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genetica-na-sindrome.. - Luzimar Teixeira

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G E N É T I C ANos últimos anos, graçasàs técnicas de biologiamolecular, os cientistasvêm constatandoque diversas doençascaracterizadas pordeficiências mentaise anormalidades físicasestão associadasà ausência de pequenosfragmentos de DNA(microdeleções).Entre essas doençasgenéticas está a síndromede Williams, decorrentede microdeleçõesno cromossomo 7.Pesquisas realizadasem vários países, inclusiveno Brasil, estão ajudandoa desvendar os genes cujaausência causa cada umadas manifestações clínicasda síndrome, o que ajudaráa desenvolver novostratamentos para os seusportadores.Síndromede Williamsmicrodeleçõesno cromossomo 7Maria Rita Passos-BuenoCentro de Estudosdo Genoma Humano,Departamento de Biologia,Universidade de São PauloO genoma da espécie huma<strong>na</strong> contém 3,5 bilhões de nucleotídeos, aunidade básica da molécula de DNA, organizados em23 pares de cromossomos (figura 1), nos quais estãodistribuídos nossos 30 mil a 40 mil genes. Esse númerode genes é a estimativa mais recente, baseada nosdados atualmente disponíveis sobre o seqüenciamentodesses nucleotídeos. Tais dados talvez sejam modificadosdepois que o funcio<strong>na</strong>mento do DNA humanofor totalmente desvendado.O que é um gene? À medida que nosso conhecimentosobre o genoma avança, fica mais difícil respondera essa pergunta. Neste artigo, genes serãodefinidos como segmentos de DNA que codificamproteí<strong>na</strong>s ou as unidades que as formam. Em relaçãoàs proteí<strong>na</strong>s, podemos dizer que é através delas que ocódigo genético se expressa. Assim, erros em genes(mutações) podem resultar <strong>na</strong> ausência funcio<strong>na</strong>l dasproteí<strong>na</strong>s correspondentes e em conseqüência emuma manifestação clínica ou fenotípica (portanto visível),causando uma doença genética.38 • CIÊNCIA HOJE • vol. 30 • nº 178


G E N É T I C A7Figura 2. Par do cromossomo 7,com destaque para a região quepode estar ausente nos pacientescom síndrome de WilliamsO funcio<strong>na</strong>mento adequadodo organismo depende de umaconstituição gênica e cromossômicanormal. Entre as alteraçõesnos cromossomos, a maiscomum – e também a mais conhecida– é a síndrome de Down,caracterizada pela presença deum cromossomo 21 a mais (trissomia). No albinismo,que também aparece entre as doenças gênicas maiscitadas, ocorre um erro em ape<strong>na</strong>s um gene associadoà produção do pigmento celular melani<strong>na</strong>, tor<strong>na</strong>ndoessa produção deficiente.O exame laboratorial para estudo das alteraçõesem cromossomos é o cariótipo, enquanto a análisede mutações gênicas exige técnicas de biologiamolecular. O uso dessas técnicas, que avançarammuito nos últimos anos, tem permitido constatarque muitas condições raras, em geral associadas adeficiência mental e anormalidades físicas, sãocausadas pela falta de pequenos segmentos de DNAnos cromossomos (as chamadas ‘microdeleções’).Entre essas condições, destacaremos a síndrome deWilliams, decorrente de uma microdeleção nocromossomo 7 (figura 2).CARACTERÍSTICAS CLÍNICAS DA DOENÇATambém conhecida como síndrome de Williams-Beuren, essa doença genética é relativamente rara:atinge um indivíduo a cada 20 mil <strong>na</strong>scimentos,aproximadamente. Seu nome home<strong>na</strong>geia doiscardiologistas, o neozelandês J. C. P. Williams e oalemão Alois J. Beuren (1919-1984), que a descreveramhá 40 anos. Um fato misterioso sobre Williamsé que ele deixou a Nova Zelândia para trabalhar<strong>na</strong> Inglaterra, poucos anos após a descrição dadoença, e desapareceu sem deixar qualquer pista.Os pacientes com essa síndrome têm uma facecaracterística, com um conjunto de discretos si<strong>na</strong>isfaciais, incluindo <strong>na</strong>riz com formato atípico (baseachatada, com <strong>na</strong>ri<strong>na</strong>s voltadas para diante), bocagrande e mandíbula peque<strong>na</strong>. O peso, ao <strong>na</strong>scer,está abaixo do normal, e o crescimento pós-<strong>na</strong>talsofre um atraso. A puberdade é com freqüênciaFigura 3. Desenhos de uma bicicleta feitospor uma meni<strong>na</strong> com síndrome de Williams,quando tinha 9 anos e 7 meses (A)e três anos depois, com 12 anos e 11 meses (B)precoce, o que contribui para que os pacientesadultos tenham baixa estatura. Na vida adulta, osportadores da síndrome podem ser obesos.Três em cada quatro portadores da síndrome deWilliams apresentam alterações cardiovasculares,como estenose (estreitamento) da aorta e às vezes deoutras artérias. Outras anormalidades podem ocorrer,como hipercalcemia (excesso de cálcio no sangue)<strong>na</strong> infância e alterações no aparelho urinário,além de problemas oculares, ortopédicos e gastrointesti<strong>na</strong>is.Assim, se houver suspeita da ocorrênciada síndrome, os pacientes devem ser acompanhadospor um clínico geral para a identificação eo tratamento, quando possível, de qualquer dessaspossíveis complicações.Os pacientes podem apresentar ainda retardomental, que varia de leve a grave. É interessantenotar que as alterações de comportamento e deperso<strong>na</strong>lidade dos afetados pela síndrome deWilliams permitem distingui-los daqueles que têmoutras doenças genéticas.COGNIÇÃO, COMPORTAMENTOE PERSONALIDADEOs portadores da síndrome de Williams são quasesempre muito simpáticos com estranhos. Tal comportamentoé mais marcante <strong>na</strong> infância e preocupaos pais, pois essas crianças podem acompanhare se envolver com desconhecidos. Enquanto emgeral não são tímidos em novos ambientes, mostramgrande ansiedade <strong>na</strong> presença de novas situações,onde coisas inesperadas podem acontecer. Eles sesensibilizam com as emoções dos outros, mas têmdificuldades para compreendê-las.ABguidãopedaisselimarosda rodarodaaros da rodarodaEXTRAÍDO DE MERVIS ET AL (AMERICAN JOURNAL OF HUMAN GENETICS, V. 65, P. 1.222, 199940 • CIÊNCIA HOJE • vol. 30 • nº 178


G E N É T I C AA11BFigura 6. A microdeleção também é identificada pelaanálise do DNA de pacientes com síndrome de Williams( ) e de seus pais normais ( e ) com marcadoreschamados de ‘microssatélites’: o uso do marcador forada região de deleção mostra que o paciente recebeuuma banda de DNA da mãe e outra do pai (A);já o uso do marcador <strong>na</strong> região de deleção mostraque o paciente só recebeu a banda de DNA do pai,o que indica a microdeleção2323de cada um dos genes localizados nesse intervalocromossômico e qual a relação deles com o quadroclínico dessa síndrome.Sugestõespara leituraDONNAI D. &KARMILOFF-SMITH, A.‘Williamssyndrome: fromgenotype throughto the cognitivephenotype’, emAmerican Jour<strong>na</strong>lof MedicalGenetics, v. 97,p. 164, 2000.FRANCKE, U.‘Williams-Beurensyndrome: genesand mechanisms’,em HumanMolecularGenetics, v. 8,p. 1947, 1999.KARMILOFF-SMITH ,A. e outros.‘Language andWilliamssyndrome: howintact is “intact”?’,em ChildDevelopment, v.68, p. 246, 1997.OMIM. ‘Williams-Beuren syndrome’.Endereçoeletrônico:www.ncbi.nlm.nih.gov/omimcativamente maior de gerar descendentes com essadoença, mas isso não se aplica para a de Williams.Acredita-se que as características clínicas, comportamentaise de perso<strong>na</strong>lidade dos pacientes comsíndrome de Williams sejam, pelo menos em parte,decorrentes da deficiência dos genes contidos <strong>na</strong>região deletada. Em pessoas normais existem doiscromossomos 7 e, portanto, duas cópias dos genesque este contém. Já nos pacientes com a doençafalta um pequeno segmento em uma das cópias docromossomo 7. Portanto, ape<strong>na</strong>s uma das duas cópiasdesse gene está completa (figura 6). Hoje, érealizado um grande esforço científico para caracterizaros genes contidos no intervalo correspondentea essa microdeleção e verificar quais deles sãoresponsáveis pelo quadro clínico.É grande a lista de genes situados nessa região jáidentificados. Entre eles estão o gene da elasti<strong>na</strong>e o LIM-ki<strong>na</strong>se 1 (ou LIMK-1). Atualmente, há umconsenso entre os pesquisadores de que a presençade ape<strong>na</strong>s uma cópia do gene da elasti<strong>na</strong> é responsávelpela grande maioria dos problemas cardiovascularesencontrados com freqüência nos afetadospela síndrome de Williams. Devido à ausênciada outra cópia do gene, essas pessoas produzemape<strong>na</strong>s metade da quantidade de elasti<strong>na</strong> necessáriapara garantir um bom funcio<strong>na</strong>mento das artérias,em particular da aorta.O gene LIM ki<strong>na</strong>se-1 (LIMK-1) expressa-se principalmenteno cérebro. De início, foi sugerido que asalterações de visão espacial e de comportamentonos pacientes da síndrome decorriam de uma quantidadeinsuficiente da proteí<strong>na</strong> codificada por essegene, tendo em vista que esses pacientes só têm umacópia dele. Entretanto, existem evidências de queesse não é o principal gene responsável pelas alteraçõescognitivas características desses pacientes.Em resumo, embora existam vários estudos molecularesque envolvem a região da microdeleçãodos pacientes com síndrome de Williams, ainda éescasso o nosso conhecimento do papel funcio<strong>na</strong>lPERSPECTIVAS PARA O FUTUROA identificação dos genes presentes <strong>na</strong> região deficientee de sua correlação com as variações clínicasdos portadores da doença será fundamental paraque se possa compreender a causa das complicaçõesque podem ocorrer nesses indivíduos. Algo já observadoé que as deleções, nos pacientes com a formaclínica característica da síndrome, têm tamanhobastante semelhante. O estudo de pacientes com aforma incompleta da síndrome poderá ser importantepara caracterizar as deleções menores, quepodem ser essenciais para a identificação dos genescríticos para a determi<strong>na</strong>ção dos diferentes componentesdo quadro clínico.No entanto, os estudos moleculares nos pacientestalvez não sejam suficientes para que se consigadesvendar todos os genes responsáveis pelo quadroclínico da síndrome de Williams, exigindo outrasabordagens. Entre essas pesquisas alter<strong>na</strong>tivas destacam-seos modelos animais, que já têm sido usadoscom sucesso em várias situações. Um exemploestá em camundongos gerados em laboratório comdeficiência total da proteí<strong>na</strong> elasti<strong>na</strong>: eles morremlogo após o <strong>na</strong>scimento, em decorrência de doençavascular, confirmando a importância dessa proteí<strong>na</strong>no funcio<strong>na</strong>mento correto do sistema vascular.A identificação de todos os genes responsáveispela síndrome de Williams será fundamental paraque terapias ou tratamentos sejam propostos e desenvolvidos.Além disso, contribuirá para a melhorcompreensão dos mecanismos de linguagem, deperso<strong>na</strong>lidade e de comportamento do ser humano.Embora a pesquisa científica inter<strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l relacio<strong>na</strong>daà doença seja intensa, ainda há poucos gruposno Brasil, como o do Instituto da Criança, da Faculdadede Medici<strong>na</strong> da Universidade de São Paulo(USP), envolvidos com esse estudo. Além disso,vários laboratórios, inclusive o do Centro de Estudosdo Genoma Humano (http://genoma.ib.usp.br),também da USP, já realizam o diagnóstico molecularda síndrome de Williams.■42 • CIÊNCIA HOJE • vol. 30 • nº 178


G E N É T I C Adezembro de 2001 • CIÊNCIA HOJE • 43

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