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VIII Congresso Latino-Americano de Sociologia Rural - alasru

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REFORMA AGRÁRIA DE MERCADO NO BRASIL: UM SONHO QUE SE TORNOUPESADELO 1 Maria Van<strong>de</strong>rli Cavalcante Gue<strong>de</strong>s 2ResumoA Reforma Agrária <strong>de</strong> Mercado (RAM) é um mo<strong>de</strong>lo proposto pelo Banco Mundial (BIRD)para o combate à pobreza rural nos países periféricos, <strong>de</strong>ntre eles o Brasil, situado naAmérica Latina. Sua implantação situa-se no contexto das políticas e programas e éconhecido nacionalmente como Programa Nacional <strong>de</strong> Crédito Fundiário (PNCF). Opresente estudo objetivou avaliar os efeitos socioeconômicos <strong>de</strong>ssa modalida<strong>de</strong> <strong>de</strong>reforma agrária na melhoria das condições <strong>de</strong> vida das famílias camponesas dasFazendas Angico e Lagoa da Serra, no município <strong>de</strong> Morada Nova, estado do Ceará,suas implicações e consequências, explicitando as críticas e oposições produzidas noâmbito dos movimentos <strong>de</strong> luta pela terra. A metodologia adotada para a concretizaçãodos resultados baseou-se em pesquisa bibliográfica, documental e <strong>de</strong> campo, <strong>de</strong> naturezaqualitativa e quantitativa. Os resultados revelaram o perfil dos atendidos pelo PNCF,compatível com o do público estabelecido como alvo pelo programa, cuja ocupaçãoprincipal relaciona-se à agropecuária, o que favoreceu a utilização da mão-<strong>de</strong>-obrafamiliar nas ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>senvolvidas nesses imóveis, i<strong>de</strong>ntificando significativasmelhorias nas condições <strong>de</strong> vida dos mutuários em relação à habitação, saú<strong>de</strong>,segurança alimentar, educação, aquisição <strong>de</strong> bens duráveis e renda, após a compra daterra. Constatou-se a ausência <strong>de</strong> assistência técnica e a falta <strong>de</strong> integração entre asinstituições prestadoras <strong>de</strong> serviços públicos; que a área <strong>de</strong> ambos os imóveis encontraseabaixo <strong>de</strong> um módulo rural por família, dificultando o aumento da produção em relaçãoao número <strong>de</strong> animais existentes; e a morosida<strong>de</strong> na efetivação <strong>de</strong> outras políticaspúblicas, <strong>de</strong> certa forma integrada ao PNCF. O resultado dos programas <strong>de</strong> “reformaagrária <strong>de</strong> mercado” é, além <strong>de</strong> uma disputa político-i<strong>de</strong>ológico com os movimentossociais agrários, um processo <strong>de</strong> endividamento crescente das famílias camponesasenvolvidas. Acessaram a terra via financiamento buscando realizar um sonho que virou opesa<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> uma divida impagável, conforme admitem e <strong>de</strong>monstram a pesquisa e osdocumentos oficiais propondo uma renegociação. É essa passagem do sonho para opesa<strong>de</strong>lo que <strong>de</strong>ve ser profundamente revista e não apenas renegociada.Palavras-chave: reforma agrária <strong>de</strong> mercado, luta pela terra, política pública rural,movimentos sociais agrários, Banco Mundial.IntroduçãoO acesso a terra é uma das principais discussões relacionadas à questão agrária noBrasil, presente no cenário nacional <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a época do Brasil colônia. Em sua trajetóriaevolutiva, “[...] a reforma agrária incorporou significados, tomou formas e se a<strong>de</strong>quou aosmomentos políticos do país, colocando em cena setores das classes dominantes, dostrabalhadores rurais e seus representantes” (ALENCAR, 2005, p. 10), suscitando reações1 Ponencia presentada al <strong>VIII</strong> Congreso <strong>Latino</strong>americano <strong>de</strong> <strong>Sociologia</strong> <strong>Rural</strong>, Porto <strong>de</strong> Galinhas, 2010.Apresentação Oral. GT 11 – Historia agrária: <strong>de</strong>recho a La tierra y conflicto em América Latina.2 Assistente Social, mestranda em Avaliação <strong>de</strong> Políticas Públicas pela Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral doCeará/Brasil. Instituição que ora trabalha Empresa <strong>de</strong> Assistência Técnica e Extensão <strong>Rural</strong> - EMATERCE.E-mail: vandague@gmail.com


2dos segmentos oprimidos, que lutam pela terra, originando, a partir <strong>de</strong> 1980, osmovimentos sociais <strong>de</strong> trabalhadores rurais sem terra, como o MST, que adotaramacampamentos e ocupações como principal estratégia para sua realização.Empreendida <strong>de</strong>ssa forma, a reforma agrária tradicional utiliza a <strong>de</strong>sapropriação porinteresse social para obtenção das terras necessárias ao assentamento das famílias,aten<strong>de</strong>ndo preferencialmente as acampadas, implementada pelo Instituto Nacional <strong>de</strong>Colonização e Reforma Agrária (INCRA), atuando, no entanto, mais como uma forma <strong>de</strong>amenizar os conflitos agrários no campo do que como instrumento <strong>de</strong> <strong>de</strong>sconcentraçãoda terra e <strong>de</strong> or<strong>de</strong>namento do território rural, conforme Romeiro (2002).Embora alcançasse resultados expressivos durante a década <strong>de</strong> 90, pelo menos emnúmero <strong>de</strong> famílias assentadas e hectares <strong>de</strong>sapropriados, continuou a existir anecessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> aceleração do processo <strong>de</strong> redistribuição <strong>de</strong> terras, <strong>de</strong>vido à fortepressão social por terra, contexto em que foi criado o Novo Mundo <strong>Rural</strong>, política agráriacentrada basicamente em três princípios: assentamento <strong>de</strong> famílias sem terra enquantopolítica social compensatória; “estadualização” dos projetos <strong>de</strong> assentamento,repassando responsabilida<strong>de</strong>s inerentes à União para estados e municípios; esubstituição do instrumento constitucional <strong>de</strong> <strong>de</strong>sapropriação pela propaganda do“mercado <strong>de</strong> terras”, compra e venda negociada da terra (DOMINGOS NETO, 2004).A reforma agrária <strong>de</strong> mercado surge no Brasil num contexto <strong>de</strong> intensas ocupações<strong>de</strong> terra, redirecionadas pelas políticas do Banco Mundial que, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1970 assumiu comoprincípios gerais <strong>de</strong> ação o reconhecimento da importância da proprieda<strong>de</strong> familiar emeficiência e equida<strong>de</strong>; a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> estimular os mercados para facilitar atransferência <strong>de</strong> terras para usuários mais eficientes e a importância da distribuiçãoigualitária <strong>de</strong> bens e <strong>de</strong> reformas agrárias redistributivas. (MEDEIROS, 2002)No Brasil, teve como vetor inicial a experiência pioneira ocorrida no Ceará do ProjetoPiloto <strong>de</strong> Reforma Agrária Solidária no âmbito do Projeto São José (1997), ampliada paraoutros estados do Nor<strong>de</strong>ste e norte <strong>de</strong> Minas Gerais pelo Projeto Cédula da Terra (1997-2000), e para boa parte do Brasil pelo Programa Banco da Terra (1999-2002), criado pelaLei Complementar nº 93/98 para possibilitar o acesso a terra e à infraestrutura básica pormeio <strong>de</strong> financiamento dirigido aos trabalhadores rurais sem terra (BRASIL, 1998), e peloPNCF (2002-2003), que substituiu o Banco da Terra, re<strong>de</strong>finido a partir do novoRegulamento Operativo aprovado pelo Conselho Nacional <strong>de</strong> Desenvolvimento <strong>Rural</strong>Sustentável (CONDRAF), Resolução nº 42/04 (BRASIL, 2004).O PNCF, apresentado em 2003 pelo atual Governo Fe<strong>de</strong>ral, manteve o<strong>de</strong>scontentamento dos movimentos sociais e das entida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> representação dos


3trabalhadores na luta pela reforma agrária, por dar continuida<strong>de</strong> ao incentivo à aquisição<strong>de</strong> terra via processo <strong>de</strong> compra e venda no mercado, <strong>de</strong>sprezando a <strong>de</strong>sapropriação <strong>de</strong>terras em prol <strong>de</strong> uma política agrária <strong>de</strong> valorização do mercado, o que tem garantido acontinuida<strong>de</strong> da “reforma agrária <strong>de</strong> mercado” do Banco Mundial no Brasil.Este artigo preten<strong>de</strong> avaliar os efeitos socioeconômicos <strong>de</strong>ssa modalida<strong>de</strong> <strong>de</strong>reforma agrária na melhoria das condições <strong>de</strong> vida das famílias camponesas dasFazendas Angico e Lagoa da Serra, no município <strong>de</strong> Morada Nova, estado do Ceará,suas implicações e consequências, explicitando as críticas e oposições produzidas noâmbito dos movimentos <strong>de</strong> luta pela terra.A metodologia adotada para a concretização dos resultados baseou-se em pesquisabibliográfica, documental e <strong>de</strong> campo, <strong>de</strong> natureza qualitativa e quantitativa.Os dados coletados serão sistematizados em três seções, que abordam,respectivamente, a revisão da literatura pertinente à temática eleita como objeto <strong>de</strong>steestudo, o trajeto metodológico trilhado para a obtenção <strong>de</strong>sses dados e a análise ediscussão dos resultados obtidos, após o que são apresentadas algumas consi<strong>de</strong>raçõesextraídas da pesquisa e as referências utilizadas.Revisão da literaturaO financiamento <strong>de</strong> terras a pequenos agricultores não é uma modalida<strong>de</strong> recente<strong>de</strong> acesso à proprieda<strong>de</strong> rural nos países capitalistas. Há referências esparsas ao uso<strong>de</strong>sse instrumento na Dinamarca do final do século X<strong>VIII</strong> (ABRAMOVAY, 2007) e naInglaterra (BRUNO, 1994), on<strong>de</strong> o Estado, ciente <strong>de</strong> sua ânsia por terra e <strong>de</strong> sua falta <strong>de</strong>recursos, criou o crédito que possibilitaria a sua aquisição, promovendo, ao mesmotempo, a satisfação dos interesses capitalistas dos gran<strong>de</strong>s proprietários.Martins (1995), Reydon e Plata (1996) e Alencar (2005) explicam que o mercado <strong>de</strong>terras no Brasil começou a se formar com a edição da Lei nº 601/1850 (Lei <strong>de</strong> Terras),consolidando-se apenas com o fim do regime escravocrata, seguido da formação dosmercados <strong>de</strong> trabalho, da produção e do crédito agrícola.Uma das primeiras referências relativas ao crédito fundiário no Brasil está no art. 81da Lei nº 4.504/64 (Estatuto da Terra), que previa empréstimo ao trabalhador rural paraaquisição <strong>de</strong> terra com base no valor do salário mínimo anual da região, com recursos doFundo Nacional <strong>de</strong> Reforma Agrária, para pagamento em vinte anos, com juros <strong>de</strong> 6% aoano (BRASIL, 1985), modalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> crédito fundiário não colocada em prática sem quesejam conhecidas as razões para isso.


4O credito fundiário constitui-se numa política pública que possibilita o acesso a terraao público que não se mobiliza em luta para a sua aquisição, embora sonhe com a terraprópria, po<strong>de</strong>ndo também ser utilizado pelo público mobilizado em acampamentos, que,no entanto, é geralmente atendido pela Reforma Agrária tradicional, pela <strong>de</strong>sapropriaçãopor interesse social.Nasceu, segundo alguns autores, da experiência pioneira do Projeto piloto São José,no Ceará, em fevereiro <strong>de</strong> 1997, por meio do acordo <strong>de</strong> empréstimo 3918 – BR, projetoque já acumulava experiências no combate à pobreza rural com apoio do Banco Mundiale incorporou o acesso a terra com a meta <strong>de</strong> assentar 800 famílias no prazo <strong>de</strong> um ano,resultado não plenamente atingido pelo esgotamento dos recursos previstos em razão daelevação dos custos da terra em relação ao valor planejado. (GARCIA FILHO, 1998;BRANDÃO, 2000; REYDON; PLATA, 2000; MEDEIROS, 2002; PEREIRA, 2004; SAUER,2004; NUNES, 2005; ALENCAR, 2005).Diversos autores, como Me<strong>de</strong>iros (2002), Pereira (2004) e Sauer e Pereira (2006),citam a forte pressão exercida pelos conflitos agrários e ocupações <strong>de</strong> terra como umadas causas que levaram o governo fe<strong>de</strong>ral a criar o PCT, em parceria com o BancoMundial, como um mecanismo para aliviar as tensões no campo e abrir novas alternativaspara o atendimento às crescentes <strong>de</strong>mandas por terra, sem precisar lançar mão da<strong>de</strong>sapropriação. Outros, como Navarro (1998), Xavier (1999), Vegro e Garcia Filho(1999), Brandão (2000), Reydon e Plata (2000), Buainain (1999, 2003), Alencar (2005),Da Ros (2006), permitem uma melhor compreensão <strong>de</strong>sse programa.O apoio da Confe<strong>de</strong>ração Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG), <strong>de</strong>certa forma legitimou a proposta que vinha recebendo severas criticas <strong>de</strong> diversasentida<strong>de</strong>s civis e consolidou a implantação do crédito fundiário no país. No atual governo,a proposta fundiu-se no Programa Nacional <strong>de</strong> Crédito Fundiário.O Banco Mundial (BM), ao <strong>de</strong>nominar sua política neoliberal <strong>de</strong> acesso a terra <strong>de</strong>reforma agrária, busca a resolução do conflito histórico entre camponeses sem terra oucom pouca terra e latifundiários em países em que a concentração fundiária éexacerbada, provocado pela resistência das elites econômicas à <strong>de</strong>sapropriação, razãopela qual não é possível implementar a reforma agrária tradicional no momento atual. Oobjetivo não é incomodar as elites com ações <strong>de</strong>sapropriatórias, mas comprar as terrasdaqueles que estão dispostos a vendê-las pelo preço que pedirem. Por outro lado:Os beneficiários <strong>de</strong>sse programa adquirem uma pesada dívida com crédito usadopara comprar a terra. O tamanho <strong>de</strong>ssa dívida é baseado no preço pelo qual aterra é vendida. [...] Observamos que a terra comprada por pessoas pobres não éapenas <strong>de</strong> má qualida<strong>de</strong>, mas também supervalorizada. Em alguns casos, esses


programas têm contribuído para uma tremenda inflação no preço da terra. Então,é provavelmente seguro dizer que a „reforma agrária <strong>de</strong> mercado‟ tem sido maisbenéfica para os latifundiários, que po<strong>de</strong>m ven<strong>de</strong>r terras <strong>de</strong> pouca qualida<strong>de</strong> aaltos preços. (ROSSET, 2004, p. 22-23)Resen<strong>de</strong> e Mendonça (2004, p. 7), na obra “O Banco Mundial e a terra: ofensiva eresistência na América Latina, África e Ásia”, coletânea <strong>de</strong> textos produzidos por diversosautores e organizados por Martins (2004), apontam a falência sucessiva dos projetosconcebidos e/ou financiados pelo BM, cujas etapas, no meio rural, passam pelo cadastroe georreferenciamento dos imóveis rurais; privatização das terras públicas e comunitárias;titulação <strong>de</strong> posses; mercantilização da reforma agrária, mercado <strong>de</strong> terras; e integraçãodos camponeses ao agronegócio, pretensamente <strong>de</strong>stinadas a favorecer a reformaagrária, que resultam na seguinte realida<strong>de</strong>: “[...] o Estado abre mão da sua obrigação <strong>de</strong>promover a <strong>de</strong>sconcentração fundiária por meio da distribuição da terra e, em vez disso,estimula o controle do território agrário por gran<strong>de</strong>s empresas”, impedindo, <strong>de</strong>ssa forma, arealização <strong>de</strong> uma ampla reforma agrária com po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> transformação social.Ainda Resen<strong>de</strong> e Mendonça acrescentam:5Durante o governo FHC, o Banco Mundial iniciou três programas que inauguravamuma trajetória <strong>de</strong> acesso a terra e uma concepção <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento rural:Cédula da terra, Banco da terra e Crédito Fundiário <strong>de</strong> Combate à Pobreza. Essesprogramas beneficiam o latifúndio improdutivo com o pagamento à vista da terra,com a aquisição <strong>de</strong> terras <strong>de</strong>volutas, muitas <strong>de</strong> má qualida<strong>de</strong> e com preçoinflacionado. As associações criadas para a compra das áreas são muitas vezesorganizadas pelos próprios latifundiários, e diversas terras adquiridas po<strong>de</strong>riamser passíveis <strong>de</strong> <strong>de</strong>sapropriação. (2004, p. 9)Apesar das criticas, o PCT foi implantado e obteve certa a<strong>de</strong>são social. Houvetambém uma dupla pressão para acelerar a sua implantação proveniente dos governosestaduais, que tinham interesse em angariar votos nas eleições <strong>de</strong> 1998, e do governofe<strong>de</strong>ral e do Banco Mundial, interessados em legitimar o novo mo<strong>de</strong>lo e, assim, travar adisputa político-i<strong>de</strong>ológico com os movimentos sociais, como bem explicita Buainain:A conjuntura política também contribui para aumentar a a<strong>de</strong>são e acelerar aimplantação do programa. Dois fatos merecem <strong>de</strong>staque: as eleições e a aparente„ansieda<strong>de</strong>‟ do governo fe<strong>de</strong>ral em viabilizar o programa como instrumento <strong>de</strong>ação fundiária [...]. Os projetos foram implantados sob pressão do governo fe<strong>de</strong>rale do Banco Mundial, dificultando as tarefas <strong>de</strong> planejamento e acompanhamento.(1999, p. 272)Intensificou-se o esforço conjunto da tría<strong>de</strong> governo fe<strong>de</strong>ral, Banco Mundial egovernos estaduais, <strong>de</strong> modo que mais da meta<strong>de</strong> dos 223 projetos contabilizados emjaneiro <strong>de</strong> 1999 havia sido implementada apenas no segundo semestre <strong>de</strong> 1998, “[...]justamente no período <strong>de</strong> acirramento da disputa eleitoral, <strong>de</strong> aumento do número <strong>de</strong>ocupação <strong>de</strong> terra e da eclosão <strong>de</strong> saques no Nor<strong>de</strong>ste, que repercutiam negativamente


6sobre os governos fe<strong>de</strong>rais e estaduais”. (CARVALHO, 2001, p. 208-209)O significado e a intencionalida<strong>de</strong> política da Cédula da Terra naquela conjuntura,segundo Buainain, foram diagnosticados com clareza:Essa concepção <strong>de</strong> acesso a terra fruto <strong>de</strong> uma „negociação entre as partes,solidária e sem conflitos‟ parece ser eficaz em atrair uma camada do públicopotencial da reforma agrária [...]. Na atual conjuntura <strong>de</strong> mobilização, ao colocarnova opção <strong>de</strong> acesso a terra, o Cédula da Terra introduz uma disputa política ei<strong>de</strong>ológica com outros movimentos sociais e seus mediadores [...], os quais <strong>de</strong>têm,hoje, a iniciativa política neste campo e <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> o acesso a terra via instituto da<strong>de</strong>sapropriação. (1999, p. 208-209)A aliança política entre governo fe<strong>de</strong>ral e Banco Mundial em favor da extensão daCédula da Terra a todo o país foi permanente e marcou, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o inicio, a execução doprojeto, fortemente influenciado pelos interesses dos proprietários das terras, contra oqual se posicionaram em uníssono, movimentos sociais e organizações sindicaisorganizados no Fórum Nacional pela Reforma Agrária e Justiça no Campo.Após a rápida experiência com o PCT, foi apresentada ao <strong>Congresso</strong> Nacional aproposta <strong>de</strong> criação do Fundo <strong>de</strong> Terras e da Reforma Agrária – Banco da Terra, quedifere da experiência anterior, pois não se resume a um projeto ou programa.Como afirma Pereira:Sua natureza institucional é a <strong>de</strong> um fundo <strong>de</strong> terras criado pelo <strong>Congresso</strong>Nacional. Por isso, constitui-se num instrumento <strong>de</strong> caráter permanente. Po<strong>de</strong>msemudar regras <strong>de</strong> funcionamento ou condições <strong>de</strong> financiamento, mas, enquantoFundo <strong>de</strong> Terras, ele persiste, a menos que o próprio <strong>Congresso</strong>, por maioriaabsoluta, o extinga. (2004, p.109)O Banco da Terra foi criado pela LC nº 93/98 e regulamentado pelo Decreto nº3.027/99, e beneficiou, no Ceará, a 1.464 famílias, com a compra <strong>de</strong> 104 imóveis (66.503há) entre 2000 e 2002, anos mais representativos do programa em quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> imóveisadquiridos e número <strong>de</strong> famílias beneficiadas. (ALENCAR, 2005)Posteriormente, o Decreto nº 4.892/2003, já no governo Lula, <strong>de</strong>ntre outrasalterações, omitiu o termo “Banco da Terra”, constante na referida lei, simbolizando seurompimento com o programa do governo <strong>de</strong> Fernando Henrique Cardoso (FHC).De acordo com o Manual <strong>de</strong> Operações, o objetivo central do PNCF é o “[...] <strong>de</strong>contribuir para a redução da pobreza rural e para a melhoria da qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vidamediante o acesso a terra e o aumento <strong>de</strong> renda <strong>de</strong> famílias dos trabalhadores rurais semterra ou com pouca terra”. (BRASIL, 2005, p. 9)Esse regulamento reuniu as ações e programas <strong>de</strong> reor<strong>de</strong>namento fundiário em trêslinhas básicas <strong>de</strong> financiamento: Programa <strong>de</strong> Consolidação da Agricultura Familiar(CAF), substituto do Banco da Terra, que permite o financiamento individual ou coletivo e


7não dispõe <strong>de</strong> aporte <strong>de</strong> recursos do Banco Mundial, não aplicando recurso a fundoperdido para investimentos coletivos; Projeto <strong>de</strong> Crédito Fundiário e Combate à Pobreza<strong>Rural</strong> ou simplesmente Combate à Pobreza <strong>Rural</strong> (CPR), continuida<strong>de</strong> do Programa <strong>de</strong>mesmo nome criado no governo FHC, com a participação da CONTAG e recursos doBanco Mundial, cuja obtenção requer a formação <strong>de</strong> associações ou cooperativas, e osinvestimentos comunitários (produtivos, infraestrutura e sociais) não são reembolsáveis; eNossa Primeira terra, opção criada no governo Lula, em 2003, para aten<strong>de</strong>r o públicojovem, especialmente filhos <strong>de</strong> pequenos agricultores.As dificulda<strong>de</strong>s para a implementação <strong>de</strong> uma política agrária que contemple osinteresses dos trabalhadores rurais sem terra, assalariados, ren<strong>de</strong>iros e mesmo ospequenos proprietários, cujo traço comum é a utilização predominante da força <strong>de</strong>trabalho da família, são conhecidas e, em certa medida, <strong>de</strong>rivadas <strong>de</strong> uma concepção <strong>de</strong>mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> que não leva em conta seus resultados sociais e suas implicações naconstrução <strong>de</strong> um regime verda<strong>de</strong>iramente <strong>de</strong>mocrático.Tem se tornado lugar comum as afirmações dos que se opõem à reforma agrária <strong>de</strong>que não basta a terra; há que conce<strong>de</strong>r os instrumentos para se produzir mais e melhor.As variáveis-chave, aqui, são crédito a<strong>de</strong>quado, apoio técnico e organização dosbeneficiários, presentes, como intenções, nos programas governamentais, insuficientes,parciais e <strong>de</strong>scontinuas, porém, na prática, salvo exceções, impossibilitando o<strong>de</strong>senvolvimento pleno dos trabalhadores rurais que tiveram acesso a terra, vulneráveisàs mudanças nas políticas públicas que, teoricamente, os beneficiariam.Apresenta-se, a seguir, a metodologia da pesquisa que buscou i<strong>de</strong>ntificar asmudanças ocorridas nas condições <strong>de</strong> vida das famílias que possam ser diretamenteatribuídas ao PNCF.Material e métodosRealizou-se um estudo exploratório-<strong>de</strong>scritivo, <strong>de</strong> natureza quali-quantitativa, namodalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> pesquisa ex-post facto, em duas fases: uma pesquisa bibliográfica sobre otema em questão e uma fase <strong>de</strong> campo.Adotou-se, como instrumentos <strong>de</strong> coleta <strong>de</strong> dados, o questionário, com 54 itensdistribuídos entre variáveis relacionadas às condições <strong>de</strong> moradia, saú<strong>de</strong>, habitação,renda, segurança alimentar e bens duráveis, utilizado para coletar informaçõesquantitativas <strong>de</strong>stinadas a avaliar o perfil dos mutuários beneficiários do PNCF em relaçãoaos seus efeitos socioeconômicos sobre os participantes do estudo; e a entrevistasemiestruturada, aplicada com 31 famílias, 10 da Fazenda Angico e 21 da Fazenda Lagoa


8da Serra, ambas no município <strong>de</strong> Morada Nova, escolhidos por terem sido os únicoscontratados na região do baixo Jaguaribe, por intermédio do PNCF, em 2003, e por seconstituir em ambiência <strong>de</strong> trabalho da pesquisadora, e com 10 pessoas selecionadasentre os representantes <strong>de</strong> instituições e li<strong>de</strong>ranças. Ao final, a pesquisa <strong>de</strong> campo ouviuuma população <strong>de</strong> 48 pessoas. As entrevistas para a coleta <strong>de</strong> dados qualitativos foramorientadas por roteiros, específicos para cada segmento pesquisado.No processo <strong>de</strong> organização dos dados foram utilizados diversos procedimentos:codificação das respostas, tabulação dos dados, cálculos estatísticos dos dadosquantificáveis, sua exposição em gráficos, análises estatísticas <strong>de</strong>scritivas, comfrequência simples e percentual, e análise do conteúdo das entrevistas.Análise dos resultadosOs resultados encontrados são <strong>de</strong>scritos a partir do perfil dos mutuários.Quanto ao sexo, predomina, nos dois imóveis, o masculino, conforme tabela 1.TABELA 1 – Dados da pesquisa em relação ao sexoSexo Faz. Angico % Faz. Lagoa da %SerraMasculino 10 71,42 16 76,20Feminino 4 28,58 5 23,80Total 14 100,00 21 100,00Fonte: Pesquisa <strong>de</strong> Campo, 2009Crê-se que essa realida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ve-se, sobretudo, às raízes culturais brasileiras,enaltecedoras do sexo masculino em <strong>de</strong>trimento do feminino, originárias da <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>nacional – inclusive <strong>de</strong> gênero – existente <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o inicio da civilização, caracterizada pelodomínio da família rural patriarcal e explicada por Gilberto Freyre (apud AXT; SCHULER,2000, p. 183), para quem “[...] a estrutura econômica, assentada na gran<strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong>escravocrata e voltada para o mercado externo, condicionara a constituição <strong>de</strong> umasocieda<strong>de</strong> aristocrática e bipolarizada entre os senhores <strong>de</strong> escravos, brancos e negros”.Quanto à ida<strong>de</strong> há predominância <strong>de</strong> mutuários na faixa etária entre 29 a 39 anos.(ver tabela 2)TABELA 2 - Dados da pesquisa em relação à ida<strong>de</strong> dos mutuários das Fazendas Angicoe Lagoa da SerraIda<strong>de</strong> Faz Angico % Faz. Lagoa. da Serra %18 a 28 anos 3 21,43 6 28,5729 a 39 anos 5 35,72 6 28,5740 a 49 anos 3 21,43 5 23,8150 a 59 anos 2 14,29 4 19,0560 a mais... 1 7,14 - -Total 14 100,00 21 100,00


9Fonte: Pesquisa <strong>de</strong> Campo, 2009.Verifica-se, em ambos os imóveis, que o maior número <strong>de</strong> entrevistados se encontrana faixa etária <strong>de</strong> 29 a 39 anos, grupo jovem, com potencial para o trabalho produtivo<strong>de</strong>ntro dos critérios <strong>de</strong> população ativa estabelecidos pelo IPECE (CEARÁ, 2008),compreen<strong>de</strong>ndo “[...] todas as pessoas com 10 anos ou mais <strong>de</strong> ida<strong>de</strong> que constituem aforça <strong>de</strong> trabalho do país” (p. 88), que, <strong>de</strong>vido às condições adversas a que estãosubmetidos e ao esforço <strong>de</strong>spendido, aparentam, fisicamente, bem mais ida<strong>de</strong>.Em relação ao estado civil, 33,4% dos entrevistados da Fazenda Angico relataramser casados e 66,6% <strong>de</strong>clararam viver em união estável. Na Fazenda Lagoa da Serra,4,8% são solteiros; 85,7% são casados e 9,5%, <strong>de</strong>clararam-se separados.Observa-se que a estratégia <strong>de</strong> sobrevivência dos mutuários é a combinação <strong>de</strong>diversas fontes <strong>de</strong> renda, prevista no estudo da FAO (ROMEIRO et. al. 1994), conformeGráfico 1.30%25%20%15%10%5%0%26%7%10%4%13%19%5%5%3%8%19%25%10%3%21%21%Fazenda AngicoFazenda Lagoa da SerraGráfico 1: Composição da renda total por fonte <strong>de</strong> rendaFonte: Pesquisa <strong>de</strong> Campo, 2009.A composição das fontes <strong>de</strong> renda dos mutuários <strong>de</strong> ambos os imóveis foisemelhante. Os rendimentos provenientes do trabalho agrícola dos mutuários da FazendaAngico, aqui representados pelo somatório da renda auferida com a comercialização <strong>de</strong>produtos vegetais, animais e seus <strong>de</strong>rivados e daquela produção <strong>de</strong>stinada para oautoconsumo, atingiram 50% do total <strong>de</strong> sua renda mensal. Na Fazenda Lagoa da Serra,esse índice foi <strong>de</strong> 62%.


10Constatou-se, a partir <strong>de</strong>sses dados, que na Fazenda Angico, a maior renda dasfamílias mutuarias é proveniente <strong>de</strong> trabalho temporário e Programa <strong>de</strong> Transferência <strong>de</strong>Renda, confirmando que o PNCF foi uma maneira encontrada por essas famílias, semexceção, <strong>de</strong> ver o sonho <strong>de</strong> ter a casa própria realizado. Também se po<strong>de</strong> atribuir essarealida<strong>de</strong> à inexistência da política publica <strong>de</strong> assistência técnica e extensão rural voltadapara a orientação das famílias mutuárias no processo produtivo.Na Fazenda Angico, a distribuição da renda atinge menos <strong>de</strong> um salário mínimo,para 67% dos entrevistados, chega a um salário em 22% dos casos, e oscila entre um edois salários, para os 11% restantes. Na Fazenda Lagoa da Serra, 57% dos mutuáriosauferem, mensalmente, menos <strong>de</strong> um salário mínimo, 5% têm renda mensal <strong>de</strong> umsalário mínimo, e 38% conseguem ter renda mensal entre um e dois salários-mínimos.No caso em estudo, tomou-se a renda familiar per capita, <strong>de</strong>finida pelo IPECE(CEARÁ, 2008) como a razão entre o somatório da renda pessoal <strong>de</strong> todos os indivíduose o número total <strong>de</strong>sses indivíduos. Os valores da renda familiar per capita obtida estãoexpressos com base no salário mínimo <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2009, <strong>de</strong> R$ 465,00, e no dólardo mesmo período, equivalente a R$ 1,74.Na Fazenda Angico, a renda per capita obtida é <strong>de</strong> R$ 61,78 ou US$ 35,50 mensais,ou US$ 1,18 por dia por pessoa, evi<strong>de</strong>nciando, com base nos valores <strong>de</strong> referência doBanco Mundial para a miséria, que consi<strong>de</strong>ra em condição <strong>de</strong> pobreza absoluta aqueleque possui um rendimento inferior a U$ 1,25, e para a pobreza, dimensão em que seencontram quem aufere renda inferior a U$ 2,00 (CEARÁ, 2009), que os mutuários doreferido imóvel são indigentes, por perceberem rendimento menor do que o mínimoestipulado pelo BIRD para a miséria.Na Fazenda Lagoa da Serra, a renda per capita é <strong>de</strong> R$ 115,00 mensais, ou US$66,09, ou US$ 2,20 por dia por pessoa. Referido valor coloca esses mutuários um poucoacima do que o Banco Mundial consi<strong>de</strong>ra como “linha <strong>de</strong> pobreza”.Observa-se que a renda <strong>de</strong>ssas famílias é pequena, razão pela qual revelam gran<strong>de</strong>dificulda<strong>de</strong> em honrar as parcelas da compra da terra adquirida pelo PNCF.Com relação às instalações e benfeitorias (veículos, máquinas, implementosagrícolas, bens domésticos duráveis e rebanhos) na formação do patrimônio quepossuíam antes <strong>de</strong> a<strong>de</strong>rirem ao PNCF, os entrevistados da Fazenda Angico <strong>de</strong>clararamque aquilo que possuem, na atualida<strong>de</strong>, provém unicamente da compra da terra. NaFazenda Lagoa da Serra, 38% relataram possuírem algum patrimônio antes <strong>de</strong>integrarem o projeto, enquanto os 62% restantes informaram as mesmas condiçõesapresentadas pelos mutuários da Fazenda Angico.


11Observa-se que os mutuários, ao comprarem esses imóveis, não tiveram acesso aterra e sim à minifundização, e que o PNCF é um programa <strong>de</strong> antirreforma agrária,conforme Me<strong>de</strong>iros (2003, p. 23), para quem o “objetivo da reforma agrária é a extinção<strong>de</strong> minifúndios e latifúndios consi<strong>de</strong>rados como fontes <strong>de</strong> tensão social no campo”.Ainda falta muito para que se possa afirmar que o PNCF representou uma mudançasubstancial na vida dos mutuários, até porque, se antes não possuíam patrimônio eestavam atrelados aos proprietários da terra, hoje, o patrimônio que acumularam não ésuperior ao passivo que assumiram com a aquisição da terra. Houve melhoria, sim, nascondições <strong>de</strong> vida dos mutuários, mas não o suficiente para a redução das <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>se nem da pobreza rural, conforme a pesquisa.Com relação ao número <strong>de</strong> componentes, as famílias da Fazenda Angico possuem,em média, entre 4 e 6 pessoas, cada, corroborando a tendência verificada pela PNAD2003 (IBGE, 2005) <strong>de</strong> redução gradativa do número <strong>de</strong> integrantes da família brasileira,facilitando a vida das pessoas quanto à necessida<strong>de</strong> do trabalho. O mesmo não ocorre naFazenda Lagoa da Serra, cujas famílias são formadas, em média, por 11 pessoas.Em relação à localização da moradia após o PNCF, 100% dos entrevistados dasFazendas Angico e Lagoa da Serra <strong>de</strong>clararam-se satisfeitos, pois continuaram morandona mesma localida<strong>de</strong> em que moravam antes.Os dados revelam sensível melhoria nas condições <strong>de</strong> moradia e habitação dasfamílias das comunida<strong>de</strong>s, indicando que o PNCF aten<strong>de</strong>u ao anseio pela casa própria,que parece fazer parte do sonho <strong>de</strong> todos os indivíduos, embora essa melhoria <strong>de</strong>va serrelativizada, porquanto a situação <strong>de</strong>sses mutuários ainda é precária, não dispõe <strong>de</strong> águaencanada, saneamento básico, coleta <strong>de</strong> lixo e telefonia, só para mencionar alguns dosserviços públicos indispensáveis à sobrevivência digna da população. Importa acrescentarque uma prestação <strong>de</strong> serviços públicos eficiente a uma coletivida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> acordo comAbiko (1995), impulsiona o seu <strong>de</strong>senvolvimento social e econômico, porquanto indivíduoscujas necessida<strong>de</strong>s sociais básicas são atendidas <strong>de</strong> modo satisfatório adquiremcondições <strong>de</strong> se <strong>de</strong>senvolver e ao meio em que se inserem.A renda auferida pelos mutuários (já informada) os conduz a uma sobrevivênciainsegura, do ponto <strong>de</strong> vida alimentar, conforme a Escala Brasileira <strong>de</strong> InsegurançaAlimentar (EBIA), não permitindo, consequentemente, que nesses imóveis rurais ocorra àsegurança alimentar nos mol<strong>de</strong>s em que é <strong>de</strong>finido no art. 3º da Lei nº 11.346/2006, comoum direito <strong>de</strong> todos ao “[...] acesso regular e permanente a alimentos <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong>, emquantida<strong>de</strong> suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessida<strong>de</strong>s essenciais,


12tendo como base práticas alimentares promotoras <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, que respeitem adiversida<strong>de</strong> cultural e que sejam social econômica e ambientalmente sustentáveis”.(BRASIL, 2006)Nesse contexto, a política pública <strong>de</strong> Segurança Alimentar e Nutricional passa pela<strong>de</strong>mocratização do acesso a terra e pelo entendimento <strong>de</strong> que a agricultura familiar sópo<strong>de</strong>, efetivamente, dar conta da diversida<strong>de</strong> alimentar <strong>de</strong> que necessitam as famílias que<strong>de</strong>la <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m se for beneficiada com políticas públicas intersetoriais que atendam aosprojetos das unida<strong>de</strong>s familiares e das ca<strong>de</strong>ias produtivas, e, fundamentalmente, quegarantam mercados e formas <strong>de</strong> abastecimento por intermédio <strong>de</strong> práticas solidárias, oque não vem ocorrendo no âmbito do PNCF.Na Fazenda Angico, 60% disseram que a produção <strong>de</strong> alimentos garantia suaalimentação durante o ano inteiro, contra 40% que não concordaram. Na Fazenda Lagoada Serra, esses índices foram <strong>de</strong> 15% contra 85%. Os motivos alegados foram à baixaprodução agrícola e indisponibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> recursos financeiros para a compra <strong>de</strong> alimentosbem como o próprio sistema produtivo utilizados na produção <strong>de</strong> alimentos que aindautilizam <strong>de</strong> uma agricultura no sistema convencional.A <strong>de</strong>claração final do Fórum Mundial <strong>de</strong> Soberania Alimentar (ROSSET, 2006, p.315) reforça a importância da reforma agrária por interesse social em <strong>de</strong>trimento dareforma agrária <strong>de</strong> mercado, por oportunizar a ocupação do espaço agrário <strong>de</strong> formaequitativa e sustentável, enfrentando, <strong>de</strong>ssa forma, uma das principais causas <strong>de</strong><strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> social no meio rural e do empobrecimento das famílias rurais: a falta <strong>de</strong>acesso a terra, <strong>de</strong>vendo, portanto, “[...] ser reconhecida como uma obrigação <strong>de</strong> governosnacionais... sob o arcabouço dos direitos humanos e como uma política pública eficiente<strong>de</strong> combate à pobreza”, enquanto enfatiza a sua oposição “[...] às políticas e aosprogramas <strong>de</strong> comercialização <strong>de</strong> terra promovidos pelo Banco Mundial em lugar <strong>de</strong>verda<strong>de</strong>iras reformas agrárias pelos governos”, como se revela o PNCF.O acesso à assistência médica e hospitalar pública pelos mutuários <strong>de</strong> ambos osimóveis é prejudicado pelo fato <strong>de</strong> que o Posto <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> distrital dista 5 km da FazendaAngico e 17 km da Fazenda Lagoa da Serra. Isso porque a falta <strong>de</strong> transporte e a máconservação das estradas dificultam o seu <strong>de</strong>slocamento para a se<strong>de</strong> do município. EB11sugeriu “melhorar as estradas, esse assentamento aqui é quase isolado porque oscaminhos é muito ruim [...] então o programa da saú<strong>de</strong> da família num tem nessa região”.O posto <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> do distrito mais próximo <strong>de</strong>sses imóveis fica aberto diariamente.No entanto, não dispõem <strong>de</strong> médicos ou enfermeiras, proporcionando apenas umaaten<strong>de</strong>nte para prestar serviços ambulatoriais básicos, como aplicação <strong>de</strong> injeções,


13vacinas, realização <strong>de</strong> curativos, verificação <strong>de</strong> pressão arterial, <strong>de</strong>ntre outros. A equipedo Programa Saú<strong>de</strong> da Família (PSF) só faz atendimento no posto uma vez por mês,priorizando, nessas ocasiões, o atendimento a crianças e gestantes. Mesmo assim, osmutuários ainda possuem certo acesso aos serviços <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, embora precários,suprindo um pouco das suas necessida<strong>de</strong>s básicas.A variável educação é das mais relevantes para se compreen<strong>de</strong>r os resultados <strong>de</strong>um programa <strong>de</strong> combate à pobreza rural, permitindo i<strong>de</strong>ntificar, naqueles já excluídospelas suas condições socioeconômicas, os que também se encontram à margem daprópria política educacional, representados pelo alto índice <strong>de</strong> analfabetos no meio rural.Assim, quanto ao grau <strong>de</strong> escolarida<strong>de</strong>, observa-se uma percentagem acentuada <strong>de</strong>mutuários analfabetos (50%) na Fazenda Angico. Da outra meta<strong>de</strong>, 30% possuem oensino fundamental incompleto e apenas 20% possuem o ensino fundamental completo.Na Fazenda Lagoa da Serra, 47,6% dos mutuários entrevistados são analfabetos,percentagem também bastante elevada, enquanto, dos restantes, 33,3% não concluíramo ensino fundamental, 4,8% o concluíram, 9,5% possuem o ensino médio incompleto, e4,8% completaram essa etapa da educação básica.Lopes (apud MONTE, 1999) explica que a baixa capacitação dos membros <strong>de</strong> umafamília indica pobreza naquela unida<strong>de</strong> familiar. No seu estudo, ele observou que mais <strong>de</strong>dois terços dos chefes <strong>de</strong> domicilio são indigentes e mais da meta<strong>de</strong> dos domicíliospobres não indigentes são, ou analfabetos, ou têm uma base escolar muito precária.Além <strong>de</strong> o analfabetismo e a baixa escolarida<strong>de</strong> serem um indicador <strong>de</strong> pobreza,representa um problema na implantação não só do PNCF, mas <strong>de</strong> qualquer políticapublica, pois os mutuários sentem dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> enten<strong>de</strong>r o programa, as regras, oscontratos, as condições <strong>de</strong> pagamento e os juros, por não saberem ler, dificulda<strong>de</strong>s queos técnicos parece não terem interesse em sanar ou, pelo menos, minimizar.Questionados acerca do momento <strong>de</strong> ingresso na associação, 20% dosentrevistados da Fazenda Angico respon<strong>de</strong>ram ter sido após a sua formação, e os 80%restantes informaram ter participado da criação da associação para po<strong>de</strong>rem comprar aterra. Na Fazenda Lagoa da Serra, 76,19% dos entrevistados respon<strong>de</strong>ram queparticiparam da sua criação e 23,81%, que entraram após a sua instituição.Indagados acerca <strong>de</strong> sua participação na escolha da terra, 60% dos mutuários daFazenda Angico disseram que haviam participado, e 40%, que não participaram daescolha da terra. Na Fazenda Lagoa da Serra, 90,5% disseram que haviam participado,enquanto apenas 9,5% revelaram não haver participado.


14Essa participação é <strong>de</strong> suma importância, uma vez que o sucesso <strong>de</strong> qualquerativida<strong>de</strong> relaciona-se ao grau <strong>de</strong> envolvimento <strong>de</strong> seus participantes e do conhecimento<strong>de</strong> cada um sobre ela, no caso a escolha da terra. Assim, as associações objetivamfacilitar a vida dos mutuários que <strong>de</strong>la fazem parte, facilitando o acesso a instituições eórgãos públicos com incentivos técnicos e financeiros para o cultivo da agricultura.No entanto, a pesquisa apontou para o fato <strong>de</strong> que, simplesmente, os mutuáriosaceitaram adquirir a terra em que antes trabalhavam, não havendo, <strong>de</strong>sse modo, uma“escolha” entre várias opções. Apenas o antigo proprietário quis ven<strong>de</strong>r e eles aceitaram,praticamente sem negociação, sem discussão acerca da qualida<strong>de</strong> da terra, numa práticacomprobatória do baixo exercício da sua participação nesse processo, resultante do modocomo foi organizada a associação, sob a intervenção direta <strong>de</strong> agentes governamentaisou – em alguns casos – dos antigos proprietários da terra em sua formação e condução,conforme Vegro e Garcia Filho (1999).Em relação ao conhecimento dos mutuários acerca do valor das dívidas bancárias,100% dos entrevistados da Fazenda Angico e da Fazenda Lagoa da Serra disseram quesabem que estão <strong>de</strong>vendo, embora não saibam informar o montante da dívida, queenvolve as prestações da terra e do Pronaf A, acumuladas.Esse conhecimento é fundamental para que venham a honrar o compromisso <strong>de</strong>restituir o que foi contraído por intermédio do banco. No entanto, o percentual levantadona pesquisa confirma o baixo grau <strong>de</strong> socialização <strong>de</strong> informações básicas a respeito doPNCF e <strong>de</strong> outras políticas públicas a que os mutuários tiveram acesso, reforçando que,apesar do trabalho <strong>de</strong> divulgação <strong>de</strong>senvolvido pelos órgãos responsáveis, segundo eles,no sentido <strong>de</strong> esclarecer os mutuários sobre a natureza e condições do programa, amaioria dos entrevistados não tinha clareza dos objetivos do programa e nem do seufuncionamento, como esclarece Buainain (1999, p. 109).A <strong>de</strong>sinformação sobre o programa não se restringe aos associados. [...] Excetoos Bancos - com regras próprias e relativamente inflexíveis diante dasespecificida<strong>de</strong>s e necessida<strong>de</strong>s dos produtores rurais mais pobres -, nos <strong>de</strong>maisórgãos governamentais, apesar do empenho e da boa vonta<strong>de</strong>, é gran<strong>de</strong> o<strong>de</strong>sconhecimento das normas legais e dos possíveis <strong>de</strong>sdobramentos. Face aalgum impasse, os técnicos têm dificulda<strong>de</strong> para <strong>de</strong>cidir qual o melhorencaminhamento. Normalmente o conhecimento mais aprofundado fica sob aresponsabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma só pessoa. O restante apenas cumpre tarefas. Além domais, são poucos os que conseguem perceber quem são os associados e qual operfil das associações. O contato entre os técnicos e associados é restrito aopresi<strong>de</strong>nte e quando muito, à diretoria.Sobre a ocorrência <strong>de</strong> mudanças nas condições <strong>de</strong> vida provocadas pelo PNCF,todos os mutuários das Fazendas Angico e Lagoa da Serra foram concor<strong>de</strong>s em afirmarque houve melhorias após a a<strong>de</strong>são ao programa. De acordo com EA1,


15O programa mudou muito a minha condição <strong>de</strong> vida, pois hoje eu não divido nadacom o patrão. Hoje, se a gente fizer um saco <strong>de</strong> milho é todo nosso antes a genteera meeiro e tinha que dividir com o dono da terra. Hoje nós temos uma casa boacom energia, água na cisterna, comprei vários eletrodomésticos (antenaparabólica, TV, liquidificador, e gela<strong>de</strong>ira, e outras coisas) temos nosso criar,posso dizer que é um modo <strong>de</strong> beneficio para o agricultor produzir.Segundo EB8, “Tudo melhorou, não preciso mais caçar trabalho nas fazendas,tenho trabalho próprio, casa boa, energia, água e fartura <strong>de</strong> alimentos”.Realmente, verifica-se que o PNCF contribuiu visivelmente com a melhoria dascondições <strong>de</strong> vida <strong>de</strong>sses mutuários, nos mol<strong>de</strong>s preconizados pelo documento do 9ºCNTTR (2005, p. 83):Homens, mulheres, jovens e adultos, <strong>de</strong>ixaram <strong>de</strong> ser „escravos‟ do proprietário,tendo o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> escolher e <strong>de</strong>cidir o que, como e quanto produzir. As mudançasnas condições <strong>de</strong> vida no que se relaciona a habitação e condições sanitárias sãosignificativas, muito embora a expectativa das famílias era „ir além da casa, daestada e da energia elétrica‟. Quando falam da mudança <strong>de</strong> vida, <strong>de</strong>ixamclaramente evi<strong>de</strong>nciada em suas palavras, a esperança <strong>de</strong> que a terra é aalternativa <strong>de</strong> sustento da vida. Creem na possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> superar o status quo e<strong>de</strong> realmente se concretizar a sonhada melhoria <strong>de</strong> vida.Mais uma vez chama-se a atenção para a relativida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ssa melhoria, que não po<strong>de</strong>ser atribuída apenas ao PNCF, uma vez que os mutuários <strong>de</strong> ambos os imóveis tiveramacesso à linha <strong>de</strong> crédito do PRONAF A, porquanto favoreceu apenas a sua mobilida<strong>de</strong><strong>de</strong> uma situação <strong>de</strong> extrema pobreza a outra ainda marcada pela precarieda<strong>de</strong>, em que oanalfabetismo constitui o nível <strong>de</strong> escolarida<strong>de</strong> predominante e o patrimônio obtido quase<strong>de</strong>saparece diante da dívida que lhes pesa sobre os ombros.Nesse sentido, consi<strong>de</strong>ra-se que o PNCF, ao invés <strong>de</strong> alternativa para a melhoria <strong>de</strong>vida, constitui solução atraente para o enfrentamento dos muitos problemas vivenciadospelos mutuários em seu cotidiano <strong>de</strong> luta pela sobrevivência, num forte indicativo <strong>de</strong> que asituação <strong>de</strong> pobreza empurra os agricultores que não lutam pela terra em sua direção.Consi<strong>de</strong>rações FinaisO Estado brasileiro sempre esteve a serviço <strong>de</strong> um mo<strong>de</strong>lo econômico enaltecedorda classe dominante que, <strong>de</strong> certa maneira, influencia fortemente as políticas públicas,resultando na necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ajustes constantes para garantir a sua continuida<strong>de</strong>.A<strong>de</strong>mais, as políticas públicas direcionadas ao meio rural sempre privilegiaram agran<strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong>, em <strong>de</strong>trimento da pequena produção. A criação do PNCF se insereem um contexto político em que o capital é soberano, favorecendo a instalação efetiva docapitalismo no meio rural.O PNCF revelou-se um programa <strong>de</strong> “compra e venda” <strong>de</strong> terras que gera


16endividamento crescente dos mutuários atingidos e favorece a concentração <strong>de</strong> terras,carecendo, ainda, <strong>de</strong> integração entre as instituições prestadoras <strong>de</strong> serviços públicos e<strong>de</strong> avaliações constantes em todas as suas etapas.Com base na pesquisa, concluiu-se que os mutuários entrevistados tinhamcondições socioeconômicas instáveis <strong>de</strong> vida, trabalho e moradia antes da aquisição daterra pelo programa, com <strong>de</strong>staque para situações <strong>de</strong> extrema pobreza e baixaescolarida<strong>de</strong> presentes na realida<strong>de</strong> da maioria.Desse modo, todas as variáveis analisadas contribuíram <strong>de</strong> forma positiva para amelhoria <strong>de</strong> sua vida. Isoladamente, os indicadores <strong>de</strong> maior incremento, nos imóveisanalisados, foram condições <strong>de</strong> moradia e aspectos sanitários, e acesso a bens duráveis(as famílias revelaram satisfação por adquirirem casa própria e outros bens, comotelevisor, gela<strong>de</strong>ira, liquidificador, ferro <strong>de</strong> engomar, motos), evi<strong>de</strong>nciando sua importânciapara o bem-estar da população investigada. Vale ressaltar que a causa da alteraçãopositiva nesses indicadores po<strong>de</strong> estar na elevação da renda <strong>de</strong>ssa população, oriundados rendimentos rurais e <strong>de</strong> outras fontes orçamentárias.A variável saú<strong>de</strong> reflete a situação da saú<strong>de</strong> pública brasileira, embora se tenhaconstatado um leve aumento nos atendimentos pelos agentes <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>.A educação também contribuiu para a formação da melhoria das condições <strong>de</strong> vidadas famílias mutuarias entrevistadas, embora timidamente, talvez em razão <strong>de</strong> quemudanças nos aspectos educacionais são mais facilmente percebidas em prazos maislongos. Importa salientar que o baixo índice educacional prejudica sensivelmente aqualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida da população rural e o <strong>de</strong>sempenho da agricultura familiar como umtodo, tanto em termos <strong>de</strong> produção, acesso e uso <strong>de</strong> novas tecnologias, quanto por priválosdos conhecimentos necessários para reivindicar o que precisam.Em relação à organização social, constatou-se que a associação foi apenas umamotivação para os agricultores po<strong>de</strong>rem comprar a terra, ainda que alguns <strong>de</strong>lesparticipem, timidamente, em suas ativida<strong>de</strong>s, contribuindo, no entanto, para a melhoria <strong>de</strong>suas condições <strong>de</strong> vida, por funcionar como o canal que viabilizou a compra da terra e oacesso a outros benefícios.Apesar <strong>de</strong> os mutuários afirmarem que houve melhoria na situação atual em relaçãoà situação anterior, as condições <strong>de</strong> vida nos cenários pesquisados ainda são muitoprecárias. As famílias não estão conseguindo produzir o suficiente para a sua segurançaalimentar, forçando-se a obter, com o trabalho temporário, o que lhes falta. Embora lutempara sobreviver, possuem sérias limitações (na educação, saú<strong>de</strong>, capacitação, segurança


17alimentar e outras), que não são solucionadas com o simples acesso a terra, mas coma disponibilização da infraestrutura necessária pelo po<strong>de</strong>r público para tal.Outras limitações estão no fato <strong>de</strong> a área dos imóveis adquiridos serem <strong>de</strong> sequeiro,requerendo, para o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s agropecuárias, no mínimo, um módulofiscal por família, que, em Morada Nova, são 55 ha, revelando o PNCF como umprograma <strong>de</strong> antirreforma agrária, porquanto, em ambos os imóveis, a relação ha/famíliaestá bem abaixo <strong>de</strong>sse limite, supõe-se que em <strong>de</strong>corrência da estratégia <strong>de</strong> aumento donúmero <strong>de</strong> famílias para reduzir o valor da participação individual no rateio da prestação.A capacitação <strong>de</strong>ficitária para o <strong>de</strong>senvolvimento das ativida<strong>de</strong>s produtivas,provavelmente incompatível com o nível <strong>de</strong> escolarida<strong>de</strong> dos mutuários, compromete osucesso do empreendimento.Constatou-se, durante a pesquisa, <strong>de</strong>ficiência na prestação da assistência técnica eno apoio à comercialização aos mutuários do crédito fundiário, e falta <strong>de</strong> integração entreas instituições prestadoras <strong>de</strong> serviços públicos.Observa-se a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> avaliações constantes em toda a execução doprograma com todos os atores direta ou indiretamente envolvidos, <strong>de</strong> modo que osproblemas <strong>de</strong>tectados pela pesquisa o sejam pelos próprios responsáveis pelaimplementação do programa, capazes <strong>de</strong> solucioná-los.Apesar das criticas a respeito <strong>de</strong>ssa forma <strong>de</strong> acesso a terra, o próprio governo dostrabalhadores adotou, como também ampliou, suas linhas <strong>de</strong> financiamento. Além disso, aentida<strong>de</strong> representativa dos trabalhadores rurais, CONTAG, assumiu essa modalida<strong>de</strong> <strong>de</strong>“reforma agrária” que, em suma, legitima o capitalismo no campo. O mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> mercadodo BIRD não po<strong>de</strong> ser classificado como um programa <strong>de</strong> reforma agrária, muito menosuma ação estatal redistributiva, porquanto tem como principio fundante a compra e vendaentre agentes privados, com base na lógica <strong>de</strong> oferta e procura acrescida <strong>de</strong> uma parcelavariável <strong>de</strong> subsidio para investimentos socioprodutivos.A Reforma Agrária redistributiva, por sua vez, consiste em ação do Estado que visaredistribuir a proprieda<strong>de</strong> da terra, apropriada e concentrada por uma classe <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>sproprietários, com o objetivo <strong>de</strong> <strong>de</strong>mocratizar a estrutura agrária e promover o<strong>de</strong>senvolvimento nacional, transformando as relações <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r econômico e políticoresponsáveis pela reprodução da concentração fundiária. Enquanto política redistributiva,implica, <strong>de</strong> acordo com a Constituição Fe<strong>de</strong>ral brasileira, a <strong>de</strong>sapropriação punitiva <strong>de</strong>terras privadas que não cumprem a sua função social. (BRASIL, 1988)Os programas <strong>de</strong> reforma agrária <strong>de</strong> mercado resultam tanto em disputa políticoi<strong>de</strong>ológicacom os movimentos sociais agrários quanto no endividamento crescente dos


mutuários envolvidos, que adquiriram a terra via financiamento buscando realizar umsonho que terminou virando uma dívida.18ReferênciasABIKO, A. K. Introdução à gestão habitacional. São Paulo: EPUSP, 1995.ABRAMOVAY, Ricardo. Paradigmas do capitalismo agrário em questão. São Paulo:Hucitec, 2007.ALENCAR, Francisco Amaro Gomes <strong>de</strong>. Uma geografia das políticas fundiárias noestado do Ceará. Tese (doutorado em <strong>Sociologia</strong>). Departamento <strong>de</strong> Ciências Sociais eFilosofia, UFC. Fortaleza, 2005. 297p.AXT, Gunter; SCHULER, Fernando. Intérpretes do Brasil. São Paulo: Artes e Ofícios,2000.BRANDÃO, Wilson. A Reforma agrária solidária no Ceará. IN: SISNANDO, Pedro Leite(org.) Reforma agrária e <strong>de</strong>senvolvimento sustentável. Brasília: Nead/MDA, 2000.BRASIL. Casa Civil da Presidência da República. Lei nº 11.346, <strong>de</strong> 15 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong>2006. Cria o Sistema Nacional <strong>de</strong> Segurança Alimentar e Nutricional – SISAN com vistasem assegurar o direito humano à alimentação a<strong>de</strong>quada e dá outras providências. 2006.Disponível em: . Acesso em: 20 jan. 2010.______. Ministério do Desenvolvimento Agrário. Secretaria <strong>de</strong> Reor<strong>de</strong>namento Agrário.Programa Nacional <strong>de</strong> Credito Fundiário. Manual <strong>de</strong> Operações. Brasília. 2005.______. Ministério do Desenvolvimento Agrário. Programa Nacional <strong>de</strong> Crédito Fundiário.Manual <strong>de</strong> operações. Brasília: MDA, 2004._______, Ministério Extraordinário <strong>de</strong> Política Fundiária/Instituto Nacional <strong>de</strong> Colonizaçãoe Reforma Agrária. Mudanças legais que melhoraram e apressaram as ações dareforma agrária. Brasília: MEPF, 1998.______. Constituição. República Fe<strong>de</strong>rativa do Brasil. Fortaleza: Banco do Nor<strong>de</strong>ste doBrasil, 1988.______. Ministério da Reforma e do Desenvolvimento Agrário. Estatuto da Terra. Lei nº.4.504, <strong>de</strong> 30 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 1964. Dispõe sobre o Estatuto da Terra e dá outrasprovidências. Brasília: MIRAD, 1985.BRUNO, Jean. Reforma social da agricultura familiar contemporânea: sobrevivência oucriação da economia mo<strong>de</strong>rna. Ca<strong>de</strong>rnos <strong>de</strong> <strong>Sociologia</strong>. Porto Alegre: UFRGS, v. 6, p.51-75, 1994.BUAINAIN, Antonio Márcio. Estudo <strong>de</strong> avaliação <strong>de</strong> impactos do programa Cédula daTerra. Relatório final. Brasília: UNICAMP, NEAD, MDA, 2003.______. Programa Cédula da Terra: resultados preliminares, <strong>de</strong>safios e obstáculos.Relatório <strong>de</strong> avaliação. Brasília: Nead, 1999.


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