<strong>da</strong>de quando podia pagarpelas importações, de melhor quali<strong>da</strong>de e maisbaratas, graças aos lucros <strong>da</strong> exportação. A maioria<strong>da</strong> população – forma<strong>da</strong> por escravos ou por classesme<strong>no</strong>s favoreci<strong>da</strong>s – era pobre demais para exercerqualquer deman<strong>da</strong> na eco<strong>no</strong>mia. Portanto, emboraas pressões <strong>da</strong> Inglaterra de fato tivessem existidoe fossem mesmo abusivas, a própria lógica interna<strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de luso-brasileira ajudou a retar<strong>da</strong>r oprocesso de industrialização do país.De qualquer forma, as medi<strong>da</strong>s toma<strong>da</strong>spor D. João em prol <strong>da</strong> industrialização foramfun<strong>da</strong>mentais e aju<strong>da</strong>ram a estabelecer <strong>uma</strong>incipiente indústria de base – especialmente asiderurgia. Tais mu<strong>da</strong>nças foram responsáveistambém pela sobrevi<strong>da</strong> do ciclo <strong>da</strong> mineração,pois a fabricação de ferro e de pólvora – emborase voltasse à defesa territorial e às artes <strong>da</strong> guerra– também visava incrementar a extração do ouro.Assim, a criação <strong>da</strong> Real Fábrica de Ferro e avin<strong>da</strong> do alemão Wilhelm Eschwege para o <strong>Brasil</strong>confi gurariam, como se verá, passos decisivospara o progresso <strong>da</strong> colônia, eleva<strong>da</strong> à condição deRei<strong>no</strong> Unido em dezembro de 1815.41


A aurora <strong>da</strong> siderurgiaA FÁBRICA DE FERRO DE IPANEMAOsertanista Afonso Sardinha descobriu oprimeiro ouro do <strong>Brasil</strong>, em 1590, <strong>no</strong> sopédo pico do Jaraguá em São Paulo. Já D. Franciscode Souza entrou para a história como o primeiroGovernador Geral a oficializar as entra<strong>da</strong>s ebandeiras em 1591. Pouco depois, os caminhosdesses dois pioneiros se cruzaram em Araçoiaba. Foilá que, em 1810, surgiria a Real Fábrica de Ferro deIpanema - a primeira socie<strong>da</strong>de de eco<strong>no</strong>mia mistado país e a primeira a empregar homens livres. Talfoi a importância dessa indústria - e o pioneirismodo local chamado pelos nativos de “mora<strong>da</strong> do sol” -que vale a pena explorar a história do morro do ferro.Desde o <strong>Brasil</strong> quinhentista, Araçoiaba e suaterra magnética atraía aqueles que buscavam o durometal capaz de vencer guerras, acorrentar homense alavancar o progresso. Por produzir munições,recuperar armas e fornecer ferramentas agrícolas eutensílios domésticos, o carrasco – como então sechamava o ferreiro-chefe – sempre foi personagemde destaque <strong>no</strong> processo inicial de colonização.Afonso Sardinha era um mestre na arte <strong>da</strong>lavra e <strong>da</strong> fusão de metais e seu ofício foi ensinadoao fi lho, também chamado de Afonso Sardinhae apeli<strong>da</strong>do o Mameluco. Percorrendo as velhastrilhas indígenas - os peabirus - os Sardinha, o


velho e o moço, chegaram ao Morro Araçoiaba.Nessa terra habita<strong>da</strong> por índios, encontrarammagnetita (ferro magnético) e lá se instalaram.A <strong>da</strong>ta ofi cial do que é hoje de<strong>no</strong>minado “sítioarqueológico de Afonso Sardinha” foi registra<strong>da</strong>como 1589 e o local é reconhecido pela AssociaçãoMundial de <strong>Produto</strong>res de Aço como a primeiratentativa para a fabricação de ferro em soloamerica<strong>no</strong>. Mas o historiador José MonteiroSalazar, autor de Araçoiaba & Ipanema, discor<strong>da</strong> ediz que os for<strong>no</strong>s só foram instalados ali em 1597.O que se sabe com certeza é que em 1599, D.Francisco de Souza, então Governador Geral do<strong>Brasil</strong>, permaneceu por sete meses em Araçoiaba,acompanhado de Sardinha, o Mameluco, maisfi <strong>da</strong>lgos, infantes, indígenas e técnicos. Ali fundou,junto ao engenho de ferro, <strong>no</strong> Vale <strong>da</strong>s Furnas,o povoado de Nossa Senhora de Monte Serrate.Apesar <strong>da</strong>s tentativas de Sardinha e D. Francisco,esses primeiro trabalhos – mais importantes pelopioneirismo do que pela produção – não chegarama ter resultados signifi cativos. Vitima<strong>da</strong> pelosdecretos que proibiam a fabricação de artigosmanufaturados na colônia, a pré-indústria do ferrofoi soterra<strong>da</strong> pelo tempo.Mas em 1765, o ferro de Araçoiaba renasceude suas brasas dormi<strong>da</strong>s pelas mãos do portuguêsDomingos Pereira Ferreira. Junto com sóciosbrasileiros, ele ergueu <strong>no</strong>vas instalações <strong>no</strong> Vale<strong>da</strong>s Furnas, acima dos for<strong>no</strong>s de Afonso Sardinha.Escravos foram então trazidos de Angola e,durante oito a<strong>no</strong>s, ali se produziu ferro coado ougusa. O que foi um mais feito pioneiro: Araçoiabaproduziu ferro gusa em 1765.Retrata<strong>da</strong> por Debret, que a visitouem 1827, quase 20 a<strong>no</strong>s após suafun<strong>da</strong>ção, a Fábrica de Ferro de SãoJoão de Ipanema, <strong>no</strong>s arredores deSorocaba, São Paulo, foi a primeiraindústria siderúrgica do <strong>Brasil</strong> etambém o local onde, em fevereirode 1816, nasceu Francisco Adolfode Varnhagen, primeiro grandehistoriador brasileiro.43


44A Coroa Portuguesa só começou a se interessarde fato pelo morro de Araçoiaba em 1798, quandoo naturalista e químico João Manso Pereira enviouamostras do local para o príncipe D. João que, <strong>no</strong>a<strong>no</strong> seguinte, ain<strong>da</strong> em Portugal, orde<strong>no</strong>u que alifosse instala<strong>da</strong> <strong>uma</strong> fábrica de ferro. Por ordemdo gover<strong>no</strong>, Martim Francisco de Andra<strong>da</strong>, irmãode José Bonifácio, realizou estudos geológicose botânicos em Araçoiaba e recomendou quese trouxesse <strong>da</strong> Europa um “hábil fundidor”.Aconselhou, ain<strong>da</strong>, que se abandonassem as antigasinstalações do Vale <strong>da</strong>s Furnas e se construísse<strong>uma</strong> <strong>no</strong>va fábrica, às margens do rio Ipanema. Foi omarco inicial <strong>da</strong> Real Fábrica de Ferro de Ipanema,ti<strong>da</strong> como a seqüência do projeto de 1803, quandoo conde de Linhares tentara organizar a indústriade ferro portuguesa, contratando mineralogistascomo José Bonifácio e os alemães Friedrich LudwigWilhelm Varnhagen e Wilhelm Eschwege.No fi nal de 1809, Varnhagen aportou <strong>no</strong> Riode Janeiro para, junto com Martim Francisco,explorar as reais possibili<strong>da</strong>des de Araçoiaba.Cerca de um a<strong>no</strong> depois, chegava também CarlGustav Hedberg, um sueco contratado por D. João,à revelia de Varnhagen, para dirigir as obras <strong>da</strong>fábrica. Hedberg e 14 trabalhadores vindos <strong>da</strong>Suécia foram os primeiros a terem um contrato detrabalho livre <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>. Cria<strong>da</strong> ofi cialmente em 4de dezembro de 1810, a Real Fábrica de Ferro deIpanema era <strong>uma</strong> socie<strong>da</strong>de mista com 60 ações<strong>no</strong>minais, <strong>da</strong>s quais 13 pertenciam à Coroa.Martim Francisco, Varnhagen e a JuntaAdministrativa <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de desde o início


demonstraram descontentamento com osnórdicos. Achavam que eles não seriam capazesde montar <strong>uma</strong> fábrica e que a construção dequatro peque<strong>no</strong>s for<strong>no</strong>s – projeto de Hedberg– já estava ultrapassa<strong>da</strong>, não sendo maisemprega<strong>da</strong> na Europa. Embora os suecos defato tivessem pouca experiência <strong>no</strong> ramo, o queos levou a incorrer em graves erros técnicos, aver<strong>da</strong>de é que, auxiliados por 88 escravos, elesconseguiram erguer a infra-estrutura capaz demanter a fábrica na ativa por quase um século.Em setembro de 1814, Hedberg foi demitido, pormeio de <strong>uma</strong> Carta Régia que concretizou a decisão<strong>da</strong> Junta Administrativa de construir dois altosfor<strong>no</strong>s e entregar a direção <strong>da</strong> fábrica a Varnhagen,que se dedicou então a “restaurá-la”. Ain<strong>da</strong> assim,os primeiros resultados concretos <strong>da</strong> administraçãode Varnhagen só surgiram quatro a<strong>no</strong>s depois, em1º de <strong>no</strong>vembro de 1818 – e vieram sob a forma detrês cruzes feitas com o ferro fundido em um dosaltos for<strong>no</strong>s. Em 1821, o retor<strong>no</strong> de D. João paraPortugal e a determinação para que se naturalizassebrasileiro são apontados como os motivos para opedido de demissão de Varnhagen.A partir de 1865, por causa <strong>da</strong> Guerra doParaguai, a Real Fábrica de Ferro de Ipanemaficou subordina<strong>da</strong> ao Ministério <strong>da</strong> Guerra,e assim permaneceu até 1878. Seus últimosa<strong>no</strong>s estão envoltos em obscuri<strong>da</strong>de e suasativi<strong>da</strong>des foram oficialmente encerra<strong>da</strong>s em 31de dezembro de 1895. Atualmente, o local, de<strong>uma</strong> beleza magnética, é <strong>uma</strong> Floresta <strong>Nacional</strong>e um venerável sítio arqueológico.45


O garimpo mecanizadoEm 1696 surgiram indícios de que haviaouro <strong>no</strong> Ribeirão do Carmo, um córregoexistente <strong>no</strong>s arredores de Vila Rica (hojeOuro Preto). Às suas margens, sertanistasestabeleceram o arraial de São Vicente,mais tarde chamado Passagem deMariana, pois ficava <strong>no</strong> vale que ligaVila Rica a Mariana. Subindo o rio, emprospecção de bateia, aventureirosencontraram em 1719 as jazi<strong>da</strong>s quederam origem à Mina <strong>da</strong> Passagem. Ti<strong>da</strong>como a primeira grande mina do <strong>Brasil</strong>,foi explora<strong>da</strong> até 1976 com produçãocalcula<strong>da</strong> em 35 tonela<strong>da</strong>s de ouro.ESCHWEGE NA MINA DA PASSAGEMEm 16 de janeiro de 1817, quase <strong>uma</strong> déca<strong>da</strong>após a chega<strong>da</strong> <strong>da</strong> Família Real ao <strong>Brasil</strong>, enfi mcomeçaram a ocorrer mu<strong>da</strong>nças estruturais <strong>no</strong> entãodecadente e já quase exaurido setor <strong>da</strong> mineração.Naquele dia, seguindo sugestão do barão deEschwege, a Coroa autorizou a criação de companhiaspriva<strong>da</strong>s, constituí<strong>da</strong>s por ações, para explorar oouro <strong>da</strong>s Gerais. O decreto determinava que o capital<strong>da</strong>s companhias deveria ser de <strong>no</strong> mínimo 25 e <strong>no</strong>máximo 128 ações, ca<strong>da</strong> <strong>uma</strong> valendo 400 mil-réis(equivalentes ao valor de três escravos).O primeiro a usufruir <strong>da</strong> <strong>no</strong>va legislação foi opróprio Eschwege – em março de 1819, fundou aSocie<strong>da</strong>de Mineralógica <strong>da</strong> Passagem, empresaque, naquele mesmo a<strong>no</strong>, começou a operar nafamosa Mina <strong>da</strong> Passagem, <strong>no</strong>s arredores deMariana, Minas Gerais. A Socie<strong>da</strong>de possuía 20escravos e instalou um engenho com dez pilõescalifornia<strong>no</strong>s, que se mantiveram em ativi<strong>da</strong>deaté meados do século 20. O alemão Eschwegeestabeleceu também o primeiro pla<strong>no</strong> de lavrasubterrânea, aperfeiçoado <strong>no</strong> correr dos a<strong>no</strong>s eempregado até o fechamento <strong>da</strong> mina, mais de150 a<strong>no</strong>s depois. Antes <strong>da</strong> chega<strong>da</strong> do barão, ostrabalhos se concentravam <strong>no</strong> morro de SantoAntônio, executados exclusivamente por mãode-obraescrava, a céu-aberto, ou em peque<strong>no</strong>se eventuais serviços subterrâneos. Segundo atradição, o morro de Santo Antônio era ocupado pordezenas de senzalas nas quais chegaram a vivercerca de 35 mil escravos. Ruínas carcomi<strong>da</strong>s eum lúgubre cemitério, ain<strong>da</strong> encravado na escarparochosa, testemunham esse passado sombrio. De1729 a 1756 diversos proprietários obtiveramconcessões para explorar a Mina <strong>da</strong> Passagem.Com os a<strong>no</strong>s, reduziram-se a um único e, quandoesse morreu, em fi ns de 1818, os herdeirosconcor<strong>da</strong>ram em vender os direitos de exploraçãopara o emérito Wilhelm Ludwig von Eschwege.46


O barão de Eschwege já havia trabalhado emPortugal de 1803 a 1810 (leia box na p. 48). Emfi ns de 1811, ao receber o convite de D. Rodrigode Souza e Coutinho, conde de Linhares, aceitouse transferir para o <strong>Brasil</strong>. Mas o conde morreuem janeiro de 1812, poucos meses após a chega<strong>da</strong>de Eschwege, e, em meio às tramas palacianas,as coisas poderiam ter fi cado complica<strong>da</strong>s paraele. Mas o alemão acabou caindo nas graçasde D. Antônio de Araújo Azevedo, o poderosoconde <strong>da</strong> Barca, e recebeu autorização paratrabalhar na região <strong>da</strong>s Minas. Quando o conde<strong>da</strong> Barca morreu, em fi ns de 1816, Eschwegeviu-se sem protetor <strong>no</strong>s meandros <strong>da</strong> Corte eseus pla<strong>no</strong>s foram abalados. Mas com “paciênciae dig<strong>no</strong> esforço” conseguiu, <strong>no</strong> início do a<strong>no</strong>seguinte, obter autorização régia para redigir osestatutos <strong>da</strong>s socie<strong>da</strong>des mineradoras do <strong>Brasil</strong>,cujo objetivo era o reaproveitamento de terre<strong>no</strong>sinutilizados e o aperfeiçoamento dos métodosde exploração aurífera. Como os cascalhossuperfi ciais mais ricos já se haviam esgotado,restavam apenas jazi<strong>da</strong>s de difícil acesso, “cujaexploração”, segundo Eschwege, “somenteo esforço conjunto <strong>da</strong>s associações poderiaenfrentar”. Em junho de 1819, instalou a bateriade dez pilões capazes de trabalhar sob um lençolde água, cujo fl uxo arrastava as areias produzi<strong>da</strong>s.“Foi o início <strong>da</strong> mecanização <strong>da</strong> exploração doouro <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong> e a cabal demonstração prática<strong>da</strong> superiori<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s <strong>no</strong>vas técnicas sobre osprimitivos métodos empregados até então”, diz ahistoriadora Myriam Ellis.47


Tido como “pai <strong>da</strong> geologiabrasileira”, Wilhelm Ludwig vonEschwege (1777-1855) era engenheirode minas formado pela célebre escolade Freyberg, na Alemanha. Em 1803,foi contratado pelo conde de Linharespara dirigir as fábricas de ferro dePortugal. Após a invasão francesa,permaneceu em Lisboa, prestandoserviços ao general invasor Ju<strong>no</strong>t.Transferiu-se para o <strong>Brasil</strong> em 1811,sendo <strong>no</strong>meado Diretor do RealGabinete de Mineralogia do Rio deJaneiro, com a árdua incumbênciade “restaurar a decadente indústria<strong>da</strong> mineração <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>”, o queincluía não só o estabelecimentode siderúrgicas em Minas e emSorocaba mas “o manejo <strong>da</strong>s lavrasauríferas”, já quase esgota<strong>da</strong>s.Até o momento de assumir o controle <strong>da</strong>Mina <strong>da</strong> Passagem, Eschwege limitara-se asugerir, projetar e aconselhar – e ser muitopouco escutado. Uma vez à frente <strong>da</strong> Socie<strong>da</strong>deMineralógica, tratou de pôr seus pla<strong>no</strong>s emprática. Explorou a lavra aurífera existente àmargem direita do Ribeirão do Carmo, poisna margem esquer<strong>da</strong> o minério já se esgotaradevido à exploração pre<strong>da</strong>tória. Ao estu<strong>da</strong>r asjazi<strong>da</strong>s, identificou a seqüência dos principaistipos de rochas matrizes do ouro (xisto argiloso,itacolomito e xisto hematítico). O minério passouentão a ser moído pelos pilões e o ouro, extraídopor amalgamação.Mas, por maior que tenha sido a contribuiçãode Eschwege ao processo de industrialização<strong>da</strong> extração do ouro <strong>da</strong>s Gerais, seu papel nahistória econômica do <strong>Brasil</strong> foi ain<strong>da</strong> maisimportante <strong>no</strong> campo <strong>da</strong> siderurgia, pois setea<strong>no</strong>s antes de chegar à Mina <strong>da</strong> Passagem elejá havia fun<strong>da</strong>do, em Congonhas do Campo, aImperial Fábrica de Ferro, também conheci<strong>da</strong>como Fábrica Patriótica. Ali, ao custo de 5,2contos, fez construir quatro peque<strong>no</strong>s for<strong>no</strong>s,duas forjas, um malho e um engenho de socarminério. Em 12 de dezembro de 1812, aPatriótica forjava seu primeiro ferro. Eschwegeorgulhava-se do fato de sua pequena usinaproduzir tanto quanto a fábrica de Ipanema,de ter custado bem me<strong>no</strong>s e ain<strong>da</strong> <strong>da</strong>r razoávellucro aos acionistas. Localiza<strong>da</strong> junto ao rio <strong>da</strong>Prata, a usina operou até 1822, só decaindoapós Eschwege deixar o <strong>Brasil</strong>.Em 1821, cansado de resistir às pressõespolíticas, Eschwege decidiu ir embora. Masfi cou em Portugal até 1829, quando retor<strong>no</strong>u àAlemanha, quase 30 a<strong>no</strong>s após ter partido <strong>da</strong>terra natal. Instalado <strong>no</strong>s arredores de Kassel, emmeio aos lagos e fl orestas, dedicou-se a redigirsua volumosa obra, to<strong>da</strong> ela referente ao <strong>Brasil</strong>.Dentre 23 trabalhos científi cos, o mais importante,o Pluto <strong>Brasil</strong>iensis, foi publicado em Berlim em1833 e é livro imprescindível para a história <strong>da</strong>mineração <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>, enquadrando-se <strong>no</strong> quehoje se chama de “geologia econômica”. Quantoà Socie<strong>da</strong>de Mineralógica <strong>da</strong> Passagem, acabouadquiri<strong>da</strong> pelo inglês Thomas Bawden, em julhode 1859. Quatro a<strong>no</strong>s depois, Bawden revendeua mina para a Anglo Brazilian Gold MiningCompany. De 1874 a 1883, a lavra foi fecha<strong>da</strong>outra vez, sendo então compra<strong>da</strong> pela companhiafrancesa The Ouro Preto Gold Mines of Brazil, quea operou com sucesso até 1927. Em 1973, o veiopassou a pertencer à Companhia Anglo <strong>Brasil</strong>eirade Construções, que três a<strong>no</strong>s depois encerrou asoperações mineralógicas. Mas os desti<strong>no</strong>s <strong>da</strong> Mina<strong>da</strong> Passagem se mantêm gloriosos, pois atualmenteé a mais profun<strong>da</strong> mina de ouro do mundo abertaao turismo. Uma vagoneta presa a um cabo deaço penetra três quilômetros <strong>no</strong> seio <strong>da</strong> rochapor um belíssimo túnel, conduzindo o visitantea um labirinto subterrâneo de 11 quilômetrosquadrados, onde é possível caminhar por entre osmagnífi cos pilares de quartzito que sustentam amina e delimitam os amplos salões de onde foramextraí<strong>da</strong>s mais de 30 tonela<strong>da</strong>s de ouro.48


OS INGLESES EM GONGO SOCOA fun<strong>da</strong>ção <strong>da</strong> Socie<strong>da</strong>de Mineralógica <strong>da</strong>Passagem de fato signifi cou <strong>uma</strong> guina<strong>da</strong> nahistória <strong>da</strong> mineração <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>, pois a partir delaforam defi nidos os estatutos que regulamentaram osurgimento de empresas priva<strong>da</strong>s constituí<strong>da</strong>s para aexploração do ouro. A Independência incrementou atendência, e depois que D. Pedro I assi<strong>no</strong>u o decretode 16 de setembro de 1824, autorizando estrangeirosa explorarem minas e fun<strong>da</strong>rem associações, opa<strong>no</strong>rama se transformou de vez. Graças à <strong>no</strong>va lei,o inglês Edward Oxenford organizou em Londresa fi rma pioneira, Imperial Brazilian MiningAssociation, com capital de 350 mil libras.A primeira mina adquiri<strong>da</strong> pela companhiafoi a legendária Gongo Soco, <strong>no</strong>s arredores deCaeté, Minas Gerais. A tradição assegura que afertilíssima mina foi batiza<strong>da</strong> assim por ter sidodescoberta por um escravo congo, fl agrado sobreum monte de areia aurífera “qual galinha <strong>no</strong>choco”. A corruptela seria fruto <strong>da</strong> má pronúnciado português pelos africa<strong>no</strong>s. Por volta de 1808, aárea passou às mãos do excêntrico barão de Cocais,que em 1826 vendeu-a para Oxenford, primeiroestrangeiro a possuir mina <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>. Apesar <strong>da</strong> máadministração (segundo Eschwege), Gongo Socoproduziu 12.887 quilos de ouro de 1826 a 1856,quando a companhia foi desfeita. Atualmente amina de Gongo Soco pertence à Vale do Rio Doce.A área, fecha<strong>da</strong> à visitação, conserva o cemitériodos ingleses e as ruínas (imagens ao lado) <strong>da</strong>mansão do extravagante barão de Cocais.50


O grito do IpirangaINDEPENDÊNCIA E DÍVIDATrezentos e vinte e dois a<strong>no</strong>s, quatro meses esete dias depois de o capitão Nicolau Coelho ter<strong>da</strong>do “um barrete vermelho, <strong>uma</strong> carapuça de linhoe um sombreiro preto” a um guerreiro tupiniquim,n<strong>uma</strong> praia <strong>da</strong> Bahia, e dele ter recebido “umsombreiro de penas de ave e um ramal de continhasmiú<strong>da</strong>s”, o <strong>Brasil</strong> separou-se de Portugal. Já houvequem tenha chamado o movimento articulado pelopríncipe D. Pedro de “revolução conservadora”,pois ele não só manteve o <strong>Brasil</strong> <strong>uma</strong> monarquia– e com um rei português <strong>no</strong> tro<strong>no</strong> – como nãoaboliu a escravidão. De todo modo, a consoli<strong>da</strong>ção<strong>da</strong> Independência iria derramar muito sangue– brasileiro e português – e sairia caro, muito caro,para os cofres <strong>da</strong> nação recém-nasci<strong>da</strong>.Embora houvesse lucrado e<strong>no</strong>rmementecom a cana, o ouro e os diamantes extraídos dosolo brasileiro, Portugal tinha construído to<strong>da</strong> ainfra-estrutura <strong>da</strong> colônia. Por isso, só se dispôsa reconhecer o <strong>Brasil</strong> como nação independentemediante <strong>uma</strong> polpu<strong>da</strong> indenização: em 1825, foipreciso pagar 600 mil libras à Metrópole, bem comoassumir o pagamento de um empréstimo de 1,4milhão de libras feito por Portugal em bancos ingleses.Assim, em agosto de 1825, o <strong>Brasil</strong> fazia seu primeiroempréstimo, obtendo do banco Rothschild, de Londres,3,6 milhões de libras, a juros de 5% ao a<strong>no</strong>.Cerca de um a<strong>no</strong> antes, em março de 1824,D. Pedro havia promulgado a primeira Constituiçãodo <strong>Brasil</strong> – <strong>uma</strong> Carta liberal, apesar de oimperador ter dissolvido a Constituinte com tropasde baionetas cala<strong>da</strong>s. O artigo 179, na alínea24, garantia a liber<strong>da</strong>de para a indústria. Masacabaria se revelando quase mera formali<strong>da</strong>de,pois, muito mais do que o reconhecimento de suaindependência por Portugal, o <strong>Brasil</strong> precisavamesmo era do consentimento britânico. Como oTratado de Strangford, de 1810, iria vencer em1825, a Inglaterra não só forçou Portugal a acertarsuas diferenças com o <strong>Brasil</strong> como, tão logo as duasnações se ajustaram – por intermédio, aliás, de umministro plenipotenciário britânico, Charles Stuart,enviado ao Rio de Janeiro como representante deD. João –, o mesmo Stuart tratou de obter de D. Pedroa prorrogação do tratado de Strangford por mais15 a<strong>no</strong>s. Como as negociações só foram concluí<strong>da</strong>sem 1827, o tratado deveria expirar em 1842. Combase em casuísmos e interpretações tendenciosas,os britânicos o prorrogaram até 1844, o a<strong>no</strong> emque foi instituí<strong>da</strong> a Tarifa Alves Branco (leia p.56). Assim, passa<strong>da</strong>s duas déca<strong>da</strong>s de aberturados portos e dos projetos industrialistas de Cairu, o<strong>Brasil</strong>, agora <strong>uma</strong> nação independente, continuavaimpossibilitado de promover sua industrialização.O LOBO DO MARUma <strong>da</strong>s evidências de que aIndependência não se restringiu ao“brado do Ipiranga”, mas deflagrou<strong>uma</strong> série de confrontos armados,se revela <strong>no</strong> fato de D. Pedro I tertido que contratar os serviços deLorde Cochrane. Apeli<strong>da</strong>do de“Lobo do Mar”, Thomas AlexanderCochrane (1775-1860) foi um dosmais au<strong>da</strong>ciosos chefes navaisbritânicos. Apesar de herói e membrodo Parlamento, foi preso em 1814 porfraudes na Bolsa. Em 1817, escapou <strong>da</strong>prisão e foi contratado pela Marinhachilena, participando <strong>da</strong>s lutas <strong>da</strong>independência <strong>no</strong> Chile e Argentina.Veio em 1821 para o <strong>Brasil</strong>. Em 1823,D. Pedro I o fez marquês do Maranhão,mas dois a<strong>no</strong>s depois, não tendorecebido salário, Cochrane partiulevando navios brasileiros. Regressouao Rei<strong>no</strong> Unido em 1830 e <strong>no</strong> a<strong>no</strong>seguinte tor<strong>no</strong>u-se conde. Em 1832foi readmitido na Arma<strong>da</strong> britânica echegou a se tornar almirante. Morreuem Londres em 1860 aos 85 a<strong>no</strong>s.51


A Socie<strong>da</strong>de Auxiliadora <strong>da</strong> Indústria <strong>Nacional</strong>OS EMPRESÁRIOS ENFIM SE UNEMSe mesmo após a Independência o quadropolítico, econômico e fi scal do <strong>Brasil</strong>se mantinha francamente desfavorável aoestabelecimento <strong>da</strong> indústria, pode-se suporcomo se apresentava a situação antes do Sete deSetembro. Ain<strong>da</strong> assim, antecipando-se em seisa<strong>no</strong>s ao grito do Ipiranga, o baia<strong>no</strong> Inácio ÁlvaresPinto de Almei<strong>da</strong> ousou propor a criação de <strong>uma</strong>socie<strong>da</strong>de civil em prol <strong>da</strong> indústria. Fi<strong>da</strong>lgo <strong>da</strong>Casa Real e do<strong>no</strong> de <strong>uma</strong> destilaria <strong>no</strong> Rio, InácioÁlvares conseguiu obter 200 ilustres assinaturas– mas não aprovação régia, pois naquele a<strong>no</strong> de1816 sua idéia foi julga<strong>da</strong> “precipita<strong>da</strong>”. Em 1820,ele volta à carga, redigindo um memorial emdefesa <strong>da</strong> aquisição de máquinas rurais e fabris <strong>no</strong>exterior. Mas é apenas em junho de 1824, após aIndependência e a promulgação <strong>da</strong> Constituição,que D. Pedro I dá autorização oficial para que sejamestabelecidos os estatutos <strong>da</strong> Socie<strong>da</strong>de Auxiliadora<strong>da</strong> Indústria <strong>Nacional</strong>. No a<strong>no</strong> seguinte, o imperadoraprova a instalação <strong>da</strong> SAIN e, dois a<strong>no</strong>s mais tarde,em 19 de outubro de 1827, a primeira socie<strong>da</strong>decivil <strong>da</strong> história do <strong>Brasil</strong> é enfi m inaugura<strong>da</strong>.No memorável dia, Inácio Álvares Pintode Almei<strong>da</strong> discursa, com vigor e paixão. Diz:“Reconhecendo ser um dever do ci<strong>da</strong>dão que amasua pátria prestar, quanto cabe em suas forças,todos os ofícios que possam cooperar para afelici<strong>da</strong>de nacional e convencido de que nenhumpaís fl oresce e se felicita sem indústria, por ser elao móvel principal <strong>da</strong> prosperi<strong>da</strong>de, e de riqueza,tanto pública como particular de <strong>uma</strong> nação culta erealmente independente; convencido igualmente deque os maquinismos são os poderosos auxiliadores<strong>da</strong> indústria, cujos benéfi cos resultados sederramam sobre to<strong>da</strong>s as classes <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de, edesejando, portanto, conciliar esses princípios dever<strong>da</strong>de incontestável em benefício do <strong>Brasil</strong>, queme deu berço, e onde a indústria, sufoca<strong>da</strong> pormais de três séculos, deman<strong>da</strong> todos os socorros,eu trabalho desde 1820 para que se crie entre nósesta Socie<strong>da</strong>de Auxiliadora <strong>da</strong> Indústria <strong>Nacional</strong>,cujo fi m principal é auxiliar a indústria, mormente<strong>no</strong> que diz respeito à aquisição de maquinismosque, expostos às vistas do público, façam-seconhecidos, possam ser copiados e desafi em ointeresse dos <strong>no</strong>ssos agricultores e dos <strong>no</strong>ssosartistas, para que por meio deles consigam mi<strong>no</strong>raros trabalhos <strong>da</strong> mão-de-obra, obtendo ao mesmotempo com mais facili<strong>da</strong>de, perfeição e me<strong>no</strong>resdespesas <strong>uma</strong> maior soma de produtos”.Em 28 de fevereiro de 1828, quatro mesesapós o discurso de Inácio Álvares, a SAIN realizasua primeira sessão. No mesmo dia, João Inácio52


<strong>da</strong> Cunha, o visconde de Alcântara, assume apresidência <strong>da</strong> enti<strong>da</strong>de, <strong>da</strong> qual Álvares é feitosecretário. A SAIN abre as portas <strong>no</strong> prédio doMuseu <strong>Nacional</strong> (ver imagem na p. 54), com49 sócios efetivos e seis ho<strong>no</strong>rários. Dentre osho<strong>no</strong>rários, fi gura o próprio D. Pedro I que,desde a primeira hora, dera mostras de apreço à“patriótica associação”, a qual, embora priva<strong>da</strong>,logo se vincula à Secretaria de Negócios doImpério e passa a receber dotação do Tesouro.Em 1830, Manuel <strong>da</strong> Câmara Bittencourt, famosomineralogista, conhecido como IntendenteCâmara, apresenta à socie<strong>da</strong>de, <strong>da</strong> qual é sócio,<strong>uma</strong> proposta para regulamentar e proteger “osdireitos do inventor ou descobridor”. Aprova<strong>da</strong>em 28 de agosto do mesmo a<strong>no</strong>, aquela se torna aprimeira lei brasileira de patentes.A partir de janeiro de 1833, a SAIN passaa editar mensalmente seu boletim-revista OAuxiliador <strong>da</strong> Indústria <strong>Nacional</strong> – cujo primeirore<strong>da</strong>tor foi o engenheiro de minas Frederico CésarBurlamaqui –, e nela divulgam-se “as últimas<strong>no</strong>vi<strong>da</strong>des do mundo <strong>da</strong>s máquinas”. O periódicofoi publicado ininterruptamente até 1892, ouseja, ao longo de 59 a<strong>no</strong>s, num total de mais de600 edições. Apesar <strong>da</strong> louvação às máquinas,<strong>uma</strong> análise mais cui<strong>da</strong>dosa <strong>da</strong>s páginas d’OAuxiliador deixa claro que, até fi ns <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de1850, o interesse <strong>da</strong> SAIN se manteve quase queinteiramente focado na mecanização <strong>da</strong> agricultura,e não na indústria fabril.De todo modo, já em 1838, a SAIN <strong>da</strong>riamais <strong>uma</strong> extraordinária contribuição ao <strong>Brasil</strong>.Afi nal, foi <strong>no</strong> seio <strong>da</strong> Socie<strong>da</strong>de, em 18 de agosto<strong>da</strong>quele a<strong>no</strong>, que dois sócios ilustres, o marechalCunha Matos e o cônego Cunha Barbosa,propuseram a criação do Instituto Histórico eGeográfi co <strong>Brasil</strong>eiro. No dia seguinte a idéia foiaprova<strong>da</strong>, e em 21 de outubro de 1838 o IHGBé instalado, funcionando até fevereiro de 1839<strong>no</strong> próprio prédio <strong>da</strong> SAIN. O IHGB lançou asbases <strong>da</strong> historiografi a brasileira e ajudou aconstruir passo a passo a história de um paísque, até então, ain<strong>da</strong> não a escrevera.O desenho <strong>da</strong> tarja que adorna obelo diploma entregue aos primeirosmembros efetivos <strong>da</strong> Socie<strong>da</strong>deAuxiliadora <strong>da</strong> Indústria <strong>Nacional</strong>(acima) foi feito “gratuitamente porJoão Batista de Bret”, como atestaa ata <strong>da</strong> sessão solene realiza<strong>da</strong> em20 de janeiro de 1829. Pois o citadoartista é ninguém me<strong>no</strong>s que o célebreilustrador francês Jean BaptisteDebret, <strong>no</strong>meado então “sóciocorrespondente” <strong>da</strong> SAIN.53


54Na ver<strong>da</strong>de, desde o dia de sua fun<strong>da</strong>ção até oinstante em que se fundiu com o Centro Industrialde Fiação e Tecelagem do Rio de Janeiro, a 15de agosto de 1904, já em plena República, aSocie<strong>da</strong>de Auxiliadora <strong>da</strong> Indústria <strong>Nacional</strong>construiu sua história em conjunção com a histórianacional. Natural, portanto, que <strong>no</strong> cerne <strong>da</strong>associação se refl etissem as perplexi<strong>da</strong>des típicas<strong>da</strong> época: era o <strong>Brasil</strong> um país cuja “vocaçãoagrícola” o impediria de industrializar-se? Poderiaa lavoura – <strong>no</strong>mea<strong>da</strong>mente a do café – sobreviversem o braço escravo? A indústria fabril traria defato tantos benefícios quanto apregoavam seusdefensores? Apesar de to<strong>da</strong> a produção teóricaedita<strong>da</strong> nas páginas d’O Auxiliador <strong>da</strong> Indústria<strong>Nacional</strong>, a SAIN não parece ter chegado a umconsenso sobre temas tão candentes.Fun<strong>da</strong><strong>da</strong> <strong>no</strong> mesmo a<strong>no</strong> em que o tratadode 1810 fora prorrogado por mais 15 a<strong>no</strong>s, écompreensível que, em seus primeiros tempos, aSAIN se voltasse à defesa <strong>da</strong> agricultura, até porque,sob tais condições, a industrialização parecia mesmoinviável. Quando os tempos mu<strong>da</strong>ram, a Socie<strong>da</strong>decriou, em 1857, sua seção de Indústria Fabril, bemcomo a de Química Industrial. Em 1870, porém,o futuro presidente <strong>da</strong> enti<strong>da</strong>de, Nicolau Moreira,publicava o Catecismo <strong>da</strong> Agricultura, <strong>no</strong> qual osjovens oriundos do meio rural eram exortados anão abandonar “o lar doméstico pelo engodo <strong>da</strong>sci<strong>da</strong>des” e a não trocar “as paisagens de pa<strong>no</strong>pintado pela natureza, a estufa pelo sol e as fadigasestéreis por <strong>uma</strong> fútil ativi<strong>da</strong>de – em <strong>uma</strong> palavra, avi<strong>da</strong> fictícia pela vi<strong>da</strong> real”.


As preocupações <strong>da</strong> SAIN não se restringiamao êxodo rural. A Socie<strong>da</strong>de julgava a educação<strong>uma</strong> questão-chave para o futuro <strong>da</strong> nação ereitera<strong>da</strong>s vezes O Auxiliador alerta para “osperigos a que os operários estão expostos <strong>no</strong>trabalho cotidia<strong>no</strong> quando não detêm o devidoconhecimento”. Cansa<strong>da</strong> de esperar pelo gover<strong>no</strong>,a enti<strong>da</strong>de decide criar a Escola NocturnaGratuita de Instrucção Primaria para Adultos.O curso de quatro a<strong>no</strong>s, com aulas de duashoras, três vezes por semana, era destinado “ahomens livres de mais de 14 a<strong>no</strong>s”, Apresentadoem julho de 1866, por Joaquim Antonio deAzevedo, o projeto previa a criação de <strong>uma</strong> EscolaIndustrial, para a qual a Nocturna seria o cursopreparatório. Porém, aprova<strong>da</strong> sua criação emmarço de 1868, dois a<strong>no</strong>s depois a escola ain<strong>da</strong>não tinha nenhum alu<strong>no</strong> matriculado. “Tudo foibal<strong>da</strong>do, ninguém quer aprender a ler e a escola<strong>no</strong>turna gratuita para operários não funciona porfalta de discípulos, não obstante sua reconheci<strong>da</strong>utili<strong>da</strong>de!”, lastima-se Azevedo.Em maio de 1870, com a aju<strong>da</strong> do engenheiroAndré Rebouças, “que havia assumido adirecção geral <strong>da</strong>s obras hydraulicas e interna<strong>da</strong> alfandega <strong>da</strong> côrte, resolveu admittir nasmesmas obras todos os moços que desejassemaprender um offi cio dos que ahi se exercem”. Aotomar conhecimento dessa resolução, JoaquimAntonio de Azevedo solicitou a Rebouças queobrigasse os aprendizes que não soubessemler a freqüentar a escola <strong>no</strong>turna. O pedidofoi prontamente atendido e Rebouças forneceu<strong>uma</strong> relação de 46 aprendizes com i<strong>da</strong>de de 14a 20 a<strong>no</strong>s. Entre eles, haviam 28 brasileiros,15 portugueses, um alemão, um belga e umholandês. Com esses alu<strong>no</strong>s, a escola enfi mabriu suas portas, <strong>no</strong> centro do Rio. Manteve-selá até fechar, em dezembro de 1892, época emque a SAIN já havia perdido bastante do ímpetoinicial e, mais que isso, muito de seu prestígio,pois, em plena Era Republicana, era vista como<strong>uma</strong> enti<strong>da</strong>de liga<strong>da</strong> ao Império. A socie<strong>da</strong>de,ain<strong>da</strong> assim, perduraria até agosto de 1904,quando, ao fundir-se com o CIFT, deu origem aoCentro Industrial do <strong>Brasil</strong>.Eis a lista dos <strong>no</strong>ve presidentes<strong>da</strong> SAIN, com as <strong>da</strong>ta as de suasrespectivas gestões: visconde deAlcântara (1828-1831), visconde deJerumirim (1831-1833), viscondede Olin<strong>da</strong> (1833-1848), marquês deAbrantes (1848-1865), visconde doRio Branco (1865-1880), conselheiroNicolau Joaquim Moreira (1880-1894),Agostinho de Sousa Lima (1894-?),Ma<strong>no</strong>el Francisco Correa (?-1902) eI<strong>no</strong>cêncio Sezerdelo Correia (1902-1904). Acima, o segundo diplomaentregue aos membros <strong>da</strong> Socie<strong>da</strong>de,que em 1866 já possuía mais de1.300 associados.55


A Tarifa Alves BrancoManuel Alves Branco nasceu emSalvador em 7 de junho de 1797.Em 1822, formou-se em Direito naUniversi<strong>da</strong>de de Coimbra, ondetambém estudou matemática eciências naturais. De volta à Bahia,trabalhou como juiz. Mas foi <strong>no</strong> Rio deJaneiro que fez <strong>uma</strong> brilhante carreirapolítica. Começou como contadorgeraldo Tesouro em 1830, depoisfoi <strong>no</strong>meado ministro dos NegóciosEstrangeiros, elegeu-se senador,ocupou o cargo de ministro <strong>da</strong> Justiçae por quatro vezes foi ministro <strong>da</strong>Fazen<strong>da</strong>. Em 1854, recebeu deD. Pedro II o título de 2º Visconde deCaravelas. Morreu em Niterói <strong>no</strong> dia13 de julho de 1855.A INDÚSTRIA GANHA UM INCENTIVOO<strong>Brasil</strong> estava às vésperas do golpe <strong>da</strong>Maiori<strong>da</strong>de – como veio a se chamar aposse de D. Pedro II aos 14 a<strong>no</strong>s, contrariando aConstituição, que estabelecia em 18 a i<strong>da</strong>de mínimapara um chefe de Estado. Foi quando Manuel AlvesBranco, pela terceira vez ministro <strong>da</strong> Fazen<strong>da</strong>do <strong>Brasil</strong>, apresentou à Assembléia um relatóriopropondo aumento dos impostos. Era maio de 1840e estava claro que o equilíbrio <strong>da</strong> receita com adespesa só seria possível mediante um acréscimo<strong>no</strong>s “direitos de importação”. E “para o aumento<strong>da</strong> cota”, afi rmou Alves Branco, “temos a mais felizoportuni<strong>da</strong>de, porquanto acabando o tratado comos Estados Unidos a 17 de <strong>no</strong>vembro do correntea<strong>no</strong> de 1840; o <strong>da</strong> Holan<strong>da</strong> e <strong>da</strong> Bélgica em 18 deabril de 1841, <strong>no</strong> a<strong>no</strong> <strong>da</strong> lei agora proposta apenasexistirá ain<strong>da</strong> o <strong>da</strong> Grã-Bretanha, que contudo temde fi n<strong>da</strong>r nele, isto é, em 15 de <strong>no</strong>vembro de 1842”.Dentre tais tratados, o que mais abalava oscofres nacionais era justo o que Portugal assinaracom a Inglaterra em 1810 e que estabelecia para osprodutos ingleses <strong>uma</strong> taxa alfandegária de apenas15% – abaixo até <strong>da</strong> dos produtos portugueses (16%)e bem me<strong>no</strong>r que a dos outros países (24%). Apesar<strong>da</strong>s esperanças de Alves Branco de que o acordofi n<strong>da</strong>ria em 1842, divergências de interpretaçãofi zeram com que ele perdurasse até 1844.Mas o ponto de parti<strong>da</strong> para a Tarifa AlvesBranco estava <strong>da</strong>do, pois a lei assina<strong>da</strong> em 30 de<strong>no</strong>vembro de 1841 autorizava o gover<strong>no</strong> a “cobrarpor meio de <strong>uma</strong> <strong>no</strong>va tarifa, que organizará paraas Alfândegas, logo que fi ndem os tratados emvigor, direitos de importação, cujo mínimo seja de2% e o máximo de 60%”. Com base nela, AlvesBranco baixou, por decreto de 12 de agosto de1844, a <strong>no</strong>va tarifa para as alfândegas do <strong>Brasil</strong>.Ao entrar em vigor em 11 de <strong>no</strong>vembro de1844, o decreto elevou as taxas aduaneiras para30% sobre produtos importados sem similarnacional e para 40% a 60% sobre produtos comsimilar. A medi<strong>da</strong> incluiu cerca de três mil itensimportados e causou ruidosos protestos não só dosempresários britânicos como dos importadoresbrasileiros e <strong>da</strong> classe mais abasta<strong>da</strong>. Supõe-seque o famigerado “Bill Aberdeen”, a lei britânicade agosto de 1845 que permitia à Marinhainglesa perseguir supostos navios negreirosbrasileiros em águas territoriais ou até dentrode portos do <strong>Brasil</strong>, tenha sido assinado comorevide à <strong>no</strong>va tarifa. A lei, que recebeu o <strong>no</strong>medo então ministro <strong>da</strong>s Relações Exteriores doGover<strong>no</strong> Britânico, Lord Aberdeen, teria e<strong>no</strong>rmesconseqüências sobre a eco<strong>no</strong>mia brasileira aoelevar brutalmente o preço dos escravos.56


Alves Branco calculava que a tarifa batiza<strong>da</strong>com seu <strong>no</strong>me iria arreca<strong>da</strong>r cerca de 18 milcontos de réis por a<strong>no</strong>, satisfazendo, assim, “senão a todo, ao me<strong>no</strong>s a maior parte do défi cit doEstado”. Mas o aumento <strong>da</strong> receita nacional nãoera o único objetivo <strong>da</strong> lei, cria<strong>da</strong> também paraincentivar a indústria nacional. Partidário doprotecionismo – sobre o qual já se manifestaraem reunião do Conselho do Estado –,Alves Branco achava a tarifa ain<strong>da</strong> poucosatisfatória. Dizia que lhe faltaram tempo emeios para melhorar sua obra: “É de mister que,com fé fi rme <strong>no</strong>s fatos que temos ante os olhos,marchemos em deman<strong>da</strong> <strong>da</strong> indústria fabrilem grande, por meio de <strong>uma</strong> tarifa anualmenteaperfeiçoa<strong>da</strong>, e de mais a mais acomo<strong>da</strong><strong>da</strong> aodesenvolvimento do <strong>no</strong>sso país”. Em 1846, AlvesBranco se afastou do Ministério <strong>da</strong> Fazen<strong>da</strong> e foisubstituído por Holan<strong>da</strong> de Cavalcanti.O <strong>no</strong>vo ministro não permaneceria muito <strong>no</strong>cargo e, em 1847, seria substituído por... AlvesBranco. Cavalcanti, <strong>no</strong> entanto, teve tempo deconceder às manufaturas de algodão privilégioscomo a isenção de impostos sobre máquinasimporta<strong>da</strong>s. Em 1850, em meio ao quartoman<strong>da</strong>to de Alves Branco na Fazen<strong>da</strong>, D. PedroII – pressionado pelo todo-poderoso primeiroministroinglês William Gladstone – foi obrigadoa se curvar às exigências britânicas. Em 4 desetembro <strong>da</strong>quele a<strong>no</strong>, o imperador promulgoua lei Eusébio de Queirós, que acabava de vezcom o tráfi co negreiro. Mas a pressão inglesapara extinguir a tarifa Alves Branco só <strong>da</strong>riaresultados em 1857, quando se estabeleceramtaxas aduaneiras mais favoráveis à importação.Alves Branco não conseguiu enriquecer os cofrespúblicos como queria, mas foi a instituição de suatarifa que deu início à Era Mauá.ALFÂNDEGAA Alfândega do <strong>Brasil</strong> era localde entra<strong>da</strong>s, saí<strong>da</strong>s e conflitosinternacionais. Foi ali que, em 28 dejulho de 1847, o ministro Alves Brancobaixou um decreto que concedia“isenção de direitos de importaçãosobre matérias-primas para uso <strong>da</strong>sfábricas, segundo sua grandeza e osmeios que apresentassem”. Foi umpasso para a industrialização do país.57


A Era MauáMauá nasceu em 28 de dezembro de1813, n<strong>uma</strong> pequena casa de estânciaem Arroio Grande, interior do RioGrande do Sul. O segundo filho deMariana e João Evangelista de Souzafoi batizado com o <strong>no</strong>me do santocuja <strong>da</strong>ta se comemorava <strong>no</strong> dia deseu nascimento: santo Irineu. Passoua primeira infância isolado <strong>no</strong> pampagaúcho, mas depois <strong>da</strong> morte do pai,quando tinha apenas cinco a<strong>no</strong>s,viu sua vi<strong>da</strong> tomar outro rumo. Com<strong>no</strong>ve a<strong>no</strong>s, foi levado por um tio aoRio de Janeiro onde, ain<strong>da</strong> criança,começou a trabalhar <strong>no</strong> comércio.Aprendeu a fazer negócios e tor<strong>no</strong>u-seum industrial aos moldes ingleses. Aolado do luxuoso palacete do Catete,onde morou com a família, vivianinguém me<strong>no</strong>s do que D. Pedro II. Osvizinhos, <strong>no</strong> entanto, nunca foram oque se pode chamar de “próximos”.A REVOLUÇÃO DE UM HOMEM SÓAntes de ser <strong>no</strong>me de ci<strong>da</strong>de, aveni<strong>da</strong> ou praça,antes mesmo de ganhar título de barão ouvirar visconde, Mauá foi Irineu Evangelista deSouza. Um homem de nervos de aço e punhos deferro que chegou a ter um orçamento maior do queo do Império. Mauá não teve medo, nem modéstia.E foi isso que o levou a abandonar a bem-sucedi<strong>da</strong>carreira de comerciante para virar um dos maioresempresários <strong>da</strong> história do <strong>Brasil</strong>. A vontade de<strong>da</strong>r passos maiores era antiga, mas foi na TarifaAlves Branco que Irineu vislumbrou o sinal queprocurava para tornar-se um industrial à mo<strong>da</strong>inglesa. Após surpreender a todos com a <strong>no</strong>tíciade que sua fi rma entrara em liqui<strong>da</strong>ção – e semrevelar seus pla<strong>no</strong>s a ninguém –, ele chamou umvelho amigo de volta <strong>da</strong> Escócia.A vi<strong>da</strong> de Richards Carruthers cruzara com ade Irineu em 1829. Naquele a<strong>no</strong>, o comercianteportuguês Pereira de Almei<strong>da</strong> encaminhou o se<strong>uma</strong>is talentoso caixeiro viajante à Carruthers &Cia., sua principal credora. O caixeiro Irineu, entãocom 16 a<strong>no</strong>s, já <strong>da</strong>va sinais de que não estava <strong>no</strong>mundo dos negócios a passeio. No Rio de Janeirode D. Pedro II, sob as ordens e os ensinamentosdo <strong>no</strong>vo e excêntrico patrão, ele aprendeu inglês,passou a calcular juros em libras e cresceu a pontode tornar-se sócio na empresa.Ao retornar às terras fluminenses, depois de terpartido de volta ao país natal, o escocês Carruthersreencontrou um homem animado com as própriasidéias e disposto a investir tudo em seus ideais.Após muito confabularem, os velhos amigos traçaramum pla<strong>no</strong> estratégico. E concor<strong>da</strong>ram que comprarum estaleiro em Niterói poderia ser a ponta deum império lucrativo. Em 11 de agosto de 1846,exatos dois a<strong>no</strong>s após a assinatura <strong>da</strong> Lei AlvesBranco, Irineu Evangelista de Souza adquiria oEstabelecimento de Fundição e Estaleiros <strong>da</strong> Pontade Areia. O empresário fi rmou então os estatutos <strong>da</strong><strong>no</strong>va companhia com o lançamento público de açõesque previam um dividendo mínimo de 7% ao a<strong>no</strong> egarantido por cinco a<strong>no</strong>s.O investimento na compra <strong>da</strong> Ponta de Areia,que somou 60 contos de réis – equivalentes àprodução anual de café de <strong>uma</strong> grande fazen<strong>da</strong> –,incluía um considerável terre<strong>no</strong> à beira-mar,os telheiros que serviam de ofi cina, máquinas,ferramentas, utensílios e 28 escravos. Paramodifi car o quadro de pessoal e aumentar aespecialização dos empregados, Irineu trouxetrabalhadores <strong>da</strong> Europa. Os contratados de alémmarganharam o dinheiro <strong>da</strong> viagem até o <strong>Brasil</strong>,a garantia de que receberiam bom salário e acerteza de que teriam a passagem de volta.58


Mas tanto investimento não foi suficiente paraafastar as pedras do caminho. Transformar <strong>uma</strong>oficina semi-artesanal em indústria de ver<strong>da</strong>deexigia esforço extra. Sem contar que a matéria-primacustava caro e a manutenção dos equipamentosesbarrava na falta de peças. Mas a maior dificul<strong>da</strong>deveio após a entrega <strong>da</strong> primeira grande produção:os ca<strong>no</strong>s de ferro que serviram para canalizar o rioMaracanã. O gover<strong>no</strong>, primeiro cliente de porte,simplesmente não pagou a encomen<strong>da</strong>. Ao cobrarpelo serviço, Mauá ouviu dos liberais <strong>no</strong> poderque a Câmara do Rio de Janeiro “não dispunha deverbas para cobrir os gastos com a obra”. A <strong>no</strong>tíciatrouxe o fantasma <strong>da</strong> falência imediata. Para tentarfugir dela, a Ponta de Areia diversifi cou a produçãoe buscou clientes me<strong>no</strong>res, que pagassem à vista.Fabricou pregos, si<strong>no</strong>s, máquinas de serrar, peçaspara engenho de açúcar, guin<strong>da</strong>stes e molinetes.Quando <strong>no</strong> a<strong>no</strong> seguinte, em 1847, a mesmaCâmara dos Deputados que havia lhe negado opagamento inaugurou a ativi<strong>da</strong>de de “fi nanciadorade projetos industriais”, Irineu não pensou duasvezes e entrou com pedido de empréstimo. Maispor questões políticas do que por dúvi<strong>da</strong>s sobreseu potencial, o fi nanciamento lhe foi negado.Somente em 1848, depois de um <strong>no</strong>vo e conservadorMinistério assumir a Câmara, é que ele obteveaprovação, com unanimi<strong>da</strong>de, de um empréstimo de300 contos de réis com juros anuais de 6% e cincoa<strong>no</strong>s de carência até o início <strong>da</strong> primeira prestação.Para alívio ain<strong>da</strong> maior, ele fi nalmente recebeu peloencanamento do rio Maracanã. A Ponta de Areiainiciava assim seu apogeu, fi rmando-se como <strong>uma</strong>autêntica indústria – “a primeira digna desse <strong>no</strong>me<strong>no</strong> país”, de acordo com o biógrafo de Mauá,Jorge Caldeira.A litografia de P. Bertichen mostraum grupo de empresários e senhoras<strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de chegando para visitaro Estaleiro Ponta de Areia. Ao fundo,um dos vapores construídos naindústria de Mauá.59


UMA INDÚSTRIA DE PONTAAssentado na ban<strong>da</strong> oriental <strong>da</strong>Baía de Guanabara, na Ponta deAreia, em Niterói (Rio de Janeiro), oEstaleiro Mauá – fun<strong>da</strong>do em 1904 <strong>no</strong>mesmo local onde o barão de Mauáabrira o seu estaleiro em 1865 – éum empreendimento pioneiro e ummarco histórico na industrializaçãonão só do <strong>Brasil</strong> como também deto<strong>da</strong> a América Latina. Fun<strong>da</strong>do pelaCompanhia Comércio e Navegação(CCN), o Mauá – hoje Mauá-Jurong– é do<strong>no</strong> de recordes importantesna indústria naval brasileira, comoos primeiros navios petroleiros,frigoríficos, liners automatizadose plataformas de petróleoconstruídos <strong>no</strong> país. Necessitandode comunicação avança<strong>da</strong> parafalar com o <strong>Brasil</strong> e o mundo comquali<strong>da</strong>de e custos competitivos, oestaleiro resolveu o assunto com osserviços <strong>da</strong> Embratel.O Correio Mercantil de 8 de dezembro de1852 estampava um anúncio alardeando acapaci<strong>da</strong>de <strong>da</strong>quela que era a maior indústriado <strong>Brasil</strong> na época: “Ponta de Arêa esteestabelecimento nacional actualmente montadoa ponto de satisfazer a to<strong>da</strong>s as necessi<strong>da</strong>des dopaiz, em objectos dependentes de três ramos deindustria-fundição, machinismo e construçãonaval encarrega-se de fundir to<strong>da</strong> e qualquerobra, até o peso de sete tonela<strong>da</strong>s, em <strong>uma</strong> sópeça inteiriça (...) encarrega-se do fabrico deengenhos de vapor até a força de 70 cavallos (oque <strong>no</strong>s isenta <strong>da</strong> dependência estrangeria para aconstrução do machinismo para barcas até 140)”.Outro anúncio, do mesmo periódico, divulgavatambém os produtos que o estaleiro fabricava:“Caldeiras a vapor de todos os tamanhos emodelos, engenhos de serrar, guin<strong>da</strong>stes depatente de força singella e dobra<strong>da</strong>, molinetes,guinchos, bombas... e todo machinismo, tantopara uso em terra, como para o mar. Esse estaleiroconstrói embarcações de to<strong>da</strong>s as dimensões, tantode vela como de vapor, empregando-se as melhoresmadeiras do paiz...”.Nos textos, provavelmente escritos pelo próprioIrineu, os leitores fi cavam sabendo ain<strong>da</strong> que oestaleiro tinha “mais de 300 operários, entre osquaes <strong>uma</strong> porção de engenheiros machinistase mol<strong>da</strong>dores, tirados <strong>da</strong>s mais acredita<strong>da</strong>soffi cinas <strong>da</strong> Inglaterra e Escocia”.Na Ponta de Areia, foram construídos tambémengenhos de açúcar completos movidos a vapor(o que deixava a “primeira uni<strong>da</strong>de fabril do<strong>Brasil</strong>” bem mais efi ciente e permitia que a mãode-obraescrava pudesse enfi m ser dispensa<strong>da</strong>);pontes de ferro que poderiam ser monta<strong>da</strong>sem pouco tempo (entre as quais alg<strong>uma</strong>s <strong>da</strong>sque foram usa<strong>da</strong>s na pioneira Estra<strong>da</strong> União eIndústria); canhões de bronze utilizados pelaMarinha do <strong>Brasil</strong> nas lutas contra Oribes eRosas e <strong>no</strong> terrível confronto contra Sola<strong>no</strong> López,<strong>no</strong> Paraguai; bem como os então moder<strong>no</strong>s for<strong>no</strong>ssiderúrgicos e bombas de sucção.A indústria era dividi<strong>da</strong> em cinco ofi cinas:fundição de ferro, fundição de bronze, acessórios,construção naval e caldeiraria. De 1850 a 1861,ali foram produzidos 72 navios a vapor, váriosdeles postos em combates na “maldita guerra”(como a de<strong>no</strong>mi<strong>no</strong>u Irineu) contra o Paraguai;outros destinados à própria empresa de navegaçãoque Mauá estabeleceu <strong>no</strong> Amazonas, mais um deseus bem-sucedidos empreendimentos. Principaltrunfo e motivo de orgulho para seu do<strong>no</strong>,a Ponta de Areia funcio<strong>no</strong>u a todo vapor até1875, a<strong>no</strong> em que Irineu, já então agraciado como título de visconde, viu-se perseguido pela“tropa de choque” que o imperador D. Pedro IImantinha a seu serviço <strong>no</strong> Senado e foi obrigadoa vender a maior parte de suas empresas paracapitalistas estrangeiros.60


A fábrica de gásA Companhia de Iluminação a Gásdo Rio de Janeiro ocupava <strong>uma</strong> áreade 22 mil metros quadrados de <strong>uma</strong>região panta<strong>no</strong>sa do Rio de Janeiro,o chamado Alagado. Depois deproblemas iniciais, a administraçãoimpecável de Mauá fez com que afábrica se tornasse estável e lucrativa.Mesmo assim, em 1865, o industrialdecidiu vendê-la <strong>no</strong> mercado londri<strong>no</strong>e embolsou, com o negócio, mais de150 mil libras esterlinas. Com a ven<strong>da</strong>,a Companhia foi transforma<strong>da</strong> em TheRio de Janeiro Gaz Company Limited.Mais adiante, seria repassa<strong>da</strong> parabelgas e viraria a Société A<strong>no</strong>nyme duGaz que, por sua vez, foi compra<strong>da</strong> porPercival Farquhar, em 1904.RIO, A CIDADE-LUZAregião onde o estaleiro de Mauá despontouparecia estar mesmo destina<strong>da</strong> aos grandes.A Baía de Guanabara fazia parte <strong>da</strong> rota migratóriade imensas baleias francas que buscavam emsuas águas quentes um local para procriar. Tãonumerosas eram elas que os arpoadores do século17 encontraram ali um paraíso para a extraçãodo óleo que iluminava os lampiões e oratórios <strong>da</strong>sesquinas do Rio de Janeiro. Passando de intensa ainsana – cerca de 250 animais eram abatidos todosos a<strong>no</strong>s –, a pesca pre<strong>da</strong>tória <strong>da</strong> Ponta de Areiafaria com que as baleias fossem sumindo comocandeeiros apagando-se <strong>no</strong> alvorecer.O resultado foi que sua presença nasproximi<strong>da</strong>des de Niterói tor<strong>no</strong>u-se tão raraque, em 1850, ao saber que um grupo delasna<strong>da</strong>va em Copacabana, os cariocas – com opróprio imperador à frente – acorreram à entãoremota praia para apreciar o espetáculo, de tãodesacost<strong>uma</strong>dos que estavam com a cena. Como sumiço <strong>da</strong>s baleias, escasseou também seuóleo. Falência para os imprevidentes armadores,possibili<strong>da</strong>de de lucro para um industrial de idéiaslumi<strong>no</strong>sas. E produzir gás para levar luz às ruas doRio estava na lista dos possíveis empreendimentosde Irineu Evangelista de Souza.62


Antes dele, alguns já haviam tentado. Oprimeiro fora Antônio <strong>da</strong> Costa, que, apesar deter obtido a concessão de D. Pedro I em 1828,não conseguiu a verba necessária para suaempreita<strong>da</strong>. Em 1834, dois ingleses, CharlesGregg e William Grove, também receberam<strong>uma</strong> concessão, mas outra vez não chegarama iniciar as obras. Uma <strong>no</strong>va tentativa viriaem 1849, quando o então ministro Eusébio deQueirós abriu licitação para a contratação de<strong>uma</strong> empresa fornecedora de gás. Irineu foio vencedor. Mesmo sem ter <strong>uma</strong> companhiaorganiza<strong>da</strong>, assi<strong>no</strong>u contrato em 11 de maiode 1852. As operações de instalação <strong>da</strong> usinalogo se tornaram <strong>uma</strong> “ante-sala do infer<strong>no</strong>”.As primeiras difi cul<strong>da</strong>des começaram <strong>no</strong> localonde a fábrica foi instala<strong>da</strong>. Como era precisoestar perto do centro, Irineu adquiriu o mangueque circun<strong>da</strong>va a ci<strong>da</strong>de – o chamado Alagado.Só não sabia que o pânta<strong>no</strong> causaria grandesestragos. Com a chega<strong>da</strong> <strong>da</strong> febre amarela, olocal virou <strong>uma</strong> espécie de centro de reproduçãodo Aedes aegypti e, em me<strong>no</strong>s de dois meses,o mosquito devastou to<strong>da</strong> a sua equipe deprodução. Só o engenheiro-chefe escapou e,para que permanecesse na ativa, recebeusalário maior do que o pago aos ministrosbrasileiros. Não bastasse isso, o primeiro aterrofeito para receber a usina foi arrastado pelaschuvas e, com elas, foi-se mais dinheiro. Comoo contrato previa um preço fi xo para o serviçode iluminação pública, o aumento de custos erasinônimo de lucros me<strong>no</strong>res.Mas Irineu não esmoreceu e, em 25 de março de1854, chamou o povo às ruas para ver os primeiroslampiões – produzidos na Ponta de Areia –iluminando um <strong>no</strong>vo tempo. O Jornal do Commerciodescreveu a festa: “A iluminação a gás foi inaugura<strong>da</strong>ontem nas ruas Direita, Hospício, Ouvidor,Assembléia, Carioca, Arcos, Passeio e Largo do Paço.To<strong>da</strong>s foram toma<strong>da</strong>s por <strong>uma</strong> multidão maravilha<strong>da</strong>.As palavras eram poucas, mas <strong>uma</strong> observação eraouvi<strong>da</strong> por todos os lados: ‘Como puderam passartanto tempo sem esse melhoramento?’ Na ver<strong>da</strong>de, ocontraste entre os velhos candeeiros e a luz brilhantedos lampiões falava por si. (...) Até agora já foraminstalados 637 lampiões, um terço do total previsto<strong>no</strong> contrato”. A Cia. de Gás do Rio de Janeiro foivendi<strong>da</strong> aos ingleses.A antiga fábrica de gás construí<strong>da</strong> porMauá – ergui<strong>da</strong> <strong>no</strong> “aterrado” ondehoje está a Aveni<strong>da</strong> Presidente Vargas –é agora um prédio pichado, depre<strong>da</strong>doe sempre fechado. Ali se instalou oMuseu do Gás, cujo rico patrimônioraras vezes está aberto à visitação.63


As estra<strong>da</strong>s de ferroA Baronesa (acima) foi a pioneira<strong>da</strong>s locomotivas <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>. Trazi<strong>da</strong>para o país por iniciativa do barãode Mauá, ela soou seu apito pelaprimeira vez na ensolara<strong>da</strong> manhãde 30 de abril de 1854, percorrendo14 quilômetros em 20 minutos eenfim colocando <strong>no</strong>s trilhos o paísonde o trem chegara atrasado.O BRASIL ENTRA NOS TRILHOSAo mesmo tempo em que alavancava suausina de gás, Irineu Evangelista de Souzasonhava em colocar o país <strong>no</strong>s trilhos.O sucesso do sistema ferroviárioeuropeuera sua grande inspiração,enquanto <strong>uma</strong> lei, assina<strong>da</strong>em1835 pelo Regente Feijó,era o solo onde assentavaseus dormentes. A lei,que autorizava o gover<strong>no</strong>a conceder favores paraquem construísse “umcaminho de ferro ligandoo Rio de Janeiro às províncias de São Paulo eMinas Gerais” ain<strong>da</strong> não havia sido aproveita<strong>da</strong>como poderia. O atraso do <strong>Brasil</strong> em relação aospaíses industrializados se devia também às idéiasobtusas de políticos infl uentes, como o senador eministro Bernardo Pereira de Vasconcelos.“É estra<strong>da</strong> de ouro, não de ferro; carregará<strong>no</strong> primeiro dia do mês to<strong>da</strong> a produção e fi carátrinta dias ociosa”, dizia Pereira de Vasconcelos,reafi rmando certezas obsoletas em discursosinfl amados. No início de 1852, indiferente a taiscomentários, o futuro barão de Mauá solicitouà Assembléia Provincial do Rio de Janeiro umprivilégio de zona – a garantia de que não haveria<strong>uma</strong> ferrovia paralela – <strong>no</strong> trecho que ele pretendiaconstruir até Minas Gerais. O gover<strong>no</strong>, que nãoprecisaria investir um só tostão na empreita<strong>da</strong>,respondeu rapi<strong>da</strong>mente: <strong>no</strong> dia 27 de abril de1852, deu a Irineu Evangelista de Souza sinalpositivo para a <strong>no</strong>va investi<strong>da</strong>. A partir <strong>da</strong>í, nãofaltaram interessados em abraçar um negócioque já colocara o mundo civilizado <strong>no</strong> rumo doprogresso. Eram ingleses, políticos brasileiros ecomerciantes de origem portuguesa dispostos afi rmar socie<strong>da</strong>de com aquele que coman<strong>da</strong>va <strong>uma</strong>massa de dinheiro equivalente à metade do valorde to<strong>da</strong> a produção de café do país. O capital deIrineu somava <strong>uma</strong> quantia equivalente a doisterços <strong>da</strong> arreca<strong>da</strong>ção do imposto de importação,que, na época, era a maior fonte de ren<strong>da</strong> dogover<strong>no</strong>. Estar ao seu lado, portanto, era estar aolado de negócios lucrativos.A 29 de agosto de 1852, Irineu reuniu as maisimportantes autori<strong>da</strong>des do país para a cerimôniade inauguração <strong>da</strong>s obras de sua ferrovia. O local<strong>da</strong> festa foi o pasto <strong>da</strong> fazen<strong>da</strong> do comen<strong>da</strong>dorAlbi<strong>no</strong> José de Sequeira <strong>no</strong> distrito de Inhomerim,Rio de Janeiro. Os trajes de gala, em contrastecom as vestes simples dos operários, luziamao sol. Para inaugurar os trabalhos, o anfi triãoentregou a D. Pedro II <strong>uma</strong> pá de prata. Em um64


país onde o trabalho braçal era considerado <strong>uma</strong>to de desonra, o gesto foi <strong>uma</strong> espécie de rito depassagem. Depois de cavar três vezes a terra edespejá-la em um carrinho de jacarandá e prata, oimperador ain<strong>da</strong> empurrou o peque<strong>no</strong> veículo até olocal onde o entulho foi descartado. Uma <strong>no</strong>va erasoou seu apito inicial. Que todos saíssem <strong>da</strong> frente:o primeiro self-made man brasileiro cruzava comímpeto os caminhos do país.Mesmo com to<strong>da</strong> a animação que lhe eracaracterística, Irineu Evangelista de Souza logopercebeu que construir a ferrovia seria <strong>uma</strong>tarefa longa e sinuosa. O primeiro obstáculo foio paredão de 800 metros <strong>da</strong> Serra dos Órgãos,que precisou de muita engenharia e <strong>uma</strong> grandedose de otimismo para ser ultrapassado. Depoisvieram as torrentes de verão que traziamdeslizamentos de terra, os mosquitos queespalhavam febre e a burocracia <strong>da</strong>s repartiçõespúblicas que atrapalhava os avanços. Apesardos pesares, as obras seguiram em frente e, comas locomotivas inglesas de 16 vagões e parte dostrilhos assentados, <strong>no</strong> dia 30 de abril de 1854foi inaugura<strong>da</strong> oficialmente a primeira linhaférrea do <strong>Brasil</strong>.Os convi<strong>da</strong>dos de honra, entre eles D. Pedro II,embarcaram <strong>no</strong>s vagões especialmente decorados,mas a viagem, apesar de entusiástica, foi curta erápi<strong>da</strong>: 20 minutos para percorrer 14 quilômetrose meio de trilhos. Na volta, o público ouviu odiscurso do anfi trião: “(...) Hoje dignam-se VossasMajestades de vir ver correr a locomotiva veloz,cujo sibilo ecoará na mata do <strong>Brasil</strong> prosperi<strong>da</strong>dee civilização, marcando, sem dúvi<strong>da</strong> alg<strong>uma</strong>, <strong>uma</strong><strong>no</strong>va era. Seja-me permitido, Imperial Senhor,exprimir nesta ocasião solene um dos maisardentes anelos do meu coração: esta estra<strong>da</strong>de ferro, que se abre hoje <strong>no</strong> trânsito público,é apenas o primeiro passo de um pensamentograndioso. Esta estra<strong>da</strong>, Senhor, não deve parar,e se puder contar com a proteção de VossaMajestade, seguramente não parará senão quandotiver assentado a mais espaçosa de suas estaçõesna margem esquer<strong>da</strong> do rio <strong>da</strong>s Velhas”.Inaugura<strong>da</strong> com pompa ecircunstância, em 29 de marçode1858 (acima), a Estra<strong>da</strong> de FerroD. Pedro II foi projeta<strong>da</strong> para ser aespinha dorsal do <strong>Brasil</strong>. Percorrendoa Baixa<strong>da</strong> Fluminense em direção aovale do Paraíba, a ferrovia entrou emfuncionamento tendo 48 quilômetrosde extensão. Em 1860, chegou aosopé <strong>da</strong> Serra do Mar, seu principalobstáculo. Quatro a<strong>no</strong>s mais tarde,a D. Pedro II começou a transpora serra por meio de 13 túneis– um deles com dois mil metros decomprimento. Em 1888, a ferroviajá tinha mais de 800 quilômetrosde extensão. Com a proclamação<strong>da</strong> República, passou a se chamarEstra<strong>da</strong> de Ferro Central do <strong>Brasil</strong>.65


Para vencer o acentuadíssimoaclive entre a Baixa<strong>da</strong> Santista e oPlanalto Paulista, a São Paulo Railway– também conheci<strong>da</strong> como ferroviaSantos-Jundiaí, e mais tarde chama<strong>da</strong>simplesmente de “a Inglesa” –,precisou recorrer aos chamados“pla<strong>no</strong>s inclinados”: maquinariasgigantescas (abaixo) que “puxavam”a locomotiva e os vagões serra acima.Inaugurado em fevereiro de 1867, otrecho de 139 quilômetros custou 2,75milhões de libras.A resposta do imperador às palavras de Irineufoi curta, protocolar e anódina, na defi niçãode Jorge Caldeira. Ain<strong>da</strong> assim, D. Pedro IIcumpriu a promessa que fi zera ao ministro doImpério, visconde de Bom Retiro: naquele dia,Irineu Evangelista de Souza ganhou um título<strong>no</strong>biliárquico. O <strong>no</strong>me escolhido fazia referênciaà antiga de<strong>no</strong>minação do porto de Estrela, estaçãoinicial <strong>da</strong> ferrovia. Assim surgiu o barão de Mauá.O trem, um dos mais poderosos símbolos<strong>da</strong> Revolução Industrial, chegara atrasado ao<strong>Brasil</strong>. Mas quando veio, em meio à f<strong>uma</strong>ça e aosrangidos, fez soar o hi<strong>no</strong> rejubilante do progressoe <strong>da</strong> expansão econômica. Por isso, em 1855,me<strong>no</strong>s de um a<strong>no</strong> após a inauguração do trechopioneiro de Mauá, investir em linhas férreasentrou na ordem do dia, até porque os capitaisantes imobilizados <strong>no</strong> tráfi co de escravos estavamdisponíveis desde sua proibição em 1850. Então,enquanto o barão iniciava a expansão de suaprimeira linha e já pensava n<strong>uma</strong>segun<strong>da</strong>, o gover<strong>no</strong> anunciou quefaria sua própria ferrovia.A entra<strong>da</strong> do Estado <strong>no</strong> ramalferroviário iria decretar o fracassonão só <strong>da</strong> primeira ferrovia de Mauácomo também <strong>da</strong> primeira rodovia<strong>da</strong>s Américas, obra de Maria<strong>no</strong>Procópio (leia p. 68). A CompanhiaEstra<strong>da</strong> de Ferro D. Pedro II deveria,de acordo com o contrato, “partir<strong>da</strong> Corte, transpor a Serra do Mar ese dividir em dois ramais, um paraCachoeira, em São Paulo, e outro para Porto Novodo Cunha, limite do Rio com Minas Gerais”.O pla<strong>no</strong> era antigo: já em 1839, o médicoThomas Cochrane (descendente do “lobo do mar”Lorde Cochrane e patriarca, <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>, <strong>da</strong> família naqual nasceria Roberto Cochrane Simonsen) haviarequerido ao Senado licença para realizá-lo. Masaqueles trilhos não saíram do papel. Para concretizaros pla<strong>no</strong>s do Império foi então chamado EdwardPrice, re<strong>no</strong>mado empreiteiro inglês que exigiu“to<strong>da</strong>s as garantias, ganhos de porcentagem sobre osgastos, que não houvesse qualquer exigência técnicasobre seu trabalho e mais um salário fi xo”. A ironiaé que, para pôr em movimento aquela que, após aproclamação <strong>da</strong> República, passaria a se chamarEstra<strong>da</strong> de Ferro Central do <strong>Brasil</strong>, bem como paraarticular as operações internacionais necessáriasà aquisição de equipamentos, transferências deempréstimos e remessa de pagamentos, o gover<strong>no</strong>precisou recorrer a Mauá.Através do seu banco e <strong>da</strong>s suas relações,o barão era o único capaz de concretizar comeficiência transações fi nanceiras com a Inglaterra,bem como um dos poucos habilitados a li<strong>da</strong>r como humor dos ingleses. Por isso, em 1856, quandoEdward Price ameaçou abandonar o trabalho e asobras, alegando amadorismo na administração <strong>da</strong>ferrovia, só Mauá conseguiu acalmá-lo, assinando<strong>uma</strong> escritura pública em cartório e <strong>da</strong>ndo seu avalpessoal em <strong>no</strong>me do gover<strong>no</strong>. E assim, em 1858,a ferrovia projeta<strong>da</strong> para ser a espinha dorsal doscaminhos de ferro do <strong>Brasil</strong> teve seu primeiro trechoinaugurado. A ferrovia D. Pedro II transpôs a serra66


com treze túneis – um deles com dois mil metros –e em 1888 atingiu <strong>uma</strong> extensão de 828 quilômetros.A estra<strong>da</strong> de ferro imperial, <strong>no</strong> entanto, não foia única a exigir pesados investimentos e trilharcaminhos au<strong>da</strong>ciosos. Em 26 de abril de 1856,através do Decreto 1.759, o gover<strong>no</strong> autorizou oincansável Mauá, em socie<strong>da</strong>de com o marquêsde Monte Alegre e o conselheiro Pimenta Bue<strong>no</strong>,a constituir, em Londres, <strong>uma</strong> companhia paraa construção de <strong>uma</strong> estra<strong>da</strong> de ferro ligandoo porto de Santos à capital paulista e à vila deJundiaí. Assim nasceu a São Paulo Railway, querecebeu isenção fi scal e 90 a<strong>no</strong>s de mo<strong>no</strong>pólio.Essa linha férrea, claramente destina<strong>da</strong> a escoar aprodução de café e de açúcar, que ca<strong>da</strong> vez maisfaziam a riqueza de São Paulo, fi caria conheci<strong>da</strong>como Santos-Jundiaí. Com as obras iniciando-seem 1860, a linha férrea levaria oito a<strong>no</strong>s paraser concluí<strong>da</strong>, vencendo os abruptos abismos <strong>da</strong>Serra do Mar graças ao maior sistema de pla<strong>no</strong>sinclinados do mundo <strong>da</strong>quela época. Inaugura<strong>da</strong>em 16 de fevereiro de 1868, a Santos-Jundiaí foiresponsável por fazer de Santos o maior porto dopaís, colocando Mauá, mais <strong>uma</strong> vez, em posiçãode absoluto destaque na história <strong>da</strong> evoluçãoeconômica do <strong>Brasil</strong>. Em 1877, os dividendosanuais <strong>da</strong> São Paulo Railway – que já não maispertencia ao falido Mauá – chegavam a 7% ao a<strong>no</strong>.Pelo me<strong>no</strong>s nas linhas férreas, o <strong>Brasil</strong> percorriao caminho <strong>da</strong> moderni<strong>da</strong>de, embora a maiorparte <strong>da</strong>s ferrovias “nacionais” fosse, na ver<strong>da</strong>de,proprie<strong>da</strong>de de empresas britânicas.Por entre vales e valos, a Santos–Jundiaí estabeleceu a conexão entre azona produtora de café e o porto que oescoava. A foto de Marc Ferrez mostrao estacionamento <strong>da</strong>s locomotivas<strong>no</strong> lugar conhecido como “boca <strong>da</strong>Serra”. Em 1869, superando to<strong>da</strong>sas expectativas, a ferrovia já haviatransportado 70 mil passageiros emais de 78 mil tonela<strong>da</strong>s de carga.67


A Estra<strong>da</strong> União e IndústriaO SONHO DO COMENDADORMauá e Maria<strong>no</strong> Procópio foram dois pioneirosque viveram vi<strong>da</strong>s e percorreram viasparalelas – vi<strong>da</strong>s e vias que, ain<strong>da</strong> assim, vez poroutra, se cruzaram. Enquanto o barão diversifi couos negócios e investiu em ferrovias, o comen<strong>da</strong>dorconcentrou forças n<strong>uma</strong> companhia que traziaindústria até <strong>no</strong> <strong>no</strong>me. Ambos foram imortalizadosjunto ao porto do Rio de Janeiro. E se o <strong>no</strong>me dobarão de Mauá batizou a praça que durante a<strong>no</strong>sfoi a porta de entra<strong>da</strong> do <strong>Brasil</strong>, o comen<strong>da</strong>dorProcópio não se tor<strong>no</strong>u terminal rodoviário poracaso: a primeira rodovia brasileira foi obra dele.Filho de um abastado cafeicultor do coraçãomineiro, Maria<strong>no</strong> Procópio Ferreira Lage estudouna Europa e <strong>no</strong>s Estados Unidos. No admirávelmundo <strong>no</strong>vo <strong>no</strong>rte-america<strong>no</strong>, conheceu umi<strong>no</strong>vador processo de pavimentação de estra<strong>da</strong>s,ao mesmo tempo em que tomava contato com osistema de pedágio. No caso do pavimento, tratavasede <strong>uma</strong> descoberta do escocês Mac A<strong>da</strong>m,que consistia em misturar cascalho e piche pararevestir o leito de velhas rodovias. O processofoi “aportuguesado” para maca<strong>da</strong>me. Quanto aopedágio, Procópio descobriu que tanto poderiacobrar <strong>uma</strong> taxa de trânsito quanto exigir um valorpela carga transporta<strong>da</strong>. Ambas as idéias iam aoencontro de um antigo sonho de seu pai: construir68


um caminho para escoar o café. Maria<strong>no</strong> Procópioconcluiu então que era hora de voltar ao <strong>Brasil</strong> econcretizar os pla<strong>no</strong>s <strong>da</strong> família.Em abril de 1856, ele criou a Companhia Uniãoe Indústria, <strong>da</strong>ndo início às obras de <strong>uma</strong> estra<strong>da</strong>modelo, pioneira <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>. Recebeu <strong>uma</strong> concessãode 50 a<strong>no</strong>s para construir a rodovia – com recursospróprios – e explorá-la através de cobrança depedágio e serviços de transporte. As obras foramconduzi<strong>da</strong>s por imigrantes alemães e não utilizaramtrabalho escravo. Em 1861, os 144 quilômetros <strong>da</strong>Estra<strong>da</strong> de Ro<strong>da</strong>gem União e Indústria estavamconcluídos e a região viu sua eco<strong>no</strong>mia acelerar.Vieram as carruagens de diversos tipos e, ao longo<strong>da</strong> via, fl oresceram estabelecimentos comerciaise fabris. Grande quanti<strong>da</strong>de de ferro de Itabirado Mato Dentro foi usa<strong>da</strong> para garantir o bomfuncionamento <strong>da</strong> estra<strong>da</strong>. Nessa indústria do ire vir, to<strong>da</strong>s as engrenagens se encaixavam comperfeição, maravilhando o naturalista <strong>no</strong>rteamerica<strong>no</strong>Luís Agassiz, que, em visita ao <strong>Brasil</strong>,escreveu: “Esta estra<strong>da</strong> não cede lugar a nenh<strong>uma</strong>outra do mundo”.Em 1869, Maria<strong>no</strong> Procópio acabou deixandosua rodovia em segundo pla<strong>no</strong>, pois, convi<strong>da</strong>dopelo próprio imperador, assumiu a direção <strong>da</strong>Estra<strong>da</strong> de Ferro D. Pedro II. Permaneceu à frente<strong>da</strong> ferrovia até 1872, quando faleceu subitamente.Mas sua obra não foi em vão: impulsiona<strong>da</strong> pelaestra<strong>da</strong>, Juiz de Fora recebeu mais fazendeiros,comerciantes e industriais. Em 1882, o empresárioBernardo Mascarenhas instalou ali a primeirausina hidrelétrica <strong>da</strong> América do Sul e a célebreTecelagem Mascarenhas.Ain<strong>da</strong> é possível ver trechos <strong>da</strong> rodovia originalentremeados à atual BR-040. A suntuosa Villa,construção em estilo renascentista ergui<strong>da</strong> porMaria<strong>no</strong> Procópio em 1861 para hospe<strong>da</strong>r a famíliareal, virou museu e abriga grande acervo, adquiridopor seus descendentes. Prova de que a famíliacompartilhava a certeza de que união, indústria emoderni<strong>da</strong>de não constituem mera abstração.O comen<strong>da</strong>dor Maria<strong>no</strong> Procópio(acima, ao centro) fez a primeira rodovia<strong>da</strong>s Américas (acima, à direita), cujoleito maca<strong>da</strong>mizado era percorrido porelegantes diligências. Abaixo, <strong>uma</strong> <strong>da</strong>sações de sua companhia. Na página aolado, o “castelinho” de Procópio, <strong>no</strong>a<strong>no</strong> em que foi construído (acima) eatualmente, sede de um belo museu.69


O caféA SEMENTE AMARGA DO PROGRESSOSe ain<strong>da</strong> hoje há quem lamente o fato de o inglêsHenry Wickman ter subtraído <strong>da</strong> Amazônia,em 1876, as mu<strong>da</strong>s de seringueira que vingaramna Malásia e encerraram melancolicamente ociclo <strong>da</strong> borracha <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>, a ver<strong>da</strong>de é que nãofoi muito diferente a maneira como o café – <strong>uma</strong>riqueza vegetal de potencial ain<strong>da</strong> mais espetacular– chegou ao país. Em 1727, o oficial portuguêsFrancisco de Mello Palheta retor<strong>no</strong>u <strong>da</strong> GuianaFrancesa trazendo as primeiras mu<strong>da</strong>s <strong>da</strong> rubiáceaque iria mu<strong>da</strong>r a história do <strong>Brasil</strong> – econômica,política, social e ecologicamente. Palheta não roubouas mu<strong>da</strong>s: ganhou-as de presente de Ma<strong>da</strong>med’Orvilliers, mulher do governador de Caiena.Como a saí<strong>da</strong> de mu<strong>da</strong>s ou sementes de café estavaproibi<strong>da</strong>, certos pesquisadores consideram lícitojulgar que o aventureiro português recebeu “nãoapenas frutos, mas favores mais doces de ma<strong>da</strong>me”.De qualquer forma, não seria a partir do Pará– onde germi<strong>no</strong>u sem difi cul<strong>da</strong>de – que o cafése espalharia pelo restante do <strong>Brasil</strong>. Em 1781,o funcionário João Alberto de Castello Brancofoi transferido de Belém para o Rio de Janeiro etrouxe sementes consigo. A planta – que havia sidointroduzi<strong>da</strong> nas Américas pelo francês Gabrielde Clieu, em fi ns do século 16, através <strong>da</strong> ilha deMartinica, <strong>no</strong> Caribe – chegava então ao lugar apartir do qual teria sua <strong>no</strong>tável expansão.70


O mundo descobriu o poder do café na primeirametade do século 19. Só então o <strong>Brasil</strong> perceberia oquão doce lhe poderia ser o amargo grão. O centrode irradiação <strong>da</strong> cultura cafeeira foi a Baixa<strong>da</strong>Fluminense, <strong>no</strong>s arredores do Rio, de onde alavoura subiu a serra, atingindo as densas matasdo vale do rio Paraíba do Sul. Depois <strong>da</strong> libertação<strong>da</strong>s treze colônias <strong>no</strong>rte-americanas, em 1776, osEstados Unidos – sequiosos por café e dispostos ase afastar dos mercados dominados pela Inglaterra– passaram a importar o café brasileiro, em escalacrescente a partir de 1830.As florestas foram então implacavelmentederruba<strong>da</strong>s, quase um milhão de escravos veio <strong>da</strong>África e do Nordeste. Mais tarde, os grandes capitais(imobilizados a partir <strong>da</strong> proibição do tráfico deescravos em 1850) encontraram <strong>no</strong>va ocupação;<strong>no</strong>vas ci<strong>da</strong>des, <strong>no</strong>vas fortunas e <strong>no</strong>vos latifúndiosforam criados quase que <strong>da</strong> <strong>no</strong>ite para o dia. Entre1822 e 1830 – os oito primeiros a<strong>no</strong>s do <strong>Brasil</strong>independente –, o café respondia por apenas 18%do total <strong>da</strong>s exportações <strong>da</strong> nação que surgia. De1831 a 1870, tor<strong>no</strong>u-se responsável por mais de50%. Passou-se a dizer, então, que “o <strong>Brasil</strong> erao vale”, pois era às margens do Paraíba do Sulque se erguiam as grandes fazen<strong>da</strong>s e as maioresplantações. E foi justamente para escoar a produçãoque se instalaram, justo ali, as primeiras ferrovias– e até a primeira rodovia – construí<strong>da</strong>s <strong>no</strong> país.Consoli<strong>da</strong>do <strong>no</strong> poder, o imperador D. Pedro II sefi rmava como o “monarca do café”. A partir de 1871,o <strong>Brasil</strong> começou a colher cerca de cinco milhões desacas por a<strong>no</strong> – a metade <strong>da</strong> produção mundial.O café gerou <strong>uma</strong> <strong>no</strong>va classe social – e, aseguir, política. Também fez o país aparelhar osportos de Santos e do Rio de Janeiro – não apenaspara escoar milhões de sacas do produto comotambém para que neles pudessem desembarcar<strong>no</strong>vos “braços para o café”. Depois de ter sidoresponsável pelo aumento <strong>da</strong> escravidão, a lavourado café incentivaria a vin<strong>da</strong> dos trabalhadoresassalariados – e derrubaria o Império que aju<strong>da</strong>raa tornar fulgurante.Encerrado o período <strong>da</strong> “República <strong>da</strong> Espa<strong>da</strong>”– como se de<strong>no</strong>minaram os gover<strong>no</strong>s militares dosmarechais Deodoro <strong>da</strong> Fonseca e Floria<strong>no</strong> Peixoto, <strong>no</strong>poder de 1890 a 1894 –, os cafeicultores retomaramas rédeas <strong>da</strong> nação e, com a posse consecutiva detrês paulistas na Presidência, Prudente de Morais,Campos Sales e Rodrigues Alves, estabeleceram-se asbases <strong>da</strong> “República dos Fazendeiros” e os alicerces<strong>da</strong> “política do café-com-leite”. Até o golpe de Estadoliderado por Getúlio Vargas – que entraria para ahistória como a Revolução de 30 –, os rumos políticose econômicos do <strong>Brasil</strong> foram ditados pelo café.De todo modo, a partir de 1890, <strong>uma</strong>estreita conexão já se estabelecera entre café eindustrialização, pois não só a lavoura injetou muitodinheiro em São Paulo, como atraiu para lá doistipos bastante diferentes de imigrantes, muitos delesitalia<strong>no</strong>s: os operários (originalmente “braços para ocafé”) e os comerciantes, boa parte com grande ti<strong>no</strong>para os negócios. Ambos os grupos logo estariam,respectivamente, na base e <strong>no</strong> topo <strong>da</strong> cadeiaindustrial que se estabeleceu <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong> e enfi m tirouo país <strong>da</strong> lavoura e o levou para a ci<strong>da</strong>de.Originário <strong>da</strong> Abissínia (hoje Etiópia),o café é a baga do cafeeiro (Coffeaarabica), planta <strong>da</strong> família <strong>da</strong>srubiáceas que os árabes levaram paraa Índia e os italia<strong>no</strong>s introduziram naEuropa. Além do gosto peculiar, o cafélogo se popularizou mundialmentepor ser um poderoso excitante. Naver<strong>da</strong>de, revelou-se a droga idealpara o século que nascia: o século <strong>da</strong>máquina, <strong>da</strong> indústria, <strong>da</strong> veloci<strong>da</strong>de– e também do trabalho fabril. Mas emple<strong>no</strong> segundo milênio, o café ain<strong>da</strong>se mantém como <strong>uma</strong> <strong>da</strong>s bebi<strong>da</strong>sprediletas <strong>da</strong> h<strong>uma</strong>ni<strong>da</strong>de.71


A fazen<strong>da</strong> IbicabaPARCEIROS DO SENADOR VERGUEIRONicolau de Campos Vergueiro foi um homemenvolvido em grandes transições. Português,formado em Direito na Universi<strong>da</strong>de de Coimbra– integrante, portanto, <strong>da</strong> chama<strong>da</strong> “elitecoimbrã”, que desenhou os desti<strong>no</strong>s culturaisdo <strong>Brasil</strong> –, nasceu em 1778. Mas não seria só amu<strong>da</strong>nça do século 18 para o 19 que Vergueiroestava destinado a presenciar: em 1803 eletrocou a Metrópole pela Colônia e, na seqüência,ajudou o <strong>Brasil</strong> a se tornar um país independente.Um dos cinco únicos advogados de São Paulo efavorecido pela posição como juiz de direito, viroucomerciante e, a seguir, fazendeiro.Sua trajetória como senhor de terras, em Limeira,São Paulo, é exemplar <strong>da</strong> substituição <strong>da</strong> cana– que ele exportava pelo porto de Santos – pelo café.Vergueiro envolveu-se também na abdicação deD. Pedro I, em 1831, e foi membro <strong>da</strong> Regência TrinaProvisória. Mas o que realmente marcou sua vi<strong>da</strong> –acentuando ain<strong>da</strong> mais sua vocação para a “transição”– foi o fato de ele ter sido o primeiro a articular asubstituição <strong>da</strong> mão-de-obra escrava pelo trabalho deimigrantes. E mais: foi um dos pioneiros na introduçãode técnicas mecaniza<strong>da</strong>s na lavoura cafeeira. Suaexperiência na fazen<strong>da</strong> Ibicaba é, por isso, digna defigurar neste breviário <strong>da</strong> indústria <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>.72


74Durante os trinta a<strong>no</strong>s em que esteve <strong>no</strong> Senado– de 1823 a 1853 –, Vergueiro conciliou a políticacom seus empreendimentos agrícolas. Muitos livroso retratam como um homem liberal e libertário,mas tudo leva a crer que o senador, outrora ligadoao tráfico negreiro, virou o pioneiro a incentivara imigração devido ao encarecimento <strong>da</strong> mão-deobraescrava, resultante <strong>da</strong> repressão ao “infamecomércio”. Ao trazer famílias <strong>da</strong> Europa para SãoPaulo, portanto, não estava introduzindo colo<strong>no</strong>s,mas buscando “braços à lavoura”. A principal levade trabalhadores trazidos por ele – com recursospróprios – veio a partir de 1847. Eram imigrantesalemães e suíços com os quais foi lançado o sistemade parceria, batizado de “sistema Vergueiro”.O método começava com o imigrante contraindo<strong>uma</strong> dívi<strong>da</strong> inicial com o fazendeiro, referente aosgastos com a viagem e instalação. Chegando àfazen<strong>da</strong>, ca<strong>da</strong> família ficava encarrega<strong>da</strong> de umgrande número de pés de café. Vendi<strong>da</strong> a produção,cabia-lhe <strong>uma</strong> parte do lucro proporcional à colheita,ficando o restante com o proprietário <strong>da</strong> terra.A fórmula, de acordo com a historiografi a, revelou-sefun<strong>da</strong>mental durante um momento transitório comoaquele. Mas foi responsável também pela revoltados trabalhadores. Em 1857, os suíços <strong>da</strong> fazen<strong>da</strong>Ibicaba iniciaram um confl ito contra o sistema deparceria. O levante foi coman<strong>da</strong>do por ThomasDavatz, que <strong>no</strong> livro Memórias de um Colo<strong>no</strong> <strong>no</strong><strong>Brasil</strong> registrou a forma como os imigrantes eramtrazidos e tratados na fazen<strong>da</strong> de Vergueiro.Thomas Davatz foi um dos suíços trazidos a SãoPaulo para trabalhar em Ibicaba. Mestre-escola em


sua terra natal, ele não se a<strong>da</strong>ptou ao regime de <strong>uma</strong>fazen<strong>da</strong> onde a escravidão ain<strong>da</strong> se fazia presente.Como registrou o professor Rubens Borba de Moraes<strong>no</strong> prefácio <strong>da</strong> edição brasileira do livro de Darvatz,o suíço “tinha vindo em busca de <strong>uma</strong> vi<strong>da</strong> melhor,disposto a eco<strong>no</strong>mizar para adquirir um pe<strong>da</strong>çode terra”, mas logo percebeu que, em Ibicaba,seus anseios jamais seriam satisfeitos. A partir<strong>da</strong>í, liderou a revolta dos colo<strong>no</strong>s e, dominado pelapolícia, obteve licença para voltar à sua terra. Seulivro, portanto, não é <strong>uma</strong> obra imparcial, e, sim,como escreveu o editor, um “libelo acusatório de umcolo<strong>no</strong> contra o patrão”. De qualquer forma, a revoltade Davatz e seus seguidores marcou o fracasso e asupressão do “sistema Vergueiro”.Entre 1847 e 1856, a fazen<strong>da</strong> Ibicaba foipioneira em técnicas como o uso do arado nasplantações, a utilização de eixo móvel paracarroças e o emprego de motores a vapor emmáquinas de benefício. Como muitos imigrantesnão tinham vocação agrícola, mas eram excelentesartesãos, a ofi cina <strong>da</strong> fazen<strong>da</strong> passou a serfornecedora de máquinas e instrumentos paraoutras plantações <strong>da</strong> região. Ao todo, a Vergueiro& Cia. introduziu mais de três mil imigrantes<strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>. Mesmo assim, a imigração européiasó seria considera<strong>da</strong> um sucesso 50 a<strong>no</strong>s depois<strong>da</strong> tentativa de Vergueiro. Transitando entrea cana e o café, entre a política e a eco<strong>no</strong>mia,entre os escravos e os imigrantes, Nicolau deCampos Vergueiro fi rmou-se como <strong>uma</strong> fi guracontroversa, que morreu em 1859 sem ver o cafése transformar <strong>no</strong> “ouro verde” do <strong>Brasil</strong>.75


A Exposição de 1861A INDÚSTRIA SE EXIBESob os acordes épicos <strong>da</strong> “Marcha <strong>da</strong> Indústria”,composta por Carlos Gomes especialmente paraa ocasião, a I Exposição <strong>Nacional</strong> abriu suas portas<strong>no</strong> dia 2 de dezembro de 1861, <strong>no</strong> prédio <strong>da</strong> EscolaCentral, <strong>no</strong> Rio (à esquer<strong>da</strong>, acima). A mostrapioneira foi organiza<strong>da</strong> pela Socie<strong>da</strong>de Auxiliadora<strong>da</strong> Indústria <strong>Nacional</strong> e contou com o “apoiofi nanceiro e moral ple<strong>no</strong> do imperador D. PedroII”. Do corpo diretivo faziam parte o presidente <strong>da</strong>SAIN, marquês de Abrantes, o visconde de Itaboraí,o conde de Baependi e o barão de Mauá. O eventoreuniu 439 expositores e exibiu seis mil produtos,vindos de to<strong>da</strong>s as províncias do país. Emborao realce fosse <strong>da</strong>do “à indústria agrícola, fonteprincipal de <strong>no</strong>ssa riqueza”, o comitê organizador“admitiu a exposição de máquinas e instrumentosde fabricação estrangeira, apropriados a facilitare melhorar os processos <strong>da</strong> lavoura” (à esquer<strong>da</strong>,abaixo). D. Pedro II referendou a idéia: “A indústriaagrícola carece mais do que nenh<strong>uma</strong> outra destespoderosos incitamentos, destes meios eficazes depropagar as idéias úteis e ver<strong>da</strong>deiras. O isolamentoe a rotina são os inimigos naturais <strong>da</strong> cultura <strong>da</strong>terra. Vencê-los é a pacífica missão destas festassociais onde o estudo ostenta os prósperos resultadosde suas cogitações e as práticas viciosas se corrigemcom as iniciativas ousa<strong>da</strong>s do progresso”.76


A Guerra do ParaguaiA PRODUÇÃO NA LINHA DE FRENTEAs guerras muitas vezes são um bomnegócio. A Guerra do Paraguai – ou, maisapropria<strong>da</strong>mente, a guerra contra o Paraguai(1865-1870), o mais sangrento confronto bélico aeclodir em todo o globo entre 1815 e 1914 – foi, comcerteza, um bom negócio. Mas não para o Paraguainem para os membros <strong>da</strong> Tríplice Aliança, <strong>Brasil</strong>,Argentina e Uruguai. Para quem, então, o confl itofoi lucrativo? “Para o judeu Rothschild e seu colegacristão Barings”, sugere em tom controverso epolêmico o poema de Lord Byron, referindo-se aosdois banqueiros ingleses que liberaram vultososempréstimos para os dois lados em choque.Mas não se pode dizer que a guerra tenha sidoum mau negócio para a indústria brasileira – enão exatamente para “a indústria agrícola, fonteprincipal de <strong>no</strong>ssa riqueza”. A produção de armasdinamizou a fábrica de ferro de Ipanema, tirando-a<strong>da</strong> letargia. A produção de uniformes estimulou asfábricas têxteis do Nordeste. As indústrias químicae óptica receberam incentivos, e só o Arsenal <strong>da</strong>Guerra, <strong>no</strong> Rio, produziu 50 milhões de “cápsulasfulminantes” e 67 milhões de cartuchos, enquantoque o estaleiro <strong>da</strong> Ponta de Areia fez 26 naviosa vapor. Mas, como o próprio Mauá vaticinara aoeclodir o confl ito, “a maldita guerra será a ruína dovencedor e a destruição do vencido”. E assim foi.77


O algodãoAo ser comparado com o açúcar eo café, o algodão era chamado de“lavoura de pobre”. Cultiva<strong>da</strong> comtécnicas primitivas por peque<strong>no</strong>slavradores que não tinham capitalsuficiente para aprimorá-la, a matériaprima<strong>da</strong> indústria têxtil viu suaquali<strong>da</strong>de despencar por volta de1860, quando a exportação cresceue os produtores abandonaram odescaroçador de rolo, manual e portátil,para utilizar o de serra, america<strong>no</strong> ouinglês, que, embora arruinasse suasfibras, limpava o algodão muito melhore mais rapi<strong>da</strong>mente.AS TRAMAS DA INDÚSTRIAEle já fora domesticado – e era colhido etingido – pelos indígenas do Novo Mundomuito antes <strong>da</strong> chega<strong>da</strong> de Colombo. Os tupis ochamavam de amandiyn: planta que dá <strong>no</strong>velo.Mais do que isso, o algodão mostraria que <strong>da</strong>valucro. No fi nal do século 18, a indústria têxtilbrasileira tinha começado a se desenvolver graçasà abun<strong>da</strong>nte matéria-prima, ao crescente consumolocal e à Guerra <strong>da</strong> Independência dos EstadosUnidos (1775-1783). Foi quando Portugal tratou decortar as asas <strong>da</strong> colônia: por meio do alvará de 5de janeiro de 1785, D. Maria I mandou fechar asmanufaturas <strong>da</strong> colônia e queimar os teares, comobruxas na fogueira. Só as fábricas de pa<strong>no</strong>s grossosde algodão, que serviam para cobrir os corpos eas chagas dos escravos, puderam continuar emativi<strong>da</strong>de. Se algum país deveria produzir tecidosfi <strong>no</strong>s, era a Inglaterra, não o <strong>Brasil</strong>.Mas em 1786, por ironia, os ingleses – rompidoscom sua ex-colônia – compraram dois milhões delibras de algodão brasileiro para suas fábricas, eisso alavancou os negócios em tor<strong>no</strong> <strong>da</strong> planta que,de “lavoura de pobre”, passou a ser vista como <strong>uma</strong>espécie de “ouro branco”. A partir de 1808, quandoa Família Real se instalou <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>, vários fatoressomados tornariam o algodão – e os tecidos delederivados – um ótimo investimento.Primeiro, veio a abertura dos portos e os <strong>no</strong>vosalvarás assinados por D. João, que estimularam asmanufaturas brasileiras. Depois, em 1844, a TarifaAlves Branco estabeleceu a proteção alfandegáriaque deu impulso à indústria nacional. A partir<strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de 1850, as ferrovias facilitaram acirculação dos produtos e as modernas máquinasvin<strong>da</strong>s <strong>da</strong> Europa e dos Estados Unidos aju<strong>da</strong>ram a<strong>da</strong>r ain<strong>da</strong> mais força às fábricas de tecidos.Entre 1861 e 1865, outro estímulo importante:com a Guerra Civil Americana, o algodão brasileiroganhou espaço na Europa e foi produzido eexportado em larga escala. Quando o confl itoamerica<strong>no</strong> chegou ao fi m, os Estados Unidosvoltaram a exportar seu algodão – de melhorquali<strong>da</strong>de que o brasileiro – e a produção nacionalancorou <strong>no</strong>s portos. Quarto maior plantadormundial, o <strong>Brasil</strong> viu sua matéria-prima encalhar eo preço cair. Mas o que era para ser um problemavirou oportuni<strong>da</strong>de. Não fosse assim, BernardoMascarenhas não teria deixado a fazen<strong>da</strong> de suafamília em Minas Gerais justo em 1865 – a<strong>no</strong> emque a Guerra <strong>da</strong> Secessão termi<strong>no</strong>u – e tomadoo rumo <strong>da</strong> já consagra<strong>da</strong> fábrica de tecidos SãoLuiz, em São Paulo. Mascarenhas foi aprender, naprática, como se fazia <strong>uma</strong> indústria têxtil. E, <strong>no</strong>a<strong>no</strong> seguinte, viajaria aos Estados Unidos.78


Durante meses, o industrial visitou tecelagens<strong>no</strong>rte-americanas, observou técnicas deprodução e aprendeu a operar as máquinas quepretendia adquirir. Ao chegarem ao <strong>Brasil</strong>, seusequipamentos somavam 250 tonela<strong>da</strong>s e exigiramduzentos carros de bois para serem transportadosaté Juiz de Fora. Em 1871, Mascarenhas colocouem funcionamento sua Fábrica do Cedro, e osucesso foi tanto que logo sua família abriu maisduas uni<strong>da</strong>des, em Cachoeira e São Sebastião.Mas as primeiras indústrias têxteis brasileirasnão passavam de empresas familiares como a deBernardo Mascarenhas, proprie<strong>da</strong>des individuaisergui<strong>da</strong>s por visionários ou, <strong>no</strong> máximo, fábricascom um peque<strong>no</strong> número de sócios.Como o gover<strong>no</strong> imperial impunha <strong>uma</strong> sériede exigências aos que tentavam abrir socie<strong>da</strong>desanônimas, a maioria dos negócios acabava fechandoantes mesmo de abrir. Mas em 1872, a<strong>no</strong> em que aFábrica do Cedro iniciou sua produção em Minas,surgia também a Companhia Brazil Industrial<strong>no</strong> Rio de Janeiro, ti<strong>da</strong> como a pioneira entre associe<strong>da</strong>des anônimas do ramo têxtil. Instala<strong>da</strong> naFazen<strong>da</strong> dos Macacos, <strong>no</strong> distrito de Vassouras, Riode Janeiro, foi a primeira megafábrica do <strong>Brasil</strong>.O prédio de três an<strong>da</strong>res – erguido entre pés dealgodão, <strong>uma</strong> antiga casa-grande e <strong>uma</strong> senzalaque já não abrigava escravos – causava espanto efascínio. No térreo, três turbinas dividiam espaçocom esfarrapadeiras e máquinas de limpar algodão;<strong>no</strong> primeiro an<strong>da</strong>r, havia 400 teares ingleses; <strong>no</strong>segundo, máquinas catadoras e máquinas de fi açãopreparatórias; <strong>no</strong> terceiro, 24 mil fusos.A Brazil Industrial foi <strong>uma</strong> potência que semanteve como a maior fábrica têxtil do <strong>Brasil</strong>até 1880. E foi justo durante seu período áureoque, em outra fazen<strong>da</strong> do interior do Rio deJaneiro, surgiu aquela que, <strong>no</strong> século seguinte,se tornaria a principal empresa têxtil do país:a fábrica Pau Grande. Fun<strong>da</strong><strong>da</strong> em 1878, nafazen<strong>da</strong> de mesmo <strong>no</strong>me – assim chama<strong>da</strong> devidoa <strong>uma</strong> e<strong>no</strong>rme árvore –, a Pau Grande começoucom capital de 150 contos de réis, bem maismodesta que suas concorrentes. Mas logo chegoulonge por mérito de um de seus fun<strong>da</strong>dores, omédico e deputado pelo Partido Liberal AntônioFelício dos Santos. Servindo-se <strong>da</strong> energiahidráulica <strong>da</strong> região, usando mão-de-obra rural,a fábrica viu nascer a vila que depois seria omunicípio de Pau Grande.Em 1885, quatro a<strong>no</strong>s depois de Antônio Felícioter fun<strong>da</strong>do a Associação Industrial do <strong>Brasil</strong>(leia p. 88), a fábrica virou socie<strong>da</strong>de anônimae recebeu o <strong>no</strong>me de Companhia de Fiação eTecidos Pau Grande. Em 1891, aoadquirir a fábrica Cruzeiro, mudoua razão social para CompanhiaAmérica Fabril. Ao mesmo tempo,na Bahia, outras socie<strong>da</strong>desanônimas iam mostrando que aregião tradicionalmente algodoeiraain<strong>da</strong> tinha forças para competircom o centro do país. Era alique estavam a Companhia UniãoFabril <strong>da</strong> Bahia e a CompanhiaProgresso Industrial <strong>da</strong> Bahia.Motor <strong>da</strong> Revolução Industrial inglesa,as manufaturas têxteis também setornariam <strong>uma</strong> <strong>da</strong>s forças motrizes <strong>da</strong>eco<strong>no</strong>mia fabril brasileira por voltade 1880, como mostram os anúncios<strong>da</strong> época: em um deles (acima) o tearé alçado aos céus, enquanto o outrocelebra a “indústria nacional”.79


Bahia têxtilEm 1902, Luiz Tarquínio, já doente,enviou aos acionistas de sua empresaseu último manifesto. Disse ele: “Épreciso que o operário <strong>da</strong> CompanhiaEmpório Industrial do Norte veja nela<strong>uma</strong> mãe carinhosa e grata com queeles poderão contar <strong>no</strong>s momentosdifíceis...”. No dia 7 de outubro de1903, faleceu de insuficiência cardíaca.Todos os operários foram prestar aderradeira homenagem a “seu Luiz”,pranteado pela Bahia inteira.VALENÇA E O IMPÉRIO DE TARQUÍNIOABrazil Industrial, assim como a Fábrica doCedro, estavam estrategicamente coloca<strong>da</strong>sao lado de estações <strong>da</strong> Ferrovia D. Pedro II.Esse fato, além <strong>da</strong> proximi<strong>da</strong>de dos portos quedesembarcavam carvão para movimentar asmáquinas, fez com que Minas Gerais, Rio deJaneiro e São Paulo dessem origem a grandesfábricas de tecido. Mas a região-mãe <strong>da</strong> indústriatêxtil <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>, pela abundância de matéria-primae facili<strong>da</strong>de de mão-de-obra, sem dúvi<strong>da</strong> foi aBahia. Lá nasceu a fábrica Todos os Santos que,fun<strong>da</strong><strong>da</strong> em 1844 – a<strong>no</strong> <strong>da</strong> Tarifa Alves Branco –,consagrou-se, na época, como a primeira grandetecelagem do paíse a melhor doImpério. Tinha 176teares, 4.160 fusose chegou a 300operários – a maioriamulheres. Marco <strong>da</strong>industrialização baianacontemporânea, aTodos os Santos foia primeira indústrianacional movi<strong>da</strong> porenergia hidráulicae possuía for<strong>no</strong>s defundição, ofi cinas, barragem, comportas, canais,pontes e ro<strong>da</strong>s d’água localiza<strong>da</strong>s <strong>no</strong> subsolo. Em1887, a Todos os Santos virou Valença e, localiza<strong>da</strong>na ci<strong>da</strong>de de mesmo <strong>no</strong>me, foi a grande responsávelpelo progresso <strong>da</strong> região. A Valença possuía umbarco chamado “Industrial” que transportava oalgodão para a fábrica e que, ao retornar, levavanão apenas produtos como passageiros. Ain<strong>da</strong> emfuncionamento na Bahia, a Valença Têxtil divulgaem seu site ter sido responsável por 35% de todotecido fabricado <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>.Em 24 de julho de 1844, <strong>no</strong> mesmo a<strong>no</strong>e na mesma Bahia em que a fábrica Todos osSantos foi fun<strong>da</strong><strong>da</strong>, veio ao mundo um meni<strong>no</strong> de<strong>no</strong>me Luiz. Criado apenas pela mãe lavadeira,aos <strong>no</strong>ve a<strong>no</strong>s ele escolheu sozinho, sabe-se lápor quê, o sobre<strong>no</strong>me Tarquínio. De<strong>no</strong>minado“Mauá baia<strong>no</strong>” pelo historiador Pedro Calmon,Luiz Tarquínio, assim como o barão, começoua trabalhar cedo <strong>no</strong> comércio, virou caixeiroviajantee, antes de completar 20 a<strong>no</strong>s, tor<strong>no</strong>usesócio <strong>da</strong> empresa em que era empregado,<strong>no</strong> caso a Bruderer & Cia. Após viajar muitasvezes a Europa e Estados Unidos, trouxe de láexperiência e a vontade de construir <strong>uma</strong> fábricade tecidos <strong>no</strong>s moldes britânicos. Durante cincoa<strong>no</strong>s, entre o Encilhamento e o “enigma <strong>da</strong>80


involução industrial <strong>da</strong> Bahia”, Luiz Tarquínioplanejou sua empresa <strong>no</strong>s mínimos detalhes.Em 4 de março de 1891, juntamente comLeopoldo José <strong>da</strong> Silva e Francisco Rodriguesde Morais, Luiz Tarquínio fundou em BoaViagem a Companhia Empório Industrial doNorte. Importou equipamentos e peças isola<strong>da</strong>s<strong>da</strong> Inglaterra, Bélgica, Alemanha e EstadosUnidos e formou, segundo consta <strong>no</strong>s antigosarquivos <strong>da</strong> empresa, um complexo que possuía“<strong>no</strong> primeiro edifício já o salão branco ondese tecem especialmente pa<strong>no</strong>s brancos, ou comfi<strong>no</strong>s riscados de cores. Nesse ambiente delargas dimensões estão instalados 1.000 teares.Ao lado do salão branco, há sete enroladeirase dez urdineiras destina<strong>da</strong>s à embalagem dospa<strong>no</strong>s. Máquinas de liçar <strong>no</strong>s teares existem 14.Depois de teci<strong>da</strong>s, as fazen<strong>da</strong>s são umedeci<strong>da</strong>s,escova<strong>da</strong>s e lustra<strong>da</strong>s por quatro máquinas,em <strong>uma</strong> só operação. Cinco são as dobradeirase duas as prensas hidráulicas que integram oequipamento do salão branco. Em outro dosedifícios <strong>da</strong> fábrica está o salão de cor. Nele oque há de mais curioso é o arsenal destinadoa tinturar os fios de algodão”. Logo depoisde erguer sua indústria – que se manteria até1973, setenta a<strong>no</strong>s após a morte do fun<strong>da</strong>dor –,Luiz Tarquínio construiu <strong>uma</strong> vila operáriaque, durante muito tempo, foi considera<strong>da</strong>a maior obra social que a iniciativa priva<strong>da</strong>realizou. Isso aconteceu em 1892, um a<strong>no</strong> antesde Carlos Alberto Menezes, em Pernambuco,e Jorge Street, em São Paulo, iniciarem osestudos <strong>da</strong>s legislações do trabalho. A VilaOperária de Luiz Tarquínio possuía 258 casas,dispostas em oito quarteirões, armazéns deabastecimento, escola, teatro, salão de esportes,creche, açougue, farmácia, armazéns e lojade fazen<strong>da</strong>s para os operários. As ruas eramcimenta<strong>da</strong>s com ligeiro declive para escoamento<strong>da</strong>s águas pluviais e lava<strong>da</strong>s diariamente. Porcausa dos benefícios e do dinheiro investidona sua Vila, Luiz Tarquínio foi chamado desocialista por alguns e de louco por outros. Nãoera nem <strong>uma</strong> coisa, nem outra. Era, sim, o filhode <strong>uma</strong> mãe solteira e o neto de <strong>uma</strong> escrava.Um homem que jamais esqueceu suas origens enem se envergonhou delas.Máquinas têxtis na linha demontagem: as manufaturas dealgodão foram a base <strong>da</strong> RevoluçãoIndustrial na Inglaterra e não seriadiferente <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>. Na páginaà esquer<strong>da</strong>, imagem <strong>da</strong> fábricaValença, de Luiz Tarquínio, na Bahia;abaixo, o setor têxtil dos MoinhosSantista, em 1910.81


A grande imigraçãoO conselheiro Antônio <strong>da</strong> Silva Prado(1840-1929) foi um dos grandescafeicultores que passaram a investirtambém na indústria. Antes disso,porém, ajudou a criar e foi vicepresidente<strong>da</strong> Associação Auxiliadorade Colonização e Imigração Européia,que trouxe milhares de imigrantespara São Paulo (abaixo) para substituira mão-de-obra escrava.NOVOS BRAÇOS PARA O CAFÉAexpansão <strong>da</strong> lavoura cafeeira pelo vale dorio Paraíba do Sul coincidiu com o início <strong>da</strong>campanha abolicionista <strong>no</strong> Rio e em São Paulo.Por isso, os grandes cafeicultores <strong>da</strong> região logo sepreocuparam com a questão <strong>da</strong> mão-de-obra.A própria fun<strong>da</strong>ção do Partido Republica<strong>no</strong>Paulista, em 1873, esteve diretamente liga<strong>da</strong> àquestão. Mas o desti<strong>no</strong> dos escravos nunca chegoua ser tema relevante para os fazendeiros fi liadosao PRP. Tanto é que, em maio de 1885, quando sediscutia a Lei dos Sexagenários, o então deputadoPrudente de Morais (que dentro de dez a<strong>no</strong>s seriapresidente do <strong>Brasil</strong>) disse: “Em São Paulo aquestão principal não é <strong>da</strong> liber<strong>da</strong>de do escravo.A questão séria é a <strong>da</strong> substituição de seu trabalho.E desde que o gover<strong>no</strong> cure seriamentede empregar meios que facilitem aaquisição de braços livres, os paulistasestarão satisfeitos e podem abrir mãodos escravos, mesmo sem indenização,porque a ver<strong>da</strong>deira indenização estána facili<strong>da</strong>de de obter trabalhadoreslivres”. O discurso era claro: em troca<strong>da</strong> adesão à campanha abolicionista,o PRP exigia subsídios ofi ciais para aobtenção de braços livres: um programagovernamental de incentivo à imigração.Tal era a força econômica e política <strong>da</strong> elitecafeicultora que seu anseio não tardou em seratendido. Entre 1887 e 1888, <strong>uma</strong> série de acordose convênios assinados entre o <strong>Brasil</strong> e determinadospaíses europeus deu início à chama<strong>da</strong> “grandeimigração”: em dois a<strong>no</strong>s, 150 mil trabalhadoreschegaram ao <strong>Brasil</strong>, quase todos eles italia<strong>no</strong>sembarcados em Gê<strong>no</strong>va e desembarcados emSantos. Na maioria, eram camponeses pobresvindos <strong>da</strong> Lombardia e <strong>da</strong> Calábria e outraszonas rurais <strong>da</strong> Itália. Vinham com to<strong>da</strong> a família(imagem à esquer<strong>da</strong>), amontoados como bestas decarga em navios imundos. Chegavam em Santose eram logo enviados para a Hospe<strong>da</strong>ria dosImigrantes, em São Paulo. O local, de certa forma,funcionava como funcionara, <strong>no</strong> Rio, o mercadode escravos do Valongo: os imigrantes eram“examinados” pelos fazendeiros, e os escolhidosdiscutiam as condições sob as quais seriamcontratados – trato quase nunca respeitado peloempregador. Quando a mão-de-obra era escassa,os fazendeiros competiam entre si e os saláriossubiam: quando havia excedente de braços, oscontratos eram fi rmados por quantias irrisórias.Entre 1881 e 1890, 530 mil imigrantes entraram <strong>no</strong><strong>Brasil</strong>; os preços acor<strong>da</strong>dos se tornaram, portanto,bastante vantajosos para os fazendeiros.82


Uma vez contratados, os imigrantes seguiam paraos cafezais do Oeste Paulista – local que lhes fora“vendido” como um suposto Eldorado. A decepçãoera imediata: ca<strong>da</strong> família era força<strong>da</strong> a cui<strong>da</strong>r decerca de sete mil pés de café (anteriormente, a umúnico escravo eram “confi ados” seis mil pés, emjorna<strong>da</strong>s diárias de 14 horas) mais cinco ou seis“carpas” (como se chamava a estafante limpeza <strong>da</strong>lavoura para eliminar as ervas <strong>da</strong>ninhas) a ca<strong>da</strong>a<strong>no</strong>. Além disso, alojados em terras distantes, osimigrantes tinham que comprar os seus víveresna ven<strong>da</strong> do do<strong>no</strong> <strong>da</strong> fazen<strong>da</strong>, a preços extorsivos.Acabavam devendo mais do que recebiam. Certosfazendeiros os chamavam de “escravos brancos”,pois se o trabalho era pago, a mentali<strong>da</strong>decontinuava escravocrata.De 1891 a 1900 cerca de 1,2 milhão deimigrantes vieram para o <strong>Brasil</strong>. Não chega a sersurpresa o fato de 40% terem retornado ao seu paísde origem. Itália, Prússia e Espanha chegaram acancelar seus acordos com o <strong>Brasil</strong> – especialmenteporque aos imigrantes era veta<strong>da</strong> a possibili<strong>da</strong>de depermanecer nas ci<strong>da</strong>des: as articulações políticasdos fazendeiros os forçavam a ir para as lavouras.Uma vez lá, estavam impedidos, pela famigera<strong>da</strong>Lei de Terras, de 1850, de adquirirem proprie<strong>da</strong>desrurais – a não ser que pudessem pagar por milharesde hectares, o que evidentemente não podiam.O projeto de lei fora apresentado ao Conselho doImpério por Bernardo Pereira de Vasconcelos em1843, e sua aprovação impediu que os imigrantesvirassem colo<strong>no</strong>s, na medi<strong>da</strong> em que inviabilizou acompra e ven<strong>da</strong> de pequenas proprie<strong>da</strong>des.83


O charque e o couroNas planícies do Sul, a exploração dogado deu origem <strong>da</strong>s charquea<strong>da</strong>s(abaixo, em imagem de Debret) àindústria do couro (acima).A INDÚSTRIA VAI A CAMPODois séculos após a descoberta de Cabral, asvastas planícies do Sul do <strong>Brasil</strong> ain<strong>da</strong> eramterra de ninguém. Elas fi cavam <strong>no</strong> indefi nidolimite entre as possessões de Portugal e Espanha,<strong>no</strong>s confi ns meridionais <strong>da</strong> América. Foi ali que,entre 1610 e 1750, jesuítas espanhóis criaram os30 Povos <strong>da</strong>s Missões, agrupando milhares deguaranis. Com vastos ervais e e<strong>no</strong>rmes rebanhos,as chama<strong>da</strong>s reduções acabaram devasta<strong>da</strong>spelos bandeirantes paulistas. Os indígenas forammortos ou escravizados; os jesuítas fugiram eo gado espalhou-se pelo descampado, onde sereproduziu com <strong>no</strong>tável vigor.Distante dos pólos vitais <strong>da</strong> colônia – a zonaaçucareira do Nordeste e a região <strong>da</strong>s minas, <strong>no</strong>Sudeste –, o pampa entrou <strong>no</strong> mapa econômico do<strong>Brasil</strong> graças à exploração do gado, na forma <strong>da</strong>indústria de charque e couro.O charque começou a ser produzido por voltade 1780. O pioneiro na ativi<strong>da</strong>de foi o portuguêsJosé Pinto Martins, que, depois de viver <strong>no</strong> Ceará,fugiu <strong>da</strong> seca, mudou-se para o Sul e é tido como ofun<strong>da</strong>dor <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de de Pelotas, <strong>no</strong> Rio Grande doSul. Por meio <strong>da</strong>s tropas de mulas, o charque eralevado para Sorocaba (SP), e de lá seguia para as“minas gerais”, onde alimentava os escravos.Sua produção (que já chegava a 574 mil arrobasem 1805) vincula-se de tal forma à fi gura do gaúchoque a Revolução Farroupilha (de 1835 a 1845)eclodiu em função dos impostos sobre o charque,considerados salgados demais pela elite agráriado Sul. Já couro e gaúcho são quase sinônimos,pois “guasca” – tira de couro cru – também servepara defi nir o homem rude do campo. Mas quemtransformou o couro em <strong>uma</strong> afl uente indústriacalçadista foram os imigrantes alemães.84


A indústria calçadistaUM NEGÓCIO A PASSOS LARGOSAo longo de três séculos, usar sapatos, mais doque simples conforto ou mero sinal de status,foi sinônimo de liber<strong>da</strong>de <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>. Até 1888,só homens brancos – ou mulatos e negros livres– podiam an<strong>da</strong>r calçados. Os chamados “escravosde ganho” (aqueles que eram liberados paratrabalhar nas ruas e fazer serviços para terceiros)podiam até “vestir calças bem-postas, paletó develudo, portar relógio na algibeira, anel com pedra,chapéu-coco”, mas tinham que an<strong>da</strong>r descalços.Nem tamanco nem sandália – pés <strong>no</strong> chão: “Paradeixar bem exposto o estigma indisfarçável do seuestatuto de cativo”, diz o historiador Luiz Felipede Alencastro. Tanto era assim que anúncios sobrefuga de escravos eventualmente alertavam: “An<strong>da</strong>calçado para fi ngir que é forro”.Quando as primeiras levas de imigrantesalemães começaram a chegar ao vale do rio dosSi<strong>no</strong>s, na atual região metropolitana de PortoAlegre, a partir de 1824, muitos deles trabalhavamdescalços na lavoura. Ou, então, seu único parde botas se desfazia <strong>no</strong> ardor <strong>da</strong> labuta. Como oRio Grande do Sul era a maior região produtorade couro, e como a Alemanha natal <strong>da</strong>quelesimigrantes ostentava longa tradição na arte<strong>da</strong> sapataria (sendo o sobre<strong>no</strong>me Sch<strong>uma</strong>ker– literalmente, “fazedor de sapatos” – um dosmais comuns <strong>no</strong> país), a equação logo se articulou:primeiro vieram os curtumes e, a seguir, aindústria calçadista instalou-se <strong>no</strong> Sul.Mas havia outras complexi<strong>da</strong>des em jogo e,nesse sentido, a trajetória de Pedro A<strong>da</strong>ms Filho– pioneiro na implantação <strong>da</strong> indústria calçadista naregião do vale do Si<strong>no</strong>s, <strong>no</strong> Rio Grande do Sul – éexemplar. Foi em Dois Irmãos, ci<strong>da</strong>de vizinha a NovoHamburgo, que A<strong>da</strong>ms, nascido em Santa Clara doSul, Rio Grande Sul, em 1870, teve seu primeirocontato com o couro. Em 1888, depois de trabalharem um curtume e n<strong>uma</strong> correaria, abriu <strong>uma</strong>fabriqueta onde, com a aju<strong>da</strong> de 12 empregados,produzia arreios, selas, botinas, tamancos, chinelos,solas e sapatos. Dez a<strong>no</strong>s depois, <strong>no</strong> encalço <strong>da</strong>soportuni<strong>da</strong>des que chegavamcom a linha de trem, mudousepara Novo Hamburgoe lá, em 1901, fundou aFábrica de Calçados SulRio-Grandense. Com moldese máquinas modernas emais de 100 funcionários,a indústria de Pedro A<strong>da</strong>msdeu o primeiro passo de ummercado que não parou maisde avançar.Pedro A<strong>da</strong>ms Filho foi o pioneirode <strong>uma</strong> indústria que até hoje faza riqueza do vale do Si<strong>no</strong>s, <strong>no</strong> RioGrande do Sul. Para modernizar suafábrica de calçados, ele importoumáquinas <strong>da</strong> Alemanha e dos EstadosUnidos e trouxe técnicos uruguaiose italia<strong>no</strong>s que transformaram suaempresa em autêntica escola para asdemais. Nos a<strong>no</strong>s 1920, fabricava maisde 700 modelos de calçados diferentese a produção chegava a dois mil parespor dia. Para fornecer energia elétricaà ci<strong>da</strong>de e garantir o abastecimento<strong>da</strong> sua indústria, em 1927, fundou aEnergia Elétrica Hamburguesa Lt<strong>da</strong>.85


A indústria farmacêuticaVENDENDO SAÚDENa manhã de 22 de agosto de 1888, um velhode olhar difuso e bastas barbas brancas pisou,titubeante, na pedra do porto do Rio de Janeiro.D. Pedro II voltava <strong>da</strong> França, onde fora tratar <strong>da</strong>diabetes, <strong>da</strong> anemia e de problemas cardíacos.Tão logo pôs os pés <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>, o imperador deveter percebido que a abolição <strong>da</strong> escravatura– decreta<strong>da</strong> apenas dez semanas antes por suafi lha, a princesa Isabel – estava destina<strong>da</strong> a ser oúltimo suspiro de um regime moribundo.Mas se não havia remédio capaz de elevar oespírito do Império, já existiam medicamentosproduzidos <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong> que aju<strong>da</strong>vam a curar certosmales do corpo. A poma<strong>da</strong> Boro Borácica – ti<strong>da</strong> comoo primeiro produto farmacêutico industrializado do<strong>Brasil</strong> – era fabrica<strong>da</strong> desde 1882 pelo laboratórioDaudt. De proprie<strong>da</strong>des cicatrizantes e indica<strong>da</strong> para“ferimentos, brotoejas, assaduras e queimaduras emgeral”, a poma<strong>da</strong> era resultado de um caminho quese abrira em 1861, quando boticários e peque<strong>no</strong>sprodutores farmacêuticos participaram <strong>da</strong> Exposição<strong>Nacional</strong> <strong>da</strong> Indústria.A partir <strong>da</strong>quele evento, tido como um marco namodernização dos laboratórios, muitas boticas, queaté então apenas manipulavam fórmulas receita<strong>da</strong>s,deram entra<strong>da</strong> <strong>no</strong> processo industrial. Tanto é que,naquele dia de agosto de 1888, quando D. Pedro II86


desembarcou <strong>no</strong> Cais Pharoux, alguns laboratórios emplena fase de industrialização esperavam para saudálo.Em especial, a Farmácia Silva Araújo e a CasaGranado, que, localiza<strong>da</strong> em frente ao porto, estendeuum amplo cartaz com <strong>uma</strong> foto <strong>da</strong> família imperial.Fun<strong>da</strong><strong>da</strong> em 1870 pelo português José AntonioCoxito Granado, a Pharmacia Granado & Cia. erafornecedora oficial <strong>da</strong> Coroa e ponto de encontro <strong>da</strong>elite imperial. A partir de 1897, começou a produziras especiali<strong>da</strong>des e os produtos de beleza que antesimportava como Água Inglesa, Magnésia Fluí<strong>da</strong> eVinho de Qui<strong>no</strong>. Em 1903, o Polvilho Antisséptico,ain<strong>da</strong> <strong>no</strong> mercado, era seu maior sucesso. Já aFarmácia Silva Araújo, fun<strong>da</strong><strong>da</strong> em 1871 por LuizEduardo Silva Araújo, fazia medicamentos à basede extratos vegetais e era o local preferido para oencontro dos médicos <strong>da</strong> Corte.A chega<strong>da</strong> do século 20 traria o crescimentopopulacional nas grandes ci<strong>da</strong>des e aspossibili<strong>da</strong>des químicas dos tempos moder<strong>no</strong>s.Com isso, ambos os laboratórios aumentaram aprodução e o número de empregados. Em 1909,a Silva Araújo era, com seus 80 funcionários,<strong>uma</strong> <strong>da</strong>s indústrias do setor com maior número defuncionários, segundo <strong>da</strong>dos do recém-fun<strong>da</strong>doCentro Industrial do <strong>Brasil</strong>. Dividia o posto e omesmo número de empregados com o LaboratórioOrlando Rangel, fun<strong>da</strong>do em 1892 e que começaraproduzindo o Elixir de Noz de Kola.Em 1920, o primeiro censo ofi cial <strong>da</strong>indústria de medicamentos, realizado peloMinistério <strong>da</strong> Agricultura, Indústria e Comércio,registraria a existência de 455 estabelecimentosindustriais de “Especiali<strong>da</strong>des Pharmaceuticas”,que empregavam 1.680 pessoas. Destes, 49estabelecimentos haviam sido fun<strong>da</strong>dos antes de1889. A indústria química e farmacêutica eraentão o quarto setor industrial mais importantedo país, atrás apenas <strong>da</strong> indústria de alimentos,têxtil e de vestuário. Com injeções de grandesverbas e investimentos maciços em propagan<strong>da</strong>,a indústria farmacêutica foi incrementando suasaúde fi nanceira, tal e qual Jeca Tatu – o célebrepersonagem que em 1914 Monteiro Lobatotransformou em garoto-propagan<strong>da</strong> do não me<strong>no</strong>scélebre Biotônico Fontoura, produto que se tor<strong>no</strong>ucarro-chefe do Laboratório Fontoura.Na vira<strong>da</strong> do século 19 para o 20,tradicionais boticas do Rio deJaneiro, como a Granado e a SilvaAraújo, começaram a transformarem laboratórios farmacêuticos,produzindo medicamentos em escalaindustrial. A transformação teriasido estimula<strong>da</strong> pelas ExposiçõesIndustrais promovi<strong>da</strong>s pela Socie<strong>da</strong>deAuxiliadora <strong>da</strong> Indústria <strong>Nacional</strong>.Na imagem, o “galpão industrial” doLaboratório Silva Araújo em 1922.87


A Associação IndustrialAntonio Felício dos Santos é um dos<strong>no</strong>mes mais injustamente esquecidos<strong>da</strong> história do pensamento industrialbrasileiro. Principal mentor <strong>da</strong>Associação Industrial, cria<strong>da</strong> por eleem 1881, Felício pronunciou discursohistórico quando <strong>da</strong> fun<strong>da</strong>ção <strong>da</strong>socie<strong>da</strong>de, <strong>no</strong> qual afirmou que, emsua opinião, os “livre-cambistas”eram, na ver<strong>da</strong>de “os ver<strong>da</strong>deirosprotecionistas... dos estrangeiros”.No mesmo a<strong>no</strong> em que surgia aAssociação Industrial, a Socie<strong>da</strong>deAuxiliadora <strong>da</strong> Indústria <strong>Nacional</strong>promovia mais <strong>uma</strong> de suasexposições nacionais <strong>da</strong> indústria(diploma abaixo). Essa mostra reuni<strong>uma</strong>is de 20 mil produtos, enviados pormais de dois mil expositores.UMA ENTIDADE DE CLASSEEm fi ns de 1880, após a eclosão de ummovimento na indústria de chapéus (leiap. 124), <strong>uma</strong> circular assina<strong>da</strong> por 21 fi rmasindustriais conclamava para <strong>uma</strong> reunião “todosaqueles que se interessassem pelo desenvolvimentodo trabalho nacional”. No encontro, discutiramsequestões prementes como “a instabili<strong>da</strong>de <strong>da</strong>tarifa aduaneira, a necessi<strong>da</strong>de de um inquéritoindustrial” e, evidentemente, “a urgência de <strong>uma</strong>política para animar a indústria nacional”. Ficoudecidido então que seria fun<strong>da</strong><strong>da</strong> <strong>uma</strong> enti<strong>da</strong>depara a defesa dos interesses <strong>da</strong> classe. Poucos diasdepois, era cria<strong>da</strong> a Associação Industrial, cujadiretoria defi nitiva foi eleita <strong>no</strong> início de 1881.Os industriais estavamprontos para a luta, agorasob a liderança de AntônioFelício dos Santos.Mineiro de Diamantina– sobrinho do eméritohistoriador Joaquim Felíciodos Santos e do bispo JoãoAntônio dos Santos (do<strong>no</strong><strong>da</strong> empresa têxtil Biribiry),Felício era médico, mas depoisde mu<strong>da</strong>r para o Rio tor<strong>no</strong>u-sesócio-fun<strong>da</strong>dor <strong>da</strong> indústriade tecidos Pau Grande (leia p. 79). Deputado peloPartido Liberal de 1867 a 1886, iria se fi rmar comoo porta-voz dos interesses industriais <strong>no</strong> Senado.A Associação Industrial partiu para aofensiva e em 1882 divulgou um manifestoredigido por Felício dos Santos, um dosdocumentos básicos para se conhecerem asidéias que animavam o movimento inicial emprol <strong>da</strong> industrialização do <strong>Brasil</strong>. Era umlibelo contra todos aqueles que, “por convicçãoou por interesse, queriam condenar o <strong>Brasil</strong> apermanecer um país essencialmente agrícola”,bem como um ataque ao “romantismo <strong>da</strong> posiçãoliberal dos poetas-eco<strong>no</strong>mistas”. A argumentaçãode Felício dos Santos fun<strong>da</strong>mentava-se nacerteza de que, com a industrialização, o <strong>Brasil</strong>não só obteria sua independência econômicacomo resolveria seus maiores problemas, poisatrairia braços e capitais estrangeiros, ocuparia<strong>uma</strong> população urbana desocupa<strong>da</strong> que poderiasuscitar <strong>uma</strong> questão social, livraria o país <strong>da</strong>vulnerabili<strong>da</strong>de de <strong>uma</strong> eco<strong>no</strong>mia mo<strong>no</strong>cultorae, abastecendo o mercado inter<strong>no</strong>, diminuiria aimportação, aliviando a balança comercial. Coma República, Felício seria ministro do gover<strong>no</strong>de Floria<strong>no</strong> Peixoto e, por um breve período,conseguiria colocar suas idéias em prática.88


A aboliçãoO FIM DE UMA INFÂMIAAlei tinha apenas dois artigos. Fora redigi<strong>da</strong>por um calígrafo famoso, em um pergaminhofi níssimo. A princesa assi<strong>no</strong>u-a com <strong>uma</strong> penade ouro craveja<strong>da</strong> de brilhantes, adquiri<strong>da</strong> porsubscrição popular e usa<strong>da</strong> aquela única vez.O artigo primeiro dizia: “É declara<strong>da</strong> extinta aescravidão <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>”. O artigo segundo estabelecia:“Revogam-se as disposições em contrário”. Odespojamento radical do texto não disfarçava – talvezapenas reforçasse – a complexi<strong>da</strong>de brutal queantecedera (e sucederia) a aprovação <strong>da</strong> Lei Áurea.A luta pela abolição <strong>da</strong> escravatura <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong> – únicanação independente que, na aurora do século 20,ain<strong>da</strong> possuía escravos – fora a mais longa, complexae tortuosa de to<strong>da</strong>s as campanhas jamais leva<strong>da</strong>s acabo <strong>no</strong> país. Arrastara-se por 80 a<strong>no</strong>s e envolverato<strong>da</strong> a nação, desven<strong>da</strong>ndo-lhe as complexi<strong>da</strong>des,omissões e incertezas.Firma<strong>da</strong> <strong>no</strong> rebuscado pergaminho, a belaassinatura <strong>da</strong> princesa Isabel teve o poder delibertar, naquele 13 de maio de 1888, os 723.719escravos ofi cialmente existentes <strong>no</strong> país, mas nãoo de sanar <strong>uma</strong> questão social tão grave e tãoantiga. Três séculos de escravidão – durante osquais mais de 4,5 milhões de escravos haviamsido trazidos para o <strong>Brasil</strong> – não seriam riscadoscom um mero autógrafo num papel, por maisrequintado que ele fosse; por mais sucinto edireto que o texto <strong>da</strong> lei se revelasse. Mas se nãofoi capaz de apagar um passado sombrio, a LeiÁurea iria abalar de vez os alicerces do regimeimperial, assentados <strong>no</strong> braço escravo e na grandelavoura. Dali a 18 meses o <strong>Brasil</strong> deixaria de sera única monarquia <strong>da</strong>s Américas – e a luta pelaindustrialização entraria em <strong>uma</strong> <strong>no</strong>va etapa,embora ain<strong>da</strong> estivesse longe do fi m.De sua fun<strong>da</strong>ção, em 1827, atéa proibição do tráfico, em 1850,a Socie<strong>da</strong>de Auxiliadora <strong>da</strong>Indústria <strong>Nacional</strong> manteve <strong>uma</strong>posição ambivalente com relação àescravidão. A partir de 1871, porém,após a aprovação <strong>da</strong> Lei do VentreLivre, uniu-se à causa abolicionista e,como <strong>no</strong> anúncio publicado em 1888pela indústria têxtil Samuel & Filhos(acima), saudou a abolição.89


A BELLE ÉPOQUEINDUSTRIAL


A República e o EncilhamentoO maior articulador militar do golperepublica<strong>no</strong> foi o tenente-coronelBenjamin Constant. Professor dematemática e pacifista, Constant eraadepto do positivismo – a doutrinafilosófica cria<strong>da</strong> pelo francês AugusteComte, considera<strong>da</strong> <strong>uma</strong> espécie de“religião sem Deus”, que propunhaa construção de <strong>uma</strong> socie<strong>da</strong>de“mais evoluí<strong>da</strong>”. Os símbolosrepublica<strong>no</strong>s – a bandeira, o hi<strong>no</strong>, asefígies – foram todos de inspiraçãopositivista, inclusive o lema “O amorpor princípio, a ordem por base, oprogresso por fim”. Os gover<strong>no</strong>sde Deodoro e Floria<strong>no</strong> tiveramcunho positivista e deram apoio àindústria. Abaixo, a mulher e as filhasde Constant costuram a primeirabandeira nacional republicana.CHEGAM OS TEMPOS MODERNOSTrês grupos uniram-se para articular a que<strong>da</strong>do Império: os militares, a maioria delesvetera<strong>no</strong>s <strong>da</strong> Guerra do Paraguai, insatisfeitoscom os baixos soldos e a pouca atenção <strong>da</strong><strong>da</strong>à classe por D. Pedro II; os cafeicultorespaulistas, insatisfeitos com as indefi nições <strong>da</strong>política econômica, com o peso dos impostos e ocentralismo <strong>da</strong> corte instala<strong>da</strong> <strong>no</strong> Rio, e, por fi m,cama<strong>da</strong>s <strong>da</strong> classe média urbana, insatisfeitascom a carestia, o compadrio e os privilégios <strong>da</strong>selites. A questão é que a insatisfação, se não oúnico, era um dos poucos pontos em comum entretrês segmentos bastante distintos.Embora tenha passado à história com o <strong>no</strong>mede Proclamação <strong>da</strong> República, oque ocorreu em 15 de <strong>no</strong>vembrode 1889 foi um golpe militar quedestituiu o gover<strong>no</strong> constitucionalde D. Pedro II. O regime, de todomodo, já vinha emitindo sinaisde senili<strong>da</strong>de – similares, aliás,ao do próprio imperador, já umtanto debilitado.Por isso, não foi precisomuito mais do que um desfi lede tropas – sem luta e sem tiros– para que o regime caísse. Tãologo o Império ruiu, <strong>no</strong> entanto, fi cou claro que osvelhos problemas políticos e econômicos não setinham ido com ele. Pelo contrário. A pressão emdefesa dos interesses agrários – basicamente o doscafeicultores –, <strong>uma</strong> antiga e voraz política fi scal,o permanente desequilíbrio <strong>da</strong> balança comerciale a necessi<strong>da</strong>de ca<strong>da</strong> vez mais gritante de protegera nascente indústria nacional pareciam constituiros enunciados de <strong>uma</strong> equação insolúvel.O próprio Império bem que havia tentado,em 1887, através <strong>da</strong> chama<strong>da</strong> Tarifa Belizário,sinalizar com <strong>uma</strong> política econômica de amparoà produção nacional. Mas o projeto acabou, mais<strong>uma</strong> vez, deixando-se pautar pelos interesses dofi sco, e a proteção alfandegária centrou-se emprodutos agropecuários como charque, arroz e milho.Os industriais não deixaram de demonstrar seudescontentamento com <strong>uma</strong> tarifa que, dentre outrascoisas, aumentava os direitos sobre os fios de algodãoe de juta ao mesmo tempo em que reduzia o dos sacosimportados, para favorecer os cafeicultores.Assim, quando o emérito Ruy Barbosaassumiu a pasta <strong>da</strong> Fazen<strong>da</strong> em janeiro de 1890anunciando um <strong>no</strong>vo “pacote” de medi<strong>da</strong>seconômicas, a indústria achou que enfi m chegaraa sua vez. Mas o país ain<strong>da</strong> não estava preparadopara os <strong>no</strong>vos tempos.92


Dentre as freqüentes atribulações <strong>da</strong> políticaeconômica brasileira, poucas foram tão controversasquanto o “Encilhamento” – como ficou conheci<strong>da</strong> asérie de decretos baixa<strong>da</strong> por Ruy Barbosa, ministro<strong>da</strong> Fazen<strong>da</strong> do gover<strong>no</strong> provisório do marechalDeodoro. Ruy era intelectual de primeira grandeza,do<strong>no</strong> de <strong>uma</strong> biblioteca formidável (a maior do país)e principal responsável pela Constituição aprova<strong>da</strong>em 1891. Como eco<strong>no</strong>mista, porém, não se podedizer que tenha sido bem-sucedido.Tudo começou com a assinatura do decretonº 165, de 17 de janeiro de 1890. Com ele, ogover<strong>no</strong> liberou as instituições bancárias paraemitir dinheiro, lastreado apenas por bônusgovernamentais, e não por fundos de reservas.Foram lançados <strong>no</strong> mercado 450 mil contos –o dobro <strong>da</strong> quantia então em circulação <strong>no</strong> país.Na ver<strong>da</strong>de, o decreto foi baixado justamente parasuprir a ausência crônica do “meio circulante”(quanti<strong>da</strong>de de moe<strong>da</strong> em circulação <strong>no</strong> país).Desde o Império era evidente que não haviapapel-moe<strong>da</strong> suficiente para suprir as necessi<strong>da</strong>desimpostas pelo trabalho assalariado, realizado pormais de um milhão de escravos libertos e imigrantesrecém-chegados, e me<strong>no</strong>s ain<strong>da</strong> para promovera industrialização que tanto interessava ao <strong>no</strong>voregime. Em tese, portanto, a <strong>no</strong>va medi<strong>da</strong> estavacorreta. A questão é que o decreto incentivavatambém a criação de socie<strong>da</strong>des anônimas eliberava amplamente o crédito. Surgiu, assim, a idéiade que a República seria o “rei<strong>no</strong> dos negócios”.Desencadeou-se <strong>uma</strong> corri<strong>da</strong> desenfrea<strong>da</strong> às bolsasde valores, e os bancos faziam “chover” dinheiro.Milhares de empresas –muitas delas fi ctícias – surgiram<strong>da</strong> <strong>no</strong>ite para o dia. A especulaçãoatingiu níveis estratosféricos.A enlouqueci<strong>da</strong> disputa pelapreferência dos investidores <strong>no</strong>spregões foi logo identifi ca<strong>da</strong>com o encilhamento dos cavalosantes <strong>da</strong> larga<strong>da</strong> <strong>no</strong> prado –instante <strong>no</strong> qual a ativi<strong>da</strong>de dosapostadores se torna frenética.E foi assim que o povo batizou o“pacote”. Em me<strong>no</strong>s de um a<strong>no</strong>,a “bolha” especulativa estourou.Muitas ações não tinham lastroou correspondência monetária –eram títulos falsos de empresasfantasmas. No início de 1891, acrise eclodiu: o preço <strong>da</strong>s açõesdespencou; a infl ação e o custo devi<strong>da</strong> dispararam; a falência atingiucentenas de empresas e bancos;o desemprego veio em massa, o valor <strong>da</strong> moe<strong>da</strong>brasileira em relação à libra despencou. O projetodo industrialista Ruy Barbosa gerara <strong>uma</strong> febreespeculativa <strong>no</strong>civa à eco<strong>no</strong>mia produtiva. Como país mergulhado <strong>no</strong> caos, o ministro se demitiu.Ain<strong>da</strong> assim, houve pontos positivos, pois graçasao decreto surgiram as chama<strong>da</strong>s Companhias deMelhoramentos, dentre as quais a de São Paulo,cria<strong>da</strong> pelo coronel Antonio Proost Rodovalho(leia p. 126), e a do porto de Santos, pertencenteao grupo Gaffrée, Guinle & Cia.Apesar do altíssimo grau deespeculação – que levou osinvestidores a se reunirem em frenteàs casas bancárias (imagem acima),comportando-se como apostadores <strong>no</strong>turfe –, os decretos que deram origemao Encilhamento foram responsáveistambém pelo surgimento de fortunase empreendimentos sólidos, comoo grupo Votorantim e a CompanhiaMelhoramentos de Santos, quepertencia ao avô de Roberto Simonsen.93


Docas de SantosFun<strong>da</strong><strong>da</strong> em 1532, São Vicente foi aprimeira vila do <strong>Brasil</strong>. O pioneirismose deveu à localização estratégica ea seu bom porto. Em 1541, porém, talporto já se encontrava assoreado, eo colo<strong>no</strong> Brás Cubas fundou a Vila deSantos, na mesma ilha do litoral de SãoPaulo. Com o passar dos a<strong>no</strong>s, o portode Santos iria se firmar como o maisimportante do país: o porto do açúcar,do café, dos imigrantes italia<strong>no</strong>s,sírios, japoneses; o porto <strong>da</strong> indústriapaulista, desde os tempos <strong>da</strong> foto deMarc Ferrez (abaixo) ao <strong>da</strong> CompanhiaDocas de Santos (abaixo à direita),repleto de carregadores de café.UM PORTO PARA O CAFÉUm dos raros desdobramentos produtivosdecorrentes do e<strong>no</strong>rme fluxo de capitalespeculativo liberado pelo Encilhamento foi amodernização do porto de Santos. Embora o projetotenha se iniciado ain<strong>da</strong> durante o Império, em12 de julho de 1888 – exatos dois meses após aabolição <strong>da</strong> escravatura –, quando o grupo lideradopor Candido Gaffrée e Eduardo Guinle ganhouconcorrência pública para construir (e explorar por90 a<strong>no</strong>s) o porto do café, foi graças ao “pacote”industrialista de Ruy Barbosa que Guinle e Gaffréeobtiveram o dinheiro para fi nalizar a obra.Em fi ns de 1890, favorecidos peloEncilhamento, os dois magnatas puderam elevarseu capital de quatro mil para 15 mil contos,criando a Empresa de Melhoramentos do Portode Santos. No a<strong>no</strong> seguinte, a fi rma transformouseem socie<strong>da</strong>de anônima e passou a se chamarCompanhia Docas de Santos, com sede <strong>no</strong> Rio.Inaugurado em 1892, o porto não parou de seexpandir, vinculando-se a todos os ciclos decrescimento econômico do país. Açúcar, café,algodão, laranja, adubo, carvão e soja passarampor um cais que, até hoje, movimentou mais de umbilhão de tonela<strong>da</strong>s de cargas diversas.Em 1980, com o fi m <strong>da</strong> concessão <strong>da</strong>Companhia Docas de Santos, o Gover<strong>no</strong> Federalcriou a Companhia Docas do Estado, empresa deeco<strong>no</strong>mia mista, de capital majoritário <strong>da</strong> União.Atualmente, o porto de Santos movimenta 60milhões de tonela<strong>da</strong>s por a<strong>no</strong>, número inimaginávelem 1892, quando operou 125 mil tonela<strong>da</strong>s.94


O porto do RioUMA PORTA PARA A MODERNIDADEJá possuindo porto para escoar café para ummundo progressivamente sequioso por cafeína,o <strong>Brasil</strong> precisava de <strong>uma</strong> porta de entra<strong>da</strong> paraimigrantes, capitais e tec<strong>no</strong>logia. A questão é queo caos imperava <strong>no</strong> cais do Rio de Janeiro. Alémde ineficiente e defasado, era um porto insalubre,assombrado pela febre amarela, a varíola e a pestebubônica. Por isso, em 12 de <strong>no</strong>vembro de 1902,a três dias de sua posse como o quinto presidenterepublica<strong>no</strong>, Rodrigues Alves confidenciou a <strong>uma</strong>migo, antes de deixar São Paulo e pegar o tremque o levaria para a capital: “Meu projeto de gover<strong>no</strong>é muito simples. Vou limitar-me ao saneamento doRio de Janeiro e à melhoria de seu porto”.A aparente simplici<strong>da</strong>de do projeto disfarçavagrandes ambições e implicava e<strong>no</strong>rmes obras.Tratava-se, na ver<strong>da</strong>de, de um pla<strong>no</strong>tríplice, articulado em tor<strong>no</strong> de objetivosconvergentes: reurbanizar o Rio, modernizarseu porto antiquado e sanear <strong>uma</strong> ci<strong>da</strong>de febril.A capital deixaria assim de ser “o túmulo dosestrangeiros” para virar a vitrine vistosa de umpaís pronto para o século que nascia.Por ordem do presidente, Oswaldo Cruzenfrentou a Revolta <strong>da</strong> Vacina, caçou ratos emosquitos e saneou a capital; Paulo de Frontinconstruiu a belíssima Aveni<strong>da</strong> Central (hoje RioBranco) – na qual se instalaram, entre outros,Guinle, Gaffrée, Jorge Street e Percival Farquhar –;e Francisco Bicalho fez o porto. O <strong>Brasil</strong> se abriapara a moderni<strong>da</strong>de, enquanto os industriaisarticulavam <strong>uma</strong> <strong>no</strong>va enti<strong>da</strong>de de classe.Emoldura<strong>da</strong> por montanhas vesti<strong>da</strong>sde verde e praias de areias faiscantes,a ci<strong>da</strong>de do Rio de Janeiro é <strong>uma</strong> <strong>da</strong>smais belas do mundo. Apesar disso,não dispunha de um bom porto. Foipreciso esperar quatro séculos paraque ele fosse construído. As obrasse iniciaram em 1904, como partedo pla<strong>no</strong> de reurbanização <strong>da</strong> entãocapital do <strong>Brasil</strong>. Inaugurado em1907, atualmente é um dos terminaismais movimentados do país, tantoem valor <strong>da</strong>s mercadorias quantona tonelagem. Administrado pelaCompanhia Docas do Rio de Janeiro,e com quase sete mil metros de cais,o porto do Rio exporta ferro,manganês, carvão, gás e petróleo.95


O Centro Industrial do <strong>Brasil</strong>Pode-se afirmar que o CentroIndustrial do <strong>Brasil</strong>, o CIB,descendente em linha direta <strong>da</strong>SAIN, foi a primeira enti<strong>da</strong>depatronal <strong>da</strong> história do país dedica<strong>da</strong>integralmente à defesa dos interessesindustriais. No CIB agrupou-se aprimeira e brilhante geração deindustrialistas brasileiros, na qual sedestacaram Sezerdelo Correia, L.R.Vieira Souto e Américo Cavalcanti.Mas o membro mais proeminente <strong>da</strong>socie<strong>da</strong>de sem dúvi<strong>da</strong> foi o <strong>no</strong>távelJorge Street (acima, em me<strong>da</strong>lhaho<strong>no</strong>rária cunha<strong>da</strong> pela <strong>CNI</strong>), queocupou a presidência do CIB de1919 a 1926.UM SINDICATO PARA A INDÚSTRIAEm fi ns de 1901, pouco fôlego restava àSocie<strong>da</strong>de Auxiliadora <strong>da</strong> Indústria <strong>Nacional</strong>.Forma<strong>da</strong> pelos chamados “monarquistas deescol”, a SAIN pouca atenção recebia do regimerepublica<strong>no</strong> – <strong>no</strong> poder há mais de <strong>uma</strong> déca<strong>da</strong>.Pouca atenção... e dinheiro nenhum. Tanto é que aEscola Noturna – meritória contribuição <strong>da</strong> SAINà nação – fechara as portas em 1892. Mas então,<strong>no</strong> início de 1902, o paraense I<strong>no</strong>cêncio SezerdeloCorreia assumiu a presidência <strong>da</strong> SAIN e nãosó deu-lhe sobrevi<strong>da</strong>, como em agosto de 1904articulou sua fusão com o Centro de Tecelagem eFiação de Algodão. Pilar do pensamento industrialbrasileiro, ministro (em 1893) <strong>da</strong> Indústria eComércio do gover<strong>no</strong> de Floria<strong>no</strong> Peixoto, Sezerdeloseria o último presidente <strong>da</strong> SAIN – e o primeirodo Centro Industrial do <strong>Brasil</strong>, como passou a sechamar a organização surgi<strong>da</strong> <strong>da</strong>quela fusão.Naquele 10 de agosto de 1904, o Centro deTecelagem e Fiação tinha mais alcance e dinheirodo que a depaupera<strong>da</strong> SAIN. Mas pode-se afi rmarque foi o arcabouço institucional <strong>da</strong> SAIN queprevaleceu e fez germinar a semente do CentroIndustrial do <strong>Brasil</strong>. E sendo o CIB o núcleooriginal <strong>da</strong> Federação Industrial do Rio de Janeiro,e estando a FIRJ tão presente na gênese <strong>da</strong> <strong>CNI</strong>, élicito apontar na longa e difícil trajetória <strong>da</strong> SAIN ocaminho que viria a resultar <strong>no</strong> nascimento <strong>da</strong> <strong>CNI</strong>.Além do mais, antes de fi liar-se ao CIB, foi àSAIN que Jorge Street se associou em 1900. E,como se verá, Street seria, junto com o injustamenteesquecido Sezerdelo Correia, fi gura de proa <strong>da</strong>chama<strong>da</strong> primeira geração de industrialistasbrasileiros. Além disso, foi Jorge Street quem levoupara o CIB Eduardo Guinle e Cândido Gaffrée,que emprestaram os mil contos de réis que deram oimpulso inicial à enti<strong>da</strong>de. Pouco importa que Guinlee Gaffrée tenham feito tal empréstimo pensando emservir-se do CIB para atacar o chamado “sindicatoFarquhar”, do magnata america<strong>no</strong> PercivalFarquhar (leia p. 110). O fato é que, com homenscomo Sezerdelo e Street à frente – e contandocom o apoio <strong>da</strong>s maiores fortunas empresariais deentão –, os industriais brasileiros enfi m possuíam<strong>uma</strong> enti<strong>da</strong>de de classe à altura de seus anseiose projetos. E mais ain<strong>da</strong> quando, em 1912, JorgeStreet assumiu a presidência do CIB e, pela primeiravez, levou <strong>uma</strong> enti<strong>da</strong>de patronal brasileira areconhecer o direito de organização dos operários.Tão profun<strong>da</strong> foi a mu<strong>da</strong>nça que, em 9 de julho de1919, quando os estatutos do CIB foram modificados,um dos <strong>no</strong>vos artigos assegurava que, dentre osobjetivos <strong>da</strong> associação, estava “promover acordos eentendimentos entre patrões e empregados”.96


A FIBRA DE JORGE STREETJorge Street cost<strong>uma</strong>va dizer que haviaabandonado a carreira de médico por um simplesmotivo: não podia cobrar dos pobres porqueeram pobres, nem dos ricos porque eram seusamigos. Nascido <strong>no</strong> Rio de Janeiro em 1863, comformação européia e amizades com os milionáriosCandido Gaffré e Eduardo Guinle, o doutorStreet trocou o consultório pelo chão de fábricaaos 31 a<strong>no</strong>s, ao her<strong>da</strong>r do pai – engenheiro queviera <strong>da</strong> Áustria para a construção de estra<strong>da</strong>sde ferro – ações <strong>da</strong> fábrica de sacaria de juta SãoJoão, <strong>no</strong> Rio de Janeiro.Quando ele iniciou sua carreira industrial,em 1896, o saco de aniagem era um grandenegócio: o produto embalava as tonela<strong>da</strong>s degrãos de café que abarrotavam os portos e osbolsos do <strong>Brasil</strong>. Aliando esse bom momentoà vontade de prosperar ain<strong>da</strong> mais, Streetpassou a investir em <strong>no</strong>vas empresas têxteis.Em 1908, comprou a maior parte <strong>da</strong>s ações <strong>da</strong>Fábrica Santana – já transforma<strong>da</strong> em socie<strong>da</strong>deanônima e batiza<strong>da</strong> de Companhia <strong>Nacional</strong>de Tecidos de Juta (CNTJ) – do conde ÁlvaresPenteado. Com a aquisição, transferiu asmáquinas <strong>da</strong> São João, <strong>no</strong> Rio, para a CNTJ, <strong>no</strong>Brás paulista. A partir <strong>da</strong>í, constituiu um potenteparque industrial que operava com um conjuntode 15 mil fusos e 1.500 teares. Foi também do<strong>no</strong><strong>da</strong>s fábricas Santa Luíza, Santa Heloísa, Cia.Paulista de Tecidos de Algodão e – aquela quelhe deu mais orgulho – Maria Zélia.Mas a maior marca de Street não foiimpressa nas facha<strong>da</strong>s de suas empresas:suas convicções carimbaram <strong>uma</strong> época. Numtempo em que o <strong>Brasil</strong> oscilava entre deveres edireitos, ele abriu diálogo e causou polêmica.Nos jornais, enquanto publicava artigos emdefesa <strong>da</strong> indústria nacional e do protecionismoalfandegário, defendia o direito à greve, comoa de 1917: “O direito de reunião e o direito degreve são tão incontestáveis que não admitemdiscussão”. Suas palavras não agra<strong>da</strong>ram atodos, mas foram suficientes para que ele fosseconsiderado um “patrão sem igual”. Jorge Streetfoi também chamado de paternalista, tartufo,poeta, burguês e socialista. Ao longo dos seus76 a<strong>no</strong>s de vi<strong>da</strong>, mostrou que fibra não lhefaltava, fosse para embalar café, fosse paraenfrentar seus adjetivos ou seus adversários.Homem esguio e longilíneo, em geralvestido de preto, com chapéu e barba,Jorge Street passeia em frente à igrejaque ele próprio mandou construir emsua Vila Maria Zélia, em domingo defesta, em 1919. Figura controversa– eventualmente quixotesco, mas emgeral bastante pragmático –, Streetse tor<strong>no</strong>u o primeiro líder industrialdo <strong>Brasil</strong> a reconhecer os direitossindicais dos operários, emboratambém tenha se mostrado contráriotanto à abolição do trabalho infantilcomo às férias remunera<strong>da</strong>s.97


A guerra <strong>da</strong> sacariaO industrial Jorge Street era um dosprincipais empresários <strong>da</strong> sacaria.A juta utiliza<strong>da</strong> em suas fábricas eraimporta<strong>da</strong>, principalmente, <strong>da</strong> Índia.Mais do que qualquer outro setortêxtil, a indústria de aniagem tinhaestreitas ligações com o setor cafeeiroe ensacava o produto que, dos ombrosdos trabalhadores, era embarcadopara suprir o mercado internacional.OS SENHORES DA JUTAEnquanto Jorge Street pensava <strong>no</strong> coletivo,sugerindo contratos conjuntos de trabalhoe a criação de <strong>uma</strong> legislação trabalhista, oconde Antonio Álvares Penteado pensava em si.Tanto que na socie<strong>da</strong>de anônima que criou, 99%<strong>da</strong>s ações pertenciam a ele próprio. Apesar <strong>da</strong>sdiferenças, os caminhos de Street e de Penteado seenlearam como as tramas de um saco de juta. Masnão sem soltar fi os, não sem formar nós, não semdeixar furos. O confl ito entre ambos entraria para ahistória como “a guerra <strong>da</strong> sacaria”.O conde Álvares Penteado possuía imensasfazen<strong>da</strong>s de café na região paulista de CasaBranca. Quando decidiu investir na indústria,pensou em fun<strong>da</strong>r <strong>uma</strong> fábrica de papel. Nãoapenas por seu vínculo com o café, comotambém devido às vantagens ofereci<strong>da</strong>s pelogover<strong>no</strong> nas tarifas de importação sobre os fi osde juta, mudou de idéia e optou pela indústriade aniagem. Com o dinheiro colhido em suaslavouras, o conde fundou, em 1888, a fábricapaulista Santana, concorrente <strong>da</strong> carioca SãoJoão, manufatura que a família Street haviamontado um a<strong>no</strong> antes.A Santana começou bem me<strong>no</strong>r do quea São João. No início, possuía apenas 50teares contra os 274 <strong>da</strong> concorrente. Após deza<strong>no</strong>s, <strong>no</strong> entanto, a fábrica do conde ÁlvaresPenteado já operava com 600 teares, tinha 1.300empregados, produzia 14 milhões de metrosde tecidos e era a terceira maior indústria dopaís. Em dezembro de 1907, em meio a taisnúmeros, Jorge Street iniciou <strong>uma</strong> série denegociações para unir sua fábrica à do conde.Os diálogos e cálculos em prol do mo<strong>no</strong>pólio <strong>da</strong>sacaria acabaram não resultando em na<strong>da</strong>. Masa frustra<strong>da</strong> fusão acabaria se transformando em<strong>uma</strong> tratativa de ven<strong>da</strong>.98


Em janeiro de 1908, enquanto negociavam aSantana, Penteado transformou sua fábrica emsocie<strong>da</strong>de anônima e a rebatizou de Companhia<strong>Nacional</strong> de Tecidos de Juta (CNTJ). Nove mesesdepois, os dois empresários enfi m chegaram aum acordo e, por 13 mil contos de réis, emitidosem debêntures e subscritos por Candido Gaffré,Jorge Street tor<strong>no</strong>u-se do<strong>no</strong> <strong>da</strong> CNTJ. Pelo laudode avaliação de bens, sua aquisição totalizava45 mil metros quadrados, numerosos edifícios,900 teares e capaci<strong>da</strong>de de produzir cincomil quilos de fi os por dia. A fábrica tambémoperava com <strong>uma</strong> linha férrea em conexão coma São Paulo Railway, além de encanamento deágua para a conservação dos motores e ótimainstalação de luz elétrica.Mas nem bem havia terminado de transferiros equipamentos <strong>da</strong> São João para a CNTJ, Streetpercebeu que seu adversário não saíra de campo.O conde Álvares Penteado, já com a licença <strong>da</strong>prefeitura de São Paulo em mãos, construía, naMooca, <strong>uma</strong> outra fábrica de tecidos de juta:a Companhia Paulista de Aniagens. Quandoela fi cou pronta, Penteado tratou de abor<strong>da</strong>rpessoalmente sua antiga clientela e iniciou <strong>uma</strong>intensa propagan<strong>da</strong>. Divulgava que sua <strong>no</strong>vafábrica oferecia me<strong>no</strong>res preços, maiores prazose melhor quali<strong>da</strong>de do que as similares – leiaseJorge Street. Diante <strong>da</strong> ofensiva, Street abriu<strong>uma</strong> ação judicial por per<strong>da</strong>s e <strong>da</strong><strong>no</strong>s contrao adversário. Este, por sua vez, contratou RuyBarbosa para defendê-lo. O processo se arrastoupor a<strong>no</strong>s sem vencedor.O que se sabe é que, além <strong>da</strong>s desavenças ediferenças com o conde, Jorge Street participoude outras lutas de mercado. Foi inclusive acusadode mo<strong>no</strong>polizar a importação de juta <strong>da</strong> Índia,fretando navios inteiros durante a I Guerra. Essaatitude fez com que o industrial recebesse maisum dos tantos adjetivos que lhe acompanharamao longo de sua vi<strong>da</strong>: virou o senhor do “Trust<strong>da</strong> Sacaria”. Com a CNTJ crescendo sem parar emo<strong>no</strong>polizando o mercado, a acusação não chegoua manchar sua reputação. Para a imprensa e seustantos outros admiradores, ele continuaria sendo“um gigante”.Foi em <strong>uma</strong> fazen<strong>da</strong> de café, <strong>no</strong> interior deSão Paulo, que nasceu, em 1884, AntônioÁlvares Penteado. Apreciador <strong>da</strong>s artes,ergueu um teatro dentro <strong>da</strong> sua fábrica ejamais perdeu o ar aristocrático.99


As vilas operáriasA Vila Maria Zélia foi um modelo deorganização que oferecia, além demoradia para os operários <strong>da</strong> fábricade Jorge Street, creche, escola,farmácia, sapataria, restaurante, clube,salão de baile e igreja. Transforma<strong>da</strong>em logradouro público, o conjunto decasas e o traçado urba<strong>no</strong> foi tombadopor órgãos de preservação estaduais emunicipais, mas a revitalização <strong>da</strong> vilanão se concretizou e vários prédioscontinuam abandonados.O DIA-A-DIA DE MARIA ZÉLIAMuito mais do que fusos e teares, Jorge Streetimplantou na Companhia <strong>Nacional</strong> de Tecidosde Juta <strong>uma</strong> política social. Ele duvi<strong>da</strong>va que <strong>uma</strong>boa produção – que incluía fi xação e formação demão-de-obra – dependia de ação social sistemáticana vi<strong>da</strong> de seus trabalhadores. Sua certeza mesclavainfluências do marxismo com idéias advin<strong>da</strong>s dosindicalismo germânico, fruto <strong>da</strong> época em queestu<strong>da</strong>ra H<strong>uma</strong>ni<strong>da</strong>des na Alemanha. A partirdessa cultura, ele formou as bases que sustentaramo projeto <strong>da</strong> Vila Maria Zélia, iniciado em 1912 econcluído em maio de 1917.Em 1892, o baia<strong>no</strong> Luiz Tarquínio jáhavia erguido um impecável bairro para seustrabalhadores. Outras empresas como a Cia.Petropolitana, Confi ança, Aliança e Corcovadoconstruíram, junto às fabricas, casas de moradiapara os funcionários. Quando a Maria Zélia foiprojeta<strong>da</strong>, portanto, a vila operária brasileiranão era <strong>uma</strong> <strong>no</strong>vi<strong>da</strong>de. O <strong>no</strong>vo não estava em seuformato, mas em sua fi losofi a, representa<strong>da</strong> pelafi gura de Jorge Street.Para ele, a vila não significava o mesmoque para os outros industriais: não era apenas<strong>uma</strong> maneira de atenuar conflitos sociais eimpor um “código de conduta”. Street queria ser<strong>uma</strong> espécie de “patrão-pai” e acreditava queboas condições de vi<strong>da</strong> resultariam em melhorprodutivi<strong>da</strong>de <strong>no</strong> trabalho. Ansiava formar<strong>uma</strong> grande família, uni<strong>da</strong> pelas engrenagens<strong>da</strong> justiça e do direito social. E discor<strong>da</strong>va<strong>da</strong> teoria de Henry Ford na qual o industrialdeveria apenas prover a subsistência material,moral e intelectual de seus operários, sementretanto ser o seu tutor.Ao procurar o local para erguer <strong>uma</strong> fábrica,os empreendedores <strong>da</strong> época levavam emconta fatores como o baixo preço do terre<strong>no</strong>, aproximi<strong>da</strong>de com a ferrovia e a facili<strong>da</strong>de delocomoção do operariado. Justamente por isso,para a Maria Zélia, Jorge Street escolheu o bairroBelenzinho, na zona leste de São Paulo, e ali,às margens de um Tietê ain<strong>da</strong> limpo, assumiupessoalmente a chefi a e execução do projeto.1000


Vale salientar que, a partir de 1900,a construção de habitações populares nasproximi<strong>da</strong>des <strong>da</strong>s fábricas tor<strong>no</strong>u-se um negóciolucrativo, pois <strong>uma</strong> lei passou a garantir isençãode imposto para os que realizassem as obras <strong>da</strong>svilas. A mesma lei determinava ain<strong>da</strong> que essasconstruções fossem ergui<strong>da</strong>s fora do perímetrourba<strong>no</strong>. No Belenzinho, Jorge Street fi ncou osalicerces <strong>da</strong> Vila Maria Zélia sobre cinco pilastras:educação, saúde, religião, lazer e moradia.Ofereceu escolas e creches para os fi lhos dosoperários; implantou assistência médica; celebroufestas religiosas; organizou bailes, passeios, jogos eteatro. Havia diferentes tipos de casas, que iam de74 a 91 metros quadrados. O aluguel, descontadona folha de pagamento, variava conforme otamanho: 25 mil réis pela casa de dois cômodos,35 mil pela de três e 45 mil pela de quatro. Havia<strong>uma</strong> taxa igual para todos, de oito mil réis, pelo uso<strong>da</strong> água; e, ca<strong>da</strong> casa tinha o seu próprio medidorde energia elétrica.Depois de ter sido vendi<strong>da</strong> aos Scarpa em1924 e repassa<strong>da</strong> aos Guinle como pagamento dehipotecas venci<strong>da</strong>s em 1929, a fábrica e a VilaMaria Zélia viraram patrimônio público. O Estadoapropriou-se delas como pagamento de dívi<strong>da</strong>sfi scais e, em 1939, negociou alguns prédios coma Goodyear. Atualmente, o que sobrou do sonhode Street jaz em ruínas. Apesar de a prefeitura terassumido a responsabili<strong>da</strong>de pela revitalização <strong>da</strong>vila, o único local preservado é a capela São José.Ali, os moradores rezam para que alg<strong>uma</strong> boa almaprovidencie a restauração do pouco que resta.101


A Exposição <strong>Nacional</strong> de 1908BANGU E A INDÚSTRIA EM EXIBIÇÃOEm fevereiro de 1889, a Cia. ProgressoIndustrial do <strong>Brasil</strong> tor<strong>no</strong>u-se dona <strong>da</strong>Fazen<strong>da</strong> Bangu. Por possuir grandes mananciaisde água e fi car às margens <strong>da</strong> Estra<strong>da</strong> de FerroCentral do <strong>Brasil</strong>, a região <strong>da</strong> Freguesia de CampoGrande foi escolhi<strong>da</strong> pelo engenheiro inglêsMorgan Snell para sediar <strong>uma</strong> fábrica de tecidos.No a<strong>no</strong> seguinte, surgia ali <strong>uma</strong> e<strong>no</strong>rme chaminéde 57 metros de altura, 12 metros de diâmetro nabase octogonal e 2,44 metros na sua parte superior.A estrutura tor<strong>no</strong>u-se não só o símbolo <strong>da</strong> fábricacomo o marco de um tempo: o rural transformavaserapi<strong>da</strong>mente em urba<strong>no</strong>.A Bangu foi a primeira fábrica têxtil de grandeporte a estar longe dos centros <strong>da</strong>s ci<strong>da</strong>des. Suaconstrução fi cou a cargo <strong>da</strong> fi rma londrina TheMorgan Snell and Company, que ergueu um prédiode mais de 18 mil metros quadrados <strong>no</strong> estilo <strong>da</strong>sfábricas de Manchester, com estruturas sóbriase pesa<strong>da</strong>s e facha<strong>da</strong>s em tijolos avermelhadosaparentes. Inaugura<strong>da</strong> a 8 de março de 1893, afábrica pôs em movimento mais de 800 teares. Eproduziu não apenas muito tecido, como tambémum bairro inteiro com casas, escola, igreja, cinemae estádio de futebol. Concebido entre as máquinas<strong>da</strong> indústria, o Bangu Atlético Clube foi fun<strong>da</strong>doem 1904, obra de operários ingleses e brasileiros.102


Mas, dentro dos portões <strong>da</strong> fábrica, nem tudoera diversão. Depoimentos de antigos funcionáriosregistram que, durante a I Guerra, os trabalhadoresvestiam <strong>uma</strong> roupa chama<strong>da</strong> “carne seca” ou “paude-água”,feita com pa<strong>no</strong>s manchados de anilinae fi os rotos. Antes <strong>da</strong> legislação trabalhista, houvemiséria, trabalho infantil e muito mais deveres doque direitos na Fábrica de Tecidos Bangu.No início dos a<strong>no</strong>s 1950, quando o estilistafrancês Jacques Fath visitou a fábrica, tudo isso eraparte do passado. Fath escolheu os tecidos <strong>da</strong> Bangu,com grande varie<strong>da</strong>de de padrões e alta quali<strong>da</strong>de,para usar em seus desfi les e, a partir <strong>da</strong>í, a marcaganhou projeção internacional. A indústria começoua exportar para Itália, Holan<strong>da</strong>, Inglaterra e África.E pode relembrar os tempos de glamour que viveraem 1908, quando o pavilhão <strong>da</strong> Fábrica Bangufoi o mais visitado na exposição que comemorou ocentenário <strong>da</strong> abertura dos portos do <strong>Brasil</strong>.Promovi<strong>da</strong> pelo gover<strong>no</strong>, a Exposição <strong>Nacional</strong>de 1908 foi <strong>uma</strong> festa rega<strong>da</strong> a luxo, ostentação eexibicionismo. Entre os dias 28 de janeiro e 15 de<strong>no</strong>vembro <strong>da</strong>quele a<strong>no</strong>, <strong>no</strong> centro do Rio de Janeiro– então capital federal –, foi organiza<strong>da</strong> <strong>uma</strong> grandemostra de bens naturais e produtos manufaturadosvindos de todos os estados brasileiros. Mas o objetivonão era só fazer um inventário <strong>da</strong> eco<strong>no</strong>mia do paísao longo de um século. Aquele parecia ser o momentoperfeito para apresentar ao mundo a <strong>no</strong>va capitalnacional, então urbaniza<strong>da</strong> e sanea<strong>da</strong>, adorna<strong>da</strong>pela aveni<strong>da</strong> Central. A Exposição <strong>Nacional</strong> de 1908recebeu convi<strong>da</strong>dos nacionais e internacionais quedesfi laram lado a lado com a população carioca.Aquele foi o ápice <strong>da</strong> Belle-Époque brasileira.A revista Kosmos saudou a feira como sendo o“extraordinário esforço <strong>da</strong> comissão executora, queconseguiu realizar um arrojado e colossal empreendimento,com a grandiosi<strong>da</strong>de, beleza e segurança desuas construções”. O Boletim Comemorativo do eventoressaltava o “desenvolvimento de <strong>no</strong>ssa nacionali<strong>da</strong>dedurante um século”, contribuindo assim para “elevaro conceito do <strong>Brasil</strong> <strong>no</strong> mundo civilizado”. Comversões em francês e esperanto, o impresso listava osaspectos físicos, demográficos, econômicos e sociaisdo país. O boletim estampou também fotos dos pavilhões,que mais pareciam palacetes: o <strong>da</strong>s Indústrias,o <strong>da</strong> Agricultura, o Egípcio, o de Portugal, o <strong>da</strong> CervejariaBrahma e, o mais visitado deles, o <strong>da</strong> Fábricade Tecidos Bangu. Com o fi m <strong>da</strong> exposição, todos ospalacetes, feitos de estuque, foram postos abaixo.Em 2007, como pavilhão em fimde feira, a antiga fábrica de tijolosavermelhados <strong>da</strong> Tecidos Bangu (nap. ao lado) foi derruba<strong>da</strong>. Restou só alembrança dos áureos tempos em queseu pavilhão (acima) foi destaque naExposição <strong>Nacional</strong> de 1908 (abaixo).103


Indústrias Reuni<strong>da</strong>s MatarazzoO brasão de Matarazzo (acima)simbolizava um império industrial quedecolou a partir <strong>da</strong> ven<strong>da</strong> de banhaem lata e tomou impulso com suaprimeira fábrica, o Moinho Matarazzo(abaixo) aberto <strong>no</strong> bairro do Brás, emSão Paulo, em 1899.UM IMPÉRIO PAULISTANo dia 10 de dezembro de 1937, a ci<strong>da</strong>de quenão podia parar parou. Enquanto as lojascerravam as portas e as indústrias paralisavam asmáquinas, São Paulo chorava a morte do italia<strong>no</strong>Francisco Matarazzo. Nunca, na história do país,um industrial fora tão admirado e invejado, amado etemido. Seu carisma veio <strong>da</strong> forma como tratava seusfuncionários, sua riqueza surgiu <strong>da</strong> verticalização deseus negócios, seu poder estava em sua simplici<strong>da</strong>de.Matarazzo era um imigrante de primeiraclasse. Filho mais velho de um advogado eproprietário de terras na região de Castellabate,<strong>no</strong> sul <strong>da</strong> Itália, veio para o <strong>Brasil</strong> em 1881 com27 a<strong>no</strong>s, mulher, dois filhos e a mesma crençade oportuni<strong>da</strong>de e prosperi<strong>da</strong>de que atraíatantos outros italia<strong>no</strong>s. Trouxe também umcarregamento de banha, com o qual esperavainiciar os seus negócios, só que ele acabouafun<strong>da</strong>ndo na baía de Guanabara por causa de<strong>uma</strong> tempestade. O incidente, <strong>no</strong> entanto, nãofoi suficiente para afun<strong>da</strong>r os seus projetos nemafogar os seus sonhos.Depois de desembarcar <strong>no</strong> porto de Santos,escolheu a movimenta<strong>da</strong> Sorocaba, terra dostropeiros e dos muares e onde já surgiam váriasindústrias, e lá abriu, conforme suas própriaspalavras, “<strong>uma</strong> ven<strong>da</strong>”. Era um empório de secose molhados que comercializava, entre farinhade trigo e outros artigos do gênero, o produtoresponsável por alimentar seu sucesso e engor<strong>da</strong>rsua carteira: a banha.De vendedor, Matarazzo passou a produtore, em 1888, já possuía duas fábricas, <strong>uma</strong> emSorocaba e outra em Capão Bonito. Do modo deproduzir ao jeito de embalar, Francisco Matarazzocolocava to<strong>da</strong> a sua criativi<strong>da</strong>de em uso.104


Com <strong>uma</strong> prensa inspira<strong>da</strong> em máquinas deextrair óleo de oliva na Itália, ele revolucio<strong>no</strong>u afabricação de banha. Quando retirava a gordurado porco, não dispensava os ossos, com os quaisfabricava botões e barbatanas de colarinho. E, porfi m, na hora de oferecer a banha aos clientes, i<strong>no</strong>vouutilizando <strong>uma</strong> embalagem que causou furor. Naépoca, a banha, importa<strong>da</strong> dos Estados Unidos,vinha em barris de madeira que difi cultavam aven<strong>da</strong> e aceleravam o processo de deterioração. Oitalia<strong>no</strong> passou então a usar latas, que depois elemesmo fabricava com folhas-de-fl andres. Nasciaassim o mo<strong>no</strong>pólio <strong>da</strong> banha enlata<strong>da</strong> erefi na<strong>da</strong> de Matarazzo que, vendi<strong>da</strong> <strong>no</strong>Norte, <strong>no</strong> Rio e em São Paulo, varreu osconcorrentes estrangeiros do mercado.Em 1891, já instalado na capitalpaulista, Matarazzo fundou <strong>uma</strong> socie<strong>da</strong>deanônima que levava o seu <strong>no</strong>me e tinha 43acionistas, a maioria luso-brasileiros.Ele controlava todos os negócios de perto erecusou-se a formar cartéis com outros produtoresde banha. Em 1900, o capital <strong>no</strong>minal de suasempresas – que em 1887 somavam 20 contos deréis – saltou para 2.010 contos. Foi nesse a<strong>no</strong> que,fi nanciado por um banco inglês, ele inaugurou<strong>no</strong> bairro do Brás o imenso Moinho Matarazzo. Omoinho foi o fermento que fez o império Matarazzocrescer ain<strong>da</strong> mais. A partir dele, Matarazzoiniciou a concentração e verticalização de seusnegócios. Com a certeza de que deveria fabricartudo o que precisava, Matarazzo criou um núcleode fábricas interliga<strong>da</strong>s.Para consertar as máquinas e fazer as peças domoinho, construiu <strong>uma</strong> ofi cina mecânica completa– e em 1902 ela foi transforma<strong>da</strong> na fábrica quedeu origem à Metalúrgica Matarazzo. Para ensacarsua farinha, ele mesmo fazia os sacos e, a partir<strong>da</strong>í, em 1904, inaugurou a tecelagem de AlgodãoMariângela. Os caroços de algodão que sobravam<strong>da</strong> tecelagem deram origem às fábricas de óleo esabão Sol Levante. Para embalar o sabonete deluxo que produzia, criou embalagens de alumínio,as primeiras do <strong>Brasil</strong>. Todo esse mecanismoorgânico começou concentrado <strong>no</strong> Brás – perto <strong>da</strong>São Paulo Railway, onde havia um desviocom capaci<strong>da</strong>de para 52 vagões – e sódepois expandiu-se para outros bairrose estados. Com a criação <strong>da</strong> IndústriasReuni<strong>da</strong>s F. Matarazzo, socie<strong>da</strong>deanônima ain<strong>da</strong> maior do que a companhiaanterior, seu império se estabeleceu.Francisco Matarazzo, o líder sobera<strong>no</strong>, chegouna ponta <strong>da</strong> ponta <strong>da</strong> pirâmide paulista. Em 1911,era do<strong>no</strong> do maior complexo fabril <strong>da</strong> América doSul, e o capital <strong>da</strong> sua empresa totalizava 8.000contos de réis. Rico, rijo e enérgico, sabia sersedutor, humilde e generoso. Com sua capaci<strong>da</strong>dede se autodepreciar, desarmava os adversários eatraía os holofotes: “Sou um simples negociante defarinha”, disse em <strong>uma</strong> entrevista. “Nunca estudeina<strong>da</strong>, sou um ig<strong>no</strong>rante”, declarou em público.Matarazzo, assim, personifi cava o sucesso e a vitóriaentre os empobrecidos e desalentados e criava emtor<strong>no</strong> de si a imagem do trabalhador infatigável e dopatrão carismático.O conde Francisco Matarazzo foia figura mais emblemática <strong>da</strong>industrialização de São Paulo. Eis oque sobre ele escreveu o brasilianistaWarren Dean: “Além de sedutor,Matarazzo era um homem rijo eenérgico. Suas fotografias <strong>no</strong>smostram um rosto orgulhoso, sério,<strong>uma</strong> expressão inteligente e cônsciado próprio valor, como se ele soubesseque sua aparência impressionava tantoos outros quanto sua riqueza. Passoua raspar a cabeça com navalha depoisque principiou a encalvecer; usavabigode e possuía <strong>uma</strong> compleiçãoatlética, de modo que mais pareciaum sol<strong>da</strong>do do que um homem denegócios. Sua energia e sua capaci<strong>da</strong>dede competir eram proverbiais”.105


À sombra de arranha-céus pósmoder<strong>no</strong>s,em um dos bairros maisvalorizados de São Paulo, as chaminéssolitárias são tudo o que restou doimpério de Matarazzo.O fascínio exercido por Francisco Matarazzonão fazia distinção de classe, credo ou cor. Ohomem era assunto e exemplo tanto <strong>no</strong>s discursosdos ricos quanto nas ro<strong>da</strong>s dos pobres. E mesmoque sua trajetória tenha apresentado zonassombrias – como a amizade com Mussolini –,seus feitos fi zeram dele <strong>uma</strong> len<strong>da</strong> coroa<strong>da</strong> deglórias. Em 1917, Matarazzo tor<strong>no</strong>u-se condeitalia<strong>no</strong> pelas mãos do rei Vitório EmanuelIII. E foi como conde que continuou com suarotina fabril: chegava à fábrica sempre porvolta <strong>da</strong>s cinco <strong>da</strong> manhã – antes dos operários– e despachava, diariamente, com os chefes egerentes de todos os setores de suasempresas. Em dia de folga, ao invésde descansar, preferia as caça<strong>da</strong>s acavalo que lhe aju<strong>da</strong>vam a manter oporte atlético, o ar aristocrático e oolhar de general em batalha.Interessava-se muito mais poresporte do que por política. Ospartidos e os políticos brasileirosjamais lhe atraíam e ele procuravamanter distância de questões sociais.Nunca se envolveu em questõesclassistas ou procurou liderarmovimentos industriais. E mesmo quetenha fun<strong>da</strong>do, em 1928, o Centro<strong>da</strong>s Indústrias do Estado de SãoPaulo (CIESP), do qual foi o primeiropresidente, pouco participava <strong>da</strong>sreuniões e jamais se fi rmou comolíder <strong>da</strong> classe.Na crise de 1929, o império Matarazzo estavatão consoli<strong>da</strong>do que não tremeu e muito me<strong>no</strong>sruiu. Nessa época, o grupo já havia passado porcisões, fusões e mu<strong>da</strong>nças em sua diretoria. Seualcance era tão impressionante que o Diáriode São Paulo relatou: “Existe um <strong>no</strong>vo Estadobrasileiro. Entre as 20 uni<strong>da</strong>des <strong>da</strong> Federação,e mais o Distrito Federal e o Território do Acre,existe um Estado eco<strong>no</strong>micamente rico como SãoPaulo e mais rico, como volume de riqueza, doque o erário do Distrito Federal ou o de MinasGerais ou o do Rio Grande do Sul. Referimo<strong>no</strong>sao ‘Estado Matarazzo’. Enquanto São Paulotem <strong>uma</strong> ren<strong>da</strong> bruta de 400 mil contos, Minasde 140 mil, Rio Grande do Sul de 130 mil e aprefeitura carioca de 270 mil, o parque industrialMatarazzo fi nanceira e eco<strong>no</strong>micamente constituio segundo Estado do <strong>Brasil</strong>”.O comerciante que começara com a banha deporco em Sorocaba tornara-se um gigante. Suaforça, <strong>no</strong> entanto, não foi capaz de harmonizaro seu clã e de equilibrar as desavenças. Coma sua morte, em 1937, os confl itos dentro <strong>da</strong>família pioraram e a desunião se abateu sobreas Indústrias Reuni<strong>da</strong>s Francisco Matarazzo.No fi nal dos a<strong>no</strong>s 1980, sob o comando <strong>da</strong> netado fun<strong>da</strong>dor, Maria Pia Matarazzo, o grupofoi à concor<strong>da</strong>ta. Mas mesmo que dos antigosprédios tenham restado apenas as chaminés,a história de glória do mais poderoso ítalobrasileirode todos os tempos não virou f<strong>uma</strong>ça.Ela segue sendo fonte de inspiração para osempreendedores dos tempos moder<strong>no</strong>s.106


São Paulo têxtilTRAMA E PODERComo Francisco Matarazzo, Rodolfo Crespiveio <strong>da</strong> Itália, ganhou título de conde eprosperou <strong>no</strong> bairro que já foi chamado de “alocomotiva de São Paulo”. Na Mooca, o imigranteCrespi criou <strong>uma</strong> e<strong>no</strong>rme indústria que foi palcode conquistas e confl itos. Chegou ao <strong>Brasil</strong> em1893, vindo <strong>da</strong> Lombardia – tradicional regiãofabril – com apenas 19 a<strong>no</strong>s e não mais do que 33liras <strong>no</strong> bolso. Começou trabalhando com PietroRegole em sua malharia e, competente e decididocomo era, logo estava casado com a fi lha do patrãoe virava sócio na empresa.Em 1897, Crespi e o sogro montaram <strong>uma</strong>fábrica de algodão que, depois <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de serdesfeita em 1906, deu origem ao Cotonifício Crespi.Tido como o “primeiro estabelecimento brasileirode fi ação industrial de algodão em grande escala”,utilizava algodão comprado <strong>no</strong> interior de São Pauloe <strong>no</strong> Nordeste e lã do Sul do <strong>Brasil</strong>, produzindopa<strong>no</strong>s para cobertores, colchas, toalhas e roupas. Aindústria executava desde a limpeza do algodão atéa produção dos tecidos. Chegou a ter 48 mil metrosquadrados, seis mil operários, 14 mil fusos e 500teares que trabalhavam dia e <strong>no</strong>ite sem cessar. Asmáquinas só pararam quando, em junho de 1917, agreve inicia<strong>da</strong> ali mesmo em sua empresa obrigouCrespi – e seus concorrentes – a fechar as portas.Rodolfo Crespi era o típico “<strong>no</strong>vo-rico”,segundo o historiador Caio Prado Jr. Enquantoseus operários lutavam por melhores condições detrabalho e de vi<strong>da</strong>, o conde recebia a alta burguesiapaulistana à beira de sua piscina de mármore– a primeira piscina particular de São Paulo –trajando túnica e turbante. Figura controversa eexcêntrica, forneceu os tecidos que vestiram tantoo exército de Mussolini como as tropas paulistas <strong>da</strong>Revolução de 1932. Apesar de to<strong>da</strong> a sua pujança,o Cotonifício Crespi não soube vencer os temposmoder<strong>no</strong>s. Com a morte de seu fun<strong>da</strong>dor em 1939,a indústria iniciou <strong>uma</strong> lenta decaí<strong>da</strong> que culmi<strong>no</strong>ucom a paralisação <strong>da</strong>s já obsoletas máquinas e ofechamento defi nitivo <strong>da</strong>s portas em 1963.O Cotonifício Crespi chegou a ser amaior indústria <strong>da</strong> América Latina.Em 1917, operários procuraram adireção <strong>da</strong> fábrica exigindo 20% deaumento e o fim <strong>da</strong> taxa de 2% pagaem favor do Cominato Italia<strong>no</strong> Pró-Pátria (um tributo de guerra impostopelos industriais italia<strong>no</strong>s aos seustrabalhadores, independentemente desua nacionali<strong>da</strong>de). Sem acordo, teveinício a primeira grande greve do <strong>Brasil</strong>.107


Delmiro GouveiaDelmiro Gouveia, o coronel <strong>da</strong>indústria <strong>no</strong>rdestina, levou vi<strong>da</strong> deimperador. Em sua casa, <strong>da</strong>va festase saraus regados a champanhe evinhos de Bordeaux. Ditou mo<strong>da</strong> comseus colarinhos engomados, adoravaroupas brancas, usava perfumescaros e tinha cinco automóveis.Mas não pensava só em si: antesde qualquer legislação trabalhista,estabeleceu na Fábrica <strong>da</strong> Pedraregime diário de oito horas e folgaaos domingos. Na Vila Operáriaque criou para os funcionários,<strong>da</strong>va luz e água de graça, exigiadecoro e multava quem cuspisse <strong>no</strong>chão. Quando morreu, a Revista <strong>da</strong>Semana publicou: “Foi covardementeassassinado a tiros de rifle o grandeindustrial Delmiro Gouveia, <strong>uma</strong> <strong>da</strong>sexistências mais úteis e laboriosasdo <strong>Brasil</strong>”. Quase um século depois,o legado do polêmico e contraditórioGouveia ain<strong>da</strong> ressoa em meio àsturbinas de Paulo Afonso.O CORONEL DA INDÚSTRIANão que fosse <strong>no</strong>vi<strong>da</strong>de o conquistadorDelmiro Gouveia apaixonar-se à primeiravista. A diferença era que, dessa vez, ao invés depaixão por <strong>uma</strong> mulher, ele se sentia atraído por<strong>uma</strong> cachoeira. Já tinha sido tipógrafo, cobradorde bonde, caixeiro viajante e despachante debarcaças. Já havia feito fortuna com exportaçãode couro. Mas, ao ver a que<strong>da</strong> d’água de PauloAfonso na sua frente, o “coronel dos coronéis”decidiu que era hora de embarcar em <strong>uma</strong> <strong>no</strong>vaaventura. Nascido em 5 de junho de 1863 emIpu, <strong>no</strong> Ceará, Delmiro chegou ain<strong>da</strong> meni<strong>no</strong> <strong>no</strong>Recife. De lá, foi sendo levado pela correnteza <strong>da</strong>vi<strong>da</strong> até <strong>da</strong>r com os costados em Alagoas, numlugarejo ao lado de Paulo Afonso.Tinha quase 40 a<strong>no</strong>s, terras, dinheiro, capangase inúmeros desafetos. Tanto que, naquele 1910,o governador de Pernambuco, um de seus tantosinimigos, negou-lhe concessão para construir <strong>uma</strong>hidrelétrica estatal na cachoeira. A negativa do gover<strong>no</strong>– que levou os sócios <strong>no</strong>rte-america<strong>no</strong>s a desistiremdo negócio – não o fez mu<strong>da</strong>r de idéia. Delmirocomprou mais terras às margens do São Francisco,importou <strong>da</strong> Suíça e <strong>da</strong> Alemanha equipamentos paramontar a usina e trouxe <strong>da</strong> Inglaterra máquinas para afábrica de linhas que decidiu criar. E ain<strong>da</strong> contratou108


engenheiros e formou a socie<strong>da</strong>de anônimaCompanhia Agro-Fabril Mercantil com umcapital inicial de 1.200 contos de réis.Em meio à pobreza e ao atraso do sertão,Gouveia criou a usina hidrelétrica Angiquinho.Em 1913, encrava<strong>da</strong> nas paredes <strong>da</strong> cachoeira,ela passou a produzir a energia que impulsio<strong>no</strong>u aFábrica <strong>da</strong> Pedra. A indústria – primeira do gênerona América Latina – virou <strong>uma</strong> potência de fi ose linhas para crochê, bor<strong>da</strong>do e malharia que empouco tempo exportava para o Peru e Chile. Seusresultados despertaram o interesse e a cobiça de <strong>uma</strong>concorrente internacional: a Machine Cottons. Apoderosa companhia inglesa fez várias propostas decompra <strong>da</strong> fábrica. O coronel não aceitou nenh<strong>uma</strong>.Em 1917, Delmiro Gouveia, então com 54 a<strong>no</strong>s,levou três tiros, enquanto lia o jornal na varan<strong>da</strong>de sua casa. “Mataram-me. Quem foi o cabraque atirou?”, balbuciou ele. A pergunta nuncafoi respondi<strong>da</strong> com certeza. Há quem diga que oman<strong>da</strong>nte foi um coronel inimigo, há quem defen<strong>da</strong>que foram os ingleses. Seu assassinato signifi cou amorte de <strong>uma</strong> indústria independente <strong>no</strong> Nordeste.Em 1926, quase <strong>uma</strong> déca<strong>da</strong> depois de seuassassinato, a pressão <strong>da</strong> Machine Cottons persistiainabalável. Os herdeiros do coronel concor<strong>da</strong>ramentão em vender a outrora pujante Fábrica <strong>da</strong>Pedra. Mas os ingleses não estavam interessadosnela: a marreta<strong>da</strong>s, e sob a fi scalização de umengenheiro britânico, a maquinaria <strong>da</strong> fábrica foito<strong>da</strong> destruí<strong>da</strong> e joga<strong>da</strong> ao São Francisco. O rio queera a fonte <strong>da</strong> paixão de Delmiro Gouveia tor<strong>no</strong>u-seo cemitério dos seus sonhos industrialistas.109


A LightNascido na Pensilvânia, em outubro de1864, de família aristocrática, seguidora<strong>da</strong> rígi<strong>da</strong> religião quacre, Farquharformou-se em engenharia na facul<strong>da</strong>dede Yale. Na vira<strong>da</strong> do século, apóstrabalhar em companhias liga<strong>da</strong>s aserviços públicos <strong>no</strong>s Estados Unidose estabelecer contatos poderosos<strong>no</strong> mundo <strong>da</strong>s finanças, fez ferroviasem Cuba e na Guatemala até chegarao <strong>Brasil</strong> em 1904. No país, criou umver<strong>da</strong>deiro império (depois chamado de“sindicato Farquhar”). Recentemente,ele se tor<strong>no</strong>u personagem um poucomais conhecido <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong> graças àminissérie Mad Maria, <strong>da</strong> TV Globo.Embora retratado como um empresárioinescrupuloso, o fato é que Farquhar foide longe o mais importante investidorestrangeiro <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>, do<strong>no</strong> de mais de40 empreendimentos, entre ferrovias,mineradoras, companhias de força e luz,madeireira, fábrica de papel, frigoríficoe <strong>uma</strong> frota de vapores <strong>no</strong> Amazonas.A ENERGIA DE FARQUHARIntitulado <strong>Produto</strong> <strong>Nacional</strong>, o livro que o leitortem em mãos abor<strong>da</strong> a história <strong>da</strong> indústriabrasileira. Mas <strong>uma</strong> série de motivos justifi ca quesuas páginas incluam a trajetória empresarialdo <strong>no</strong>rte-america<strong>no</strong> Percival Farquhar <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>,bem como a chega<strong>da</strong> <strong>da</strong> Light ao país. Com <strong>uma</strong>rede tentacular de negócios e indústrias, Farquharchegou a ser chamado de “do<strong>no</strong>” do <strong>Brasil</strong>. Jáa Rio de Janeiro Light & Power, que ele fundouem 1904, não apenas foi, junto com a São PauloTramway, a primeira multinacional a instalarse<strong>no</strong> país, como seriam ambas as responsáveispelo abastecimento de energia elétrica <strong>da</strong>s duasmaiores ci<strong>da</strong>des brasileiras – sem o que o surtoindustrialista não teria sido possível.Contudo, o que de fato impõe a presença deFarquhar neste livro é o fato de que em tor<strong>no</strong> <strong>da</strong>Light – bem como <strong>da</strong>s imensas reservas de ferro deItabira, Minas Gerais, que ele adquiriu em 1908– eclodiram as primeiras e fragorosas campanhaspela nacionalização <strong>da</strong>s empresas estrangeiras e <strong>da</strong>sreservas minerais do país. Tudo se iniciou em 1904,quando, informado <strong>da</strong> magnitude <strong>da</strong>s reformasque seriam feitas <strong>no</strong> Rio, Farquhar, sem jamais terpisado <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>, fundou, <strong>no</strong> Canadá, em socie<strong>da</strong>decom Alexander Mackenzie (já proprietário <strong>da</strong> Lightpaulista), a Rio de Janeiro Light & Power.Naquele mesmo a<strong>no</strong>, Farquhar adquire, emBruxelas, a concessão <strong>da</strong> Société A<strong>no</strong>nyme du Gaz,empresa que fora de Mauá. Então, em março de1905, desembarca <strong>no</strong> Rio, em um porto em obras eem meio ao “bota abaixo” provocado pela construção<strong>da</strong> Aveni<strong>da</strong> Central. E foi justo na rua construí<strong>da</strong>para ser a “vitrine” do <strong>Brasil</strong>, na qual ele logo seinstalou, que iria eclodir seu ruidoso confronto comos dois outros “do<strong>no</strong>s” <strong>da</strong> rua e do país: os magnatasEduardo Guinle e Cândido Gaffrée.Apesar <strong>da</strong> campanha de Gaffrée e Guinle – seusrivais tanto <strong>no</strong> abastecimento de luz como <strong>no</strong> sistemade transporte urba<strong>no</strong> carioca –, Farquhar decideficar <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong> e, naquele mesmo a<strong>no</strong>, lança as bases<strong>da</strong> Companhia Telefônica <strong>Brasil</strong>eira, organiza aBahia Tramway Light & Power e adquire a concessãodo porto de Belém, <strong>no</strong> Pará. No a<strong>no</strong> seguinte, compraa estra<strong>da</strong> de ferro São Paulo–Rio Grande e em1907 constitui a Madeira–Mamoré Railway, comcapital de 11 milhões de dólares. Em 1908 passa acontrolar as ferrovias Mogiana e Paulista e em 1909forma a Companhia de Navegação do Amazonas,man<strong>da</strong>ndo construir na Holan<strong>da</strong> 26 grandesembarcações. Percival Farquhar torna-se assim aversão “estrangeira” do barão de Mauá, lançando asbases de um império ain<strong>da</strong> maior do que aquele queFrancisco Matarazzo construiria.110


O ambiciosíssimo pla<strong>no</strong> de Farquhar – quejá tinha negócios na Guatemala e em Cuba (leiabox) – era construir um imenso sistema ferroviáriounifi cado, conectando to<strong>da</strong> a América do Sul. Eleesteve próximo de concretizar seu sonho, e, doescritório <strong>da</strong> Brazil Railway Co., <strong>no</strong> número 26 <strong>da</strong>Aveni<strong>da</strong> Central – um “castelo” estilo fl orenti<strong>no</strong>,com <strong>uma</strong> torre de 31 metros, projetado por Heitor <strong>da</strong>Costa (que também faria o Cristo do Corcovado) –,controlava a Sorocabana, a Mogiana, a Paulista,enquanto erguia a Madeira–Mamoré (cujo custoem vi<strong>da</strong>s h<strong>uma</strong>nas teria sido <strong>uma</strong> por dormente)e a SP–RS, onde em 1911 eclodiria a chama<strong>da</strong>Guerra do Contestado (leia p. 113). Mas não foramas mortes dos desvalidos que causaram problemasa Farquhar. O inimigo morava ao lado: <strong>no</strong> número44 <strong>da</strong> Aveni<strong>da</strong> Central fi cava a sede <strong>da</strong> CompanhiaDocas de Santos e ali se iniciou a campanha contrao “pirata e aventureiro” Percival Farquhar.Embora a articulação tenha sido obra deEduardo Guinle, quem de fato tomou a dianteira <strong>da</strong>campanha contra o <strong>no</strong>rte-america<strong>no</strong> foi Jorge Street.E o fez já ocupando o cargo de presidente do CIB,que assumiu em 1912 – não por acaso o mesmo a<strong>no</strong><strong>no</strong> qual o movimento se iniciou. Farquhar estavana Rússia, em um projeto de industrialização docarvão. Mas tudo começou a <strong>da</strong>r errado para ele e,dois a<strong>no</strong>s mais tarde, quando eclodiu a I GuerraMundial, seus negócios entraram em crise – rápi<strong>da</strong>e voraz. A tal ponto que, em 1915, o magnatasimplesmente faliu. Arruinado, tor<strong>no</strong>u-se diretorassalariado de <strong>uma</strong> de suas ex-empresas, recebendo25 mil dólares ao a<strong>no</strong>.Mas Farquhar ain<strong>da</strong> tinha <strong>uma</strong> carta na manga– e a mais valiosa. Em 1919, logo após o fi m <strong>da</strong> IGuerra, ele apresentou um programa para a ativação<strong>da</strong> Itabira Iron Ore Company, empresa para a qualtrabalhava como advogado e que em breve passariaa controlar. A Itabira era proprietária de 7.200hectares, que continham na<strong>da</strong> me<strong>no</strong>s do que doisbilhões de tonela<strong>da</strong>s de ferro – as maiores (e ti<strong>da</strong>scomo as únicas) reservas do mundo. Prometendoinvestir 80 milhões de dólares <strong>no</strong> projeto, Farquharobteve do presidente Epitácio Pessoa um contratovantajoso para a exploração do pico do Cauê, ocoração de Itabira. Mas a sorte tinha virado e elenão iria usufruir <strong>da</strong>quele minério.Acima, anúncio propaga a luz <strong>da</strong> Light<strong>no</strong>s a<strong>no</strong>s 1930. Abaixo, a usina pioneira<strong>da</strong> empresa em São Paulo, em 1890.111


ItabiraO majestoso Pico do Cauê era o pontoculminante <strong>da</strong> “montanha de ferro” deItabira. No lugar do morro, atualmenteexiste apenas <strong>uma</strong> profun<strong>da</strong> cratera.Na imagem abaixo, o magnataPercival Farquhar (ao centro, degravata-borboleta) vistoria o pico em1935, quando a montanha ain<strong>da</strong> lhepertencia. Em 1967, o poeta CarlosDrummond de Andrade, natural deItabira, escreveu os versos: “Ca<strong>da</strong>um de nós tem seu pe<strong>da</strong>ço <strong>no</strong> Picodo Cauê/ Na ci<strong>da</strong>de to<strong>da</strong> de ferroas ferraduras batem como si<strong>no</strong>s/Os meni<strong>no</strong>s seguem para a escola/Os homens olham para o chão/ Osingleses compram a mina/ (...) OPico do Cauê já não se alteia/ Mas <strong>no</strong>coração <strong>da</strong> gente ele resiste”.O FERRO DE FARQUHARTudo começou com a construção <strong>da</strong> Estra<strong>da</strong> deFerro Vitória a Minas. Fun<strong>da</strong><strong>da</strong> em 1901, acompanhia encarrega<strong>da</strong> do projeto começou a operarem 1904. Ao longo <strong>da</strong>s obras, os engenheiros inglesesperceberam que os trilhos passariam sobre <strong>uma</strong> <strong>da</strong>smaiores jazi<strong>da</strong>s de ferro do mundo. A descobertalevou investidores estrangeiros, em especial osbritânicos, a adquirir grandes extensões de terra nascercanias de Itabira, Minas Gerais. Alguns delesse associaram para fun<strong>da</strong>r, em 1909, o BrazilianHematite Syndicate, por meio do qual esperavamextrair dois bilhões de tonela<strong>da</strong>s de ferro. Como partedo pla<strong>no</strong> estratégico, compraram a própria ferrovia,cujo ponto de chega<strong>da</strong> deixaria de ser Diamantina,conforme o projeto original, e passaria a ser Itabira.Mas o Brazilian Hematite durou pouco. Em 1911,passou a se chamar Itabira Iron Ore Company, e foiparar nas mãos de Farquhar. A Constituição de 1891concedia aos proprietários do solo os direitos de exploraçãodo subsolo, mas havia restrições em relação aexportações e à participação de estrangeiros. A ItabiraIron tinha sede em Londres, e Farquhar fora seu representantelegal antes de comprá-la. Em 1919, já recuperado<strong>da</strong> falência, propôs ao presidente Epitácio Pessoa aconstrução de <strong>uma</strong> siderúrgica sem custo para a União,em troca de poder exportar anualmente quatro milhõesde tonela<strong>da</strong>s de ferro. O acordo, assinado em maio de1920, previa a instalação de um porto <strong>no</strong> Espírito Santoe dois ramais ferroviários, tudo de uso privativo <strong>da</strong>Itabira, o que garantia à empresa o mo<strong>no</strong>pólio sobre asexportações de minérios. Mas Arthur Bernardes, velhoinimigo de Farquhar, tor<strong>no</strong>u-se presidente em 1922 ecriou obstáculos ao projeto, que se tornaria inviável coma posse do gover<strong>no</strong> nacionalista de Vargas, em 1930.Em junho de 1942, ao criar a Companhia Vale do RioDoce, Vargas encampou as empresas de Farquhar e ogover<strong>no</strong> assumiu o controle <strong>da</strong> Estra<strong>da</strong> de Ferro Vitóriaa Minas, para assegurar o suprimento de ferro para arecém-cria<strong>da</strong> Companhia Siderúrgica <strong>Nacional</strong>. Foi ofim do sonho mineral de Farquhar.112


A Guerra do ContestadoO CONFLITO DE FARQUHARAGuerra do Contestado foi o confronto armadoentre o exército nacional e camponeses semterra do sudoeste do Paraná e <strong>no</strong>roeste de SantaCatarina: <strong>uma</strong> repetição do massacre de Canudos,na Bahia, em ple<strong>no</strong> Sul do <strong>Brasil</strong>. Área isola<strong>da</strong>,com 45 mil quilômetros quadrados, disputa<strong>da</strong> porParaná e Santa Catarina desde os tempos do Império,o território “contestado” era <strong>uma</strong> remota terra deninguém, rica em ervais e pinheirais, ocupa<strong>da</strong> porrefugiados gaúchos e desvalidos em geral. Em 1900,o gover<strong>no</strong> cedeu <strong>uma</strong> faixa de 30 quilômetros delargura para a Brazil Railway, ao centro <strong>da</strong> qualseria construí<strong>da</strong> a ferrovia São Paulo–Rio Grande.Os posseiros que viviam na área foram desalojados àforça. A seguir, a madeireira Southern Brazil Lumber& Colonization instalou-se na área, apropriou-sede 180 mil hectares e transformou milhares decamponeses em mão-de-obra semi-escrava.Ambas as empresas pertenciam a PercivalFarquhar. No Contestado, quem não trabalhavapara Farquhar trabalhava para os “coronéis” <strong>da</strong>erva-mate, em ervais onde a semi-escravidãotambém imperava. Em 1906, após a suspensão<strong>da</strong>s obras <strong>da</strong> ferrovia, oito mil homens forams<strong>uma</strong>riamente demitidos e deixados ao léu. Estavapreparado o terre<strong>no</strong> para a revolta. Após váriasescaramuças, um confl ito de tons messiânicoseclodiu em fi ns de 1911, quando o autode<strong>no</strong>minado“monge” José Maria reuniu um grupo de dois milseguidores, atraídos por sua pregação apocalípticade viés nacionalista: “A República toca os fi lhosbrasileiros do terre<strong>no</strong> que pertence à nação edá para o estrangeiro”, dizia ele. José Maria foimorto em fi ns de 1912, mas a “guerra” – que teriamatado mais de 15 mil pessoas e na qual o exércitousou até aviões – se prolongou até dezembro de1915. Corroí<strong>da</strong> pela corrupção, a Brazil Railwayfaliu em 1917. Após devastar 650 mil alqueirese desviar duas mil libras esterlinas, a Lumber foiestatiza<strong>da</strong> pelo Gover<strong>no</strong> Vargas em 1938.O OUTRO “OURO VERDE”Nativa do Paraguai e sorvi<strong>da</strong> pelosguaranis desde tempos imemoriais, aerva-mate (Ilex paraguaensis) gerou<strong>uma</strong> próspera indústria <strong>no</strong> Sul do <strong>Brasil</strong>,em especial a partir <strong>da</strong> I Guerra, quandopassou a ser exporta<strong>da</strong> para o Uruguaie a Argentina. Em 1913, o produto járespondia por 4% <strong>da</strong>s exportaçõesbrasileiras, e em 1919, com a produçãode 90 mil tonela<strong>da</strong>s, chegou a 8%. Masos vizinhos do Prata começaram aplantar sua própria erva e o <strong>Brasil</strong> foiperdendo o mercado. Sem emprego,milhares de ervateiros se uniram aos“guerrilheiros” do Contestado (abaixo).113


A greve de 1917A REVOLUÇÃO RUSSAA eclosão <strong>da</strong> Revolução Russa,em outubro de 1917, se deu nummomento em que o <strong>Brasil</strong> – emespecial São Paulo – já vivia asagitações provoca<strong>da</strong>s pela grevegeral dos operários. Os excessosocorridos na Rússia alarmaramas classes dominantes e fizeramrecrudescer a repressão aomovimento grevista. Ain<strong>da</strong> assim,Jorge Street ousou declarar ao jornalO Estado de S. Paulo: “Os operáriostêm razão. É preciso confessar quesão justas suas reclamações e quese chegamos a essa situação tensa eviolenta, isso se deve, em boa parte,à imprevidência dos industriais, quenão souberam atender em tempo àsdificul<strong>da</strong>des e às angústias com quelutam os trabalhadores”.OS OPERÁRIOS SAEM ÀS RUASAprimeira grande manifestação operáriaocorri<strong>da</strong> <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong> antecipou-se em algunsmeses à eclosão <strong>da</strong> Revolução Russa de outubrode 1917. No dia 12 de junho <strong>da</strong>quele mesmo a<strong>no</strong>,cerca de 70 mil trabalhadores cruzaram os braçose pararam as máquinas em São Paulo, enquantodez mil pessoas acompanhavam o enterro de umoperário morto pela polícia durante um protestorealizado três dias antes. Defl agra<strong>da</strong> nas indústriastêxteis <strong>da</strong> Mooca – tendo como foco inicial oCotonifício Crespi (veja p. 107) –, a greve iria seespalhar pela ci<strong>da</strong>de inteira, chegando ao Rio eoutros centros industriais do país.O movimento foi reprimido com violência.O confronto nas ruas durou um mês – emboraa greve só fosse se encerrar de vez em 1919.A maior ci<strong>da</strong>de do país parecia <strong>uma</strong> praça deguerra, como relatou o cronista e entusiasta domovimento Everardo Dias:“São Paulo é <strong>uma</strong> ci<strong>da</strong>de morta: sua populaçãoestá alarma<strong>da</strong>, os rostos de<strong>no</strong>tam apreensão e pânico,porque tudo está fechado, sem o me<strong>no</strong>r movimento.Pelas ruas, afora alguns transeuntes apressados,só circulam veículos militares, fornecidos pelaCompanhia Antarctica e outras indústrias, com tropasarma<strong>da</strong>s de fuzis e metralhadoras. Há ordem de atirarem quem fique parado na rua.”A centelha a infl amar a greve foi a reivindicaçãosalarial. Os salários de fato eram insufi cientespara suprir o básico, ain<strong>da</strong> que todos os membros<strong>da</strong> família, inclusive crianças, trabalhassem duroem jorna<strong>da</strong>s que chegavam a 16 horas diárias. Emagosto de 1917, o deputado Maurício de Lacer<strong>da</strong>apresentou à Câmara um “Código do Trabalho”,propondo jorna<strong>da</strong> de oito horas e proibindo otrabalho de me<strong>no</strong>res de 14 a<strong>no</strong>s. O projeto,considerado “absurdo”, foi vetado, sendo a oposiçãoa ele lidera<strong>da</strong> pelo CIB, com Jorge Street à frente.114


A Primeira GuerraA INDÚSTRIA FICA EM CASAApós adiar a decisão por quase dois a<strong>no</strong>s, o<strong>Brasil</strong> enfi m entrou na I Guerra Mundial em26 de outubro de 1917 – três meses após a greveque parou São Paulo e três a<strong>no</strong>s depois do iníciodo confl ito na Europa. No mesmo dia em que opresidente Wenceslau Brás assinava o decreto nº3.361, declarando guerra à Alemanha, Lênin eraeleito presidente dos sovietes, 48 horas após avitória <strong>da</strong> Revolução Russa.O país só decidiu entrar <strong>no</strong> conflito – tãotardiamente quanto os Estados Unidos, que otinham feito em fevereiro de 1917 – depois detrês navios mercantes brasileiros terem sidoafun<strong>da</strong>dos pelos alemães. Mas, mesmo apósa declaração de guerra, o <strong>Brasil</strong> relutou emenviar reforços para os aliados. Só <strong>no</strong> iníciode 1918, cedendo às pressões internacionais,foram man<strong>da</strong>dos para a Europa <strong>uma</strong> missãomédica, um contingente de aviadores e <strong>uma</strong>divisão naval. Os jovens médicos brasileirosdirigiram-se para a França. Os aviadorespraticamente não saíram do chão, enquantoa divisão naval, encarrega<strong>da</strong> de patrulharo Atlântico, seguia para Dacar, <strong>no</strong> Senegal.Lá, a gripe espanhola dizimou quase metade<strong>da</strong> tripulação. Envia<strong>da</strong> então para Gibraltar,a esquadra brasileira abriu fogo contra umcardume de toninhas, julgando se tratar desubmari<strong>no</strong>s alemães. O episódio entrou para ahistória com o <strong>no</strong>me de “Batalha <strong>da</strong>s Toninhas”.Um dia depois de atracar em Gibraltar, em10 de <strong>no</strong>vembro de 1918, os brasileiros foraminformados que a “guerra para acabar comto<strong>da</strong>s as guerras” tinha terminado.No front caseiro, porém, não ocorreu vexamealgum. Pelo contrário. Embora, de início, aeclosão do confl ito tivesse quase paralisado ocomércio, passado o impacto inicial a indústrianacional se benefi ciaria graças à interrupção<strong>da</strong> concorrência externa e à abertura de <strong>no</strong>vosmercados de exportação. A outra face <strong>da</strong>me<strong>da</strong>lha foi que a suspensão <strong>da</strong> importação demaquinário e de matérias-primas prejudicoua formação de capital fi xo. Apesar disso, trêssetores foram indiscutivelmente favorecidos pelaguerra: o dos tecidos de algodão, o do açúcarrefi nado e o <strong>da</strong>s carnes congela<strong>da</strong>s. Mesmo quenão se possa atribuir à eco<strong>no</strong>mia de guerra opapel de “grande impulsionadora <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>deindustrial” que eventualmente lhe é conferido,não restam dúvi<strong>da</strong>s de que ela favoreceu aconsoli<strong>da</strong>ção de grandes grupos empresariais,como o de Francisco Matarazzo e o de AntônioPereira Ignácio, fun<strong>da</strong>dor <strong>da</strong> Votorantim.Embora a participação <strong>da</strong>s tropasbrasileiras na I Guerra tenha sidobreve e difusa, o conflito estimulou ogover<strong>no</strong> a lançar cartazes propondoum pacto social (inclusive entrepatrões e trabalhadores), em prol de<strong>uma</strong> nação “una e indivisível”.115


A indústria navalA Companhia de Navegação Costeira,com o <strong>no</strong>me de todos os seus naviosiniciado com “Ita”, tor<strong>no</strong>u-se famosa<strong>no</strong> <strong>Brasil</strong> inteiro fazendo a ligaçãoentre as ci<strong>da</strong>des litorâneas do país.Acima, postal com a imagem dopaquete Itagiba, afun<strong>da</strong>do pelosalemães em 17 de agosto de 1942.Abaixo, a construção do Itaquatiá, <strong>no</strong>estaleiro <strong>da</strong> ilha do Viana, <strong>no</strong> Rio.A TODO O VAPORAconstrução naval foi <strong>uma</strong> <strong>da</strong>s primeirasindústrias a se instalar <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>. Na<strong>da</strong>mais natural: além <strong>da</strong> profusão de “madeirasde lei” (árvores cuja derruba<strong>da</strong> era veta<strong>da</strong> porleis – assina<strong>da</strong>s <strong>no</strong> século 16 e desrespeita<strong>da</strong>sdesde então), tanto indígenas quanto portuguesespossuíam longa tradição na construção deembarcações. A arte indígena na confecção <strong>da</strong>subás (ca<strong>no</strong>as de casca de árvore) – à qual osnativos só se dedicavam após um jejum ritual– deixou perplexos os carpinteiros navais lusos.Desde 1548, em tempos do governador-geralTomé de Sousa, um alvará-régio concedia “mercês”fi scais a quem se dedicasse a fazer bergantins,naus ou galés. A medi<strong>da</strong> estimulou o surgimentode <strong>uma</strong> afl uente indústria naval na zona doRecôncavo Baia<strong>no</strong>. Já <strong>no</strong> Rio de Janeiro, em 1663,o governador Salvador Correia de Sá criou umestaleiro na “sua” ilha, a Ilha do Governador, e,<strong>no</strong> local que por isso fi caria conhecido como pontado Galeão, construiu o galeão Padre Eter<strong>no</strong>. Com53 metros “de comprido” e duas mil tonela<strong>da</strong>sde capaci<strong>da</strong>de, o Padre Eter<strong>no</strong> foi considerado“o maior navio do mundo” na época. Quando D.João VI desembarcou <strong>no</strong> Rio, também concedeuincentivos aos estaleiros <strong>da</strong> região. Meio séculodepois, na própria baía de Guanabara, Mauáinstalou-se na Ponta de Areia. E também lá,em 1867, já na época <strong>da</strong> navegação a vapor, oengenheiro Traja<strong>no</strong> de Carvalho inventou um<strong>no</strong>vo formato de carena que <strong>da</strong>va aos navios maisveloci<strong>da</strong>de com me<strong>no</strong>s potência. Esse formatoi<strong>no</strong>vador <strong>da</strong> parte submersa do casco foi testado naInglaterra por William Froud, pai <strong>da</strong> hidrodinâmicade navios, que comprovou que ele proporcionava<strong>uma</strong> eco<strong>no</strong>mia de 30% de combustível. A invenção,genuinamente brasileira, foi patentea<strong>da</strong> e muitocontribuiu para o avanço <strong>da</strong> marinha mercante.116


Portanto, quando o comen<strong>da</strong>dor Antônio Lagecomprou, em 1882, a Ilha do Viana, na baía deGuanabara, e ali organizou a Lage Irmãos, afi rma não era exatamente <strong>no</strong>vi<strong>da</strong>de na cena naval– mas foi o ponto de parti<strong>da</strong> para o conglomeradoque fi caria conhecido como “Império Lage”.Em 1888, a empresa já era próspera e às suasativi<strong>da</strong>des iniciais com carvão, estivas e consertode embarcações juntou-se um estaleiro de médioporte. Com a proclamação <strong>da</strong> República, <strong>no</strong> a<strong>no</strong>seguinte, as companhias de navegação, foramnacionaliza<strong>da</strong>s. Então, a poderosa Norton Megaw& Co. vendeu todo o seu patrimônio para a Lage,que fundou a legendária Companhia <strong>Nacional</strong>de Navegação Costeira. To<strong>da</strong> a frota <strong>da</strong> Costeiraseria batiza<strong>da</strong> com <strong>no</strong>mes iniciados com “Ita”.Seus navios logo se tornaram o meio de transportefavorito, e quase único, a unir as capitaislitorâneas do <strong>Brasil</strong>. Nos a<strong>no</strong>s 1940, Luiz Gonzagaconsagraria a Costeira ao cantar: “Peguei um Ita<strong>no</strong> Norte/E fui pro Rio morá/Adeus meu pai, minhamãe/Adeus Belém do Pará”.Em 1913, após a morte do pai e dos irmãos,Henrique Lage assumiu o comando dos negócios.Ele incrementou a exploração de carvão <strong>da</strong>sminas que her<strong>da</strong>ra de seus antecessores emSanta Catarina, providenciou a aquisição de<strong>no</strong>vas jazi<strong>da</strong>s, e preparou os estaleiros <strong>da</strong> Ilha doViana para a construção naval de grande porte.A eclosão <strong>da</strong> I Guerra Mundial, que difi cultou aimportação de carvão e de navios, favoreceu detal forma as ativi<strong>da</strong>des do grupo que ele logo setransformaria <strong>no</strong> Império Lage.Para incentivar a produção naval, Henriqueconstruiu, na Ilha do Viana, <strong>uma</strong> carreira compossibili<strong>da</strong>de de lançar navios de até cinco miltonela<strong>da</strong>s e circundou-a com um cais acostávelcom dez metros de calado, em maré mínima.Também criou a Companhia <strong>Nacional</strong> deConstruções Civis e Hidráulicas, destina<strong>da</strong> aomelhoramento <strong>da</strong>s condições de navegabili<strong>da</strong>dedos rios brasileiros e à construção de portos,entre os quais o de Imbituba, cujos obras seiniciaram em 1919. Naquele mesmo a<strong>no</strong>, aCosteira lançou na sua carreira <strong>da</strong> Ilha do Vianao Itaquatiá, primeiro barco a vapor de grandeporte feito <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>, embora com aju<strong>da</strong> detécnicos estrangeiros e material importado.Em 1922, ao mesmo tempo em que fun<strong>da</strong>vaa Companhia Docas de Imbituba – paraacelerar a construção do porto por ondeexportava seu carvão –, Lage fundou a primeirarefinaria de sal do país, consagra<strong>da</strong> pelamarca Ita. Uma de suas últimas ativi<strong>da</strong>des foi ainstalação na Ilha do Viana <strong>da</strong> primeira fábricabrasileira de aviões, sob a direção do brigadeiroGuedes Muniz, com o objetivo de construir oMuniz-7, avião todo desenhado e construído <strong>no</strong><strong>Brasil</strong>, à exceção do motor.Henrique Lage morreu <strong>no</strong> dia 2 de julho de1941. Como não tinha herdeiros e sua viúva eraitaliana, seu império industrial foi incorporadopelo Estado. No dia 17 de agosto de 1942, opaquete Itagiba, <strong>da</strong> Costeira, foi torpedeado porsubmari<strong>no</strong> nazista. Duas semanas depois, o <strong>Brasil</strong>declarava guerra à Alemanha.Embora não tivesse diploma, HenriqueLage (acima) era profundo conhecedorde química, de engenharia civil emecânica e de construção naval.Amante <strong>da</strong> música, casou-se com acontralto italiana Gabriela Besanzoni,então a mais aclama<strong>da</strong> do mundo.Presenteou-a com <strong>uma</strong> mansão <strong>no</strong> Rio,hoje conheci<strong>da</strong> como Parque Lage.Um dos principais negócios de Lagefoi o carvão. Descoberto <strong>no</strong> municípiode Lauro Müller, Santa Catarina, em1827, o minério foi explorado por <strong>uma</strong>companhia inglesa. Como o carvãoera de baixa quali<strong>da</strong>de, os inglesesdesistiram do negócio e o gover<strong>no</strong>repassou a concessão para Lage e seusócio, Álvaro Catão, responsáveis pelamodernização do porto de Imbituba.117


O tabacoONDE HÁ FUMAÇA HÁ LUCROAlbi<strong>no</strong> Souza Cruz (acima)desembarcou <strong>no</strong> Rio de Janeiro em1885, com apenas 16 a<strong>no</strong>s. Um quartode século depois, <strong>da</strong>va início a umimpério industrial. Foi presidente <strong>da</strong>Souza Cruz até 1962. Morreu em 1966,aos 91 a<strong>no</strong>s – sem jamais ter f<strong>uma</strong>doum único cigarro. O alemão AugustSuerdieck, que chegou ao país em1888, também não f<strong>uma</strong>va cigarros – sócharutos. Admirador do tabaco baia<strong>no</strong>,instalou <strong>uma</strong> fábrica em Maragogipe,<strong>no</strong> Recôncavo. Em 1909, com a vin<strong>da</strong>de Gerhard Meyer Suerdieck (abaixo), afábrica cresceu, abriu filial em Cruz <strong>da</strong>sAlmas, Bahia, e se firmou como a maisfamosa do <strong>Brasil</strong>.Tido como sagrado pelos tupis – e até por portugueses,que o chamavam de “erva santa” –,o tabaco se tornaria, junto com a borracha, a plantanativa do <strong>Brasil</strong> de maior impacto <strong>no</strong> mundo. Otabaco espalhou-se pela Europa a partir de Portugal,para onde foi levado em 1542 por Luís de Góes.Surrupia<strong>da</strong>s pelo embaixador francês Jean Nicot,as mu<strong>da</strong>s foram envia<strong>da</strong>s para a França. Nicot– cujo <strong>no</strong>me batizou o princípio ativo do tabaco– era inimigo do fumo. Mas a rainha <strong>da</strong> França,D. Catarina, encantou-se com a erva – e a partir dohábito dela, f<strong>uma</strong>r virou mo<strong>da</strong> na Europa.Em 1674, o fumo já rivalizava com o açúcarcomo a cultura mais lucrativa do <strong>Brasil</strong>, tanto queem Lisboa foi cria<strong>da</strong> a Junta de Administraçãodo Tabaco, espécie de alfândega exclusiva para oproduto, que era mo<strong>no</strong>pólio real. Mas não era só ocomércio com a Europa que tornava o tabaco tãorentável: os trafi cantes luso-brasileiros o usavamcomo moe<strong>da</strong> de troca na África. Por volta de 1750,um escravo podia ser trocado por oito rolos de fumona África; chegando à Bahia, valia mais que odobro. Entre 1801 e 1805, a produção brasileira jáatingia meio milhão de arrobas anuais.118


Não chega a ser surpresa, portanto, que <strong>uma</strong><strong>da</strong>s primeiras fábricas a abrir as portas <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>produzisse... rapé. O rapé é o tabaco reduzido apó, e sua inalação era comum <strong>no</strong>s séculos 18 e 19.Em 1824, o suíço Auguste de Meuron instalou <strong>uma</strong>indústria na Bahia e em 1832 abriu fi lial <strong>no</strong> Rio.Em 1879, a fábrica carioca – já então responsávelpor metade <strong>da</strong> produção brasileira de rapé – passoua pertencer ao sobrinho de Meuron, Fréderic Borel.O morro ao sopé do qual ela se localizava fi couconhecido como morro do Borel, e atualmente éocupado por <strong>uma</strong> favela.Em 1910, o imigrante português Albi<strong>no</strong>Souza Cruz comprou aquela que tinha sido amaior concorrente de Borel, a Imperial Fábricade Rapé, localiza<strong>da</strong> <strong>no</strong> bairro <strong>da</strong> Tijuca, também<strong>no</strong> Rio. Para lá foram transferi<strong>da</strong>s as instalaçõesindustriais <strong>da</strong> Souza Cruz & Cia. e o rapé foisendo substituído pelos cigarros. Na ver<strong>da</strong>de, aofun<strong>da</strong>r sua fábrica, em abril de 1903, Albi<strong>no</strong> jáestava havia quase 20 a<strong>no</strong>s ligado à produção decigarros, pois desde 1885 trabalhava na Fábricade Fumos Veado, que pertencia ao tambémportuguês conde de Agrolongo.Conhecendo bem o mercado, Albi<strong>no</strong> contratara16 funcionárias e, num sobrado do centro do Rio,decidira montar a própria fábrica. A <strong>no</strong>vi<strong>da</strong>de foique passou a vender seus cigarros – <strong>da</strong> marcaDalila – já enrolados em papel, graças a <strong>uma</strong>máquina i<strong>no</strong>vadora, capaz de fazer cinco cigarrossimultaneamente. O sucesso nas tabacarias e cafés<strong>da</strong> capital “que se civilizava” foi tal que SouzaCruz comprou, por 132 contos, a Imperial Fábricade Rapé que, apesar do <strong>no</strong>me, não passava entãode um prédio decaído na Tijuca. Lá, instalou um<strong>no</strong>vo maquinário alemão dez vezes mais rápido,que também embalava os cigarros.Em 1914, com sete marcas <strong>no</strong> mercado, aSouza Cruz era sucesso total, e Albi<strong>no</strong>, um patrãoexemplar que, além de serviços médicos, concedia“intervalos para o lanche”. Mas então, dispostoa crescer ain<strong>da</strong> mais – e com a certeza de que,junto com o café, o cigarro era produto típico <strong>da</strong>moderni<strong>da</strong>de –, ele transformou a Souza Cruz emsocie<strong>da</strong>de anônima e passou o controle acionário aogrupo britânico British American Tobacco (BAT).A mu<strong>da</strong>nça tor<strong>no</strong>u a Souza Cruz a maior indústriade fumo <strong>da</strong> América Latina.A mais antiga fábrica de charutos do<strong>Brasil</strong> foi fun<strong>da</strong><strong>da</strong> em 1873, por GerhardDannemann, em São Felix, na Bahia.Dannemann veio de Bremen, ci<strong>da</strong>depara a qual a maior parte do tabacobaia<strong>no</strong> era exporta<strong>da</strong>. A empresa teverápido crescimento e, na vira<strong>da</strong> doséculo, já era a maior produtora decharutos do país, com seis fábricas ecerca de quatro mil empregados. Em1906, Dannemann saiu <strong>da</strong> empresa e,com a eclosão <strong>da</strong> I Guerra, a Alemanhadeixou de comprar seus charutos. Asdificul<strong>da</strong>des forçaram a fusão com aStender, em 1922, um a<strong>no</strong> após a mortede Dannemann. A II Guerra Mundialtraria <strong>no</strong>vos problemas, e o Banco do<strong>Brasil</strong> incorporou a empresa, entãorebatiza<strong>da</strong> Cia. <strong>Brasil</strong>eira de CharutosDannemann. Em 1945, a firma foidevolvi<strong>da</strong> aos proprietários, mas acaboufalindo em 1954. Em 1976, a marca foivendi<strong>da</strong> ao grupo suíço Burger, queexporta 99% de sua produção.119


A cervejaAs cervejarias Antarctica e Brahmadisputam a preferência nacionalhá 120 a<strong>no</strong>s. Grandes anunciantesdesde que surgiram, as duas sempreexploraram a figura femininade modo semelhante em seuscartazes. Mas se antes a “alemã”era o símbolo de suas campanhas,atualmente ambas preferemmulheres com jeito mais brasileiro.LUCROS LÍQUIDOSAprimeira cerveja do <strong>Brasil</strong> foi bebi<strong>da</strong> porMauricio de Nassau em 1640 <strong>no</strong> Recife. Paradegustar o fermentado que os egípcios chamavamde “pão líquido”, Nassau trouxe consigo o mestreDirck Dicx, que fabricou <strong>uma</strong> cerveja encorpa<strong>da</strong>do tipo swaar. Já o igualmente apreciador <strong>da</strong>bebi<strong>da</strong>, Dom João, quando chegou ao <strong>Brasil</strong> em1808 preferiu importar do que produzir. Assim, sóem 1876, quando seu neto, D. Pedro II, já estavahavia quase 50 a<strong>no</strong>s <strong>no</strong> poder, a Coroa ganhousua cervejaria ofi cial: a Real Fábrica de Cerveja<strong>Nacional</strong>. Descendente de <strong>uma</strong> pequena fábricaaberta em 1853, ela <strong>da</strong>ria origem à Bohemia.A produção <strong>da</strong>s primeiras cervejas brasileirasnão passava de um processo simples e sem muitosinvestimentos. As grandes cifras cervejeiras sócomeçaram a ser gera<strong>da</strong>s a partir de 1888, com osurgimento de duas <strong>no</strong>vas fábricas – rivais como asci<strong>da</strong>des em que nasceram, <strong>uma</strong> em São Paulo e outra<strong>no</strong> Rio de Janeiro. Enquanto o jornal O Auxiliador<strong>da</strong> Indústria <strong>Nacional</strong> ain<strong>da</strong> comemorava o recentefi m <strong>da</strong> escravatura, suas páginas estampavam a<strong>no</strong>tícia de <strong>uma</strong> recém-inaugura<strong>da</strong> cervejaria. Seu<strong>no</strong>me: Brahma; seu proprietário: Joseph Villiger,engenheiro suíço que imigrara para o Rio de Janeiroem 1879 e, insatisfeito com as cervejas brasileiras,decidira produzir seu próprio chopp.Também em 1888 foi cria<strong>da</strong> a CompanhiaAntarctica Paulista. Uma empresa que começaraem 1885 – com outra razão social – fabricandogelo e embutidos de porco, e que só escapou<strong>da</strong> falência porque os proprietários tiverama idéia de usar as máquinas de gelo paraproduzir cerveja. Em 1891, a Antarctica virou<strong>uma</strong> socie<strong>da</strong>de anônima com 61 acionistas,os principais deles João Zerrener e A<strong>da</strong>m VonBulow. Do<strong>no</strong>s de <strong>uma</strong> empresa de importaçãoem Santos, facilitaram a compra de máquinas,injetaram 860 contos de réis na socie<strong>da</strong>de econtrataram técnicos alemães que fabricaram<strong>uma</strong> cerveja leve e de sabor marcante.Já a Brahma, alavancou sua produção a partir de1894, quando Villiger vendeu sua cervejaria à GeorgMaschke. A fábrica foi então amplia<strong>da</strong> e, em 1904, aprodução chegou a 6 milhões de litros anuais.Desde que surgiram, Brahma e Antarcticanunca deixaram de disputar mercado e alternarconquistas. Até que em 1999 se uniram, formandoa Ambev – a maior indústria priva<strong>da</strong> de bens deconsumo do país e a maior cervejaria <strong>da</strong> AméricaLatina. Em 2004, <strong>uma</strong> <strong>no</strong>va fusão, <strong>da</strong> Ambevcom a belga Interbrew, deu origem à Inbev, que,atualmente, não só é a maior do <strong>Brasil</strong>, mas <strong>uma</strong><strong>da</strong>s maiores <strong>da</strong> Europa.120


O vidroUM NEGÓCIO TRANSPARENTEAprimeira cerveja do <strong>Brasil</strong> foi bebi<strong>da</strong> porMaurício de Nassau – <strong>no</strong> primeiro copo devidro soprado na colônia. Para aprimorar sua Ci<strong>da</strong>deMaurícia, Nassau trouxe quatro artesãos e criou aprimeira fábrica a produzir vidraças, copos e frascos<strong>no</strong> Novo Mundo. Quando os holandeses se foram, foisecom eles a arte que, diz a len<strong>da</strong>, nascera com osfenícios. Assim, durante muito tempo, a necessi<strong>da</strong>dede vidro em terras brasileiras foi supri<strong>da</strong> comimportados. Mesmo quando a Real Fábrica de Vidros<strong>da</strong> Bahia foi cria<strong>da</strong> em 1810, os vidros estrangeiroscontinuaram reinando. Até porque, atingi<strong>da</strong> pelosconfl itos <strong>da</strong> Independência, a fábrica baiana – queera de vidro – quebrou. A mu<strong>da</strong>nça de cenário sóviria a partir de 1882, quando surgiu a fábricaEsbérard, que se tor<strong>no</strong>u célebre por seus cristais e éconsidera<strong>da</strong> a primeira indústria vidreira do <strong>Brasil</strong>.Nas primeiras déca<strong>da</strong>s do século 20, o vidrobrasileiro ganhou um sopro de ânimo. O quadrofavorável veio devido ao aumento <strong>da</strong>s bebi<strong>da</strong>sindustrializa<strong>da</strong>s e à necessi<strong>da</strong>de de engarrafálas.No alvorecer do século, a vidraçaria SantaMarina, de São Paulo, chegou a <strong>uma</strong> produção detrês milhões de garrafas por a<strong>no</strong>, a maior partedelas para suprir a produção <strong>da</strong> também paulistaAntarctica. A Santa Marina nasceu em 1895 <strong>da</strong>união de dois barões do café, Antonio Prado eElias Jordão, que escolheram as margens do Tietê– onde a areia era farta e fi na – para instalar seuempreendimento. Com a morte de Jordão, em1901, a família Prado tor<strong>no</strong>u-se dona absoluta <strong>da</strong>fábrica e, nas déca<strong>da</strong>s seguintes, fez a produçãocrescer feito levedura. Mesmo assim, em 1918,to<strong>da</strong>s as garrafas produzi<strong>da</strong>s pela Santa Marinanão eram sufi cientes para abastecer as cervejarias.O que foi <strong>uma</strong> ótima oportuni<strong>da</strong>de para <strong>uma</strong><strong>no</strong>va fábrica de vidro que surgia: a CompanhiaIndustrial de São Paulo e Rio, ou Cisper.Fun<strong>da</strong><strong>da</strong> em 1917 por dois jovens engenheiros,Olavo Egydio de Souza AranhaJunior e Alberto Monteiro deCarvalho, a Cisper começou como que havia de mais moder<strong>no</strong> emtec<strong>no</strong>logia na época, as máquinasOwens. A fábrica, <strong>no</strong> entanto,demorou um a<strong>no</strong> para ajustar oequipamento. Assim que o fez,ganhou um cliente fiel e poderoso, aBrahma. Como Antarctica e Brahma,a Santa Marina e a Cisper se mantêmcomo concorrentes <strong>no</strong> mercado. Mas,ao contrário <strong>da</strong>s cervejarias, jamaisdeixaram transparecer qualquerintenção de se unir.Na fábrica de vidro Santa Marina,enquanto as mulheres enrolavam,<strong>uma</strong> a <strong>uma</strong>, as garrafas em palhapara depois colocá-las em sacos,os homens trabalhavam dentro <strong>da</strong>fábrica, junto aos for<strong>no</strong>s, amarrados acorrentes de ferro para não correremo risco de cair. Nos a<strong>no</strong>s 1950, a SantaMarina foi compra<strong>da</strong> pela poderosamultinacional Saint Gobain.121


Sabão e saboneteEm 1913, José Milani criou umsabonete cor-de-rosa, cheiroso earredon<strong>da</strong>do. Mas faltava-lhe “um<strong>no</strong>me que evocasse Paris”. O achadoveio <strong>no</strong> dia em que ele encontrou<strong>uma</strong> moça chama<strong>da</strong> Gessy – e pediulheautorização para assim batizaro produto. Embora o som aju<strong>da</strong>sse,foram os maciços investimentos empropagan<strong>da</strong> – em especial <strong>no</strong> rádio– que tornaram Gessy um fenôme<strong>no</strong>de ven<strong>da</strong>s. Outros sabonetesbrasileiros de sucesso foram Eucalol(1926) e Phebo (1930).UM BANHO DE PRODUÇÃOAindústria <strong>da</strong> higiene pessoal é umtípico negócio do século 20. Surgiu e seestabeleceu depois de mais de mil a<strong>no</strong>s deimundície. É fato bem conhecido que as antigascivilizações do Egito, China, Índia, Grécia eRoma revelavam o mais alto apreço pelo asseiocorporal. Após a que<strong>da</strong> do Império Roma<strong>no</strong>, <strong>no</strong>entanto, a Europa mergulhou n<strong>uma</strong> era de trevas– e de sujeira. Com o retor<strong>no</strong> <strong>da</strong> água corrente àscasas, a “invenção” e implemento dos “quartosde banho” e o surgimento de <strong>no</strong>vos conceitos“civilizatórios”, típicos <strong>da</strong> Belle Époque, oscabelos sebosos, os dentes amarelados, os odorescorporais – a má aparência, enfi m – passarama ser socialmente repreensíveis. E foi então quesabões e sabonetes voltaram à cena.O sabão era invenção antiga, com origemenvolta em len<strong>da</strong>s. A própria etimologia <strong>da</strong> palavrafoi ti<strong>da</strong> como indício de que ele surgira <strong>no</strong> sopé domístico monte Sapo, em Roma. Mas sabe-se que otermo provém do latim sebum, de “sebo”.Nos séculos 16 e 17, o sabão era artigo de luxo,de preço exorbitante. No <strong>Brasil</strong>, a primeira fábricafoi aberta após a chega<strong>da</strong> de D. João VI – <strong>uma</strong>ironia <strong>da</strong> história, pois o príncipe era exemplo vivo<strong>da</strong> falta de asseio característica de boa parte <strong>da</strong><strong>no</strong>breza européia de seu tempo.Mas foi preciso esperar pelo boom industrial<strong>da</strong> vira<strong>da</strong> do século 20 para que o sabonete seimpusesse <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>. E a primeira empresa a sedestacar <strong>no</strong> setor tem <strong>uma</strong> história típica <strong>da</strong>queleperíodo: sapateiro venezia<strong>no</strong> recém-chegadoao <strong>Brasil</strong>, José Milani comprou, em 1897, emValinhos, São Paulo, <strong>uma</strong> fabriqueta que faziaapenas 100 quilos de sabão por dia. Milanicontratou um químico e logo lançou o sabãoMinerva. Mas sua arranca<strong>da</strong> para o sucesso sedeu em 1913, com o sabonete Gessy. Com asrestrições à importação dita<strong>da</strong>s pela I Guerra,o produto de Milani conquistou o mercadonacional. E de tal maneira que, em 1932,quando sua empresa – já produzindo perfumes,pó-de-arroz, creme de barbear, esmalte ebrilhantina – tor<strong>no</strong>u-se socie<strong>da</strong>de anônima, ele abatizou de Cia. Gessy Industrial.Naquele mesmo a<strong>no</strong>, a britânica Lever lançava<strong>no</strong> <strong>Brasil</strong> o consagrado Lux, “o sabonete <strong>da</strong>sestrelas de cinema”. Por quase 30 a<strong>no</strong>s, os doissabonetes lutaram pela preferência nacional.Até que em junho de 1960, a Unilever comproua Gessy. Mas tão grande era o apelo popular do<strong>no</strong>me do sabonete lançado por Milani que, <strong>no</strong><strong>Brasil</strong>, a poderosa multinacional passou a sechamar Gessy-Lever.122


O cacau e o chocolateUMA INDÚSTRIA QUE DERRETE NA BOCAOge<strong>no</strong>vês Colombo estava retornando para aEspanha de sua quarta, última e fracassa<strong>da</strong>viagem ao Novo Mundo quando fez escala em <strong>uma</strong>ilhota na costa de Honduras. Uma ca<strong>no</strong>a repleta denativos aproximou-se, e eles ofereceram a Cristóvão(“o portador de Cristo”) um punhado do que oalmirante julgou ser <strong>uma</strong>s “amêndoas enruga<strong>da</strong>s”.Quando alg<strong>uma</strong>s caíram ao chão, Colombo ficouperplexo ao ver que “eles se engalfi nharam parajuntá-las como se os olhos lhes tivessem caído <strong>da</strong>cara”. O chocolate percorreu um longo caminho desdeentão. A semente do cacau – que Colombo rejeitou e200 a<strong>no</strong>s depois o botânico Carl Lineu batizaria deTheobroma, ou “elixir dos deuses” – atualmente é abase de <strong>uma</strong> indústria de 60 bilhões de dólares.Mas a planta sagra<strong>da</strong> de astecas e maias erasorvi<strong>da</strong> num caldo grosso, com pimenta. Só em 1828,quando o químico holandês Coenraad van Houtendescobriu que era possível eliminar dois terços <strong>da</strong>gordura e reduzir o cacau a pó, misturando-o comleite ou água, foi que surgiu <strong>uma</strong> bebi<strong>da</strong> mais leve efi na. Do processo, resultava <strong>uma</strong>massade gordura que sesolidificava à temperaturaambiente. Em 1847,a empresa inglesaFry & Sonspassou a misturar esse “resíduo” à pasta de cacau eaçúcar, obtendo um produto sólido, que mantinha osabor original do chocolate. Nascia aí a paixão queconquistaria o mundo.Várias fábricas se instalaram <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>. Apioneira surgiu em Porto Alegre, em 1891, fun<strong>da</strong><strong>da</strong>pelos irmãos alemães Franz e Max Neugebauer.No início, os produtos artesanais <strong>da</strong> empresaeram vendidos de porta em porta, <strong>no</strong> lombo decavalos, logo substituídos por <strong>uma</strong> pequena frotade caminhões que ampliou a comercialização doschocolates e doces. Em 1896, a empresa, entãochama<strong>da</strong> Neugebauer & Irmãos, já era <strong>uma</strong> <strong>da</strong>smaiores do bairro Navegantes, em Porto Alegre,onde ficavam também a tecelagem de A. J. Rennere a pioneira fábrica de geladeiras Steigleder. ANeugebauer rei<strong>no</strong>u soberana até a Lacta ser fun<strong>da</strong><strong>da</strong>em São Paulo em 1912, pelo então cônsul suíçoAchilles Izella, com o <strong>no</strong>me de Societè A<strong>no</strong>nyme deChocolats Suisses. Em 1928, nascia a Kopenhagen,também em São Paulo, fun<strong>da</strong><strong>da</strong> pelo casal deimigrantes letões Anna e David Kopenhagen. Noa<strong>no</strong> seguinte, num galpão de Vila Velha, <strong>no</strong> EspíritoSanto, o alemão Henrique Meyerfreund criava aChocolates Garoto. O cacau brasileiro – já um grandesucesso <strong>no</strong>s Estados Unidos e na Europa – se fi rmavade vez como <strong>uma</strong> sóli<strong>da</strong> indústria nacional.Originário <strong>da</strong>s nascentes doAmazonas, o cacau dissemi<strong>no</strong>u-seem duas espécies: <strong>uma</strong> migrou paraa América Central, a outra para asGuianas. A planta chegou ao <strong>Brasil</strong>em 1746 quando o baia<strong>no</strong> AntonioDias Ribeiro obteve as sementes dofrancês Louis Warneau, morador doPará, e introduziu o cultivo na Bahia. Oprimeiro plantio se deu às margens dorio Pardo, município de Canavieiras.Em 1752 as plantações chegaram aIlhéus, <strong>no</strong> Sul <strong>da</strong> Bahia, onde surgiua chama<strong>da</strong> “civilização do cacau”,com seus respectivos “coronéis”. Os“coronéis” se foram, mas região ain<strong>da</strong>hoje responde por 95% <strong>da</strong> produçãobrasileira, embora as plantaçõestenham sido ataca<strong>da</strong>s pela pragaconheci<strong>da</strong> como “vassoura-de-bruxa”.123


As fábricas de chapéuO anúncio de 1929 não deixa dúvi<strong>da</strong>sde que a fábrica de chapéus paulistaRamenzoni – compra<strong>da</strong> em 1975 pelaCury – era sinônimo de elegância.INDÚSTRIA NA CABEÇANicolau Coelho tirou <strong>da</strong> cabeça <strong>uma</strong> carapuçade linho e um sombreiro preto, enquantoum marujo se desfez de um gorro de lã. Elesos ofereceram para os tupiniquins e, em troca,receberam um cocar. Só por isso – pela presençade diferentes chapéus <strong>no</strong> momento inaugural do<strong>Brasil</strong> – a indústria chapeleira já teria marcadolugar na história do país. Aquele foi apenas ocomeço, mas a questão é que depois que o chapéucaiu em desuso – alega<strong>da</strong>mente porque o expresidentedos Estados Unidos, John Kennedy,não gostava de usá-los –, perdeu-se na memória aimportância que ele teve <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong> e <strong>no</strong> mundo.Basta um mero olhar nas fotos de multidõesreuni<strong>da</strong>s em qualquer metrópole do planeta atéo início <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de 1950 – como <strong>no</strong> comíciopolítico em São Paulo em 1932 – para perceber:quem tinha cabeça, usava chapéu. Quase um séculoantes, por volta de 1860, quando a maquinariamovi<strong>da</strong> a vapor substituiu as máquinas de costuraconvencionais – que por sua vez tinham substituídoa costura artesanal –, a indústria chapeleira tor<strong>no</strong>use<strong>uma</strong> <strong>da</strong>s mais atuantes do <strong>Brasil</strong>, perdendo sópara a de tecidos grossos de algodão. Tanto sucesso,<strong>no</strong> entanto, não se deu sem confl itos.Em meados <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de 1870, a importaçãode chapéus europeus de lã tor<strong>no</strong>u-se tão intensaque os fabricantes brasileiros reuniram-se paraprotestar. O motivo <strong>da</strong> revolta foram as taxasde importação liberais impostas após o térmi<strong>no</strong><strong>da</strong> Guerra do Paraguai. Não bastasse isso, aentra<strong>da</strong> dos estrangeiros tinha se favorecido de<strong>uma</strong> mu<strong>da</strong>nça <strong>da</strong> mo<strong>da</strong>: os chapéus altos e durossubstituíram os baixos e moles, e a indústriabrasileira não conseguiu se a<strong>da</strong>ptar com rapidezaos <strong>no</strong>vos padrões. O resultado foi <strong>uma</strong> crise <strong>da</strong>indústria chapeleira nacional que culmi<strong>no</strong>u com ochamado “cataclismo de 1877”.A crise fez com que dezenas de fábricas dechapéus fossem fecha<strong>da</strong>s e muitos produtores124


passassem para o lado do comércio. Foi entãoque, pela primeira vez <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>, um grupo deindustriais se organizou para pedir proteção.Como não obtiveram resultados práticos junto àAssociação Comercial do Rio de Janeiro, foramà Socie<strong>da</strong>de Auxiliadora <strong>da</strong> Indústria <strong>Nacional</strong>.Iniciou-se <strong>no</strong> seio <strong>da</strong> SAIN um infl amadodebate que duraria quase um a<strong>no</strong>, confrontandocomerciantes e importadores de um lado efabricantes de chapéus e artistas chapeleiros deoutro. Em 1876, os produtores fi liados à SAINvenceram: as taxas de importação subiram e ochapéu nacional voltou às cabeças.Em 1907, a participação de chapéus brasileiros<strong>no</strong> mercado inter<strong>no</strong> já era de quase 89% e, entre1911 e 1913, eram produzidos cerca de 4,5 milhõesde chapéus masculi<strong>no</strong>s por a<strong>no</strong>. Depois de declinarum pouco durante a I Guerra, em 1919 a produçãointerna passou a representar 97,2% do mercado,tornando-se praticamente absoluta. Entre asmarcas mais admira<strong>da</strong>s estavam os “fi <strong>no</strong>s chapéos”<strong>da</strong> Fábrica Sarkys, <strong>da</strong> Chapelaria Ramenzoni, <strong>da</strong>Casa Pra<strong>da</strong> e <strong>da</strong> Indústria Brunetto. Empresas que,em 1920, nem perceberam a chega<strong>da</strong> de um <strong>no</strong>vo<strong>no</strong>me ao mercado: Cury.Os Cury – Miguel e seu pai Vicente– começaram reformando chapéus em Campinas,<strong>no</strong> interior de São Paulo, e logo evoluíram para<strong>uma</strong> pequena fábrica de carapuças de feltro. Em1924, os irmãos Salim e José Elias Zakia, primosde Miguel, passaram a integrar a socie<strong>da</strong>de <strong>da</strong>fábrica e, <strong>da</strong>í para frente, não houve mais quemfi zesse sombra para a Cury.A fábrica tor<strong>no</strong>u-se tão forte que, mesmocom a mo<strong>da</strong> do chapéu em decadência <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>– declínio que iniciou em 1930 e culmi<strong>no</strong>u <strong>no</strong>fi nal dos a<strong>no</strong>s 1950 –, continuou trabalhando semdescanso. Em 1975, adquiriu a clássica marcaRamenzoni e começou a produzir chapéus de lã ede pêlo de coelho que ostentavam a etiqueta “Curye Ramenzoni”. Na déca<strong>da</strong> de 1980, conquistouo mundo com um de seus modelos. Vendido <strong>no</strong>sEUA desde os a<strong>no</strong>s 1960, um dos chapéus Curycaiu nas mãos – e nas graças – do produtor de umfi lme de Hollywood. Por conta disso, Indiana Jonesusaria, desde sua primeira aventura, um chapéufabricado <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>. Do fi lme inaugural <strong>da</strong> série– lançado em 1981 – até hoje, a Cury já produziuaproxima<strong>da</strong>mente 500 mil uni<strong>da</strong>des do modelousado pelo ator Harrison Ford. Nem <strong>no</strong>s áureostempos o chapéu nacional esteve tão por cima.Como um objeto voador pairandosobre o Vale do Anhangabaú, SãoPaulo, um chapéu <strong>da</strong> marca Brunettoparece indicar o grande momento <strong>da</strong>história pelo qual o produto passou.Consta que a primeira fábrica dechapéus do <strong>Brasil</strong> foi instala<strong>da</strong> <strong>no</strong> Riode Janeiro em 1825 e que, em 1846,já havia outras seis operando emsolo carioca. No início, o pêlo usado<strong>no</strong> feltro era trazido principalmentedo Sul do <strong>Brasil</strong> e do Uruguai e, maistarde, ele foi substituído pelo pêlode coelho importado <strong>da</strong> Europa. Atémeados do século 19, a produção eramanual, contando com o auxílio dealg<strong>uma</strong>s ferramentas e instrumentos.Necessitava-se de pouco capital, masempregava-se um grande númerode pessoas. Milhares de operáriosaju<strong>da</strong>ram a colocar o chapéu brasileiroentre os melhores do mundo.125


A celuloseNascido em 1838, o paulistaAntônio Proost Rodovalho erarepublica<strong>no</strong> convicto, político atuantee empreendedor incansável. Em1868, apoiou a Guerra do Paraguai erecebeu o título ho<strong>no</strong>rífico de coronel.Ao montar a Melhoramentos, trouxetécnicos alemães e, na fazen<strong>da</strong>Caieiras, ergueu não só sua indústriapioneira de papel, como também <strong>uma</strong>fábrica de cimento, depois compra<strong>da</strong>pela Votorantim.A INDÚSTRIA FAZ SEU PAPELTrês séculos se passaram desde o primeirocontato do <strong>Brasil</strong> com o papel – a cartade Caminha – até a sua fabricação em solonacional. Um documento de 1809, escrito por freiJosé Maria<strong>no</strong> <strong>da</strong> Conceição Velozo ao conde deLinhares, traz a primeira referência ao produto:“Remeto amostra do papel, bem que não alvejado,feito em primeira experiência, <strong>da</strong> <strong>no</strong>ssa embira”.O a<strong>no</strong> <strong>da</strong> experiência não se deu por acaso. Aotornar-se sede <strong>da</strong> monarquia, o Rio de Janeiroprecisou prover a realeza e seus súditos com oproduto que atestava, documentava, imprimia eembalava. Precisou, portanto, fabricar papel.Mas as primeiras tentativas foram ummero rascunho. Só em 1852, <strong>no</strong>s arredores dePetrópolis, o barão de Capanemaabriu a Fábrica de Orian<strong>da</strong>,onde, até 1874, produziu umpapel com maiores predicados.Com a falência <strong>da</strong> Orian<strong>da</strong>,a produção de papel voltou àpágina em branco. Só em abrilde 1890, já em plena República,o emérito coronel AntônioRodovalho apresentou ao <strong>Brasil</strong>a sua Companhia Melhoramentosde São Paulo. Ti<strong>da</strong> como aprimeira fábrica de papel industrializado do país,possuía 230 operários e produzia seis tonela<strong>da</strong>spor dia, do papelão ao papel de se<strong>da</strong>.Líder de mercado, a Melhoramentos só iriasentir o peso <strong>da</strong> concorrência em 1909, a<strong>no</strong> emque os irmãos Klabin constituíram a CompanhiaFabricadora de Papel. A partir <strong>da</strong>í, iniciou-se <strong>uma</strong>disputa acirra<strong>da</strong> que chegou ao auge <strong>no</strong>s a<strong>no</strong>s 1920,quando a Melhoramentos foi compra<strong>da</strong> por outrosirmãos, os Weiszflog. Entre as i<strong>no</strong>vações, os irmãosOtto e Alfried Weiszflog produziram o primeiro papelhigiênico e a primeira toalha de papel do <strong>Brasil</strong> e, em1946, deram início à produção de celulose a partir deeucalipto, <strong>uma</strong> i<strong>no</strong>vação com repercussão mundial.A Klabin não ficou atrás. A partir de 1926, passoua disputar com a Melhoramentos a primeira posição<strong>no</strong> ranking de papéis e, em 1947 – já transforma<strong>da</strong>em Grupo Klabin, sob o comando dos primos HorácioLafer e Wolf Klabin –, conquistou o posto de “a maioruni<strong>da</strong>de integra<strong>da</strong> de produção de papel e celulose<strong>da</strong> América Latina”. Ao lado <strong>da</strong> Melhoramentos e <strong>da</strong>Klabin, a Suza<strong>no</strong>, cria<strong>da</strong> por Leon Feffer em 1941,entrou em cena para formar o poderoso triângulo deindústrias papeleiras. Um setor que fabrica, exportae, atualmente, recicla. Só <strong>no</strong> a<strong>no</strong> de 2007, o <strong>Brasil</strong>produziu 8,96 milhões de tonela<strong>da</strong>s de um produtoque vem <strong>da</strong> celulose, mas parece ouro branco.126


Indústria gráficaA MELHOR IMPRESSÃOOgrau de liber<strong>da</strong>de de <strong>uma</strong> nação pode sermedido pelo número de livros que ela publicae que seus ci<strong>da</strong>dãos lêem. Até 1808, a Coroaportuguesa reprimia com bem mais rigor a possede <strong>uma</strong> prensa tipográfi ca do que a de um tear.Em 1746, quando o português Antônio Isidoro <strong>da</strong>Fonseca abriu <strong>no</strong> Rio <strong>uma</strong> pequena ofi cina e imprimiufolhetos sobre a chega<strong>da</strong> do <strong>no</strong>vo bispo, Lisboamandou fechar a fábrica e apreendeu o material.As impressões brasileiras só iriam ganhar cartade alforria <strong>no</strong> dia 13 de maio de 1808. Mesmoassim, a tipografi a particular só viria em 1811,quando Manuel Antônio <strong>da</strong> Silva Serva editou oprimeiro jornal baia<strong>no</strong>, I<strong>da</strong>de d’Ouro do <strong>Brasil</strong>.Mas as empresas de grande porte, com estruturasmodernas e idéias “capitalistas”, só chegaramao mercado <strong>no</strong> século 20. Os irmãos Weiszfl og– que desde 1905 já estavam <strong>no</strong> mercado gráfi co(leia página ao lado) – são um bom exemplo:importaram máquinas, investiram em ediçõesbem acaba<strong>da</strong>s e fi zeram o primeiro livro coloridodo <strong>Brasil</strong>. O Patinho Feio, de Hans ChristianAndersen, lançado em 1915.No mesmo a<strong>no</strong>, outro famoso autor de livrosinfantis deu seu primeiro grande passo <strong>no</strong> mundodos negócios gráficos: em 1915, Monteiro Lobatopassou a ser um dos acionistas <strong>da</strong> Revista do <strong>Brasil</strong>,famoso periódico e editora nacionalista. A partir <strong>da</strong>í,não parou mais. Em 1920, fundou a editora MonteiroLobato & Cia. e, <strong>no</strong> início de 1924, transformou-a emsocie<strong>da</strong>de anônima: Cia. Gráfico-Editora MonteiroLobato. Contando com um complexo parque gráfico eampla distribuição, Lobato mostrou que o livro podiaser mercadoria.O sucesso e o volume de impressos, <strong>no</strong> entanto,não foram sufi cientes para que a editora resistisseà Revolta dos Tenentes – que fechou suas portaspor dois meses – e à seca de São Paulo – quetrouxe falta de energia elétrica. Em julho de 1925,sua falência foi decreta<strong>da</strong>. Mas Lobato, que bemsabia virar a página, logo fundou a memorável Cia.Editora <strong>Nacional</strong>, que <strong>da</strong>ria origem à <strong>Brasil</strong>iense.Com um enredo bem amarrado, o autor do Sítiodo Pica-Pau Amarelo colocou suas reinações nahistória <strong>da</strong> indústria gráfi ca nacional.Monteiro Lobato produzia em ritmoindustrial. Além de escrever muito,e bem, envolveu-se em questõesliga<strong>da</strong>s à indústria do petróleo, doferro e de medicamentos. Mas foi na“fabricação” de livros que provocou<strong>uma</strong> revolução, aumentando astiragens, sofisticando a programaçãovisual e contratando artistas parafazer as capas. Foi o pai-fun<strong>da</strong>dor<strong>da</strong> indústria editorial brasileira. ACia. Gráfico-Editora Monteiro Lobatonasceu com um capital de 2.200contos, divididos em 4.400 ações <strong>no</strong>valor de 500 mil-réis ca<strong>da</strong>. Foi a maiore mais importante empresa do ramo<strong>no</strong> país na época. Com sua falência,nasceu a Cia. Editora <strong>Nacional</strong>,onde Lobato rei<strong>no</strong>u ain<strong>da</strong> mais:“É a sucessora <strong>da</strong> minha primeirafilha, a qual morreu por excesso devitali<strong>da</strong>de”, disse ele.127


VotorantimAntônio Pereira Ignácio nasceuna aldeia de Baltar, em Portugal,em 29 de março de 1874. Aos deza<strong>no</strong>s veio para o <strong>Brasil</strong>, aos 20começou a investir <strong>no</strong> algodão eaos 30 foi para os Estados Unidos,empregando-se em <strong>uma</strong> fábrica têxtilna Carolina do Norte. Após algunsmeses na empresa, recebeu dosdiretores <strong>uma</strong> proposta considera<strong>da</strong>irrecusável: ofereceram-lhe achefia de <strong>uma</strong> seção. Em resposta,Ignácio convidou-os para jantar. Aochegarem ao melhor hotel <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de,os patrões foram surpreendidos porum anfitrião bem vestido que lhesrevelou a ver<strong>da</strong>de: era um industrialbrasileiro que se empregara nafábrica para “absorver” tec<strong>no</strong>logiado exterior. Com atitudes ousa<strong>da</strong>scomo essa, Ignácio virou um ícone <strong>da</strong>indústria. Morreu em 14 de fevereirode 1951 deixando muitas histórias eum gigante chamado Votorantim.UM IMPÉRIO DE PAI PARA GENROAntônio Pereira Ignácio era um imigranteportuguês, fi lho de sapateiro e autodi<strong>da</strong>ta,que já tinha se tornado um dos homens mais ricosde São Paulo. José Ermírio de Moraes nascera <strong>no</strong>seio de <strong>uma</strong> tradicional família pernambucanade senhores de engenho e havia se formadoengenheiro de minas <strong>no</strong>s Estados Unidos. Ao seencontrarem <strong>no</strong>s Alpes Suíços, por puro acaso,em 1924, não faziam idéia <strong>da</strong> força com que duastrajetórias tão distintas iriam se entrelaçar. Maslogo se tornaram amigos, parentes e sócios.Ao conhecer o futuro genro, Pereira Ignácio– que chegara ao <strong>Brasil</strong> em 1884, ain<strong>da</strong> criança– já era um industrial de peso. Começou aju<strong>da</strong>ndoo pai, virou comerciante e depois se envolveu comimportação. A partir de meados do século 20, foiabrindo um leque de negócios capaz de abrigar<strong>uma</strong> dezena de empresas espalha<strong>da</strong>s pelo interiorde São Paulo. Catorze descaroçadores de algodão,fábricas de tecido e de óleo, <strong>uma</strong> companhiatelefônica, <strong>uma</strong> geradora de energia elétrica e aantiga fábrica de cimentos do coronel Rodovalhoestavam costurados entre si e atados sob o seucontrole. Tudo isso, <strong>no</strong> entanto, não era na<strong>da</strong> secomparado à empresa que ele havia adquirido seisa<strong>no</strong>s antes de embarcar para a Suíça: em 1918,Ignácio comprara a Votorantim.<strong>Produto</strong> direto do Encilhamento, a história dessaindústria começa em 1890, quando o Banco União deSão Paulo adquiriu a fazen<strong>da</strong> Votorantim, <strong>no</strong> interiorde Sorocaba, para ali implantar <strong>uma</strong> fábrica de tecidose estamparia. A<strong>no</strong>s depois, falido e sem condiçõesde continuar investindo na empresa, o banco arrendoua fábrica e depois a vendeu para Pereira Ignácio, quea transformou em socie<strong>da</strong>de anônima.Quando foi compra<strong>da</strong>, a Votorantim já era <strong>uma</strong><strong>da</strong>s maiores do ramo têxtil nacional. Tinha 100 milmetros quadrados de área construí<strong>da</strong> e terre<strong>no</strong>sanexos que se estendiam por outros 1,88 milhãode metros quadrados. Seus 1.300 teares, 66 milfusos e 1.800 operários produziam 20 milhões detecidos por a<strong>no</strong>, entre algodões, chitas, morins,brins, cassas, lenços, toalhas e “fl aneletas”. Nosetor de estamparia, sete máquinas possuíamcapaci<strong>da</strong>de duas vezes maior do que a de to<strong>da</strong>s asoutras fábricas paulistas juntas. Para completar,o transporte dos trabalhadores e o escoamento<strong>da</strong> produção eram feitos por <strong>uma</strong> estra<strong>da</strong> de ferroparticular com quatro locomotivas de 14 tonela<strong>da</strong>s,sete vagões de passageiros e 44 de carga. Com essaforça, a Votorantim logo se tornaria <strong>uma</strong> máquinade gerar <strong>no</strong>vas indústrias. Máquina que AntônioPereira Ignácio azeitou e José Ermírio de Moraescolocou em movimento com vigor e maestria.128


E foi justamente um movimento do desti<strong>no</strong> queproporcio<strong>no</strong>u o encontro de Pereira Ignácio – e desua fi lha Helena – com José Ermírio de Moraes. Napequena ci<strong>da</strong>de alpina de Valmont, ao procuraremo mesmo médico, <strong>uma</strong> empatia imediata e tãointensa nasceu entre eles que, meses depois, afamília Pereira Ignácio ganhou um <strong>no</strong>vo membro ea Votorantim, um <strong>no</strong>vo diretor. Ermírio de Moraescasou-se com Helena.Descendente de antigas e poderosas famíliaspatriarcais, José Ermírio de Moraes formou-se naColorado School of Mines. Lá, recebeu influência dopragmatismo <strong>no</strong>rte-america<strong>no</strong> e, de volta à sua terraem 1921, foi colocar a teoria em prática nas MinasGerais, onde trabalhou para a Saint John Del ReyMining Co. Não fosse um chamado <strong>da</strong> sua famíliapara que assumisse a Usina Aliança, provavelmenteteria fi ncado raízes em solo mineiro. Mas o desti<strong>no</strong>estava traçado e, na viagem cujo objetivo era comprade equipamentos para a usina de açúcar, ele acaboupor ganhar sogro e cargo poderosos.Quando assumiu a diretoria <strong>da</strong> Socie<strong>da</strong>deAnônima Votorantim, em 1925, José Ermíriopassou a cui<strong>da</strong>r <strong>da</strong> compra de matérias-primas, doprograma de produção, <strong>da</strong>s ven<strong>da</strong>s e <strong>da</strong>s fi nanças<strong>da</strong> empresa, enquanto Antônio Pereira Ignáciomantinha-se em um pla<strong>no</strong> mais institucional,distante <strong>da</strong>s decisões do dia-a-dia. Com tenaci<strong>da</strong>dee alta dose de disciplina, Ermírio assumiumúltiplas tarefas, mas ain<strong>da</strong> encontrou tempopara a política empresarial. Em 1928, com apenas28 a<strong>no</strong>s, participou <strong>da</strong> fun<strong>da</strong>ção do Centro <strong>da</strong>sIndústrias do Estado de São Paulo – CIESP.Ao seu lado, ocupando a cadeira <strong>da</strong> presidênciado CIESP, estava aquele que seria um dos seusmaiores adversários. Com Francisco Matarazzo,José Ermírio iria travar lutas pela patente <strong>da</strong>fabricação de óleo vegetal desodorizado e pelopreço justo <strong>da</strong> fi bra sintética de rayon (que fezsucesso antes do naylon). Apesar de bem maisjovem, não se deixou intimi<strong>da</strong>r pelo conde italia<strong>no</strong>,assim como não se permitiu abater pela crise de1930. “Somente a segurança em mim mesmo,na empresa e <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>, e o apoio irrestrito demeu sogro, animavam-me a prosseguir semdesfalecimento”, diria mais tarde.Com José Ermírio, o grupo Votorantimpassou por intensa diversifi cação. Ao morrer,em 1973, deixou como legado um dos maioresconglomerados empresariais brasileiros,agrupando quase 50 empresas <strong>no</strong>s ramos <strong>da</strong>indústria química, siderúrgica, metalúrgica,petroquímica, açucareira, têxtil, de metais nãoferrosos,de cimento, de papel e celulose.José Ermírio de Moraes nasceu em1900 <strong>no</strong> interior de Pernambuco.Quando o meni<strong>no</strong> de engenho cresceue foi estu<strong>da</strong>r <strong>no</strong>s Estados Unidos,recebeu dos colegas <strong>no</strong>rte-america<strong>no</strong>so apelido de Count (Conde) por seusmodos refinados e sua aparênciaaristocrática. À frente <strong>da</strong> Votorantim,tor<strong>no</strong>u-se o “rei” do cimento, omaior acionista <strong>da</strong> Nitro Química e opioneiro do alumínio <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>.129


O poder e a glória: a primeira foto<strong>da</strong> diretoria do CIESP revelava apresença dos maiores industriaisdo país. Sentados, <strong>da</strong> esquer<strong>da</strong>para a direita, estão Horácio Lafer,Jorge Street, o presidente FranciscoMatarazzo, seu vice, RobertoSimonsen, e Plácido Meirelles. Em pé,na mesma ordem, Antonio Devisate,José Ermírio de Moraes, Carlos vonBulow e Alfredo Weisflog.CIESPA UNIÃO DOS EMPRESÁRIOS PAULISTASEm 1º de julho de 1928, quando a primeiradiretoria do Centro <strong>da</strong>s Indústrias do Estadode São Paulo (CIESP) foi empossa<strong>da</strong>, reuniram-seas maiores fortunas e os homens mais infl uentesdo país. Era um refl exo evidente do poder que SãoPaulo já detinha e agora queria exibir e exercer.Antes <strong>da</strong> criação do CIESP, a principal portavozdos empresários paulistas era a AssociaçãoComercial de São Paulo, fun<strong>da</strong><strong>da</strong> em 1894 e que,em 1917, havia absorvido o Centro de Comércio eIndústria de São Paulo. Apesar do vínculo que, apartir de então, se estabeleceu entre comércio eindústria, o fato é que a associação permaneceusob o controle quase exclusivo <strong>da</strong> ala liga<strong>da</strong> aocomércio. Os industriais, é evidente, não estavamnem um pouco satisfeitos com a situação.A oportuni<strong>da</strong>de de mu<strong>da</strong>r tal quadro veio emjaneiro de 1928, quando se iniciaram os preparativospara as eleições <strong>da</strong> <strong>no</strong>va diretoria. Duas correntesantagônicas se formaram. A primeira, de situação,era integra<strong>da</strong> por exportadores e importadoresligados ao Partido Democrático de São Paulo,liderados por Horácio Rodrigues. A outra, deoposição, tinha o apoio dos industriais e, sob aliderança de Jorge Street, estava vincula<strong>da</strong> ao PartidoRepublica<strong>no</strong> Paulista (PRP). O confl ito foi tal quenem mesmo a proposta de <strong>uma</strong> terceira diretoria– de caráter conciliatório – apaziguou os ânimos.O resultado foi que os industriais abandonarama Associação e decidiram fun<strong>da</strong>r sua própriaenti<strong>da</strong>de. O poderio <strong>da</strong> indústria paulista já em muitosuplantara o do comércio – e o surgimento do CIESPveio apenas referen<strong>da</strong>r tal reali<strong>da</strong>de.130


No evento inaugural, o vice-presidente <strong>da</strong> <strong>no</strong>vaassociação, Roberto Simonsen, discorreu sobre a“orientação industrial brasileira” num discursoain<strong>da</strong> hoje considerado um marco do pensamentoeconômico nacional. Quem assumiu a presidênciafoi Francisco Matarazzo, mas seu cargo era quaseho<strong>no</strong>rário, pois, na prática, os rumos <strong>da</strong> enti<strong>da</strong>deeram ditados por Simonsen e Street. Naquele 1ºde julho foram aprovados os estatutos do CIESP,que “como <strong>uma</strong> socie<strong>da</strong>de civil volta<strong>da</strong> para osetor industrial”, propunha-se “a defender osinteresses de seus associados e <strong>da</strong> indústria emgeral, fomentando seu intercâmbio com as demaisassociações de classe; a cooperar com o gover<strong>no</strong><strong>no</strong> estudo e na solução de questões diretamenteliga<strong>da</strong>s aos interesses <strong>da</strong> indústria, bem como apleitear junto aos poderes públicos reformas emedi<strong>da</strong>s em benefício <strong>da</strong> classe”.E foi justamente para “cooperar com ogover<strong>no</strong>” que estava <strong>no</strong> poder – e exercia <strong>uma</strong>política econômica indiscutivelmente favorável aosinteresses industriais paulistas – que, em agostode 1929, o CIESP lançou um manifesto de apoioà chapa de Júlio Prestes, candi<strong>da</strong>to a presidênciaque <strong>da</strong>ria continui<strong>da</strong>de ao gover<strong>no</strong> de WashingtonLuís (leia box). Apesar <strong>da</strong> vitória de Prestes nasurnas, em março de 1930, a comemoração nãodurou muito. Antes do fi nal <strong>da</strong>quele a<strong>no</strong>, viria ogolpe de Vargas, o que iria intensifi car o pesadeloiniciado em outubro de 1929, com a quebra <strong>da</strong>bolsa em Nova York. No auge de seu poder, osindustriais paulistas teriam que enfrentar suasmaiores difi cul<strong>da</strong>des.Em 19 de março de 1931, por meio do Decretonº 19.770, o Gover<strong>no</strong> Provisório de Vargasregulamentou a sindicalização <strong>da</strong>s classes patronaise trabalhadoras e abriu a possibili<strong>da</strong>de de seremcria<strong>da</strong>s federações estaduais que, por sua vez,congregariam os sindicatos regionais. Como o CIESPnão podia incluir sindicatos, mas apenas fi rmasindividuais, tor<strong>no</strong>u-se mais conveniente para a classeindustrial ser representa<strong>da</strong> por <strong>uma</strong> federação.Foi assim que o CIESP converteu-se em FIESP– Federação <strong>da</strong>s Indústrias do Estado de São Paulo –,sem deixar, contudo, de ser <strong>uma</strong> associação civil.Mas se a FIESP nasceu em ple<strong>no</strong> Gover<strong>no</strong>Provisório, isso não signifi ca dizer que osempresários paulistas fossem favoráveis a ele. Emjulho de 1932, a ci<strong>da</strong>de de São Paulo seria toma<strong>da</strong>por um movimento armado pela “Constituição epela ordem”. Durante todo o movimento, a FIESP,sucessora do CIESP, permaneceu fi rme na defesa<strong>da</strong> causa paulista, mantendo as fábricas emfuncionamento e afi rmando que “trabalhando,mesmo com sacrifícios, as empresas colaboram nagrande obra em que São Paulo está empenha<strong>da</strong>”.Passados os primeiros confl itos, viria o EstadoNovo e, com ele, <strong>no</strong>vas leis. Entre elas, o Decretonº 1.402, de 5 de julho de 1939, que tornaria otermo “federação” de uso exclusivo para órgãossindicalizados. Como a FIESP era <strong>uma</strong> associaçãocivil, e assim desejava continuar, decidiu voltar àsorigens e retomar o antigo <strong>no</strong>me. A partir de então,passaram a coexistir o CIESP, enti<strong>da</strong>de civil, e aFIESP, enti<strong>da</strong>de sindical, que, em seus informesofi ciais, assinavam CIESP/FIESP.Eleito em 1926 como décimo primeiropresidente do <strong>Brasil</strong>, WashingtonLuís Pereira de Sousa (1869-1957)sentia-se tão consoli<strong>da</strong>do <strong>no</strong> poderque decidiu romper com a aliança“café-com-leite” e, em vez de indicarum mineiro à sua sucessão, optoupelo paulista Júlio Prestes. Foium erro político – e o estopim <strong>da</strong>Revolução de 30. Mas o que de fatofragilizou seu gover<strong>no</strong> foi a quebra<strong>da</strong> Bolsa de Nova York, em outubrode 1929. Antes do final <strong>da</strong>quelea<strong>no</strong>, já havia mais de dois milhõesde desempregados <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong> e 579fábricas fecharam as portas <strong>no</strong> Rio eem São Paulo. Os salários caíram 40%e o preço <strong>da</strong> saca de café desabou de200 mil-réis para 21 mil-réis. Nenhumgovernante resistiria a tamanhocataclismo. Na foto acima, umenfraquecido Washington Luís deixao Palácio do Catete rumo ao exílio.131


IVUM PAÍS EM LINHADE MONTAGEM


Revolução de 30Ao pé do obelisco: os milicia<strong>no</strong>s deVargas chegam ao Rio de Janeiro,<strong>no</strong> último dia de outubro de 1930,e amarram suas cavalgaduras <strong>no</strong>obelisco <strong>da</strong> Aveni<strong>da</strong> Central. Foi o fimde <strong>uma</strong> era – e o início de outra.OS CAVALOS NO OBELISCONo último dia de outubro de 1930, Getúlio Vargasfez sua entra<strong>da</strong> triunfal <strong>no</strong> Rio de Janeiro. Vestiauniforme militar, lenço vermelho e chapéu de gaúcho.Apesar de ele ter vindo do Sul de trem, muitos deseus aliados gaúchos cobriram o percurso de quase1.500 quilômetros a cavalo. Eles trotaram pelas ruas<strong>da</strong> capital com um misto de desprezo e fascínio peloesplendor urba<strong>no</strong>. Ao atingir o centro <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de,amarraram suas montarias ao pé do obelisco<strong>da</strong> Aveni<strong>da</strong> Central. Foi <strong>uma</strong>cena emblemática. Para osrevoltosos, era <strong>uma</strong> formade mostrar que um <strong>no</strong>vogrupo chegavaao poder.Para os moradores <strong>da</strong> capital, era <strong>uma</strong>“vergonhosa profanação” de um símbolo nacional.Em 1930, o Rio Grande do Sul era o me<strong>no</strong>sdependente <strong>da</strong> eco<strong>no</strong>mia internacional e, portanto,o me<strong>no</strong>s prejudicado por seu colapso. WashingtonLuís cometera erros políticos, mas a crise mundialderrubaria qualquer presidente num país tãodependente dos mercados exter<strong>no</strong>s. Militarmente,a Revolução de 30 foi a vitória do Sul e de Minassobre o Rio e São Paulo. Mas seria a última vez queos estados enfrentariam o gover<strong>no</strong> federal: 11 diasdepois dos cavalos <strong>no</strong> obelisco, Vargas suspendeua Constituição e desig<strong>no</strong>u interventores para osestados. Não foi só o desfecho do golpe: foi o fi m<strong>da</strong> aliança café-com-leite, o ocaso de <strong>uma</strong> era e aque<strong>da</strong> <strong>da</strong> República Velha. O <strong>Brasil</strong> tinha um <strong>no</strong>voregime e um <strong>no</strong>vo ditador. Mas teria também <strong>uma</strong><strong>no</strong>va aurora industrial.134


Revolução de 32SÃO PAULO EM ARMASOs cavalos que os correligionários de Vargasamarraram <strong>no</strong> obelisco <strong>da</strong> Aveni<strong>da</strong> Centralsimbolizavam bem a ambivalência do movimento quepassou à história com o <strong>no</strong>me de Revolução de 30.Embora viessem anunciar a derroca<strong>da</strong> <strong>da</strong> RepúblicaVelha e <strong>da</strong> oligarquia rural cafeicultora que acoman<strong>da</strong>va; embora chegassem para fazer o <strong>Brasil</strong>ingressar de vez <strong>no</strong> século 20 – época marca<strong>da</strong>menteindustrial, urbana e multifaceta<strong>da</strong> –, suasferraduras tilintaram <strong>no</strong> pavimentopercorrido por bondes que, pertencentesà empresa de Percival Farquhar, já nãoeram puxados por cavalos, mas movidospor energia elétrica, também forneci<strong>da</strong>por Farquhar. Tratava-se, portanto, de ummovimento que, embora pretendesse modernizaro <strong>Brasil</strong>, ain<strong>da</strong> se vinculava ao passado. A própriaindumentária de Vargas revelava um típico caudilhogaúcho, positivista e “plati<strong>no</strong>”. Mas as circunstânciashistóricas o levariam a reforçar sua porção reformistae, <strong>no</strong> decorrer dos mais de 20 a<strong>no</strong>s que ele semanteve <strong>no</strong> poder, um <strong>no</strong>vo <strong>Brasil</strong> iria surgir.A classe média e a classe operária enfi m teriam suasvozes escuta<strong>da</strong>s e anseios atendidos, ao passo queo pensamento industrial brasileiro iria amadurecer.Antes de se fi rmar, porém, o <strong>no</strong>vo regime teve queenfrentar a “guerra paulista”.São Paulo fora o principal derrotado naRevolução de 30. Normal, portanto, que a primeirarevolta contra Vargas eclodisse <strong>no</strong> mais rico estado<strong>da</strong> Federação. Tal como o movimento varguista,a Revolução Constitucionalista de 1932 tinha umolho <strong>no</strong> passado e outro <strong>no</strong> futuro. Sob a bandeira<strong>da</strong> constitucionalização (Vargas suspendera aConstituição de 1891 e não pusera outra <strong>no</strong> lugar),abrigaram-se tanto os que queriam o regresso <strong>da</strong>“república dos fazendeiros” quanto os queansiavam fazer do <strong>Brasil</strong> <strong>uma</strong> democracialiberal. O movimento eclodiu em 9 de julhode 1932, durou três meses e foi sangrento.Ao fi nal dele, ambos os lados viram queseria preciso fazer concessões.Figura destaca<strong>da</strong> <strong>da</strong> “guerra paulista” foi oempresário Roberto Simonsen – um dos que tinhamo olhar voltado para o futuro. Durante o confronto,presidiu a Comissão de Mobilização Industrial e,como presidente interi<strong>no</strong> <strong>da</strong> FIESP, manteve asindústrias paulistas na ativa, provendo as tropas.Com a derrota, Simonsen exilou-se em Bue<strong>no</strong>sAires, mas em 1933, eleito para a Constituinte,iniciou a carreira que faria dele o maior <strong>no</strong>me <strong>da</strong>“segun<strong>da</strong> geração industrialista brasileira”. Parentede Jorge Street, Simonsen não só <strong>da</strong>ria continui<strong>da</strong>decomo iria aprimorar sua obra como líder patronal.Em 9 de julho de 1932, RobertoCochrane Simonsen (ao centro, naefígie) já tinha <strong>uma</strong> sóli<strong>da</strong> carreiraempresarial (leia p. 136). Mas a“guerra paulista” o projetarianacionalmente. Não por causa doconflito em si, mas porque, devidoa ele, Vargas viu-se compelido aconvocar <strong>uma</strong> Assembléia <strong>Nacional</strong>Constituinte, em julho de 1933.Após retornar de seu breve exíliona Argentina, Simonsen elegeu-sedeputado classista e, durante ostrabalhos, articulou a formação <strong>da</strong>Chapa Única por São Paulo Unido,que agrupava os empresáriospaulistas. Embora apoiasse ainiciativa priva<strong>da</strong>, o grupo ajudoua encaminhar a aprovação de <strong>uma</strong>legislação social que definiu osdeveres do Estado e os direitos dostrabalhadores. Na imagem acima, umdos pôsteres <strong>da</strong> guerra civil de 1932.135


Roberto SimonsenApesar de ter se <strong>no</strong>tabilizado como omaior <strong>no</strong>me do pensamento industrial<strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>, Roberto Simonsen (acima)começou a carreira como engenheiro,sendo responsável pela construção deprédios belíssimos, como o <strong>da</strong> Bolsado Café, em Santos (abaixo).O PAI DA MATÉRIAQuando Roberto Simonsen nasceu, o <strong>Brasil</strong> jánão era um país escravista. Mas apenas <strong>no</strong>vemeses haviam se passado desde que a escravidão foraaboli<strong>da</strong> – 350 a<strong>no</strong>s depois de ter começado. QuandoRoberto Simonsen nasceu, o <strong>Brasil</strong> ain<strong>da</strong> era <strong>uma</strong>monarquia – mas o seria somente por outros <strong>no</strong>vemeses. Portanto, Roberto Cochrane Simonsen veio aomundo – na casa dos pais, <strong>no</strong> Rio de Janeiro, em 18de fevereiro de 1889 – entre dois momentos-chave<strong>da</strong> história do <strong>Brasil</strong>: a assinatura <strong>da</strong> Lei Áurea e aproclamação <strong>da</strong> República. Esse, porém, estaria longede ser o único indício de que sua vi<strong>da</strong> iria transcorrerem estreita conexão com a trajetória do país.Sangue de empreendedores ingleses corria nasveias de Roberto Simonsen. Seu pai, Sidney MartinSimonsen (1859-1930), trocara a Inglaterra pelo<strong>Brasil</strong> em 1875, instalando-se, tempos depois, emSantos – o local do primeiro engenho de açúcardo <strong>Brasil</strong>, o porto do café, o ponto de parti<strong>da</strong> <strong>da</strong>ferrovia “inglesa”. Gerente do Banco Indústria eComércio, Sidney também foi pioneiro na instalação<strong>da</strong> linha telefônica entre Santos e o Rio de Janeiroe negociante de café. Mas, embora Santos e o paitenham tido papel primordial na vi<strong>da</strong> de Roberto,sua formação profi ssional se deu em São Paulo eseu principal mentor foi o avô mater<strong>no</strong> e padrinhoInácio Wallace Cochrane (1836-1912).Deputado provincial de 1870 a 1879, diretor de<strong>uma</strong> <strong>da</strong>s mais importantes fi rmas de exportação decafé de Santos, membro <strong>da</strong> diretoria <strong>da</strong> CompanhiaPaulista de Estra<strong>da</strong>s de Ferro, criador de Companhiade Melhoramentos de Santos e fun<strong>da</strong>dor do InstitutoPasteur de São Paulo, Inácio mostrou-se decisivona vi<strong>da</strong> e nas aspirações de Roberto. Com 12a<strong>no</strong>s, o garoto foi morar com o avô em São Pauloe, com apenas 14, ingressou na Escola Politécnica<strong>da</strong> capital. Saiu de lá aos 20, em 1919, comoengenheiro. No a<strong>no</strong> seguinte, arrumou o primeiroemprego na Southern Brazil Railway, ferrovia quepertencia a Farquhar. Para sua sorte, ficou poucotempo na empresa e já não trabalhava lá quandoeclodiu o sinistro confl ito de Contestado, em 1912.Depois de ter sido engenheiro-chefe <strong>da</strong>Companhia de Melhoramentos, a fi rma de seu avô,Roberto fundou, junto com os irmãos, em 1912,a Companhia Construtora de Santos, pioneiraem planejamento urbanístico e responsável pelaconstrução de prédios belíssimos, como o <strong>da</strong> Bolsado Café (imagem à esquer<strong>da</strong>) e <strong>da</strong> AssociaçãoComercial, além de armazéns, bancos e <strong>da</strong> baseaérea <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de. Adepto do taylorismo – doutrinaque pregava administração racional e incentivo àprodutivi<strong>da</strong>de –, logo transformou sua fi rma em <strong>uma</strong>empresa moderna, um modelo de competitivi<strong>da</strong>de.136


Em meio ao boom econômico trazido pela IGuerra, Simonsen criou o Centro de Construtores eIndustriais de Santos, <strong>no</strong> seio do qual estabeleceua primeira junta de conciliação do <strong>Brasil</strong>, unindorepresentantes de patrões e operários num momentoem que a expressão “justiça do trabalho” não eranem fi cção <strong>no</strong> país. No pós-guerra, iniciou ascensãometeórica como empresário. Estudou a indústriado algodão, <strong>da</strong>s madeiras e dos frigorífi cos e seusensaios ganharam destaque <strong>no</strong> Times, de Londres.Em 1923, eleito presidente do Sindicato <strong>Nacional</strong>de Combustíveis Líquidos, passou a dirigir aCerâmica São Caeta<strong>no</strong>. Três a<strong>no</strong>s depois, organizoua Companhia <strong>Nacional</strong> <strong>da</strong> Borracha e a deArtefatos de Cobre, responsáveis pela diminuição<strong>da</strong> importação desses produtos. Então, seguindo atradição familiar, vinculou-se ao comércio do café,criando <strong>uma</strong> casa comissionária e estreitando laçoscom o então presidente do <strong>Brasil</strong> Washington Luís.Em 1927, envolveu-se ativamente <strong>no</strong> racha quelevou os industriais a romperem com a AssociaçãoComercial de São Paulo e fun<strong>da</strong>rem, em junho doa<strong>no</strong> seguinte, o CIESP, do qual assumiu a vicepresidência.O CIESP apoiou a candi<strong>da</strong>tura eeleição de Júlio Prestes, que defl agrou a Revoluçãode 30. Apesar de contrário ao movimento, Simonsenain<strong>da</strong> assim <strong>no</strong> a<strong>no</strong> seguinte envolveu-se, juntocom o então partidário de Vargas Euvaldo Lodi(leia p. 138), nas tratativas referentes às tarifasalfandegárias, mantendo contato direto com Vargas,então chefe do gover<strong>no</strong> provisório. Ain<strong>da</strong> em 1931,foi um dos idealizadores do Instituto de OrganizaçãoRacional do Trabalho.Mas em 1932, com a eclosão <strong>da</strong> “guerrapaulista”, Simonsen apóia a causa de São Paulocontra Vargas. Após breve exílio na Argentina,é eleito deputado constituinte e aju<strong>da</strong> a formulara <strong>no</strong>va legislação trabalhista, mantendo posiçãoadmiravelmente equilibra<strong>da</strong>, favorável aointervencionismo estatal na eco<strong>no</strong>mia desde que ainiciativa priva<strong>da</strong> fosse preserva<strong>da</strong>, para evitar osexcessos tanto do “estatismo absorvente” quanto <strong>da</strong>“socialização apressa<strong>da</strong>”. Tal postura levou-o tanto afazer parte do restrito círculo de empresários ligadosa Vargas quanto a ser alvo de ataques desferidospela Ação Integralista <strong>Brasil</strong>eira, de direita, e pelaAliança Libertadora <strong>Nacional</strong>, de esquer<strong>da</strong> – reflexo<strong>da</strong>queles tempos tão polarizados.Foi justo nas ameaças <strong>da</strong> ALN (que em 1935defl agrou a chama<strong>da</strong> Intentona Comunista) e <strong>da</strong>AIB (cujos militantes tentariam invadir o Paláciodo Catete) que Vargas encontrou o pretexto para, em<strong>no</strong>vembro de 1937, decretar o Estado Novo – tidocomo “o golpe dentro do golpe”, pois radicalizou oregime imposto em 1930. Embora tenha perdidoo cargo de deputado federal e o posto <strong>no</strong> ConselhoFederal do Comércio Exterior (<strong>no</strong> qual substituíraLodi), Simonsen não se opôs à <strong>no</strong>va e autoritáriaConstituição. Mas o a<strong>no</strong> seguinte seria ain<strong>da</strong> maisagitado para ele. Primeiro, entrou para o InstitutoHistórico e Geográfi co <strong>Brasil</strong>eiro (fun<strong>da</strong>do pelaSAIN, cem a<strong>no</strong>s antes); depois, foi reeleito para apresidência <strong>da</strong> FIESP (e, em protesto, 297 empresasse retiraram <strong>da</strong> enti<strong>da</strong>de). Por fi m, em agosto,tor<strong>no</strong>u-se, junto com Euvaldo Lodi, o principalresponsável pela fun<strong>da</strong>ção <strong>da</strong> <strong>CNI</strong>.Embora durante to<strong>da</strong> a vi<strong>da</strong> adultaassinasse Roberto C. Simonsen, oengenheiro, empresário, político eeco<strong>no</strong>mista que mudou a históriado pensamento industrial <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>possuía ligações familiares como legendário Lobo do Mar, LordeCochrane, um dos artífices <strong>da</strong>Independência do <strong>Brasil</strong>. O avômater<strong>no</strong> de Roberto era InácioWallace <strong>da</strong> Gama Cochrane, bisnetoadotivo de Thomas Cochrane,patriarca <strong>da</strong> família Cochrane <strong>no</strong><strong>Brasil</strong> e neto do controverso lordeinglês que D. Pedro I contratara paradirigir a marinha brasileira. Autorde mais de <strong>uma</strong> dezena de livros,Roberto Simonsen tor<strong>no</strong>u-se, em1946, o primeiro eco<strong>no</strong>mista eleitopara a Academia <strong>Brasil</strong>eira de Letras,em cujo fardão aparece na foto acima.O pefil de Simonsen, publicadonestas páginas, baseia-se <strong>no</strong> artigode Sonia Dias publicado <strong>no</strong> DicionárioHistórico/Biográfico <strong>Brasil</strong>eiro.137


Euvaldo LodiNatural de Ouro Preto – a ci<strong>da</strong>deque viu ouro surgir e desaparecer ea Conjuração Mineira nascer e sermorta –, Euvaldo Lodi (acima, aos19 a<strong>no</strong>s) interessou-se desde cedopelas questões minerais <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>.Aos 25 a<strong>no</strong>s, encarregado pelaComissão <strong>Nacional</strong> de Siderurgia, fezum levantamento <strong>da</strong>s ocorrências decarvão, minério de ferro e manganês<strong>no</strong>s estados de Santa Catarina eParaná, já visando à instalação de <strong>uma</strong>siderúrgica <strong>no</strong> país. Antes dos 30 a<strong>no</strong>s,porém, Lodi tor<strong>no</strong>u-se presidente doCentro Industrial de Juiz de Fora, queele próprio ajudou a fun<strong>da</strong>r. A partirde então, seu foco voltou-se para aativi<strong>da</strong>de institucional e política emprol <strong>da</strong> industrialização do <strong>Brasil</strong> e,embora continuasse à frente de umleque de empresas, assim se manteveaté sua morte, em 1956.O perfil de Lodi, publicado nestaspáginas, baseia-se <strong>no</strong> artigo deSonia Dias publicado <strong>no</strong> DicionárioHistórico/Biográfico <strong>Brasil</strong>eiro.O ENGENHEIRO DA INDÚSTRIAFaltavam quatro a<strong>no</strong>s para o fi nal do século 19quando Euvaldo Lodi nasceu em Minas Gerais.Esse peque<strong>no</strong> descompasso com a cro<strong>no</strong>logia não oimpediria de se tornar um típico homem do século20 e, tal como Roberto Simonsen – com quemiria desenvolver <strong>uma</strong> sóli<strong>da</strong> parceria –, construirto<strong>da</strong> sua trajetória em afi na<strong>da</strong> sintonia com odesenvolvimento do pensamento industrial <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>.Ouro Preto – a antiga Vila Rica de poetas einconfidentes, a jóia barroca urbana, ergui<strong>da</strong> àsombra do Itacolomi, nas cercanias <strong>da</strong> Mina <strong>da</strong>Passagem –, já há muito assistira seus veios auríferosse esvaírem, mas ain<strong>da</strong> era a capital de MinasGerais quando, a 9 de março de 1896, EuvaldoLodi veio ao mundo. Se o ouro se fora, o ferro ain<strong>da</strong>estava lá – e em quanti<strong>da</strong>des prodigiosas. Como seantevendo o papel que o minério iria desempenhar<strong>no</strong> desenvolvimento do <strong>Brasil</strong>, o jovem Euvaldomatriculou-se na Escola de Minas e Metalurgia,de onde saiu engenheiro em 1920. Em 1923,depois de trabalhar na construção de rodovias,ferrovias, exploração de minas de ferro e carvão ena instalação de for<strong>no</strong>s metalúrgicos – ativi<strong>da</strong>desto<strong>da</strong>s liga<strong>da</strong>s ao implemento de <strong>uma</strong> base industrialpara o <strong>Brasil</strong> –, Lodi foi convi<strong>da</strong>do para integrar aComissão <strong>Nacional</strong> de Siderurgia, ain<strong>da</strong> em plenapolêmica nacionalista com a Itabira Iron Ore.Não restringiu sua atuação ao campo siderúrgico,redigindo artigos sobre tarifas aduaneiras e o velhoconfronto entre os interesses <strong>da</strong> lavoura e os <strong>da</strong>indústria. Mas foi só após se tornar presidente doCentro Industrial de Juiz de Fora que Lodi inicioua carreira de líder empresarial. E foi nessa posiçãoque se engajou na Revolução de 30, contribuindoaté <strong>no</strong> planejamento <strong>da</strong> movimentação <strong>da</strong>s tropas.Natural, portanto, que em 1931 já estivesse <strong>no</strong> Rio,como membro <strong>da</strong> Comissão Revisora <strong>da</strong>s TarifasAduaneiras, instituí<strong>da</strong> pelo recém-criado Ministériodo Trabalho, Indústria e Comércio. Foi lá que seucaminho se cruzou com o de Roberto Simonsen– que, até então, apesar dos ideais industrialistas,estivera do lado contrário.O confl ito entre o livre-cambismo e a instituiçãode barreiras tarifárias mais <strong>uma</strong> vez colocava osrepresentantes <strong>da</strong> agricultura e do comércio emcampo oposto ao dos partidários <strong>da</strong> indústria.O fato de Lodi, Simonsen e Vicente Galliez teremsido escolhidos por Vargas para defi nir os rumos <strong>da</strong>Comissão revela de que lado estava o <strong>no</strong>vo gover<strong>no</strong>.Mas a ligação entre Lodi e Simonsen iria transcenderos limites de suas vi<strong>da</strong>s e teria conseqüênciashistórias, pois Lodi acabou aproximando Simonsende Vargas, que levou o futuro líder <strong>da</strong> <strong>CNI</strong> aparticipar dos processos decisórios do gover<strong>no</strong>.138


Em 1932, porém, ao rebentar a “guerrapaulista”, Lodi e Simonsen vêem-se outra vez comoadversários. Mas tal situação dura pouco, poisem 25 de janeiro de 1933, ambos estão entre osfun<strong>da</strong>dores <strong>da</strong> Confederação Industrial do <strong>Brasil</strong>(não confundir com o Centro Industrial do <strong>Brasil</strong>,de igual sigla – CIB). Apesar de criticarem a Leide Sindicalização, edita<strong>da</strong> pelo gover<strong>no</strong> em 1931,os empresários cedo se a<strong>da</strong>ptam a ela e, com basenas <strong>no</strong>vas regras, elegem, por meio <strong>da</strong> CIB, 17deputados classistas à Constituinte. Entre eles,além de Horácio Lafer e Alexandre Sicilia<strong>no</strong>,estão Roberto Simonsen e Euvaldo Lodi, outravez unidos, agora para sempre, em tor<strong>no</strong> <strong>da</strong> causapatronal e industrialista.Lodi se tor<strong>no</strong>u então o líder <strong>da</strong> banca<strong>da</strong> dosempregadores na Constituinte, adquirindo famade hábil negociador, capaz de manter posiçãoindependente em relação ao gover<strong>no</strong>, apesar <strong>da</strong>proximi<strong>da</strong>de dos pontos de vista. Reforçandoo “caráter técnico” <strong>da</strong> banca<strong>da</strong>, Lodi a colocaacima <strong>da</strong>s disputas partidárias e regionalistas,enfrentando os deputados paulistas, entre eleso próprio Simonsen. Em julho de 1934, com aeleição de Vargas, Lodi é escolhido pelo presidentepara integrar o recém-criado Conselho Federal deComércio Exterior (CFCE), órgão encarregado deaju<strong>da</strong>r a defi nir a política econômica do gover<strong>no</strong>.Lodi aceita o convite, pois o cargo não confl itava como man<strong>da</strong>to de deputado federal, que ele assumiriaem maio de 1935, apesar <strong>da</strong>s artimanhas do chefe<strong>da</strong> polícia de Vargas, o temível Filinto Muller, que oacusou, sem provas, de conspirar contra o gover<strong>no</strong>.No início de 1937, Lodi foi relator do inquéritofeito pela CFCE sobre as indústrias de tecidos,papel, fósforos, calçados e chapéus, que enfrentavamproblemas de superprodução. Com base <strong>no</strong> relatório,a Confederação Industrial do <strong>Brasil</strong> sugeriu que aCFCE proibisse a importação de máquinas para<strong>no</strong>vas fábricas naqueles setores. Lodi deu parecerfavorável à proibição, mas a medi<strong>da</strong> indig<strong>no</strong>u osestados do Norte e Nordeste, sendo combati<strong>da</strong>também pelo Departamento <strong>Nacional</strong> <strong>da</strong> Indústria eComércio, órgão governamental como a CFCE, entãosob a direção de Jorge Street.Antes que a polêmica se encerrasse, Streete Lodi já estariam fora do gover<strong>no</strong>, pois, a 10 de<strong>no</strong>vembro, o quadro político brasileiro modificou-secom a implantação do Estado Novo. O endurecimentodo regime – que iria instaurar a mais repressivaditadura <strong>da</strong> história do <strong>Brasil</strong> – ironicamente abririacaminho para a fun<strong>da</strong>ção <strong>da</strong>quela que estavadestina<strong>da</strong> a ser a mais sóli<strong>da</strong> organização patronal dopaís, a Confederação <strong>Nacional</strong> <strong>da</strong> Indústria. Não poracaso, Lodi e Simonsen estavam unidos <strong>no</strong>s instantesque antecederam a gênese <strong>da</strong> enti<strong>da</strong>de.Quando raiou 1938 – o a<strong>no</strong> que veria surgir a<strong>CNI</strong> –, Lodi acumulava as presidências <strong>da</strong> FIRJ(Federação <strong>da</strong>s Indústrias do Rio de Janeiro,originária do Centro Industrial do <strong>Brasil</strong>) e <strong>da</strong>Federação dos Sindicatos Industriais do DistritoFederal. Simonsen, por seu tur<strong>no</strong>, era o presidente<strong>da</strong> FIESP e <strong>da</strong> Confederação Industrial do <strong>Brasil</strong>.Não havia <strong>no</strong> país dois homens mais preparadospara criar <strong>uma</strong> confederação de indústrias. Foi oque eles fi zeram.Cafezinho entre amigos: Vargas eEuvaldo Lodi (juntos, na imagemacima) conviveram intensamenteao longo <strong>da</strong> primeira déca<strong>da</strong> emque Getúlio ocupou o Palácio doCatete. Em parceria com RobertoSimonsen, Lodi ajudou a estruturaro sindicalismo patronal <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>,com base na legislação varguista.Abaixo, efígie de Lodi impressa nasme<strong>da</strong>lhas comemorativas lança<strong>da</strong>s<strong>no</strong> cinqüentenário <strong>da</strong> <strong>CNI</strong>.139


Estado NovoA carteira número 000001: bem aogosto do populismo, Vargas recebeua primeira carteira de trabalho <strong>da</strong>história do <strong>Brasil</strong> (acima).O documento garantia <strong>uma</strong> série dedireitos trabalhistas, mas funcio<strong>no</strong>utambém como instrumento de controledo gover<strong>no</strong> sobre os trabalhadores.To<strong>da</strong>s essas i<strong>no</strong>vações partiramdo Ministério do Trabalho, pastaidealiza<strong>da</strong> e, de início, coman<strong>da</strong><strong>da</strong> pelogaúcho Lindolfo Collor (abaixo, em suasala <strong>no</strong> Ministério).A ERA DO SINDICALISMOOtrabalhismo já fi zera parte <strong>da</strong> plataformaeleitoral de Vargas na campanha presidencialde 1930. A doutrina, de inspiração niti<strong>da</strong>mentepopulista, incorporava as reivindicações salariais,discutia as condições de trabalho e os direitosprevidenciários, pregava a “harmonia entre asclasses” e o atrelamento dos sindicatos ao Estado,servindo-se do operariado como base eleitoral epolítica, ao mesmo tempo contra as posições à direitae à oposição mais radical dos próprios operários.Articulava-se, assim, a mística do “pai dos pobres”,de <strong>no</strong>tável impacto entre a classe trabalhadora.Natural, portanto, que, me<strong>no</strong>s de um mêsapós tomar o poder, Vargas tenha criado, a 26 de<strong>no</strong>vembro, o Ministério do Trabalho. Até então asquestões trabalhistas competiam ao Ministério <strong>da</strong>Agricultura. A <strong>no</strong>va pasta é entregue entãoao homem que a idealizara, o deputadogaúcho e “tenente civil” Lindolfo Collor(1890-1942). Ele forma a Comissão Collor,com intelectuais, políticos e advogados,alguns advindos <strong>da</strong>s lutas sindicais, e <strong>da</strong>qual também faz parte Jorge Street. Em1932, em apoio à “guerra paulista”, Collor sedemite e parte para o exílio. Mas aí já estavade pé a estrutura corporativa que ain<strong>da</strong> hojedelimita o sindicalismo brasileiro.O ministério estrutura um onipresente sistema decontrole: Inspetorias Regionais são cria<strong>da</strong>s em todosEstados, em 1932: <strong>no</strong> a<strong>no</strong> seguinte, surge o Conselho<strong>Nacional</strong> do Trabalho e, em 1934, o Departamento<strong>Nacional</strong> do Trabalho. Mas é o decreto nº 19.770,de março de 1931, que, segundo Collor, incorpora osindicalismo “ao Estado e às leis”. O texto passa aregular a fun<strong>da</strong>ção e o funcionamento dos sindicatos,proíbe a propagan<strong>da</strong> social, política e religiosa,impõe o reconhecimento e o controle ministerial;ve<strong>da</strong> a sindicalização de estrangeiros vivendo <strong>no</strong><strong>Brasil</strong> há me<strong>no</strong>s de 20 a<strong>no</strong>s e a de trabalhadoresassociados a organizações internacionais. Instituiua unici<strong>da</strong>de sindical – ou seja, um só sindicato emca<strong>da</strong> base –, que seria suspensa na Constituinte de1934, mas é retoma<strong>da</strong> na de 37.Era níti<strong>da</strong> a infl uência <strong>da</strong> Carta del Lavoro,promulga<strong>da</strong> pela Itália fascista, em abril de 1927.De todo modo, os direitos trabalhistas, que eramparte do programa <strong>da</strong> Aliança Liberal, derrota<strong>da</strong>na eleição de 1930, se efetivam. São cria<strong>da</strong>s asCaixas de Aposentadoria e Pensões (17/12/30),depois institutos (os IAPs), a começar pelo doscomerciários (22/5/34). Em março de 1931,surge a Carteira Profi ssional, visando garantir osdireitos dos trabalhadores, mas que é também uminstrumento de controle.140


Ain<strong>da</strong> que obrigatória, a carteira só na déca<strong>da</strong>de 1970 se difundiria <strong>no</strong> campo, mas jamaisse universaliza, recuando <strong>no</strong>s a<strong>no</strong>s 80-90. Aregulamentação do trabalho <strong>da</strong> mulher (17/5/32)proíbe o trabalho <strong>no</strong>tur<strong>no</strong>, perigoso ou insalubre,em minas e subterrâneos, dá estabili<strong>da</strong>de àgestante, licença-materni<strong>da</strong>de de 12 semanas,direito de amamentar, direito a salário igual paratrabalho igual. A lei passa a garantir 15 dias deférias anuais, indenização de demissões sem justacausa, estabili<strong>da</strong>de durante o serviço militar. Tendoassumido, em março de 1931, com o cargo de diretorgeraldo Departamento <strong>Nacional</strong> de Indústria eComércio, que fazia parte do Ministério do Trabalho,Jorge Street contribuiria na elaboração de váriasdessas leis. Em 1934, Street torna-se diretor doDepartamento Estadual do Trabalho em São Paulo.Deixando o gover<strong>no</strong>, dois a<strong>no</strong>s depois, assume em1936 o cargo de consultor <strong>da</strong> Fiesp. O convite partiude Roberto Simonsen, que o considerava “o precursore primeiro realizador prático <strong>da</strong>s idéias de assistênciasocial e proteção ao trabalho que hoje se discutem”.Mas é a criação do imposto sindical, em janeirode 1940, que cristaliza as mu<strong>da</strong>nças. Equivalea um dia de salário/a<strong>no</strong>, pago compulsoriamentepor todo trabalhador, sindicalizado ou não.Converte em relativa abastança a heróica penúriado sindicalismo, mas fomenta a corrupção eacomo<strong>da</strong>ção <strong>da</strong>s direções. Nasce nessa época otermo “pelego” (originalmente, pele de carneiroque o gaúcho põe entre a sela e o lombo do cavalo),sinônimo de sindicalista avesso à luta, submisso aopatronato e ao gover<strong>no</strong>.Dentre as conseqüências <strong>da</strong> legislaçãovarguista, está o surgimento do sindicalismopatronal, que evolui sobretudo em São Paulo, àmedi<strong>da</strong> que o regime granjeia a boa vontade dosempresários, agrupados na Fiesp (ain<strong>da</strong> enti<strong>da</strong>decivil) e na FIP (Federação <strong>da</strong>s Indústrias Paulistas),que Roberto Simonsen criara em março de 1937,para enquadrá-la na <strong>no</strong>va lei. Em 10 de <strong>no</strong>vembrodo mesmo a<strong>no</strong>, dá-se o golpe do Estado Novo, eSimonsen, também presidente <strong>da</strong> ConfederaçãoIndustrial do <strong>Brasil</strong> (não confundir com o CentroIndustrial do <strong>Brasil</strong>), recomen<strong>da</strong> a sindicalização<strong>da</strong> enti<strong>da</strong>de <strong>no</strong>s termos <strong>da</strong> <strong>no</strong>va Constituição. Estáarticula<strong>da</strong> a gênese <strong>da</strong> Confederação <strong>Nacional</strong> <strong>da</strong>Indústria (<strong>CNI</strong>), fun<strong>da</strong><strong>da</strong> <strong>da</strong>li a dez meses.Instaurado <strong>no</strong> dia 10 de <strong>no</strong>vembro de1937, o Estado Novo já foi definidocomo “um golpe radical, dentro dogolpe brando que foram as eleiçõesindiretas de 1934, após o golperevolucionário de 1930”. Com <strong>uma</strong> <strong>no</strong>vaConstituição, o <strong>Brasil</strong> ingressou <strong>no</strong>período ditatorial mais sombrio de suahistória. Mas o populismo de Vargasusava os trabalhadores como basepolítica e eleitoral e líderes sindicalistasescolhidos a dedo saíam às ruaspara assegurar que, <strong>no</strong> Estado Novo,o trabalhador também tinha “o seulugar”. O texto destas páginas baseiase<strong>no</strong> artigo “A Questão Trabalhista”,de Bernardo Joffily, publicado <strong>no</strong> AtlasHistórico Istoé <strong>Brasil</strong>.141


A criação <strong>da</strong> <strong>CNI</strong>Eternizados em bronze: RobertoSimonsen (acima) e Euvaldo Lodi(abaixo), os “pais-fun<strong>da</strong>dores” <strong>da</strong><strong>CNI</strong> representados <strong>no</strong>s bustos queadornam a sede <strong>da</strong> enti<strong>da</strong>de, emBrasília. Uma justa homenagem aoslíderes que lançaram as bases dosindicalismo patronal <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>.O texto destas duas páginas baseiase<strong>no</strong> artigo de Vera Calicchio eAndré Couto, publicado <strong>no</strong> DicionárioHistórico/Biográfico <strong>Brasil</strong>eiro.SINDICATO DE PATRÕESDa pioneira Socie<strong>da</strong>de Auxiliadora <strong>da</strong> Indústria<strong>Nacional</strong>, além dos sonhos inconclusos, restavaapenas o mobiliário roto – “<strong>uma</strong> cadeira de espal<strong>da</strong>ralto e o cofre” – <strong>no</strong> instante em que, após mais de70 a<strong>no</strong>s na ativa, a enti<strong>da</strong>de fundiu-se com o CentroIndustrial de Fiação e Tecelagem do Rio de Janeiro.Naquele 15 de agosto de 1904, a fusão deu origemao Centro Industrial do <strong>Brasil</strong>. Até janeiro de 1933,o CIB empenhou-se na defesa do empresariadonacional. Entretanto, calhou à enti<strong>da</strong>de exercer seupapel durante a República Velha, também chama<strong>da</strong>de “República dos Fazendeiros”, já que de 1889a 1930 aquele regime empenhou-se em fazer comque os interesses <strong>da</strong> cafeicultura sobrepujassem osanseios industrialistas. Em 1928, os empresáriospaulistas, mais fi rmes e incisivos em suas posições,criaram o Centro <strong>da</strong>s Indústrias do Estado de SãoPaulo (CIESP). Dois a<strong>no</strong>s antes, em junho de 1926,Euvaldo Lodi e um grupo de empresários mineiros jáhaviam fun<strong>da</strong>do o Centro Industrial de Juiz de Fora.Mas a ver<strong>da</strong>de é que até a eclosão <strong>da</strong> Revolução de1930, os industriais ain<strong>da</strong> não contavam, <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>,com <strong>uma</strong> enti<strong>da</strong>de de classe forte o bastante paraarticular, política e institucionalmente, em nívelnacional, a defesa dos interesses fabris.Assim, embora muitos empresários tenhamvisto com apreensão Vargas e seus aliadosamarrarem os cavalos <strong>no</strong> obelisco do Rio – e adespeito também <strong>da</strong>s críticas do setor à crescente“sindicalização” <strong>da</strong>s enti<strong>da</strong>des civis imposta pelo<strong>no</strong>vo regime –, a ver<strong>da</strong>de é que foi em função <strong>da</strong>s<strong>no</strong>vas regras estabeleci<strong>da</strong>s por Getúlio que osindustriais enfi m iriam organizar-se em tor<strong>no</strong> desua causa e veriam nascer <strong>uma</strong> sóli<strong>da</strong> instituiçãoclassista. O processo se inicia em janeiro de 1933,quando o presidente do CIB, Francisco de OliveiraPassos, decide transformar o Centro em FederaçãoIndustrial do Rio de Janeiro (FIRJ), disposto a“abrir caminho para a fun<strong>da</strong>ção <strong>da</strong> ConfederaçãoIndustrial do <strong>Brasil</strong>”. No mesmo dia 25 <strong>da</strong>quelemês e a<strong>no</strong>, o CIESP, o Centro Industrial de Juiz deFora e o Centro <strong>da</strong> Indústria Fabril do Rio Grandedo Sul (fun<strong>da</strong>do em 7 de <strong>no</strong>vembro de 1930) unemseà FIRJ para criar a Confederação Industrialdo <strong>Brasil</strong>, destina<strong>da</strong> a “propiciar <strong>uma</strong> união maissóli<strong>da</strong> entre os industriais que se espalham porto<strong>da</strong> a vastidão do território nacional”. Uma <strong>da</strong>sprimeiras medi<strong>da</strong>s <strong>da</strong> Confederação é coordenare garantir a eleição dos representantes dosempregadores à Assembléia Constituinte convoca<strong>da</strong>pelo Gover<strong>no</strong> Provisório em 5 de abril de 1933.Criado em <strong>no</strong>vembro de 1930, o Ministériodo Trabalho propunha-se a elaborar <strong>uma</strong> <strong>no</strong>valegislação trabalhista. Embora <strong>no</strong>mes como Jorge142


Street, Roberto Simonsen e Euvaldo Lodi fi zessemparte <strong>da</strong>s comissões cria<strong>da</strong>s pelo gover<strong>no</strong> paraestu<strong>da</strong>r a questão, o empresariado em geral resistiaà implantação de leis trabalhistas <strong>no</strong> país. A CIBpromete exercer “severa vigilância para que nãose criem encargos que não possam ser suportados<strong>no</strong>rmalmente pela indústria e para que os textosfi nais <strong>da</strong>s leis incorporem as reivindicaçõespatronais”. Dentre os <strong>no</strong>vos “encargos” estavam a leide férias, o salário mínimo, a <strong>no</strong>va lei de acidentesde trabalho e a instituição do seguro social.Em <strong>no</strong>vembro de 1935, porém, após a eclosãode Intentona Comunista, a elite industrial percebeque não é mais possível evitar a “questão social”– e que ela não pode mais ser considera<strong>da</strong> “questãode polícia”: é preciso fazer concessões. Naquelemesmo a<strong>no</strong>, enquanto Lodi coman<strong>da</strong> a FIRJ, RobertoSimonsen assume a presidência <strong>da</strong> CIB. Ambos seencontram nesses cargos quando, a 10 de <strong>no</strong>vembrode 1937, eclode o golpe do Estado Novo. Simonsenrecomen<strong>da</strong> então que a CIB se sindicalize <strong>no</strong>s termos<strong>da</strong> <strong>no</strong>va Constituição, chama<strong>da</strong> de “a Polaca”.Assim, <strong>da</strong>li a <strong>no</strong>ve meses, em 12 de agostode 1938, a Confederação Industrial do <strong>Brasil</strong>transforma-se em Confederação <strong>Nacional</strong> <strong>da</strong>Indústria, absorvendo <strong>no</strong> pla<strong>no</strong> sindical to<strong>da</strong>sas atribuições de sua antecessora. A <strong>CNI</strong> logomanifesta sua preocupação com o “restabelecimento<strong>da</strong> ordem e <strong>da</strong> paz social”, a fi m de “salvar” asativi<strong>da</strong>des industriais de <strong>uma</strong> crise mais profun<strong>da</strong>.A “Polaca” propunha “a colaboração ca<strong>da</strong>vez mais estreita entre o Estado e as classesprodutoras, encontrando <strong>no</strong>s sindicatos, federaçõese confederações os órgãos de controle e canalizaçãodos interesses <strong>da</strong>s diferentes ativi<strong>da</strong>des emíntima cooperação com os poderes públicos”.Tal “intimi<strong>da</strong>de” já estava explícita nas relaçõesentre Vargas, Simonsen e Euvaldo Lodi, primeiropresidente <strong>da</strong> <strong>CNI</strong>. Dois a<strong>no</strong>s depois, a 5 de julhode 1939, a <strong>CNI</strong>, bem como todos os órgãos sindicaisde primeiro (confederações), segundo (federações) eterceiro (sindicatos) graus, é enquadra<strong>da</strong> <strong>no</strong> decretoleinº 1.402 e atinge o maior grau de sindicalização,A enti<strong>da</strong>de entra <strong>no</strong>s a<strong>no</strong>s 40 pronta para aju<strong>da</strong>r o<strong>Brasil</strong> de Vargas a ingressar de vez na era industrial,anuncia<strong>da</strong> pela criação <strong>da</strong> Companhia Siderúrgica<strong>Nacional</strong>, <strong>da</strong> Vale do Rio Doce e <strong>da</strong> Petrobras.Na direção certa: Euvaldo Lodi aponta eo presidente Getúlio Vargas (de chapéu, àesquer<strong>da</strong>) e Roberto Simonsen (ao centro)observam. Vargas e Lodi eram aliados deprimeira hora. Por meio do empresáriomineiro, Simonsen, a princípio refratário àsidéias de Vargas, aproximou-se do chefedo “gover<strong>no</strong> revolucionário” de 1930.Abaixo, a primeira logomarca <strong>da</strong> <strong>CNI</strong>.143


A fun<strong>da</strong>ção do SENAIA legislação que, em janeiro de1942, criou o SENAI definiu osseguintes pontos básicos parapautar a atuação <strong>da</strong> instituição: a) apreparação metódica do aprendiz emcentros ou escolas de aprendizagem,comuns a várias empresas; b) aobrigação dos empregadores demanter como seus empregados<strong>uma</strong> determina<strong>da</strong> percentagemde aprendizes e de assegurar-lhestreinamento nas cita<strong>da</strong>s escolas oucentros; c) a administração diretado sistema pela própria indústria; d)o estabelecimento de <strong>uma</strong> grandedescentralização na administraçãodo sistema de aprendizagem; e) ocusteio através de <strong>uma</strong> contribuiçãocompulsória de 1% sobre as folhas depagamento de todos os empregados;f) a facul<strong>da</strong>de de ca<strong>da</strong> empregadormanter junto às suas empresasum centro ou escola privativa deaprendizagem, obediente aos padrõesaprovados pelo SENAI. Abaixo, oprimeiro logotipo <strong>da</strong> instituição.A INDÚSTRIA MOSTRA SERVIÇODesde julho de 1866, quando JoaquimAntonio de Azevedo decidiu criar, sob osauspícios <strong>da</strong> Socie<strong>da</strong>de Auxiliadora <strong>da</strong> Indústria<strong>Nacional</strong>, a meritória Escola Nocturna Gratuita deInstrucção Primaria para Adultos, a preocupaçãodos industriais brasileiros com a instrução <strong>da</strong>classe trabalhadora já se mostrava explícita. Ocurso, como descrito à página 55, teria duração dequatro a<strong>no</strong>s, com aulas de duas horas três vezespor semana e era destinado “para homens livrescom mais de 14 a<strong>no</strong>s”, sendo preparatório paraa “escola industrial”. A “escola industrial” <strong>da</strong>SAIN nunca saiu do papel – e por pouco a EscolaNoturna não teve o mesmo desti<strong>no</strong>.Com efeito, quase 80 a<strong>no</strong>s seriam necessáriosaté que a iniciativa pioneira <strong>da</strong> SAIN fosseretoma<strong>da</strong> com maior vigor e conseqüênciasduradouras. Como era de se esperar, o projetonasceu <strong>no</strong> bojo do paternalismo típico do gover<strong>no</strong>Vargas. Tão grande revelou-se a preocupação doregime varguista com a instrução que, equivalendoseao próprio Ministério do Trabalho, Indústria eComércio, <strong>uma</strong> <strong>da</strong>s mais atuantes Pastas cria<strong>da</strong>slogo após o movimento de 1930 foi o Ministério <strong>da</strong>Educação e Saúde. “Sanear e educar, eis o primeirodever <strong>da</strong> Revolução”, chegou a declarar o todopoderosoFrancisco de Campos, ao tomar posse <strong>no</strong>cargo, que ocuparia até setembro de 1932.Em abril de 1931, um decreto reorganizou ocurso secundário a nível nacional. No a<strong>no</strong> seguinte,a preocupação com o ensi<strong>no</strong> profi ssionalizanterefl etiu-se na criação <strong>da</strong> Inspetoria do Ensi<strong>no</strong>Profi ssional-Técnico e, em 1934, surgiria aUniversi<strong>da</strong>de Técnica Federal. Em julho <strong>da</strong>quelemesmo a<strong>no</strong>, o Ministério foi confi ado a GustavoCapanema que, em <strong>uma</strong> gestão marcante, iriacooptar intelectuais do porte de Carlos Drummondde Andrade, Cândido Portinari, Lúcio Costa, Máriode Andrade, Heitor Vila-Lobos e Cecília Meireles,entre outros. As mu<strong>da</strong>nças seguiram acelera<strong>da</strong>s emto<strong>da</strong>s as áreas do ensi<strong>no</strong>.Então, em 2 de maio de 1939, o gover<strong>no</strong>determi<strong>no</strong>u que to<strong>da</strong>s as indústrias com mais dequinhentos operários teriam de oferecer cursos deaperfeiçoamento profi ssional a seus trabalhadores.Formou-se assim a ponte entre os dois mais ativosministérios de Vargas. Tanto é que Capanema,<strong>da</strong> Educação, e Valdemar Falcão, do Trabalho,constituíram <strong>uma</strong> comissão interministerialcomposta de seis membros (três de ca<strong>da</strong> Pasta),encarrega<strong>da</strong> de preparar o terre<strong>no</strong> para a aplicação<strong>da</strong> lei. De imediato, a comissão entrou em contatocom os presidentes <strong>da</strong> <strong>CNI</strong>, Euvaldo Lodi, e<strong>da</strong> FIESP, Roberto Simonsen, bem como com144


presidentes de vários sindicatos de empregadorese de operários, empresários e educadores.Após meses de trabalho – durante os quaisprocurou estu<strong>da</strong>r junto a Roberto Mange a bemsucedi<strong>da</strong>experiência <strong>da</strong>s escolas manti<strong>da</strong>s porempresas ferroviárias –, a comissão interministerialchegou às próprias conclusões. Propôs substituirintegralmente o decreto-lei nº 1.238, de 2 de maiode 1939, por um outro que consagrasse a criaçãode um sistema nacional de aprendizagem, já emprática em vários países e recomen<strong>da</strong>do peloBureau Internacional do Trabalho, em Genebra.No segundo semestre de 1941, aproveitando-se<strong>da</strong> indefi nição do gover<strong>no</strong> e de sua proximi<strong>da</strong>decom o presidente, Lodi e Simonsen sugeriram aVargas que a responsabili<strong>da</strong>de pela execução doprojeto fosse repassa<strong>da</strong> aos órgãos sindicais desegundo grau de empregadores. Acost<strong>uma</strong>do aescutar os alvitres dos dois líderes industriais,Getúlio recomendou que, junto com o empresárioValentim Bouças, ambos estu<strong>da</strong>ssem a questão.Simonsen e Lodi convocaram então RobertoMange, João Luderitz e Joaquim Faria Góis Filhopara colaborar na elaboração de um <strong>no</strong>vo projeto delei. Me<strong>no</strong>s de seis meses depois, a 22 de janeiro de1942, foi assinado o decreto-lei n° 4048, que criouo Serviço <strong>Nacional</strong> de Aprendizagem Industrial(SENAI). Mas ain<strong>da</strong> era preciso cumprir o artigomediante o qual a <strong>CNI</strong> se obrigava a submeter aoministro Capanema todo o projeto de regimentodo SENAI. Lodi convocou os mesmos técnicosque já vinham colaborando com ele e o projeto foiconcluído em poucos meses.Em 16 de julho de 1942 – 45 dias antes de o<strong>Brasil</strong> declarar guerra à Alemanha – Vargas assi<strong>no</strong>uo Decreto nº 10.009. Estava criado o SENAI.Passados mais de 60 a<strong>no</strong>s, o Serviço <strong>Nacional</strong>de Aprendizagem Industrial já teve mais de 40milhões de alu<strong>no</strong>s e formou profi ssionais que atuamem to<strong>da</strong>s as áreas industriais. Se restassem dúvi<strong>da</strong>ssobre o extraordinário papel histórico cumpridopelo SENAI, elas teriam se dissolvido de vez <strong>no</strong>dia 1º de janeiro de 2003 quando tomou posse o39º presidente <strong>da</strong> história do <strong>Brasil</strong>. Ao longo de15 meses, entre 1961 e 1962, Luiz Inácio Lula <strong>da</strong>Silva foi alu<strong>no</strong> do SENAI. Saiu de lá formado comotorneiro mecânico para iniciar a trajetória que olevaria ao Palácio do Planalto.Euvaldo Lodi (acima) discursa<strong>no</strong> dia <strong>da</strong> fun<strong>da</strong>ção do SENAI,para <strong>uma</strong> platéia que o escutacom atenção. Em agosto de 1942foram <strong>no</strong>meados os primeirosdiretores <strong>da</strong> <strong>no</strong>va instituição: JoãoLuderitz foi para o departamentonacional, Roberto Mange para odepartamento regional de São Pauloe Joaquim Faria Góis Filho para odepartamento regional do entãoDistrito Federal e do estado do Rio.145


MEMÓRIA FOTOGRÁFICAO SENAI em ação: na colunaà esquer<strong>da</strong>, acima, Getúlio Vargasconversa com um jovem alu<strong>no</strong><strong>da</strong> escola do SENAI, ladeado porRoberto Simonsen e Euvaldo Lodi,na Feira de Indústrias de São Paulo,em 1943. Na mesma coluna, aocentro, Lodi entrega o certificado deconclusão de curso a um operáriobolsista do SENAI, em 1949. Abaixo,Lodi entregando mais <strong>uma</strong> carteirade habilitação profissional a alu<strong>no</strong> doSENAI. Na coluna <strong>da</strong> direita, acima,a oficina de aprendizagem mecânicade São Paulo, em 1967; ao centro,outra <strong>da</strong>s oficinas do SENAIe, abaixo, a Escola de Fundiçãode Itaúna (MG), em 1985.146


No alto, à esquer<strong>da</strong>, a Oficina deAlfaiates, manti<strong>da</strong> pelo SENAI emCuritiba, 1947; à direita, em fotodo mesmo a<strong>no</strong>, a escola do cursoprimário de Blumenau (SC). Ao lado,à direita, capa do Boletim Mensaldo SENAI, edição de número 15,publica<strong>da</strong> em outubro de 1946 e, àesquer<strong>da</strong>, a oficina de mecânica deautomóveis do bairro Ipiranga, emSão Paulo, na qual em 1962 formou-secomo torneiro mecânico o alu<strong>no</strong> doSENAI Luiz Inácio Lula <strong>da</strong> Silva.147


II Guerra MundialEm janeiro de 1943, Roosevelt visitoua base que o <strong>Brasil</strong> autorizara osEstados Unidos a construir em Natal(RN), em troca dos empréstimospara construir a siderúrgica de VoltaRedon<strong>da</strong>. Ao encontrar-se com Vargas,Roosevelt o chamou de “dictator indefense of democracy” (“ditador emdefesa <strong>da</strong> democracia”), e sugeriuque o <strong>Brasil</strong> fosse um dos fun<strong>da</strong>dores<strong>da</strong> futura Organização <strong>da</strong>s NaçõesUni<strong>da</strong>s. Vargas aceitou e, em trocade dinheiro e armas, enviou tropasbrasileiras para a Europa.O BRASIL VAI À LUTAAII Guerra Mundial se iniciou ofi cialmente em1º de setembro de 1939, com a Alemanhainvadindo a Polônia. Várias nações foram caindosem grande resistência ante ao poderio nazista:Dinamarca, Noruega, Países Baixos e até a Françajá estavam sob domínio alemão <strong>no</strong> a<strong>no</strong> seguinte.A Inglaterra parecia a única potência européiacapaz de resistir, embora não se soubesse porquanto tempo. Os Estados Unidos, já então o maiorparque industrial do mundo, começaram a suprir aInglaterra, mas ain<strong>da</strong> não participavam do confl ito,<strong>no</strong> qual só entrariam após sua base de PearlHarbor, <strong>no</strong> Havaí, ser bombardea<strong>da</strong> pelo Japão, emdezembro de 1941.O Estado Novo conferia ao <strong>Brasil</strong> certaidenti<strong>da</strong>de com os regimes totalitários, caso <strong>da</strong>Alemanha de Hitler e <strong>da</strong> Itália fascista de Mussolini.Mas se ideologicamente o país se mostravapróximo do nazi-fascimo, em termos econômicoseram os Estados Unidos – sucedendo a Inglaterra– que ditavam os rumos do continente america<strong>no</strong>.Responsáveis por um quarto <strong>da</strong>s importaçõesbrasileiras (e a Alemanha por outro quarto), os EUA,por meio <strong>da</strong> chama<strong>da</strong> “Política <strong>da</strong> Boa Vizinhança”(Good Neighbor Policy), inicia<strong>da</strong> pelo presidenteFranklin Dela<strong>no</strong> Roosevelt em 1933, tentavamreduzir a influência dos países europeus na região.A aproximação dos Estados Unidos acabaria setornando <strong>uma</strong> peça-chave na história do <strong>Brasil</strong>, jáque, até fi ns de 1941, o gover<strong>no</strong> Vargas jogaria habilmentecom os antagonismos entre nações democráticase o nazi-fascismo, fazendo o que já foi defi nidocomo “neutrali<strong>da</strong>de interesseira”. Mas não era apenasum jogo: Vargas e seus assessores estavam de fatodivididos. Em julho de 1940 – coincidindo com ainvasão <strong>da</strong> França pelos nazistas –, o presidente fezum discurso dúbio que deixou america<strong>no</strong>s e inglesestemerosos que o <strong>Brasil</strong> se alinhasse aos países doEixo. Os generais Dutra e Góis Monteiro eram favoráveisà aliança com a Alemanha, tanto que, em 1940,Dutra chegou a sugerir que o <strong>Brasil</strong> declarasse guerraà Inglaterra e, em janeiro de 1942, Monteiro ain<strong>da</strong> eracontrário ao rompimento <strong>da</strong>s relações com os nazifascistas.O brilhantismo vigoroso do embaixador do<strong>Brasil</strong> <strong>no</strong>s Estados Unidos, Oswaldo Aranha, fazia abalança pender para o outro lado.Mas o fato é que o <strong>Brasil</strong> estava decidido anacionalizar seus recursos minerais e a construirsua própria siderúrgica. Para tanto, precisava dedinheiro e tec<strong>no</strong>logia – muito dinheiro e muitatec<strong>no</strong>logia. Eles poderiam vir dos Estados Unidos– mas também poderiam vir <strong>da</strong> Alemanha. Duranteum bom tempo, o país fi cou aguar<strong>da</strong>ndo quem fariaa melhor proposta. Ela veio <strong>da</strong> América do Norte.148


O açoCOMPANHIA SIDERÚRGICA NACIONALMesmo antes <strong>da</strong> eclosão <strong>da</strong> II Guerra, o <strong>Brasil</strong>de Vargas já jogava seu xadrez diplomáticodisposto a obter recursos para construir suasiderúrgica. Em 1938, o maior confl ito militar<strong>da</strong> história era bem mais do que <strong>uma</strong> merapossibili<strong>da</strong>de, pois a Alemanha de Hitler jáanexara a Áustria com a conivência de um gover<strong>no</strong>fantoche. Foi neste cenário conturbado queembarcaram para o exterior o chanceler OswaldoAranha e Edmundo Macedo Soares – militar queseria presidente <strong>da</strong> <strong>CNI</strong> e que, desde o iníciodos a<strong>no</strong>s 30, era um destacado orador em prolde <strong>uma</strong> siderurgia forte como fonte de soberanianacional. Aranha chegou aos Estados Unidos <strong>no</strong>fi nal de 1938, enquanto Macedo Soares aportavana Alemanha às vésperas <strong>da</strong> Guerra, em janeirode 1939. Soares viajou com a missão de son<strong>da</strong>r aspossibili<strong>da</strong>des de um acordo com <strong>uma</strong> empresa,ou um consórcio de empresas alemãs, para aconstrução de <strong>uma</strong> usina siderúrgica <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>.A agen<strong>da</strong> de Aranha <strong>no</strong>s Estados Unidosera me<strong>no</strong>s explícita e mais complexa, poisincluía vários itens políticos, diplomáticos eeconômicos, entre os quais o aporte de recursosamerica<strong>no</strong>s para fomentar as exportaçõesde matérias-primas e a obtenção de umfinanciamento para a futura siderúrgica.Enquanto Soares se encontrava com executivos deempresas alemãs como a Krupp e a Stahlunion, Aranha<strong>da</strong>va a entender a seus interlocutores que o <strong>Brasil</strong> nãoabriria mão de ter a própria siderúrgica. Portanto, seo dinheiro não viesse dos Estados Unidos de Roosevelt,era bem possível que viesse <strong>da</strong> Alemanha de Hitler.A artimanha funcio<strong>no</strong>u, pois o Eximbank (Export-Import Bank), ligado ao gover<strong>no</strong> america<strong>no</strong>,comprometeu-se em emprestar os recursos necessáriosà usina. De imediato, Macedo Soares despediu-se <strong>da</strong>Alemanha e foi para Washington reforçar a caravanade Aranha. Mas entre a promessa do Eximbank e ao nascimento <strong>da</strong> indústria siderúrgica nacional ain<strong>da</strong>haveriam muitos revezes. Dinheiro não resolvia tudo:era preciso fi rmar parceria com <strong>uma</strong> companhia capazde fornecer equipamentos e apoio técnico.O aço, a matéria de que eram feitos ossonhos industrialistas do <strong>Brasil</strong>, enfimcomeçou a ser produzido <strong>no</strong> país,com a inauguração <strong>da</strong> CompanhiaSiderúrgica <strong>Nacional</strong>. No dia 1 deoutubro de 1946, o presidente <strong>da</strong>CSN, o empresário Guilherme Guinle,acendeu o alto-for<strong>no</strong>, <strong>da</strong>ndo inícioàs operações <strong>da</strong> usina (imagemacima). Como Getúlio Vargas haviasido destituído um a<strong>no</strong> antes, oempreendimento foi inauguradopelo presidente Dutra – que,deselegantemente, sequer convidouaquele que fora o principal artífice <strong>da</strong>obra para a cerimônia de abertura <strong>da</strong>primeira siderúrgica brasileira.149


Fulgor industrial: usando o ferroextraído <strong>da</strong>s reservas de Itabira (MG)e o carvão explorado nas minasde Santa Catarina, a CompanhiaSiderúrgica <strong>Nacional</strong>, ergui<strong>da</strong> emVolta Redon<strong>da</strong> (RJ), traria um <strong>no</strong>vosurto desenvolvimentista parao Vale do Paraíba do Sul, onde ocafé havia reinado até a vira<strong>da</strong> doséculo 20, mas que, em meados <strong>da</strong>déca<strong>da</strong> de 1940, encontrava-se emestagnação econômica.Depois de alg<strong>uma</strong> insistência, sem sucesso,junto à DuPont – apesar do <strong>no</strong>me, <strong>uma</strong> empresa<strong>no</strong>rte-americana, cria<strong>da</strong> por um imigrantefrancês, o químico Eleuthère Irénée du Pontde Nemours –, o <strong>Brasil</strong> voltou seus esforçospara a United States Steel (USS), que chegou aenviar <strong>uma</strong> equipe ao país em meados de 1939.Os técnicos <strong>da</strong> USS aprovaram o que viramem termos de estrutura, possível localização eprodução de matérias-primas. A USS propôsa criação de <strong>uma</strong> empresa brasileira sob seucontrole acionário em troca de um aporte de 5milhões de dólares em equipamentos.No entanto, o <strong>no</strong>vo Código de Minas,aprovado em janeiro de 1940, proibiria aparticipação de estrangeiros em negócios demineração e siderurgia. Imediatamente, a USSanunciou sua desistência do negócio. Mesmo apressão do gover<strong>no</strong> america<strong>no</strong> sobre a companhianão obteve resultado.O jeito então foi agir de forma incisiva. Vargasdeixou claro que a “Política de Boa Vizinhança”precisava se traduzir em aju<strong>da</strong> econômica imediata.No tabuleiro político <strong>da</strong>queles a<strong>no</strong>s turbulentos,de disputas de territórios e de áreas de influência,o <strong>Brasil</strong> não <strong>da</strong>ria priori<strong>da</strong>de a ideologias: preferiasua parte em dinheiro. Para que não restassemdúvi<strong>da</strong>s, o gover<strong>no</strong> Vargas convidou os alemãesa também fazerem sua oferta. Mais <strong>uma</strong> vez oestratagema deu certo.Mas os Estados Unidos não estavam dispostos afazer cari<strong>da</strong>de. Se era para ser direto, Washingtontambém o seria: desejava, sim, articular um acordosiderúrgico com o <strong>Brasil</strong>, mas <strong>no</strong> âmbito de <strong>uma</strong>mplo projeto de cooperação na área militar. Osalemães, embora também estivessem inclinados aaceitar to<strong>da</strong>s as condições do <strong>Brasil</strong>, desesperadosque estavam por matérias-primas, não tinhamcacife para fornecer equipamentos naqueleinstante, <strong>uma</strong> vez que seu parque siderúrgico mal<strong>da</strong>va conta <strong>da</strong> crescente deman<strong>da</strong> por armamentoscapazes de garantir a ocupação de tantos territóriosao mesmo tempo, naqueles meados de 1940,quando a guerra já se iniciara ofi cialmente. Paraalívio de Oswaldo Aranha, a balança pendeu entãodefi nitivamente para o lado <strong>no</strong>rte-america<strong>no</strong>.150


O decreto-lei 3.002, de 30 de janeiro de 1941,investiu a Comissão Executiva do Pla<strong>no</strong> Siderúrgico<strong>Nacional</strong>, cria<strong>da</strong> por Vargas, de ple<strong>no</strong>s poderes parafazer o que fosse necessário para a instalação de <strong>uma</strong>indústria siderúrgica <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>, ao mesmo tempo emque autorizava o Ministério <strong>da</strong> Fazen<strong>da</strong>, por meio doTesouro <strong>Nacional</strong>, a liberar o capital necessário a fi mde completar o dinheiro para a construção <strong>da</strong> usina.A comissão não perdeu tempo. A CompanhiaSiderúrgica <strong>Nacional</strong> (CSN) foi cria<strong>da</strong> em 9 deabril de 1941, com capital inicial de 25 milhõesde dólares, metade fornecidos pelas caixaseconômicas e institutos de previdência. GuilhermeGuinle foi <strong>no</strong>meado primeiro presidente <strong>da</strong>instituição, tendo Ari Frederico Torres como vicee Edmundo de Macedo Soares <strong>no</strong> cargo de diretortécnico. Guilherme (1882-1960) era fi lho deEduardo Guinle (1846-1912). Engenheiro ligadoà construção de hidrelétricas, substituíra o pai napresidência <strong>da</strong> Companhia Docas de Santos e, de1931 a 1936, foi membro <strong>da</strong> diretoria do CentroIndustrial do <strong>Brasil</strong> (CIB), enti<strong>da</strong>de que o dinheirode Eduardo aju<strong>da</strong>ra a concretizar.Nos meses seguintes à criação <strong>da</strong> CSN, ogover<strong>no</strong> brasileiro começou a articular <strong>uma</strong> maneirade resolver de vez a questão <strong>da</strong> Itabira Iron Ore e <strong>da</strong>estra<strong>da</strong> de ferro Vitória a Minas, que pertenciam aPercival Farquhar (leia p. 112) e que, desde 1920,eram fonte de permanente preocupação para ospolíticos nacionalistas. Então, em 3 de março de1942, foram enfi m assinados os chamados Acordosde Washington, por meio dos quais o <strong>Brasil</strong> adquiriua Itabira Iron – e se livrou de Percival Farquhar.As imensas jazi<strong>da</strong>s do Pico do Cauê foramcompra<strong>da</strong>s pela Inglaterra e repassa<strong>da</strong>s ao <strong>Brasil</strong>,que ain<strong>da</strong> recebeu 14 milhões de dólares por meiodo Eximbank para o aparelhamento <strong>da</strong>s minas e doporto de Vitória, por onde o ferro seria exportado.A operação não só consolidou o fornecimento dematéria-prima para a nascente CSN: foi também oembrião <strong>da</strong> Companhia Vale do Rio Doce, cria<strong>da</strong>cerca de um a<strong>no</strong> depois (leia p. 154). Como partedo acordo, o <strong>Brasil</strong> ain<strong>da</strong> recebeu 45 milhões dedólares para construir a siderúrgica.Ao fi nal <strong>da</strong> Guerra, em 1945, a CSN já era <strong>uma</strong>reali<strong>da</strong>de, iniciando oficialmente suas operaçõesem 1º de outubro de 1946, impulsionando oprogresso <strong>da</strong> de Volta Redon<strong>da</strong>, <strong>no</strong> Estado do Rio, erevitalizando a Central do <strong>Brasil</strong> – a antiga Estra<strong>da</strong>de Ferro D. Pedro II –, cujos trilhos passaram aescoar a produção do aço. Um século e meio depois<strong>da</strong>s árduas tentativas <strong>da</strong> Fábrica Real de Ipanema,de Varnhagen, e <strong>da</strong> ousadia <strong>da</strong> Fábrica Patriótica, deEschwege, o <strong>Brasil</strong> enfi m possuía <strong>uma</strong> siderúrgica àaltura do potencial de suas reservas.Era o símbolo defi nitivo <strong>da</strong> transformação deum país que, enfi m, migrava de um modelo agroexportadorpara a eco<strong>no</strong>mia industrial. Em 1993,a CSN foi privatiza<strong>da</strong>, passando às mãos do grupoliderado por Benjamin Steinbruch, ligado à Vicunha,maior empresa têxtil <strong>da</strong> América Latina. Atualmente,o lucro líquido <strong>da</strong> CSN (R$ 38 milhões em 1993)suplanta meio bilhão de reais e a usina produz cercade 6 milhões de tonela<strong>da</strong>s de aço bruto e mais de 5milhões de tonela<strong>da</strong>s de laminados por a<strong>no</strong>, o que atorna <strong>uma</strong> <strong>da</strong>s mais produtivas do mundo.Entre chispas e chamas: operário<strong>da</strong> Companhia Siderúrgica <strong>Nacional</strong>opera um dos for<strong>no</strong>s <strong>da</strong> usina que,a partir <strong>da</strong> segun<strong>da</strong> etapa de suaexpansão, concretiza<strong>da</strong> em 1954,passou a produzir 680 mil tonela<strong>da</strong>sde aço por a<strong>no</strong>. Em 1960, o númerosaltaria para mais de um milhão detonela<strong>da</strong>s. Privatiza<strong>da</strong> em 1993, aCSN atualmente produz cerca de seismilhões de tonela<strong>da</strong>s anuais.151


O Grupo Ger<strong>da</strong>u é o 14º maiorprodutor de aço do mundo e o líder<strong>no</strong> segmento de aços longos nasAméricas. Fornecedor de aço para ossetores <strong>da</strong> construção civil, indústriae agropecuária, é considerado umdos maiores grupos recicladores domundo, reaproveitando anualmentecerca de 12,8 milhões de tonela<strong>da</strong>s desucata ferrosa. A Ger<strong>da</strong>u possui filiaisna América Latina, Canadá, Espanha,Estados Unidos, Guatemala, Índia,México e República Dominicana e teveum faturamento bruto de 10 bilhões dereais <strong>no</strong> primeiro trimestre de 2008.GERDAU E A FORÇA DO AÇOA primeira nasceu em meio a um confl itomundial, entre acordos governamentais e anecessi<strong>da</strong>de de se fazer um país forte. A outra, suaconcorrente, teve origem <strong>no</strong> ideal de um imigrantealemão, entre encontros familiares e a necessi<strong>da</strong>dede sobrevivência. E se a principal diferença entrea CSN e Ger<strong>da</strong>u está <strong>no</strong> modo como surgiram, amaior semelhança viria <strong>no</strong>s tempos moder<strong>no</strong>s,quando as duas mostraram ser gigantes do aço.A história <strong>da</strong> Ger<strong>da</strong>u se iniciou em 1869,quando Johann Heinrich Kaspar Ger<strong>da</strong>u – ousimplesmente João Ger<strong>da</strong>u – desembarcou com20 a<strong>no</strong>s <strong>no</strong> porto de Rio Grande (RS). Instaladona Colônia de Santo Ângelo, começou como tantosoutros imigrantes: investindo <strong>no</strong> comércio.No fi nal dos a<strong>no</strong>s 1880, João Ger<strong>da</strong>u mudou-separa Porto Alegre e, em 1901, trocou o comércio pelaindústria ao comprar a Fábrica de Pregos Pontasde Paris. Sob o comando de Hugo, fi lho mais velhode João, a fábrica – que então passou a ostentar o<strong>no</strong>me <strong>da</strong> família – fez com que o Rio Grande do Suldeixasse de depender <strong>da</strong> importação de pregos <strong>da</strong>Europa. Com um talento para os negócios her<strong>da</strong>dodo pai e um conhecimento adquirido <strong>no</strong>s países quevisitara, Hugo Ger<strong>da</strong>u tor<strong>no</strong>u-se também um dossócios-fun<strong>da</strong>dores <strong>da</strong> Cia. Geral <strong>da</strong>s Indústrias – que<strong>da</strong>ria origem aos Fogões Geral.Em 1930, Hugo Ger<strong>da</strong>u participou <strong>da</strong> criação doCentro de Indústrias Fabris do Estado do Rio Grandedo Sul – que <strong>da</strong>ria origem à FIERGS – e ain<strong>da</strong>conheceu aquele que seria o responsável pela grandeexpansão dos negócios <strong>da</strong> Ger<strong>da</strong>u: o alemão CurtJohannpeter. Genro de Hugo, Johannpeter assumiuem 1946 a direção <strong>da</strong> empresa do sogro e deu inícioa <strong>uma</strong> <strong>no</strong>va fase <strong>da</strong> empresa. Em 1947, a metalúrgica<strong>da</strong> família tor<strong>no</strong>u-se socie<strong>da</strong>de anônima e, <strong>no</strong>a<strong>no</strong> seguinte, Johannpeter adquiriu a SiderúrgicaRiograndense. Foi o começo dos investimentos <strong>no</strong> aço.Jorge Ger<strong>da</strong>u Johannpeter, filho de Curt, começoucedo a operar as máquinas de produção de pregos e aconviver com os operários. A partir <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de 1960,participou <strong>da</strong> compra de <strong>no</strong>vas fábricas e siderurgias e,de 1983 a 2006, ocupou o cargo de diretor-presidente.Atualmente, <strong>uma</strong> <strong>no</strong>va geração de Ger<strong>da</strong>u está nadireção <strong>da</strong>quela que se fi rmou como <strong>uma</strong> <strong>da</strong>s maioresindústrias que o <strong>Brasil</strong> moder<strong>no</strong> já produziu.152


A CSN EM 2008Áreas de atuaçãoA CSN atua preferencialmente nasáreas de siderurgia, mineração e infraestrutura.ProduçãoA produção anual <strong>da</strong> CompanhiaSiderúrgica <strong>Nacional</strong> é <strong>da</strong> ordem de5,6 milhões de tonela<strong>da</strong>s ao a<strong>no</strong>.EstruturaA empresa possui <strong>uma</strong> usinasiderúrgica integra<strong>da</strong>, cinco uni<strong>da</strong>desindustriais (sendo <strong>uma</strong> delas <strong>no</strong>sEUA e outra em Portugal), minas deminério de ferro, calcário e dolomita,distribuidora de aços pla<strong>no</strong>s,terminais portuários, participaçõesem estra<strong>da</strong>s de ferro e em duas usinashidrelétricas.LucroA CSN, que antes <strong>da</strong> privatização <strong>da</strong>vaprejuízo, registrou um lucro recordede R$ 2,9 bilhões em 2007, o querepresenta um aumento de 150% emrelação ao a<strong>no</strong> anterior.FuncionáriosA empresa conta com cerca de 16 milfuncionários.FONTE: CSN153


O minério de ferroNo Pico do Cauê: como se imitasse,treze a<strong>no</strong>s depois, a pose de PercivalFarquhar <strong>no</strong> topo <strong>da</strong> montanha deferro de Itabira, o presidente <strong>da</strong> Vale,Demerval Pereira, deixa-se fotografarjunto à e<strong>no</strong>rme jazi<strong>da</strong>, em companhiados membros de <strong>uma</strong> ComissãoParlamentar, em 1948. Acima, OswaldoAranha ratifica, com o embaixador<strong>no</strong>rte-america<strong>no</strong> Noel Charles, osAcordos de Washington.VALE DO RIO DOCEACompanhia Vale do Rio Doce começou anascer por meio do mesmo movimento quelevou a Itabira Iron Ore (leia p. 112) a defi nhar.Em 1927, o gover<strong>no</strong> federal impôs a assinaturade um <strong>no</strong>vo acordo à empresa de Farquhar,mediante ao qual a exportação <strong>da</strong>s reservas deferro do Pico do Cauê só poderia se iniciar apósa construção <strong>da</strong> siderúrgica que a Itabira seprontifi cara a fazer, conforme o contrato de 1920.Isso forçaria a empresa a investir muito antesde obter lucro.Em <strong>no</strong>vembro de 1928, a Itabira seria obriga<strong>da</strong>a renunciar ao uso exclusivo do porto que construiria,com recursos próprios, <strong>no</strong> Espírito Santo, bem comoa abrir mão do mo<strong>no</strong>pólio <strong>da</strong>s linhas férreas, tambémfeitas às suas expensas, concor<strong>da</strong>ndo não só emfranquear os dois empreendimentos a concorrentes,como permitir que ambos fossem utilizados parao transporte e embarque de quaisquer outrasmercadorias e até passageiros.Em setembro de 1930 a Itabira conseguiu serdispensa<strong>da</strong> <strong>da</strong> construção <strong>da</strong> usina siderúrgica,medi<strong>da</strong> que agradou aos peque<strong>no</strong>s produtores deferro mineiros, que não mais precisariam enfrentara concorrência de um grupo muito maior. Com ascondições aceitas de parte a parte, a companhiade Farquhar foi enfi m autoriza<strong>da</strong> pelo gover<strong>no</strong> deWashington Luís a buscar fi nanciamentos. Masentão sobrevieram, quase em seqüência, a criseeconômica mundial, inicia<strong>da</strong> em outubro de 1929,e a Revolução de outubro de 1930, <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>.Para agravar ain<strong>da</strong> mais a situação <strong>da</strong> Itabira, em1921 fora cria<strong>da</strong> a usina Belgo-Mineira, fruto <strong>da</strong>associação entre capitais nacionais e estrangeiros.Como a empresa não visava à exportação do ferro etampouco impunha o mo<strong>no</strong>pólio, foi autoriza<strong>da</strong> a seinstalar e pôde iniciar suas operações quase que deimediato, <strong>no</strong> começo <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de 1920.154


No último dia de outubro de 1930, Getúlio Vargasassumiu o poder, com discurso nacionalista. Suaprimeira providência efetiva <strong>no</strong> setor siderúrgico foia criação, mediante o decreto 23.979, de 8 de marçode 1934, do Departamento <strong>Nacional</strong> <strong>da</strong> ProduçãoMineral (DNPM), ao qual passaria a se subordinarto<strong>da</strong> a extração mineral do país. A segun<strong>da</strong> medi<strong>da</strong> deimpacto na área deu-se com a promulgação do Códigode Minas, por meio do decreto 24.642, assinadoem 10 de julho <strong>da</strong>quele a<strong>no</strong>. Entre seus quase cemartigos, os mais importantes determinavam que:– as jazi<strong>da</strong>s são bens imóveis que não fazem parte<strong>da</strong>s terras em que se encontram (embora o proprietário<strong>da</strong>s terras tenha priori<strong>da</strong>de para obter a concessão);– a exploração depende de concessão dogover<strong>no</strong> federal;– tanto autorizações para a realização depesquisas quanto a concessão de lavras serão<strong>da</strong><strong>da</strong>s exclusivamente a brasileiros ou a socie<strong>da</strong>desorganiza<strong>da</strong>s <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>.O Código abarcava <strong>uma</strong> extensa série de <strong>no</strong>rmase regulamentos, mas os três itens destacadosacima defi niam com clareza seu propósitoprimordial: garantir para o Estado o controle <strong>da</strong>sriquezas minerais e evitar o domínio estrangeirodo setor. A <strong>no</strong>vela Itabira ganharia então <strong>no</strong>vosingredientes. Depois de ter entrado na déca<strong>da</strong> de1930 com o contrato enfi m legalizado, a empresa foisurpreendi<strong>da</strong> com sua anulação, pois as obras nãohaviam se iniciado dentro do prazo preestabelecido(27 de março de 1931). Mais tarde, a anulação foisuspensa, mas o caso seguiu sem solução até 1935,quando Vargas o reencaminhou ao Congresso.Consultados pelo presidente, os militares semanifestaram contrários ao acordo e, em 1937, emple<strong>no</strong> Estado Novo, o assunto voltou a ser discutido<strong>no</strong> Congresso. Uma comissão do Conselho Federal deComércio Exterior elaborou, em fevereiro de 1939,um parecer, aprovado pelo Conselho de Segurança<strong>Nacional</strong> em maio de 1940, de acordo com o qualse estabelecia o mo<strong>no</strong>pólio do Estado na extração deferro e manganês e se propunha a organização <strong>da</strong>indústria siderúrgica nacional sob regime estatal.Para a Itabira de Faquhar aquele foi o golpecerteiro n<strong>uma</strong> seqüência de diretos que vinhalevando havia mais de <strong>uma</strong> déca<strong>da</strong>. O Código deMinas já a impedira de explorar diretamente suasjazi<strong>da</strong>s por ser <strong>uma</strong> empresa estrangeira. O decreto1.507, de 11 de agosto de 1939, declarara caducoseu contrato com o gover<strong>no</strong>, o que a fez perderto<strong>da</strong>s suas concessões federais e estaduais, emboracontinuasse de posse <strong>da</strong>s proprie<strong>da</strong>des e <strong>da</strong>sminas, <strong>uma</strong> vez que havia declarado ser legítimapossuidora <strong>da</strong> área antes do <strong>no</strong>vo regulamento.Em 1940, n<strong>uma</strong> última e desespera<strong>da</strong> carta<strong>da</strong>,Percival Farquhar associou-se a empresáriosbrasileiros, desmembrando a Itabira Iron Ore em duasempresas, agora nacionais: a Companhia <strong>Brasil</strong>eirade Mineração e Siderurgia, que incorporava a Estra<strong>da</strong>de Ferro Vitória a Minas, e a Companhia Itabirade Mineração, proprietária <strong>da</strong>s reservas do Pico doCauê. Finalmente, em junho de 1940, concretizou-seo primeiro embarque de minério de ferro <strong>no</strong> Porto deVitória. Mas os dias <strong>da</strong>s duas <strong>no</strong>vas empresas, bemcomo dos demais empreendimentos de Farquhar <strong>no</strong><strong>Brasil</strong>, estavam contados.O Pico do Cauê, antes e depois:ao alto, <strong>uma</strong> escavadeira vaidespe<strong>da</strong>çando, pouco a pouco, amontanha de ferro de Itabira, em fotode 1951. Cerca de dez a<strong>no</strong>s depois, oPico já fora aplainado e chamava-se,simplesmente, “mina do Cauê”.155


Os bois, a ferrovia e o porto: foidurante a construção <strong>da</strong> estra<strong>da</strong> deferro Vitória-Minas, em 1904, queengenheiros ingleses descobriramas jazi<strong>da</strong>s de ferro de Itabira.Na foto acima, carros de boiauxiliam <strong>no</strong> erguimento <strong>da</strong> estaçãode Cavalinhos, em Minas, em 1940.À direita, <strong>no</strong> mesmo a<strong>no</strong>, o minério édescarregado <strong>no</strong> porto de Tubarão,em Vitória (ES), depois de ter sidotransportado por meio de peque<strong>no</strong>scaminhões. A precarie<strong>da</strong>de doprocesso é evidente: a ferrovia ain<strong>da</strong>não estava pronta e o porto nãodispunha de terminais apropriados.Em 1941, o <strong>Brasil</strong> deu um passo decisivo para odesenvolvimento <strong>da</strong> indústria siderúrgica brasileiraao assinar com os Estados Unidos o acordo queautorizava aos america<strong>no</strong>s instalar bases militaresem Natal, <strong>no</strong> Rio Grande do Norte – pontoestratégico para reabastecimento entre os EUA e aÁfrica –, em troca de um empréstimo do Eximbankpara a construção <strong>da</strong> Companhia Siderúrgica<strong>Nacional</strong> em Volta Redon<strong>da</strong>, <strong>no</strong> Rio de Janeiro.Firmados em 3 de março de 1942, os Acordos deWashington <strong>da</strong>riam contor<strong>no</strong>s defi nitivos à história<strong>da</strong> Vale. Ficou acertado que o gover<strong>no</strong> britânicocompraria e repassaria ao gover<strong>no</strong> brasileiro, semquaisquer ônus, as jazi<strong>da</strong>s de ferro pertencentes àItabira Iron, enquanto os Estados Unidos <strong>da</strong>riam umfi nanciamento de 14 milhões de dólares por meio doEximbank, para o aparelhamento <strong>da</strong>s minas <strong>da</strong> Itabirae do porto de Vitória. O <strong>Brasil</strong>, por sua vez, comprariaa Estra<strong>da</strong> de Ferro Vitória a Minas. Os aliadospassariam a receber o minério a preços bem abaixo domercado até o fi nal <strong>da</strong> Guerra, e depois disso teriam apreferência de compra, a valores de mercado.O decreto-lei 4.352, de junho de 1942,determi<strong>no</strong>u a encampação <strong>da</strong> Companhia <strong>Brasil</strong>eirade Mineração e Siderurgia e <strong>da</strong> Companhia Itabirade Mineração (com o pagamento de indenizações)e a criação <strong>da</strong> Companhia Vale do Rio Doce. IsraelPinheiro foi <strong>no</strong>meado por Vargas para articulara transição. Pouco depois, seria eleito o primeiropresidente <strong>da</strong> Vale em assembléia realiza<strong>da</strong> em 11de janeiro de 1943, que fi xou a sede administrativaem Itabira e a sede jurídica <strong>no</strong> Rio de Janeiro.A priori<strong>da</strong>de <strong>da</strong> gestão de Pinheiro era viabilizara infra-estrutura necessária ao funcionamento <strong>da</strong>companhia, não apenas tratando <strong>da</strong> extração, masfazendo funcionar o triângulo mina-ferrovia-porto.A fi rma de consultoria americana Parsons, Klapp,Brinckerhoff e Douglas executou os estudos técnicos edesenvolveu os projetos, trazendo dos Estados Unidos8 mil tonela<strong>da</strong>s de materiais, em especial trilhos paraa estra<strong>da</strong> de ferro, 90 vagões e <strong>no</strong>ve locomotivas. Os14 milhões de dólares revelaram-se insuficientes e oEximbank concedeu <strong>no</strong>vo empréstimo de 5 milhões,com aval do Tesouro <strong>Nacional</strong>.156


A despeito <strong>da</strong>s difi cul<strong>da</strong>des iniciais, a tarefafoi executa<strong>da</strong> com êxito e a Vale começou adeslanchar. Contudo, quando Israel Pinheiroentregou o comando a Demerval José Pimenta,em 1946, o cenário já não era tão otimista. A IIGuerra Mundial acabara um a<strong>no</strong> antes. Os EstadosUnidos e a Inglaterra, voltados para reconstrução<strong>da</strong> Europa, abriram mão de sua priori<strong>da</strong>de sobre aprodução <strong>da</strong> Vale. Além de ter perdido a garantiade colocação <strong>da</strong> produção em seus dois principaismercados – embora os EUA continuassem comoo principal comprador –, o <strong>Brasil</strong> enfrentavaa concorrência de países como o Canadá e aVenezuela, que conseguiam preços mais atraentesgraças ao me<strong>no</strong>r valor do frete. Apesar disso, aempresa logrou atingir sob o comando de Pimentaalg<strong>uma</strong>s conquistas expressivas. Ao fi nal dosa<strong>no</strong>s 40, já respondia por 80% <strong>da</strong>s exportaçõesbrasileiras de minério de ferro.Mas o a<strong>no</strong> de 1950 é que se tornaria umdivisor de águas na trajetória <strong>da</strong> Vale. Conformedefi nido <strong>no</strong>s Acordos de Washington, a companhiahavia sido constituí<strong>da</strong> como <strong>uma</strong> socie<strong>da</strong>deanônima de eco<strong>no</strong>mia mista, cujo capital inicial<strong>no</strong>minal era de 200 mil contos de réis – o cruzeirose tornaria a moe<strong>da</strong> nacional ain<strong>da</strong> em outubrode 1942 –, e que só passaria ao efetivo e absolutocontrole do gover<strong>no</strong> brasileiro depois de quitadosos empréstimos e as demais obrigações contratuais.Enquanto isso, seria administra<strong>da</strong> em conjunto.A Estra<strong>da</strong> de Ferro Vitória a Minas seria geri<strong>da</strong>somente por brasileiros, mas as minas de Itabirateriam a participação de diretores america<strong>no</strong>s.Segundo o estatuto, a diretoria seria integra<strong>da</strong> porum diretor-presidente <strong>no</strong>meado pelo presidente <strong>da</strong>República e quatro diretores eleitos em assembléia.Junto com Israel Pinheiro, assumiram o general DenisDesiderato Horta Barbosa – não confundir com JúlioCaeta<strong>no</strong> Horta Barbosa, também general, primeiropresidente do Conselho <strong>Nacional</strong> do Petróleo (CNP) elíder <strong>da</strong> causa “O Petróleo é Nosso” – como vicepresidente,o major João Punaro Bley, interventor doEspírito Santo, e os america<strong>no</strong>s Robert K. West e C.Alvin Lawrenson, representantes do Eximbank.As relações <strong>da</strong> Vale – e, por extensão, do gover<strong>no</strong>brasileiro – com o Eximbank foram aze<strong>da</strong>ndoao longo do tempo. Primeiro porque, à época doempréstimo inicial de 14 milhões de dólares, feitomediante a assinatura de <strong>no</strong>tas promissórias, ficouacertado que a Vale pagaria as prestações com oequivalente a 15% de suas exportações. Depois de25 a<strong>no</strong>s, o empréstimo seria considerado quitado,mesmo que os 15% não atingissem o total <strong>da</strong> dívi<strong>da</strong>.O livro e o palanque: acima, Ferro,obra lança<strong>da</strong> por Monteiro Lobato em1933. Abaixo, José Maria Alkmin, IsraelPinheiro, Castelo Branco e o entãopresidente <strong>da</strong> Vale, Oscar de Olveira,inauguram o porto de Tubarão, emVitória (ES), em 1º de abril de 1966.157


A VALE EM 2008A empresa está presente em cerca de30 países <strong>no</strong>s cinco continentesÁreas de atuaçãoProdução e comercialização deminério de ferro, pelotas, níquel,concentrado de cobre, carvão, bauxita,alumina, alumínio, potássio, caulim,manganês e ferroligas.LucroO lucro <strong>da</strong> Vale em 2007 foi deR$ 20 bilhões, o que representouum crescimento de 49,2% emrelação a 2006.InvestimentosSomente neste a<strong>no</strong> a Vale vai investirUS$ 11 bilhões para 2008 – o maiormontante já investido por <strong>uma</strong>mineradora <strong>no</strong> mundo.ProduçãoEm 2007 a Vale exportou 291 milhõesde tonela<strong>da</strong>s métricas de minério deferro e pelotas, 268 mil tonela<strong>da</strong>s deníquel e 300 mil tonela<strong>da</strong>s de cobre.FuncionáriosA empresa conta com mais de100 mil funcionários, entre própriose terceirizados.FONTE: VALEA II Guerra havia tornado o mundo dosnegócios <strong>uma</strong> extensão <strong>da</strong>s políticas de gover<strong>no</strong>,por isso o Eximbank concor<strong>da</strong>ra em aceitar ascondições de alto risco. Esperava-se que três a<strong>no</strong>sapós o início <strong>da</strong>s operações a Vale já estivesseexportando 1,5 milhão de tonela<strong>da</strong>s anuais, mas asexportações mal passavam <strong>da</strong>s 100 mil tonela<strong>da</strong>sao a<strong>no</strong>. O resultado é que <strong>no</strong> fi nal <strong>da</strong> déca<strong>da</strong>de 1940 a Vale se encontrava sem recursos e oEximbank brigava para não amargar o prejuízo.Assembléia de acionistas realiza<strong>da</strong> em 1948decidiu assumir a dívi<strong>da</strong> integral com o banco,até como forma de deixar o caminho aberto paraum <strong>no</strong>vo empréstimo. Mas o Eximbank queriamais: exigia que o presidente <strong>da</strong> companhiativesse apenas poderes de supervisor, fi cando seusexecutivos com o ver<strong>da</strong>deiro comando.A criação de <strong>uma</strong> superintendência e de umconselho técnico, destinados a acalmar o banco, nãofoi o bastante, <strong>uma</strong> vez que o presidente mantinhapoderes executivos. Em janeiro de 1950, o generalEurico Gaspar Dutra, então presidente <strong>da</strong> República,resolveu encerrar a pendenga confi rmando asatribuições do presidente <strong>da</strong> Vale e ratificandosua auto<strong>no</strong>mia. No a<strong>no</strong> seguinte, <strong>uma</strong> mu<strong>da</strong>nça <strong>no</strong>estatuto previa que todos os diretores teriam de sernascidos e residentes <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>. O Eximbank nãoconseguira sucesso ao tentar o controle <strong>da</strong> empresa,mas ao me<strong>no</strong>s se livrara de não receber boa partedo dinheiro que lhe era devido. Por fi m, em 1952, jácom Vargas de volta ao poder – então “<strong>no</strong>s braços dopovo” –, o gover<strong>no</strong> federal assumiu em defi nitivo ocontrole operacional <strong>da</strong> Vale.Em 1970, a Vale se tor<strong>no</strong>u sócia majoritária naexploração de minério em Carajás, <strong>no</strong> Pará, juntocom a US Steel Co., que descobrira o veio três a<strong>no</strong>santes. Outro acordo, de 1972, permitiu à empresaexplorar bauxita na região do rio Trombetas emparceira com a canadense Alcan Aluminiun. Maso ponto de inflexão na história <strong>da</strong> Vale se deu em1974, quando a companhia se converteu na maiorexportadora de minério de ferro do mundo, com na<strong>da</strong>me<strong>no</strong>s do que 16% do mercado transoceânico.Ao longo dos a<strong>no</strong>s 80, a Vale começou a explorarde fato o minério de ferro de Carajás. Inauguroua Estra<strong>da</strong> de Ferro Carajás e começou a operaro terminal portuário de Ponta <strong>da</strong> Madeira, <strong>no</strong>Maranhão. Em 1996, dois a<strong>no</strong>s depois de ter sidoconsidera<strong>da</strong> a maior empresa do <strong>Brasil</strong>, a Vale foiincluí<strong>da</strong> <strong>no</strong> Programa <strong>Nacional</strong> de Desestatização,pelo decreto n° 1.510, de 1º de junho <strong>da</strong>quele a<strong>no</strong>,assinado pelo então presidente Fernando HenriqueCardoso. A privatização se concretizaria em 6 demaio de 1997. O Consórcio <strong>Brasil</strong> saiu-se vencedordo leilão, tendo pago 3,3 milhões de reais por41,73% <strong>da</strong>s ações <strong>da</strong> empresa. O presidente <strong>da</strong>CSN, Benjamin Steinbruch, assumiu a presidênciado Conselho de Administração <strong>da</strong> Vale.Em 1998, seu primeiro exercício fi scal comoempresa priva<strong>da</strong>, a Vale revelou um crescimentode 46%. No a<strong>no</strong> seguinte, atingiu o maior lucro desua história: 1,2 bilhão de reais. Em 2000, bateuo recorde de produção de minério de ferro – 119,7milhões de tonela<strong>da</strong>s – e comprou <strong>uma</strong> empresa<strong>no</strong> Barhein. Estava cons<strong>uma</strong><strong>da</strong> sua jorna<strong>da</strong> para setornar de fato <strong>uma</strong> empresa global.158


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O cimentoJosé Ermírio de Moraes (acima) fez<strong>da</strong> Votorantim <strong>uma</strong> <strong>da</strong>s principaisfabricantes de cimento Portland do<strong>Brasil</strong>, através <strong>da</strong> fábrica Santa Helena(abaixo). A empresa foi pioneira <strong>no</strong>setor ao fazer o co-processamento(queima e destruição de resíduos)na fabricação do chamado clínquer,principal matéria-prima do cimento.UMA INDÚSTRIA CONCRETAO<strong>no</strong>me vem do latim caementu, que designava,na velha Roma, <strong>uma</strong> espécie de pedra naturalde rochedos de cal. Mas o que hoje se conhece porcimento – descendente <strong>da</strong>s ligas de gesso calcinadodo Egito antigo – é produto <strong>da</strong> descoberta doconstrutor inglês Joseph Aspdin. Em 1824, Aspdinqueimou pedras calcárias junto com argila, transformou-asnum pó fi <strong>no</strong> e resistente à água e depoispatenteou seu achado como cimento Portland (pois,segundo ele, possuía durabili<strong>da</strong>de e solidez similaresàs <strong>da</strong>s rochas <strong>da</strong> ilha britânica do mesmo <strong>no</strong>me).O cimento Portland foi <strong>uma</strong> ponte entre o velho e o<strong>no</strong>vo mundo <strong>da</strong>s construções.O primeiro a fabricá-lo <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong> foi o coronelAntônio Proost Rodovalho, que, em 1888, instalou<strong>uma</strong> fábrica em Caieiras, <strong>no</strong>s arredores deSorocaba. A pequena indústria – depois compra<strong>da</strong>por Antonio Pereira Ignácio, marcando o primeirocontato <strong>da</strong> Votorantim com o cimento – não chegoua ter <strong>uma</strong> produção signifi cativa. Somente em1926, com a criação <strong>da</strong> Cia. <strong>Brasil</strong>eira de CimentoPortland Perus, em São Paulo, o cimento passou aser um produto sólido e regular <strong>no</strong> país.A partir dos a<strong>no</strong>s 1930, com a expansão<strong>da</strong>s ci<strong>da</strong>des e a necessi<strong>da</strong>de de material para aconstrução civil, a Votorantim investiu pesado <strong>no</strong>ramo de cimentos. Em 1936, através <strong>da</strong> fábricaSanta Helena, iniciou <strong>uma</strong> produção diária de250 tonela<strong>da</strong>s de cimento Portland. Tal foi oenvolvimento de seu presidente José Ermírio deMoraes com o produto que, em 1937, ele fundou efoi o primeiro presidente <strong>da</strong> Associação <strong>Brasil</strong>eirade Cimento Portland. A enti<strong>da</strong>de foi responsávelpela introdução <strong>no</strong> país dos testes de resistência deconcreto e pelo controle de quali<strong>da</strong>de do cimentoutilizado em grandes obras. Graças a esse controle,a produção nacional de cimento cresceu até fazeros importados sumirem do mercado. E não apenasisso: em 2007, o <strong>Brasil</strong> fi rmou-se como o oitavoprodutor mundial de cimento.160


A borrachaUMA INDÚSTRIA ELÁSTICAEla era chama<strong>da</strong> de cautchu – ou “a árvoreque chora” – pelos indígenas do Equador.É impermeável à chuva, elástica e, quando fresca,pode ser mol<strong>da</strong><strong>da</strong> na forma deseja<strong>da</strong>. Não é de seestranhar, portanto, que a borracha, produto <strong>da</strong>seringueira, tenha sido responsável por batizarum dos ciclos econômicos do país.O ciclo <strong>da</strong> borracha fez de Manaus <strong>uma</strong> ci<strong>da</strong>deaos moldes europeus. Em 1880, a capital amazônicatinha 50 mil habitantes e exportava 12 mil tonela<strong>da</strong>sdo produto do látex. A extração era feita pelosseringueiros que, fugidos <strong>da</strong> terrível seca de 1877-79, haviam migrado para o Amazonas. Pelas mãosdesses retirantes <strong>no</strong>rdesti<strong>no</strong>s, esvaiu-se a seiva deoito milhões de árvores espalha<strong>da</strong>s por três milhõesde quilômetros quadrados. Com o dinheiro <strong>da</strong>exportação, as ruas de Manaus fervilharam combanqueiros ingleses, investidores america<strong>no</strong>s eprostitutas francesas. A ci<strong>da</strong>de tinha 300 telefones, 16quilômetros de linhas de bondes elétricos e três linhasde navegação que a ligavam à Europa e aos EstadosUnidos. Em 1896, foi inaugurado um dos primeirosteatros do <strong>Brasil</strong>, o fabuloso Amazonas, decorado comopulência. O lucro fácil duraria até 1904, quandoparte <strong>da</strong>s sete mil sementes de seringueira que oinglês Henry Wickham contrabandeara 30 a<strong>no</strong>s antesenfi m germi<strong>no</strong>u na Malásia.Em 1922, a maioria <strong>da</strong>s plantações britânicas naMalásia estava com problemas e o preço <strong>da</strong> borrachaasiática subiu. Foi nesse momento que surgiu aFordlândia. Para abastecer sua indústria com o látexnecessário para os pneus de seus automóveis, HenryFord adquiriu <strong>uma</strong> gigantesca gleba <strong>no</strong> Pará paraali plantar sua matéria-prima. Só que os <strong>no</strong>rteamerica<strong>no</strong>sescolheram mal a terra, plantaram asseringueiras muito próximas <strong>uma</strong>s <strong>da</strong>s outras, elasforam vítimas de pragas e eles tiveram que li<strong>da</strong>r coma revolta dos trabalhadores. Acabaram praticamenteabandonando as plantações.A produção de borracha brasileira só ganhou um<strong>no</strong>vo impulso durante a II Guerra. Com o conflitoeuropeu, os Estados Unidos ficaram sem fornecedor.Como não havia reservas e a borracha sintética ain<strong>da</strong>estava em fase experimental, a solução foi encontrar<strong>no</strong>vos seringais – ou antigos. Os america<strong>no</strong>s logolembraram que poderiam aproveitar as árvoresplanta<strong>da</strong>s por Ford. Sem contar que existiam ain<strong>da</strong> 300milhões de seringueiras nativas em condições de seremexplora<strong>da</strong>s. Só faltava um preço compensador e <strong>uma</strong>supervisão americana. Foi assim que, na déca<strong>da</strong> de1940, um <strong>no</strong>vo surto extrativista se deu na Amazônia.Mas ele duraria só até o final <strong>da</strong> II Guerra quando,então, a borracha obti<strong>da</strong> do petróleo fi nalmenteexpandiu-se, aperfeiçoou-se e conquistou o mundo.Acima, a “árvore que chora”, velhaconheci<strong>da</strong> dos indígenas <strong>da</strong> Américado Sul. A Hevea Tropical recebeudos portugueses o <strong>no</strong>me de “pau deseringa”, que depois foi simplificadopara “seringa” e finalmente virou“seringueira”. Abaixo, cartazvarguista de 1943 incentivando aprodução de borracha.161


I Conferência <strong>Nacional</strong> <strong>da</strong>s Classes <strong>Produto</strong>rasUm dos primeiros grandes eventospromovidos pela <strong>CNI</strong> foi aI Conferência <strong>Nacional</strong> <strong>da</strong>s Classes<strong>Produto</strong>ras (I Conclap). Realizado naprimeira semana de maio de 1945,em Teresópolis (RJ), em parceriacom a Federação <strong>da</strong>s AssociaçõesComerciais do <strong>Brasil</strong>, o encontroteve duração de cinco dias e reuniu680 enti<strong>da</strong>des representativas<strong>da</strong> indústria, do comércio e <strong>da</strong>agricultura. Sob a presidência de JoãoDaudt D’Oliveira (abaixo, discursando,ao lado de Euvaldo Lodi), a Conclapfez <strong>uma</strong> declaração de princípios,afirmando que “a ordem econômicabrasileira baseia-se na liber<strong>da</strong>de e <strong>no</strong>primado <strong>da</strong> iniciativa priva<strong>da</strong>”.Em fevereiro de 2008, o ex-ministro <strong>da</strong>Eco<strong>no</strong>mia Delfim Netto escreveu <strong>uma</strong>coluna jornalística sobre a I Conclap.O texto segue reproduzido nesta página.A INDÚSTRIA TRAÇA SEU DESTINONa mesma semana em que termi<strong>no</strong>u a II GuerraMundial, um numeroso grupo de empresáriosbrasileiros dos setores agrícola, comercial, industriale de serviços (na época tinham orgulho de chamaremsea si mesmos de “classes produtoras”) reuniu-se emTeresópolis, de 1º a 6 de maio de 1945, ain<strong>da</strong> sob aditadura de Vargas (que foi deposto em 29/10/45).Eram, na maioria, peque<strong>no</strong>s e médios empresáriosque, com disposição, arte e engenho, tinham sabidoaproveitar a interrupção do comércio exter<strong>no</strong>.Autênticos e bem-sucedidos resultados <strong>da</strong> natural“substituição de importações”... As suas liderançaseram to<strong>da</strong>s intelectualmente fortes, com visãoprogressista e respeita<strong>da</strong>s por sua coragem cívica(João Daudt D’Oliveira, Euvaldo Lodi, Íris Meinberg,Brasílio Machado Neto e Roberto Simonsen).A que se propunha a conferência? A na<strong>da</strong> maisna<strong>da</strong> me<strong>no</strong>s do que sugerir caminhos que levassemà construção de instituições que colocassem o <strong>Brasil</strong><strong>no</strong>s trilhos, com 1º) um desenvolvimento social eeconômico robusto; 2º) num ambiente democrático;3º) com equilíbrio inter<strong>no</strong> (sem infl ação e semdéfi cit fi scal) e exter<strong>no</strong> (com equilíbrio <strong>no</strong> balançocomercial) e 4º) com maior justiça social.Com a perspectiva histórica de 60 a<strong>no</strong>s, a síntese<strong>da</strong>s sugestões <strong>da</strong> conferência expressas na “CartaEconômica de Teresópolis” mostra que, se elas tivessemsido atendi<strong>da</strong>s, estaríamos hoje bem melhor <strong>no</strong> querespeita à educação e à saúde. Em matéria de energia,teríamos evitado os racionamentos dos a<strong>no</strong>s 60 doséculo passado e o apagão de 2001. Na questão fi scal esua conseqüência monetária, não teríamos conhecidoa indexação e a hiperinfl ação. Por fim, mas não me<strong>no</strong>simportante, em matéria cambial, nunca teríamosconstruído os impasses dos a<strong>no</strong>s 60 e 90 do século 20.A restrição <strong>da</strong> oferta de energia e a acumulação dosdéficits em conta corrente, que limitaram o crescimentonacional, certamente não chegariam a acontecer.Mas o fato mais <strong>no</strong>tório <strong>da</strong> “Carta deTeresópolis” é que ela antecipou em 57 a<strong>no</strong>s a “Cartaaos <strong>Brasil</strong>eiros”, que elegeu Luiz Inácio Lula <strong>da</strong>Silva. Dos seus cinco objetivos básicos, o primeiro(como na proposta de Lula) era o “combate aopauperismo”, elegante anglicanismo que signifi cava,na época, o combate à fome.Pena que <strong>no</strong> limiar <strong>da</strong> volta à democracia, em1945, eles não tivessem tido a idéia de criar o “Partidodo Trabalho”, isto é, de empresários e trabalhadores,pelo me<strong>no</strong>s <strong>da</strong>queles que não eram manipulados pelovelho e sempre <strong>no</strong>vo “peleguismo” sindical de tradiçãovarguista, que às vezes ain<strong>da</strong> <strong>no</strong>s assombra...Antonio Delfi m NettoFolha de S. Paulo, 6 de fevereiro de 2008162


O gover<strong>no</strong> DutraBREVE INTERLÚDIO NA ERA VARGASQuando os vitoriosos “pracinhas” <strong>da</strong> ForçaExpedicionária <strong>Brasil</strong>eira retornaram ao<strong>Brasil</strong>, em julho de 1945, desfi lando orgulhosospelo leito <strong>da</strong> Aveni<strong>da</strong> Rio Branco (antiga Aveni<strong>da</strong>Central), <strong>uma</strong> contradição escancarou-se aos olhos<strong>da</strong> nação: na Europa, o Exército nacional lutarapela democracia; em casa, o país vivia sob o regimeditatorial. Um a<strong>no</strong> e meio antes, a insatisfação devários segmentos do país com o regime de Vargasjá havia fi cado clara com o surgimento do chamado“Manifesto dos Mineiros”. Lançado em 24 deoutubro de 1943, <strong>no</strong> 13º aniversário <strong>da</strong> Revoluçãode 30, o documento clamava: “Queremos liber<strong>da</strong>dede pensamento, sobretudo do pensamento político”.As pressões forçaram Vargas a baixar a guar<strong>da</strong>e, <strong>no</strong> dia 28 de fevereiro de 1945, ele assi<strong>no</strong>u oAto Adicional nº 9, fi xando em 90 dias o prazopara marcar a <strong>da</strong>ta <strong>da</strong>s próximas eleições.Os <strong>no</strong>vos partidos se organizaram rapi<strong>da</strong>mente:em 7 de abril <strong>da</strong>quele a<strong>no</strong> nascia a UDN (UniãoDemocrática <strong>Nacional</strong>), forma<strong>da</strong> pela antigaoposição liberal, associa<strong>da</strong> a banqueiros e aosetor privado. A UDN lançou a candi<strong>da</strong>tura dobrigadeiro Eduardo Gomes. Em julho de 1945,surgia, dentro <strong>da</strong> máquina do próprio Estado Novo,o PSD (Partido Social Democrático), que escolheuo marechal Eurico Gaspar Dutra como candi<strong>da</strong>to.Três meses antes de sua realização, as eleiçõesmarca<strong>da</strong>s para dezembro de 1945 já pareciamdefi ni<strong>da</strong>s: a UDN não teria como vencer Vargas eseus aliados. Em fi ns de outubro, porém, o presidenteinsiste em fazer de seu irmão, Bejo Vargas, o chefede polícia do Rio de Janeiro. Liderado pelos generaisGóis Monteiro e Dutra – aliados de Vargas em1930 –, um golpe “branco” depõe o ditador. Entrehumilhado e conciliador, o presidente declara ànação que renunciara ao cargo por vontade própria– e sai do Catete sem ser exilado e sem perder osdireitos políticos. As eleições se realizam <strong>no</strong> dia 2 dedezembro sob sua vasta sombra, e Dutra, apoiado peloPTB de Vargas, vence com certa facili<strong>da</strong>de a UDN deEduardo Gomes: dos 6 milhões de votos (equivalentesa 13,4% <strong>da</strong> população), 3,25 milhões são <strong>da</strong>dosa Dutra e ele toma posse <strong>no</strong> dia 31 de janeiro de1946. Junto com o presidente assumem, naquele dia,Euvaldo Lodi – que, além de se manter à frente <strong>da</strong><strong>CNI</strong> desde a fun<strong>da</strong>ção, elegera-se deputado federalpelo mesmo PSD – e Roberto Simonsen, que, tambémconcorrendo pelo PSD, se tornara senador por SãoPaulo (vencendo o pintor Cândido Portinari, do PCB).Bastante próximos ao presidente, Simonsen e Lodiobtêm dele a assinatura do decreto-lei nº 9.043 que,fi rmado <strong>no</strong> dia 25 de junho de 1946, autoriza a criaçãodo Serviço Social <strong>da</strong> Indústria, o SESI.O Marechal Eurico Gaspar Dutra (1883– 1974) nasceu em Cuiabá. Combateua Revolta <strong>da</strong> Vacina em 1904, reprimiuos levantes tenentistas de 1922 e 1924,aderiu à Revolução de 30, enfrentouos paulistas em 1932 e os comunistasem 1935, apoiou o golpe do EstadoNovo em 1937, foi ministro de Vargaspor <strong>no</strong>ve a<strong>no</strong>s e o derrubou em 1945.Como presidente, proibiu o jogo epromulgou a <strong>no</strong>va Constituição – quechamava de “livrinho”. Introduziuo <strong>Brasil</strong> na Guerra Fria, criando aEscola Superior de Guerra, banindo oPC, rompendo relações com a UniãoSoviética e se aproximando dosEstados Unidos de Harry Tr<strong>uma</strong>n.Em tor<strong>no</strong> de Dutra surgiram muitaspia<strong>da</strong>s. Uma delas contava que, aoser cumprimentado por Tr<strong>uma</strong>n, quedissera “How do you do, Dutra?”, omarechal de imediato respondeu:“How tru you tru, Tr<strong>uma</strong>n?”163


A fun<strong>da</strong>ção do SESIEM BUSCA DE PAZ SOCIALDo surpreendente pioneirismo do baia<strong>no</strong> LuizTarquínio ao “paternalismo consciente” docarioca Jorge Street; <strong>da</strong> vila operária ergui<strong>da</strong> porDelmiro Gouveia em ple<strong>no</strong> sertão <strong>da</strong>s Alagoas aospreceitos do taylorismo compartilhados por RobertoSimonsen junto aos funcionários do Centro deConstrutores e Industriais de Santos; <strong>da</strong> místicade “pai dos pobres” adquiri<strong>da</strong> por Antônio PereiraIgnácio, que <strong>no</strong>s a<strong>no</strong>s 20 chegou a fazer <strong>uma</strong> piscinapara seus empregados, à aura de “pai dos pobres”que, dez a<strong>no</strong>s depois, seria atribuí<strong>da</strong> em muitomaior escala a Getúlio Vargas, a preocupação como bem-estar dos trabalhadores brasileiros percorreuum longo caminho. Um caminho muitas vezestutelado e eventualmente marcado pela sombrado paternalismo – mas, ain<strong>da</strong> assim, o caminhotrilhado por aqueles que jamais julgaram que a“questão social” pudesse ser “questão de polícia”.O a<strong>no</strong> de 1946 – que veria nascer o ServiçoSocial <strong>da</strong> Indústria (SESI) – se iniciou com a possede Dutra na presidência, em 31 de janeiro. A IIGuerra havia acabado <strong>no</strong> a<strong>no</strong> anterior, e com elaa primeira fase <strong>da</strong> Era Vargas, que se estenderapor 15 a<strong>no</strong>s. Então, <strong>no</strong> dia 20 de fevereiro, cercade cem mil operários entravam em greve em SãoPaulo. Entre fi ns de fevereiro e meados de março,60 outras greves eclodiram por todo o país.164


O movimento parecia a concretização dospiores pesadelos antevistos pelas 800 enti<strong>da</strong>desrepresentativas <strong>da</strong>s “classes produtoras” que,me<strong>no</strong>s de um a<strong>no</strong> antes, reuni<strong>da</strong>s em Teresópolis,na I Conclap (leia p. 162), tinham lançado aCarta <strong>da</strong> Paz Social. Em 9 de maio de 1946, <strong>uma</strong><strong>no</strong> exato após a I Conclap, e ain<strong>da</strong> em plenacrise, representantes <strong>da</strong>s federações industriaisdo Rio de Janeiro, de São Paulo (RobertoSimonsen), de Minas Gerais (Américo Gianneti),do Rio Grande do Sul (Herbert Bier), do Paraná(Heitor de França) e de Pernambuco (AntônioAlves Pereira) reuniram-se na sede <strong>da</strong> <strong>CNI</strong>, <strong>no</strong>Rio. Do encontro, presidido por Euvaldo Lodi,saiu a decisão de que era preciso criar, comurgência, “um serviço social que se dedicasse àdefesa e à valorização do trabalhador na indústriae de sua família, além de promover medi<strong>da</strong>s deestímulo à produção industrial”.O empresário Morvan Dias de Figueiredotomou parte naquele encontro – como tomaratambém na I Conclap e <strong>no</strong> Congresso <strong>da</strong>sIndústrias, realizado em São Paulo em 1944,a<strong>no</strong> <strong>no</strong> qual passou a fazer parte do conselhofi scal <strong>da</strong> <strong>CNI</strong>. Euvaldo Lodi e Morvan Diaseram colaboradores próximos de Dutra. Então,<strong>no</strong> dia 25 de junho de 1946, eles obtiveram dopresidente a assinatura do decreto-lei nº 9.043,que criava o Serviço Social <strong>da</strong> Indústria.A ata de criação que regulamentava ainstituição com o “objetivo de estu<strong>da</strong>r, planejare executar, direta ou indiretamente, medi<strong>da</strong>sque contribuam para o bem-estar socialdos trabalhadores na indústria e ativi<strong>da</strong>dessimilares” foi ratifi ca<strong>da</strong> <strong>no</strong> dia 1º de julho, nasede <strong>da</strong> Confederação <strong>Nacional</strong> <strong>da</strong> Indústria,à qual o SESI fi cou subordinado. RobertoSimonsen discursou com a habitual eloqüência:“Não há questão social – habitação, alimentação,educação, saúde e outras – cuja solução exijamais do que apenas boa vontade e diligência porparte dos que respondem pela preservação de<strong>no</strong>sso patrimônio social e histórico. É o espíritode serviço, tão recomen<strong>da</strong>do pela fi losofi acristã, que dá à riqueza, não o caráter de uminstrumento para a fruição de bens individuaise egoísticos, mas <strong>uma</strong> larga função pública desoerguimento do conforto e do bem-estar <strong>da</strong>spopulações de trabalhadores.”Em outubro <strong>da</strong>quele a<strong>no</strong>, como se completandoum breve e bem-articulado ciclo, Morvan assumiuo Ministério do Trabalho. Sua gestão seriamarca<strong>da</strong> “pela tentativa de manter o equilíbrioentre empregados e empregadores”, a ponto de elefi car conhecido como “o ministro <strong>da</strong> paz social”– não por acaso o mesmo lema que <strong>no</strong>rteara afun<strong>da</strong>ção do SESI. O Serviço Social <strong>da</strong> Indústriapoderia, a partir de então, concretizar seuspropósitos e sua vocação, revelando, ao longo de<strong>uma</strong> trajetória hoje mais que sexagenária, que apreocupação com o bem estar dos trabalhadorese de suas famílias não é incompatível com abusca pelo lucro por parte <strong>da</strong>s empresas como, naver<strong>da</strong>de, pode servir para alavancá-lo.No alto, Roberto Simonsen, o presidenteDutra (ao centro) e o arcebispo do Rio,D. Jaime Câmara, <strong>no</strong> a<strong>no</strong> <strong>da</strong> fun<strong>da</strong>çãodo SESI. Acima, o Conselho <strong>Nacional</strong>do SESI reunido em Petrópolis (RJ): àfrente, ao centro, Dutra; à esquer<strong>da</strong> dele,de branco, Euvaldo Lodi e, ao seu lado,Morvan Dias de Figueiredo. Abaixo, onúmero 1 <strong>da</strong> revista Sesinho e a ediçãoespecial sobre os 200 a<strong>no</strong>s <strong>da</strong> indústria<strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>, de 2008.165


MEMÓRIA FOTOGRÁFICAO SESI em ação: ao lado, atletaacende a pira na abertura de mais<strong>uma</strong> Olimpía<strong>da</strong> promovi<strong>da</strong> pelo SESI;abaixo, <strong>uma</strong> <strong>da</strong>s ambulâncias<strong>da</strong> frota <strong>da</strong> enti<strong>da</strong>de. Na coluna <strong>da</strong>direita, ciclistas na abertura<strong>da</strong> IV Olimpía<strong>da</strong> Operária de SãoPaulo; ao centro, desfile dos JogosDesportivos Operários, <strong>no</strong> Vale doAnhangabaú (SP), na déca<strong>da</strong> de 1950;abaixo, desfile de alu<strong>no</strong>s do SESIem Minas Gerais. Na página ao lado,as três fotos <strong>da</strong> coluna à esquer<strong>da</strong>mostram diferentes aspectos dosarmazéns do SESI. Na coluna <strong>da</strong>direita, as aulas de alfabetização, asbibliotecas volantes e o atendimentoodontológico – serviços que o SESIvem prestando aos trabalhadoresbrasileiros há mais de 60 a<strong>no</strong>s.166


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O fim dos a<strong>no</strong>s 40Vários dos temas abor<strong>da</strong>dos nestelivro foram estu<strong>da</strong>dos pela primeiravez – ou sob <strong>uma</strong> perspectivai<strong>no</strong>vadora – por Roberto Simonsen.Sua História Econômica do <strong>Brasil</strong>,publica<strong>da</strong> em 1937, embora atualmenteseja vista pelos especialistas comoum tanto ultrapassa<strong>da</strong>, foi a primeiraobra de fôlego a analisar o papeldesempenhado pelos “ciclos” do paubrasil,do açúcar, do ouro e do café.Foi, aliás, justamente esse trabalhode Simonsen que estabeleceu a teoriados “ciclos econômicos” aplica<strong>da</strong> pordéca<strong>da</strong>s para interpretar os caminhosdo desenvolvimento <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>. Ao todo,o mentor intelectual <strong>da</strong> <strong>CNI</strong> escreveu,entre 1912 e 1948, mais de 30 livros,a maior parte deles versando sobretemas ligados à indústria.A MORTE DE SIMONSEN E O II CONCLAPNo dia 25 de maio de 1948, Roberto Simonsensubiu ao púlpito <strong>da</strong> Academia <strong>Brasil</strong>eira deLetras para sau<strong>da</strong>r o primeiro-ministro <strong>da</strong> Bélgica,em visita oficial ao <strong>Brasil</strong>. Um ataque cardíacofulminante fez parar o coração do eco<strong>no</strong>mista eempresário de 59 a<strong>no</strong>s, matando-o em plena tribuna.Embora trágica, era <strong>uma</strong> morte emblemática;Simonsen falecia em ple<strong>no</strong> exercício <strong>da</strong> oratóriacombativa e vibrante, em geral posta a serviço deum mundo socialmente mais justo. Sete meses antes,em outubro de 1947, ele participara <strong>da</strong> XXVI SessãoPlenária do Conselho Interamerica<strong>no</strong> de Comércioe Produção, realiza<strong>da</strong> <strong>no</strong> hotel Quitandinha, emPetrópolis (RJ), <strong>no</strong> qual defendeu a aplicação, naAmérica Latina, de um projeto similar ao Pla<strong>no</strong>Marshall, articulado pelos EUA paraincrementar a reconstrução <strong>da</strong> Europa <strong>no</strong>pós-guerra. Disse Simonsen: “Reequipar ohomem europeu e manter e agravar a pobrezalati<strong>no</strong>-americana, além de constituir <strong>uma</strong>injustiça social, significa também incorrernum grave erro de estratégia política”. Aomorrer, Roberto Simonsen era senadorpelo PSD. Mas, muito mais do que político,seu legado seria institucional e ideológico,sobrevivendo até os dias de hoje <strong>no</strong> seio <strong>da</strong>senti<strong>da</strong>des que ele ajudou a criar.Um a<strong>no</strong> e dois meses após a morte deSimonsen, Euvaldo Lodi homenageou-o ao longodos sete dias de duração do II Conclap. Realiza<strong>da</strong>em Araxá (MG) entre 24 e 31 de julho de 1949,a conferência, <strong>da</strong> mesma forma que o encontro deTeresópolis em 1945, agrupou delegados de muitasenti<strong>da</strong>des <strong>da</strong>s “classes produtoras”, reuni<strong>da</strong>spara discutir os principais problemas econômicosdo <strong>Brasil</strong>. Durante o congresso, <strong>no</strong>ve comissõesexaminaram questões relativas à produçãoindustrial, circulação e transporte, capitais,créditos e bancos; política comercial; regime fi scal;controle e ativi<strong>da</strong>de do gover<strong>no</strong> na eco<strong>no</strong>mia;educação profi ssional, produção agropecuária eserviço social e relações de trabalho.A comissão de produção industrial clamoupelo “desenvolvimento do setor energético e decombustíveis, assim como o reequipamento e aampliação do parque industrial, para o crescimentodo país e a ascensão do nível de vi<strong>da</strong> <strong>da</strong> população”.Mas seu foco se manteve na questão do petróleo, e ogrupo recomendou “a rápi<strong>da</strong> instalação de refi nariaspelo gover<strong>no</strong>, ou então mediante concessões aempresas particulares ou organizações mistas”.O tema estava de fato na ordem do dia e seriaum dos mais quentes <strong>da</strong>s eleições presidenciais,marca<strong>da</strong>s para o dia 3 de outubro do a<strong>no</strong> seguinte.168


A volta de VargasNOS BRAÇOS DO POVOEmbora afastado do gover<strong>no</strong> por um golpebrando, Getúlio Vargas acabaria sendo umdos maiores vencedores <strong>da</strong>s eleições de dezembrode 1945. Não só fi gurativamente: Vargas foi eleitosenador por dois estados (RS e SP) e deputadopor outros sete. Ain<strong>da</strong> assim, praticamente nãoapareceu <strong>no</strong> Senado ao longo de seus quatro a<strong>no</strong>sde man<strong>da</strong>to: preferiu o auto-exílio na fazen<strong>da</strong> Itu,em São Borja (RS), na qual recebia o beija-mãodos políticos e articulava sua triunfal volta aopoder. Na ver<strong>da</strong>de, as ma<strong>no</strong>bras para a sucessão deDutra se iniciaram antes de o marechal completara metade de seu man<strong>da</strong>to. Embora Dutra serecusasse a apoiar a candi<strong>da</strong>tura Vargas, ela logosurgiu, lança<strong>da</strong> pelo então deputado estadual doPTB João Goulart, durante a comemoração do 67ºaniversário do ex-presidente, em 19 de abril de1950, na própria fazen<strong>da</strong> Itu. Vargas concorreu peloPTB, tendo como vice João Café Filho, do PartidoSocial Progressista (PSP), que fora indicado pelopresidente do partido, o governador paulista Ademarde Barros (em tor<strong>no</strong> do qual se popularizou o slogan“rouba, mas faz”). O acordo era bastante simples:Vargas em 1950, Ademar em 1955. Nas eleiçõesde 3 de outubro de 1950, Vargas concorreu contraCristia<strong>no</strong> Machado, do PSD, e Eduardo Gomes,outra vez candi<strong>da</strong>to <strong>da</strong> UDN.Baseando sua campanha na defesa <strong>da</strong>industrialização e na necessi<strong>da</strong>de de se ampliara legislação trabalhista, Vargas venceu fácil,obtendo 48,7% dos votos. A UDN tentou impugnara eleição, alegando que só poderia ser consideradovencedor o candi<strong>da</strong>to que obtivesse a “metadedo total de votos mais um”. O Tribunal SuperiorEleitoral rejeitou o pedido e, <strong>no</strong> dia 31 de janeirode 1951, Vargas recebeu a faixa presidencial <strong>da</strong>smãos de Dutra. Foi como se ele nunca tivesse saídodo Palácio do Catete.Ao assumir, o <strong>no</strong>vo-velho presidente defrontou-secom <strong>uma</strong> questão infl amável: de cunho fortementenacionalista, o movimento “O Petróleo é Nosso”incendiava os ânimos <strong>da</strong> nação e retomava aspropostas estatizantes de Monteiro Lobato parao setor (leia as páginas seguintes). O debateredun<strong>da</strong>ria na fun<strong>da</strong>ção <strong>da</strong> Petrobras, em outubrode 1953, de acordo com as sugestões do eco<strong>no</strong>mistaRômulo de Almei<strong>da</strong>, então assessor especial deVargas e mentor do projeto. Desde 1950, Almei<strong>da</strong>era o braço direito de Euvaldo Lodi e o principalconselheiro econômico <strong>da</strong> <strong>CNI</strong> (leia ao lado). Lodi,por seu tur<strong>no</strong>, além de permanecer desde 1938 comopresidente <strong>da</strong> <strong>CNI</strong>, também foi reeleito deputadofederal por Minas. Nem ele nem o presidente podiamsupor o que o futuro lhes reservava.O baia<strong>no</strong> Rômulo de Almei<strong>da</strong> (1914-1988) saiu às ruas de Salvador paracombater a Revolução de 30. Onzea<strong>no</strong>s depois, por ironia, tor<strong>no</strong>u-se,<strong>no</strong> Acre, o diretor regional do IBGE,criado por Vargas. Em 1946, conheceuEuvaldo Lodi, que o levou para a <strong>CNI</strong>,onde se tor<strong>no</strong>u um dos principaisconselheiros. Em janeiro de 1951,com a posse de Vargas, Almei<strong>da</strong>foi designado oficial-de-gabinetedo Gabinete Civil <strong>da</strong> Presidência <strong>da</strong>República. Lá, desenvolveu projetosrelativos ao carvão mineral e seenvolveu na questão do petróleo.Chefiou o grupo que propôs a criação<strong>da</strong> Petrobras, embora fosse contrárioao mo<strong>no</strong>pólio estatal. Foi presidentede honra do PMDB baia<strong>no</strong> (1985). Aomorrer, era diretor <strong>da</strong> área industrialdo BNDES, cargo ao qual fora<strong>no</strong>meado por José Sarney.169


O petróleoO OURO NEGRO TAMBÉM É NOSSOJosé Bento Monteiro Lobato (1882-1948) entroupara história do <strong>Brasil</strong> graças à vasta produçãoliterária, em especial o clássico infantil Sítio doPicapau Amarelo. Ele também revolucio<strong>no</strong>u aindústria editorial brasileira, como já foi dito. Masse revelaria ain<strong>da</strong> um incansável ativista nas causasnacionalistas, em especial na luta para manter emmãos brasileiras as imensas reservas de ferro que opaís já sabia possuir, bem como as de petróleo que,julgava-se então, o <strong>Brasil</strong> haveria de ter.Quando atuava como adido militar comercial<strong>no</strong>s Estados Unidos, <strong>no</strong> fi nal dos a<strong>no</strong>s de 1920,Lobato percebera a importância do automóvele <strong>da</strong> indústria <strong>no</strong> <strong>no</strong>vo modelo civilizatório queentão se forjava, e o quanto ambos dependeriamdo petróleo para se expandir. Quem controlasse o“ouro negro”, como os EUA já faziam – incluindoperfuração, exploração e refi <strong>no</strong> –, se posicionariana linha de frente. Aos demais caberia fornecera matéria-prima para o progresso alheio. “Meupla<strong>no</strong> agora é um só: <strong>da</strong>r ferro e petróleo ao<strong>Brasil</strong>”, escreveu em carta a um amigo depois devisitar as montadoras de Detroit.Ao retornar ao país, Lobato estava decidido a seengajar na causa nacionalista. Em 1932 – um a<strong>no</strong>depois de lançar o célebre Reinações de Narizinho –,o escritor, com apoio de sócios capitalistas, fundoua Companhia Petróleo <strong>Nacional</strong> e a CompanhiaPetróleos do <strong>Brasil</strong>. O lado literário e o ladoempreendedor conviviam em harmonia, pois trêsa<strong>no</strong>s depois, na condição de editor, publicouA Luta pelo Petróleo, do america<strong>no</strong> Essad Bey.Em 1938 foi a vez de O Escân<strong>da</strong>lo do Petróleo, desua própria autoria, <strong>no</strong> qual tratou o tema comoquestão de soberania nacional, provocando imensodesconforto às multinacionais do setor e ao própriopresidente Getúlio Vargas.170


Até então, Lobato tivera livre acesso ao Paláciodo Catete, onde já havia sido recebido por Vargasem diversas ocasiões. A repercussão do livro, e ainsistência de Lobato em seguir adiante com suasdenúncias em publicações e palestras pelo país,acabariam por levá-lo à prisão por alguns meses em1941, quando já não contava com as boas graçasdo presidente, então em fase niti<strong>da</strong>mente ditatorial.No momento em que era forçado a cumprir o brevecalvário, porém, Lobato já havia visto o petróleojorrar pela primeira vez em território brasileiro. Naver<strong>da</strong>de, por – literalmente – obra sua.O feito ocorrera em 1938, tendo sido descritoem minúcias pelo próprio escritor: “A magnífi cacoluna levantou-se a 40 metros do solo, descreveu<strong>uma</strong> curva <strong>no</strong> céu e caiu sob forma de chuva negra.Na maior algazarra, entre palmas e assovios, o paísproclamava sua independência econômica.” O óleohavia jorrado do Poço Caraminguá 1, conforme lhebatizara a boneca de pa<strong>no</strong> Emília, e a proeza foraobra <strong>da</strong> nacionalíssima Companhia Donabentensede Petróleo, de<strong>no</strong>minação também cunha<strong>da</strong> pelaespevita<strong>da</strong> Emília em homenagem à não me<strong>no</strong>scélebre Dona Benta. No livro O Poço do Visconde,o Visconde de Sabugosa, o conhecido sabugode milho falante, encarregava-se de explicar àscrianças o que era petróleo, como se o obtinha,qual sua importância para o desenvolvimentomundial e, sobretudo, qual seu papel naindependência <strong>da</strong>s nações. Como a maioria doslivros de Lobato, O Poço do Visconde não apenasfoi um sucesso como revelou o poder profético doseu “faz de conta”.Tendo ou não escutado o Visconde deSabugosa – a <strong>da</strong>ta do “feito” <strong>da</strong> CompanhiaDonabentense é 9 de agosto de 1938, mas o livrosaíra em 1937 –, o fato é que o gover<strong>no</strong> Vargasemitiu, em 29 de abril de 1938, o decreto-lei nº395, declarando de utili<strong>da</strong>de pública o preciosorecurso natural, e regulando “a importação,exportação, transporte, distribuição e comérciode petróleo bruto e seus derivados, <strong>no</strong> territórionacional, e bem assim como a indústria <strong>da</strong>refi nação de petróleo importado e produzido <strong>no</strong>país”. O decreto instituía também o Conselho<strong>Nacional</strong> do Petróleo (CNP). Em seu artigo 2º,estabelecia o mo<strong>no</strong>pólio estatal do setor.Ficção e reali<strong>da</strong>de: o “primeiro poçode petróleo do <strong>Brasil</strong>”, o poço doVisconde, faz jorrar seu “ouro negro”,na capa do livro de Monteiro Lobato,lançado em 1937 (p. ao lado, acima).Me<strong>no</strong>s de dois a<strong>no</strong>s depois, <strong>no</strong> dia21 de janeiro de 1939, o petróleodeixou de ser ficção para se tornarreali<strong>da</strong>de, jorrando de fato de <strong>uma</strong>perfuração na Bahia (abaixo). Por <strong>uma</strong>irônica coincidência, o primeiro poçode ver<strong>da</strong>de ficava n<strong>uma</strong> locali<strong>da</strong>dechama<strong>da</strong>... Lobato (p. ao lado, abaixo).171


O Petróleo é Nosso: a campanha queagitou o <strong>Brasil</strong> rebentou com a força deum jorro, em 1947. O líder nacionalistado movimento foi o general HortaBarbosa (acima, em debate público).Abaixo, o engenheiro Oscar Cordeirovisita o poço pioneiro de Lobato (BA),descoberto por ele a<strong>no</strong>s antes.O citado artigo determinava que “competeexclusivamente ao Gover<strong>no</strong> Federal:I – autorizar, regular e controlar a importação,a exportação, o transporte, inclusive a construçãode oleodutos, a distribuição e o comércio de petróleoe seus derivados, <strong>no</strong> território nacional;II – autorizar a instalação de quaisquerrefi narias ou depósitos, decidindo sua localização,assim como capaci<strong>da</strong>de de produção <strong>da</strong>s refi narias,natureza e quali<strong>da</strong>de dos produtos refi nados;III – estabelecer, sempre que julgar conveniente,na defesa dos interesses <strong>da</strong> eco<strong>no</strong>mia nacional (...),os limites, máximo e mínimo, dos preços de ven<strong>da</strong>dos produtos refi nados (...) tendo em vista, tantoquanto possível, sua uniformi<strong>da</strong>de em todo o país.”Na vi<strong>da</strong> real, o petróleo jorrou pela primeira vez<strong>no</strong> <strong>Brasil</strong> em 21 de janeiro de 1939, na plataformaDNPM-163, localiza<strong>da</strong> na locali<strong>da</strong>de de Lobato,próximo de Salvador, na Bahia, já sob supervisãodo CNP – hoje Agência <strong>Nacional</strong> do Petróleo(ANP). O <strong>no</strong>me do vilarejo foi apenas <strong>uma</strong> ironiahistórica. Lobato era o <strong>no</strong>me do antigo proprietário<strong>da</strong>s terras e não possuía qualquer parentesco com oescritor. Embora tenha se revelado comercialmenteirrelevante, o poço de Lobato estimulou <strong>no</strong>vaspesquisas, perfurações e controvérsias.A II Guerra colocou o nacionalismo na ordemdo dia, ao mesmo tempo em que expôs a crescentedependência de combustíveis, até mesmo <strong>no</strong>caso dos Estados Unidos. Dotados de grandecapaci<strong>da</strong>de de produção, tec<strong>no</strong>logia e espíritodesenvolvimentista, os EUA – como qualquer outrapotência <strong>da</strong> época – dependiam <strong>da</strong>s matériasprimasde países que ain<strong>da</strong> tentavam se libertardo colonialismo. Monteiro Lobato era a voz, literale literária, <strong>da</strong>queles que lutavam por um <strong>Brasil</strong>independente, e seu esforço <strong>da</strong>ria origem a umdos segmentos mais bem-sucedidos <strong>da</strong> indústrianacional em todos os tempos.O pós-guerra apenas reforçou o cenárioantevisto e projetado pelo escritor: além <strong>da</strong>escassez geral de matérias-primas, as discussõesem tor<strong>no</strong> <strong>da</strong> criação do Estado de Israel iriamgerar as primeiras reações dos países produtoresde petróleo do Oriente Médio, na maioria árabes,antecipando <strong>uma</strong> situação que, nas déca<strong>da</strong>sseguintes, iria provocar crises econômicas globais(especialmente a de 1973) e até mesmo guerras(como a do Kuwait, em 1990).172


Na déca<strong>da</strong> de 1940, o <strong>Brasil</strong> contava comapenas dois poços comercialmente viáveis – emMataripe, na Bahia, e em Manguinhos, <strong>no</strong> Estadodo Rio de Janeiro –, e ain<strong>da</strong> assim com produçãoescassa. Acost<strong>uma</strong>dos a importar praticamentetodos os derivados do petróleo – tendo de suportar,além dos preços exorbitantes, desconfortos como afeiúra e a pouca pratici<strong>da</strong>des dos veículos movidosa gasogênio –, os brasileiros não tar<strong>da</strong>riam a levaràs ruas o debate nacionalista.O mo<strong>no</strong>pólio, que parecia defi nitivo, foiabalado em 1947, <strong>no</strong> man<strong>da</strong>to presidencial dogeneral Eurico Gaspar Dutra (1945-1950), quando<strong>da</strong> elaboração de um <strong>no</strong>vo estatuto para o setorpetroleiro. Baseando-se na premissa de que opaís não tinha dinheiro, tec<strong>no</strong>logia e pessoalespecializado para assumir sozinho a gigantescaempreita<strong>da</strong>, o gover<strong>no</strong> Dutra mostrou-se dispostoa reabrir a exploração para a atuação estrangeira,embora com restrições. Contava com a aju<strong>da</strong>americana, que acabou não vindo, entre outrosmotivos porque os Estados Unidos se empenhavamna aplicação do Pla<strong>no</strong> Marshall, destinado areconstruir a Europa devasta<strong>da</strong> pela guerra.As multinacionais – outra vez, como <strong>no</strong> auge <strong>da</strong>luta de Monteiro Lobato, com a Stan<strong>da</strong>rd Óleo à frente– queriam mais: exigiam o controle <strong>da</strong>s operações,com 51% <strong>da</strong>s ações, e poder de decisão sobre onde,como e o que fazer em relação ao petróleo brasileiro.Enquanto o malfa<strong>da</strong>do estatuto era elaboradoocorria <strong>uma</strong> série de debates <strong>no</strong> Clube Militar, sob aliderança dos generais Horta Barbosa (nacionalista) eJuarez Távora (então chamado de “entreguista”).Horta Barbosa era um ferrenhoanticolonialista que defendia o mo<strong>no</strong>pólio doEstado, por entender que a iniciativa priva<strong>da</strong>brasileira não tinha condições de assumir atarefa. Sem a tutela do Estado, acreditava ele, asreservas brasileiras inevitavelmente cairiam nasmãos dos trustes internacionais. Juarez Távora,por sua vez, era um anticomunista empedernido– e isso contava preciosos pontos junto a muitosdos companheiros de far<strong>da</strong> – que pregava <strong>uma</strong>política mais fl exível, permitindo a exploraçãodo petróleo nacional por estrangeiros. Távoraera considerado “entreguista” por defender oalinhamento com os Estados Unidos.Palco de discussões, embates acalorados econspirações de to<strong>da</strong> ordem desde sua criação,em 26 de junho de 1887, o Clube Militar <strong>da</strong>vacorpo a um movimento popular que se revelariatão radical e apaixonante quanto os debates emtor<strong>no</strong> <strong>da</strong> Abolição <strong>da</strong> Escravatura, <strong>no</strong> século 19.A campanha O Petróleo é Nosso ganhou as ruasdo país, arrebanhando para suas fi leiras aliadostão irreconciliáveis quanto militares, comunistas– razão de muito bate-boca <strong>no</strong> Clube Militar – eintegralistas que, por defi nição, haveriam mesmode embarcar <strong>no</strong> movimento. O Petróleo é Nossotor<strong>no</strong>u-se sucesso de público, o mais abrangentedos assuntos nacionais, discutidos em todos osbares e em to<strong>da</strong>s as esquinas, <strong>da</strong>ndo margeminclusive à eleição de <strong>uma</strong> Rainha do Petróleo<strong>Brasil</strong>eiro, honraria que, ironicamente, caberia a<strong>uma</strong> certa Petronilha Pimentel. Diante do clamorpopular, o decreto proposto por Dutra não vingou.Em <strong>no</strong>me <strong>da</strong> soberania nacional:Monteiro Lobato não se serviu apenas<strong>da</strong> própria pena para engajar-se naluta pela nacionalização dos recursosminerais do <strong>Brasil</strong>. Além de escreverreportagens e artigos, bem comoobras ficcionais, sobre o ferro e opetróleo, Lobato também editouobras importantes, como A Lutapelo Petróleo, do <strong>no</strong>rte-america<strong>no</strong>Essad Bey, editado em 1935 pelasua legendária Companhia Editora<strong>Nacional</strong>. A incisiva insistência doescritor em envolver-se em questõesdiretamente liga<strong>da</strong>s à “segurançanacional” o levaria a prisão em 1941,quando já não contava com as boasgraças do presidente Vargas.173


Acima, o marco comemorativoerguido <strong>no</strong> Campo de Lobato (BA),local do primeiro poço de petróleodescoberto <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>. Abaixo, passeatado movimento “O Petróleo é Nosso”sai às ruas em Salvador (BA).Em janeiro de 1951, ao reassumir a presidência– então <strong>no</strong>s “braços do povo” –, Getúlio Vargas teveque li<strong>da</strong>r com o fervor ufanista que se infl amavaem tor<strong>no</strong> do petróleo. A certeza de que a questãonão era mero “fogo de palha” veio <strong>no</strong> fi nal do seuprimeiro a<strong>no</strong> de man<strong>da</strong>to. Em dezembro, Vargas esua equipe entregaram ao Legislativo um projetotécnico de exploração do petróleo em solo nacional.Nenhum de seus 31 artigos concedia o mo<strong>no</strong>póliodo petróleo à União. Foi o que bastou para <strong>no</strong>vosprotestos. Os nacionalistas, tendo à frente ArturBernardes, qualificaram o projeto de “entreguista”.No Congresso, o engenheiro Fernando Luís LoboCarneiro declarou que “o projeto do Sr. GetúlioVargas admite acionistas estrangeiros acobertadossob a de<strong>no</strong>minação enga<strong>no</strong>sa de ‘pessoas jurídicasde direito privado brasileiras’.” E até o PTB, partidode Vargas, fez ressalvas ao documento.Mas a maior surpresa do presidente e de seuassessor especial, Rômulo de Almei<strong>da</strong> (mentor doprojeto), foi a reação <strong>da</strong> UDN. O partido, ao contráriodo que havia demonstrado anteriormente, não sóera favorável ao mo<strong>no</strong>pólio estatal, como apresentouprojeto próprio que previa a criação de <strong>uma</strong> Empresa<strong>Nacional</strong> do Petróleo. Foi a gota d’água para Vargasrever os pla<strong>no</strong>s. E assim, em <strong>no</strong>vembro de 1952, aCâmara aprovou um projeto emen<strong>da</strong>do, que quasena<strong>da</strong> não tinha a ver com o original.O desti<strong>no</strong> do petróleo nacional foi traçado devez em 3 de outubro de 1953, com a promulgação<strong>da</strong> Lei 2004 que criava a Petrobras. Quando issoaconteceu, Vargas e Almei<strong>da</strong> já estavam convencidosde que a opção pelo mo<strong>no</strong>pólio estatal era defato a melhor, pois, satura<strong>da</strong>s de petróleo cru, asempresas estrangeiras tinham pla<strong>no</strong>s modestospara exploração petrolífera <strong>no</strong> país e estavam maisinteressa<strong>da</strong>s em garantir as reservas.Mas a criação <strong>da</strong> Petrobras não diminuiu apressão. Até o último dia do seu man<strong>da</strong>to – e <strong>da</strong>sua vi<strong>da</strong> – Vargas veria as possibili<strong>da</strong>des de êxito<strong>da</strong> Petrobras sendo questiona<strong>da</strong>s. E morreria semver <strong>uma</strong> <strong>da</strong>s empresas que criou tornar-se líder emcomercialização de derivados de petróleo <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>.De 1954 a 1997, to<strong>da</strong>s as operações <strong>da</strong> Petrobras– exploração, produção e demais ativi<strong>da</strong>des liga<strong>da</strong>sao setor – foram conduzi<strong>da</strong>s pelo Estado. Em 1997,o então presidente Fernando Henrique Cardosoabriu as ativi<strong>da</strong>des <strong>da</strong> indústria petrolífera <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>à iniciativa priva<strong>da</strong>. E, dessa vez, não se ouviramgrandes protestos nacionalistas. A Petrobras, de todomodo, já havia se transformado n<strong>uma</strong> gigante global.174


A PETROBRAS EM 2008A empresa mantém operações ouescritórios em 27 países, é a 14ªempresa do mundo <strong>no</strong> setor e a 7ªentre as de capital aberto. Possui 50mil funcionários e produz mais de 2milhões de barris de petróleo por dia.DimensõesMais de 100 plataformas de produção16 refinarias30 mil quilômetros em dutos6 mil postos de combustíveisEscritórios nas principais ci<strong>da</strong>desbrasileiras e <strong>no</strong> exteriorEstrutura organizacionalA companhia está dividi<strong>da</strong> em quatroáreas de negócios:E&P – Exploração e ProduçãoAbastecimentoGás & EnergiaÁrea InternacionalAtivi<strong>da</strong>des internacionaisCompra e ven<strong>da</strong> de petróleoFornecimento de tec<strong>no</strong>logias,equipamentos, materiais e serviçosOperação financeira com bancos ebolsa de valoresAfretamento de naviosPrincipais países em que atuaAngola, Argentina, Bolívia,Colômbia, Estados Unidos, Nigéria,Japão (escritório)FONTE: PETROBRAS175


O suicídio de VargasO FIM DA ERA INDUSTRIAL DE BASEVinte e quatro de agosto de 1954 há de ter sidoo dia mais dramático <strong>da</strong> história do <strong>Brasil</strong>para pelo me<strong>no</strong>s três gerações de brasileiros. Às4 horas e 30 <strong>da</strong> manhã, em seu quarto, <strong>no</strong> Paláciodo Catete, <strong>no</strong> Rio de Janeiro, Getúlio Vargassuicidou-se com um tiro <strong>no</strong> coração. Ao fazê-lo,atingiu não apenas a si mesmo, mas a próprianação: o coração de seus aliados e a cabeça deseus inimigos. Ao longo de um quarto de século,Vargas fora o principal personagem do país.Naquele instante, como ele mesmo profetizara,saía “<strong>da</strong> vi<strong>da</strong> para entrar na história”.Que Vargas era aquele que se matava, depijama, com um balaço <strong>no</strong> peito? Com certeza nãoo caudilho revolucionário de 1930, muito me<strong>no</strong>so ditador policialesco de 1937. Nem o presidenteeleito pelo voto indireto em 1934 ou o positivistacom recaí<strong>da</strong>s totalitárias. Quem morria era opresidente que voltara ao Catete “<strong>no</strong>s braçosdo povo” – o “Pai dos Pobres”, o protetor dostrabalhadores, o nacionalista fervoroso. Mais doqualquer personagem incorporado por Vargas aolongo de 25 a<strong>no</strong>s, morria o mais astuto políticobrasileiro de todos os tempos: o homem <strong>da</strong>conciliação, o ditador disposto a anistiar seusinimigos, o mais mineiro dos caudilhos gaúchos,risonho e misterioso “como um man<strong>da</strong>rimchinês”. O homem que, em tese, era um livroaberto para seus adversários e um enigmaindecifrável para os amigos mais íntimos.Como se acompanhasse os meandros <strong>da</strong> carreirade Vargas, a história do <strong>Brasil</strong> dera tantos volteiosdesde a Revolução de 30 que o homem que se matouo fez para impedir o avanço dos conservadores.Era um “libertário” que morria, sacrifi cando-seem <strong>no</strong>me do que o país tinha de melhor. A morte deVargas abalaria profun<strong>da</strong>mente seus admiradores,mas causaria estragos muito maiores entre aquelesque conspiravam contra o seu gover<strong>no</strong>. A reaçãopopular à imolação do grande líder foi tal que ogolpe em curso teve que esperar por dez a<strong>no</strong>s.N<strong>uma</strong> última, defi nitiva e dramática vitóriacontra seus detratores, Vargas ofereceu a própriavi<strong>da</strong> em <strong>no</strong>me de convicções <strong>da</strong>s quais talvez abrissemão se lhe restasse outro caminho. Mas não lhesobrava saí<strong>da</strong>, e o mais complexo articulador políticoque o <strong>Brasil</strong> jamais tivera preferiu recorrer à últimaartimanha para assegurar <strong>uma</strong> vitória incontestável– que teve o cui<strong>da</strong>do de deixar minuciosamenteexplica<strong>da</strong> n<strong>uma</strong> carta-testamento irretocável. Vivo,Getúlio Vargas coman<strong>da</strong>ra por quase 20 a<strong>no</strong>s osdesti<strong>no</strong>s do <strong>Brasil</strong>. Morto, projetaria sua sombra esua influência até o alvorecer <strong>da</strong> sexta déca<strong>da</strong> doséculo que, <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>, foi quase inteiramente dele.176


Um dos sinais mais claros do quanto Vargasestivera ligado senão diretamente à própria fun<strong>da</strong>ção<strong>da</strong> <strong>CNI</strong>, pelo me<strong>no</strong>s ao homem que a presidiuininterruptamente durante seus primeiros 16 a<strong>no</strong>s,fica evidente <strong>no</strong> fato de que Euvaldo Lodi, apenasdois meses após o traumático suicídio, viu-se nacontingência de deixar o comando <strong>da</strong> Confederação<strong>Brasil</strong>eira <strong>da</strong> Indústria. Quem assumiu em seulugar, a 4 de <strong>no</strong>vembro de 1954, ain<strong>da</strong> em meio àconsternação nacional, foi Augusto Viana Ribeirodos Santos. Três meses antes, e apenas 72 horasdepois <strong>da</strong> morte de Vargas, já tomara posse <strong>no</strong>Palácio do Catete o vice-presidente Café Filho. Masnem o gover<strong>no</strong> federal, nem a <strong>CNI</strong> – na ver<strong>da</strong>de, o<strong>Brasil</strong> como um todo – voltariam a encontrar seurumo enquanto não cessasse o luto e o país nãotivesse um <strong>no</strong>vo presidente.A campanha para a sucessão de Vargas naver<strong>da</strong>de já se iniciara à beira de seu caixão, <strong>no</strong>enterro em São Borja, ao qual compareceram, entredezenas de outros políticos importantes, Jusceli<strong>no</strong>Kubitschek e João Goulart. No dia 3 de outubro,conforme garantira Café Filho, as eleições parciaispara o Congresso, marca<strong>da</strong>s antes <strong>da</strong> morte deVargas, foram de fato realiza<strong>da</strong>s. Então, <strong>no</strong> dia 25de <strong>no</strong>vembro, quando o país parecia mais calmo,o PSD lançou JK como candi<strong>da</strong>to à presidência,n<strong>uma</strong> chapa que tinha João Goulart, do PTB,como vice. Dois dias depois, a UDN afi rma quenão aceitará a candi<strong>da</strong>tura de JK e ateia fogo àcampanha antes mesmo de seu início. Boa partedo <strong>Brasil</strong> ain<strong>da</strong> pranteia Vargas – mas o ambientepolítico já arde e urge.Mesmo tendo se afastado <strong>da</strong> presidência<strong>da</strong> <strong>CNI</strong>, Euvaldo Lodi ain<strong>da</strong> se mantém naativa – e vive, ele próprio, momentos de grandedramatici<strong>da</strong>de política e forte carga emocional.Poucos dias antes do suicídio de Vargas, Lodi foraacusado pelo jornalista Carlos Lacer<strong>da</strong> de ser umdos mentores do atentado <strong>da</strong> rua Toneleros – <strong>no</strong>qual aliados do Vargas tentaram, à sua revelia esem seu conhecimento, assassinar Lacer<strong>da</strong> maserraram o alvo, mataram o major Rubens Vaz (quefazia as vezes de segurança do inimigo públiconúmero 1 do presidente) e... por vias transversas,acabaram atingindo o próprio Getúlio.A acusação a Lodi foi feita sem provas e, maistarde, seria atribuí<strong>da</strong> ao fato de ele defender<strong>uma</strong> “política nacionalista e industrialista” (quedesagrava Lacer<strong>da</strong>) e, em especial, por ter paradode contribuir com “altas somas de dinheiro”para o jornal A Tribuna <strong>da</strong>Imprensa, que pertencia aopolêmico jornalista. Mesmoafastado <strong>da</strong> <strong>CNI</strong>, e também<strong>da</strong> FIRJ (em cuja presidênciafoi substituído por ZulfoMalmann, seu opositor), Lodiseria reeleito deputado federalpor Minas, em 3 de outubrode 1954. Mas morreria em <strong>uma</strong>cidente de carro, <strong>no</strong> dia 19de janeiro de 1956. Foi o fi mde <strong>uma</strong> era.Dali a quatro dias JKtomaria posse <strong>no</strong> Catete.Um dos lemas <strong>da</strong> doutrina positivista,que inspirou Getúlio Vargas em suajuventude, rezava que “Os vivos são,sempre e ca<strong>da</strong> vez mais, governadospelos mortos”. Uma vez morto, Vargaspareceu ser a própria concretizaçãodo dogma. A imagem abaixo, capta<strong>da</strong>pelo legendário fotógrafo SalomãoScliar e publica<strong>da</strong> pela revistaManchete do dia 4 de setembrode 1954, mostra João Goulart (àesquer<strong>da</strong>, discursando), Jusceli<strong>no</strong>Kubitschek (ao centro, cabisbaixo) eTancredo Neves (à direita, de manta)pranteando Getúlio, <strong>no</strong> enterro, emSão Borja (RS). Os três viriam a setornar presidentes do <strong>Brasil</strong>.177


50 a<strong>no</strong>s em cincoEm 1º de fevereiro de 1956, um diaapós se tornar o último presidente atomar posse <strong>no</strong> Palácio do Catete, <strong>no</strong>Rio – onde um a<strong>no</strong> e meio antes Vargasse suici<strong>da</strong>ra –, Jusceli<strong>no</strong> Kubitschekreuniu seus ministros e apresentouo Pla<strong>no</strong> de Metas a seus ministros(abaixo). Dizem os biógrafos quefora imerso n<strong>uma</strong> banheira, na casado cunhado Júlio Campos, em BeloHorizonte, que JK elaborara, mesesantes, o pla<strong>no</strong> que tratou de anunciar jáem sua primeira reunião ministerial.JK E O PLANO DE METASPara fazer com que 50 a<strong>no</strong>s coubessem em cinco,o recém-eleito Jusceli<strong>no</strong> Kubitschek anunciouà nação, <strong>no</strong> primeiro dia de fevereiro de 1956, seuPla<strong>no</strong> de Metas. Programa de 31 tópicos divididosem cinco grupos, o Pla<strong>no</strong> consubstanciava a matériade que eram feitos os sonhos desenvolvimentistasde JK. O grupo 1, <strong>da</strong> “Energia”, com cinco metas,receberia cerca de 40% dos investimentos; ogrupo 2, dos “Transportes”, do<strong>no</strong> de quase 30%dos investimentos, possuía sete metas; o 3, dos“Alimentos”, teria 3,2% e seis metas. As “Indústriasde Base” compunham o grupo 4 e, com 20,4%dos investimentos, abarcavam 12 metas: cimento,aço, alumínio, metais não-ferrosos, álcalis, papele celulose, borracha,exportação de ferro,construção naval,equipamento elétrico,indústria de veículosmotorizados emaquinaria pesa<strong>da</strong>.O quinto grupo, <strong>da</strong>“Educação”, com 4,3%dos investimentos,tinha como metaúnica um programa dealfabetização.Nas áreas industrial, de transportes e deenergia, os resultados do Pla<strong>no</strong> foram excepcionais.No setor industrial, as metas <strong>da</strong> indústriaautomobilística, do cimento, do aço e <strong>da</strong> construçãonaval atingiram praticamente 100% dos objetivospropostos. Apesar do fracasso quase total naeducação e agricultura – às quais talvez faltasse o“charme” futurista e a sanha desenvolvimentista –,o Pla<strong>no</strong> foi responsável pelo crescimento do PIB emtaxas de 7% ao a<strong>no</strong>, de 1957 a 1961. A produçãoindustrial cresceu 80%, com as porcentagens maisaltas nas indústrias do aço (110%), comunicações(380%), mecânicas (125%) e de material detransporte (600%).Empregados e empregadores, políticos emilitares, sindicalistas e estu<strong>da</strong>ntes pareciamsatisfeitos com o “nacional-desenvolvimentismo” deJK. Ao combinar habilmente forte intervencionismoestatal com os interesses <strong>da</strong> indústria nacionale o estímulo à entra<strong>da</strong> do capital estrangeiro, o“presidente bossa-<strong>no</strong>va” livrou o país do confl itoentre “nacionalismo” e “entreguismo”, que tantoafl igiu o Gover<strong>no</strong> Vargas. Embora reluzente efebril, o Pla<strong>no</strong> de Metas de JK iria gerar, já a partirde 1958, <strong>uma</strong> séria crise econômica (provoca<strong>da</strong>pela dívi<strong>da</strong> externa e a corri<strong>da</strong> infl acionária),her<strong>da</strong><strong>da</strong> pelo gover<strong>no</strong> seguinte, de Jânio Quadros.180


A indústria automobilísticaRONCAM OS MOTORESAindústria automobilística nacionaldeslanchou <strong>no</strong> Gover<strong>no</strong> JK, mas a relaçãodo <strong>Brasil</strong> com o automóvel era antiga. O primeiroveículo motorizado a ro<strong>da</strong>r em solo brasileiro, umfrancês Peugeot, chegou ao país em 1891. Seudo<strong>no</strong> era um rapaz de 18 a<strong>no</strong>s que se tornariacélebre ao inventar um meio de transporte ain<strong>da</strong>mais revolucionário do que o automóvel: AlbertoSantos Dumont, o “Pai <strong>da</strong> Aviação”. No iníciodo século 20, poucos membros de famíliasabasta<strong>da</strong>s podiam se <strong>da</strong>r ao luxo de ro<strong>da</strong>r abordo de veículos “automotores”, destacando-seentre carroças e charretes. A lista incluía <strong>no</strong>mesconhecidos como Matarazzo e Martinelli. Nasdéca<strong>da</strong>s seguintes, chegaram as montadorasestrangeiras. A Ford foi a primeira, em 1919.Seis a<strong>no</strong>s depois veio a General Motors. Onúmero de carros nas ruas crescia rapi<strong>da</strong>mente,e <strong>no</strong> fi nal <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de 30, a frota nacionaljá era de 200 mil veículos. Com a eclosão <strong>da</strong>II Guerra, as importações foram duramenteafeta<strong>da</strong>s, pois a produção metalúrgica <strong>da</strong>spotências envolvi<strong>da</strong>s, em especial os EstadosUnidos – sede <strong>da</strong> Ford e <strong>da</strong> GM –, <strong>da</strong>va absolutapriori<strong>da</strong>de aos esforços de guerra.Sem importações, a frota brasileira fi coudefasa<strong>da</strong> e as linhas de montagem, paralisa<strong>da</strong>s.A necessi<strong>da</strong>de fez surgir <strong>uma</strong> incipiente eimprovisa<strong>da</strong> indústria nacional de autopeças.Mas foi somente em 1952 que o Gover<strong>no</strong> Vargastomou a medi<strong>da</strong> decisiva de dotar o país <strong>da</strong>produção própria de veículos, ao proibir aimportação de mais de <strong>uma</strong> centena de itens queeram fabricados <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>.Mas é a criação do Grupo Executivo <strong>da</strong>Indústria Automobilística (GEIA), em 1956,já <strong>no</strong> Gover<strong>no</strong> JK, que foi o marco decisivona consoli<strong>da</strong>ção <strong>da</strong> indústria automobilísticanacional, pois viabilizou iniciativas como aFábrica <strong>Nacional</strong> de Motores, um dos marcos <strong>da</strong>política de Jusceli<strong>no</strong>, embora tenha sido cria<strong>da</strong><strong>no</strong> Gover<strong>no</strong> Vargas.O poderoso Fenemê: foto clássicade Jean Manzon mostra um operário<strong>da</strong> Fábrica <strong>Nacional</strong> de Motorescolocando a chapa frontal que traziaaplicado o logotipo <strong>da</strong> empresa, àfrente de mais um caminhão Fenemêrecém-saído <strong>da</strong> linha de montagemem Duque de Caxias (RJ). A fábricafoi inaugura<strong>da</strong> em 1947, já em ple<strong>no</strong>gover<strong>no</strong> Dutra, embora o projetotenha sido inteiramente articuladodurante o gover<strong>no</strong> Vargas.181


A pequena <strong>no</strong>tável: com suasurpreendente forma ovala<strong>da</strong> e portafrontal, a Romi-Isetta era feita nafábrica (abaixo) do imigrante italia<strong>no</strong>Américo Emilio Romi, em SantaBárbara do Oeste (SP), e anuncia<strong>da</strong> emjornais e revistas de todo o país.A Fábrica <strong>Nacional</strong> de Motores foi fun<strong>da</strong><strong>da</strong> em1942, dentro do mesmo contexto <strong>no</strong> qual nascerama Companhia Siderúrgica <strong>Nacional</strong> e a CompanhiaVale do Rio Doce. A FNM se inseria <strong>no</strong> âmbitodos Acordos de Washington, de um a<strong>no</strong> antes, aointegrar o programa chamado de Lend and Lease(Empréstimos e Arren<strong>da</strong>mentos). Destinava-se, deinício, a produzir motores de aviões para contribuircom o esforço de guerra aliado. Termina<strong>da</strong> aguerra, em 1947 a fábrica instala<strong>da</strong> em Duquede Caxias, Rio de Janeiro, passou a produzircaminhões em parceria com a italiana Isotta-Fraschini. Chamado popularmente de Fenemê,o veículo ganhou espaço <strong>no</strong> mercado. Quando aIsotta-Fraschini faliu, cinco a<strong>no</strong>s depois, a FNMpassou a fabricar caminhões <strong>da</strong> também italianaAlfa Romeo. A companhia só lançou um veículo depasseio, o JK 2000 (em homenagem ao presidente),em 1960, quando <strong>da</strong> inauguração de Brasília.A FNM foi compra<strong>da</strong> em 1968pela Alfa Romeo, que acabou coma marca cinco a<strong>no</strong>s mais tardee seguiu produzindo veículos <strong>no</strong>país, com o próprio <strong>no</strong>me, até1986, quando encerrou suasativi<strong>da</strong>des <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>. Se A FNMpode ser considera<strong>da</strong> a primeirafábrica de veículos em sériedo país, com seus caminhõespesados, caberia a um pesolevese consagrar como primeiroautomóvel de passeio feito (masnão criado) <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>.“Os funcionários <strong>da</strong> Romi-Iseta em tocantehomenagem ao sr. Com. Américo Emilio Romi,na oportuni<strong>da</strong>de do seu aniversário natalício, fezfuncionar a Romi-Iseta nº 1. Precisamente às 11,30horas do dia 30 de Junho de 1956, vivamenteaclamado pelos operários <strong>da</strong> Romi-Iseta, o sr.Com. Américo Emilio Romi e sua Exma. Espôsa, d.Olimpia G. Romi tomaram assento na Romi-Iseta nº1 percorrendo o pavilhão de montagem do primeiroautomóvel construído <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>. Parabéns <strong>Brasil</strong>.Parabéns Romi. Parabéns Santa Bárbara d’Oeste.”A <strong>no</strong>tícia do Jornal D’Oeste, de Santa Bárbarado Oeste, em 1º de julho de 1956, retratava arealização do sonho do imigrante italia<strong>no</strong> AméricoRomi, que chegou ao <strong>Brasil</strong> pobre, instalou-se <strong>no</strong>interior paulista e montou <strong>uma</strong> pequena fábrica detor<strong>no</strong>s. O negócio cresceu e, na euforia típica dosa<strong>no</strong>s JK, Romi decidiu a<strong>da</strong>ptar suas instalaçõespara produzir o primeiro veículo feito <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>.Criado pela Isetta de Milão, e depois adotadopela alemã BMW, o minúsculo veículo em formaoval, com aparência de <strong>uma</strong> bolha, tinha espaçopara duas pessoas e <strong>uma</strong> única porta na frente.Parecia <strong>uma</strong> mistura de carro, moto e triciclo. Aaparência inusita<strong>da</strong> não impediu que se tornasseum sucesso. O imigrante acrescentou seu <strong>no</strong>me aooriginal, e fez nascer a Romi-Isetta, lança<strong>da</strong> a 5 desetembro de 1956, com direito a desfi le pelas ruasde São Paulo, bênção de arcebispo, visita de JânioQuadros e exposição em praça pública. Emboratenham sido fabrica<strong>da</strong>s só três mil uni<strong>da</strong>des emtrês a<strong>no</strong>s – em 1959 a Romi voltaria a se dedicarsó aos tor<strong>no</strong>s –, a Romi-Isetta tor<strong>no</strong>u-se um ícone.182


A Romi-Isetta havia sido cria<strong>da</strong> na Itália.Portanto, só era reproduzi<strong>da</strong> <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong> sob licença,como os caminhões <strong>da</strong> Fábrica <strong>Nacional</strong> deMotores. A indústria brasileira se fi rmava, masain<strong>da</strong> a partir de modelos, tec<strong>no</strong>logias e capitaisestrangeiros. Seria assim com a alemã Volkswagen,com a francesa Simca e com a americana Willys.A Willys-Overland foi a primeira fi rma estrangeiraa fabricar, de fato, carros <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>. A companhiase instalou em São Bernardo do Campo, São Paulo,em 1952, e de suas linhas de montagem saíramos célebres Jeeps. Em 1956, a Willys colocou<strong>no</strong> mercado a Rural, utilitário de rápi<strong>da</strong> e largaaceitação. Naquele mesmo a<strong>no</strong> surgiu outro carroque entrou para o imaginário dos brasileiros: a peruaDKW-Vemag, fruto <strong>da</strong> associação entre a brasileiraVemag (Veículos e Máquinas Agrícolas S.A.) e aalemã Auto Union, fabricante do original DKW(Das Kleine Wunder, ou “pequena maravilha”).A caminhoneta, logo apeli<strong>da</strong><strong>da</strong> de “risadinha” devidoao formato do radiador, recebeu o <strong>no</strong>me oficial deVemaguet a partir de 1961. A perua <strong>da</strong> “Dekavê”virou um marco por ser o primeiro veículo nacionalfabricado por dez a<strong>no</strong>s seguidos e com nacionalizaçãode componentes <strong>da</strong> ordem de 60% de seu peso.O sucesso do modelo puxou o crescimento <strong>da</strong>Vemag, que por <strong>uma</strong> déca<strong>da</strong> dominaria boa fatiado mercado com carros relativamente baratos,resistentes e práticos, a<strong>da</strong>ptados a um país comrodovias ruins. Seguiram-se modelos como oBelcar (sedã), e o Can<strong>da</strong>ngo (espécie de jipe),cujo <strong>no</strong>me homenageou os trabalhadores queconstruíram Brasília.A empresa que de fato mu<strong>da</strong>ria a história<strong>da</strong> relação dos brasileiros com o automóvel foia alemã Volkswagen. Embora viesse a se tornarfamosa graças ao Fusca, a VW apresentou-seao público brasileiro com a Kombi, em 1957.Cria<strong>da</strong> na Alemanha na déca<strong>da</strong> de 40, a Kombi(Kombinationfahrzeug, ou “veículo combinado”)foi o primeiro mo<strong>no</strong>volume do <strong>Brasil</strong>. Prática, defácil operação e manutenção barata, caiu <strong>no</strong> gostodos brasileiros a ponto de ser fabrica<strong>da</strong> até osdias de hoje – alcançando 1,5 milhão de uni<strong>da</strong>desvendi<strong>da</strong>s –, com pequenas alterações estilísticasou estruturais e <strong>no</strong>vas tec<strong>no</strong>logias. Veículopreferencial para entregas rápi<strong>da</strong>s, mostrouseadequa<strong>da</strong> a aplicativos tão díspares quantobiblioteca e consultório móveis, transporte escolare táxi-lotação ou até ponto de ven<strong>da</strong> de cachorrosquentes.Com efeito, um veículo combinado...Mas o grande trunfo <strong>da</strong> Volks – aquele que iriase tornar o mais famoso carro a ro<strong>da</strong>r <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>– teve sua produção em série inicia<strong>da</strong> em 1959com o <strong>no</strong>me de Sedã 1200. O veículo começara aser desenvolvido em 1933 por Ferdinand Porschea pedido de Adolf Hitler. Em 1939 os primeirosVolks Wagen (“carro do povo” em alemão) saíram<strong>da</strong>s linhas de montagem. Passa<strong>da</strong> pouco maisde <strong>uma</strong> déca<strong>da</strong> <strong>da</strong> I Guerra, a Alemanha ain<strong>da</strong>enfrentava forte recessão econômica e possuía,proporcionalmente, <strong>uma</strong> <strong>da</strong>s me<strong>no</strong>res frotasde veículos <strong>da</strong> Europa, composta quase quesó por carros de luxo. A idéia era produzir umveículo durável, econômico, versátil e barato. Foiexatamente o que Porsche fez.A “Pequena Maravilha”: o DKW, ouDas Kleine Wunder, cujo significadoliteral é “pequena maravilha”, era umcarro alemão feito pela empresa AutoUnion que, <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>, associou-se àVemag (Veículos e Máquinas AgrícolasS.A.) para produzir, a partir de 1956,não só o popular DeKavê (acima, emprimeiro pla<strong>no</strong>, em anúncio de 1965),como também as peruas Vemaguete(mais para trás, à esquer<strong>da</strong>,<strong>no</strong> desenho), o sedã Belcar e opopularíssimo Can<strong>da</strong>ngo, <strong>uma</strong> espéciede jipe off-road, assim batizadoem homenagem aos operários queconstruíram Brasília.183


A indústria automobilística brasileirafoi – e continua sendo – <strong>uma</strong> <strong>da</strong>s maispoderosas <strong>da</strong> eco<strong>no</strong>mia brasileira.Por conta disso, dentre os cursosprofissionalizantes disponibilizadospelo SENAI, aqueles ligados àsnecessi<strong>da</strong>des <strong>da</strong>s montadoras efábricas de automóveis sempreestiveram entre os mais importantes.Na imagem acima, <strong>uma</strong> <strong>da</strong>s oficinasmodelodo SENAI. Com a eleição deLuiz Inácio Lula <strong>da</strong> Silva à presidênciado <strong>Brasil</strong> em 2002 esse setor do SENAIadquiriu importância histórica ain<strong>da</strong>mais relevante: Lula formou-se comotorneiro mecânico em um dos cursosoferecidos pela enti<strong>da</strong>de.Ao chegar ao <strong>Brasil</strong>, 20 a<strong>no</strong>s após osucesso na Alemanha, o “besouro”, comoera chamado, ganhou o apelido de Fusca(a<strong>da</strong>ptação abrasileira<strong>da</strong> <strong>da</strong> pronúnciade Volks, na qual V soa como F).A alcunha se tor<strong>no</strong>u tão conheci<strong>da</strong> queem 1983 acabou adota<strong>da</strong> como <strong>no</strong>meofi cial do veículo. Foram fabrica<strong>da</strong>s maisde 3,3 milhões de uni<strong>da</strong>des até o modelodeixar de ser produzido <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>, em1996. E aquela foi sua segun<strong>da</strong> saí<strong>da</strong>de cena. A primeira ocorrera dez a<strong>no</strong>santes, em 1986, só que o Fusca voltou em 1993,por solicitação do então presidente Itamar Franco.Apesar do anacronismo do pedido – o veículoestava ultrapassado e a linha de montagem, forados padrões, encarecia o preço fi nal –, a medi<strong>da</strong>acabou incentivando o (re)surgimento do carropopular <strong>no</strong> país. Modelos mais simples, comisenções de impostos, permitiriam a milhares debrasileiros adquirir o “primeiro carro”.Itamar substituíra Fernando Collor de Mello,que sofrera impeachment. E Collor, a despeito <strong>da</strong>sacusações de corrupção, teve papel marcante naindústria automobilística nacional, embora na direçãooposta <strong>da</strong> de Itamar. Tor<strong>no</strong>u-se célebre sua frasecomparando os carros nacionais a carroças.A polêmica se deu n<strong>uma</strong> conversa na casa de amigoscom o presidente mundial <strong>da</strong> VW tecendo críticas aogover<strong>no</strong>. Collor partiu para o ataque: “O senhor antesde fazer qualquer crítica ao pla<strong>no</strong> que estou trazendopara o <strong>Brasil</strong>, por favor, comece a fabricar carros <strong>no</strong><strong>Brasil</strong>. O senhor não fabrica carros, fabrica carroças.”Pouco depois, Collor liberou as importações deautomóveis – o que estabeleceu <strong>no</strong>vo patamar parao consumidor – e criou incentivos para as montadorasse instalarem <strong>no</strong> país. O <strong>no</strong>vo cenário, maiscompetitivo, forçou a indústria nacional se aprimorare crescer. O aquecimento do mercado se deu tambémgraças ao estabelecimento <strong>da</strong>s Câmaras Setoriais.No caso dos automóveis, fi rmou-se um pacto queresultou na que<strong>da</strong> <strong>no</strong>s preços: o gover<strong>no</strong> reduziu osimpostos, os trabalhadores suspenderam movimentosgrevistas e as montadoras garantiram a manutençãodos empregos e o repasse <strong>da</strong> redução tributária aoscompradores, diminuindo sua margem de lucro.No gover<strong>no</strong> de Fernando Henrique Cardoso,a criação de um <strong>no</strong>vo regime automotivo estimulou,por meio de incentivos fi scais, empresas que secomprometessem a construir fábricas e exportar.A medi<strong>da</strong> atraiu montadoras francesas e japonesas,até então resistentes em se instalar <strong>no</strong> país.No gover<strong>no</strong> de Lula – que começou sua vi<strong>da</strong>profi ssional com torneiro mecânico <strong>no</strong> setor –,o segmento voltaria a receber estímulo por meiode linhas de fi nanciamento e desoneração deinvestimentos em equipamentos.A indústria automobilística nacional, que emseu primeiro a<strong>no</strong> “cheio”, 1957, produziu 30.542veículos, entre automóveis de passeio, comerciaisleves, ônibus e caminhões, comemorou seucinqüentenário em 2007 fabricando 2.977.150uni<strong>da</strong>des, com faturamento de 58 bilhões dedólares e participação de 18% <strong>no</strong> PIB industrial,de acordo com <strong>da</strong>dos <strong>da</strong> Associação <strong>Nacional</strong> dosFabricantes de Veículos Automotores.184


Ônibus e carroceriasCARGA PESADALuiz Cristof Random chegou ao <strong>Brasil</strong> em 1888.Como milhares de imigrantes italia<strong>no</strong>s, trocoua certeza de <strong>uma</strong> vi<strong>da</strong> difícil na Europa pelaspromissoras incertezas do Novo Mundo. Instaladoem <strong>uma</strong> <strong>da</strong>s colônias inicia<strong>da</strong>s pela primeira levade imigrantes, 13 a<strong>no</strong>s antes, <strong>no</strong>s Campos deCima <strong>da</strong> Serra, na serra gaúcha, Randon foi paraa lavoura. Um de seus fi lhos, Abramo, tor<strong>no</strong>useferreiro, inaugurando a vocação familiar <strong>no</strong>setor. Foi em sua antiga ofi cina, em Caxias doSul, que os fi lhos Ercílio e Raul, em parceriacom Antônio Fontebasso, montaram <strong>uma</strong> pequenametalúrgica destina<strong>da</strong> à produção de máquinastipográfi cas, em 1949. Dois a<strong>no</strong>s depois umincêndio destruiu o lugar. O que poderia ser ofi m de um empreendimento de fundo de quintalse tor<strong>no</strong>u o início de <strong>uma</strong> <strong>da</strong>s maiores empresasdo país. Quando voltaram aos negócios, em 1953,os irmãos abriram a Mecânica Randon, fábrica defreios a ar. A companhia se expandiu, diversifi couseus produtos, virou socie<strong>da</strong>de anônima em 1971 ehoje é um império com mais de sete mil empregadoscujas exportações alcançam 250 milhões de dólarespor a<strong>no</strong>, e está presente em mais de 100 países.O grupo produz caminhões off-road, reboques evagões ferroviários. Cerca de metade <strong>da</strong>s carretasem circulação <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong> carregam a sua marca.Também descendentes de imigrantes italia<strong>no</strong>sinstalados na mesma Caxias do Sul, e <strong>no</strong> mesmoa<strong>no</strong> de 1949, os irmãos Dorval Antônio, Nelson,João e Doracy Luiz criaram a Carrocerias Nicola& Cia. O primeiro ônibus, feito de madeira sobreestrutura de alumínio, levou três meses para sermontado. Ao longo <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de 1950, a empresaampliou instalações, passou a construir carroceriascom estrutura de aço e os primeiros chassis feitos<strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>. Nos primeiros dez a<strong>no</strong>s, a companhiafabricou 600 uni<strong>da</strong>des e, <strong>no</strong> início dos a<strong>no</strong>s 60,começou a exportar. Em 1968, a Nicola lançou ummodelo que marcaria sua trajetória: apresentadodurante o Salão do Automóvel, em São Paulo,o ônibus Marcopolo – homenagem ao célebreviajante venezia<strong>no</strong> Marco Pólo– se transformou num e<strong>no</strong>rmesucesso comercial. Três a<strong>no</strong>smais tarde, a Nicola passou a sechamar Marcopolo. Ao completar50 a<strong>no</strong>s, em 1999, a empresachegou às 100 mil uni<strong>da</strong>desproduzi<strong>da</strong>s. Atualmente, aMarcopolo tem mais de dez milempregados, quatro plantas<strong>no</strong> <strong>Brasil</strong> e cinco <strong>no</strong> exterior,exportando para 100 países.Em 1969, a Marcopolo comprouas Carrocerias Eliziário, de PortoAlegre, e <strong>no</strong> a<strong>no</strong> seguinte lançouo ônibus urba<strong>no</strong> Veneza, comdesign i<strong>no</strong>vador, mais quadradoe com ampla área envidraça<strong>da</strong>.Ao longo do tempo, adquiriu acaxiense Nimbus e a carioca Ciferal.Atualmente, ônibus <strong>da</strong> Marcopolosão vistos pelas ruas e estra<strong>da</strong>sbrasileiras e ao redor do mundo. Naimagem acima, <strong>uma</strong> carroceria <strong>da</strong>Random; abaixo, a primeira fábrica<strong>da</strong> Marcopolo em Caxias.185


As usinas hidrelétricasA perspectiva <strong>da</strong> Usina Hidrelétrica deFurnas foi publica<strong>da</strong> em separata doperiódico O Observador Econômicoe Financeiro em março de 1958. Oreservatório aprisio<strong>no</strong>u 21 bilhões demetros cúbicos de água n<strong>uma</strong> obraque transformou a Mendes Júniorem <strong>uma</strong> <strong>da</strong>s maiores empreiteiras do<strong>Brasil</strong>. Depois de Furnas vieram outrashidrelétricas, com destaque para agrandiosa Itaipu, considera<strong>da</strong> a maiorhidrelétrica do mundo e que entrouem funcionamento em 1984. Com amaior bacia hidrográfica do planeta,o <strong>Brasil</strong> é o terceiro país em potencialhidrelétrico – <strong>uma</strong> imensa fonte deenergia para as indústrias do futuro.UM BRASIL MAIS ENERGÉTICODizem que foi o engenheiro <strong>da</strong> CompanhiaEnergética de Minas Gerais, FranciscoNoronha, quem, <strong>no</strong> início dos a<strong>no</strong>s 1950, em <strong>uma</strong>pescaria com diretores <strong>da</strong> construtora MendesJúnior, descobriu as Corredeiras <strong>da</strong>s Furnas.Noronha – que estava justo à procura do lugarideal para <strong>uma</strong> usina – voltou a Belo Horizonte eapresentou seus estudos a John Reginald Cotrim,vice-presidente <strong>da</strong> companhia.Cotrim, que entrou para a equipe de Jusceli<strong>no</strong>Kubitschek em 1955, visitou as Furnas e percebeuque estava diante do que poderia solucionar ofornecimento de energia para o Sudeste. A partir desuas conclusões, em 28 defevereiro de 1957, nascia<strong>uma</strong> <strong>da</strong>s maiores obrasdo gover<strong>no</strong> JK: a CentralElétrica de Furnas comsede em Passos, MinasGerais. As águas de Minas,aliás, já haviam movidooutras hidrelétricas: aprimeira do <strong>Brasil</strong> teriasurgido em Diamantina,em 1883, aproveitandoas águas de um afl uentedo Jequitinhonha.Antes de Furnas, outros projetos de hidrelétricasestatais já haviam surgido. Em 15 de março de 1948,o gover<strong>no</strong> Dutra criara a Companhia Hidrelétrica doSão Francisco (CHESF) para aproveitar o potencialelétrico <strong>da</strong> Cachoeira de Paulo Afonso – o antigosonho de Delmiro Gouveia. A obra foi e<strong>no</strong>rme, masnão se comparou ao que surgiu a partir do Pla<strong>no</strong> deMetas de JK. Furnas seria a maior usina hidrelétrica<strong>da</strong> época, com capaci<strong>da</strong>de de gerar 1.216 MW.A construção, não por acaso, ficou a cargo <strong>da</strong>Mendes Júnior, que contratou engenheiros ingleses eimportou equipamentos <strong>da</strong> Europa, Estados Unidos,Canadá e Japão. Os túneis e galerias que desviaram ocurso dos rios Grande e Sapucaí exigiram habili<strong>da</strong>deredobra<strong>da</strong> dos técnicos e força extra dos operários.Sem contar que foi necessário muito esforço paraconvencer alguns do<strong>no</strong>s de terras a vender suasproprie<strong>da</strong>des em <strong>no</strong>me do “progresso <strong>da</strong> nação”.Para dissuadi-los, Jusceli<strong>no</strong> Kubitschek envioucartas assina<strong>da</strong>s de próprio punho.Quase seis a<strong>no</strong>s depois do início <strong>da</strong>s obras,em 9 de janeiro de 1963, já <strong>no</strong> gover<strong>no</strong> Goulart,o túnel que desviou o curso do rio Grande foifechado. Então, as águas formaram um dos maioresreservatórios do mundo, mu<strong>da</strong>ndo para sempre ahistória <strong>da</strong> região e alçando o <strong>Brasil</strong> a um <strong>no</strong>vopatamar energético.186


A NovacapBRASÍLIA ENTRA EM CENAEra <strong>uma</strong> ci<strong>da</strong>de longamente profetiza<strong>da</strong>. Em 1883,apareceu nas visões do místico italia<strong>no</strong> JoãoBosco. Um século antes, já fi zera parte do sonho dosinconfidentes. Em 1813, o primeiro jornal brasileiro,o Correio <strong>Brasil</strong>iense, editado em Londres, deu <strong>no</strong>voalento à idéia de transferir a capital para “junto àscabeceiras do Rio São Francisco”. Em 1822, asCortes de Lisboa, poucos antes <strong>da</strong> Independência,determinaram que “<strong>no</strong> centro do <strong>Brasil</strong>, entre asnascentes dos afluentes do Paraguai e do Amazonasfun<strong>da</strong>r-se-á a capital <strong>da</strong> colônia com a de<strong>no</strong>minaçãode Brasília”. Após o grito do Ipiranga, José Bonifáciodefendeu, na Constituinte, a idéia de erguer a <strong>no</strong>vacapital “na latitude de 15º, em sítio sadio, fértil eregado por um rio navegável”. Em 1877, o historiadorFrancisco Adolfo Varnhagen – nascido na RealFábrica de Ferro de Ipanema – foi o primeiro a viajarao Planalto Central tentando demarcar o ponto ideal.Proclama<strong>da</strong> a República, o artigo 3º <strong>da</strong> <strong>no</strong>vaConstituição reforçou a decisão de que a capitaldeveria ser transferi<strong>da</strong> para o Planalto Central. Porisso, em 1892, à frente <strong>da</strong> Comissão Exploradorado Planalto Central, o cientista Luís Crulsdemarcou “um quadrilátero de 14.400 quilômetrospara nele ser ergui<strong>da</strong> a <strong>no</strong>va ci<strong>da</strong>de”.Em 1922, Epitácio Pessoa baixou decretodeterminando que <strong>no</strong> dia 7 de setembro, centenário<strong>da</strong> Independência,fosse assenta<strong>da</strong> a pedrafun<strong>da</strong>mental <strong>da</strong> <strong>no</strong>va capital,em Planaltina (GO), <strong>no</strong>“quadrilátero Cruls”, atualperímetro urba<strong>no</strong> de Brasília.A idéia de transferir a capitalfoi manti<strong>da</strong> nas constituiçõesde 1934 e de 1946.Mas o projeto só começou a sair do papel a4 de abril de 1955, num comício em Jataí (GO),quando o então candi<strong>da</strong>to Jusceli<strong>no</strong> Kubitschek feza mais óbvia promessa de campanha: jurou que iria“cumprir a Constituição”. Então, como o próprioJK conta <strong>no</strong> livro Por que construí Brasília, algosurpreendente aconteceu – e mudou os desti<strong>no</strong>sdo <strong>Brasil</strong>. De acordo com JK, ao fi nal do comíciohistórico em Jataí, “<strong>uma</strong> voz forte se impôs” eo interpelou: “O senhor disse que, se eleito, irácumprir rigorosamente a Constituição. Desejo saberse pretende pôr em prática a mu<strong>da</strong>nça <strong>da</strong> capitalfederal para o Planalto Central.” Jusceli<strong>no</strong> olhoupara a platéia e logo identificou o interpelante: eraum certo Toquinho. Embora considerasse a perguntaembaraçosa e já tivesse o Pla<strong>no</strong> de Metas pronto, JKgarantiu que faria a <strong>no</strong>va capital. A partir de então,Brasília tor<strong>no</strong>u-se a “meta-síntese” de seu gover<strong>no</strong>.A Esplana<strong>da</strong> dos Ministérios e asurpreendente catedral: foto aérea,toma<strong>da</strong> em fins de 1959, mostra ocoração de <strong>uma</strong> Brasília ain<strong>da</strong> emobras. Mais de 45 milhões de metroscúbicos <strong>da</strong> terra avermelha<strong>da</strong>,típica do Planalto Central, foramdeslocados em <strong>uma</strong> terraplanagemde dimensões monumentais. Deinício, apenas três mil operáriostrabalharam na construção <strong>da</strong>capital “futurista”, ergui<strong>da</strong> <strong>no</strong> temporecorde de apenas 41 meses.187


188Ao assumir a presidência, em 31 de janeirode 1956, após <strong>uma</strong> série de turbulências,ameaças de golpe e tropas na rua, Jusceli<strong>no</strong>tratou de apresentar o projeto <strong>da</strong> <strong>no</strong>va capitalao Congresso já como fato cons<strong>uma</strong>do. Emsetembro <strong>da</strong>quele a<strong>no</strong>, a maioria governistaaprovou, na Câmara e <strong>no</strong> Senado, a lei nº 2.874que criava a Companhia Urbanizadora <strong>da</strong> NovaCapital. As obras se iniciaram rapi<strong>da</strong>mente,em fevereiro de 1957, embora contassem comapenas três mil trabalhadores – batizados de“can<strong>da</strong>ngos”. Os arquitetos Oscar Niemayere Lúcio Costa foram encarregados de projetar<strong>uma</strong> ci<strong>da</strong>de “futurista”, repleta de i<strong>no</strong>vações,com um urbanismo arrojado que, quase meioséculo depois, ain<strong>da</strong> surpreende e encantaespecialistas de todo o mundo.Nove meses após o início <strong>da</strong>s obras, cerca de12 mil pessoas, na maioria funcionários públicos,já viviam e trabalhavam em Brasília e muitasinstituições já haviam se transferido do Rio deJaneiro para o coração do <strong>Brasil</strong>. Mais de 45milhões de metros cúbicos de terra vermelha foramdeslocados n<strong>uma</strong> terraplanagem monumental.Redigi<strong>da</strong> por San Tiago Dantas, a Lei <strong>da</strong> Novacappermitia ao gover<strong>no</strong> fazer to<strong>da</strong>s as operações decrédito sem necessitar <strong>da</strong> aprovação formal doCongresso. Evidentemente, houve corrupção edesvios de verbas, mas o fato é que, <strong>no</strong> temporecorde de 41 meses, onde antes estendia-se adesola<strong>da</strong> vastidão do cerrado e se escutava apenaso “miado <strong>da</strong> onça”, erguia-se <strong>uma</strong> <strong>da</strong>s ci<strong>da</strong>des maismodernas do mundo.


A <strong>CNI</strong> em BrasíliaUMA MUDANÇA CAPITALSe durante a Era Vargas o personagem central<strong>da</strong> <strong>CNI</strong> foi Euvaldo Lodi, é natural que, após amorte de Getúlio, ele se afastasse <strong>da</strong> presidência <strong>da</strong>enti<strong>da</strong>de. Com efeito, em 3 de <strong>no</strong>vembro de 1954 –cerca de dois meses após o suicídio de Vargas –,foi a vez do deputado federal baia<strong>no</strong> AugustoRibeiro dos Santos, então presidente do Sindicato<strong>da</strong>s Indústrias de Fiação e Tecelagem <strong>da</strong> Bahia edo Conselho do SENAI e do SESI em seu estado,assumir o comando <strong>da</strong> <strong>CNI</strong>. Mas ele só fi caria<strong>no</strong> cargo por dois a<strong>no</strong>s, sendo substituído, a 5 de<strong>no</strong>vembro de 1956, pelo industrial mineiro LídioLunardi, presidente <strong>da</strong> FIEMG, a quem caberialiderar a Confederação durante to<strong>da</strong> a Era JK.Lunardi tivera atuação destaca<strong>da</strong> à frente <strong>da</strong>FIEMG, apoiando, junto com o governador José BiasFortes, a criação <strong>da</strong> Usiminas, siderúrgica de grandeporte fun<strong>da</strong><strong>da</strong> em 1956, com verbas do BNDE ecapitais japoneses. Em março de 1957, já à frente<strong>da</strong> <strong>CNI</strong>, Lunardi confrontou-se com a Carteira deComércio Exterior do Banco do <strong>Brasil</strong> (Cacex) emdefesa <strong>da</strong> indústria nacional de folha-de-fl andres,exigindo que a <strong>CNI</strong> fosse consulta<strong>da</strong> antes de aCacex conceder incentivos para a instalação de<strong>uma</strong> fábrica <strong>da</strong> American Can <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>, já queas regalias cambiais <strong>da</strong><strong>da</strong>s aos <strong>no</strong>rte-america<strong>no</strong>svinham sendo nega<strong>da</strong>s à indústria brasileira.Em tempos de nacional-desenvolvimentismo, apolêmica alastrou-se e, em junho de 1958 – depoisde <strong>uma</strong> campanha aglutina<strong>da</strong> em tor<strong>no</strong> do irônicobordão “American can, Brazilian can <strong>no</strong>t” –, <strong>uma</strong>CPI investigou o caso e o empréstimo foi vetado,até porque a indústria alimentícia brasileira vinhacrescendo e eram justo as comi<strong>da</strong>s enlata<strong>da</strong>sque puxavam o segmento (leia p. 192) Em 15de outubro de 1958 – o “a<strong>no</strong> que não deveriaterminar” –, um fortalecido Lunardi foi entãoeleito para <strong>no</strong>vo man<strong>da</strong>to de dois a<strong>no</strong>s. Em janeirode 1960, patroci<strong>no</strong>u a IV Reunião Plenária <strong>da</strong>Indústria, realiza<strong>da</strong> em Goiânia.Reeleito <strong>no</strong> segundo semestre de1960, Lunardi teria seu terceiro man<strong>da</strong>tointerrompido em março do a<strong>no</strong> seguinte devidoa suspeitas de irregulari<strong>da</strong>des. Durante operíodo em que ele esteve suspenso, o comando<strong>da</strong> <strong>CNI</strong> passou a <strong>uma</strong> junta composta pelo vicepresidenteJosé Vilela de Andrade, OsmárioRibas e Zulfo Mallmann. Mas em agosto de1961, a junta renunciou depois de o presidente<strong>da</strong> República, Jânio Quadros, ter feito o mesmo.Um <strong>no</strong>va junta foi forma<strong>da</strong> em setembro. Em 5de janeiro de 1962, Lídio Lunardi foi afastado<strong>da</strong> presidência <strong>da</strong> <strong>CNI</strong>, sendo sucedido porHaroldo Correia Cavalcanti.Apesar <strong>da</strong> polêmica que envolveuseu terceiro, último e abortadoman<strong>da</strong>to à testa <strong>da</strong> <strong>CNI</strong>, foi durantea presidência de Lídio Lunardi que a<strong>CNI</strong> iniciou o processo que culminariacom a transferência de sua sededo centro do Rio de Janeiro para ocentro de Brasília. As fotos na páginaao lado mostram a cerimônia delançamento <strong>da</strong> pedra fun<strong>da</strong>mental doimponente edifício Roberto Simonsen,em meados de 1961, me<strong>no</strong>s de <strong>uma</strong><strong>no</strong> após a inauguração <strong>da</strong> <strong>no</strong>vacapital. Na imagem acima, Lunardiconfraterniza com os diretoresnacionais do SESI e do SENAI, LívioPereira, Antônio Orácio Pacheco eAntonio Ferreira. Lídio Lunardi é oterceiro <strong>da</strong> direita para a esquer<strong>da</strong>.189


O plásticoA partir <strong>da</strong> pequena fábrica de pentesem Joinville (acima), a Tigre tor<strong>no</strong>use<strong>uma</strong> potência com mais de cincomil funcionários, presente em dezpaíses, graças à fabricação de tubos econexões de plástico, cuja produçãose iniciou em fins <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de 1950e levou a empresa a mu<strong>da</strong>r para <strong>uma</strong><strong>no</strong>va sede (abaixo) ain<strong>da</strong> <strong>no</strong>s a<strong>no</strong>s 60.UMA INDÚSTRIA SINTÉTICAomeçaram a <strong>no</strong>s vender e <strong>no</strong>s comprar. /“CComprar borracha, vender pneu. / Comprarminério, vender navio. / Pra <strong>no</strong>ssa vela, venderpavio. / Só man<strong>da</strong>ram o que sobrou de lá: / Matériaplástica, que entusiástica, / Que coisa elástica,que coisa drástica...” Os versos são <strong>da</strong> Canção doSubdesenvolvido, de Carlos Lyra e Francisco deAssis, lança<strong>da</strong> em 1962 pela União <strong>Nacional</strong> dosEstu<strong>da</strong>ntes (UNE). Mas o tom jocoso e amargo nãorefletia a opinião de todos os brasileiros, muitos deles– em especial nas classes média e alta – animadoscom as <strong>no</strong>vi<strong>da</strong>des “capitalistas” introduzi<strong>da</strong>s <strong>no</strong>país naquela época. Entre elas estava, é claro,a “matéria plástica”, que parecia representar amoderni<strong>da</strong>de e que abriria<strong>no</strong>vas possibili<strong>da</strong>des paraa indústria. O plástico, oumelhor, os plásticos, sãoobtidos a partir de resinassintéticas (polímeros)deriva<strong>da</strong>s do petróleo. Oprimeiro polímero, a celulose,foi isolado em 1864, enquantoo PVC (policloreto de vinila)fi rmou-se <strong>no</strong> pós-guerra.No <strong>Brasil</strong>, o plástico sóadquiriu vigor industrial emmeados dos a<strong>no</strong>s 1960 quando a multinacionalUnion Carbide, primeira fábrica de polietile<strong>no</strong>a operar <strong>no</strong> país, instalou-se em Cubatão, SãoPaulo. Um dos pioneiros a perceber a importânciados <strong>no</strong>vos materiais sintéticos foi o catarinenseJoão Hansen Jr. Desde 1941, Hansen produziaem Joinville, Santa Catarina, os pentes Tigre,feitos com chifre de boi. No fi m <strong>da</strong>quela déca<strong>da</strong>,comprou <strong>uma</strong> bomba injetora e passou a fabricarem plástico não só os já famosos pentes comocopos, pratos, piteiras, brinquedos e leques. Mas agrande ousadia veio em fi ns dos a<strong>no</strong>s 50, quando,conecta<strong>da</strong> com o boom <strong>da</strong> construção civil, a Tigrelançou tubos e conexões feitos em PVC, e não emmetal. A marca tor<strong>no</strong>u-se sinônimo do produto.Outra i<strong>no</strong>vadora <strong>no</strong> setor foi a ITAP,Indústria Técnica de Artefatos Plásticos,fun<strong>da</strong><strong>da</strong> por Jacques Siekierski, francês queimigrou para o <strong>Brasil</strong> na déca<strong>da</strong> de 1950 eseria responsável pela introdução de pelo me<strong>no</strong>squatro <strong>no</strong>vi<strong>da</strong>des de “matéria plástica” <strong>no</strong> país:sacos de lixo para uso residencial, saquinhos deleite, embalagens para adubos e plásticos pretospara proteção de lavouras. Em ple<strong>no</strong> TerceiroMilênio, a indústria plástica defronta-se com aquestão <strong>da</strong> reciclagem e a escassez do petróleo.Mas segue entusiástica.190


Madeiras e compensadosMÓVEIS E REVESTIMENTOSDas mãos de mestres artesãos <strong>da</strong> Colôniaàs garras dos robôs industriais, os móveisbrasileiros percorreram um caminho defi nido porestilo, conforto e pratici<strong>da</strong>de. No <strong>Brasil</strong>, a partir<strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de 1960, o poder de consumo <strong>da</strong> classemédia, aliado à valorização de um design i<strong>no</strong>vador,fortaleceu a indústria moveleira e favoreceu empresasque já estavam <strong>no</strong> mercado. Dentre elas, se destacama Eucatex e a Duratex – duas indústrias que, emborasimilares <strong>no</strong> <strong>no</strong>me, sempre foram concorrentes.A Eucatex, pioneira na utilização do eucaliptocomo matéria-prima de chapas e painéis, foi fun<strong>da</strong><strong>da</strong>em <strong>no</strong>vembro de 1951, mas sua primeira fábrica sóseria inaugura<strong>da</strong> em 1954, em Salto, interior de SãoPaulo, onde passou a produzir chapas em fi bra demadeira, forros acústicos e isolantes. Seu fun<strong>da</strong>dor,Salim Maluf – pai de Paulo Maluf, ex-governador deSão Paulo –, chegara ao <strong>Brasil</strong> munido apenas <strong>da</strong>vontade de triunfar <strong>no</strong>s trópicos. Graças ao sogro,Miguel Estef<strong>no</strong>, imigrante que havia feito fortuna<strong>no</strong> ramo <strong>da</strong> tecelagem, o jovem libanês montou, em1923, a Serraria Americana, origem <strong>da</strong> Eucatex.No início dos a<strong>no</strong>s 60, acirrou-se a concorrência <strong>da</strong>Eucatex com a Duratex, que, em agosto de 1961,ampliou sua capaci<strong>da</strong>de de produção de chapas defi bra e diversificou sua linha de produtos com tintas,vernizes e painéis em MDF.Cria<strong>da</strong> por Eudoro Villela e Nivaldo Cintraem 31 de março de 1951 – oito meses antes <strong>da</strong>Eucatex, portanto –, a Duratex reivindica o títulode pioneira na produção <strong>da</strong>s chapas de fi bra deeucalipto <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>. Mas, como a rival, a empresasó fez a primeira uni<strong>da</strong>de fabril em 1954, emJundiaí, São Paulo. De todo modo, a Eucatex ea Duratex pouco participaram <strong>da</strong> maior corri<strong>da</strong>moveleira do <strong>Brasil</strong>, ocorri<strong>da</strong> em 1959/60. Coma construção de Brasília, a Novacap, responsávelpelas obras, convocou um grupo de indústrias paramobiliar os apartamentos funcionais (acima), asrepartições públicas e os hotéis <strong>da</strong> <strong>no</strong>va capital.Apesar de árdua, a tarefa fez a alegria de empresascomo Pastore, Solidor, Teperman e Oca, além dolegendário Liceu de Artes e Ofícios.Brasília foi inteiramente mobilia<strong>da</strong>em apenas seis meses. Entre asindústrias convoca<strong>da</strong>s para a tarefa,estava a Teperman, <strong>uma</strong> <strong>da</strong>s maisantigas do país <strong>no</strong> ramo moveleiro.Cria<strong>da</strong> em 1912, a empresa erafornecedora do gover<strong>no</strong> federaldesde os a<strong>no</strong>s 1940 e, em 1959, foiencarrega<strong>da</strong> de colocar lambrise divisórias <strong>no</strong>s 29 an<strong>da</strong>res <strong>da</strong>sduas torres do Congresso – antes<strong>da</strong> instalação dos elevadores. ATeperman, que na déca<strong>da</strong> de 1960obteve licenciamento <strong>da</strong> empresa<strong>no</strong>rte-americana Herman Miller paraproduzir seus móveis <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>, estáaté hoje <strong>no</strong> mercado.191


A indústria alimentíciaNo a<strong>no</strong> em que completou 100 a<strong>no</strong>s,a Peixe foi compra<strong>da</strong> pelo GrupoBombril-Círio com a promessa deque a marca seria revitaliza<strong>da</strong>. Nofinal <strong>da</strong>quele 1998, <strong>no</strong> entanto, afábrica acabou sendo definitivamentefecha<strong>da</strong>. Melhor sorte teve a Cica, que,adquiri<strong>da</strong> pela Gessy-Lever, continuafazendo sucesso com o Elefante.COM FOME DE LUCROSEntre 1910 e 1930, o viajante desavisado quechegasse a Pesqueira – ci<strong>da</strong>de crava<strong>da</strong> <strong>no</strong>agreste, 200 quilômetros a oeste do Recife – iriadeparar com um modelo de progresso. Veria ali <strong>uma</strong>eroporto, jóquei clube, revendedora de automóveis,cinco jornais semanais, ruas asfalta<strong>da</strong>s e umimpecável recolhimento de lixo. E se esse mesmoviajante perguntasse como aquilo tudo fora possível,provavelmente ouviria <strong>uma</strong> só resposta: o crescimentose dera por causa <strong>da</strong> fábrica de Dona Yayá.Dona Yayá era Maria <strong>da</strong> Conceição Cavalcanti deBritto, que, em 1898, resolveu produzir em série suaespeciali<strong>da</strong>de: a goiaba<strong>da</strong>. Mulher à frente do seu tempo,Dona Yayá fundou a Indústria Carlos de Britto, quelogo mu<strong>da</strong>ria o <strong>no</strong>me para Fábrica Peixe. Em 1904,comprou tachos ingleses a vapor, contratou centenasde operários e mecanizou a produção.Adquiriu um bonde e quatro troles paratransportar a matéria-prima e, em 1910,consagrou-se ao ganhar, na Bélgica, oGrande Prêmio na Exposição Internacionalde Bruxelas. Nessa época, além <strong>da</strong>goiaba<strong>da</strong>, a Peixe já se consoli<strong>da</strong>ra comoprodutora de massa de tomate. Parasuprir a indústria de Dona Yayá e suaspequenas concorrentes – como as fábricasde doce Rosas, Tigre e Touro – oslavradores de Pesqueira passaram a investir apenasnestas duas culturas: a goiaba e o tomate.Chamado de tomatl pelos astecas, o tomateoriginal não era maior do que um jiló e, <strong>uma</strong> vezcolhido, apodrecia com rapidez. Levado para aEuropa pelos espanhóis, caiu nas graças dos italia<strong>no</strong>sque, a partir de 1600, aprimoraram seu sabor, suacor e seu tamanho – e passaram a chamá-lo de pomod’oro e pomo d’amore. Até a déca<strong>da</strong> de 1940, oextrato de tomate que se consumia <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong> ou eraproduto <strong>da</strong> Peixe ou tinha vindo <strong>da</strong> Itália.Quando as importações foram suspensas porcausa <strong>da</strong> II Guerra, os comerciantes paulistas AntonioMessina e Joaquim Martins Borges, junto com obanqueiro Alberto Bonfiglioli e o médico OrlandoGuzzo, perceberam ali <strong>uma</strong> oportuni<strong>da</strong>de e criarama Companhia Industrial de Conservas Alimentícias,desde o início conheci<strong>da</strong> pela sigla CICA.Fun<strong>da</strong><strong>da</strong> em 1941, em Jundiaí, interior paulista,a Cica batizou seu extrato de tomate com o <strong>no</strong>me“Elefante”. Nessa época, Jundiaí era o principalcentro de distribuição do mercado nacional porqueali se uniam três ferrovias de grande importância:a Companhia Paulista, a Santos–Jundiaí e aSorocabana. Com <strong>uma</strong> produção de quali<strong>da</strong>de,a Cica logo se consolidou como líder absoluta dosetor e acrescentou <strong>no</strong>vos derivados do tomate à192


sua linha de produção, entre eles o purê, o tomatepelado e o molho pronto refogado.Foi também durante a II Guerra que, mais ao Suldo país, na ci<strong>da</strong>de catarinense de Concórdia, <strong>uma</strong> outraindústria de alimentos entrou em cena. Attilio Fontana,gaúcho nascido em 1900 em Santa Maria, tinha feitoa vi<strong>da</strong> em Bom Retiro de Campos Novos (atual Hervald’Oeste), Santa Catarina, mas foi em 1944, em Concórdia(SC), que ele fechou o negócio <strong>da</strong> sua vi<strong>da</strong>.Já consoli<strong>da</strong>do <strong>no</strong> comércio de porcos ederivados, Fontana adquiriu um frigorífico inacabadoe um moinho de baixa capaci<strong>da</strong>de. Acionistamajoritário, ele batizou a empresa de Sadia (<strong>no</strong>mecomposto pelas iniciais de “Socie<strong>da</strong>de Anônima”e pelas três últimas letras <strong>da</strong> palavra “Concórdia”).Produzindo farinha e farelo de trigo, Fontanaconseguiu completar a construção do frigorífico e,em 1946, já abatia 100 suí<strong>no</strong>s por dia. Com eles, aSadia fabricava banha, toucinho, carnes salga<strong>da</strong>s,pernil, presunto, salame, lombo e lingüiça. Como naépoca não existiam caminhões refrigerados, essesprodutos pereciam nas longas viagens por terradesde Concórdia até São Paulo e Rio de Janeiro, osprincipais mercados consumidores.A solução veio em 1952 quando a empresaarrendou um DC-3 <strong>da</strong> Panair para transportar oschamados produtos “frescais”. Surgiu aí o slogan“Sadia. Pelo ar, para seu lar”. O sucesso com oavião foi tal que, em 1955, Omar Fontana, fi lho dofun<strong>da</strong>dor <strong>da</strong> empresa, resolveu voar ain<strong>da</strong> mais alto.Criou a Sadia Transportes Aéreos, empresa queorigi<strong>no</strong>u a Transbrasil e que, <strong>no</strong> dia 16 de março de1956, deu início ao transporte de passageiros entreFlorianópolis, Videira, Joaçaba e São Paulo.O aeroporto de Videira – antiga Vila <strong>da</strong>sPerdizes – recebeu o <strong>no</strong>me de Ângelo Ponzoni.Ponzoni foi o primeiro prefeito <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de e,em parceria com a família Bran<strong>da</strong>lise, era umdos do<strong>no</strong>s <strong>da</strong> principal concorrente <strong>da</strong> Sadia,a Perdigão. Como a Sadia, a fábrica de Videirainvestira <strong>no</strong> transporte aéreo. Em meados de1950, a empresa havia comprado dois DC-3com capaci<strong>da</strong>de de transportar três tonela<strong>da</strong>s deprodutos até São Paulo. A aquisição deu origemà Ponzoni Bran<strong>da</strong>lise – Comércio, Indústria eTransportes, mais conheci<strong>da</strong> como ExpressoPerdigão. Além de levar os produtos que saíam <strong>da</strong>fábrica, os aviões <strong>da</strong> empresa também traziam as“matrizes importa<strong>da</strong>s” de suí<strong>no</strong>s e aves.A Perdigão começara antes <strong>da</strong> Sadia, em 1934,quando os sócios <strong>da</strong> empresa abriram um moinhode trigo e <strong>uma</strong> loja de secos e molhados. Cinco a<strong>no</strong>sdepois, às margens do rio do Peixe, eles iniciaram asativi<strong>da</strong>des industriais com um frigorífico que produziaderivados de suí<strong>no</strong>s. Em 1955, começou o abatemecanizado <strong>da</strong>s aves que, em 1962, chegou à marcade 500 por dia. Na déca<strong>da</strong> seguinte,a indústria enviou dois de seustécnicos aos Estados Unidos paraconhecer os processos de produção<strong>no</strong>rte-america<strong>no</strong>s. E eles voltaramde lá com <strong>uma</strong> <strong>no</strong>vi<strong>da</strong>de: o chester.Lança<strong>da</strong> em 1982 com um substancialinvestimento em propagan<strong>da</strong>, aave híbri<strong>da</strong> virou marca registra<strong>da</strong> ecaiu <strong>no</strong> gosto popular.A partir dos a<strong>no</strong>s 1950, as catarinensesSadia e Perdigão decolaram rumo aotopo. A Sadia ocupa o posto de maiorfrigorífico <strong>da</strong> América Latina, mascontinua sob o controle <strong>da</strong> famíliaFontana e com sede em Concórdia,onde foi fun<strong>da</strong><strong>da</strong>, em um casarãocolonial (acima). Já a Perdigão foia primeira empresa brasileira dealimentos a lançar ações na Bolsa deNova York e está entre as dez maioresindústrias de abate de suí<strong>no</strong>s domundo. Como a Sadia, a Perdigãotambém dispunha de <strong>uma</strong> frota deaviões própria (abaixo).193


Os eletrodomésticosEntre as primeiras fábricas deeletrodomésticos do <strong>Brasil</strong> estava aindústria de refrigeradores Steigleder,de Porto Alegre. Antes <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de1940, as geladeiras nacionais eram umrecipiente de madeira que resfriava apartir do gelo que armazenava.Acima, <strong>uma</strong> linha de montagem degeladeiras <strong>no</strong>s a<strong>no</strong>s 1970.A INDÚSTRIA DENTRO DE CASAEra 1947 quando o prefeito, o delegado e o juiz<strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de catarinense de Brusque entraramna ofi cina Tiradentes e fi caram impressionadoscom o que viram: estava ali a primeira geladeirafabrica<strong>da</strong> <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>. Um dos responsáveis pelo feito,Guilherme Holderegger, trazia o peito estufado deorgulho e repetia que não havia sido fácil: “Depoisde alg<strong>uma</strong>s explosões e um começo de incêndio,conseguimos”. Holderegger e Rudolf Stutzer fi caramum a<strong>no</strong> trabalhando e estu<strong>da</strong>ndo as geladeirasimporta<strong>da</strong>s e contaram com o fi nanciamento docônsul Carlos Renaux, um rico empresário do ramotêxtil e entusiasta do progresso.Foi em homenagem a Renaux que Stutzer,Holderegger e seu sócio Wittich Freitag deramà fábrica que fun<strong>da</strong>ram em abril de 1950 o<strong>no</strong>me de Consul. A Indústria de RefrigeraçãoConsul começou em Joinville, com apenas oitofuncionários, e só depois de muitas geladeiras aquerosene passou a importar compressores paraa fabricação <strong>da</strong>s elétricas. Em 1959, a empresa jáexportava para vários países <strong>da</strong> América Latinae se fi rmava como <strong>uma</strong> <strong>da</strong>s mais importantesindústrias de eletrodomésticos do país.O sucesso <strong>da</strong> Consul não foi mero acaso.A partir de meados dos a<strong>no</strong>s 1950, o frangoembalado ocupava lugar de destaque, o iogurteem pote fazia sucesso, o queijo fatiado era opreferido e a cerveja precisava estar gela<strong>da</strong> antes<strong>da</strong> <strong>no</strong>vela <strong>da</strong>s oito. Graças à geladeira e outrasi<strong>no</strong>vações, o american way of life adentrava ascozinhas <strong>da</strong>s “rainhas dos lares”, enquanto aclasse média brasileira ascendia, fascina<strong>da</strong> comseus eletrodomésticos.Foi em ritmo de a<strong>no</strong>s dourados que a Brasmotor,indústria de peças automotivas que passava porsérias difi cul<strong>da</strong>des, resolveu diversifi car e investir<strong>no</strong> que fi cou conhecido como “linha branca”. Em1954, a Brasmotor criou a principal concorrente <strong>da</strong>Consul: a Brastemp.194


A Brastemp investiu em idéias e tec<strong>no</strong>logiae i<strong>no</strong>vou desde o princípio. Em 1957, lançouos modelos de geladeiras Príncipe, Imperadore Conquistador que, pela primeira vez, tinhamaproveitamento <strong>da</strong>s portas. Em 1959, colocou <strong>no</strong>mercado a primeira lavadora de roupas automática e,<strong>no</strong>s a<strong>no</strong>s 1960, foi pioneira ao fabricar <strong>uma</strong> secadorade roupas e <strong>uma</strong> geladeira brasileira de duas portas.O conforto estava na ordem do dia e à ven<strong>da</strong>nas esquinas de to<strong>da</strong>s as ci<strong>da</strong>des – ca<strong>da</strong> vezmais urbanas e me<strong>no</strong>s rurais. Liquidifi cadores,enceradeiras, aspiradores de pó, batedeiras emáquinas ca<strong>da</strong> vez mais criativas faziam a alegriaespecialmente <strong>da</strong>s mulheres. Difícil era encontrar<strong>uma</strong> família de classe média que não possuísse emsua cozinha pelo me<strong>no</strong>s um eletrodoméstico portátil<strong>da</strong>s marcas Walita ou Ar<strong>no</strong>.A Walita começou em 1939, quando oimigrante alemão Waldemar Clemente, estimuladopela política de desenvolvimento de Vargas,fundou <strong>uma</strong> pequena fábrica de componenteselétricos <strong>no</strong> Largo do Arouche, em São Paulo.Em 1944, depois de criar um peque<strong>no</strong> motorpara veículos movidos a gasogênio, Clementedesenvolveu o primeiro liquidifi cador brasileiro, oNêutron. Investiu em maquinário, formou mão-deobrae, em 1956, a<strong>no</strong> em que começou a fabricarferros elétricos, alcançou a marca de um milhãode aparelhos produzidos entre liquidifi cadores,batedeiras, exaustores, enceradeiras e centrífugas.Em 1971, a Walita foi incorpora<strong>da</strong> pela Philips,e a empresa, que já era líder absoluta emeletroportáteis, fi rmou-se ain<strong>da</strong> mais.Ao lado <strong>da</strong> Walita, estava a Ar<strong>no</strong>, empresade origem austro-húngara. Em 1938, HansArnstein, que junto com sua família trabalhavana Europa com importação de café, fugiu <strong>da</strong> IIGuerra e estabeleceu-se em São Paulo. Decididoa investir na indústria, comprou <strong>uma</strong> fábricade motores elétricos e abrasileirou seu <strong>no</strong>me.Em 1940, João Arnstein formalizou a criação<strong>da</strong> Construções Eletromecânicas <strong>Brasil</strong>eirasLt<strong>da</strong>. que, quatro a<strong>no</strong>s depois, fundiu-se com aIntermares, a Brasselva e a Siltex <strong>da</strong>ndo origemàs Empresas Reuni<strong>da</strong>s de Indústria e ComércioAr<strong>no</strong>. Em 1949, além de motores, a empresacomeçou a produzir eletroportáteis. Nessemesmo a<strong>no</strong>, João Arnstein acrescentou o “Ar<strong>no</strong>”a seu sobre<strong>no</strong>me <strong>da</strong>ndo assim início a <strong>uma</strong> <strong>no</strong>vafamília brasileira. Diferentemente <strong>da</strong> Walita, <strong>no</strong>entanto, a Ar<strong>no</strong> não manteve seu foco apenas nasmulheres: em 1975 lançou a primeira furadeiraelétrica de fabricação nacional e logo ampliou asua linha de ferramentas.A propagan<strong>da</strong> dos eletrodomésticossempre teve foco nas “donas decasa”. Aqui, anúncios mostram osliquidificadores Ar<strong>no</strong> que, <strong>no</strong> início,importaram seu design do grupoamerica<strong>no</strong> Sears, Roebuck & Co.As lavadoras, as geladeiras e osaspiradores de pó de marcas queain<strong>da</strong> hoje são sucesso, criavamdesejo e incentivavam o consumo.195


O rádio e a TVEmbora seu <strong>no</strong>me tenha caído<strong>no</strong> esquecimento, o engenheiroBernardo Kocubej (acima) merecefigurar entre os pioneiros <strong>da</strong> indústrianacional, pois a Invictus (abaixo),fabrica<strong>da</strong> por ele a partir de 1952,foi o primeiro televisor montado<strong>no</strong> <strong>Brasil</strong> com 75% de índice denacionalização. Os poucos aparelhosque restam são, atualmente, itens decolecionador, cultuados em sites <strong>da</strong>Internet, do país e do exterior.UMA INDÚSTRIA BEM SINTONIZADAAprimeira emissora de televisão do <strong>Brasil</strong>, aTupi, Canal 3 de São Paulo, foi fun<strong>da</strong><strong>da</strong> porAssis Chateaubriand em 18 de setembro de 1950e entrou <strong>no</strong> ar dois dias depois. A chega<strong>da</strong> <strong>da</strong> TVfoi sau<strong>da</strong><strong>da</strong> com entusiasmo, mas por um bomtempo pouquíssimos brasileiros teriam acesso à<strong>no</strong>vi<strong>da</strong>de. Ao fi nal <strong>da</strong>quele a<strong>no</strong> havia apenas doismil aparelhos <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>, todos em São Paulo e <strong>no</strong>Rio. Mas já <strong>no</strong> a<strong>no</strong> seguinte o número saltara parasete mil. O início promissor mostrou que o <strong>no</strong>voentretenimento tinha fôlego, movimentando nãosó to<strong>da</strong> <strong>uma</strong> máquina de produção de programasexibidos ao vivo – o videotape só seria lançado <strong>no</strong>sEstados Unidos em 1956 –, como impulsionando aindústria de produtos eletrônicos.O engenheiro Bernardo Kocubej, que desde1935 atuava na fabricação de rádios,percebeu isso de imediato. Kocubejcomeçara montando kits de rádioimportados, na fábrica Byington, de ondesaiu para produzir seus próprios chassis.Em 1943, criou a Invictus, empresa naqual chegou a fabricar quinze mil rádioscompletos por mês. Quando Chateaubrian<strong>da</strong>nunciou a intenção de instalar a primeiraemissora de TV <strong>da</strong> América Latina, Kocubejidentifi cou um <strong>no</strong>vo fi lão.A televisão era <strong>uma</strong> invenção relativamenterecente, embora o processo tivesse começado anascer já <strong>no</strong> século 19, quando foram descobertasas proprie<strong>da</strong>des do selênio, que possibilitava atransmissão de imagens pela corrente elétrica.Quase na vira<strong>da</strong> do século 20, o físico alemão KarlFerdinand Braun inventou o tubo de raios catódicose, em 1923, o engenheiro russo naturalizadoamerica<strong>no</strong> Vladimir Kosma Zworykin criou oico<strong>no</strong>scópio – com aspecto semelhante ao <strong>da</strong>atual TV –, com o qual transmitiu imagens a <strong>uma</strong>distância de 45 quilômetros. Finalmente, em julhode 1930, a NBC, que pertencia ao grupo RCA,iniciou transmissões em caráter experimental. Em31 de julho do a<strong>no</strong> seguinte, foi a vez <strong>da</strong> CBS. Masas transmissões regulares e a ven<strong>da</strong> dos primeirosaparelhos só se iniciaram em 1939.Ao chegar ao <strong>Brasil</strong>, portanto, a TV já existiahavia mais de <strong>uma</strong> déca<strong>da</strong>. Naquele 1950, <strong>no</strong>sEstados Unidos – que tinham lançado a TV a cabodois a<strong>no</strong>s antes –, já havia mais gente assistindotelevisão do que ouvindo rádio, em parte devido aolançamento de um aparelho “popular” pela RCA,quatro a<strong>no</strong>s antes. Os primeiros aparelhos vendidos<strong>no</strong> <strong>Brasil</strong> também eram <strong>da</strong> RCA. A indústriabrasileira ain<strong>da</strong> trabalhava muito com a montagemde kits importados – caso do setor automobilístico.196


O pa<strong>no</strong>rama começou a se modifi car <strong>no</strong> iníciode 1951, quando Bernardo Kocubej a<strong>da</strong>ptou aslinhas de montagem <strong>da</strong> Indústria e Comérciode Rádios Invictus para fabricar televisores.Kocubej, a quem a história <strong>da</strong> indústria eletrônica<strong>no</strong> <strong>Brasil</strong> ain<strong>da</strong> deve maior reconhecimento, tevevisão de futuro e <strong>uma</strong> boa dose de ousadia. ATV era <strong>no</strong>vi<strong>da</strong>de <strong>no</strong> país e, como to<strong>da</strong> <strong>no</strong>vi<strong>da</strong>de,de futuro incerto. Outro fator de risco era aconcorrência dos produtos importados, demarcas tradicionais como Philips e Philco. Maso problema maior talvez fosse outro: na déca<strong>da</strong>de 1950, antes do surto dos a<strong>no</strong>s JK, cerca de70% dos 50 milhões de brasileiros viviam na árearural, o que limitava ain<strong>da</strong> mais o mercado.Ain<strong>da</strong> assim, Kocubej decidiu arriscar. Depoisde importar <strong>uma</strong> linha industrial completa <strong>da</strong>Alemanha, não apenas passou a montar seuspróprios aparelhos como fabricou grande númerode componentes. No início de 1952, ele e osócio Ben<strong>no</strong> Hirschfeld lançaram seu primeiroaparelho <strong>no</strong> mercado, <strong>uma</strong> TV de 17 polega<strong>da</strong>s,com 50% <strong>da</strong>s peças feitas <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong> – um nível denacionalização signifi cativo para a época. O tubode raios catódicos era importado, mas os circuitosde seleção de canais, a amplifi cação, a varredurae o controle de imagens eram de fabricaçãoprópria – e de quali<strong>da</strong>de. No a<strong>no</strong> seguinte, coma produção de um televisor de 21 polega<strong>da</strong>s, comrádio conjugado, o índice de nacionalização atingiuos 75%. O anúncio publicado naquele a<strong>no</strong> nasprincipais revistas do país alardeava: “TV Invictus:<strong>uma</strong> grande vitória <strong>da</strong> indústria brasileira”.Instala<strong>da</strong> na região central de São Paulo, aInvictus funcionava em um sobrado modesto.Uma foto de 1954, <strong>no</strong> entanto, revela mais de300 empregados e colaboradores em frente aoprédio de onde saíram milhares de aparelhos queabasteceram lares brasileiros e se converteram emsímbolo de status, pois, embora mais baratas do queas importa<strong>da</strong>s, as TVs Invictus, ao preço de Cr$ 9mil (<strong>no</strong>ve mil cruzeiros), ain<strong>da</strong> eram caras para ospadrões <strong>da</strong> maioria <strong>da</strong> população, custando três vezesmais que o mais sofi sticado rádio-vitrola do mercado.Na vira<strong>da</strong> de déca<strong>da</strong> de 1960, as maioresempresas multinacionais de eletrônica já estavamto<strong>da</strong>s instala<strong>da</strong>s <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>, mas precisavam competircom dezenas de pequenas e médias montadorasnacionais que, seguindo a trilha <strong>da</strong> Invictus,também se lançaram <strong>no</strong> mercado. Entre os aparelhosde TV feitos por empresas integralmente nacionaisestavam Inelca (lançado em 1955 por <strong>uma</strong> fábricaque também fazia amplificadores e autoramas);ABC, “a Voz de Ouro”; Colorado, que vinha “comreserva de quali<strong>da</strong>de”; Semp, Strauss, Bandeirante eArtel, o “televisor de longo alcance” do engenheiroFalconi. Em 1972, porém, to<strong>da</strong>s essas montadoras– inclusive a Invictus – perderam a sintonia como mercado devido ao advento <strong>da</strong> TV em cores,<strong>uma</strong> tec<strong>no</strong>logia que elas não tinham condiçõesde acompanhar. O golpe defi nitivo na indústriabrasileira de televisores veio com a criação <strong>da</strong> ZonaFranca de Manaus, na qual as grandes montadorasjaponesas, <strong>no</strong>rte-americanas e européias instalaramsenessa mesma época, <strong>da</strong>ndo início à produção emmassa de aparelhos de TV.Televisores Invictus saindo direto <strong>da</strong>fábrica (acima), com peças nacionais,exceto o tubo de catódicos (ao centro).Mas a produção de TVs em cores,na Zona Franca de Manaus (abaixo),mudou o mercado.197


A indústria de brinquedosNos áureos tempos <strong>da</strong> fabricante<strong>da</strong> Monareta, Pelé mostrava quenão era o único que sabia “fazerbicicleta”. As bonecas Estrela eramas mais deseja<strong>da</strong>s e ain<strong>da</strong> hoje fazemo sucesso de <strong>uma</strong> indústria que<strong>no</strong>s a<strong>no</strong>s 2000 oferece cerca de 400produtos diferentes.QUER LUCRAR COMIGO?Nos antigos Natais, as surpresas ficavam por conta<strong>da</strong>s bonecas de pa<strong>no</strong> ou dos carrinhos de madeirafeitos em oficinas modestas. E se alg<strong>uma</strong> criança defamília mais rica tinha sobre sua cama ou ao pé <strong>da</strong>árvore <strong>uma</strong> boneca de porcelana ou um carrinho delata, era porque eles tinham vindo <strong>da</strong> Europa. Foi assimaté 1930, quando enfi m os brinquedos industrializadoscomeçaram a ser feitos <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>.A primeira fábrica brasileira de brinquedosde que se tem registro foi fun<strong>da</strong><strong>da</strong> por FranciscoMatarazzo Sobrinho, conhecido como Ciccillo. AMetalúrgica Matarazzo S/A, a Metalma, começou<strong>no</strong> início dos a<strong>no</strong>s 1930, produzindo trens, jipes,carrinhos e aviões com mecanismo de cor<strong>da</strong>. Ostrens vinham com locomotiva a vapor, tênder, doiscarros de passageiros e um círculo de trilhos.Mas foi a indústria de brinquedos Estrela quecausou furor entre as crianças. Sua história começouem junho de 1937 quando o imigrante alemãoSiegfried Adler adquiriu <strong>uma</strong> fabriqueta de bonecasde pa<strong>no</strong>, her<strong>da</strong>ndo do antigo do<strong>no</strong> o <strong>no</strong>me quemoraria na lembrança de pelo me<strong>no</strong>s duas geraçõesde brasileiros. A Manufatura de Brinquedos EstrellaLt<strong>da</strong> logo expandiu e passou para os brinquedosde madeira, depois de metal e, na déca<strong>da</strong> de 1940,os de plástico. Foi dela o primeiro brinquedo commovimento e som do país, o cachorrinho Mimoso.E se Estrela é sinônimo de brinquedo paraos brasileiros nascidos entre as déca<strong>da</strong>s de 1940e 1980, o mesmo acontece com as marcas Caloie Monark quando o assunto é bicicleta. Em1898, Luigi Caloi desembarcou em São Paulo efundou, <strong>no</strong> mesmo a<strong>no</strong>, com o cunhado Age<strong>no</strong>rPoletti, a Casa Luiz Caloi. As peças usa<strong>da</strong>sforam importa<strong>da</strong>s até 1945 quando, por causa<strong>da</strong> II Guerra, começaram a fabricação própria.Em 1967, a Caloi lançou a Berlineta, o primeiromodelo de bicicleta dobrável do <strong>Brasil</strong> e, em1972, foi a vez de outro sucesso de ven<strong>da</strong>s, aCaloi 10. Em 1999, a família Caloi vendeu amaioria acionária para Edson Vaz Musa.Durante pelo me<strong>no</strong>s duas déca<strong>da</strong>s, a Monark foia principal concorrente <strong>da</strong> Caloi. Cria<strong>da</strong> em 1948,também em São Paulo, chegou a vender dois milhõesde bicicletas por a<strong>no</strong> e teve dez mil funcionários nadéca<strong>da</strong> de 1980. Até que perdeu parte <strong>da</strong> sua forçae passou a ocupar <strong>uma</strong> fatia me<strong>no</strong>r do mercado,mantendo apenas <strong>uma</strong> fábrica <strong>no</strong> interior de SãoPaulo. Ao fechar a uni<strong>da</strong>de de Manaus em 2006, ocomunicado oficial aos seis mil funcionários demitidosdizia que não havia como “competir com os chineses”.Essa competição, aliás, levou à falência muitas outrasindústrias de brinquedos. E fez imperar Natais compresentes ca<strong>da</strong> vez mais “made in China”.198


JK, Jânio e JangoTEMPO INSTÁVELDurante a Era JK, o <strong>Brasil</strong> foi campeão mundialde futebol, inventou a bossa <strong>no</strong>va e o CinemaNovo e viveu seus a<strong>no</strong>s dourados, com muita “matériaplástica”, <strong>no</strong>vos eletrodomésticos, televisores,brinquedos, comi<strong>da</strong>s enlata<strong>da</strong>s e até gols de bicicleta.Mas a inflação e a carestia resultantes do Pla<strong>no</strong> deMetas resultariam <strong>no</strong> surgimento de <strong>uma</strong> candi<strong>da</strong>turasurpreendente: em abril de 1959, o então governadorde São Paulo, Jânio Quadros, foi feito candi<strong>da</strong>to de<strong>uma</strong> chapa que compôs a bizarra coligação entreUDN, PTN, PDC, PR e PL. Com discurso populista etom moralista, Jânio apresentava-se como “o homemdo tostão contra o milhão” que iria “sanear” o país.Em outubro de 1960, recebeu quase 6 milhões devotos (48% do total). Mas sua vitória não foi completaporque, devido à desvinculação dos votos, JoãoGoulart, que fi zera chapa com o general Lott, elegeusevice-presidente. A dobradinha Jan-Jan tinha tudopara <strong>da</strong>r errado. E deu.Em sua campanha, Jânio usara como símbolo<strong>uma</strong> vassoura e o jingle “Varre, varre, varrevassourinha/ Varre, varre, varre a ban<strong>da</strong>lheira/O povo já está cansado/ De viver dessa maneira”.Uma vez <strong>no</strong> poder, revelou-se um tantohistriônico. Jânio governava enviando milhares de“bilhetinhos” (mais de dois mil em 206 dias <strong>no</strong>cargo) a seus assessores.Entre outras medi<strong>da</strong>s, o presidente proibiua propagan<strong>da</strong> em cinemas e as corri<strong>da</strong>s de cavalo“em dias de semana”; regulamentou <strong>no</strong>rmas ehorários para jogos de cartas em clubes e vetoua participação de crianças em programas de TV.Então, em 25 de agosto de 1961 – um dia apóso aniversário de sete a<strong>no</strong>s do suicídio de Vargase após me<strong>no</strong>s de sete meses <strong>no</strong> gover<strong>no</strong> –, oprimeiro presidente a tomar posse em Brasíliaestarrecia a nação ao anunciar sua renúncia.Embora se referisse a “forças terríveis”, Jânionão explicou o que o levara a tomar tal atitude.Pouco antes de morrer, em fevereiro de 1992,ele admitiria que a renúncia fora apenas umblefe: ele achava que sua saí<strong>da</strong> não seriaaceita pela socie<strong>da</strong>de nem pelos militares –já que implicaria a posse do vice, João Goulart.Mas o tiro de Jânio Quadros saiu pela culatrae, embora em meio a turbulências políticas,Goulart tomou posse.Os três Jotas: JK dá posse a Jânioem Brasília, em 31 de janeiro de 1961;à esquer<strong>da</strong> do <strong>no</strong>vo presidente, ovice Jango Goulart. A dobradinhaJan-Jan iria mergulhar o país emcrise institucional.199


Regime de transiçãoFurtado e o Pla<strong>no</strong> Trienal: ministrodo Planejamento de João Goulart, oeco<strong>no</strong>mista Celso Furtado foi à sede<strong>da</strong> <strong>CNI</strong>, ain<strong>da</strong> <strong>no</strong> Rio, para apresentar,em 18 de março de 1963, o chamadoPla<strong>no</strong> Trienal. Na foto, Furtado posaao lado de Haroldo Cavalcanti, entãopresidente <strong>da</strong> <strong>CNI</strong>. Com oito objetivos,o pla<strong>no</strong> fora anunciado em dezembrode 1962, <strong>no</strong> final <strong>da</strong> híbri<strong>da</strong> presidência“parlamentar” de Goulart. O “pacote”de medi<strong>da</strong>s visava combater <strong>uma</strong>inflação de 50% e a que<strong>da</strong> de 4 pontospercentuais <strong>no</strong> PIB. O confronto dogover<strong>no</strong> com o FMI, o crescimento <strong>da</strong>inflação e a crise política redun<strong>da</strong>riamnão só <strong>no</strong> fracasso do pla<strong>no</strong>, mas naque<strong>da</strong> de Jango.POPULISMO EM LINHA DE PRODUÇÃOComo se não bastassem as acusações quehavia a<strong>no</strong>s lhe faziam, <strong>no</strong> momento em queJânio Quadros renunciou, o então vice-presidenteJoão Goulart estava na China Comunista. Emborase tratasse de <strong>uma</strong> visita oficial, eram tempos deGuerra Fria e Jango sempre fora visto como o “líder<strong>da</strong> república sindicalista”. O próprio Jânio pareciacompartilhar dessa opinião e teria tentado o blefe<strong>da</strong> renúncia por achar que nem os militares nem oCongresso entregariam o país “a um louco que iriaincendiá-lo”. A encenação falhou. Mas isso estevelonge de significar que os ministros militares e osconservadores estivessem dispostos a deixar o maisdestacado político do fi nal <strong>da</strong> eraVargas tomar o poder. Mas, além deo Congresso se negar a vetar a possede Jango, o general Augusto Lopes,chefe do III Exército (com sede <strong>no</strong> RioGrande do Sul), instigado pelo entãogovernador gaúcho Leonel Brizola,declarou-se disposto a pegar emarmas para garantir o cumprimento <strong>da</strong>Constituição. A crise foi contorna<strong>da</strong>com a criação de <strong>uma</strong> comissão <strong>no</strong>Congresso que propôs a diminuiçãodos poderes do <strong>no</strong>vo presidente e aadoção de um regime parlamentarista.Jango chegou ao <strong>Brasil</strong> em 31 de agosto de 1961e, <strong>no</strong> aniversário <strong>da</strong> Independência, tomou posse emBrasília. A situação estava parcialmente resolvi<strong>da</strong>.Tancredo Neves foi <strong>no</strong>meado primeiro-ministro do<strong>no</strong>vo regime. Em julho de 1962, Tancredo renuncioue, em janeiro de 1963, um plebiscito deu amplavitória ao presidencialismo (9 milhões de votos)sobre o parlamentarismo (2 milhões). Só então JoãoGoulart virou presidente de fato.A posse não lhe trouxe tranqüili<strong>da</strong>de. Jangoassumia o comando de um país ca<strong>da</strong> vez maispolarizado e inquieto. Constantemente fustigado pelaesquer<strong>da</strong> (que queria reformas imediatas) e peladireita (que temia qualquer avanço social), Jango fi couentre dois fogos. Pelos primeiros, ele era visto comoum “frouxo”; pelos outros, como um “incendiário”.De janeiro a julho de 1963, sob o comando doministro Celso Furtado, Goulart pôs em prática oPla<strong>no</strong> Trienal, baseado em “reformas de base” (leiabox). O Congresso recusou-se a cooperar com oprojeto. Greves estouravam pelo país. Jango – que,embora fosse estancieiro nascido em São Borja (RS),não era o típico caudilho gaúcho – deu <strong>uma</strong> guina<strong>da</strong>à esquer<strong>da</strong>. Para pressionar o Congresso a aprovaras reformas, decidiu realizar um comício-monstro, <strong>no</strong>Rio de Janeiro, em 13 de março de 1964. Ao fazê-lo,decretou o começo do fi m de seu gover<strong>no</strong>.200


Regime de exceçãoO PAÍS EM ORDEM UNIDAOs tambores <strong>da</strong> conspiração já haviam rufado,ruidosos, em 1954. O tiro que rebentou ocoração de Vargas os abafou. Os rumores golpistasvoltaram a ecoar em 1955 e em 1961. Mas só <strong>uma</strong>déca<strong>da</strong> após o suicídio do homem que vislumbravao populismo como o caminho para a reforma social<strong>no</strong> <strong>Brasil</strong> é que seus adversários conseguiramtomar o poder, derrubando João Goulart e LeonelBrizola – herdeiros à esquer<strong>da</strong> de Vargas. O motivo“ofi cial” para a eclosão do golpe de 1964 foi o“espectro do comunismo”. Nas Forças Arma<strong>da</strong>sesse era um sentimento genuí<strong>no</strong>. Mas não foiapenas ele – alimentado pela vertigem estatizantedo gover<strong>no</strong> Goulart – que moveu os articuladoresmilitares e civis.O que se travou <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>, <strong>da</strong> posse (em setembrode 1961) à que<strong>da</strong> (em abril de 1964) de Goulart, foio choque entre duas visões confl itantes <strong>da</strong> políticae, em especial, <strong>da</strong> eco<strong>no</strong>mia. Em vez <strong>da</strong>s “reformasde base” propostas por Jango, o binômio “segurançae desenvolvimento”, sugerido pelos teóricos <strong>da</strong>Escola Superior de Guerra (ESG). Em lugar <strong>da</strong>“república sindicalista”, a concentração de ren<strong>da</strong>, oarrocho salarial e o alinhamento ao grande capitalinternacional. No confronto entre dois modelosdistintos, venceu a “modernização conservadora”proposta pela ESG, com o apoio dos Estados Unidos.Para concretizá-la, foipreciso romper o jogodemocrático e promovero fechamento político –e assim se fez. Chamadode “revolução” durantea<strong>no</strong>s – e festejado como tal<strong>no</strong>s quartéis, até 1997 –,o movimento políticomilitardefl agrado em 31 de março de 1964 foi umgolpe de Estado. Mas não apenas um golpe militar:a socie<strong>da</strong>de civil e o Congresso tiveram participaçãodecisiva nele.A conspiração de 1964, que teve apoiofi nanceiro, logístico e militar dos Estados Unidos,nasceu como um movimento político-militar cujoobjetivo inicial (e supostamente único) era derrubaro gover<strong>no</strong> Goulart. Em tese, a Constituição, aseleições e a “<strong>no</strong>rmali<strong>da</strong>de democrática” seriampreserva<strong>da</strong>s. No dia 27 de outubro de 1965, porém,o primeiro general-presidente, Humberto CasteloBranco – coordenador <strong>da</strong> ação militar que depôsJango –, baixou o Ato Institucional nº 2 (AI-2),sobrepondo-se à Constituição e mergulhando opaís n<strong>uma</strong> genuína ditadura militar. O regime deexceção perduraria por 20 a<strong>no</strong>s, e só <strong>da</strong>li a 21 umcivil voltaria à Presidência.Os presidentes de far<strong>da</strong>: acima,Castelo Branco (em pé), Costa e Silva(junto a ele) e Ernesto Geisel (à frente)desfilam pelas ruas de Porto Alegre,em abril de 1964, já vitoriosos. Abaixo,João Baptista Figueiredo, o último dosgenerais a ocupar o poder.201


A fun<strong>da</strong>ção do IELO ato de criação: reunidos nasede <strong>da</strong> <strong>CNI</strong>, <strong>no</strong> Rio, em janeiro de1969, o presidente <strong>da</strong> <strong>CNI</strong>, ThomásPompeu de Souza (sentado), assina odocumento que formalizou a criaçãodo IEL, na presença do primeirodiretor geral <strong>da</strong> enti<strong>da</strong>de, JorgeBhering de Mattos, e dos diretoresnacionais do SENAI e do SESI.UM BRILHO NOS ANOS DE CHUMBOOs a<strong>no</strong>s 1940 foram marcados por <strong>uma</strong>série de confrontos ideológicos. De certaforma, eles pareceram ter se refl etido <strong>no</strong> abismoexistente entre o mundo acadêmico e os cursosprofi ssionalizantes. De um lado, estava o SENAI,fun<strong>da</strong>do em 1942, para formar mão-de-obraespecializa<strong>da</strong>. De outro, a Fun<strong>da</strong>ção GetúlioVargas, cria<strong>da</strong> em 1944, para preparar gestoressegundo o modelo <strong>no</strong>rte-america<strong>no</strong>. Ambas asenti<strong>da</strong>des surgiram para fomentar o crescimento<strong>da</strong> indústria. Mas, <strong>no</strong>s vinte a<strong>no</strong>s que se seguiram,elas não foram capazes de suprir <strong>uma</strong> lacuna: erapreciso estimular universitários e intelectuais atomarem contato com a prática industrial.Foi dentro desse quadro que, em 1968, começoua nascer o que viria a ser o Instituto Euvaldo Lodi,o IEL. Delinea<strong>da</strong> por um grupo de empresários,a proposta fun<strong>da</strong>mentava-se na parceria entreindústrias e universi<strong>da</strong>des. Os idealizadores seinspiraram <strong>no</strong> modelo desenvolvimentista america<strong>no</strong>– o Vale do Silício, por exemplo, atuava em conjuntocom a Universi<strong>da</strong>de de Stanford. Contudo, elesteriam também <strong>uma</strong> motivação político-social.Afi nal, 1968, turbulento em todo o Ocidente,<strong>no</strong> <strong>Brasil</strong> passaria à história como “o a<strong>no</strong> que nãotermi<strong>no</strong>u”, pois em 13 de dezembro foi assinadoo AI-5, ato institucional que mergulhou o paísn<strong>uma</strong> genuína ditadura militar. Os ânimos estavamefervescentes e as passeatas estu<strong>da</strong>ntis tomavam asruas: em abril ocorrera a passeata dos Cem Mil e emoutubro a polícia acabara com o congresso <strong>da</strong> UNE.Somava-se a isso o fato de a <strong>CNI</strong> fazer partede um grupo de trabalho constituído, naquelea<strong>no</strong>, pelo Ministério <strong>da</strong> Educação (MEC) paraformatar a Reforma Universitária. Durante ofórum que buscava incentivos para o projeto, a<strong>CNI</strong> sugeriu que a indústria poderia cooperar emprogramas universitários de pesquisa científi ca etec<strong>no</strong>lógica e também promover estágios dentro202


<strong>da</strong>s empresas. Foi o estímulo para pôr em práticaa interação universi<strong>da</strong>de-indústria.Então, a 29 de janeiro de 1969 – um mês emeio após o AI-5 –, o IEL deixou de ser projetoe entrou em produção. A soleni<strong>da</strong>de ofi cial defun<strong>da</strong>ção foi na sede <strong>da</strong> <strong>CNI</strong> <strong>no</strong> Rio de Janeiro,muito próximo de onde se dera a passeata dos CemMil, e ali foi empossado o primeiro diretor-geral <strong>da</strong>enti<strong>da</strong>de: Jorge Bhering de Mattos, presidente <strong>da</strong>Bhering Socie<strong>da</strong>de Alimentícia e um dos maioresentusiastas <strong>da</strong> parceria indústria-universi<strong>da</strong>de.Se o quadro político era conturbado, o cenárioeconômico se mostrava de tal forma otimista que oentão ministro <strong>da</strong> Eco<strong>no</strong>mia Delfi m Netto sentia-seà vontade para declarar: “Dêem-se um a<strong>no</strong> e vos<strong>da</strong>rei <strong>uma</strong> déca<strong>da</strong>”. Parecia o momento ideal paraestruturar <strong>uma</strong> enti<strong>da</strong>de que, sob o patrocínio <strong>da</strong>indústria, incentivasse os jovens talentos a engajarseem um futuro altamente tec<strong>no</strong>lógico.Junto com o SESI e o SENAI, o IEL veioconstituir o chamado Sistema Indústria, encabeçadopela <strong>CNI</strong>. Um a<strong>no</strong> após sua criação, o IEL jácontabilizava, além do Núcleo Central, com sede <strong>no</strong>Rio, 17 Núcleos Regionais. Ca<strong>da</strong> um funcionava juntoàs Federações de Indústrias do respectivo estado,sob orientação do órgão central. Desde o início, oestágio tor<strong>no</strong>u-se o símbolo e o elemento primordial<strong>da</strong> enti<strong>da</strong>de e, em 1974, o Programa de TreinamentoProfi ssional (como foi chamado o projeto estágio),já beneficiava <strong>no</strong>ve mil estu<strong>da</strong>ntes universitários.Mesmo assim, a missão do IEL foi considera<strong>da</strong> porseus integrantes como “árdua e lenta”. Isso porque,além de investir <strong>no</strong>s universitários, foi precisoeducar os industriais para abrir-lhesespaço em suas empresas.Aliar o idealismo universitárioao pragmatismo industrial de fatonão era tarefa fácil. Apesar <strong>da</strong>sdificul<strong>da</strong>des, o IEL não tar<strong>da</strong>ria a setransformar em referência nacionalde empreendedorismo. Além dosestágios, a instituição desde o seuinício oferecia cursos integradosem parceria com o MEC. Depoisvieram as pesquisas, as publicações,os intercâmbios com enti<strong>da</strong>des governamentais einstituições de ensi<strong>no</strong> nacionais e internacionais. Em1975, a <strong>no</strong>va diretoria propôs transformar o IEL numcentro de altos estudos, capaz de refletir e antecipartendências para o meio industrial. A proposta teveampla aceitação e, a partir <strong>da</strong>í, a enti<strong>da</strong>de começoua se aproximar do que é atualmente.Com a chega<strong>da</strong> dos a<strong>no</strong>s 1980 – a chama<strong>da</strong>déca<strong>da</strong> perdi<strong>da</strong> –, o programa de estágios tor<strong>no</strong>u-sesecundário na escala de priori<strong>da</strong>des <strong>da</strong>s indústriase o IEL não escapou <strong>da</strong> crise. Mas ela durou poucoe logo sua missão voltou a ser cumpri<strong>da</strong> na íntegra:“Promover o desenvolvimento e a modernização <strong>da</strong>sinstituições brasileiras, com ênfase <strong>no</strong>s segmentosindustriais, sustentados na capacitação tec<strong>no</strong>lógica,na modernização empresarial e gerencial, natransferência de informação e conhecimento entreos setores produtivo e educacional e na melhoria <strong>da</strong>quali<strong>da</strong>de de vi<strong>da</strong>”. Afi nal, o <strong>Brasil</strong> dos grandesempresários e <strong>da</strong>s grandes empreiteiras tinhaacabado de entrar na Era Nuclear.Tendo, de início, <strong>da</strong>do o seu apoioao movimento militar de 1964, a<strong>CNI</strong> pôde, em geral, contar com aanuência dos generais-presidentes.Na imagem acima, Humberto deAlencar Castelo Branco discursana sede <strong>da</strong> <strong>CNI</strong>, ao lado de ThomásPompeu de Souza, na I Reunião deIncentivo ao Desenvolvimento <strong>da</strong>Amazônia. Quando <strong>da</strong> criação doIEL, Castelo Branco já havia sidosucedido pelo também general Artur<strong>da</strong> Costa e Silva.203


Estado empresárioPara ocupar a posição de líderna construção de hidrelétricas eparticipar do programa nuclearbrasileiro, a Odebrecht associou-se aempresas <strong>no</strong>rte-americanas, envioutécnicos e engenheiros à Alemanhae ao Irã e fortaleceu sua presença<strong>no</strong> setor energético. O resultado foia conquista <strong>da</strong>s obras civis <strong>da</strong> Usinade Angra I e de Angra II, um feitoalardeado <strong>no</strong> anúncio veiculado em1975 na revista Manchete (acima).Atualmente, a Odebrecht é líder <strong>no</strong>snegócios de engenharia e construçãoe de química e petroquímica naAmérica Latina. Ampliou seu campode ação e atua também <strong>no</strong>s setoresde açúcar e álcool, infra-estruturae serviços públicos, e engenhariaambiental. Na realização de obraspúblicas atua não só <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>, mastambém <strong>no</strong> Peru e em Portugal.O BRASIL EMPREITEIROApós a construção de Brasília, a déca<strong>da</strong> quese estende de 1969 a 1979 entrará para ahistória como aquela na qual foram feitas as maissignifi cativas obras de infra-estrutura do país. Naselva de pedra do “<strong>Brasil</strong> empreiteiro”, amplasrodovias apontaram o caminho, aeroportos abriramsuas pistas, túneis rasgaram montanhas, e<strong>no</strong>rmespontes venceram os rios e até o mar. Mas se oEstado virou empresário, a iniciativa priva<strong>da</strong> nãodeixou de lucrar. Construir um “país que vai parafrente” foi <strong>uma</strong> árdua mas rentável tarefa delega<strong>da</strong>a construtoras particulares. Na chama<strong>da</strong> “Déca<strong>da</strong><strong>da</strong>s Tec<strong>no</strong>logias Especiais”, as obras públicas degrande porte concentraram-se nas planilhas dequatro construtoras: Odebrecht, Camargo Corrêa,Mendes Júnior e Andrade Gutierrez.A Odebrecht é a mais antiga delas. Sua históriacomeça com a chega<strong>da</strong> do alemão Emil Odebrechtao <strong>Brasil</strong> em 1856. Engenheiro formado pelaUniversi<strong>da</strong>de de Greifswald, na Prússia, Emilestabeleceu-se em Santa Catarina, participou <strong>da</strong>construção de estra<strong>da</strong>s <strong>no</strong> Sul do <strong>Brasil</strong> e infl uencioudiretamente muitos de seus descendentes. Emespecial, seu neto Emílio. Emílio Odebrechtacompanhou o avô em serviços <strong>da</strong> rede telegráfi ca doRio de Janeiro e, em 1914, aos 20 a<strong>no</strong>s, mudou-separa a então capital federal onde, por intermédio doprimo Emílio Baumgart, foi trabalhar na CompanhiaConstrutora em Cimento Armado.A empresa pertencia ao alemão LambertRiedlinger, que chegara ao <strong>Brasil</strong> em 1911 trazendoconsigo a técnica de construção do concretoarmado, já adianta<strong>da</strong> em seu país. Como empregado<strong>da</strong> companhia de Riedlinger, Emílio Odebrechtparticipou <strong>da</strong> construção em concreto armado <strong>da</strong>ponte Mauricio de Nassau, <strong>no</strong> Recife, e mudou-separa lá, fun<strong>da</strong>ndo sua primeira construtora, a IsaacGondim e Odebrecht Lt<strong>da</strong>. Em 1926, já como únicodo<strong>no</strong> <strong>da</strong> empreiteira, Emílio transferiu-se paraSalvador, a ci<strong>da</strong>de na qual ergueria um ver<strong>da</strong>deiroimpério do concreto armado.Com sua rapidez, eco<strong>no</strong>mia e durabili<strong>da</strong>de,o concreto armado revolucio<strong>no</strong>u a construçãocivil. E ofereceu tudo o que as obras públicasprecisavam. Nos a<strong>no</strong>s 1960, Norberto Odebrecht,fi lho de Emílio, assumiu e expandiu os negócios.Sob sua direção, na déca<strong>da</strong> de 1970, a empresa foiresponsável por na<strong>da</strong> me<strong>no</strong>s do que a construçãodo campus <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de do Estado do Riode Janeiro, do edifício-sede <strong>da</strong> Petrobras (naépoca, a maior estrutura mo<strong>no</strong>lítica <strong>da</strong> AméricaLatina), <strong>da</strong> Usina Nuclear de Angra e do AeroportoInternacional do Galeão. Enquanto os prédiosdo Galeão eram construídos pela Odebrecht, a204


terraplenagem <strong>da</strong> pista fi cava a cargo de <strong>uma</strong>especialista em estra<strong>da</strong>s: a Camargo Corrêa.A empreiteira que surgiu em 1936, <strong>da</strong> parceriaentre Sebastião Camargo e Sylvio Corrêa, nasceuem São Paulo com capital de 200 contos de réis. Em1940, depois de fechar seu primeiro grande contrato,com o Departamento de Estra<strong>da</strong>s de Ro<strong>da</strong>gem deSão Paulo, não parou mais de abrir seus caminhos.Construiu túneis e estra<strong>da</strong>s como a Via Anchieta e aRodovia Fernão Dias, foi chama<strong>da</strong> para pavimentarruas e construir aveni<strong>da</strong>s em Brasília, ergueuviadutos na rodovia Castelo Branco e foi <strong>uma</strong> <strong>da</strong>sempreiteiras encarrega<strong>da</strong>s de construir a maiorponte do mundo na época: a Rio–Niterói.Ao lado <strong>da</strong> Camargo Corrêa na empreita<strong>da</strong> <strong>da</strong>ponte Rio–Niterói – inaugura<strong>da</strong> em 24 de março de1974 com seus mais de 13 quilômetros, 103 pilarese 70 metros de altura – estava, além <strong>da</strong> construtoraRabelo, outra empresa especializa<strong>da</strong> em assinarobras de gover<strong>no</strong>s federais: a Mendes Júnior.A porta de entra<strong>da</strong> <strong>da</strong> Mendes Júniorna construção de grandes obras foi a UsinaHidrelétrica de Furnas (leia p. 186). Fun<strong>da</strong><strong>da</strong> em1953 pelo engenheiro mineiro Murillo Mendes– que já havia participado <strong>da</strong> construção deestra<strong>da</strong>s <strong>no</strong> Rio Grande do Sul –, a Mendes Júniorsó havia se envolvido com obras de peque<strong>no</strong> emédio porte até descobrir Furnas. Mas não foisó com Jusceli<strong>no</strong> Kubitschek que a empresaprosperou. No Gover<strong>no</strong> Médici, através do Pla<strong>no</strong><strong>Nacional</strong> de Desenvolvimento (PND), a construtorafoi convi<strong>da</strong><strong>da</strong> a participar de <strong>uma</strong> <strong>da</strong>s “obrasfaraônicas” <strong>da</strong> época, a Transamazônica. O projetoatolou na selva, mas a Mendes Júnior acrescentouao seu currículo 646 dos 1.260 quilômetrosabertos na primeira etapa.A Andrade e Gutierrez não foi me<strong>no</strong>sparticipativa do que suas congêneres. Cria<strong>da</strong> emsetembro de 1948 por Flávio Gutierrez e os irmãosGabriel e Roberto Andrade, começou realizandopeque<strong>no</strong>s serviços de urbanização na capitalmineira. Até que, na déca<strong>da</strong> de 1950, ganhou aconcorrência para construir a rodovia que ligaria oRio de Janeiro a Belo Horizonte, a atual BR-040.Foi só o marco inicial de <strong>uma</strong> trajetória que teriaain<strong>da</strong> a construção <strong>da</strong> estra<strong>da</strong> Manaus-Porto Velho,<strong>da</strong> rodovia Castelo Branco, de parte do Metrô deSão Paulo, <strong>da</strong> hidrelétrica de Itaipu e, na déca<strong>da</strong> de1980, do aeroporto de Confi ns em Belo Horizonte.Atualmente, o lucro <strong>da</strong> Andrade e Gutierrez, <strong>da</strong>Odebrecht, <strong>da</strong> Camargo Corrêa e <strong>da</strong> Mendes Júniorse mantém tão concreto quanto suas obras.No início <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de 1960, o <strong>Brasil</strong>pensou em adquirir um reator nuclear<strong>da</strong> França. Mas as negociaçõesnão foram adiante e, em 1965, opaís assi<strong>no</strong>u um acordo com aWestinghouse, dos Estados Unidos,para a obtenção do seu primeiroreator, o que aconteceu apenasem 1971. Em 1976, <strong>no</strong>vo acordo foiassinado, dessa vez com a Alemanha,para a compra de dez reatores. Aconstrução de Angra I (acima) foiinicia<strong>da</strong> em 1972, mas a primeirareação em cadeia só se deu dez a<strong>no</strong>sdepois. A usina entrou em operaçãocomercial em 1985 e desde então jágerou mais de 40 milhões de MWh.205


O Pró-ÁlcoolEnquanto o Pro-Álcool movimentavaos automóveis do <strong>Brasil</strong> eincrementava o plantio <strong>da</strong> cana-deaçúcar,outra cultura ganhava força epoder. A partir de 1970, a soja (Glycinemax – acima) começou a ser planta<strong>da</strong>seguindo o modelo <strong>da</strong> mo<strong>no</strong>culturaextensiva e mecaniza<strong>da</strong>. A técnica deuorigem a um <strong>no</strong>vo setor e a <strong>uma</strong> <strong>no</strong>vaindústria, o “agronegócio” – e de altalucrativi<strong>da</strong>de, pois não dependia demão-de-obra assalaria<strong>da</strong>. A expansão<strong>da</strong> cultura <strong>da</strong> soja se deu pela“expansão <strong>da</strong> fronteira agrícola” emdireção à Amazônia. E de 1,5 milhãode tonela<strong>da</strong>s em 1970, a produçãoanual passou para 15 milhões detonela<strong>da</strong>s em 1979. A revoluçãosocioeconômica e tec<strong>no</strong>lógicaprotagoniza<strong>da</strong> pela soja pode sercompara<strong>da</strong> ao que ocorreu com acana-de-açúcar, <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong> Colônia,e com o café, <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong> Império/República, que, em épocas diferentes,reinaram <strong>no</strong>s portos nacionais comoos principais produtos de exportação.UMA INDÚSTRIA MOVIDA A CANAOmesmo produto agrícola que alimentouos engenhos açucareiros do <strong>Brasil</strong> foi amatéria-prima de <strong>uma</strong> mu<strong>da</strong>nça radical naindústria automobilística nacional. A partir de1975, o eta<strong>no</strong>l (álcool etílico), produto obtidopreferencialmente <strong>da</strong> cana-de-açúcar, fez giraro motor de milhões de veículos.A troca <strong>da</strong> gasolina pelo álcool foi deriva<strong>da</strong> de<strong>uma</strong> crise mundial do petróleo que elevou o preçodos barris importados. Como alternativa, o Gover<strong>no</strong>Geisel criou o Programa <strong>Nacional</strong> do Álcool, ou Pro-Álcool, pelo decreto n° 76.593, de 14 de <strong>no</strong>vembrode 1975, que determinava que “a produção doálcool oriundo <strong>da</strong> cana-de-açúcar, <strong>da</strong> mandioca oude qualquer outro insumo deve ser incentiva<strong>da</strong> pormeio <strong>da</strong> expansão <strong>da</strong> oferta de matérias-primas, comespecial ênfase <strong>no</strong> aumento <strong>da</strong> produção agrícola, <strong>da</strong>modernização e ampliação <strong>da</strong>s destilarias existentese <strong>da</strong> instalação de <strong>no</strong>vas uni<strong>da</strong>des produtoras,anexas a usinas ou autô<strong>no</strong>mas, e de uni<strong>da</strong>desarmazenadoras”. Como o custo para plantar canade-açúcarera bastante inferior ao de outras culturas,ela foi a que mais se desenvolveu.O Pro-Álcool foi idealizado pelo físico JoséWalter Bautista Vi<strong>da</strong>l e pelo engenheiro Urba<strong>no</strong>Ernesto Stumpf – que fi caria conhecido como o “paido motor a álcool”. Nos primeiros carros, o álcoolanidro era misturado à gasolina, mas a partir de1978 vieram os modelos movidos somente a eta<strong>no</strong>l.O Programa fez saltar a produção de 600milhões de litros de álcool ao a<strong>no</strong> (1975-76) para3,4 bilhões (1979-80). Isso gerou me<strong>no</strong>s dezmilhões de automóveis a gasolina ro<strong>da</strong>ndo <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>e diminuiu consideravelmente a dependência dopaís ao petróleo importado.Foi na déca<strong>da</strong> de 1990, quando o preço doaçúcar aumentou <strong>no</strong> mercado internacional –e o do petróleo baixou –, que o Pro-Álcool ruiu.Como para os usineiros tor<strong>no</strong>u-se mais vantajosoproduzir açúcar <strong>no</strong> lugar de álcool, o produtocomeçou a faltar <strong>no</strong>s postos. Com a crise doabastecimento, o me<strong>no</strong>r preço <strong>da</strong> gasolina e aentra<strong>da</strong> dos automóveis importados, os modelosmovidos a álcool deixam de ser fabricados.Mas na aurora do <strong>no</strong>vo milênio, o eta<strong>no</strong>l voltaa entrar em cena, agora através <strong>da</strong> tec<strong>no</strong>logia dobicombustível, ou sistema “fl e x f u el ”. Em temposde alternativas auto-sustentáveis, a opção aparececomo <strong>uma</strong> solução para um mundo melhor e me<strong>no</strong>sdependente de um recurso natural não-re<strong>no</strong>vável.Tanto que, <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>, de acordo com a Associação<strong>Nacional</strong> dos Fabricantes de Veículos, as ven<strong>da</strong>sde carros “fl e x” já ultrapassaram as dos movidossomente a gasolina.206


Meio século de <strong>CNI</strong>EM CONEXÃO COM O BRASILComo os demais segmentos <strong>da</strong>s chama<strong>da</strong>s“classes produtoras”, a <strong>CNI</strong>, em <strong>no</strong>me <strong>da</strong>indústria nacional, apoiou o movimento militarque, em 31 de março de 1964, destituiu JoãoGoulart. Haroldo Cavalcanti (que assumira em 26de outubro de 1962) já havia deixado a presidência<strong>da</strong> enti<strong>da</strong>de <strong>uma</strong> semana antes do golpe. Em 10 deabril, <strong>uma</strong> junta governativa assumiu, pela terceiravez na história, o comando <strong>da</strong> <strong>CNI</strong>, declarandoque “o objetivo <strong>da</strong> indústria é o de colaborar com opatriótico gover<strong>no</strong> do marechal Castelo Branco, paraque os altos objetivos <strong>da</strong> revolução de 31 de marçosejam plenamente alcançados com a retoma<strong>da</strong> dodesenvolvimento nacional”.A 15 de <strong>no</strong>vembro de 1964, <strong>no</strong> 75º aniversário<strong>da</strong> proclamação <strong>da</strong> República, Edmundo de MacedoSoares tor<strong>no</strong>u-se o quinto presidente em 26 a<strong>no</strong>s deexistência <strong>da</strong> <strong>CNI</strong>. Além de ser um velho conhecidodo movimento industrialista, pois fora um dosprincipais artífices <strong>da</strong> CSN, Soares era militar epresidia o Instituto <strong>Brasil</strong>eiro de Siderurgia. Naquelemesmo a<strong>no</strong>, assumiu a presidência <strong>da</strong> FIESP. Emmaio de 1968, acertou a ven<strong>da</strong> <strong>da</strong> FNM à AlfaRomeo italiana e foi acusado de “entreguista”.Renunciou à presidência <strong>da</strong> <strong>CNI</strong> em 14 de outubro,para seguir apenas como Ministro <strong>da</strong> Indústria eComércio, cargo que assumira em março de 1967.Quem o substituiu foi o cearense ThomásPompeu de Souza que, em sua terra natal, haviapresidido por 15 a<strong>no</strong>s a Federação <strong>da</strong>s Indústrias eo Sindicato <strong>da</strong>s Indústrias de Fiação e Tecelagem(<strong>da</strong>ndo seqüência à longa tradição familiar, poisem 1904 seu avô fun<strong>da</strong>ra a Fábrica de TecidosProgresso, marco na industrialização do Ceará).Pompeu fi cou por dez a<strong>no</strong>s à frente <strong>da</strong> <strong>CNI</strong>. Emsua gestão se realizou a III Conclap. Em outubrode 1977, ele cedeu lugar a Domício Velloso <strong>da</strong>Silveira, também ligado ao ramo têxtil.Silveira, que já presidira a <strong>CNI</strong> em 1962,formulou o Programa de DesenvolvimentoIntegrado <strong>da</strong>s Enti<strong>da</strong>des <strong>da</strong> Indústria (Prodin),que remodelou a estrutura <strong>da</strong> enti<strong>da</strong>de. Deixou ocargo em 1980. Caberia ao sergipa<strong>no</strong> Alba<strong>no</strong> doPrado Franco presidir a <strong>CNI</strong> ao longo do processode redemocratização do país. Igualmente ligado àindústria têxtil, além de usineiro, Franco elegeusesenador pelo PDS, partido de apoio do gover<strong>no</strong>,dois a<strong>no</strong>s depois de assumir a <strong>CNI</strong>. Mas em 1984,quando se iniciou a campanha Diretas-Já, a <strong>CNI</strong>ouviu os candi<strong>da</strong>tos civis à presidência e Alba<strong>no</strong>Franco declarou-se favorável às diretas. TancredoNeves acabaria eleito de forma indireta – só quequem assumiu o cargo foi José Sarney, cujo gover<strong>no</strong>lançou o Pla<strong>no</strong> Cruzado, logo apoiado pela <strong>CNI</strong>.Fun<strong>da</strong><strong>da</strong> durante o Estado Novo, a <strong>CNI</strong>completaria seu cinqüentenário em1988, com o <strong>Brasil</strong> se encaminhando<strong>no</strong>vamente para a plenitudedemocrática, após as i<strong>da</strong>s e vin<strong>da</strong>s <strong>da</strong>política. Ao longo do primeiro meioséculode sua existência, a enti<strong>da</strong>deacompanhou to<strong>da</strong>s as transformaçõesvivi<strong>da</strong>s pelo país: a que<strong>da</strong> de Vargasem 1945, os quatro a<strong>no</strong>s do gover<strong>no</strong>Dutra, a volta de Vargas <strong>no</strong>s braços dopovo e seu dramático suicídio, a possede JK, a renúncia de Jânio, o turbulentogover<strong>no</strong> de Jango, que redundouem 20 a<strong>no</strong>s de ditatura militar, aeleição indireta e a morte de TancredoNeves que conduziu José Sarney àpresidência. Foram oito os presidentes<strong>da</strong> <strong>CNI</strong> nesses movimentos 50 a<strong>no</strong>s:Euvaldo Lodi (1938-1954), AugustoViana dos Santos (54-56), Lídio Lunardi(56-62), Domício Velloso <strong>da</strong> Silveira(62), Haroldo Correia Cavalcanti(62-64), Edmundo Macedo Soares(64-68), Thomás Pompeu de Souza(68-77), <strong>no</strong>vamente Domício Velloso<strong>da</strong> Silveira (77-80) e Alba<strong>no</strong> Franco,que assumiu <strong>no</strong> dia 15 de outubro de1980 e permaneceu à frente <strong>da</strong> <strong>CNI</strong> atédezembro de 1994. Nas fotos acima,Edmundo Macedo Soares (à esquer<strong>da</strong>)e Thomás Pompeu de Souza.207


O Pla<strong>no</strong> CruzadoDe todos os pacotes econômicoslançados pelos gover<strong>no</strong>s republica<strong>no</strong>s,o Pla<strong>no</strong> Cruzado foi aquele que maisesperanças deu aos “brasileiros ebrasileiras”. O pla<strong>no</strong> foi como o cartão deapresentação de José Sarney ao <strong>Brasil</strong>.Embora militasse há a<strong>no</strong>s na política,ele era pouco conhecido <strong>no</strong> Sudeste ou<strong>no</strong> Sul – e ninguém, possivelmente nemele próprio, imaginava que se tornaria oprimeiro presidente civil após 20 a<strong>no</strong>sde ditadura. Até porque Sarney vinha <strong>da</strong>UDN, <strong>da</strong> Arena e do PDS – de AntônioCarlos Magalhães e Jarbas Passarinho,com ele na foto abaixo –, partidos <strong>da</strong>sustentação política aos militares.SARNEY E SEUS FISCAISApesar de sufi cientemente vacinados contrapla<strong>no</strong>s antiinfl acionários milagrosos quelhes permitiriam dormir <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong> e acor<strong>da</strong>r naSuíça, os brasileiros tiveram motivos extras paraacreditar que, <strong>da</strong>quela vez, seria diferente. Em28 de fevereiro de 1986, o presidente José Sarneyserviu-se de <strong>uma</strong> cadeia de rádio e televisão paraanunciar a mais radical mu<strong>da</strong>nça na eco<strong>no</strong>mia<strong>no</strong>s últimos a<strong>no</strong>s: o Pla<strong>no</strong> Cruzado. O combalidocruzeiro, privado dos três zeros inúteis que tinhaà direita, foi substituído pelo cruzado, que nasciacomo a <strong>no</strong>va moe<strong>da</strong> “forte” nacional. Os preços eo câmbio foram congelados, o mesmo ocorrendocom aluguéis; as prestações, que começaram asofrer a chama<strong>da</strong> “defl ação”, eram calcula<strong>da</strong>spor meio <strong>da</strong> “tablita”. Os salários, é claro, foramigualmente congelados, massó após terem sido reajustadospelo valor médio dos últimosseis meses. Quando a infl açãoultrapassasse os 20%, seriaautomaticamente disparadoo “gatilho salarial”, quereajustaria os salários nessemesmo percentual. O pla<strong>no</strong>pareceu satisfazer os anseios<strong>da</strong> população.Tanto é que, servindo-se largamente dobordão “brasileiras e brasileiros”, o presidenteconseguiu convencer o povo a se engajar nacruza<strong>da</strong> econômica, a ponto de logo surgir a fi gurados “fi scais do Sarney”. Por mais burlesca queacabasse se revelando, foi a primeira manifestaçãocoletiva de defesa dos direitos do consumidor e deexercício ple<strong>no</strong> <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia ocorri<strong>da</strong> <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>.Mas, capitaneado pelo ministro <strong>da</strong> Fazen<strong>da</strong>,Dílson Funaro, e pelos eco<strong>no</strong>mistas ligados ao PMDBque o urdiram em segredo, o Pla<strong>no</strong> Cruzado logocomeçou a revelar sua fragili<strong>da</strong>de. O congelamento,com a conseqüente corri<strong>da</strong> ao consumo, acarretoudois problemas: a que<strong>da</strong> na produção, que levou aoaumento excessivo <strong>da</strong>s importações, provocando umpreocupante desequilíbrio <strong>da</strong> balança comercial,e o surgimento do ágio, quantia cobra<strong>da</strong> “por fora”para quem quisesse ter acesso aos produtos quea indústria não conseguia produzir na quantianecessária e o comércio não expunha à ven<strong>da</strong>.Ao irem às urnas em julho de 1984, os“brasileiros e brasileiras” conferiram <strong>uma</strong>esmagadora vitória ao PMDB, convencidos peloaparente sucesso do Cruzado. Passado o pleito,o aumento de tarifas e impostos ressuscitou opesadelo <strong>da</strong> infl ação. O cruzado fora apenas <strong>uma</strong>nuvem passageira.208


O Pla<strong>no</strong> CollorO PAÍS SE ABRE, A INDÚSTRIA SE RETRAICom o braço erguido e o punho em riste,o jovem e impetuoso político alagoa<strong>no</strong>irrompeu na cena política altivo e ativo como <strong>uma</strong>espécie de Indiana Jones, e foi logo apeli<strong>da</strong>dode “caçador de marajás”. Quando FernandoCollor de Mello surgiu, ninguém sabia direito deonde ele viera, mas todos logo souberam que elehavia chegado – e onde queria chegar. No iníciode 1989, Collor fundou o minúsculo Partido <strong>da</strong>Re<strong>no</strong>vação <strong>Nacional</strong> (PRN) e se lançou candi<strong>da</strong>toà presidência. Descendente de <strong>uma</strong> família depolíticos de projeção – cujo <strong>no</strong>me mais importanteera seu avô mater<strong>no</strong> Lindolfo Collor (que poucoo infl uenciou) –, ele já havia sido prefeito(indicado) de Maceió, deputado federal bemvotado e governador (eleito) de Alagoas. Quandoocupava aquele cargo, desferiu violentos ataquesao gover<strong>no</strong> “conservador” de José Sarney eadquiriu <strong>no</strong>torie<strong>da</strong>de nacional ao iniciar pretensacampanha contra os altos salários de funcionáriospúblicos alagoa<strong>no</strong>s, os chamados “marajás”.Jovem (39 a<strong>no</strong>s), bem-apessoado e dinâmico,com um discurso “pós-moder<strong>no</strong>” de teorneoliberal, Collor, que subia aos palanques paraesbravejar contra os “privilégios <strong>da</strong>s elites”,acabou por conquistá-las de vez. Talvez porquenão lhes restasse outra opção.Após surpreendente votação <strong>no</strong>primeiro tur<strong>no</strong>, Collor passou para osegundo tendo como adversário LuizInácio Lula <strong>da</strong> Silva, o “amedrontador”candi<strong>da</strong>to do PT. Collor obteve 51,5%dos votos contra 48,5% de Lula e, em18 de dezembro de 1989, tor<strong>no</strong>u-se oprimeiro presidente eleito pelo voto direto desdeJânio Quadros. Mas em 15 de março de 1990,um dia após a posse, o gover<strong>no</strong> Collor bloqueouvirtualmente todo o dinheiro depositado <strong>no</strong>s bancosdo <strong>Brasil</strong>, em <strong>no</strong>me do “Pla<strong>no</strong> Collor”, elaboradopela ministra Zélia Cardoso de Mello. Foi <strong>uma</strong> <strong>da</strong>smais brutais intervenções <strong>no</strong>s direitos civis dosbrasileiros – e o começo do fi m do gover<strong>no</strong> Collor.Envolto em <strong>uma</strong> série de acusações de corrupção– de início centra<strong>da</strong>s em seu tesoureiro de campanha,P.C. Farias, mas logo expandi<strong>da</strong>s à cúpula dogover<strong>no</strong> –, Collor acabaria escorraçado do poderpor meio de um impeachment. Mas ao longo de seusdois a<strong>no</strong>s e meio <strong>no</strong> gover<strong>no</strong>, ele abriu a eco<strong>no</strong>mia dopaís para importações e investimentos estrangeiros,o que forçou a indústria nacional a investir emmodernização, quali<strong>da</strong>de e <strong>no</strong>vos produtos. Alémdisso, por vias transversas, Collor propiciaria <strong>uma</strong>guina<strong>da</strong> na história do <strong>Brasil</strong>. Ela se concretizoucom a posse de Itamar Franco, em fi ns de 1992.O arauto <strong>da</strong>s mu<strong>da</strong>nças: <strong>uma</strong> vez<strong>no</strong> poder, Fernando Collor (na foto,ao lado <strong>da</strong> mulher, Rosane, em vôodurante a campanha presidencialde 1989) acabaria provocando umgrande processo de reestruturaçãointerna nas indústrias nacionais, aoabrir o mercado para as importações.As empresas brasileiras dispostasa competir tiveram que rever seusmétodos administrativos, reduzir oscustos de gerenciamento e terceirizarcertas ativi<strong>da</strong>des, além de investir naautomação e aumentar a produtivi<strong>da</strong>de.209


O Pla<strong>no</strong> RealItamar Franco nasceu em junhode 1930, a bordo de um navio <strong>da</strong>Companhia de Navegação Costeiraque ia do Rio para a Bahia – por isso,como o dos navios, seu <strong>no</strong>me começacom “Ita”. Seu pai morreu jovem eItamar teve infância pobre. Formou-seem engenharia eletrotécnica em 1954.Perdeu sua primeira eleição, em 1958(vereador em Juiz de Fora, pelo PTB).Perdeu a segun<strong>da</strong>, para vice-prefeito,em 1962. Mas se elegeu prefeito <strong>da</strong>ci<strong>da</strong>de pelo MDB, em 1966, e iniciou acarreira que o levaria à presidência.ITAMAR E SEU MINISTROAposse de Floria<strong>no</strong> Peixoto em <strong>no</strong>vembro de1891, após a renúncia de Deodoro; a possede Café Filho em agosto de 1954, após o suicídiode Vargas; a posse de Goulart em setembro de1961, após a renúncia de Jânio Quadros e a possede José Sarney <strong>no</strong> lugar de Tancredo Neves,em março de 1985, deveriam ter ensinado aosbrasileiros a lição de que, fosse quem fosse, o vicedeveria ser levado em conta na hora de eleger umpresidente. Durante as eleições de 1989, porém,raros eleitores sabiam quem eram os vices dovencedor Collor e do vencido Lula. Mas, quandoCollor foi forçado a deixar o cargo, o <strong>Brasil</strong> viusede <strong>no</strong>vo nas mãos de um “reserva” elevadoà condição de titular. Quem, então, além dosmineiros, conhecia a biografi a de Itamar AugustoCautieiro Franco? Ain<strong>da</strong> assim, a Constituiçãolhe desti<strong>no</strong>u a árdua missão de coman<strong>da</strong>r umpaís tra<strong>uma</strong>tizado. E Itamar – turrão e teimoso– acabaria se saindo bem na dura tarefa. Ao fi me ao cabo, seu gover<strong>no</strong> (de fi ns de 1992 a janeirode 1995) lançou o mais bem-sucedido de todosos pla<strong>no</strong>s econômicos e ain<strong>da</strong> foi capaz de fazerseu sucessor. Sob a tutela de Itamar o país viunascer o Pla<strong>no</strong> Real, que acabou conduzindo àpresidência seu principal mentor, o então ministro<strong>da</strong> Fazen<strong>da</strong>, Fernando Henrique Cardoso.Graças ao sucesso do Pla<strong>no</strong> Real e ao temorancestral que o ex-sindicalista Luiz Inácio Lula<strong>da</strong> Silva, do PT, ain<strong>da</strong> despertava nas elitesbrasileiras, FHC elegeu-se com facili<strong>da</strong>de, em2 de outubro de 1994. Ao contrário do queacontecera em 1989, as eleições foram decidi<strong>da</strong>s<strong>no</strong> 1º tur<strong>no</strong> porque FHC obteve 55% dos votosválidos. Lula foi o segundo colocado. Mas, destavez, o PT não soube perder e declarou queFHC assumiria “com me<strong>no</strong>s autori<strong>da</strong>de moraldo que alguém eleito com base num processototalmente limpo”. Para Lula, FHC servira-se<strong>da</strong> máquina governamental para assegurar suavitória. Mas, em 1º de janeiro de 1995, quandotomou posse como o 38º presidente do <strong>Brasil</strong>,FHC representava, para milhões de eleitores,esperanças efetivas de morali<strong>da</strong>de, competênciae digni<strong>da</strong>de. Os motivos para tais expectativasencontravam <strong>uma</strong> base sóli<strong>da</strong> <strong>no</strong> passado sociale político do <strong>no</strong>vo presidente – sociólogo quesempre se opusera ao gover<strong>no</strong> militar (pelo qualfora punido, partindo para o exílio) e político deatuação destaca<strong>da</strong> <strong>no</strong> PMDB, do qual fora um dosfun<strong>da</strong>dores. Uma vez <strong>no</strong> Palácio do Planalto, FHCsofreu as pressões naturais do poder e viu-se nacontigência de se a<strong>da</strong>ptar às mu<strong>da</strong>nças que sempresepararam a teoria <strong>da</strong> prática.210


A Era FHCO BRASIL EM TEMPO REALNo mesmo dia em que Fernando HenriqueCardoso tor<strong>no</strong>u-se presidente, Alba<strong>no</strong> doPrado Pimentel Franco foi eleito governador deSergipe, tendo concorrido então pelo PSDB,o mesmo partido de FHC. Por isso, em 31 dedezembro de 1994, Franco deixou a presidência <strong>da</strong><strong>CNI</strong> após 14 a<strong>no</strong>s à frente <strong>da</strong> enti<strong>da</strong>de – a segun<strong>da</strong>mais longa gestão de sua história, me<strong>no</strong>r apenasdo que a de Euvaldo Lodi. O <strong>Brasil</strong> havia passadoentão por grandes transformações: o regimemilitar defi nhara e fenecera; Tancredo Neves tinhamorrido antes <strong>da</strong> posse e Sarney o substituíra;Collor fora cassado e Itamar fi zera seu sucessor.O <strong>no</strong>vo presidente recebeu o apoio integral <strong>da</strong><strong>CNI</strong> – até porque <strong>no</strong> comando <strong>da</strong> enti<strong>da</strong>de agoraestava o empresário paulista Mário Amato, que jáse declarara contrário a Lula, nas eleições de 1989,quando o líder operário concorrera contra Collor(leia p. 213). Amato, de todo modo, fi caria me<strong>no</strong>sde um a<strong>no</strong> <strong>da</strong> presidência <strong>da</strong> <strong>CNI</strong> pois, em outubrode 1995, o engenheiro e empresário potiguarFernando Bezerra assumiu o cargo. Quando tomouposse na <strong>CNI</strong>, Bezerra, fi liado ao PMDB, já era,desde janeiro, senador pelo Rio Grande do Norte.Em linhas gerais, manteve o apoio <strong>da</strong> <strong>CNI</strong> ao Pla<strong>no</strong>Real e ao presidente FHC apesar <strong>da</strong>s eventuaiscríticas e reivindicações do setor.As críticas subiram de tom em maio de 1996,quando a <strong>CNI</strong> promoveu ato público em Brasília,com a presença de dois mil empresários, em protestocontra a eleva<strong>da</strong> carga tributária e a retrógra<strong>da</strong>legislação trabalhista (ain<strong>da</strong> basicamente a mesmapromulga<strong>da</strong> por Vargas, mais de 60 a<strong>no</strong>s antes).Conforme os industriais, os impostos e as leis dotrabalho reduziam a capaci<strong>da</strong>de de competiçãodos produtos nacionais em um cenário mundialprogressivamente globalizado. A presença do próprioFHC <strong>no</strong> encontro soou como o aval do presidente àsreivindicações do setor. Mas FHC deixou o cargo emdezembro de 2001 sem resolver tais impasses.De todo modo, seu Pla<strong>no</strong> Real não sóestabilizara a eco<strong>no</strong>mia como se mostrou ain<strong>da</strong> umpla<strong>no</strong> de estabilização política e de solidifi cação<strong>da</strong> democracia <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>. É o que explica como,12 a<strong>no</strong>s depois de concorrer pela primeira vez àpresidência e após três derrotas consecutivas, oinsistente candi<strong>da</strong>to do PT, Luiz Inácio Lula <strong>da</strong>Silva, enfi m se elegeu presidente, sem que issoprovocasse <strong>uma</strong> “fuga em massa” dos empresáriosnacionais e um único rumor golpista. De certaforma, a <strong>CNI</strong> contribuiu diretamente para que osonho de Lula se tornasse reali<strong>da</strong>de – afi nal, <strong>no</strong>dia 1º de janeiro de 2003, quem tomou posse <strong>no</strong>Palácio do Planalto foi um ex-alu<strong>no</strong> do SENAI.Em 1945, os representantes <strong>da</strong>s“classes produtoras”, reunidosem Teresópolis (RJ), lançaram ummanifesto <strong>no</strong> qual, entre outrostópicos, propunham o “combate aopauperismo” – que na<strong>da</strong> mais erado que a luta contra a fome. Quase40 a<strong>no</strong>s depois, a <strong>CNI</strong> recebia, emBrasília, o sociólogo Herbert de Souza,autor de um grandioso projeto decombate à fome, e <strong>da</strong>va apoio integralà iniciativa. Na foto, Betinho ladeadopelo empresário Antônio Ermírio deMoraes, neto e filho dos fun<strong>da</strong>dores<strong>da</strong> Votorantin, e Alba<strong>no</strong> Franco, entãopresidente <strong>da</strong> <strong>CNI</strong>. Como a do grupoVotorantim, a trajetória industrialistade Alba<strong>no</strong> Franco também se inicioucom usinas de cana e fábricas têxteis.211


Lula sindicalistaVi<strong>da</strong> operária: em dezembro de 1952,após 13 dias de viagem em um “paude-arara”,Lula mudou-se com a famíliade Garanhuns (PE) para Santos (SP),onde seu pai trabalhava <strong>no</strong> porto. Em56, transferiu-se para São Paulo e, aos14 a<strong>no</strong>s, fez o curso <strong>no</strong> SENAI que oformou torneiro mecânico. Em 1965,empregou-se na metalúrgica Villares,em São Bernardo (SP), onde, já comopresidente do sindicato, liderou ashistóricas greves de maio de 1978 e demarço de 1979, registra<strong>da</strong> nas imagens.BRAÇOS CRUZADOS, MÁQUINAS PARADASNão havia sistema de som para amplifi car avoz roufenha do homem barbudo que bra<strong>da</strong>va<strong>no</strong> palanque improvisado. Suas palavras deordem eram retransmiti<strong>da</strong>s em on<strong>da</strong>s pela própriamultidão. E passavam de 50 mil os metalúrgicosagrupados <strong>no</strong> estádio de São Bernardo do Campo(SP) naquele cinzento 13 de março de 1979.Ao liderar a greve que abalou a indústriaautomobilística brasileira, Luiz Inácio Lula <strong>da</strong> Silva,então presidente do Sindicato dos Metalúrgicos deSão Bernardo, não estava só reprisando a greve queparalisara São Paulo em 1917 – e que havia tornadoa “questão social” <strong>uma</strong> “questão de polícia”.Nem só repetindo o movimento de 1946,que acelerara a criação do SESI. Além <strong>da</strong>sreivindicações salariais, a greve do ABC paulistatinha cunho político. Não só porquedesafi ava o regime militar, mas porquequeria ser – e já era – o cartão de visitasde um <strong>no</strong>vo partido, o dos Trabalhadores.A idéia de canalizar politicamenteas greves dos metalúrgicos e fun<strong>da</strong>r oPT nascera n<strong>uma</strong> mesa de restaurantefrango-com-polenta, em São Bernardo, em24 de janeiro. Era conseqüência direta domovimento impulsionado pela “greve <strong>da</strong>Scania”, de maio de 1978, a partir <strong>da</strong> qual246 mil operários de 213 empresas cruzaram osbraços n<strong>uma</strong> afronta à Lei de Segurança <strong>Nacional</strong>.Como as greves extrapolavam a questão salarial,Lula e o PT ganharam apoio de vários segmentos<strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de brasileira. Para a classe patronal,<strong>no</strong> entanto, tratava-se do velho confronto entrecapital e trabalho, e o tom desafi ador de Lula eseus coman<strong>da</strong>dos – dispostos a parar as máquinase a “falar grosso” – era <strong>uma</strong> barreira ao diálogo.Sau<strong>da</strong>do como herói <strong>da</strong> classe operária, Lula posavatambém de inimigo público número um <strong>da</strong> indústria.Dez a<strong>no</strong>s depois, a história já se modificara. Lulachegou ao segundo tur<strong>no</strong> <strong>da</strong>s primeiras eleiçõesdiretas para presidência em 28 a<strong>no</strong>s. Não ganhou,mas seu desempenho entrou para os anais <strong>da</strong> políticabrasileira. Na ver<strong>da</strong>de, era como se o seu desti<strong>no</strong>teimasse em contrariar a biografi a. Nascido em1945, em Pernambuco, sétimo dos 18 fi lhos de umcasal de lavradores, ele veio com a família para SãoPaulo em 1952. Aos 15 a<strong>no</strong>s, empregou-se comometalúrgico. Em 1969, foi eleito diretor do Sindicatodos Metalúrgicos de São Bernardo, do qual chegou àpresidência em 1975. Em 1986, elegeu-se deputadofederal com 650 mil votos, a maior votação do país.Após as três derrotas consecutivas nas disputaspresidenciais (para Collor em 1989, para FHC em1994 e em 1998), Lula enfi m chegou lá.212


Lula láMÃOS À OBRA, RITMO INDUSTRIALAo tomar posse <strong>no</strong> Palácio do Planalto, em 1ºde janeiro de 2003, Lula – bem como o PT,a própria Confederação <strong>Nacional</strong> <strong>da</strong>s Indústriase a socie<strong>da</strong>de brasileira como um todo – deuextraordinária demonstração de amadurecimentoe de fé na democracia. Afi nal, não só não houveum êxodo de empresários como Lula já não estavadisposto a fazer os operários cruzarem os braços.Os dois lados tinham abran<strong>da</strong>do seu radicalismo.Quase 15 a<strong>no</strong>s se passavam desde que o entãovice-presidente <strong>da</strong> Fiesp, Mário Amato, disseraque se Lula vencesse as eleições (de 1989),“600 mil empresários deixariam o país”. Lulatambém trocara as bravatas pela gravata e já nãoera favorável ao calote à dívi<strong>da</strong> externa – aliás,sal<strong>da</strong><strong>da</strong> em seu gover<strong>no</strong>.E, de certa forma, a vitória de Lula era tambéma vitória <strong>da</strong> indústria brasileira – não só porqueo ex-torneiro mecânico que virara presidente eraegresso do SENAI, mas porque, dentre os produtosnacionais gerados nas fábricas do país, estava ummovimento sindical sólido o bastante para produziro man<strong>da</strong>tário <strong>da</strong> nação. Caberia ao empresário edeputado federal (pelo PTB) Armando MonteiroNeto, pernambuca<strong>no</strong> como Lula, estar à frente<strong>da</strong> <strong>CNI</strong> durante <strong>uma</strong> transição que, emboraimpactante, se deu com naturali<strong>da</strong>de.Monteiro assumiu apresidência <strong>da</strong> <strong>CNI</strong> emoutubro de 2002 – poucoantes de Lula chegar aoPalácio do Planalto. E comoambos seriam reeleitos paraos respectivos cargos, o cerne<strong>da</strong>s relações entre a <strong>CNI</strong> e o gover<strong>no</strong> concentrouse<strong>no</strong> convívio entre os dois conterrâneos. Maisdo que meramente respeitosas, foram relaçõesprodutivas. A ponderação não impediu a <strong>CNI</strong>de manter suas críticas às altas taxas dejuros, à carga tributária abusiva e ao excessode burocracia governamental, clamando, emfreqüentes encontros e manifestos, pela reduçãodos gastos públicos, o estímulo à iniciativapriva<strong>da</strong> e o fortalecimento <strong>da</strong>s agênciasreguladoras, como parte de <strong>uma</strong> agen<strong>da</strong> prócrescimentoe desenvolvimento sustentável. Osmesmos anseios compartilhados, aliás, pelossegmentos mais progressistas <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de civilbrasileira – e que, por isso mesmo, mantém aindústria na posição em que ela tem procuradopermanecer desde o momento em que, há exatos200 a<strong>no</strong>s, ajudou o <strong>Brasil</strong> a romper os grilhõescoloniais e se tornar <strong>uma</strong> nação independente.Na linha de frente do progresso nacional.No palanque do SENAI: Luiz InácioLula <strong>da</strong> Silva, 39º presidentedo <strong>Brasil</strong>, discursa ao lado dopresidente <strong>da</strong> <strong>CNI</strong>, ArmandoMonteiro Neto. A eleição de Lula àpresidência, ocorri<strong>da</strong> em <strong>no</strong>vembrode 2002, deu-se na mais absoluta<strong>no</strong>rmali<strong>da</strong>de democrática – fruto<strong>da</strong> estabilização econômica epolítica trazi<strong>da</strong> pelo Pla<strong>no</strong> Real.De certo modo, ela representou aconcretização de um ciclo iniciadodentro <strong>da</strong> indústria nacional,pois Lula formou-se comotorneiro-mecânico em um cursoprofissionalizante do SENAI e entãodeu a arranca<strong>da</strong> que o levaria aoPalácio do Planalto. Pernambuca<strong>no</strong>como o presidente, Monteiroé administrador de empresas,industrial e deputado federal emterceiro man<strong>da</strong>to, dois pelo PMDB eo terceiro pelo PTB.213


VIO NOVO MILÊNIO:POR DENTRO DO SISTEMAAlém de 2001


A casa <strong>da</strong> indústria brasileiraO SISTEMA INDÚSTRIA E OS NOVOS TEMPOSAo longo dos últimos 70 a<strong>no</strong>s, o <strong>Brasil</strong> e omundo mu<strong>da</strong>ram em ritmo progressivamenteacelerado. O principal vetor de tantas e tão velozestransformações foi, indiscutivelmente, a i<strong>no</strong>vaçãotec<strong>no</strong>lógica, capaz de fazer com que, aos olhosde <strong>uma</strong> criança de dez a<strong>no</strong>s, familiariza<strong>da</strong> com ainternet e o telefone celular, o a<strong>no</strong> de 1938 pareçaparte de um passado remoto. Mas a história nãoavança aos sobressaltos: os acontecimentos seencadeiam de forma orgânica e articula<strong>da</strong>, compondoum painel que <strong>no</strong>s aju<strong>da</strong> a desven<strong>da</strong>r quem somos,de onde viemos e, é claro, para onde vamos.Desde a eclosão <strong>da</strong> Revolução Industrial, naInglaterra de fi ns do século 17, são justamenteas i<strong>no</strong>vações tec<strong>no</strong>lógicas ocorri<strong>da</strong>s <strong>no</strong> seio <strong>da</strong>suni<strong>da</strong>des fabris as que mais têm transformadoo mundo. Não é diferente <strong>no</strong> contexto brasileiro.Não restam dúvi<strong>da</strong>s, porém, de que <strong>no</strong> períodoposterior à II Guerra Mundial tais mu<strong>da</strong>nças setornaram maiores e mais constantes, modifi candopor completo a vi<strong>da</strong> cotidiana e a visão que temosde nós mesmos e do mundo. Nesse sentido, aConfederação <strong>Nacional</strong> <strong>da</strong> Indústria entrou emcena <strong>no</strong> momento exato e, desde aquele 12 deagosto de 1938 – tão distante e tão próximo –, vemaju<strong>da</strong>ndo a indústria brasileira a se manter emconexão com seu próprio tempo.Embora as ferramentas históricas sirvam paravasculhar e interpretar os fatos do passado, seupropósito primordial é funcionar como <strong>uma</strong> espécie defarol para o futuro. Por isso, como apêndice de <strong>Produto</strong><strong>Nacional</strong> – cujas mais de 200 páginas procuraramtraçar um painel dos cinco séculos de ativi<strong>da</strong>deindustrial <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>, vinculando-os aos 70 a<strong>no</strong>s detrajetória <strong>da</strong> <strong>CNI</strong> –, parece apropriado acrescentar <strong>uma</strong>breve análise do presente e <strong>uma</strong> projeção do futuro <strong>da</strong>squatro enti<strong>da</strong>des integrantes do Sistema Indústria: aConfederação <strong>Nacional</strong> <strong>da</strong> Indústria, o Serviço <strong>Nacional</strong>de Aprendizagem Industrial (SENAI), o Serviço Social<strong>da</strong> Indústria (SESI) e o Instituto Euvaldo Lodi (IEL).Prepara<strong>da</strong>s por <strong>uma</strong> equipe liga<strong>da</strong> ao próprioSistema Indústria, as páginas que se seguem traçamum perfi l atual <strong>da</strong>s quatro enti<strong>da</strong>des que aju<strong>da</strong>me estimulam a indústria brasileira a cumprir seupapel como agente de transformação. Investindoem formação profissional, i<strong>no</strong>vação tec<strong>no</strong>lógica,responsabili<strong>da</strong>de social, capacitação empresarial einserção internacional, o Sistema Indústria tem certezade que vem colaborando de forma efetiva para odesenvolvimento social e econômico do <strong>Brasil</strong>. Graçasà sinergia entre a <strong>CNI</strong>, o SENAI, o SESI e o IEL,julgamo-<strong>no</strong>s preparados para contribuir com o país <strong>no</strong>enfrentamento dos desafios que um futuro de crescentecompetitivi<strong>da</strong>de com certeza haverá de apresentar.216


Os templos <strong>da</strong> indústria: as quatrofederações que deram origem à <strong>CNI</strong> hojefazem parte <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> cotidiana de paulistas,mineiros, cariocas e gaúchos, acost<strong>uma</strong>dosa ver as sedes <strong>da</strong>s enti<strong>da</strong>des instala<strong>da</strong>s emsuas capitais. As linhas arroja<strong>da</strong>s <strong>da</strong> FIESPse erguem, imponentes, em plena Aveni<strong>da</strong>Paulista, <strong>no</strong> coração de São Paulo (acima,à esquer<strong>da</strong>); o revestimento vermelho dádestaque à FIEMG, na zona central de BeloHorizonte (acima, ao centro), ao passo quea facha<strong>da</strong> envidraça<strong>da</strong> <strong>da</strong> FIRJAN (acima,à direita) reflete os prédios vizinhos docentro do Rio. Já a FIERGS (ao lado), maisafasta<strong>da</strong> <strong>da</strong> zona central de Porto Alegre,faz tremular a bandeira do <strong>Brasil</strong> sob olímpido céu do Sul. Em todos os demaisestados do <strong>Brasil</strong>, as federações filia<strong>da</strong>s à<strong>CNI</strong> também marcam sua presença.217


A <strong>CNI</strong> hojeCONSTRUINDO O FUTUROAConfederação <strong>Nacional</strong> <strong>da</strong> Indústria atuaativamente na defesa dos interesses do setorprodutivo e tem como missão defender e representara indústria. Forma<strong>da</strong> por vinte e sete federaçõesde indústrias, dos estados e do Distrito Federal,e mais de mil sindicatos patronais associados, a<strong>CNI</strong> é a voz <strong>da</strong> indústria brasileira. O seu objetivocentral é promover um ambiente favorável aosnegócios, à competitivi<strong>da</strong>de e ao desenvolvimentosustentável do <strong>Brasil</strong>. A sua visão estratégica estácentra<strong>da</strong> em <strong>uma</strong> indústria brasileira de classemundial, com capaci<strong>da</strong>de de produção de bens dequali<strong>da</strong>de e i<strong>no</strong>vadores, e <strong>no</strong> compromisso com odesenvolvimento e a responsabili<strong>da</strong>de social.Com o objetivo de construir <strong>uma</strong> agen<strong>da</strong> comume estimular o alinhamento <strong>da</strong>s posições <strong>da</strong> indústria,a <strong>CNI</strong> tem desenvolvido forte parceria com asAssociações Nacionais Setoriais, que integram o Fórum<strong>Nacional</strong> <strong>da</strong> Indústria <strong>da</strong> <strong>CNI</strong> e indicam representantespara os diversos Conselhos Temáticos <strong>da</strong> enti<strong>da</strong>de.Estes Conselhos têm um papel fun<strong>da</strong>mental navi<strong>da</strong> <strong>da</strong> <strong>CNI</strong> e atuam na identifi cação, concepção,análise e sustentação de idéias e propostas parasubsidiar a enti<strong>da</strong>de na sua ação de defesa deinteresses. Atualmente existem 11 Conselhos,dedicados ca<strong>da</strong> um a um tema específi co, que sãoInfra-estrutura, Integração <strong>Nacional</strong>, IntegraçãoInternacional, Meio Ambiente, Micro e PequenaEmpresa, Política Econômica, Política Industrial eDesenvolvimento Tec<strong>no</strong>lógico, Relações do trabalhoe Desenvolvimento Social, Responsabili<strong>da</strong>deSocial, Assuntos Legislativos e o mais recente,o Conselho de Educação, cuja criação refl ete aimportância que a <strong>CNI</strong> atribui à educação parao desenvolvimento <strong>da</strong> indústria e do País.A <strong>CNI</strong> defi niu a sua visão sobre o futuro<strong>da</strong> Indústria e do País e a sua síntese é odesenvolvimento sustentável. Esta concepçãoé produto <strong>da</strong> elaboração do Mapa Estratégico<strong>da</strong> Indústria 2007-2015.Este documento foi desenvolvido, comoresposta a percepção do Fórum <strong>Nacional</strong> <strong>da</strong>Indústria sobre a necessi<strong>da</strong>de de construção de<strong>uma</strong> agen<strong>da</strong> estratégica para o País segundo avisão do setor privado. Foi desenhado, com amplaparticipação empresarial, para ter permanência,independente de mu<strong>da</strong>nças de gover<strong>no</strong>s, com umhorizonte temporal de 2007-2015. Foi elaborado,utilizando-se a metodologia de gestão BalancedScorecard (BSC), que crescentemente tem sidoutiliza<strong>da</strong> pelas empresas em seu planejamento.O Mapa permite identifi car as priori<strong>da</strong>desestratégicas e oferece um sistema de gestão parao acompanhamento <strong>da</strong> sua implementação.218


O Mapa <strong>da</strong> Indústria identifi ca como basesdo desenvolvimento a liderança empresarial, oambiente institucional e regulatório, a educaçãoe a saúde, a infra-estrutura e a disponibili<strong>da</strong>dede recursos. Elege como processos e ativi<strong>da</strong>desnecessárias ao desenvolvimento a expansão <strong>da</strong>base industrial, a inserção internacional, a gestãoempresarial e a produtivi<strong>da</strong>de, a i<strong>no</strong>vação e aresponsabili<strong>da</strong>de social e ambiental. Defi ne comoposicionamentos estratégicos de mercado a geraçãode produtos com maior valor agregado, produtoscompetitivos e de quali<strong>da</strong>de, produtos e serviçosi<strong>no</strong>vadores, o reconhecimento de marcas e produtosbrasileiros, a aceleração do crescimento industriale o aumento <strong>da</strong> participação brasileira <strong>no</strong> comércioglobal. Aponta como resultados esperados para oPaís o crescimento econômico, a geração de maisemprego e ren<strong>da</strong>, a elevação <strong>da</strong> quali<strong>da</strong>de de vi<strong>da</strong>,a diminuição <strong>da</strong>s desigual<strong>da</strong>des regionais e sociaise a expansão dos negócios com geração de valor.Para ca<strong>da</strong> um destes temas, o Mapa defi neobjetivos com metas de desempenho associa<strong>da</strong>s. Paraalcançar os resultados projetados são construídosprogramas e projetos. A implementação destesprojetos orienta e prioriza a ação <strong>da</strong> <strong>CNI</strong>, vinculandoas iniciativas imediatas à visão de longo prazo.Em continui<strong>da</strong>de a iniciativas anteriores,para estabelecer o diálogo com os candi<strong>da</strong>tos <strong>da</strong>eleição presidencial de 2006, a <strong>CNI</strong> elaborou odocumento Crescimento: a visão <strong>da</strong> Indústria. Apartir do exame <strong>da</strong>s metas e indicadores do MapaEstratégico, a <strong>CNI</strong> identifi cou o aumento <strong>da</strong> taxade crescimento como o principal desafi o a serenfrentado. Havia então clara preocupação como baixo crescimento que havia caracterizado aeco<strong>no</strong>mia brasileira nas últimas déca<strong>da</strong>s, sempreinferior à média mundial. Para solução desteproblema foram identifi cados 10 temas prioritários:redução do gasto público, tributação, infraestrutura,fi nanciamento, relações de trabalho,desburocratização, i<strong>no</strong>vação, educação, políticacomercial de acesso a mercados e meio ambiente.Esta agen<strong>da</strong> tem tido impacto signifi cativonas ações <strong>da</strong> <strong>CNI</strong>. Veja-se o exemplo <strong>da</strong> questãotributária que, em suas diversas dimensões, temocupado posição central na atuação <strong>da</strong> enti<strong>da</strong>de.Confronta<strong>da</strong> com o diagnóstico que a carga detributos <strong>no</strong> País é extremamente eleva<strong>da</strong> e que aestrutura tributária é ultrapassa<strong>da</strong> e incompatívelcom as exigências de competitivi<strong>da</strong>de que aeco<strong>no</strong>mia mundial impõe às empresas brasileiras,I<strong>no</strong>var para crescer: Armando deQueiroz Monteiro Neto, presidente<strong>da</strong> <strong>CNI</strong>, discursa <strong>no</strong> II Congresso<strong>Brasil</strong>eiro de I<strong>no</strong>vação na Indústria. Emtempos de constantes transformações,revolução tec<strong>no</strong>lógica e inexorávelglobalização, a indústria nacional nãodesconhece que a melhor forma dese manter competitiva em um cenáriomundial ca<strong>da</strong> vez mais exigente éinvestindo em pesquisa e i<strong>no</strong>vação.Não é por outra razão que o SistemaIndústria está constantementepromovendo cursos, palestras,debates e congressos ligados ao tema.219


a <strong>CNI</strong> tem desenvolvido esforços em duas frentescomplementares. Em primeiro lugar, tem sido ativaem to<strong>da</strong>s as ações em favor <strong>da</strong> Reforma Tributária;adicionalmente, tem construído e apresentadopropostas, alg<strong>uma</strong>s delas implementa<strong>da</strong>s, dedesoneração dos investimentos e <strong>da</strong>s exportações.Na área de infra-estrutura, tem participadoativamente <strong>da</strong>s iniciativas de mu<strong>da</strong>nças em diversosmarcos regulatórios e de fortalecimento <strong>da</strong>s agênciasreguladoras, sempre com o objetivo de construirum ambiente mais adequado para a expansão dosinvestimentos <strong>no</strong> setor, em que também não falteminstrumentos adequados de respeito aos direitosdos usuários. Atenta à importância estratégica<strong>da</strong> logística para o desenvolvimento, a <strong>CNI</strong> temapresentado sugestões para a reestruturação <strong>da</strong> áreade transportes <strong>no</strong> País.Comprometi<strong>da</strong> com o desenvolvimentosustentável a <strong>CNI</strong>, na área de meio ambiente, tembuscado aprimorar o marco regulatório para queele seja capaz de promover o desenvolvimentosocioeconômico e contribuir para a conservaçãoambiental. Temas como a mu<strong>da</strong>nça do clima,políticas para resíduos sólidos, compensaçãoambiental e competências <strong>da</strong>s agências ambientaisfazem parte <strong>da</strong> agen<strong>da</strong> de trabalho <strong>da</strong> organização.I<strong>no</strong>vação na indústria e utilização <strong>da</strong>snegociações internacionais como instrumentode acesso aos mercados exter<strong>no</strong>s são dois outroseixos importantes <strong>da</strong> atuação <strong>da</strong> enti<strong>da</strong>de. Na áreade i<strong>no</strong>vação, além de propostas objetivas paraaperfeiçoamento do sistema de apoio e incentivos,a <strong>CNI</strong> organizou <strong>no</strong>s últimos a<strong>no</strong>s duas grandesconferências do setor privado sobre o tema. Nasnegociações internacionais, a Coalizão Empresarial,mobiliza<strong>da</strong> pela <strong>CNI</strong> tem coordenado a influênciado setor empresarial brasileiro nas negociaçõescomerciais internacionais, com a formulação depropostas e apoio ao processo negociador. Reúnerepresentantes de 165 organizações de diferentessetores econômicos que participam desta iniciativa.As Reformas <strong>da</strong> Previdência e <strong>da</strong>s Relaçõesdo Trabalho continuam na agen<strong>da</strong> <strong>da</strong> <strong>CNI</strong>por seus impactos expressivos <strong>no</strong> potencial dedesenvolvimento do País. A modernização <strong>da</strong>srelações de trabalho e o impacto na redução dogasto público, que pode ser gerado a partir <strong>da</strong>smu<strong>da</strong>nças na previdência, são alguns dos aspectosque reforçam esta percepção.A <strong>CNI</strong> nas suas ações de representação atuaem três campos complementares. No PoderExecutivo, a partir de consulta às organizaçõesempresariais formula e apresenta ao Gover<strong>no</strong>propostas para o desenvolvimento do País. Sãoexemplos os documentos Agen<strong>da</strong> Mínima Pró-Crescimento para 2004, Agen<strong>da</strong> Mínima para aGovernabili<strong>da</strong>de, Agen<strong>da</strong> Mínima para a Infra-Estrutura e o Crescimento: a Visão <strong>da</strong> Indústria.Também promove o diálogo com o Executivo paraidentifi car agen<strong>da</strong>s comuns e contribuir para asua implementação. Por fi m, apresenta a visão dosetor industrial em mais de 200 fóruns de consultae deliberação do Gover<strong>no</strong>, responsáveis pelaformulação e implementação de políticas públicas.No Poder Judiciário, a <strong>CNI</strong> acompanha aconstitucionali<strong>da</strong>de de leis e atos <strong>no</strong>rmativos federais220


e estaduais, questionando-os, quando necessário,por meio <strong>da</strong> apresentação de Ações Diretas deInconstitucionali<strong>da</strong>de. De 1997 a 2007, a <strong>CNI</strong> interpôsmais de 30 ADIns perante o Supremo Tribunal Federal.No Poder Legislativo, a <strong>CNI</strong> acompanha oprocesso legislativo e analisa as proposiçõeslegislativas de interesse <strong>da</strong> indústria. Também atuade forma pró-ativa, apresentando a parlamentarespropostas que depen<strong>da</strong>m de regulamentação legal.Há treze a<strong>no</strong>s, elabora a Agen<strong>da</strong> Legislativa <strong>da</strong>Indústria, publica<strong>da</strong> anualmente, e que é elabora<strong>da</strong>em um processo que conta com a participação<strong>da</strong>s federações e associações de indústria. Nestedocumento são identifica<strong>da</strong>s as proposiçõeslegislativas prioritárias, agrupa<strong>da</strong>s por temas, paraos quais são apresenta<strong>da</strong>s as visões conceituais,e para ca<strong>da</strong> <strong>uma</strong> <strong>da</strong>s iniciativas seleciona<strong>da</strong>sé apresentado um posicionamento objetivo queexpressa apoio ou rejeição ao que foi proposto.Esta é, sem dúvi<strong>da</strong>, a iniciativa de influência <strong>no</strong>Congresso mais transparente realiza<strong>da</strong> pelo setorprivado brasileiro e assim tem sido reconheci<strong>da</strong>pela expressiva participação de congressistas e suaslideranças <strong>no</strong>s eventos anuais de seu lançamento.Diretamente para as empresas, a <strong>CNI</strong> mantémalguns programas e projetos, a exemplo do programade apoio à internacionalização de empresas, através<strong>da</strong> Rede <strong>Brasil</strong>eira de Centros de Negócios (RedeCIN), presente em 27 estados brasileiros em núcleos<strong>da</strong>s federações, e dos Conselhos EmpresariaisBilaterais. Também merece destaque o PROCOMPIque tem atuação volta<strong>da</strong> principalmente para aorganização de arranjos produtivos (clusters).Como suporte à indústria e para uso <strong>da</strong>socie<strong>da</strong>de em geral, a <strong>CNI</strong> se destaca pelaprodução de avaliações sobre o desempenho <strong>da</strong>indústria e de subsídios para a análise de cenáriose formulação de políticas. Os estudos, indicadorese estatísticas publicados pela enti<strong>da</strong>de sãoreferências para o setor e para a opinião pública.Por fi m, a <strong>CNI</strong> dedica grande energia, emum trabalho conjunto com as Federações,para reforçar a quali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> representaçãoempresarial em sua base sindical. No Programade Desenvolvimento Associativo (PDA), trêsobjetivos são destacados: a ampliação <strong>da</strong>representativi<strong>da</strong>de dos sindicatos, o aumento <strong>da</strong>sustentabili<strong>da</strong>de dos sindicatos e o estímulo àprestação de serviços a seus associados.Em busca do combustível <strong>da</strong> <strong>no</strong>va era:as alternativas para a diversificação<strong>da</strong> matriz energética brasileira têmsido tema de debates realizadospela <strong>CNI</strong>. O 1º Encontro <strong>Nacional</strong>do Biocombustível, realizado em 30de agosto de 2006, contou com apresença do presidente <strong>da</strong> República,Luiz Inácio Lula <strong>da</strong> Silva, e de váriosintegrantes de sua equipe ministerial.Na imagem abaixo, entre as demaisautori<strong>da</strong>des, estão o presidente <strong>da</strong>República (terceiro <strong>da</strong> esquer<strong>da</strong> paraa direita) e Armando de QueirozMonteiro Neto, presidente <strong>da</strong> <strong>CNI</strong> (àesquer<strong>da</strong> de Lula).221


O FUTUROA visão de futuro <strong>da</strong> Confederação <strong>Nacional</strong><strong>da</strong> Indústria é consoli<strong>da</strong>r-se como a organizaçãoempresarial líder na promoção do crescimentoe <strong>da</strong> competitivi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> indústria brasileira,atuando como agente fun<strong>da</strong>mental para odesenvolvimento do <strong>Brasil</strong>.Este enunciado impõe diversos desafi os, queapontam para ações distintas, mas de algum modo,complementares. A consoli<strong>da</strong>ção <strong>da</strong> liderançaempresarial implica em reforçar os mecanismos deconsulta e participação <strong>da</strong>s diferentes enti<strong>da</strong>desde representação empresarial na construção eimplementação <strong>da</strong> agen<strong>da</strong> de trabalho <strong>da</strong> <strong>CNI</strong>.Implica em fortalecer a sua base de representaçãosindical aproximando ain<strong>da</strong> mais estas enti<strong>da</strong>desde seus representados: as empresas.Também indica o desafi o de ser capaz deidentifi car adequa<strong>da</strong>mente as ações necessáriase mais promissoras para a construção deum ambiente favorável ao crescimento e àcompetitivi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> indústria brasileira.Aqui o Mapa Estratégico <strong>da</strong> Indústria temum papel crucial; ele elege os objetivos quese quer alcançar e aponta os caminhos quedevem ser percorridos. O acompanhamentodo processo de implementação do MapaEstratégico, bem como a sua periódica revisão,são essenciais para a construção do futuro <strong>da</strong><strong>CNI</strong> e do setor industrial.O objetivo síntese, é bom lembrar, é odesenvolvimento sustentável. Gerar para o Paíscrescimento econômico, mais emprego e ren<strong>da</strong>,elevação <strong>da</strong> quali<strong>da</strong>de de vi<strong>da</strong>, diminuição <strong>da</strong>sdesigual<strong>da</strong>des regionais e sociais e expansão dosnegócios com geração de valor. Fazer valer as virtudes<strong>da</strong> eco<strong>no</strong>mia de mercado como elemento central dodesenvolvimento econômico e social do País.Nesse horizonte, a indústria brasileira quer serde classe mundial. Quer atuar em <strong>uma</strong> eco<strong>no</strong>miacompetitiva, inseri<strong>da</strong> na socie<strong>da</strong>de do conhecimentoe base de <strong>uma</strong> <strong>da</strong>s principais plataformas <strong>da</strong>indústria mundial: i<strong>no</strong>vadora, com capaci<strong>da</strong>de decrescer e gerar mais e melhores empregos.A indústria brasileira quer gerar produtoscompetitivos, com maior valor agregado, comquali<strong>da</strong>de e i<strong>no</strong>vadores. Deseja ter as suasmarcas reconheci<strong>da</strong>s. A indústria quer participarmais intensamente do mercado mundial.Sabe que i<strong>no</strong>vação é elemento central dessatrajetória de sucesso. A indústria quer participarglobalmente <strong>da</strong> cadeia de produção, realizandoaté mesmo, em alguns casos, investimentosdiretos <strong>no</strong> exterior.A <strong>CNI</strong> atua basea<strong>da</strong> em <strong>uma</strong> crença essencial:a única forma sustentável de gerar riqueza é pormeio do setor privado. Um clima favorável aosinvestimentos estimula empreendedores e permitecriar empregos que fi nanciarão os gastos sociais eos serviços que benefi ciam a socie<strong>da</strong>de. A máquinado crescimento são as empresas. Mas crescer nãoé apenas <strong>uma</strong> expressão de vontade. É produtode ações. A visão de futuro <strong>da</strong> <strong>CNI</strong> é ser semprecapaz de indicar os caminhos que confi rmemessa trajetória e garantam o objetivo síntese, odesenvolvimento sustentável.222


O SENAI hojeMATÉRIA PRIMA PARA O CRESCIMENTOIntegrante do Sistema Confederação<strong>Nacional</strong> <strong>da</strong> Indústria, o Serviço <strong>Nacional</strong>de Aprendizagem Industrial, criado em 1942,mediante decreto do presidente GetúlioVargas, fornece apoio a 28 áreas industriais.O SENAI atua em especial na formação e<strong>no</strong> aprimoramento de recursos h<strong>uma</strong><strong>no</strong>s,e também presta serviços de assistência,pesquisa e informação tec<strong>no</strong>lógica àsempresas. A enti<strong>da</strong>de está bem presente <strong>no</strong>imaginário dos brasileiros. Além dos mais detantos que estu<strong>da</strong>ram <strong>no</strong> SENAI – foram maisde 42 milhões de matrículas até agora –, édifícil encontrar <strong>uma</strong> pessoa que não tenhaalgum parente, amigo ou colega cuja formaçãotécnica tenha sido cumpri<strong>da</strong> na organização.Atualmente, o SENAI é <strong>uma</strong> potência commais de 700 uni<strong>da</strong>des operacionais em todo oPaís, pelas quais passam anualmente mais de2 milhões de alu<strong>no</strong>s matriculados em cerca de2 mil cursos. Também são prestados todos osa<strong>no</strong>s cerca de 100 mil serviços de assessoriaàs empresas.Tendo como missão “Promover a educaçãoprofi ssional e tec<strong>no</strong>lógica, a i<strong>no</strong>vação e atransferência de tec<strong>no</strong>logias industriais,contribuindo para elevar a competitivi<strong>da</strong>de <strong>da</strong>indústria brasileira”, o SENAI conta com 406uni<strong>da</strong>des fi xas, sendo 250 Centros de EducaçãoProfi ssional, 42 Centros de Tec<strong>no</strong>logia e 114Centros de Treinamento, além de 301 Uni<strong>da</strong>desMóveis – a frota inclui carretas e outros veículosme<strong>no</strong>res, e até <strong>uma</strong> uni<strong>da</strong>de fl uvial. Paragarantir a chega<strong>da</strong> <strong>da</strong> instrução a qualquerponto do País, utiliza ain<strong>da</strong> em tor<strong>no</strong> de 300kits do Programa de Ações Móveis (PAM), queproporcionam o desenvolvimento de programasvoltados a 25 tipos de ofícios.Os Centros de Educação Profissional sãouni<strong>da</strong>des destina<strong>da</strong>s a oferecer a jovens eadultos cursos e programas de aperfeiçoamento.Também prestam atendimento às indústrias.Os Centros de Tec<strong>no</strong>logia fornecem treinamentoem <strong>no</strong>vas ferramentas tec<strong>no</strong>lógicas,disponibilizam serviços técnicos e aju<strong>da</strong>ma disseminar o conhecimento na área. Já osCentros de Treinamento têm suas ativi<strong>da</strong>desfoca<strong>da</strong>s nas necessi<strong>da</strong>des imediatas do mercadode trabalho, levando em conta as deman<strong>da</strong>s epeculiari<strong>da</strong>des de ca<strong>da</strong> região.O SENAI aperfeiçoa os serviços prestadoscom base em sua larga experiência a serviço <strong>da</strong>aprendizagem profi ssional, nas necessi<strong>da</strong>dese evoluções <strong>da</strong> indústria nacional e <strong>no</strong> amplo223


conhecimento que tem do País e de suas gentes.A enti<strong>da</strong>de, <strong>no</strong> entanto, vai além <strong>da</strong>s fronteiras<strong>da</strong> nação em busca de <strong>no</strong>vos métodos e <strong>no</strong>vasferramentas, graças a <strong>uma</strong> rede de parceirosinternacionais que vem sendo consoli<strong>da</strong><strong>da</strong> desdeo início dos a<strong>no</strong>s 90 por meio de acordos decooperação e convênios de variados tipos.Hoje oito países e três enti<strong>da</strong>desinternacionais apóiam programas desenvolvidospelo SENAI, o que contribui de forma decisivapara tornar a indústria brasileira maiscompetitiva <strong>no</strong> cenário mundial, benefi ciandosegmentos como os de alimentos e bebi<strong>da</strong>s,automação, automobilístico, cerâmico, construçãocivil, plástico, metalmecânico, meio ambiente,refrigeração, têxtil e vestuário. Em contraparti<strong>da</strong>,leva a vários países seus conhecimentos,métodos e programas, em especial aos africa<strong>no</strong>se asiáticos de língua portuguesa – Angola,Cabo Verde, Guiné-Bissau, Timor-Leste – ou avizinhos de América Latina – como Colômbia eParaguai – que precisam aprimorar seus sistemasde aprendizagem industrial.As atuais políticas <strong>da</strong> enti<strong>da</strong>de estão foca<strong>da</strong>sem seu Planejamento Estratégico que, por suavez, atende às diretrizes do Mapa Estratégico<strong>da</strong> Indústria 2007-2015. O ponto central desteposicionamento diz respeito à necessi<strong>da</strong>de decontinuar levando aprendizado ao trabalhadorbrasileiro e benefícios à indústria, inclusiveampliando a oferta de programas e serviços,a<strong>da</strong>ptando-se à reali<strong>da</strong>de econômica e atuandode forma sustentável.A Lei do Aprendiz, sanciona<strong>da</strong> pelo presidenteLuiz Inácio Lula <strong>da</strong> Silva, <strong>no</strong> fi nal de 2005,regulamentou o que já estava previsto <strong>no</strong> artigo428 <strong>da</strong> Consoli<strong>da</strong>ção <strong>da</strong>s Leis do Trabalho(CLT), promulga<strong>da</strong> em 1943 por Getúlio Vargas.De acordo com a lei, aprendiz “é o maior dequatorze a<strong>no</strong>s e me<strong>no</strong>r de vinte e quatro a<strong>no</strong>s quecelebra contrato de aprendizagem”. O número deaprendizes deve fi car entre 5% e 15% <strong>da</strong> força detrabalho de <strong>uma</strong> empresa.Em função desta <strong>no</strong>va reali<strong>da</strong>de, o SENAIampliou sua oferta de vagas para jovens. Aenti<strong>da</strong>de, <strong>no</strong> entanto, considera que não bastaoferecer o aprendizado se não houver tambémapoio na luta por <strong>uma</strong> vaga <strong>no</strong> mercado. Porisso, desenvolve um trabalho intensivo junto àsempresas a fim de aju<strong>da</strong>r o jovem a obter seuprimeiro emprego. Aos contatos com empresasparceiras – que tradicionalmente apóiam dediversas formas os programas <strong>da</strong> enti<strong>da</strong>de –,agregam-se convênios com o Ministério doTrabalho e Emprego, por meio dos quais asportas de várias estatais se abrem para os<strong>no</strong>vos operários.Para fi car sintonizado com os anseios domercado, dos trabalhadores e <strong>da</strong>s comuni<strong>da</strong>desnas quais está inserido, o SENAI conta comos Comitês Técnicos Setoriais, integrados portrabalhadores, empresários, sindicalistas erepresentantes do meio acadêmico. Graças aesta integração é possível estabelecer o rumoadequado aos cursos já ofertados, bem comocriar <strong>no</strong>vas opções de aprendizagem.224


As ações ocorrem sempre em sintonia comas necessi<strong>da</strong>des <strong>da</strong> indústria, seja pela i<strong>no</strong>vaçãotec<strong>no</strong>lógica inerente aos <strong>no</strong>vos tempos, seja peladiversifi cação <strong>da</strong>s ativi<strong>da</strong>des <strong>da</strong> empresa, ouain<strong>da</strong> por ocasião <strong>da</strong> instalação de <strong>uma</strong> uni<strong>da</strong>deem <strong>uma</strong> região com características diferencia<strong>da</strong>s<strong>da</strong>quela na qual cost<strong>uma</strong> atuar, entre outraspeculiari<strong>da</strong>des. Tradicionalmente, o aprendizadoproporcionado pelo SENAI vai muito além dobásico. Hoje, a enti<strong>da</strong>de oferece mais de 50cursos próprios de graduação em nível superiore cerca de outros 40 desenvolvidos com parceiros.Nos Torneios Internacionais de FormaçãoProfi ssional, o <strong>Brasil</strong>, representado em to<strong>da</strong>s asedições exclusivamente por alu<strong>no</strong>s do SENAI,sempre conquista várias me<strong>da</strong>lhas de ouro, prata,bronze e diplomas de excelência, n<strong>uma</strong> disputaque inclui participantes de mais de 40 nações,inclusive as mais industrializa<strong>da</strong>s do mundo.Tais resultados são possíveis graças à permanentebusca <strong>da</strong> excelência e de iniciativas como asOlimpía<strong>da</strong>s do Conhecimento, organiza<strong>da</strong>spelo SENAI, nas quais os jovens brasileirospodem medir suas habili<strong>da</strong>des em disputa comconvi<strong>da</strong>dos de vários países. Esta tem sidoa tônica <strong>da</strong> atuação do SENAI desde a suafun<strong>da</strong>ção: não <strong>da</strong>r apenas o básico, mas ir além,testar constantemente seus métodos, aperfeiçoarseus treinamentos, oferecendo reais oportuni<strong>da</strong>desaos trabalhadores de to<strong>da</strong>s as i<strong>da</strong>des, preparandoprofi ssionais mais qualifi cados, prontos acolaborar de forma efi caz com os avanços <strong>da</strong>indústria nacional.Levando mais longe os serviços ea mensagem do SENAI: através deuni<strong>da</strong>des móveis de treinamento,como a uni<strong>da</strong>de móvel em carreta(acima), a uni<strong>da</strong>de móvel Samaúma(à esquer<strong>da</strong>) e a uni<strong>da</strong>de móvel emvagão de trem, o Serviço <strong>Nacional</strong>de Aprendizagem Industrial levaseus cursos a todos os cantos do<strong>Brasil</strong>. O barco-escola Samaúmavem disseminando conhecimentoprofissionalizante aos ribeirinhos <strong>da</strong>bacia do rio Amazonas há quase 30a<strong>no</strong>s, período <strong>no</strong> qual já percorre<strong>uma</strong>is <strong>da</strong> metade dos 62 municípios<strong>da</strong>quele estado, qualificando maisde 25 mil pessoas.225


O SESI hojeINTERESSES EM COMUMCom mais de seis déca<strong>da</strong>s de atuação emtodo o território nacional, o Serviço Social<strong>da</strong> Indústria há muito consolidou seu papelde destaque na promoção do bem estar dostrabalhadores. A marca SESI, <strong>uma</strong> <strong>da</strong>s maisconheci<strong>da</strong>s do país, tor<strong>no</strong>u-se sinônimo de atençãoe efi ciência nas áreas de educação, saúde, lazer,cultura e esporte, além de ser vista como umsímbolo <strong>da</strong> responsabili<strong>da</strong>de social do empresariadobrasileiro. Embora tenha um passado de grandesrealizações, a ponto de virar <strong>uma</strong> referência <strong>no</strong> seucampo de atuação, o SESI vem se reestruturandopara enfrentar os desafi os dos próximos a<strong>no</strong>s, <strong>no</strong>squais o conhecimento e a quali<strong>da</strong>de de vi<strong>da</strong> tendema ganhar ca<strong>da</strong> vez mais ênfase.O Mapa Estratégico <strong>da</strong> enti<strong>da</strong>de, elaboradoem 2006 tendo como horizonte o a<strong>no</strong> de 2010,foi produzido com base <strong>no</strong> Pla<strong>no</strong> Estratégico doSistema Indústria. O Mapa destina-se a balizaras ações do SESI diante de exigências ca<strong>da</strong> vezmaiores que precisam ser atendi<strong>da</strong>s com recursoslimitados. Por isso, <strong>uma</strong> <strong>da</strong>s priori<strong>da</strong>des é criarmecanismos e atingir metas ca<strong>da</strong> vez maisdesafi adoras que permitam monitorar o uso dosrecursos, promovendo ambientes propícios aodesenvolvimento industrial. O desafi o é ampliaros serviços oferecidos às indústrias brasileiras,mantendo o mesmo padrão de excelência quelevou a seu reconhecimento como provedor desoluções sociais para a indústria brasileira.É, portanto, neste contexto, alinhado como Mapa Estratégico <strong>da</strong> Indústria, que coloca aeducação como base <strong>da</strong> competitivi<strong>da</strong>de industriale do desenvolvimento sustentável do país, quesurge o Programa Educação para a Nova Indústria,apresentado pela <strong>CNI</strong>, para ser executado porSESI e SENAI. Com metas ambiciosas e deabrangência nacional, o programa integrará asUni<strong>da</strong>des do Sistema Indústria e parceiros em tor<strong>no</strong>do objetivo comum de elevar o nível educacionaldo trabalhador, por meio <strong>da</strong> ampliação <strong>da</strong> ofertade educação básica e continua<strong>da</strong> e de educaçãoprofi ssional de quali<strong>da</strong>de.Na educação básica e continua<strong>da</strong>, sob aresponsabili<strong>da</strong>de do SESI, os trabalhadores e seusdependentes são estimulados a aprender com foco<strong>no</strong> empreendedorismo, na responsabili<strong>da</strong>de sociale ecológica, na criativi<strong>da</strong>de e na i<strong>no</strong>vação.Por entender que a forma mais eficaz deaprendizado está na criação, os educadores doSESI tem à disposição instrumentos que permitemaos alu<strong>no</strong>s desenvolver a imaginação e com isso fazerdescobertas que levam ao conhecimento e ao gostopor aprender. São os casos, por exemplo, <strong>da</strong> Turma226


do SESINHO e <strong>da</strong> tec<strong>no</strong>logia Lego, na qual as peçasde plástico do célebre jogo infantil são utiliza<strong>da</strong>spara a montagem de objetos destinados a desenvolverdetermina<strong>da</strong>s habili<strong>da</strong>des, como criativi<strong>da</strong>de,força e energia, entre outras. Começando assim, debrincadeira, os alu<strong>no</strong>s aprendem técnicas e métodosque os preparam para enfrentar os desafi os doexigente mercado de trabalho.O SESI atua na pré-escola, ensi<strong>no</strong> regular,fun<strong>da</strong>mental e médio de crianças e adolescentese na educação básica de jovens e adultos e naeducação continua<strong>da</strong> com <strong>uma</strong> infra-estruturade cerca de 12 mil salas de aula, 3,5 miltelessalas para o ensi<strong>no</strong> à distância e mais de200 bibliotecas, to<strong>da</strong>s informatiza<strong>da</strong>s e comacesso gratuito à internet.Entre crianças, jovens e adultos, cerca de2 milhões de pessoas recebem educação doSESI anualmente. O SESI, em parceria com oMinistério <strong>da</strong> Educação desenvolveu o programaPor Um <strong>Brasil</strong> Alfabetizado, alfabetizando maisde 1 milhão de brasileiros <strong>no</strong>s últimos três a<strong>no</strong>s.Esta iniciativa também contempla processo deavaliação que determina o grau de aprendizagem edesenvolvimento de habili<strong>da</strong>des dos alfabetizados.Preparar-se para o futuro e partilhar este futurocom as indústrias é preocupação permanente. AIndústria do Conhecimento, iniciativa lança<strong>da</strong>em 2006, é mais um grande sucesso do SESI. Oprojeto consiste na instalação e equipagem de umespaço destinado a levar conhecimento, cultura etec<strong>no</strong>logia a diferentes comuni<strong>da</strong>des. São mais de140 uni<strong>da</strong>des que já foram construí<strong>da</strong>s, ou estãoem processo de construção em todo o País.Ca<strong>da</strong> uni<strong>da</strong>de <strong>da</strong> Indústria do Conhecimentotem 100 metros quadrados de área, na qual estãodisponíveis biblioteca com cerca de 4 mil livros18 mil títulos eletrônicos, mais CDs e DVDs, 10computadores com acesso gratuito à internet esalas espaço de leitura com revistas, jornais equadrinhos. Com isto o SESI está contribuindopara melhora <strong>da</strong> educação <strong>da</strong> população brasileiraà medi<strong>da</strong> que estas uni<strong>da</strong>des apóiam as escolasquanto ao processo de aprendizagem.Na cultura, esporte e lazer os números dão <strong>uma</strong>idéia clara <strong>da</strong> atuação do SESI: são mais de 2,5mil espaços espalhados por todo o <strong>Brasil</strong>, incluindoauditórios, teatros, cinemas, colônias de férias,clubes do trabalhador, quadras esportivas, camposde futebol, piscinas (olímpicas, semi-olímpicas,infantis e de saltos), ginásios de esportes, estádios,academias e pistas de atletismo.Criados em 1947 – a<strong>no</strong> seguinte à fun<strong>da</strong>ção<strong>da</strong> enti<strong>da</strong>de – e disputados regularmente até hoje,os Jogos do SESI têm a participação de mais de2,0 milhões de trabalhadores em todo o <strong>Brasil</strong>.Inicialmente, são forma<strong>da</strong>s equipes dentro <strong>da</strong>sfábricas para a disputa de competições municipais.Esta etapa é classifi catória para a fase estadualque, por sua vez, vale vaga para os vencedores naetapa nacional dos Jogos.Os vencedores <strong>da</strong> etapa nacional disputam <strong>uma</strong>etapa internacional organiza<strong>da</strong> pela ConfederaçãoEsportiva Internacional do Trabalho. Maisdo que disputar e, eventualmente, vencer, ostrabalhadores são estimulados a aprimorar sua227


condição física para poder competir. Com isso,obtêm <strong>uma</strong> melhora em sua quali<strong>da</strong>de de vi<strong>da</strong>.Na área <strong>da</strong> cultura, o SESI desenvolve projetosde cinema, música, literatura, teatro, culturapopular e arte contemporânea, além de estarinstrumentado para orientar e capacitar agentesculturais, bem como assessorar empresas quedesejem atuar neste segmento, de maneira isola<strong>da</strong>ou em parceria com a enti<strong>da</strong>de.Na saúde, o SESI realiza diversas ativi<strong>da</strong>descom o objetivo de tornar a Indústria brasileiramais saudável. Nas questões relaciona<strong>da</strong>s àsaúde e à segurança do trabalho é sempreimportante conhecer melhor a reali<strong>da</strong>de deca<strong>da</strong> empresa industrial para propor a soluçãoadequa<strong>da</strong> e efetiva. Com esse objetivo o SESIrealiza diagnóstico que identifi ca a situação desaúde e estilo de vi<strong>da</strong> dos trabalhadores de ca<strong>da</strong>indústria e fornece um relatório indicando as reaisnecessi<strong>da</strong>des para aquela população.Considerando que prevenir sempre será melhordo que remediar, o SESI concentra grande esforçoem levar às indústrias e seus trabalhadoresinformações sobre as questões de saúde e desegurança do trabalho. Em todo o <strong>Brasil</strong>, asequipes do SESI realizam ações educativas comopalestras, circuitos e teatro sócio-educativo, sobrediversos temas que afetam a saúde e a segurançados trabalhadores. Somam-se a essas açõespresenciais a produção e distribuição de materialeducativo e os sites informativos disponíveis para oempresário e para o trabalhador. Somente na áreade saúde são mais de 95.000 eventos atingindoaproxima<strong>da</strong>mente 2 milhões de participantes.Mesmo com to<strong>da</strong> a ênfase na prevenção,ain<strong>da</strong> existe grande deman<strong>da</strong> para serviçoscurativos em saúde. Sendo assim, buscando ser<strong>uma</strong> alternativa para a indústria em proporcionarao trabalhador acesso a serviços resolutivos desaúde, o SESI mantém na maioria dos estadosbrasileiros serviço de Assistência Médica eOdontológica, que realizam mais de 9 milhõesde consultas e exames complementares por a<strong>no</strong>.O SESI investe pesado em responsabili<strong>da</strong>desocial, por meio de políticas que mobilizamorganizações públicas e priva<strong>da</strong>s. Convênioscom associações e enti<strong>da</strong>des aju<strong>da</strong>m a levarseus programas a <strong>uma</strong> parcela ain<strong>da</strong> maior <strong>da</strong>população. Os parceiros do SESI também sebenefi ciam, pois além de cumprir com suas metassociais, associam sua imagem a <strong>uma</strong> enti<strong>da</strong>de commais de 60 a<strong>no</strong>s de tradição na promoção do bemestar dos trabalhadores. Por isso, o número deadesões é ca<strong>da</strong> vez maior por parte de empresase organizações <strong>da</strong> maior importância <strong>no</strong> cenárionacional. O Prêmio SESI Quali<strong>da</strong>de <strong>no</strong> Trabalho– PSQT, por exemplo, em sua 13ª. edição, atingiuum número de mais de 2,7 mil empresas inscritas,em 2008. Também se verifi ca grande fi deli<strong>da</strong>dedesses parceiros, os quais de modo geral nãoapenas re<strong>no</strong>vam os acordos de operação conjuntacomo buscam ampliar a ca<strong>da</strong> a<strong>no</strong> estas ações.Além <strong>da</strong>s parcerias, o SESI oferece consultoria,com orientações sobre práticas socialmenteresponsáveis, programas de voluntariado einvestimentos sociais, entre outros itens.228


O IEL hojeO TEMPLO DO EMPREENDEDORISMOSão quatro déca<strong>da</strong>s estreitando as relaçõesentre o aprendizado e a produção. Desdejaneiro de 1969, o Instituto Euvaldo Lodi(IEL), trabalha pelo aperfeiçoamento <strong>da</strong>gestão empresarial através de parcerias entreindústrias e universi<strong>da</strong>des. Junto com o ServiçoSocial <strong>da</strong> Indústria (SESI) e o Serviço <strong>Nacional</strong>de Aprendizagem Industrial (SENAI), o IELcomplementou os esforços <strong>da</strong> Confederação<strong>Nacional</strong> <strong>da</strong> Indústria (<strong>CNI</strong>) para fortalecera formação do setor produtivo. A proposta deaproximar estu<strong>da</strong>ntes às linhas de montagemera i<strong>no</strong>vadora e avança<strong>da</strong>: nenh<strong>uma</strong> enti<strong>da</strong>dehavia investido <strong>no</strong> contato direto dos estagiárioscom o dia-a-dia <strong>da</strong>s indústrias, preparando-ospara a reali<strong>da</strong>de e <strong>da</strong>ndo-lhes a base de seufuturo profissional.Atualmente, os estágios permanecemvitais para o IEL, pois deles dependem odesenvolvimento empresarial e a formaçãode recursos h<strong>uma</strong><strong>no</strong>s qualificados. Masisto está longe de ser a única peça quemovimenta o Instituto. Hoje, através debolsas de estudo, incentiva-se os projetosde desenvolvimento tec<strong>no</strong>lógico e gerencial,<strong>da</strong>ndo apoio às pesquisas e mostrando queos jovens são a autêntica mola propulsora <strong>da</strong>indústria, os agentes <strong>da</strong> i<strong>no</strong>vação e <strong>da</strong> culturaempreendedora dentro <strong>da</strong>s empresas.Os programas desenvolvidos pelo IEL seguemmodelos de excelência na seleção, capacitaçãoe acompanhamento dos alu<strong>no</strong>s. Em 2007, forammais de 102 mil estagiários, 55 mil empresas e10 mil centros de conhecimento envolvidos emtodo <strong>Brasil</strong> e 510 bolsas de estudo concedi<strong>da</strong>s.Tec<strong>no</strong>logia de informação, design, biotec<strong>no</strong>logia,efi ciência energética e construção civil foramalg<strong>uma</strong>s <strong>da</strong>s áreas atendi<strong>da</strong>s. Nesse mesmo a<strong>no</strong>,ain<strong>da</strong>, o Programa de Capacitação Empresarialpara Micro e Pequenas Empresas, realizadoem conjunto com o SEBRAE, benefi ciou 2.605gestores em 86 cursos oferecidos.Esse resultado todo foi refl exo, principalmente,de um quadro que se estabeleceu entre os a<strong>no</strong>sde 1985 e 1998, quando os desafi os impostospelo acelerado processo de mu<strong>da</strong>nças – e devisão – <strong>no</strong>s negócios levaram as empresas abuscar modelos mais moder<strong>no</strong>s de gestão. Nesseperíodo, o IEL diversifi cou sua atuação e, emparceria com as melhores escolas de negóciosdo <strong>Brasil</strong> e exterior, deu início à disseminaçãode conceitos gerenciais nas empresas,proporcionando aos empresários e gestoresferramentas e conhecimentos necessários para229


Por dentro do Sistema: a placa queadorna a entra<strong>da</strong> do edifício RobertoSimonsen (p. ao lado), sede <strong>da</strong> <strong>CNI</strong>em Brasília, ostenta logomarcas <strong>da</strong>squatro enti<strong>da</strong>des que compõem oSistema Indústria – a própria <strong>CNI</strong>,o SESI, o SENAI e o IEL.enfrentar a competição global. Só para se teridéia, desde 1999, os cursos executivos do IEL,em parceria com o Insead (França e Cingapura)e a Wharton (EUA), já capacitaram mais 350executivos em temas como quali<strong>da</strong>de, liderança,estratégia, especifi ci<strong>da</strong>de dos serviços e gestão<strong>da</strong> cadeia de suprimentos.Em 1999, o IEL também ampliou suasações para despertar <strong>no</strong>s empresários <strong>uma</strong>visão estratégica do negócio em que vantagenscompetitivas e oportuni<strong>da</strong>des de mercadopudessem ser antecipa<strong>da</strong>s. E assim consolidousua posição como enti<strong>da</strong>de volta<strong>da</strong> paraempresas e empresários.Em parceria com a Financiadora deEstudos e Projetos (Finep) foi cria<strong>da</strong> a Redede Articulação de Competências para oDesenvolvimento Industrial (RedeComp). É umprojeto que se constitui n<strong>uma</strong> frente produtiva deinformações estratégicas. Através <strong>da</strong> gestão doconhecimento sobre as deman<strong>da</strong>s e necessi<strong>da</strong>des<strong>da</strong> indústria são gerados estudos de prospecçãode tendências e oportuni<strong>da</strong>des, análisestemáticas do setor produtivo e de cenários,subsidiando também o processo de implantação<strong>da</strong>s políticas industriais.Paralelo aos programas de estágio, educaçãoexecutiva, gestão <strong>da</strong> i<strong>no</strong>vação e promoção doempreendedorismo, a partir de 2004, o IELpassou a trabalhar com serviços e soluçõesgerenciais para desenvolvimento empresarial emtodo o território nacional. Isso foi possibilitadoa partir de <strong>uma</strong> rede de Núcleos Regionais,vinculados às Federações de Indústrias, <strong>no</strong>sestados e Distrito Federal. Atualmente, aenti<strong>da</strong>de tem 96 uni<strong>da</strong>des de atendimento quecobrem 456 ci<strong>da</strong>des brasileiras.O objetivo do IEL é priorizar ativi<strong>da</strong>desque gerem resultados coletivos, trabalhando<strong>no</strong>s chamados Arranjos Produtivos Locais(APLs) que contribuem de forma dinâmica parao fortalecimento empresarial e regional. EmAPLs, o IEL realiza diagnósticos empresariaise setoriais, benchmarking, planejamento deprojetos, assessoria, capacitação empresarial,apoio à internacionalização e promoção denegócios. Também desenvolve ações volta<strong>da</strong>sà melhoria <strong>da</strong> quali<strong>da</strong>de, transferência detec<strong>no</strong>logia, valorização <strong>da</strong> cultura local comoestratégia de diferenciação, inserção do design eefi ciência energética nas indústrias.A atuação do IEL se estende por mais de100 APLs. Esses arranjos estão distribuídosem mais de 15 setores econômicos diferentes,entre eles, agro-indústria, têxtil e confecções,madeiras e móveis, construção civil, calçados,rochas ornamentais, marmoraria e cerâmica,gemas e jóias, biotec<strong>no</strong>logia e tec<strong>no</strong>logia <strong>da</strong>informação. Há cerca de oito mil empresasenvolvi<strong>da</strong>s e um número estimado debenefi ciados indiretos em 16 mil.A articulação e parceria com diversasenti<strong>da</strong>des, internas e externas ao SistemaIndústria, são essenciais ao IEL, poismaximizam esforços e geram sinergias para230


criação de emprego, ren<strong>da</strong> e negócios. Nessesentido, o IEL é um dos operadores brasileirosdo Programa AL-INVEST (Eurocentro IEL<strong>Brasil</strong>), financiado pela Comissão Européia,que apóia empresas na busca de oportuni<strong>da</strong>desde cooperação com instituições européiase lati<strong>no</strong>-americanas.O Programa de Desenvolvimento e Qualifi caçãode Fornecedores (PQF) do IEL resultou emaumento <strong>da</strong> competitivi<strong>da</strong>de, redução de custose impactos ambientais a empresas de peque<strong>no</strong>e médio porte. Até 2007, por exemplo, o PQFenvolveu 61 empresas-âncora e 712 fornecedorasem cinco estados. Em 2008, mais 15 estadosoperacionalizarão o programa.Quanto ao futuro, as ações do IEL estãovolta<strong>da</strong>s para a sustentabili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> indústriaem suas perspectivas econômica, sociale ambiental. O desafio é estender essesmoder<strong>no</strong>s conhecimentos gerenciais aempresas de todos os portes, contribuindopara que as cadeias produtivas tornem-seglobaliza<strong>da</strong>s, pois integrar-se ao mundo é ocaminho para o desenvolvimento sustentável.O IEL do século XXI é <strong>uma</strong> instituiçãomoderna, capaz de interpretar a dinâmica<strong>da</strong>s mu<strong>da</strong>nças frente aos avanços <strong>da</strong>eco<strong>no</strong>mia mundial. As ações e projetos doIEL, nas cinco regiões do País, incrementama competitivi<strong>da</strong>de, promovem a culturaempreendedora e i<strong>no</strong>vação e favorecem ocrescimento e desenvolvimento industrialbrasileiro de forma sustenta<strong>da</strong>.231


CRÉDITOS DAS IMAGENSp. 02 – Foto de Fernando Bue<strong>no</strong>.p. 04 e 05 – Fábrica <strong>da</strong> Grendene em Sobral, Ceará – <strong>Brasil</strong>. Foto de FernandoBue<strong>no</strong>.Os Grilhões <strong>da</strong> Colônia (1500 a.C. – 1792)p. 14 – Detalhe do relevo L’Isle du Brésil: la coupe du bois, 1530, em Rouen, fotode Fernando Bue<strong>no</strong>.p. 16 – Desembarque de Cabral em Porto Seguro, óleo de Oscar Pereira <strong>da</strong> Silva,1900, Museu Paulista.p. 17 – Frota de Pedro Álvares Cabral, In: “O Sucesso dos Visoreis”, Lizuarte deAbreu, meados do século XVI, The Pierpont Morgan Library, Nova York.p. 18 – Estaleiro <strong>da</strong> Ribeira <strong>da</strong>s Naus, litografi a de Roque Gameiro, reproduçãode História <strong>da</strong> Colonização Portuguesa <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>.p. 19 – Livro de Traças de Carpintaria, Manuel Fernandes, 1616, Biblioteca<strong>da</strong> Aju<strong>da</strong>, Lisboa.p. 20 – Les Singularitez de la France Antartique, André Thevet, 1557, acervo<strong>da</strong> Fun<strong>da</strong>ção Biblioteca <strong>Nacional</strong>, <strong>Brasil</strong>.p. 21a – Raiz <strong>da</strong> Mandioca, óleo sobre tela, Albert Eckhout, Museu <strong>Nacional</strong><strong>da</strong> Dinamarca, Copenhague.p. 21b - Préparation de la Racine de mendiocca, gravura, 1835, Jean MoritzRugen<strong>da</strong>s, Viagem Pitoresca através do <strong>Brasil</strong>, acervo <strong>da</strong> Fun<strong>da</strong>ção Biblioteca<strong>Nacional</strong>, <strong>Brasil</strong>.p. 22 – Detalhe do relevo L’Isle du Brésil: la coupe du bois, 1530, em Rouen, fotode Fernando Bue<strong>no</strong>.p. 23a – Bois de Pernambouc, Descourtilz, 1829, Bibliothèque Centrale duMuséum National d’Histoire Naturelle, Paris.p. 23b – Lê teinturier en rouge de Nuremberg, manuscrito dos a<strong>no</strong>s 1500,Stadtbibliothek, Nuremberg.p. 24 – Engenho de Açúcar, Frans Post, 1640, Musée Royaux de Beaux-artsde Belgique, Bruxelas.p. 25a – Comme les Indiens Coupent et Traittent le Sucre, Theodore de Bry, 1631,La Galerie Agréable du Monde, acervo <strong>da</strong> Fun<strong>da</strong>ção Biblioteca <strong>Nacional</strong>.p. 25b – Moulin à Sucre, litogravura, 1835, Jean Moritz Rugen<strong>da</strong>s, ViagemPitoresca através do <strong>Brasil</strong>, acervo <strong>da</strong> Fun<strong>da</strong>ção Biblioteca <strong>Nacional</strong>, <strong>Brasil</strong>.p. 25c – Cana de Açúcar, reprodução do livro Seeds of Change, de Ken Azubel,(Macybooks).p. 26 – Fotos de Fernando Bue<strong>no</strong>.p. 27a – Moulins à Sucre du Brésil, 1729, La Galerie Agréable du Monde, PierreVander, acervo <strong>da</strong> Fun<strong>da</strong>ção Biblioteca <strong>Nacional</strong>, <strong>Brasil</strong>.p. 27b – Retrato de Maurício de Nassau, óleo sobre madeira, s.d. Acervo <strong>da</strong>Fun<strong>da</strong>ção Maria Luiza e Oscar America<strong>no</strong> – São Paulo.p. 28a – Negros a fond de Calle, gravura, 1835, Jean Moritz Rugen<strong>da</strong>s, ViagemPitoresca através do <strong>Brasil</strong>, acervo <strong>da</strong> Fun<strong>da</strong>ção Biblioteca <strong>Nacional</strong>, <strong>Brasil</strong>.p. 28b – Escravos <strong>no</strong> Navio, Theophilus Conneau, reprodução do livro A SlaverLog Book (Random House, 1988)p. 29 – Benguela, Angola, Congo, Monjolo, gravura, 1835, Jean MoritzRugen<strong>da</strong>s, Viagem Pitoresca através do <strong>Brasil</strong>, acervo <strong>da</strong> Fun<strong>da</strong>ção Biblioteca<strong>Nacional</strong>, <strong>Brasil</strong>.p. 30a – Maquinário Utilizado na Mineração ou para fi ns Domésticos, desenhode John Mawe, 1817, Arquivo <strong>Nacional</strong>, Rio de Janeiro.p. 30b – Barra de Ouro do período de D. Maria I, 1704, Museu do Ouro, Minas Gerais.p. 31 – Lavagem na Mina de Ouro, perto de Itacolomi, litogravura, 1835, JeanMoritz Rugen<strong>da</strong>s, Viagem Pitoresca através do <strong>Brasil</strong>, acervo <strong>da</strong> Fun<strong>da</strong>çãoBiblioteca <strong>Nacional</strong>, <strong>Brasil</strong>.p. 32 – Lavagem de Diamante em Curralinho, desenho, 1834, Johann Baptist vonSpix e Karl Philipp von Martius, acervo <strong>da</strong> Fun<strong>da</strong>ção Biblioteca <strong>Nacional</strong>, <strong>Brasil</strong>.p. 33a – Sebastião José de Carvalho e Melo, Marquês do Pombal, óleo de LouisMichael Van Loo, 1766, Câmara Municipal de Oeiras.p. 33b – Retrato de D. João V, óleo sobre tela atribuído a Pompeo Batoni, 1ªmetade do século XVIII, Museu do Palácio <strong>Nacional</strong> <strong>da</strong> Aju<strong>da</strong>, Lisboa.p. 34 – D. Maria I, Fidelíssima, gravura de Gaspar Fróis, acervo <strong>da</strong> Fun<strong>da</strong>çãoBiblioteca <strong>Nacional</strong>, <strong>Brasil</strong>.p. 35 – Tiradentes esquartejado, óleo de Pedro Américo, 1893, acervo do MuseuMaria<strong>no</strong> Procópio.Indústria e Independência (1808 – 1888)p. 36 – O Príncipe Regente Passando Revista às Tropas na Azambuja, óleode Domingos António de Serqueira, 1803, Museu do Centro Culturaldo Banco do <strong>Brasil</strong>.p. 38 – Alegoria às Virtudes de Dom João VI, óleo de Domingos António deSerqueira, 1810, reprodução de Dom João e Seu Tempo, Lisboa, 1999.p. 39 – Retrato de José <strong>da</strong> Silva Lisboa, Visconde de Cairú, litografi a de S. A.Sisson, Galeria de <strong>Brasil</strong>eiros Ilustres, 1861, acervo <strong>da</strong> Fun<strong>da</strong>ção Biblioteca<strong>Nacional</strong>, <strong>Brasil</strong>.p. 40 – A<strong>da</strong>m Smith, Vanderblue Collection, reprodução do site www.library.hbs.edu.p. 41 – D. João VI, óleo sobre tela de Jean Baptiste Debret, 1817, Coleção Museu<strong>Nacional</strong> de Belas Artes, Rio de Janeiro.


p. 42 – Fábrica de Ferro de São João do Ipanema em 1827, de Jean Baptiste Debret.p. 43 – Foto de Fernando Bue<strong>no</strong>.p. 44 e 45 – Fotos de Fernando Bue<strong>no</strong>p. 46 – Lavra de Diamantes do Sr. Vidigal, <strong>no</strong> Rio Jequitinhonha, tiragem decascalho, Viagem, de S.S.A.A. Reaes Duque de Saxe e seu Augusto Irmão DomLuis Philippe ao interior do Brazil <strong>no</strong> a<strong>no</strong> de 1868, Auguste Riedel, acervo <strong>da</strong>Fun<strong>da</strong>ção Biblioteca <strong>Nacional</strong>.p. 47 – Foto de Fernando Bue<strong>no</strong>.p. 48 – Retrato de Wilhelm L. Von Eschwege, acervo <strong>da</strong> Fun<strong>da</strong>ção Biblioteca<strong>Nacional</strong>, <strong>Brasil</strong>.p. 49 – Foto de Fernando Bue<strong>no</strong>.p. 50a – Fazen<strong>da</strong> Gongo-Soco, acervo Fazen<strong>da</strong> Gongo-Soco.p. 50b – Foto de Fernando Bue<strong>no</strong>.p. 51 – Lord Thomas Cochrane, 1807, gravura de autor anônimo a partir dequadro de P.H. Stroehling.p. 52 – Detalhe do Diploma <strong>da</strong> Socie<strong>da</strong>de Auxiliadora de Indústria <strong>Nacional</strong> – Sain,gravura, Jean Baptiste Debret, acervo <strong>da</strong> Fun<strong>da</strong>ção Biblioteca <strong>Nacional</strong>, <strong>Brasil</strong>.p. 53 – Diploma <strong>da</strong> Socie<strong>da</strong>de Auxiliadora de Indústria <strong>Nacional</strong> – Sain,gravura, Jean Baptiste Debret, acervo <strong>da</strong> Fun<strong>da</strong>ção Biblioteca <strong>Nacional</strong>, <strong>Brasil</strong>.P. 54 – Foto de Fernando Bue<strong>no</strong>.p. 55 – Diploma de Sócio <strong>da</strong> Socie<strong>da</strong>de Auxiliadora de Indústria <strong>Nacional</strong>– Sain, acervo <strong>da</strong> Fun<strong>da</strong>ção Biblioteca <strong>Nacional</strong>, <strong>Brasil</strong>.p. 56 – Manuel Alves Branco, Segundo Visconde de Caravelas, litografi a de S.A. Sisson, Galeria de <strong>Brasil</strong>eiros Ilustres, 1861, acervo <strong>da</strong> Fun<strong>da</strong>ção Biblioteca<strong>Nacional</strong>, <strong>Brasil</strong>.p. 57 – Alfândega, litografi a, F. Bertichen, acervo <strong>da</strong> Fun<strong>da</strong>ção Biblioteca<strong>Nacional</strong>, <strong>Brasil</strong>.p. 58 – Irineu Evangelista de Sousa - Visconde de Mauá, litografi a de S. A. Sisson,Galeria de <strong>Brasil</strong>eiros Ilustres, acervo <strong>da</strong> Fun<strong>da</strong>ção Biblioteca <strong>Nacional</strong>, <strong>Brasil</strong>.p. 59 – Fábrica <strong>da</strong> Ponta D’Areia, litografi a, P. Bertichen, acervo <strong>da</strong> Fun<strong>da</strong>çãoBiblioteca <strong>Nacional</strong>, <strong>Brasil</strong>.p. 60 – Irineu Evangelista de Sousa - Visconde de Mauá, óleo sobre tela, InstitutoHistórico e Geográfi co <strong>Brasil</strong>eiro, Rio de Janeiro.p. 61 – Foto de Fernando Bue<strong>no</strong>.p. 62 – Estabelecimento de Iluminação a Gás, litografi a de Therier, acervo <strong>da</strong>Fun<strong>da</strong>ção Biblioteca <strong>Nacional</strong>, <strong>Brasil</strong>.p. 63 – Foto de Fernando Bue<strong>no</strong>.p. 64 – Modelo de Locomotiva, segundo o sistema de Stephenson, reproduzidodo álbum Primeira Exposição <strong>Nacional</strong> <strong>Brasil</strong>eira em 1861, acervo <strong>da</strong> Fun<strong>da</strong>çãoBiblioteca <strong>Nacional</strong>, <strong>Brasil</strong>.p. 65 – Inauguração do Imperial Caminho de Ferro de Petrópolis, litografi a,Sebastien Auguste Sisson, Álbum do Rio de Janeiro Moder<strong>no</strong>, Fun<strong>da</strong>çãoBiblioteca <strong>Nacional</strong>, <strong>Brasil</strong>.p. 66 – Estra<strong>da</strong> de Ferro Santos Jundiaí, acervo São Paulo Railway Company(proprie<strong>da</strong>de <strong>da</strong> RFFSA.p. 67 – Foto de Marc Ferrez, acervo Museu do Café (Santos – SP).p. 68a – Quinta de Maria<strong>no</strong> Procópio Ferreira Lage, cerca de 1861, fotografi ade R. H. Klumb, acervo Museu Maria<strong>no</strong> Procópio.p. 68b – Foto de Fernando Bue<strong>no</strong>.p. 69a – Diligência <strong>da</strong> União e Indústria, fotografi a de R. H. Klumb, acervoMuseu Maria<strong>no</strong> Procópio.p. 69b – Maria<strong>no</strong> Procópio Ferreira Lage, cerca de 1860, fotografi a de IsleyPacheco, acervo Museu Maria<strong>no</strong> Procópio.p. 69c – Ponte Americana, fotografi a de R. H. Klumb, acervo MuseuMaria<strong>no</strong> Procópio.p. 69d – Acção <strong>da</strong> União e Indústria, acervo Museu Maria<strong>no</strong> Procópio.p. 70 – Fotografi a de Marc Ferrez, acervo Museu do Café.p. 71 – Café, reprodução de Book of Coffee, Anne Vantal (Avon Books).p. 72a – Retrato de Nicolau Vergueiro, litografi a de S.A. Sisson, Galeria de<strong>Brasil</strong>eiros Ilustres, 1861, acervo <strong>da</strong> Fun<strong>da</strong>ção Biblioteca <strong>Nacional</strong>, <strong>Brasil</strong>.p. 72b – Fazen<strong>da</strong> Ibicaba, acervo Fazen<strong>da</strong> Ibicaba, família José Teodoro Carvalhaes.p. 73 – Foto de Fernando Bue<strong>no</strong>.p. 74a – Fazen<strong>da</strong> Ibicaba, acervo Fazen<strong>da</strong> Ibicaba. Família José Teodoro Carvalhaes.p. 74b - Fazen<strong>da</strong> Ibicaba, acervo Fazen<strong>da</strong> Ibicaba. Família José Teodoro Carvalhaes.p. 75 – Foto de Fernando Bue<strong>no</strong>.p. 76a – Exposição <strong>Nacional</strong>, gravura, in Catálogo <strong>da</strong> Exposição Universal,acervo <strong>da</strong> Fun<strong>da</strong>ção Biblioteca <strong>Nacional</strong>, <strong>Brasil</strong>.p. 76b – Reprodução de Máquinas Expostas, in Catálogo <strong>da</strong> Exposição <strong>Nacional</strong>de 1861, acervo <strong>da</strong> Fun<strong>da</strong>ção Biblioteca <strong>Nacional</strong>, <strong>Brasil</strong>.p. 76c – Reprodução de Máquinas, in Catálogo <strong>da</strong> Exposição <strong>Nacional</strong> de 1861,acervo <strong>da</strong> Fun<strong>da</strong>ção Biblioteca <strong>Nacional</strong>, <strong>Brasil</strong>.p. 77a – Ataque del Boquéron visto desde el Potrero Piris, óleo sobre tela, 1897,Cândido López, Coléccion Museo Histórico <strong>Nacional</strong>, Bue<strong>no</strong>s Aires, Argentina.p. 77b – Reprodução de Máquinas, in Catálogo <strong>da</strong> Exposição <strong>Nacional</strong> de 1861,acervo <strong>da</strong> Fun<strong>da</strong>ção Biblioteca <strong>Nacional</strong>, <strong>Brasil</strong>.p. 78 – Plantas do <strong>Brasil</strong>, litografi a, Jean Baptiste Debret, Voyage Pittoresque, 1834.p. 79a – Etiqueta para Tecidos, registra<strong>da</strong> pela Companhia Petropolitana,Rio de Janeiro, 1888, Arquivo <strong>Nacional</strong>, Rio de Janeiro.p. 79b – Etiqueta para Tecidos, registra<strong>da</strong> pela Companhia Petropolitana,Rio de Janeiro, 1888, Arquivo <strong>Nacional</strong>, Rio de Janeiro.


p. 80a – Memória <strong>CNI</strong>, foto de Fernando Bue<strong>no</strong>.p. 80b – Companhia Industrial de Valença – Edifício <strong>da</strong> Fábrica, álbum doEstado do Rio de Janeiro, 1922, acervo <strong>da</strong> Fun<strong>da</strong>ção Biblioteca <strong>Nacional</strong>, <strong>Brasil</strong>.p. 81 – Acervo Centro de Memória Bunge.p. 82a – Antônio <strong>da</strong> Silva Prado, suplemento de rotogravura de O Estado de S.Paulo, a<strong>no</strong> 10, nº 153, fevereiro de 1940.p. 82b – Vi<strong>da</strong> Nova, Dura Vi<strong>da</strong>, Retrato de Famílias de Imigrantes em São Paulonas últimas déca<strong>da</strong>s do século XIX e primeiras do século XX, Memorial doImigrante, SP.p. 83 – Colheita de Café em Araraquara – São Paulo, colotipia em p&b publica<strong>da</strong>em Lembranças de São Paulo de G. Gaensly, 1902, acervo <strong>da</strong> Fun<strong>da</strong>çãoBiblioteca <strong>Nacional</strong>, <strong>Brasil</strong>.p. 84a – Curtume Momberger, déca<strong>da</strong> de 1920. Museu <strong>Nacional</strong> do Calçado,Novo Hamburgo/RS.p. 84b – Charquea<strong>da</strong> do <strong>Brasil</strong>, aquarela sobre papel, Jean Baptiste Debret,1828, Museu Castro Maya, Rio de Janeiro.p. 85a – Foto de Pedro A<strong>da</strong>ms Filho, reproduzi<strong>da</strong> de Rio Grande do Sul Colonial,Societé de Publicité Sud-Americana, Moute Domck’x-Cie., Barcelona, 1918.Acervo de Fernando Mosmann.p. 85b – Setor de montagem <strong>da</strong> primeira fábrica de Pedro A<strong>da</strong>ms Filho,reproduzi<strong>da</strong> de Memória do setor coureiro-calçadista: pioneiros e empreendedoresdo Vale do Rio dos Si<strong>no</strong>s, Claudia Schemes, Cleber Cristia<strong>no</strong> Pro<strong>da</strong><strong>no</strong>v, I<strong>da</strong>Helena Thön, Rodrigo Perla Martins, Novo Hamburgo: Feevale, 2005.p. 86 – Fotografi a Pharmácia Granado, Marc Ferrez, 1888, acervo <strong>da</strong> Fun<strong>da</strong>çãoBiblioteca <strong>Nacional</strong>, <strong>Brasil</strong>.p. 87 – Boletim Pharmaceutico, 1922, acervo Biblioteca do CQ-USP.p. 88 – Diploma <strong>da</strong> Exposição <strong>da</strong> Indústria <strong>Nacional</strong> de 1881, acervo <strong>da</strong>Fun<strong>da</strong>ção Biblioteca <strong>Nacional</strong>, <strong>Brasil</strong>.p. 89a – Lei n. 3.353 – 13 de Maio - Agora Sim!, etiqueta para tecidos registra<strong>da</strong>por Samuel, Irmãos e Cia., 1888, acervo Arquivo <strong>Nacional</strong>, Rio de Janeiro.p. 89b – A Caminho <strong>da</strong> Roça, gravura de Victor Frond, 1861, Coleção Josée Guita Mindlin.A Belle Époque Industrial (1889 – 1929)p. 90 – Cartão Postal, Coleção Rubens Fernandes Junior.p. 92 – Nasce a República, óleo sobre tela, Pedro Bru<strong>no</strong>, 1919, Museu <strong>da</strong>República, Rio de Janeiro.P. 93 – Ilustração <strong>da</strong> capa do livro O Encilhamento, do Visconde de Taunay,originalmente publicado em 1893, reprodução do livro <strong>da</strong> edição <strong>da</strong> EditoraMelhoramentos, de 1931.P. 94 – Fotografi as de Marc Ferrez, acervo Museu do Café.P. 95a – 1º Trecho do Cais Porto do Rio de Janeiro – inaugurado em 1906, fotode Leandro Joaquim, acervo Museu <strong>da</strong> República.P. 95b – Porto do Rio de Janeiro, foto de Leandro Joaquim, acervo Museu <strong>da</strong> República.P. 96 – Memória <strong>CNI</strong>, foto de Fernando Bue<strong>no</strong>.P. 97 – Jorge Street em festa na Vila Maria Zélia, 1919, acervo Família Street.P. 98a – Jorge Street, acervo Família Street.P. 98b – Embarque de Café em Santos, acervo Gi<strong>no</strong> Cal<strong>da</strong>tto Barbosa.P. 99a – Propagan<strong>da</strong> <strong>da</strong> Fábrica Santana, 1892, acervo HonórioÁlvares Penteado.P. 99b – Conde Antonio Álvares Penteado, acervo Veridiana Prado.P. 100a – Foto de Fernando Bue<strong>no</strong>.P. 100b – Vista <strong>da</strong> Vila Maria Zélia com a Fábrica ao fundo, 1918, reproduçãodo livro Prestes Maia e as Origens do Urbanismo Moder<strong>no</strong> em São Paulo,de Benedito de Lima Toledo, Empresa <strong>da</strong>s Artes, 1996.P. 101 – Fotos de Fernando Bue<strong>no</strong>.P. 102 – Foto de Jean Manzon.P. 103a – Pavilhão <strong>da</strong> Fábrica Bangu na Exposição <strong>Nacional</strong> de 1908, fotode Augusto Malta, Arquivo Ci<strong>da</strong>de do Rio de Janeiro.P. 103b – Pavilhão <strong>da</strong>s Indústrias - Exposição <strong>Nacional</strong> de 1908, cartão-postal,acervo <strong>da</strong> Fun<strong>da</strong>ção Biblioteca <strong>Nacional</strong>, <strong>Brasil</strong>.P. 104a – Logotipo <strong>da</strong>s Indústrias Matarazzo, reprodução do livro São Paulo e seushomens <strong>no</strong> Centenário vol 1., acervo <strong>da</strong> Fun<strong>da</strong>ção Biblioteca <strong>Nacional</strong>, <strong>Brasil</strong>.P. 104b – Moinho Matarazzo, reprodução do livro São Paulo e seus homens<strong>no</strong> Centenário vol 1., acervo <strong>da</strong> Fun<strong>da</strong>ção Biblioteca <strong>Nacional</strong>, <strong>Brasil</strong>.P. 105a – Logotipo de Matarazzo, reprodução do livro São Paulo e seus homens<strong>no</strong> Centenário vol 1., acervo <strong>da</strong> Fun<strong>da</strong>ção Biblioteca <strong>Nacional</strong>, <strong>Brasil</strong>.P. 105b – Conde Francisco Matarazzo, acervo <strong>da</strong> Fun<strong>da</strong>ção Biblioteca<strong>Nacional</strong>, <strong>Brasil</strong>.P. 106a – Memória <strong>CNI</strong>, foto de Fernando Bue<strong>no</strong>.P. 106b – Foto de Fernando Bue<strong>no</strong>.P. 107a – Il <strong>Brasil</strong>i e gli italiani, 1906, coleção João Trinca, São Paulo.P. 107b – Me<strong>no</strong>res trabalhando na Fábrica Santana, 1931, arquivo LindolfoCollor, Fun<strong>da</strong>ção Getúlio Vargas – CPDOC.P. 108a – Memória <strong>CNI</strong>, foto de Fernando Bue<strong>no</strong>.P. 108b – Auguste Riedel, acervo <strong>da</strong> Fun<strong>da</strong>ção Biblioteca <strong>Nacional</strong>, <strong>Brasil</strong>.P. 109 – Delmiro Gouveia, coleção Delmiro Gouveia dos Santos.P. 110 – Percival Farquhar, Biblioteca Municipal Mário de Andrade, São Paulo.P. 111a – Anúncio Light, acervo Light.P. 111b – Usina Provisória em 1889, acervo Eletropaulo.


P. 112 – Fotografi a de Percival Farquhar, Sr. Charlton e Sr. Grosse <strong>no</strong> Picodo Cauê em Itabira, MG, 1935, Arquivo Jornal <strong>da</strong> Vale. CVRD.P. 113 – Caboclos Armados, Guerra do Contestado, reprodução.P. 114a – O Inevitável, S. Lukin, reprodução do livro História do Século 20,Abril Cultural.P. 114b – Grevistas <strong>no</strong> Largo do Palácio, 1917, reprodução.P. 115 – Cartazes Incentivando a População ao Esforço de Guerra, InstitutoHistórico e Geográfi co <strong>Brasil</strong>eiro, Rio de Janeiro.P. 116a – Paquete Itagiba – Cia. <strong>Nacional</strong> de Navegação Costeira, cartão postal,1915, reprodução do livro Navios e Portos do <strong>Brasil</strong> <strong>no</strong>s Cartões Postais e Álbuns deLembranças, de João Emilio Gerodetti e Carlos Cornejo, Solaris Edições Culturais.P. 116b – A Construção do Itaquatiá na Ilha do Vianna, acervo <strong>da</strong> Fun<strong>da</strong>çãoBiblioteca <strong>Nacional</strong>, <strong>Brasil</strong>.P. 117a – Henrique Lage, acervo Companhia <strong>da</strong>s Docas de Imbituba.P. 117b – Alu<strong>no</strong>s do curso de mineração de carvão do Senai, Siderópolis, SantaCatarina, acervo <strong>CNI</strong>.P. 118a – Albi<strong>no</strong> de Souza Cruz, 1926, litografi a, reprodução do livro História <strong>da</strong>Colonização Portuguesa do <strong>Brasil</strong>, Porto, Portugal.P. 118b – Memória <strong>CNI</strong>, foto de Fernando Bue<strong>no</strong>.P. 118c – Vista Geral <strong>da</strong>s Instalações <strong>da</strong> Fábrica Souza Cruz, na Rua Condede Bonfi m, Tijuca, Rio de Janeiro, <strong>no</strong> princípio do século 20, acervo Souza Cruz S.A.P. 119a – Fábrica de Charutos, fotografi a de Arquimedes Moreira, Pasta deDocumentos do Estado <strong>da</strong> Bahia, acervo Fun<strong>da</strong>ção Biblioteca <strong>Nacional</strong>, <strong>Brasil</strong>.P. 119b – Interior de <strong>uma</strong> Fábrica, fotografi a de Arquimedes Moreira, Pasta deDocumentos do Estado <strong>da</strong> Bahia, acervo Fun<strong>da</strong>ção Biblioteca <strong>Nacional</strong>, <strong>Brasil</strong>.P. 119c – Rótulo com retrato do fun<strong>da</strong>dor <strong>da</strong> empresa Geraldo Dannemann,acervo Dannemann.P. 120a e b – Anúncios Antarctica e Brahma, reprodução do livro A Propagan<strong>da</strong><strong>no</strong> <strong>Brasil</strong> Através do Cartão Postal (1900 – 1950), Samuel Gorberg, 2002.P. 121a – Fábrica de Vidro Santa Marina, acervo Fun<strong>da</strong>ção Biblioteca<strong>Nacional</strong>, <strong>Brasil</strong>.P. 121b – Fábrica Santa Marina <strong>no</strong> início do século XX, acervo Saint Gobain /Santa Marina.P. 122a – Anúncio Gessy publicado na revista Eu Sei Tudo, Rio de Janeiro, 1921.P. 122b – Anúncio sabonete Eucalol publicado na revista O Cruzeiro,7 de maio de 1960.P. 123a – Caminhão Neugebauer, Memória Neugebauer.P. 123b – Cacau, reprodução do livro Chocolate the Sweet Story, Beth Kimmerle,Collectors Press, 2005.P. 124a – Ramenzoni, anúncio publicado na Revista Ilustração <strong>Brasil</strong>eira,setembro de 1929, acervo Fun<strong>da</strong>ção Biblioteca <strong>Nacional</strong>, <strong>Brasil</strong>.P. 124b – Manifestação Popular na Déca<strong>da</strong> de 30, CPDOC – arquivoGustavo Capanema.P. 125 – Brunetto, anúncio publicado <strong>no</strong> Livro de Ouro do 1º Centenário <strong>da</strong>Independência, 1922, Editora Laemmert, Rio de Janeiro.P. 126a – Reprodução quadro de Antônio Pivost Rodovalho, Museu <strong>da</strong> CaixaFederal em São Paulo.P. 126b – Uma <strong>da</strong>s Seções do Estabelecimento Weiszfl og Irmãos e Cia. Reproduçãodo livro 100 a<strong>no</strong>s de Melhoramentos (1890 – 1990), Hernani Donato, 1990.P. 127 – Re<strong>da</strong>ção <strong>da</strong> Revista do <strong>Brasil</strong>, acervo Família Monteiro Lobato.P. 128 – Antonio Pereira Ignácio, reprodução do livro São Paulo e seus homens<strong>no</strong> Centenário vol 1., acervo <strong>da</strong> Fun<strong>da</strong>ção Biblioteca <strong>Nacional</strong>, <strong>Brasil</strong>.P. 129a – José Ermírio de Moraes, acervo Memória Votorantim.P. 129b – Capa do Memorando <strong>da</strong> Fábrica de Tecidos Votorantim, déca<strong>da</strong> de 10,acervo Memória Votorantim.P. 130 – Diretoria do Centro <strong>da</strong>s Indústrias do Estado de São Paulo, 1928, SENAI– SP / acervo Projeto Memória.P. 131 – Acervo revista O Cruzeiro.Um País em Linha de Montagem (1930 – 1954)P. 132 – Festejos do Dia do Trabalho, Rio de Janeiro, 1942, acervo <strong>CNI</strong>.P. 134 – Os Gaúchos <strong>no</strong> Obelisco, óleo de Anilceu Cosendey, reprodução do livroHistória do <strong>Brasil</strong>, vol. III, Bloch Editores, 1972.P. 135a – Memória <strong>CNI</strong>, foto de Fernando Bue<strong>no</strong>.P. 135b – Chamamento às Armas, cartaz <strong>da</strong> Revolução Constitucionalista de1932, Arquivo <strong>Nacional</strong>, Rio de Janeiro.P. 136a – Roberto Simonsen, 1937, em Il Pasqui<strong>no</strong> Coloniale, acervo InstitutoHistórico e Geográfi co de São Paulo.P. 136b – Foto de Fernando Bue<strong>no</strong>.P. 137 – Roberto Simonsen, acervo <strong>CNI</strong>.P. 138 – Euvaldo Lodi, acervo <strong>CNI</strong>.P. 139a – Getúlio Vargas ao lado de Euvaldo Lodi, acervo <strong>CNI</strong>.P. 139b – Memória <strong>CNI</strong>, foto de Fernando Bue<strong>no</strong>.P. 140a – Carteira de Trabalho de Getúlio Vargas, acervo Museu <strong>da</strong> República,Rio de Janeiro.P. 140b – Ministro Lindolfo Collor em seu Gabinete de Trabalho, 1931, CPDOC– Fun<strong>da</strong>ção Getúlio Vargas.P. 141 – Homenagem ao Estado Novo, <strong>no</strong>vembro de 1940, acervo Arquivo<strong>Nacional</strong>, Rio de Janeiro.P. 142 – Memória <strong>CNI</strong>, fotos de Fernando Bue<strong>no</strong>.


P. 143a – Euvaldo Lodi e Roberto Simonsen recebem visita de Getúlio Vargasem escola do SENAI em 1943, acervo <strong>CNI</strong>.P. 143b – Logotipo <strong>CNI</strong>, acervo <strong>CNI</strong>.P. 144 – Logotipo SENAI, acervo <strong>CNI</strong>.P. 145a – Acervo <strong>CNI</strong>.P. 145b – Acervo <strong>CNI</strong>.P. 146 – Memória fotográfi ca, acervo <strong>CNI</strong>.P. 147 – Memória fotográfi ca, acervo <strong>CNI</strong>.P. 148 – Roosevelt e Vargas em Natal, em janeiro de 1943, coleção PedroCorrêa do Lago.P. 149 – Acervo <strong>CNI</strong>.P. 150 – Acervo <strong>CNI</strong>.P. 151 – Acervo <strong>CNI</strong>.P. 152 – Ger<strong>da</strong>u Aço - Minas Ouro Branco, Minas Gerais, fotografi a de LeonidStreliaev, acervo Ger<strong>da</strong>u.P. 153 – Foto de Fernando Bue<strong>no</strong>.P. 154a – Osvaldo Aranha e Noel Charles, junho de 1942, Rio de Janeiro,Arquivo <strong>Nacional</strong>, Agência <strong>Nacional</strong>.P. 154b – Mina do Cauê, 1948, Itabira, Minas Gerais, CVRD, Arquivo Jornal<strong>da</strong> Vale.P. 155a – Escavadeira e trabalhadores em operação na Mina do Cauê, Itabira,Minas Gerais, CVRD, Arquivo Jornal <strong>da</strong> Vale.P. 155b – Mina do Cauê, Itabira, Minas Gerais, CVRD, Arquivo Jornal <strong>da</strong> Vale.P. 156a – Construção <strong>da</strong> Estação de Cavalinhos <strong>da</strong> Estra<strong>da</strong> de Ferro Vitória aMinas, 1942 - 1945, foto: Mozart, CVRD, Arquivo Jornal <strong>da</strong> Vale.P. 156b – Minério de Ferro sendo descarregado dos Caminhões <strong>no</strong> Porto deVitória, Espírito Santo, 1940, foto: Erich Hess, CVRD, Arquivo Jornal <strong>da</strong> Vale.P. 157a – Ilustração de Belmonte, 1933, Cia. Editora <strong>Nacional</strong>.P. 157b – Inauguração do Porto de Tubarão, Vitória, Espírito Santo, 1966,CVRD, Arquivo Sucem.P. 159 – Foto de Fernando Bue<strong>no</strong>.P. 160a – José Ermírio de Moraes, acervo Memória Votorantim.P. 160b – Fábrica de Cimento Santa Helena, déca<strong>da</strong> de 20, acervoMemória Votorantim.P. 161a – Hevea brasiliensis, British Museum.P. 161b – Cartaz pra Incentivar a Produção de Borracha, Arquivo <strong>Nacional</strong>,Rio de JaneiroP. 162 – Conferência <strong>Nacional</strong> <strong>da</strong>s Classes <strong>Produto</strong>ras, 1949, Agência <strong>Nacional</strong>.P. 163 – Presidente Dutra, óleo de Kronstrand, Museu <strong>da</strong> República.P. 164 – SESI, acervo <strong>CNI</strong>.P. 165a – Presidente Gaspar Dutra, D. Jaime Câmara e Roberto Simonsen,Agência <strong>Nacional</strong>.P. 165b – Membros do Conselho <strong>Nacional</strong> do SESI, 1949, acervo <strong>CNI</strong>.P. 166 e 167 – Memória fotográfi ca SESI, acervo <strong>CNI</strong>.P. 168 – Roberto Simonsen, acervo <strong>CNI</strong>.P. 169 – Fun<strong>da</strong>ção Getúlio Vargas.P. 170a – Capa do livro O Poço do Visconde, Monteiro Lobato, lançado em 1937,Cia. Editora <strong>Nacional</strong>.P. 170b – Banco de Imagens Petrobras.P. 171 – Técnicos diante <strong>da</strong> tubulação de <strong>uma</strong> Usina Petrolífera, Banco deImagens Petrobras.P. 172a – Campanha O Petróleo é Nosso, Banco de Imagens Petrobras.P. 172b – Oscar Cordeiro diante do Poço de Lobato, Bahia, Bancode Imagens Petrobrás.P. 173 – Capa do livro A Luta pelo Petróleo, ilustração Belmonte, Cia. Editora<strong>Nacional</strong>.P. 174a – Marco Comemorativo, construído <strong>no</strong> local <strong>da</strong> perfuração do campode Lobato, Banco de Imagens Petrobrás.P. 174b – Manifestação em prol <strong>da</strong> campanha O Petróleo é Nosso, Bahia, Bancode Imagens Petrobrás.P. 175 – Foto de Antônio Luis Han<strong>da</strong>m.P. 177 – Morte de Getúlio, foto de Salomão Scliar, revista Manchete, 04/09/1954.O <strong>Brasil</strong> Produz Brasília (1955 – 1999)P. 178 – O Congresso <strong>Nacional</strong> em Obras, Brasília, 1960, foto de Luiz Carlos Barreto.P. 180 – JK apresentando resultados dos primeiros a<strong>no</strong>s de gover<strong>no</strong>, Rio deJaneiro, 30/01/1958, Arquivo <strong>Nacional</strong>, Fundo Agência <strong>Nacional</strong>.P. 181 – Foto de Jean Manzon.P. 182a – Anúncio Romi Isetta, reproduzido <strong>da</strong> revista Seleções.P. 182b – Fábrica Romi, Exposição Homens e Máquinas, SESI 45 a<strong>no</strong>s, acervo <strong>CNI</strong>.P. 183 – anúncio DKW-Vemag, revista Seleções, janeiro 1965.P. 184 – Acervo <strong>CNI</strong>.P. 185a – Mecânica Randon, acervo Memória Randon S.A.P. 185b – Marcopolo, Linha de Produção <strong>da</strong> Uni<strong>da</strong>de Planalto na déca<strong>da</strong> de 50,acervo Memória Marcopolo S.A.P. 186 – Perspectiva <strong>da</strong> Usina Hidrelétrica Furnas, reproduzi<strong>da</strong> do periódicoO Observador Econômico e Financeiro, Rio de Janeiro, março de 1958.P. 187 – Visão Pa<strong>no</strong>râmica <strong>da</strong> Esplana<strong>da</strong> dos Ministérios junto à Praça dos TrêsPoderes, fotografi a de Hélio Coscarrelli, reprodução <strong>da</strong> revista A História de Brasília.P. 188 – Acervo <strong>CNI</strong>.


P. 190a – Primeira construção de alvenaria <strong>da</strong> Tigre, 1946, acervo Companhia Hansen.P. 190b – Vista aérea <strong>da</strong> Tigre, acervo Companhia Hansen.P. 191 – Residências de Brasília, reprodução <strong>da</strong> revista A História de Brasília.P. 192a – Anúncio extrato de tomate Elefante, 1954, Centro de História Unilever.P. 192b – Anúncio extrato de tomate Peixe, revista Seleções nº 129, outubro de 1952.P. 193a – Edifício do Moinho, 1944, acervo histórico Sadia S.A.P. 193b – Acervo histórico Perdigão Agroindustrial S.A.P. 194a – Trabalhadores em linha de montagem de geladeiras, São Paulo, acervo <strong>CNI</strong>.P. 194b – Vista geral <strong>da</strong> fábrica de geladeiras Steigleder, reproduzido do livroAlbum zur Jahrhundert - Feier der Deutschen Kolonisation in Rio Grande do Sul- <strong>Brasil</strong>ien, 1824 - 1924. Acervo de Ana A<strong>da</strong>ms.P. 195a – Anúncio liquidifi cadores Ar<strong>no</strong>, revista Manchete.P. 195b – Anúncio Brastemp, revista Seleções, outubro de 1960.P. 195c – Anúncio Brastemp, revista O Cruzeiro, 30/07/1960.P. 195d – Anúncio Walita, revista O Cruzeiro, 16/09/1961.P. 196a – Bernardo Kocubej, fun<strong>da</strong>dor <strong>da</strong> Fábrica Invictus, reprodução do sitewww.earlytelevision.org.P. 196b – TV Invictus, 1962, <strong>Brasil</strong>, modelo CT-11, reprodução do site www.earlytelevision.org.p. 197a – Trabalhadores <strong>da</strong> Invictus, 1952, reprodução do site www.earlytelevision.org.P. 197b – Linha de montagem de fábrica de TV, acervo <strong>CNI</strong>.P. 197c – Indústria em Technicolor, acervo <strong>CNI</strong>.P. 198a – Pelé em Anúncio Bicicletas Monark, revista O Cruzeiro, 23/06/1966.P. 198b – Anúncio de brinquedos Estrela, revista O Cruzeiro, 04/12/1954.P. 199a – Jânio Quadros e Jusceli<strong>no</strong> Kubitschek, acervo Arquivo <strong>Nacional</strong>.P. 199b – JK, acervo <strong>CNI</strong>.P. 200 – Acervo <strong>CNI</strong>.P. 201a – Os generais Castelo Branco, Costa e Silva e Orlando Geisel em visita aPorto Alegre em abril de 1964, banco de <strong>da</strong>dos Zero Hora, Agência RBS.P. 201b – Presidente Figueiredo, foto de Jair Cardoso, CPDOC JB.P. 202 – Acervo <strong>CNI</strong>.P. 203 – Acervo <strong>CNI</strong>.P. 204 – Anúncio <strong>da</strong> Construtora Odebrecht, revista Manchete, 02/08/1975.P. 205 – Usina de Angra, acervo Eletronuclear – Eletrobrás.P. 206 – Soja – ilustração de Hiroe Sasaki.P. 207 – Acervo <strong>CNI</strong>.P. 208a – Trabalhador levando pacote econômico SESI em bicicleta, acervo <strong>CNI</strong>.P. 208b – José Sarney, Antônio Carlos Magalhães e Jarbas Passarinho, foto deAntônio Dorgivan, CPDOC JB.P. 209 – Collor e a mulher Rosane a bordo do Challenger durante a campanha,fotografi a de Orlando Brito.P. 210 – Itamar Franco, foto de Orlando Brito.P. 211 – Campanha de Combate à Fome, acervo <strong>CNI</strong>.P. 212a – Luiz Inácio Lula <strong>da</strong> Silva, fotografi a de Fernando Pereira, CPDOC JB.P. 212b – Lula em reunião com 50 mil trabalhadores <strong>no</strong> Estádio <strong>da</strong> Vila Euclides,São Bernardo do Campo, fotografi a de Fernando Pereira, CPDOC JB.P. 213 – Visita de Lula ao SENAI, acervo <strong>CNI</strong>.P. 214 – Foto de Fernando Bue<strong>no</strong>.P. 217 – Foto de Fernando Bue<strong>no</strong>.P. 221a – Acervo <strong>CNI</strong>.P. 221b – Acervo <strong>CNI</strong>.P. 221c – Acervo <strong>CNI</strong>.P. 229 – Acervo <strong>CNI</strong>.O Novo Milênio: Por Dentro do Sistema (Além de 2001)P. 214 – Foto de Fernando Bue<strong>no</strong>.P. 217 – Fotos de Fernando Bue<strong>no</strong>.P. 219 – Acervo <strong>CNI</strong>.P. 221 – Acervo <strong>CNI</strong>.P. 225 – Acervo SENAI.P. 231 – Foto de Fernando Bue<strong>no</strong>.


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Formato: 25 x 20,3cmTipologia: Bodoni e UniversPapel: Couché fosco 150g/m2Número de páginas: 240Tiragem: 5.000Impressão: Gráfica PallottiA<strong>no</strong>: 2008

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