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Tomo 2 - ANS

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MINISTÉRIO DA SAÚDEDocumentos técnicos de apoio ao Fórumde Saúde Suplementar de 2003Rio de Janeiro — RJ2004


MINISTÉRIO DA SAÚDEAgência Nacional de Saúde SuplementarDocumentos técnicos de apoio ao Fórumde Saúde Suplementar de 2003Série B. Textos básicos de saúdeREGULAÇÃO & SAÚDE; V.3, TOMO 2Rio de Janeiro — RJ2004


© 2004. Ministério da Saúde.É permitida a reprodução total ou parcial desta obra, desde que citada a fonte.Série B. Textos básicos de saúdeRegulação e Saúde; v.3Tiragem: 3.000 exemplaresElaboração, distribuição e informações:MINISTÉRIO DA SAÚDEAgência Nacional de Saúde Suplementar (<strong>ANS</strong>)Av. Augusto Severo, 84, GlóriaCEP: 20021-040, Rio de Janeiro – RJTel.: (21) 2105 0000 Fax: (21) 2105 0030Disque <strong>ANS</strong>: 0800 701 9656Home page: www.ans.gov.brOrganizadores:Antônio Joaquim Werneck de Castro, Januario MontoneApoio:UNESCOProdução editorial:Ana Maria Flores, Bárbara Pellegrini, Bruno Pinheiro, Sílvia Costa, Valéria BeckerRevisão:Ana Paula da Silva Leite, Marcio AlbuquerqueProjeto gráfico e diagramação:Alice Brito, Paula WienskoskiCapa:Paula WienskoskiImagens:Xilogravuras da anatomia humana, homem e mulher e coluna vertebral de Versalius de Bruxelas, feitosa partir da observação direta de dissecação cadavérica. Publicadas inicialmente em De Humani CorporisFabrica, em 1543, foram reeditadas no Brasil em 2002 e gentilmente cedidas pelo Ateliê Editorial, SP.Imagens do cérebro captadas respectivamente a partir de cintilografia de perfusão cerebral comradiofármaco ECD /Tecnécio-99m e radiografia simples, gentilmente cedidas pelo Instituto Nacionalde Cardiologia (Laranjeiras / RJ).Impresso no Brasil / Printed in BrazilFicha CatalográficaBrasil. Ministério da Saúde. Agência Nacional de Saúde Suplementar.Documentos técnicos de apoio ao fórum de saúde suplementar de 2003 / Ministérioda Saúde, Agência Nacional de Saúde Suplementar; Januario Montone, Antônio JoaquimWerneck de Castro (Organizadores).— Rio de Janeiro: Ministério da Saúde, 2004.v.3, t.2, il. color. — (Série B. Textos Básicos de Saúde – MS) – (Regulação e Saúde; v.3)ISBN 85-334-0763-71. Sistema de saúde. 2. Política de saúde. 3. Regulação. I. Brasil. Ministério da Saúde.Agência Nacional de Saúde Suplementar. II. Montone, Januario. III. Castro, AntônioJoaquim Werneck de. IV. Título. V. Série.NLM WA 525Catalogação na fonte – Editora MS


SumárioModelos Assistenciais na Saúde Complementar:o desafio na construção de práticas cuidadoras 7Deborah Carvalho MaltaPortabilidade: avaliação exploratória das principaispotencialidades e dificuldades 53Geraldo Biasoto JuniorConsiderações Técnicas sobre o Instituto do Agravo 79Daniela R. F. de MendonçaA Relação Entre as Operadoras de Planos de Saúdee os Prestadores de Serviços – um novo relacionamento estratégico 103Alceu Alves da SilvaDiretrizes Clínicas como Instrumento de Melhoria da Qualidadeda Assistência Suplementar: o papel da Agência Nacional de Saúde 177Margareth Crisóstomo PortelaAções de Promoção à Saúde e Prevenção de Doenças: o papel da <strong>ANS</strong> 211Dina CzeresniaMetodologias e Diretrizes Para a Incorporação deTecnologias no Setor de Saúde Suplementar 241Letícia Krauss SilvaO Setor de Planos e Seguros de Saúde e a Saúde doTrabalhador: que rumo devemos seguir? 277Isabela Soares SantosSistema Único de Informação em Saúde? Integração dosDados da Assistência Suplementar à Saúde ao Sistema SUS 317Sebastião LoureiroSigilo das Informações 337Sérgio Miranda FreireSistemas de Informação em Planos de Saúde:rede credenciada, usuários e <strong>ANS</strong> 381André Junqueira Xavier


Modelos Assistenciais na SaúdeSuplementar: o desafio na construçãode práticas cuidadorasDeborah Carvalho Malta 1INTRODUÇÃONas últimas décadas, ocorreram inúmeros avanços relativos às políticas setoriaispúblicas, em especial no setor saúde no Brasil. O movimento da “Reforma Sanitária” constituiuseem um movimento político em torno da remodelação do sistema de atenção à saúde, tendoa compreensão da saúde como um direito do cidadão e dever do Estado. Este movimentoaglutinou diversos atores sociais, formando uma ampla coalizão política em torno de princípiosque sustentavam a criação do Sistema Único de Saúde e que resultaram no arcabouço jurídicoda Constituição Federal de 1988 e da Lei Orgânica da Saúde – 8.080, de 1990, que definiram asdiretrizes de universalidade, integralidade e eqüidade (BRASIL, 1988; BRASIL, 1990).A política de saúde no Brasil seguiu, nos anos 80, uma trajetória paradoxal: de um lado,a concepção universalizante, de outro, obedecendo às tendências estruturais organizadas peloprojeto neoliberal, concretizaram-se práticas caracterizadas pela exclusão social e redução deverbas públicas. Em função dos baixos investimentos em saúde e conseqüente queda daqualidade dos serviços, ocorreu uma progressiva migração dos setores médios para os planose seguros privados (MALTA, 2001).A expansão da saúde suplementar nas últimas décadas foi significativa, estimando-se,segundo dados da PNAD/98, em 38,7 milhões o número de brasileiros cobertos por pelo menosum plano de saúde, o que corresponde a 24,5% da população do País (IBGE, 2000). Esses|1| Prof a Departamento Materno Infantil e Saúde Pública, Escola de Enfermagem/UFMG. Doutora em SaúdeColetiva/Planejamento.


8 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3números expressam as profundas alterações que a prestação dos serviços de saúde vem sofrendo,colocando na agenda governamental a necessidade do estabelecimento de um ordenamentojurídico legal para o setor que incorpore a regulamentação desse mercado privadoe a definição das suas responsabilidades. Essa regulamentação iniciou-se em 1998, mediantea Lei 9.656/98, mas ainda existe um grande percurso na sua consolidação (BRASIL, 1998).Convive-se com uma grande heterogeneidade nos padrões de qualidade do setor, fragmentaçãoe descontinuidade da atenção, que comprometem a efetividade e a eficiência do sistemacomo um todo, atingindo as redes de cuidados básicos, especializados e hospitalares, queatendem a clientela de planos de saúde.A chamada “assistência médica supletiva” adquire inúmeros formatos na prestaçãoda assistência e esses inúmeros aspectos devem ser mais bem conhecidos. O atual trabalhoprocura abrir o debate sobre os diferentes modelos assistenciais praticados na saúde suplementar,visando ao maior conhecimento do setor e orientação da ação regulatória do Estado.CARACTERÍSTICAS DOS SEGMENTOS DA SAÚDE SUPLEMENTARA Saúde Suplementar é composta pelos segmentos das autogestões, medicinas de grupo,seguradoras e cooperativas.Denomina-se “autogestão” os planos próprios patrocinados ou não pelas empresasempregadoras, constituindo o subsegmento não comercial do mercado de planos e seguros.As autogestões totalizam cerca de 300 empresas e aproximadamente 4,7 milhões de beneficiários.O grupo é heterogêneo, incluindo as grandes indústrias de transformação (Volkswagen),entidades sindicais, empresas públicas, até empresas com pequeno número de associados.Cerca de 50% são administrados por instituições sindicais ou entidades jurídicas paralelas àsempresas empregadoras, como as caixas de assistência, caixas de previdência e entidadesfechadas de previdência. Integram sua administração representantes dos trabalhadores e patronais.Percentual significativo é administrado por departamentos de benefícios/recursoshumanos da própria empresa. Os planos de autogestão organizam suas redes de serviços, fun-


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 9damentalmente, mediante o credenciamento de provedores (CIEFAS, 2000; BAHIA 2001;ABRAMGE, 2002).O subsegmento comercial compreende as cooperativas de trabalho médico – UNIMEDs,e cooperativas odontológicas, as empresas de medicina de grupo (incluindo as filantrópicas) eas seguradoras.As seguradoras, vinculadas ou não a bancos, representam a modalidade empresarialmais recente no mercado de assistência médica suplementar, com 16% do contingente de pessoascobertas através de planos privados de saúde. Esse segmento utiliza-se da lógica atuarialpara o cálculo das prestações dos planos e realiza uma seleção de riscos mais rigorosa, dadoque se referenciam na lógica securitária (CORDEIRO, 1984; BAHIA, 2001).As cooperativas de trabalho médico, as UNIMEDs, possuem 25% dos clientes de planosde saúde e se organizaram, a partir da iniciativa de médicos, com a argumentação da ameaça deperda da autonomia da prática médica e da mercantilização da medicina.As medicinas de grupo, constituídas inicialmente por grupos médicos aliados ao empresariadopaulista, são atualmente responsáveis por quase 40% dos beneficiários da assistênciamédica supletiva. Esse segmento se organizou em torno de proprietários/acionistasde hospitais, criando redes de serviços e credenciando hospitais e laboratórios, dado que existiaum comprador de serviços que lhes garantia um mercado seguro. O surgimento do setor deusea partir de meados da década de 1960, com o denominado convênio-empresa entre a empresaempregadora e a empresa médica (medicina de grupo), estimulados pela Previdência Social,que repassava subsídios per capita pelo serviço prestado, prática essa que foi decisiva no empresariamentoda medicina (OLIVEIRA & TEIXEIRA, 1986; MÉDICI, 1992).A extensão do mercado da Saúde SuplementarApresentaremos uma breve descrição sobre a extensão da saúde suplementar no Brasil,no que se refere à cobertura, abrangência geográfica, dados sobre o financiamento, número deoperadoras, dentre outros, possibilitando maior aproximação do objeto estudado. Apesar do


10 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3grande número de fontes consultadas, torna-se muitas vezes difícil comparar as informações,pois os dados encontram-se dispersos, com discrepâncias significativas para um mesmo ano,além de nem sempre existirem dados da mesma fonte para todos os anos. Os dados das fontesoficiais, como os do Ministério da Saúde e IBGE, são ainda limitados na abrangência eapresentam descontinuidade temporal. Grande parte das informações disponíveis é produzidapelas operadoras através de suas entidades representativas, ou por firmas de consultoriascontratadas pelas mesmas. A maioria dos estudos e pesquisas acadêmicas sobre a saúdesuplementar trabalham com dados secundários oriundos das fontes mencionadas. Diantedessas dificuldades, os estudos que pretendem esboçar um panorama necessitam de esforçoconsiderável para a organização e produção de informações consistentes, além de demandaradaptações metodológicas para utilização adequada das informações disponíveis (BAHIA,1999; KORNIS & CAETANO, 2002). Mesmo diante dessas limitações, iremos nos apoiar nessasfontes para a caracterização da Saúde Suplementar.A Pesquisa Nacional por Amostra de DomicíliosA Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD, do IBGE, tem por finalidadea produção de informações básicas para o estudo do desenvolvimento socioeconômico dopaís. A amostra de domicílios possibilita investigar diversas características socioeconômicas(educação, trabalho, rendimento e habitação), e outras com periodicidade variável, como asinformações sobre migração, fecundidade, nupcialidade, saúde, nutrição. A primeira PesquisaNacional por Amostra de Domicílios foi realizada em 1967 e, a partir de 1971, os levantamentospassaram a ser anuais, sendo interrompidos nos anos dos Censos Demográficos de 1970, 1980e 1991. Em 1998, foi realizada investigação sobre saúde, obtendo informações de morbidadepercebida, acesso e utilização de serviços de saúde, cobertura por plano de saúde e os gastoscom saúde (IBGE, 2000).A PNAD estimou em 38,7 milhões o número de brasileiros cobertos por pelo menosum plano de saúde, correspondendo a 24,5% da população do País, cobertura menor que nos


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 11países europeus e nos Estados Unidos (que é da ordem de 84%). Destes, 75% estavam vinculadosa planos de saúde privados (operadoras comerciais e empresas com plano de autogestão)e 25% estavam vinculados a planos de instituto ou instituição patronal de assistência ao servidorpúblico civil e militar (IBGE, 2000).A cobertura de planos de saúde é expressivamente maior nas áreas urbanas (29,2%)do que nas áreas rurais (5,8%). O IBGE calcula que 25,7% das mulheres e 23% dos homensbrasileiros estejam cobertos por um plano de saúde. Em relação às faixas etárias, o percentualda população brasileira que possui um plano de saúde oscila de 20,7% entre pessoas até 18anos, a 29,5% entre pessoas na faixa etária de 40 a 64 anos. Acima de 65 anos, a cobertura atinge26,1% para os homens e 28,2% para as mulheres. A cobertura é maior também entre aquelesque avaliam seu estado de saúde como muito bom e bom (25,9%), reduzindo para 14,5% entreaqueles que avaliam seu estado de saúde como ruim ou muito ruim (IBGE, 2000).Aqueles que apresentam renda familiar inferior a um salário mínimo têm cobertura deplanos de saúde de apenas 2,6%, aumentando progressivamente com o crescimento da renda,até atingir 76% de cobertura entre aqueles que recebem 20 salários mínimos e mais (IBGE, 2000).Segundo a mesma pesquisa, cerca de 60% dos planos de saúde no País são pagos peloempregador do titular, de forma integral (13,2%) ou parcial (46,0%). A modalidade de contratomais freqüente é abrangente e inclui serviços ambulatoriais, hospitalares e exames diagnósticose terapêuticos. O co-pagamento é uma prática observada em 20% dos planos de saúde do País(IBGE, 2000).Existe uma alta correlação positiva entre acesso ao médico e o poder aquisitivo dapopulação. Enquanto 49,7% das pessoas de menor renda familiar declararam ter consultadomédico nos últimos 12 meses, esse valor sobe para 67,2% no caso daquelas pessoas com mais de20 salários mínimos de renda familiar. Segundo o IBGE, as pessoas sem rendimento foram asque apresentaram o maior coeficiente de internação hospitalar (11,5 por 100 pessoas no grupo).Em síntese, a PNAD/98 apontou os seguintes problemas de acesso aos serviços de saúdeno País: a) cerca de um terço da população brasileira não tem um serviço de saúde de uso regular;b) o acesso a consultas médicas e odontológicas aumenta expressivamente com a renda e é


12 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3maior nas áreas urbanas; c) cerca de um quinto da população brasileira nunca foi ao dentistae esse percentual cresce para 32% entre os residentes da área rural; d) aproximadamentecinco milhões de pessoas referiram ter necessitado, mas não procuraram um serviço de saúde,sendo que a justificativa mais freqüente para essa atitude foi a falta de recursos financeiros;e) entre as pessoas atendidas, cerca da metade teve seu atendimento realizado através doSUS e, aproximadamente, um terço das pessoas referiu ter utilizado plano de saúde para recebereste atendimento; f) do total de atendimentos, cerca de 16% implicaram algum pagamentopor parte do usuário; g) o atendimento recebido foi bem avaliado pelas pessoas queusaram serviços de saúde, tanto públicos como privados (IBGE, 2000).O IBGE concluiu que os planos de saúde atuam no sistema de saúde brasileiro, introduzindomais um elemento de geração de desigualdades sociais no acesso e na utilização deserviços de saúde, na medida em que cobrem uma parcela seleta da população brasileira naqual predominam: pessoas de maior renda familiar, inseridas em determinados ramos de atividadedo mercado de trabalho e que avaliam seu estado de saúde como muito bom ou bom(IBGE, 2000).Outras fontes na caracterização da Saúde SuplementarIremos nos apoiar em dados de literatura, nas fontes oficiais (Agencia Nacional de SaúdeSuplementar – <strong>ANS</strong>) e nos sítios das operadoras, para a caracterização do mercado de planos desaúde no Brasil.A fonte oficial sobre o mercado da saúde suplementar é o Cadastro de Beneficiários da<strong>ANS</strong>, de preenchimento obrigatório por parte das operadoras e que, em abril de 2002,contabilizava 32,7 milhões de beneficiários, distribuídos da seguinte forma: Medicina de Grupo(33,6%), Cooperativa Médica (25,0%), Autogestão (14,6%), Seguradora (16,2%), Odontologiade Grupo (5,3%), Filantropia (2,7%) (Tabela 1) (BRASIL, 2002a).


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 13Tabela 1 – DISTRIBUIÇÃO DE BENEFICIÁRIOS DA SAÚDE SUPLEMENTARPOR SEGMENTO, BRASIL 2002Medicina de GrupoBeneficiáriosativos11.011.768Beneficiários%33,6Operadoras %627 35,3Cooperativa Médica8.209.69725,031517,7Autogestão4.782.94314,628516,0Odontologia de Grupo1.728.5785,328416,0Cooperativa Odontológica823.0612,51488,3Administradora32010,06Seguradora5.288.27216,2130,7Filantropia883.8682,71025,7Total32.728.219100,01.775100,0Fonte: Cadastro de Beneficiários – abril de 2002 (BRASIL, 2002a).Dados do mesmo cadastro em novembro de 2002 contabilizavam 35,5 milhões debeneficiários (BRASIL, 2002b). O cadastro da <strong>ANS</strong> não inclui os beneficiários vinculados aossistemas de Previdência Pública Estadual, por não serem incluídos na obrigatoriedade da Lei9.656/98, quanto à apresentação do cadastro à <strong>ANS</strong>, e também não inclui, eventualmente,operadoras que obtiveram liminares na Justiça, desobrigando-as do fornecimento de seusdados cadastrais.A ABRAMGE estima que o mercado de planos de saúde compreenda cerca de 41 milhõesde clientes, divergindo dos dados oficiais. Cabe esclarecer que a ABRAMGE trabalha comestimativas e não com cadastro real (ABRAMGE, 2002). Para fins desse trabalho, consideraremosos números de cobertura oficiais.O Cadastro da <strong>ANS</strong> contabilizava em abril de 2002: 13 seguradoras, 627 Empresasde Medicina de Grupo, 102 Filantrópicas, 285 Autogestões, 315 Cooperativas Médicas, 148Cooperativas Odontológicas, 284 Odontologias de Grupo e uma Administradora (BRASIL,2002a) (Tabela 1).Os dados do cadastro mostram a concentração dos beneficiários em grandes operadoras:são 752 operadoras com até dois mil beneficiários, ou 1,58%, e 54 operadoras somammais de 17 milhões, ou 52% dos beneficiários (Tabela 2).A maioria das empresas de medicina de grupo e UNIMEDs são de pequeno porte (menosde 100 mil beneficiários) e com coberturas mais localizadas. Ao contrário, as seguradoras


14 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3possuem planos com mais de 100 mil beneficiários e concentrados em um pequeno númerode empresas (Figura 1).Tabela 2 – DISTRIBUIÇÃO DAS FAIXAS DE BENEFICIÁRIOSPOR OPERADORAS, BRASIL 2002Faixa deBeneficiáriosOperadoras % Beneficiários %Até 200075242,3518.4561,62001 a 1000056331,72.726.6168,310001 a 2000019110,82.753.9958,420001 a 500001438,04.451.27113,650001 a 100000724,05.126.00715,6100001 a 500000472,69.712.98729,7Acima de 50000070,47.438.88722,7Total1775100,032.728.219100,0Fonte: Cadastro de Beneficiários – abril de 2002 (BRASIL, 2002a).Figura 1 – PARTICIPAÇÃO DOS SEGMENTOS DA SAÚDE SUPLEMENTARPOR FAIXA DE BENEFICIÁRIOS, BRASIL 2002100%80%60%40%20%0%até 2.0002.001 a10.00010.001 a20.00020.001 a50.00050.001 a 100.001 a acima de100.000 500.000 500.000administradora autogestão cooperativa medicina de grupo seguradoraFonte: Cadastro de Beneficiários – abril de 2002 (BRASIL, 2002a).A distribuição geográfica mostra uma concentração de operadoras e beneficiários nasRegiões Sudeste (60,80%) e Sul (17,26%), em função do maior poder aquisitivo da populaçãoe da existência de numerosas indústrias e empresas, contratantes de planos coletivos. A RegiãoNorte detém o menor percentual de operadoras (2,8%) (Tabela 3).


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 15Tabela 3 – DISTRIBUIÇÃO DAS OPERADORAS POR REGIÃO, BRASIL 2002Região Número de operadoras %SudesteSulNordesteCentro-OesteNorteTotal159945438416974263060,817,312,76,42,1100,0Fonte: Cadastro de Beneficiários, abril de 2002 (BRASIL, 2002a).Os estados com maior cobertura são, por ordem decrescente: São Paulo (40,6%),Distrito Federal (30,9%), Rio de Janeiro (29,2%), Espírito Santo (20,6%), Minas Gerais (18,7%)e as coberturas menores que 4% são observadas nos estados: Acre, Tocantins, Maranhão,Roraima e Sergipe (Tabela 4) (BRASIL, 2002a).Tabela 4 – DISTRIBUIÇÃO DOS BENEFICIÁRIOS DA SAÚDESUPLEMENTAR POR ESTADO E COBERTURA POPULACIONAL,BRASIL 2002UFBeneficiáriosativosPopulação % UFBeneficiáriosativosPopulação%SP15.042.34637.032.40340.6PB266.6653.443.8257,7DF633.9602051.14630.9MT190.6752.504.3537.6RJ4.200.75514.391.28229.2BA984.22513.070.3537.5ES639.1443.097.23220.6AP27.118477.0325.7MG3.343.06517.891.49418.7AL150.5452.822.6215.3PR1.622.3869.563.45817.0PA316.4926.192.3075.1SC827.5295.356.36015.4RR16.088324.3975.0RS1.181.13410.187.79811.6PI112.7702.843.2784.0PE876.8287.918.34411.1SE66.6821.784.4753.7CE809.4247.430.66110.9RO50.0021.379.7873.6AM296.4632.812.55710.5MA168.2715.651.4753.0MS202.3922.078.0019.7TO31.9301.157.0982.8RN254.7002.776.7829.2AC13.790557.5262.5GO402.8405.003.2288.1Brasil32.728.219 169.799.170 19.3Fonte: Cadastro de Beneficiários abril de 2002 (BRASIL, 2002a).


16 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3A IMPLANTAÇÃO DA REGULAÇÃO PÚBLICANA SAÚDE SUPLEMENTARO debate sobre o tema da regulação na saúde suplementar é ainda muito incipiente noBrasil, dado o recente tempo de efetiva publicação da Lei 9.656/98, que constituiu um importanteinstrumento de regulação pública. A Lei introduziu novas pautas no mercado, como a ampliaçãode cobertura assistencial, o ressarcimento ao SUS, o registro das operadoras, oacompanhamento de preços pelo governo, a obrigatoriedade da comprovação de solvência,reservas técnicas, a permissão para a atuação de empresas de capital estrangeiro, entre outras.Segundo Bahia (2001), existem divergências quando se discute qual é o objeto e aintensidade dessa regulação. Para alguns, a regulamentação visa corrigir/atenuar as falhas domercado com relação à assimetria de informações entre clientes, operadoras e provedores deserviços. A regulação deveria, então, atuar, minimizando a seleção de riscos, por parte dasempresas de planos, que preferem propiciar cobertura aos riscos “lucrativos” e por parte declientes que tendem a adquirir seguros/planos, em razão de já apresentarem alguma manifestaçãodo problema de saúde preexistente.Os grandes embates posteriores à criação da <strong>ANS</strong> têm se dado em função da ampliaçãoda cobertura e ameaças de quebra das operadoras de menor porte, face às exigências dedemonstração de solvência.As críticas produzidas dentre os diversos atores variam conforme a sua origem, inserçãosocial e defesa dos interesses que representam. Nesse sentido, os órgãos de defesa dosconsumidores, como o Instituto de Defesa do Consumidor (IDEC), pontuam, por exemplo, a“armadilha aos idosos”, apontada como a permissão da adoção de preços diferenciados entreos mais jovens e mais velhos, e a permissão de não-coberturas. Os órgãos de defesa do consumidor,conjuntamente com as entidades médicas, questionam a não-cobertura de todas as patologias,a autonomia na solicitação dos procedimentos, a remuneração dos profissionais, entreoutros. As cooperativas médicas questionam os prazos de adaptação às leis, a obrigatoriedadee constitucionalidade do ressarcimento, as dificuldades impostas aos pequenos planose empresas regionais, no que se refere às exigências de coberturas. As medicinas de grupo


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 17pontuam os prazos de adaptação às Leis, a ilegalidade quanto à retroatividade, as inúmerasexigências que levam ao aumento dos custos dos produtos. As seguradoras criticam que o modelocriado tornou-se muito expandido com regras de difícil execução (FIGUEIREDO, 2002).Os embates sobre a regulamentação pública se estenderam para dentro do aparelho deEstado, enquanto o Ministério da Fazenda defendia uma regulação governamental de menorintensidade através da SUSEP, onde o centro era a regulação econômica e financeira, o Ministérioda Saúde defendia uma ação mais efetiva do Estado, colocando a regulação também noaspecto assistencial. O modelo da regulação bipartite, feita pela SUSEP e pelo MS, se arrastouaté a criação da <strong>ANS</strong>, através da Lei 9.961/00, que definiu por um órgão regulador único,saindo vitoriosa a tese do Ministério da Saúde (BRASIL, 2000c; MESQUITA, 2002).A Agência Nacional de Saúde Suplementar (<strong>ANS</strong>) foi criada com autonomia orçamentáriae decisória e assemelha-se às demais agências reguladoras quanto à estrutura organizacionale autonomia. Sua criação significou um importante passo na regulação do mercado,revelando diversos abusos das operadoras contra os clientes e ampliando o papel de regulaçãoe controle da assistência. Ainda permanecem muitas lacunas no processo regulatórioque precisam ser aperfeiçoadas.Um grande avanço nos mecanismos de regulação constituiu-se na implantação doressarcimento ao SUS, em 2000. Este foi concebido para desestimular o atendimento de clientesde planos de saúde em estabelecimentos da rede pública e privada conveniada. A cobrançatem se dado através de uma terceira tabela para a remuneração dos procedimentos, a TabelaÚnica Nacional de Equivalência de Procedimentos (TUNEP), que foi concebida com valores intermediáriosentre os praticados pelas operadoras e pelo SUS (BRASIL, 2000a). O ressarcimentoainda é polêmico entre as operadoras, que se defendem dizendo que seus clientes optamespontaneamente pelo SUS e que por isso estariam desobrigadas em ressarcir tais despesas.Ainda existem inúmeras dificuldades no processo de retorno do recurso desembolsado aoscofres públicos, demonstrados pelos dados de desempenho do ressarcimento: dos 364.242procedimentos identificados até dezembro de 2002, 193.014 haviam sido impugnados, 145.349cobrados e apenas 33.935 efetivamente pagos (BRASIL, 2003).


18 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3O processo de regulação ainda é incipiente e torna-se necessário o enfrentamento detemas mais complexos e estruturantes como o desafio de entender a natureza dessa regulação,seus avanços e limites, a dimensão da organização do subsetor, o financiamento da oferta deserviços, as modalidades assistenciais, suas redes e a complexidade dessas relações.A compreensão do Modelo Assistencial praticado só se faz à medida que entendemos oprocesso de regulação existente. Modelo Assistencial e regulação são as duas faces da mesmamoeda. Visando facilitar a compreensão da dimensão do processo regulatório, buscamos acontribuição de Cecílio (2003), que propõe um diagrama para facilitar a visualização dacartografia do campo regulatório da <strong>ANS</strong>, possibilitando o mapeamento dos campos deintervenção e abrindo a discussão de como atuar visando à transformação na melhoria daatenção à saúde (Figura 2).Cecílio (2003) designa o campo A (regulação da regulação ou macrorregulação)como o campo constituído pela legislação e regulamentação (Legislativo, Executivo/<strong>ANS</strong>,CONSU), ou seja, as Leis 9.656/98 e 9.961/2000, as resoluções normativas, operacionais,instruções, entre outras, ou seja, “O braço do Estado que se projeta sobre o mercado” (BRASIL, 1998;BRASIL, 2000b).O campo B constitui o campo da auto-regulação ou regulação operativa, isto é,as formas de regulação que se estabelecem entre operadoras, prestadores e compradores/beneficiários. Sendo que no espaço relacional 1, ocorrem as relações entre operadoras eprestadores; o espaço relacional 2 é aquele onde se estabelecem as transações entre as operadorase os compradores/beneficiários, e o espaço relacional 3 marca o encontro dos beneficiários comos prestadores.


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 19Figura 2 – A CARTOGRAFIA DO CAMPO REGULATÓRIO DA <strong>ANS</strong>Fonte: Cecílio (2003).Mapeando essas relações, torna-se mais fácil a caracterização do espaço regulatório.Discutiremos as hipóteses do estudo, visando à compreensão do modelo regulatório e do modelode assistência praticado. Essas hipóteses são fruto de um trabalho coletivo de um grupode pesquisadores da saúde suplementar 2 (JORGE; 2003; CECÍLIO, 2003).AS HIPÓTESES DO ESTUDOA regulação pública praticada atualmente na saúde suplementar tem ocorrido, emgeral, a partir da premissa da regulação da saúde financeira das operadoras, ou seja, dacapacidade de se estabelecer no mercado, honrando os compromissos na prestação daassistência à saúde dos seus beneficiários, conforme o que foi contratado, sob a perspectivado direito dos consumidores. Esse modelo de regulação tem sido praticado em diversos países,|2| As pesquisas são: “Estudo e desenvolvimento de modelos e garantias assistenciais para a <strong>ANS</strong>” e “Mecanismosde regulação adotados pelas operadoras de planos de saúde no Brasil”.


20 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3inclusive no Brasil, mesmo que timidamente, e ele se refere à regulação no Campo A, dodiagrama proposto por Cecílio (2003).Após a aprovação da Lei 9.656/98, abriu-se uma disputa dentro do aparelho de Estado,onde alguns setores defendem uma nova perspectiva no processo regulatório do Estado,entendendo uma nova atribuição no papel regulatório, ou seja, a regulação da produção docuidado à saúde. Esses setores entendem que as operadoras podem ser gestoras da saúde dosseus beneficiários, ou não, e que essa prática precisa ser regulada pelo Estado. Essa perspectivaabre uma nova frente de ação do Estado. No que se praticava até então no processo regulatório,amplia-se para o entendimento que se deve intervir também na regulação do cuidado à saúde,praticado pelas operadoras. Coloca-se um outro patamar de intervenção, onde as políticaspúblicas indicam as diretrizes desse novo formato regulatório, ou seja, intervir também nocampo B, ou no campo da auto-regulação ou regulação operativa.A regulação do Estado nesse nível deverá ser precedida por um processo de apreensãodessa dimensão, compreendendo como esses mecanismos assistenciais ocorrem no cotidiano.Existe um déficit de conhecimento e de incorporação de ferramentas que fundemessa nova perspectiva de intervenção.O processo brasileiro é de tal complexidade, que não se consegue enxergar completamenteo subsetor Saúde Suplementar, criando limites na eficácia do processo regulatório.O mercado tem atuado livremente, e uma nova prática do Estado implica adquiriremsesaberes e competências que subsidiem essa nova forma de operar.Uma outra hipótese importante levantada é que, para fazer frente à Lei 9.656/98, asoperadoras e prestadores têm desenvolvido mecanismos microrregulatórios para sobreviverao mercado e à regulação da <strong>ANS</strong>. Alguns desses mecanismos são conhecidos, como a instituiçãode protocolos, de mecanismos de referência e fluxos que dificultam a solicitação dealguns procedimentos, o co-pagamento, fatores moderadores, entre outros. Ainda há muitoque se investigar para uma melhor compreensão desses mecanismos.A existência desses mecanismos de microrregulação resultam na fragmentação docuidado, que se tornam centrados na lógica da demanda e da oferta do que foi contratado e nãona lógica da produção da saúde, do cuidado. O modo de operar a assistência passa a se tornar


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 21centrado na produção de atos desconexos, não articulados. Assim as operadoras trabalham,não com a produção da saúde, mas sim com a idéia de “evento/sinistralidade”. Assim, a saúdetorna-se para o mercado um produto e não um bem. Mesmo quando se investe em atividadesde promoção e prevenção, esse componente entra mais como produto de marketing do quecomo diretriz do modelo assistencial, visando de fato ao cuidado à saúde.Nesse contexto, quando se avalia a hipótese de que as operadoras/prestadores na SaúdeSuplementar podem ser gestores do cuidado e que isso pode ser regulado pelo Estado, verificaseque essa idéia não se sustenta a partir da atual configuração do mercado de saúde brasileiroe da prática regulatória vigente na saúde suplementar, que atua basicamente no espaço damacrorregulação. Para a viabilização desta nova perspectiva de regulação, há que se repensare intervir sobre as práticas assistenciais vigentes, instituindo uma nova forma de operar oprocesso regulatório, intervindo no campo B.Isso implica, portanto, investigar essas relações, mapear como as operadoras estãoimpondo os seus mecanismos regulatórios ao mercado (gestão por pacote, glosas, auditorias),como os prestadores reagem a esses mecanismos, buscando maior eficiência, produzindoredução de custos, ampliando a competitividade entre si ou a sobrevivência no mercado.Assim, estamos nos referindo a como entender o espaço relacional 1 (Figura 2).Ainda no campo B (Figura 2), cabe também mapear o espaço relacional beneficiários/prestadores, ou o espaço relacional 2, principalmente considerando o microespaço de encontroentre o usuário e a equipe de saúde, em especial, a relação médico-paciente. Cabe, portanto,compreender como os prestadores/médicos estão reagindo e instituindo outros mecanismosde microrregulação, ou seja, atuando centrados no poder médico. Cabe indagar se essa relaçãobusca pautar-se pela produção da qualidade em saúde, pelo processo de informação dousuário/ beneficiário e de produção de sua autonomia, ou ao contrário, em função da pressãodas operadoras, se a relação entre os prestadores/médicos e clientes tem-se pautado pela reduçãode custos, restrição de exames e procedimentos. Nesse espaço, cabe indagar se essa relação podepautar-se por uma lógica mais “cuidadora”, mais relacional e “resolutiva”, ou por outro modelorelacional mais autoritário.


22 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3No espaço relacional beneficiários-operadoras, ou espaço 3, o debate central passa portemas como a seleção de riscos (ou barreiras à entrada dos segurados no sistema, excluindo osde alto risco), risco moral ou moral hazard (aumento da utilização de serviços pelos usuários,quando coberto), a quebra da integralidade do cuidado por parte da operadora, não garantindoo cuidado contratado, e a busca da garantia de direito, por parte dos usuários (ALMEIDA, 1998).Constata-se um grande esforço regulatório da <strong>ANS</strong> na construção de uma agendada regulação, concentrada no campo A; cabe ao Estado discutir, também, a atuação sobreo campo da regulação operativa, ou no campo B. Este último constitui o centro de reflexãodo atual trabalho, ou seja, como ampliar a compreensão sobre as questões que ocorrem nocotidiano dessas relações (Campo B), visando ampliar o olhar do Estado/<strong>ANS</strong>, para queestabeleça uma nova intervenção nesse espaço, atuando sobre o Modelo de Assistênciapraticado (Figura 2).Poderíamos sintetizar as seguintes hipóteses frente às características do modeloassistencial praticado pela Saúde Suplementar no país:1.As operadoras podem se constituir enquanto gestoras do cuidado.2.As operadoras e os prestadores têm desenvolvido mecanismos microrregulatóriospara sobreviver ao mercado e à regulação da <strong>ANS</strong>.3.A existência de mecanismos de regulação resulta na fragmentação do cuidadocentrado na lógica dos contratos.4.Para o consumidor, esses mecanismos resultam na não-integralidade da assistência.5.O mercado em Saúde Suplementar não trabalha com o conceito de produção dasaúde, mas com a idéia de evento/sinistralidade.6.A hipótese de que as operadoras podem ser gestoras do cuidado e que isto pode serregulado não se sustenta na atual configuração do mercado e na prática regulatória vigente naSaúde Suplementar.7.As atividades de promoção à saúde, realizadas pelas operadoras, não são estratégiaspara intervenção na perspectiva de um modelo mais integral de atenção, mas predominantementeestratégias de marketing.


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 238. As operadoras estão operando com mecanismos de seleção de riscos, apesar daLei 9.656/98.9. O mercado opera com variáveis para identificação de riscos, que não são as mesmasda saúde pública, dando prioridade aos cálculos econômicos e financeiros. (JORGE, 2003).A importância desse mapeamento consiste na caracterização das tendências dos atoresem cena, seus tensionamentos e disputas, fundamentando uma nova intervenção do Estadonessa relação. Pretende-se construir competência para exercer a regulação no campo daregulação operativa (que é fortemente auto-regulada), ou seja, atuar no espaço da microrregulaçãodo mercado de saúde. Esse campo se apresenta como um campo de disputas e negociações,configurando um território instável e em constantes deslocamentos (CECÍLIO,2003). Implica aproximar-se do objeto em questão, e propiciar o diálogo com as hipótesesformuladas. Para esse percurso, iremos buscar discutir o conceito de Modelo Assistencial, enfocandoas disputas colocadas, o desenho da linha de cuidado esperada e a micropolítica dotrabalho em saúde. A revisão pretende ampliar a compreensão dos atores em disputa, possibilitandoa perspectiva futura de atuar no processo de microrregulação da produção do cuidado,visando à melhoria do acesso, da integralidade e da qualidade da assistência prestada.MODELO ASSISTENCIAL NA SAÚDE SUPLEMENTARModelo Assistencial, na literatura que trata especificamente da saúde suplementar, é umassunto pouco discutido e investigado, embora a temática esteja presente na legislação queregulamenta o subsetor, onde o modelo assistencial aparece como atribuição do ConselhoNacional de Saúde Suplementar (CONSU). A Lei 9.656/98 traz no seu “Art. 35”, o seguintetexto: “Fica criado o Conselho Nacional de Saúde Suplementar – CONSU, órgão colegiado integranteda estrutura regimental do Ministério da Saúde, com competência para deliberar sobre questõesrelacionadas à prestação de serviços de Saúde Suplementar nos seus aspectos médico, sanitárioe epidemiológico e, em especial: I – regulamentar as atividades das operadoras de planos e segurosprivados de assistência à saúde, no que concerne aos conteúdos e modelos assistenciais,adequação e utilização de tecnologias em saúde” (BRASIL, 1998).


24 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3Na Lei 9.961/00, alterada pela MP 2.097-36, de 26.1.01, o tema de modelos assistenciaisaparece novamente, no Capítulo I – artigo 4 o , que trata da competência da <strong>ANS</strong>, há o seguintetexto: “XLI – fixar as normas para constituição, organização, funcionamento e fiscalização dasoperadoras de produtos de que tratam o inciso I e o parágrafo 1 o do art. 1 o da Lei 9.656, incluindo:a) conteúdos e modelos assistenciais” (BRASIL, 2000b).Verifica-se, portanto, que é objeto tanto do CONSU quanto da <strong>ANS</strong> a regulação dosmodelos assistenciais da Saúde Suplementar, embora os textos publicados, que tratem do tema,se preocupem, principalmente, com as discussões relacionadas ao financiamento, gestão eregulação geral. A despeito dessa situação, a Saúde Suplementar não deixa de determinar e operarmodelos de atenção.Modelo assistencial consiste na organização das ações para a intervenção no processosaúde/doença, articulando os recursos físicos, tecnológicos e humanos, para enfrentar e resolveros problemas de saúde existentes em uma coletividade. Podem existir modelos que desenvolvamexclusivamente intervenções de natureza médico-curativa e outros que incorporem ações depromoção e prevenção; e ainda há modelos em que seus serviços simplesmente atendem àsdemandas, estando sempre aguardando os casos que chegam espontaneamente ou outros queatuam ativamente sobre os usuários, independentemente de sua demanda (PAIM, 1999).Autores como Merhy et al. (1992) discutem a dimensão articulada dos saberes e dapolítica na determinação da forma de organizar a assistência:“Modelo Técnico Assistencial constitui-se na organização da produção de serviçosa partir de um determinado arranjo de saberes da área, bem como de projetos de açõessociais específicos, como estratégias políticas de determinado agrupamento social. Entendemos,desse modo, que os modelos tecno-assistenciais estão sempre apoiados em umadimensão assistencial e tecnológica, para expressar-se como projeto de política, articuladoa determinadas forças e disputas sociais” (MERHY et al., 1992).Merhy et al. (1992) consideram que os modelos tecno-assistenciais se apresentam comoprojetos de grupos sociais, formulados enquanto projetos tecno-assistenciais, para seremimplementados enquanto estrutura concreta de produção de parte das ações de saúde,realizando-se de forma “pura” ou incorporando propostas de outros projetos. Esses projetos


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 25apóiam-se em conhecimentos e saberes que definem o que é problema de saúde, como devemser as práticas de saúde, para que servem e como devem ser organizadas tais práticas, quaisserão os trabalhadores necessários e para quais pessoas estão dirigidas.A conformação desses modelos expressa uma dada forma de poder político e, portanto,uma dada conformação do Estado e de suas políticas, que pressupõem a construção de umavisão dos outros modelos, seja para a disputa enquanto projeto, seja como estratégia de suamanutenção.Campos (1992) considera “modalidade assistencial” ou “modelos tecnológicos”, comopartes integrantes de um certo modelo tecno-assistencial:“Por sua vez, ‘modalidades assistenciais’ ou ‘modelos tecnológicos’ se prestarão paradesignar as várias partes constitutivas de um dado modo de produção, sempre combinadassegundo um sentido determinado pela totalidade do modelo. Combinações que, por suavez, tenderiam a alterar as características arquetípicas (tipos ideais) de cada modalidadeou modelo tecnológico: clínico ou epidemiológico, estatal ou privado, produção de serviçossegundo a lógica liberal ou assalariado, da pequena produção ou de empresas etc.”(CAMPOS, 1992:37).Para efeito desse trabalho, adotaremos a compreensão de Merhy et al. (1992), assumindoque os modelos assistenciais incorporam uma dimensão articulada de saberes e tecnologias dedados grupos sociais que, apoiados na dimensão política, disputam dada forma de organizar aassistência.Visando analisar os modelos assistenciais a partir da sua matriz discursiva, tomamos osautores Silva Jr. (1998) e Reis (2002) que se referenciam na compreensão de Merhy et al. (1992)sobre o tema. O primeiro, analisando os modelos tecno-assistenciais formulados pelo campoda Saúde Coletiva Brasileira (SILOS – Bahia, “Cidade Saudável” de Curitiba e “Em Defesa daVida” do LAPA – UNICAMP), estabelece uma comparação com o modelo tecno-assistencialhegemônico (liberal-privatista/neoliberal) e propõe uma matriz analítica. Nessa matriz, o autorcompara os modelos segundo as seguintes dimensões: concepção de saúde e doença,integralidade na oferta das ações, regionalização e hierarquização de serviços e articulaçãointersetorial.


26 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3Reis (2002), por sua vez, analisa os modelos tecno-assistenciais em Belo Horizonte, desdeo início do século XX, e propõe uma matriz analítica com o objetivo de caracterizar cada um dosmodelos ao longo desse período, abordando o ator (quem institui o modelo), os objetivos, aspolíticas, saberes e tecnologias, organização e assistência. Na visão do autor, a matriz propostanão pode ser tomada como um somatório de partes que caracterizam os modelos tecnoassistenciais.Essas dimensões não teriam vida própria, mas constituiriam práxis sociais, desujeitos sociais, em constante processo de interação (disputas, criação de consensos, hegemonia).As dimensões se interpenetram e se condicionam mutuamente, constituindo articulaçõesconcretas, sociais e históricas, das dimensões política, tecnológica, organizativa e assistencialque possibilitam analisar os modelos tecno-assistenciais constituídos.Visando analisar os modelos assistenciais em Saúde Suplementar propõe-se uma matrizcomparativa dos segmentos (Cooperativas Médicas, Empresas de Medicina de Grupo,Autogestões e Seguradoras), que aborda o ator (quem institui o modelo), os objetivos, aspolíticas, saberes e tecnologias, organização e assistência prestada.O Quadro 1 apresenta a matriz com as dimensões analíticas propostas. Os objetivos sãoentendidos como a definição dos propósitos que instituem o segmento. A dimensão da políticapretende caracterizar os atores implicados em cada segmento e seus interesses disputantes,estabelecendo um mapa das relações entre os diversos atores e verificando os graus de tensãoentre os mesmos e as pactuações existentes que incidem sobre a modelagem dos serviços desaúde. Os modelos assistenciais incorporam também uma dimensão articulada de saberes etecnologias na sua configuração, sendo importante caracterizar os saberes que sustentam edirecionam essa organização. A dimensão organizativa aborda a maneira de operar em funçãodos pressupostos e saberes, considerando a forma de gestão/gerência, os recursos financeirosempregados, o número de operadoras, o número de beneficiários, a abrangência geográfica,a cobertura, as facilidades do acesso, as portas de entrada (atendimento telefônico, call center),os fluxos e direcionalidades aos usuários, a definição de referência/contra-referência, a hierarquizaçãoda rede. A dimensão assistencial caracteriza as redes assistenciais constituídas, asdiferentes modalidades da atenção especializada, a assistência à alta complexidade e à saúde


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 27mental, considerando-se os equipamentos existentes, hospitais e leitos, a existência de práticasde prevenção (educação para a saúde), assistência farmacêutica, atividades domiciliares e outras.O preenchimento dessas dimensões deu-se em função dos dados disponíveis naliteratura, portanto tivemos dificuldades no sentido da padronização das fontes, o que fez comque utilizássemos diversas fontes e anos distintos para a obtenção das dimensões propostas.A matriz (Quadro 1) serve como exercício de aproximação do objeto, possibilitandoabordar o macroator (no caso, quem institui) e a sua forma de operar no respectivo segmento,os principais objetivos do segmento, as principais disputas, os saberes e tecnologias determinantesdo campo, a macroorganização para operar a assistência e o quantitativo de algunsprocedimentos realizados por segmento. São aproximações iniciais que possibilitam um recorteainda imperfeito. O aprofundamento no tema implicaria outros instrumentos, outrosdesenhos metodológicos, possibilitando novos olhares. A seguir, apresentamos o Quadro 1e a caracterização geral dos segmentos da saúde suplementar e uma aproximação do modeloassistencial praticado.


Dimensão do MTA Cooperativas Médicas Medicina de Grupo Autogestão SeguradorasI - ObjetivosII - Política:atoresinstituídos einteressesdisputantesQuadro 1 – CARACTERIZAÇÃO DO MODELO TÉCNICO-ASSISTENCIALDA SAÚDE SUPLEMENTAR IMPLANTADO POR SEGMENTOValorizar o trabalhomédico e prover soluçõesde saúde, assegurando asatisfação dos seusclientes (UNIMED/BH,2003).CONFEDERAÇÃO DAS UNIMEDSDIREÇÃO DA ENTIDADE –representação e defesados interesses dasoperadoras associadas.MÉDICOS COOPERADOS –interesses na proteção dotrabalho médico em primeirolugar, remuneraçãosatisfatória e liberdadepara exercer sua atividadee manter a prática liberal.REDE PRESTADORA –maximização dos lucros,expansão do mercado.USUÁRIOS (plano individual)– acesso a serviço dequalidade e menor custo.USUÁRIO/EMPRESA CONTRA-TANTE (plano coletivo) –acesso a serviço de qualidade,satisfação do seutrabalhador, pronto restabelecimento,redução docusto.Prestar assistência à saúdeatravés dos serviços própriosou credenciados aos beneficiáriosdos planos coletivos edos planos individuais.ABRAMGE; SINAMGE; CONAMGE –representação e defesa dosinteresses das operadorasassociadas.OPERADORAS OU EMPRESAS DEMEDICINA DE GRUPO –capitalização e maximizaçãodos lucros, disputa pelaampliação do mercado.REDE PRESTADORA –maximização dos lucros,expansão do mercado.USUÁRIOS (plano individual) –acesso a serviço de qualidadee menor custo.USUÁRIO/EMPRESA CONTRATANTE(plano coletivo) – acesso aserviço de qualidade, satisfaçãodo seu trabalhador,pronto restabelecimento,redução do custo.Proporcionar assistência àsaúde a trabalhadores de empresaspúblicas ou de setoresestratégicos da economia,através de sistemas de saúdesupletivos que são administradosdiretamente pelainstituição patrocinadora oupor uma instituição assistenciale/ou previdenciáriadiretamente ligada a ela.CIEFAS; ABRASPE; (UNIDAS) –representação e defesa dosinteresses das empresasassociadas.EMPRESAS MANTENEDORAS –acesso a serviço de qualidade,satisfação do seu trabalhador,pronto restabelecimento,redução dos custos.SINDICATOS – representação edefesa dos interesses dos seusrepresentados (trabalhadores).REDE PRESTADORA PRÓPRIA –qualidade, redução de custos.REDE PRESTADORA CONTRATADA –maximização dos lucros,expansão do mercado.BENEFICIÁRIOS – acesso aserviço de qualidade, reduçãodos descontos em folha.Prestar assistência àsaúde por sistema supletivode saúde através de umaforma particular de intermediaçãofinanceira segundo aqual a empresa seguradorapaga diretamente ao prestadordo serviço de atençãomédica credenciado oureembolsa as despesasfeitas pelo segurado sobregime de livre escolha.FENASEG – representação edefesa dos interesses dasoperadoras associadas.DIREÇÃO DA SEGURADORA –capitalização e maximizaçãodos lucros, disputapela ampliação do mercado.REDE PRESTADORA –maximização dos lucros,expansão do mercado.USUÁRIOS (plano individual) –acesso a serviço dequalidade e menor custo.USUÁRIO/EMPRESA CONTRATANTE(plano coletivo) – acessoa serviço de qualidade,satisfação do seu trabalhador,pronto restabelecimento,redução do custo.28 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3


Dimensão do MTA Cooperativas Médicas Medicina de Grupo Autogestão SeguradorasIII -TecnológicaSaberesIV - OrganizativaN o de BeneficiáriosN o de OperadorasRecursosfinanceirosFinanciamentoAbrangênciaGeográfica,CoberturaClínica, Planejamento,Economia da saúde,promoção à saúde.8,2 milhões de clientes;315 UNIMEDs Singulares(BRASIL, 2002).2 Confederações e 34Federações.FATURAMENTO: 5 bilhões(ABRAMGE, 2002).O custeio dos planos érealizado pelos beneficiários(plano individual), oupelas empresas parcial ouintegralmente (planocoletivo).Atinge 76% dos municípiosbrasileiros. Dependendoda cooperativa, aabrangência é nacional,estadual ou regional.Clínica, Planejamento,Economia da saúde.18,2 milhões de beneficiários,800 operadoras (ABRAMGE,2002) ou 11 milhões debeneficiários e 627 operadoras(Medicina de Grupo) e 883 milbeneficiários e 102 operadoras(filantrópicas) – cadastro <strong>ANS</strong>(BRASIL, 2002a).FATURAMENTO: 6,2 bilhões(ABRAMGE, 2002).O custeio dos planos érealizado pelos beneficiários(plano individual), ou pelasempresas parcial ou integralmente(plano coletivo).Abrangência nacional, estadualou regional, dependendoda operadora. 57% dos beneficiáriosresidem no Estado deSão Paulo, 17% no Rio deJaneiro e 10% no Rio Grandedo Sul.Clínica, Planejamento,Economia da saúde,promoção à saúde,Epidemiologia.11 milhões de beneficiáriosem 2000 e 364 empresasou entidades (TEIXEIRA, et al.2002).4,7 milhões de beneficiáriose 285 empresas (BRASIL,2002a).FATURAMENTO: 5,74 bilhõesde reais em 1997 (KORNIS &CAETANO, 2002).O custeio dos planos é coparticipaçãoentre empresase empregados (80,7%). Em14,5% das empresas o custeioé integralizado pelosusuários ou entidades, enquantoque em apenas 4,8%é integralizado pelas empresasmantenedoras dos planos(CIEFAS, 2000).Dependendo da autogestão, aabrangência é nacional,estadual ou regional.Clínica, Planejamento,Economia da saúde.5 milhões de beneficiáriose 40 operadoras de segurosaúdeem 1998, (BAHIA,2002).5,2 beneficiários e 13operadoras de segurosaúde(BRASIL, 2002).FATURAMENTO: cerca de 6bilhões de reais (FENASEG,2003).O custeio é realizado pelosbeneficiários (plano individual)ou pagamento daempresa parcial ou integralmente(Plano coletivo).Operam com um sistema depré-pagamento em que ocontratante paga antecipadamentepelos serviços etem direito à cobertura doseventos previstos no contrato.Na maioria, a abrangênciaé nacional.DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 29


Dimensão do MTA Cooperativas Médicas Medicina de Grupo Autogestão SeguradorasIV - OrganizativaAcesso –facilidades,atendimentotelefônico, callcenter, porta deentrada,referência –contra-referência,hierarquizaçãoGestão/gerênciaO acesso se dá por demandaespontânea à redede médicos cooperados eserviços de pronto atendimento.Algumas UNIMEDstêm implantado diretrizesde regulação, como: protocolosclínicos, estímulosfinanceiros aos médicosque seguem o protocolo),call center, autorização préviade determinados procedimentos,co-pagamento.O Sistema de Gestão daUNIMED é formado pelosseguintes órgãosÓRGÃOS SOCIAISI – A Assembléia Geral;II – O Conselho deAdministração;III – O Conselho Fiscal;IV – O Conselho Técnico.O padrão de oferta de serviçosé muito heterogêneo entre asdiversas operadoras. Algumasapresentam mecanismossistemáticos de atençãogerenciada para regulação doacesso e da utilização deserviços, como: call center,atendimento on-line, autorizaçãoprévia de procedimentos,co-pagamento, referenciamentode rede, protocolos.A gestão dos planos é feitapor cada uma das empresas/operadoras, que constituemorganizações independentes.Organizam suas redes mediantecredenciamento de provedores.Regulação da porta deentrada: 76,7% afirmam quefazem autorização prévia paraprocedimentos eletivos, 70%utilizam mecanismos de coparticipaçãopara regular oconsumo, 15% utilizam-se dedirecionamento da clientela,como referenciamento e hierarquizaçãoe 10% fazem usode franquia. (CIEFAS, 2000).Administração dos planos:24% é feita através dosdepartamentos das empresas,21% por fundações, 21% porassociações, 13% por caixasde assistência, 5% por caixasprevidenciárias, 2% porsindicatos e 14% por outrasmodalidades (CIEFAS, 2000).O acesso se dá prioritariamentepor mecanismos deregulação como call center,atendimento on-ine,centrais de atendimento 24horas ou mesmo médicoreguladorpara autorizaçãoprévia de procedimentos.A gestão dos planos éfeita pelas seguradoras,ou Bancos (acionistas).30 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3V - AssistencialRedesAssistenciais,(N o deequipamentos,hospitais, leitos)Rede Prestadora:– 40 hospitais próprios– 3.125 hospitaiscredenciados– 2.185 leitos próprios– 283.000 leitoscredenciados– 87.621 médicoscooperados– 16.500 empregados CLT– 260.000 empregadosindiretos, em 1997(KORNIS & CAETANO, 2002).– 220 hospitais próprios– 4.000 hospitaiscredenciados– 20.400 leitos próprios– 363.000 leitoscredenciados– 27.500 médicos CLT– 85.000 médicoscredenciados– 72.500 empregados CLT– 168.000 empregadosindiretos, em 1997(KORNIS & CAETANO, 2002).– 8000 empregados CLT– 60000 empregadosindiretos– 1000 hospitaiscredenciados– 50.000 leitos credenciadosem 1997(KORNIS & CAETANO, 2002).– 4.000 hospitaiscredenciados– 5.000 empregados CLT– 90.000 empregadosindiretos– 45.000 médicoscredenciados– 300.000 leitoscredenciados, em 1997(KORNIS & CAETANO, 2002).


Dimensão do MTA Cooperativas Médicas Medicina de Grupo Autogestão SeguradorasV - AssistencialEspecialidades,alta complexidade,saúde mentalProcedimentosrealizadosPráticas deprevenção –assistênciafarmacêutica,atividadesdomiciliares,educação paraa saúdeMaioresempresasOfertam especialidadesmédicas, algumas cooperativasofertam serviçosde alta complexidade,pouco freqüente a disponibilidadede serviços desaúde mental.4,7 consultas per capita/ano e 50,2 milhõesconsultas/ano;968.000 internações/anoou 0,091 internaçõesbeneficiários, em 1997(KORNIS & CAETANO, 2002).Atividades de Promoção àSaúde: através de propagandasde bons hábitos,veiculadas para os beneficiáriose sites das entidades.(ex: use a camisinha,aproveite as férias e leveseu filho ao oftalmologista).Algumas UNIMEDs ofertamatividades domiciliares(como por ex. o programaUnibaby com visitas daenfermeira à puérpera ebebê nos primeiros mesesde vida). Algumas fornecemmedicamentos a preço decusto aos usuários.– UNIMED Paulistana– UNIMED BH– UNIMED Rio– UNIMED CampinasOfertam especialidades médicas.Algumas operadoras têmoferta de serviços de altacomplexidade na rede própriae/ou credenciada, sendo poucofreqüente a disponibilidade deserviços de saúde mental.95,3 milhões de consultas,5,18 consulta/beneficiário/ano,2,14 milhões de internações,82,65 milhões de exameslaboratoriais, 13,60 milhõesde exames radiológicos, 5,4milhões de Ultra-som, 394.000partos, 13,33 milhões de sessõesde fisioterapia, 150.000quimioterapias, 1 milhão deradioterapias (ABRAMGE, 2002).As maiores operadoras oferecemprogramas de assistênciafarmacêutica tanto para aquisiçãode medicamentos a menorescustos como para ressarcimentode alguns medicamentosde uso crônico. Recentementeestão sendo desenvolvidosprogramas de prevençãode doenças como acompanhamentosambulatoriais degrupos de risco, puericultura,vacinação.– AMIL ASSISTÊNCIA MÉDICA– CASSIINTERNACIONAL– GEAP– AMICO ASSISTÊNCIA MÉDICA– INTERMÉDICA SISTEMAS DESAÚDE– INTERCLÍNICASASSISTÊNCIA MÉDICA– MEDIAL SAÚDEOfertam especialidadesmédicas. Desenvolvematendimentos de altacomplexidade incluindo asaúde mental.3,15 consultas per capita/ anoe 2,22 exames/consulta(CIEFAS, 2000).28 milhões de consultas/anoou 3,5 consultas/beneficiários,900 mil internações/ano,ou 0,113 internações/ano/beneficiário, em 1997,(KORNIS & CAETANO, 2002).Atendimento domiciliar pósdesospitalizaçãoem 59,5%dos planos, a terapia ocupacionalem 54,8% e o atendimentodomiciliar de urgênciaconcedido em 38,1% dosplanos de saúde. Além disso,74,4% dos planos ofertamtambém benefícios como farmácia,48,8% remoção aérea,44,7% aparelhos ortopédicose 39,5% serviço de ótica.Desenvolvem também açõespreventivas sobre doenças eagravos através de orientaçãoe prevenção (CIEFAS, 2000).Ofertam especialidadesmédicas. Desenvolvematendimentos de altacomplexidade.23.446.114 consultas/ano837.544 internações/anode um total de 78 milhõesde atendimentos e/ouprocedimentos realizadosem 2001 (FENASEG, 2003).Atividades de promoçãoà saúde através depropagandas e cartilhas.As seguradoras de maiorporte já contam comalguns atendimentosdomiciliares viabilizadospor planos específicos.– SUL AMÉRICA AETNA– BRADESCO SEGUROSDOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 31


32 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3A GARANTIA DO CUIDADO E A REGULAÇÃO DOPROCESSO DE TRABALHO EM SAÚDENo que se refere ao modelo de assistência na saúde suplementar, há que se indagar sobreos mecanismos de acesso aos diferentes níveis de complexidade e a resolutividade dessas ações.Essas características são fundamentais na análise do modelo assistencial, remetendo-nos àconclusão da indissolubilidade da discussão da regulação e da assistência, na garantia do acessoà rede de serviços em todos os níveis necessários. Visando fundamentar essa análise,discutiremos a seguir alguns aspectos na garantia da assistência ou do cuidado.A ação cuidadora implica mecanismos de responsabilização por parte da operadora edos produtores de serviços, implica cuidados específicos, uma ação integral, na qual nãoocorrem a interrupção e a segmentação do cuidado.Para aprofundar essas questões, iremos discutir a “linha de cuidado”, como mecanismoadequado para a análise do usuário no seu “percurso assistencial”. Nesse desenhoabordaremos inicialmente o processo de trabalho em saúde, a relação que ocorre no cotidianoenvolvendo usuários e produtores de serviços, as disputas colocadas, as tensões. Dessa forma,iremos buscar elementos que nos revelem com mais clareza a assistência prestada, as interaçõesocorridas entre o usuário, o prestador e a operadora. Para fundamentar a abordagem,recuperaremos alguns conceitos sobre processo de trabalho em saúde.O diagnóstico da crise estrutural do setor saúde e do esgotamento da forma de seproduzir saúde, segundo as diretrizes biologicistas do ensino médico e os interesses de mercado,vem sendo discutido há décadas por diversos autores: Donangelo (1976), Arouca (1975),Campos (1992), Merhy (1992), Cecílio (1994). Dentro do “modelo médico produtor de procedimentos”,ou Modelo Médico Hegemônico, a assistência à saúde se tornou algo extremamentesumário, centrado no ato prescritivo que produz o procedimento, não sendo consideradasas determinações do processo saúde /doença centradas nas condições sociais, ambientaise relacionadas às subjetividades, valorizando apenas as questões biológicas. Outroproblema do modelo atual está no seu custo, extremamente elevado, porque utiliza como


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 33insumos principais para a produção, recursos tecnológicos centrados em exames e medicamentos,como se estes tivessem um fim em si mesmo e fossem capazes de restabelecer a saúdepor si só. São produzidos atos desconexos sem uma intervenção competente, articulada,cuidadora, reduzindo-se, portanto, a eficácia da assistência prestada nos serviços de saúde.Outro movimento que vem produzindo a fragmentação do cuidado consiste na crescenteespecialização dos médicos e demais profissionais da saúde, o que acarreta a redução da capacidaderesolutiva, da abordagem da integralidade, aumentando a alienação desses profissionaisem relação ao trabalho e seus resultados. Uma vez que cada especialista se encarrega deuma parte da intervenção, em tese ninguém pode ser responsabilizado pelo resultado dotratamento. Este modelo se aplica também no cotidiano da clínica, ocorrendo uma progressivaperda da eficácia das práticas clínicas, diminuindo a resolubilidade dos profissionais. Por suavez, as áreas básicas tendem a funcionar cada vez mais como “triadoras”, avaliando riscos eencaminhando para outros. Isto implica mais e mais especialistas envolvidos, demanda por maisapoios diagnósticos, maior custo e maior imposição de sofrimento e restrições aos pacientes.Para se repensar novas modelagens assistenciais, assentadas em diretrizes com aintegralidade do cuidado, o vínculo e a responsabilização, há que se aprofundar o debate sobnovos fundamentos teóricos, particularmente sobre a natureza do processo de trabalho, a suamicropolítica e a sua importância na compreensão da organização da assistência à saúde.Propostas alternativas de modelagem dos serviços de saúde buscam incorporar outroscampos de saberes e práticas em saúde e configurar outras formas de organização da assistênciaanti-hegemônicas. Estas ações diferenciadas na produção da saúde operam tecnologias voltadasà produção do cuidado, apostam em novas relações entre trabalhadores e usuários, tentandoconstruir um devir para os serviços de saúde, centrado nos usuários e suas necessidades. Este é,atualmente, o contraponto à crise vivida pela saúde e indica um caminho novo a ser percorridopara sua superação.O trabalho em saúde possui especificidades que o diferenciam dos outros trabalhos.Implica em um espaço relacional, envolvendo o usuário e o produtor. Mesmo com os atravessamentosdas operadoras e administradoras, essa relação intercessora entre o cliente e o


34 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3produtor de saúde se dá em ato, em cada encontro e produz momentos criativos, carregadose subjetividades que são determinantes no processo de recuperação da saúde.Portanto, ao falar de modelo assistencial, a dimensão do processo de trabalho em saúdenão pode ser de maneira alguma preterida, pois depende essencialmente do trabalho humano,vivo e em ato, sendo essa característica fundamental e insubstituível. O trabalho ocorre atravésdas relações que são estabelecidas no encontro entre os indivíduos trabalhadores e os usuários.O consumo de ações de saúde difere do consumo de serviços em geral, pois não se operamescolhas livres no ato da decisão do consumo. O usuário não se porta como um consumidorcomum diante da mercadoria, em função de ser desprovido de conhecimentos técnicos e pornão deter as informações necessárias para a tomada de decisão sobre o que irá consumir. Nãocabem as premissas comuns ao mercado, como a livre escolha e a concorrência. Muitas vezes oconsumo em saúde é imposto por situações de urgência/emergência, quando até a escolha doserviço e do profissional torna-se muitas vezes imposta por outros determinantes, como, porexemplo, a proximidade e a disponibilidade.Revisitaremos alguns conceitos que se tornam fundamentais para subsidiar os marcosteóricos desse trabalho, dentre eles, o do “trabalho vivo”, que se refere ao trabalho em ato, otrabalho criador; liberado pelos profissionais de saúde no momento do ato cuidado; o seuoposto, o “trabalho morto”, que consiste no trabalho aprisionado e mecânico, comum nas linhasde produção, mas também pode estar presente na saúde quando comandado pelas “tecnologiasduras” (equipamentos, exames) e “leve-duras” (saberes bem estruturados como a ClínicaMédica, a Psicanálise, a Epidemiologia, os protocolos delas decorrentes). O desejável é que o“trabalho vivo” em saúde opere com as “tecnologias leves” (saberes que resultam na produçãodo cuidado em saúde), liberando, assim, o potencial transformador e qualificando a assistência(MERHY, 1997a; MALTA & MERHY, 2003).No setor saúde, mesmo que o “trabalho vivo” seja “capturado” pelas tecnologias maisestruturadas, descritas como “duras” e “leve-duras”, ou se estiver também submetido ao controleempresarial, o “espaço intercessor” referente ao encontro entre o usuário e o profissional de saúdeabre possibilidades de mudanças e de atos criativos, sempre podendo ser recriado. Este encontroé singular e sempre opera em ato, tornando difícil capturar o “trabalho vivo” na saúde. Este espaço


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 35relacional é sempre conflituoso, tenso, existindo diversas possibilidades de desdobramentos,tornando-se um momento especial, portador de forças “instituintes” (MERHY, 2002).A potencialidade desse encontro pode ser, entretanto, “amordaçada”, em função domodelo de assistência praticado e dos seus pressupostos; poderíamos afirmar que, na maioriadas vezes na saúde suplementar, os “espaços intercessores” são preenchidos pela “voz” doprofissional de saúde e pela “mudez” do usuário. Esta relação em saúde deveria ser não “objetal”,comandada pelo “autoritarismo” do profissional e baseada na “mudez” do usuário, mas dotipo “interseção-partilhada”, ou seja, onde acontecessem trocas, compartilhamentos, seja pelaética do profissional, pela sua disponibilidade de liberação de saberes e atos cuidadores, seja pelabusca do usuário em restabelecer sua autonomia. O espaço intercessor é o lugar que revela essasdisputas das distintas forças e mesmo que se torne invadido pelas forças instituídas, as forçasinstituintes estarão sempre gerando “ruídos” em seu interior. Ou seja, cotidianamente, ocorremprocessos silenciosos nas relações entre os agentes institucionais, até o momento em que estalógica funcional é rompida. Estes “ruídos” devem ser percebidos como processos instituintesque abrem possibilidades de interrogação sobre o modo instituído (MERHY, 1997b; MERHY,2002; BAREMBLITT, 1996).No caso da saúde suplementar, cumpre conseguir captar e entender esses “ruídos”. Ummomento muito claro nessa ruptura ocorre quando o usuário se dirige ao site da <strong>ANS</strong> e faz asua denúncia, ou às entidades de defesa do consumidor e formula sua queixa. Esses ruídos devemser monitorados, pois consistem em um observatório do funcionamento do sistema.Analisar a saúde suplementar implica também em interrogar o processo de liberação dotrabalho vivo e sua potencialidade instituinte e criadora. Para assegurar a qualidade em saúde,faz-se necessário combinar a autonomia profissional com certo grau de definição de responsabilidadedos profissionais de saúde com os usuários, recuperando a prática clínica assentadano “vínculo” e na responsabilização com o usuário, combinando autonomia e responsabilidadeprofissional (MALTA & MERHY, 2003).A compreensão da importância de se operar sobre o trabalho vivo, visando ao seucontrole e assim à reformulação do processo produtivo, já vem de longa data. Desde o século


36 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3XIX, Taylor estudou a gerência científica e como expropriá-la do seu processo criativo, visandoà maximização dos lucros, evoluiu com o fordismo, o toyotismo, Total Quality Control e outros.Recentemente, nos EUA, desenvolveu-se por parte das administradoras de planos e seguros,uma intervenção sobre o processo de trabalho, visando à sua captura e ao direcionamento paraoutras lógicas, não no sentido da sua publicização e do seu direcionamento para práticas emprol do usuário, ao contrário, a serviço do capital. Essa perspectiva significa um novo ciclo, umanova captura do trabalho, onde novamente o capital percebe a importância do “trabalho vivo”e introduz mecanismos de regulação do mesmo, através da atenção gerenciada.Segundo Iriart (1999), a atenção gerenciada se caracteriza pela organização de serviços deatenção à saúde sob o controle administrativo de grandes organismos privados, financiadospela captação de usuários. Estes organismos intermediam a relação entre produtores de serviçose consumidores, e um ator fundamental é o capital financeiro, externo ao setor de saúde(IRIART, 1999).Os estudos em torno da “atenção gerenciada” vão apontando para um processo produtivoe de consumo, organizando uma rede articulada, pactuada entre diversos atores, a saber,a operadora do plano, os prestadores e usuários. Ao mesmo tempo, os processos produtivosvão transitando de um formato em que os processos de trabalho operados a partir do médicopassam de uma liberalidade e autonomia, para outro em que há uma certa regulação e controledas ações clínicas do profissional, mas que ainda mantém a lógica produtiva centrada nastecnologias duras e leve-duras (FRANCO, 2002).A Atenção Gerenciada representa o controle do ato médico, operando a relação custo/efetividade, alterando a lógica de produção do cuidado. A Atenção Gerenciada não tem apriori uma preocupação com a produção do cuidado, do ponto de vista do atendimento àsnecessidades do usuário, mas uma ação reguladora externa, visando à redução de custos. Oprocesso de trabalho permanece centrado no modelo de “produção de procedimentos”. Umelemento-chave no processo de implantação da atenção gerenciada é a introdução de um ator“auditor”, na pessoa de um administrador, como autorizador de procedimentos, guiado porprotocolos técnicos, onde este conduz o controle dos atos médicos, limitando-os de acordo com


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 37a eficiência pretendida do sistema. O auditor, que, no caso, representa interesses do operadordo plano, fica entre o prestador (no caso, o médico) e o usuário (detentor da necessidade), e secoloca como o regulador do uso das tecnologias de cuidado. Todo comando é realizado pelalógica administrativa. Procedem-se também mudanças organizacionais importantes, visto queo contrato de trabalho entre o operador e prestador é estruturado nos termos de uma novapactuação da sua relação, onde o critério do ato prescritivo é determinado geralmente porprotocolos, seguindo a lógica dos instrumentos administrativos e metas de consumo/receitasdo respectivo operador do plano de saúde. Portanto, centra-se no trabalho morto para operarum controle externo (FRANCO, 2002).Segundo Merhy (2002), o setor da saúde supletiva tem experimentado, nos últimos anos,uma importante mudança no sentido de otimizar custos na produção da saúde: “Toma-se apossibilidade de transferência do processo de decisão, sobre as ações de saúde a serem realizadas nosserviços, do campo das corporações médicas para os dos administradores, como uma estratégia vitalpara atacar a relação custo-benefício do sistema. Mas este não é o campo restrito de intervençãodessas propostas, pois ela também se filia a um outro conjunto de estratégias que visam à reorganizaçãodos modelos de atenção partindo da ação dos prestadores privados, centrados nas políticasdas instituições seguradoras e financeiras” (MERHY, 2002:69-70).Essa prática vem sendo reproduzida por operadoras de planos e administradoras, nãosomente no mercado americano, mas são difundidas sem fronteiras, representando uma novareconfiguração do capital, absorvendo novas estratégias que visem a novos controles e regulaçõesdo setor. Por isso a perspectiva de repensar o processo de trabalho a partir da sua micropolíticaé tão vital para a saúde suplementar. Essa pode ser uma nova perspectiva na recriaçãode uma nova forma de atuar.Como criar novos formatos do trabalho em saúde, que se pautam pela resposta ao sofrimentodos usuários? Como buscar novas formas de prestação de assistência que possamdar proteção ou resolução aos problemas dos usuários? Como os modelos de assistência podemromper com a fragmentação e descompromisso hoje existentes? Como pactuar um modelonos pressupostos de garantia do acesso, acolhimento aos clientes, responsabilização, estabe-


38 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3lecimento de vínculo e integralidade da assistência? Como democratizar a relação profissionale usuário? Seria possível criar espaços de acolhida às demandas e sugestões dos clientes na gestãodo cuidado?Não é fácil construir novos referenciais, mas a saúde suplementar terá que ser repensadasob essas novas bases, assentando-se em atos cuidadores, que retomem a dimensão do vínculono seu cotidiano, orientando o seu papel regulador a partir da ótica do usuário. Para aprofundaressa reflexão, iremos levantar a discussão das redes de cuidado e as suas implicações nessa novamodelagem.As linhas de produção do cuidado como analisadorasdo modelo tecno-assistencial na Saúde SuplementarSegundo Merhy & Cecílio (2003), o desenho da linha do cuidado entende a produçãoda saúde de forma sistêmica, a partir de redes macro e microinstitucionais, em processosextremamente dinâmicos, às quais está associada a imagem de uma “Linha de Produção”voltada ao fluxo de assistência ao beneficiário, centrada em seu campo de necessidades.A concepção, da linha do cuidado, parte da “missão” institucional do estabelecimento/serviço de saúde, definida a partir de quais produtos, para que clientela e com quais características(CECÍLIO, 1997). Entende-se, portanto, que a linha do cuidado pressupõe produtos, clientela equalidade da assistência, sendo alimentada por recursos/insumos que expressam as tecnologiasa serem consumidas durante o processo de assistência ao beneficiário, funcionando de formasistêmica e operando vários serviços. Esta tem início na entrada do usuário em qualquer ponto,seja em serviços de urgência, consultórios ou clínicas da operadora ou contratada/conveniadacom a mesma. A partir deste lugar de entrada, abre-se um percurso que se estende conformeas necessidades do beneficiário por serviços de apoio diagnóstico e terapêutico, especialidades,atenção hospitalar e outros (MERHY & CECÍLIO, 2003).O fluxo pressupõe um nível de acompanhamento, ou de responsabilização daoperadora/prestador/cuidador por esse usuário. O consumo de “tecnologias duras” (exames,imagens, procedimentos), implicará o retorno ao “cuidador” que definirá sempre pela


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 39necessidade de novos procedimentos, ou pela instituição de determinada terapêutica. A figurado cuidador é central e pressupõe o uso intenso da “tecnologia leve” (dos saberes, da capacidadede decisão do profissional). Esse é um espaço relacional pleno de subjetividades, implicandoo encontro entre o usuário e o cuidador. O caminhar pela linha de cuidado pressupõe a existênciade uma rede de serviços que suporte as ações necessárias, o projeto terapêutico adequadoàquele usuário, que comandará o processo de trabalho e o acesso aos recursos disponíveisà assistência. Esse fluxo se faz sempre marcado por subjetividades, pelo encontrosingular entre o profissional e o usuário. Não se faz esse percurso de forma impessoal, mecânica,desvinculada de sentimentos e impressões.Essa dimensão tem se deslocado no processo assistencial atual, que ocorre centradaem procedimentos, atos desconexos e fragmentados, como que substituindo os mecanismosde responsabilização.A retomada de uma perspectiva de um projeto terapêutico adequado a cada usuário nasua singularidade implica em um fluxo contínuo, monitorado e controlado pelo atores que figuramcomo “gestores do cuidado”, ou cuidadores.Diversos são os atores que influenciam a linha do cuidado, sendo responsáveis pela sua(des)continuidade. Há os beneficiários que buscam assistência; as operadoras e os prestadoresque regulam seu funcionamento, através da pactuação de contratos e definição de fluxos; osprofissionais de saúde que operam processos de trabalho tecnologicamente determinados e aAgência Nacional de Saúde Suplementar, no seu papel regulador. Nesse sentido, ocorre umgrande pacto, entre esses atores, como condição para sua existência e eficácia no cuidado aosbeneficiários (FRANCO, 2003).A análise da linha de cuidado possibilita mapear todos os recursos disponíveis nosdiversos segmentos da saúde, avaliar as tecnologias utilizadas para assistir o beneficiário quantoao tipo, fluxos, mecanismos de regulação, tentativas de negação de acesso, utilização dosrecursos das clínicas especializadas, vigilância à saúde, promoção e os ruídos produzidos.Ao analisar o caminhar do usuário na linha, pode-se verificar se este fluxo está centradono campo de necessidades dos usuários, determinado pelo suposto projeto terapêutico que lhe


40 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3é indicado, a sua acessibilidade aos serviços, comodidade, segurança no atendimento,seguimento de tratamento, acompanhamento, orientação e promoção, ou, ao contrário, seocorre a interrupção da assistência.As linhas de cuidado possibilitam descrever e avaliar a pactuação existente entre osdiversos atores implicados com a estruturação e funcionamento, a sua contratualidade eintencionalidade na estruturação da assistência à saúde dos beneficiários. O esperado é de um“caminhar” na rede de serviços, que seja seguro e tranqüilo, sem obstáculos, pois isto garantiráa qualidade da assistência.Importa registrar, ainda, que a “linha de produção do cuidado” não se encerra nomomento em que é estabelecido o projeto terapêutico: ela deve continuar, dependendo domodelo assistencial que opera nessa linha, através do acompanhamento desse usuário paragarantir a integralidade do cuidado, conforme fluxograma (Figura 3).Figura 3 – FLUXOGRAMA DA LINHA DE PRODUÇÃODO CUIDADO EM SAÚDEFonte: Franco (2003), modificado.Cada etapa desse fluxograma configura um microprocesso de trabalho específico,determinado pelos atos de cada produtor de serviços/profissional de saúde envolvido no que sedesenvolve ao longo da “linha do cuidado”, como uma determinação maior da produção dasaúde; o consultório médico, o laboratório constituem microunidades produtivas. Os processosexistentes em cada etapa estarão integrados ou não, dependendo do modelo produtivo


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 41em curso. Ele poderá se expressar de forma partilhada ou integrada. O importante é perceberque os processos de trabalho específicos de cada etapa acontecem em microunidadesprodutivas, nas quais umas fornecem insumos para outras.O diagrama possibilita indagar sobre os cuidados fragmentados em diversos pontosda cadeia. A seguir citamos alguns fatores que podem romper a linha de cuidado:a) A ausência das práticas de promoção e prevenção pode ser determinante do estímuloà entrada na rede de serviços. Essa preocupação tem sido objeto muitas vezes de marketing,de anúncios nos sites das operadoras, mas não de uma prática efetiva. Exemplos simplescomo a prática de vacinação em idosos, a criação de grupos de acompanhamentos de hipertensos,diabéticos, idosos, gestantes e puericultura poderiam vincular clientelas específicase evitar consumos desnecessários de serviços. Enquanto essa prática não for assentada emuma responsabilidade concreta da operadora, que resulte em ações efetivas de promoção,muitas ações mais complexas e desnecessárias serão praticadas.b) Deficiência da rede de serviços (insuficiência do apoio diagnóstico terapêutico),inexistência de ofertas específicas (alta complexidade, exames não cobertos, carências) e outros.Pode-se interrogar, por exemplo, se a rede de serviços oferecida pela operadora é insuficiente,seja pelo número, seja pelas especialidades e/ou complexidade disponíveis. Neste caso, o usuário,frente a sua necessidade, não encontra resposta na rede disponibilizada pela operadora.O mais comum é, no momento da adesão ao plano da operadora, ser apresentada uma supostarede credenciada e no momento da necessidade essa rede não se encontrar efetivamente à disposição,por descredenciamentos realizados, não atualização dos manuais dos clientes etc.c) Devido à segmentação dos planos (plano hospitalar, plano ambulatorial, planoobstétrico, plano odontológico), a segmentação, por si só, pressupõe a interrupção da linhado cuidado. Os planos segmentados resultam no parcelamento do cuidado. No plano ambulatorial,as consultas de urgência, mesmo quando necessárias, não são seguidas da internação,tornando novamente o usuário responsável por encontrar a solução para seus problemase saúde.d) Atitudes de desresponsabilização do cuidador (não vinculação, saber insuficiente,negação ou cerceamento de uso de tecnologias adequadas, retardo ou não-fechamento do


42 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3diagnóstico, não oferta de mecanismo de acolhida às demandas agudas). Fragmentação doprocesso de atenção à saúde, centrado na execução de procedimentos, o que leva o usuário abuscar novas alternativas assistenciais, em uma seqüência totalmente determinada por ele.Como não existe um responsável pelo cuidado, a repetição de procedimentos desnecessáriostorna a atenção mais onerosa e ineficiente.e) Atitudes de cerceamento ao acesso por parte da operadora. A regulação do cuidadopor parte da operadora está centrada no processo restritivo. Para isto, são criados inúmerospassos e autorizações para que o usuário tenha acesso ao cuidado (call center adiando asentradas – fila de espera, limites de exames, limites de diárias de UTI, restrição a retornos).Baseadas em uma falsa lógica de racionalidade, estão colocadas restrições quantitativas e qualitativasa procedimentos, bem como o não-atendimento a patologias específicas. Outra formade restrição constitui-se no não-acesso a tecnologias específicas como próteses e procedimentosde alta complexidade e custo.f) Prestador com falta de insumos, perda de exames, qualidade questionável na prestaçãode assistência. Essa interrupção ocorre quando a rede própria e/ou contratada pelaoperadora, devido à política de contenção de custos, apresenta um nível de qualidade que nãoresponde pelas necessidades de atenção do usuário, que acaba por se responsabilizar pelo seupróprio cuidado. Faltam mecanismos racionais na escolha de prestadores, como seleção porcritérios de eficiência, mecanismos de avaliação da qualidade do serviço prestado oumonitoramento de indicadores de avaliação da satisfação dos usuários.Para evitar a fragmentação da linha do cuidado dever-se-ia operar em outra lógica, ououtro formato de modelo assistencial. O desejado é que o projeto terapêutico operado na linhado cuidado fosse comandado por um processo de trabalho cuidador, e não por uma lógica“indutora de consumo”. Quando não existe um cuidador orientando esse percurso, o usuáriofaz o seu caminhar de forma “anárquica”, peregrinando pelas redes de serviços. O que existe sãovários indutores de procedimentos, que, estimulados por interesses diversos, promovemconsumos muitas vezes desnecessários. Nesse caso, a marca é a desvinculação, onde muitas vezeso usuário define o seu percurso e consumo pela rede de serviços, opta por novas e repetidas


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 43procuras de novos profissionais e novos insumos, muitas vezes estimulado por estratégias demarketing promotoras de consumo dos atos médicos, ou por modismos. Essa “peregrinação”é altamente perversa, podendo levar a erros diagnósticos, acessos negados, procedimentosmais onerosos e na não-efetividade do cuidado. Muitas vezes, só o usuário consegue recuperara história da sua peregrinação, sendo o seu próprio “fio condutor”.O grande desafio consiste em restabelecer uma nova prática, seja pelo estímulo àpromoção e prevenção, seja através de uma clínica referenciada no vínculo e na responsabilização.A própria operadora poderia estimular a prática da vinculação a cuidadores. Porexemplo, podem-se mapear certos grupos de risco (idosos, diabéticos, hipertensos), ou certosciclos de vida (gestantes, menores de 1 ano), estimulando os usuários a se vincularem a “cuidadores”.Os cuidadores teriam usuários cadastrados aos quais fariam acompanhamentosistemático, com retornos programados, definição de um projeto terapêutico adequado acada situação, estimulando a participação em grupos educativos, o acompanhamento e monitoramentodesses usuários com algum risco diferenciado. No caso da gestante de alto risco,implicaria também na definição de centros de referência ao parto; no caso das crianças menoresde 1 ano, no acompanhamento do crescimento e desenvolvimento, avaliação do uso dasvacinas, alimentação, pronto-atendimento às intercorrências; no caso dos hipertensos eidosos, no acompanhamento da medicação de uso contínuo, na garantia do atendimento aoscasos agudos, enfim, na garantia da continuidade do processo, no contato quando o retornonão foi cumprido, na informação sobre as intercorrências, possíveis internações e de todo oprocesso assistencial.Eventos-sentinela como marcadoresda produção do cuidadoUma grande vantagem de se trabalhar na perspectiva de mapear a linha de cuidado, estána possibilidade de acompanhar o seu fluxo, monitorando situações inadequadas, ou assituações de alerta. Nessa perspectiva, propõe-se o mapeamento da linha de cuidado, tomandosesituações traçadoras, como marcadoras dos eventos “atípicos”. O monitoramento poderá


44 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3ocorrer através de indicadores selecionados, advindo das ocorrências não esperadas, que sejam“ruidosas” o suficiente para alertar sobre a exceção ocorrida.O evento-sentinela constitui-se em evento não esperado e cuja detecção serve de alertapara determinado fato sob observação. Na vigilância epidemiológica são comumente definidasunidades de saúde sentinela, visando ao monitoramento de grupos-alvo, ou determinadasdoenças sob investigação (PEREIRA, 2000). No caso da saúde suplementar, pode-se adotar oevento sentinela para determinadas situações. No Sistema Único de Saúde, os Sistemas de Informaçãopossibilitam o acompanhamento e monitoramento da situação de saúde, avaliandose,por exemplo, o quadro de morbidade hospitalar pelo Sistema de Informação Hospitalar(SIH), as ações e procedimentos realizados na atenção básica, pelo Sistema de InformaçãoAmbulatorial (SIA) e Sistema de Informação da Atenção Básica (SIAB). Ao contrário, na saúdesuplementar não existem sistemas unificados que possibilitem o acompanhamento dos dadosepidemiológicos da rede de planos e seguros de saúde. O acompanhamento existente na saúdesuplementar, em geral, restringe-se aos atos administrativos, contábil-financeiros e não noquadro de morbi-mortalidade.A implantação do Sistema de Informação de Produtos (SIP), em 2002, pela <strong>ANS</strong>, possibilitaráo acompanhamento por operadora de determinados eventos, procedimentos realizadosjunto à população beneficiária (procedimentos ambulatoriais, internações, procedimentoscoletivos, alguns indicadores, referentes à população materno-infantil e Saúde Bucal)(BRASIL, 2002d).A monitorização das linhas de cuidado na saúde suplementar poderá ser iniciada a partirdas informações existentes no Sistema de Informação de Produtos (SIP). Na atenção à gestante,os indicadores já coletados pelo SIP (taxa de internações por transtornos maternos relacionadosà gravidez, taxa de parto cesárea, taxa de prematuridade, coeficiente de natimortalidade, taxa deutilização de UTI/CTI neonatal, taxa de incidência de complicações no período de puerpério eoutros), poderão ser utilizados na avaliação da assistência, seja por série histórica, ou na comparaçãoentre operadoras. O uso dessas informações demandará a efetiva alimentação, análiserotineira e retroalimentação do SIP, a fim de que ele se torne, de fato, uma base de dadosconsistente e que auxiliará no processo de monitoramento da saúde suplementar.


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 45Algumas ocorrências podem ser tratadas como “evento-sentinela”: por exemplo, oóbito infantil, ou materno, levantando-se por operadora os óbitos ocorridos e desencadeandoum processo investigativo das suas causas. Os Comitês de óbito infantil e materno jásão uma realidade no país e em diversos municípios, prestando inúmeras contribuições noesclarecimento das causas de óbito (BRASIL, 2002e).A literatura tem apontado diversos fatores determinantes da mortalidade infantil,como a dificuldade de acesso aos serviços de saúde, principalmente no caso das crianças debaixa renda (HADAD et al., 2003; L<strong>ANS</strong>KY, 2002), a pequena escolaridade materna, comofator marcador da desigualdade social, as condições inadequadas de pré-natal e parto, dentreoutros (VICTORA, 2001; HARTZ et al.,1996; FRANÇA et al., 2001). Dentro deste contexto, espera-seque a população coberta por planos de saúde tenha uma menor incidência desseevento. Por isso, o evento “óbito infantil” adquire o contorno de “situação traçadora”, pois asua ocorrência constitui-se em algo pouco esperado, devendo resultar em investigação quepoderá responder a questões, como: qual a causa do óbito? Foram condições relativas à restriçãodo acesso? Qual a qualidade da assistência ao pré-natal? Houve falta do cuidador? Comoé a qualidade da assistência ao parto? Essas indagações fazem parte do processo investigativo,que deveria ser introduzido pelas operadoras, como evento rotineiro, em todas assituações onde ocorrer. Dessa forma, poder-se-á estabelecer as respostas, servindo com umdispositivo de garantia da qualidade da assistência prestada.O Sistema de Informação de Nascidos (SINASC) já tem sido muito utilizado nomapeamento das condições de assistência ao pré-natal e ao parto (ACCIOLY, 1997; COSTA, 1997),possibilitando o levantamento da qualidade das maternidades, avaliando o diferencial nastaxas de mortalidade infantil e materna. O uso rotineiro do SINASC e do SIM (Sistema deInformação de Mortalidade/Datasus/MS) pode auxiliar no processo de gestão e demonitoramento da “linha de cuidado do parto”, mapeando os óbitos segundo serviço deocorrência, as condições dos nascidos e a definição de indicadores por maternidade. Umindicador simples consiste na avaliação da taxa de cesáreas. A OMS preconiza até 15% de partoscesáreos. Estabelecimentos e médicos têm praticado taxas muito maiores, o que eleva o riscode mortalidade infantil e a taxa de prematuridade (WHO, 1985; VICTORA, 2001).


46 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3Trabalhar com dados epidemiológicos na avaliação desses estabelecimentos não éuma prática na saúde suplementar, não existe sistematização de avaliação da qualidade dodesempenho dos estabelecimentos da rede conveniada. Assim, a avaliação da assistência prestadapode iniciar pela eleição de eventos-sentinela, possibilitando o monitoramento da linhade cuidado e o processo regulatório assistencial. Outras linhas de cuidado podem e devem seravaliadas, mas iniciar pela linha de cuidado do parto pode ser desencadeador de um novo olharna qualidade da assistência prestada, tanto pela facilidade de obtenção dos dados, pela existênciado SIP, como instrumento já implantado e alimentado.Outro desafio que se coloca consiste na implantação de um efetivo sistema de informaçãona saúde suplementar. Os sistemas de informação prestam inestimáveis serviços à qualidade daassistência, pois possibilitam a captura de dados de forma contínua, possibilitando avaliar asérie histórica, dados dos serviços, comparar o desempenho dos prestadores, o surgimento deagravos inusitados que necessitam de acompanhamento, a notificação obrigatória, enfim,subsidiando a tomada de decisão (MOTA & CARVALHO, 1999). Essa discussão deve ser enfrentadapelo Ministério da Saúde e <strong>ANS</strong>, visando à implantação das bases de dados similares aoSUS, com registros individualizados de todos os pacientes internados, ou o Sistema de InformaçãoHospitalar da Saúde Suplementar. Somente com registros individualizados teremosum real controle da qualidade da assistência prestada, a comparação fidedigna de indicadoresepidemiológicos. Essa discussão deve ser enfrentada, pois somente através de um controlepúblico efetivo teremos a democratização dessas informações. O Cadastramento Nacional deEstabelecimento de Saúde (CNES), realizado em 2001, deverá ser um passo no sentido da implantaçãodo Sistema de Informação Hospitalar na saúde suplementar. Temos que ampliar oSIH para além das informações referentes aos hospitais conveniados e contratados ao SUS.CONCLUSÃOO Estado inscreve suas políticas de proteção social, respondendo às principais necessidades/finalidadesem saúde, colocadas por aquela sociedade, definindo sua forma deprestação de assistência, seu papel enquanto ordenador das políticas públicas e privadas,


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 47regulando o setor como um todo. A Constituição Federal define os seus princípios, materializadosatravés do Sistema Único de Saúde, que se propõe universal, integral e equânime.Ao setor privado cabe organizar-se de forma complementar ao público.O debate sobre modelos assistenciais em saúde suplementar não é desvinculado doentendimento global do funcionamento do SUS. A compreensão e a regulação da saúde supletivadeve considerar as experiências e modelagens produzidas no público, com o objetivo decompará-las e de estabelecer novos conhecimentos.A atuação do Estado na saúde suplementar tem como marco a aprovação da Lei9.656/98, que estabeleceu um novo patamar no processo de regulação; entretanto, há que seaprofundar a natureza dessa regulação, visando garantir a assistência à saúde e a produçãodo cuidado. Coloca-se o desafio de entender como se estruturam os Modelos Assistenciais vigentesna saúde suplementar, identificando o modo como as operadoras de planos de saúdevêm se organizando para a oferta dos serviços de saúde, de forma a garantir a assistência comqualidade aos seus usuários, responsabilizando-se pelo seu processo saúde/doença.O modelo comumente praticado na saúde suplementar consiste em uma práticafragmentada, centrada em produção de atos, predominando a desarticulação e com inúmerasqueixas dos usuários. Para a superação desse cenário, impõe-se um novo referencial,assentado no compromisso ético com a vida, com a promoção e a recuperação da saúde. Nessesentido, discutimos a importância de abordar a assistência de forma integrada, articulando-setodos os passos na produção do cuidado e no restabelecimento da saúde.Propõe-se mapear a integralidade da assistência pelo acompanhamento da linha docuidado, evitando-se, assim, a sua fragmentação. Cada usuário deverá ser acompanhadosegundo determinado projeto terapêutico instituído, comandado por um processo de trabalhocuidador, e não por uma lógica “indutora de consumo”.Torna-se um desafio para a saúde suplementar incorporar em seu processo assistencialos debates colocados no processo de trabalho, estabelecendo novas vertentes analíticas paraavaliar a eficácia e a efetividade do seu papel na prestação de atenção à saúde. A Agência Nacionalde Saúde Suplementar deverá discutir novos mecanismos de macro e, especialmente, demicrorregulação e apontar para o estabelecimento de novos formatos de intervenção.


48 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3Sobretudo a saúde suplementar deve trabalhar sob o prisma da prevenção, dapromoção, estimulando essa prática em todos os seus prestadores, não enquanto marketing daoperadora, mas como prática cotidiana de fato incorporada.Esses pontos deveriam se tornar novos referenciais e diretrizes do modelo assistencial nasaúde suplementar, visando à garantia do acesso aos cuidados necessários, o vínculo, aresponsabilização para com o usuário e a integralidade da assistência e o monitoramentocontínuo dos resultados alcançados.REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICASACCIOLY, M.C. Determinantes da mortalidade neonatal em Belo Horizonte; 1993. Subsídios para oplanejamento da atenção materno infantil. Dissertação mestrado. UFMG;1997.ALMEIDA, C. “O mercado privado de serviços de saúde no Brasil: panorama atual e tendências daassistência médica suplementar”. Brasília: IPEA, 1998.AROUCA, A.S.S. O Dilema Preventivista, contribuição para a compreensão e crítica da MedicinaPreventiva. Tese (Doutorado) – Faculdade de Ciências Médicas, UNICAMP, Campinas, 1975.ABRAMGE – Associação Brasileira de Medicina de Grupo. Informe de Imprensa; São Paulo.www.abramge.com.br , 2002.BAHIA, L. Mudanças e Padrões das Relações Público-Privado: Seguros e Planos de Saúde no Brasil. Tese(Doutorado). Rio de Janeiro, ENSP/FIOCRUZ, 1999.BAHIA, L. Planos privados de saúde: luzes e sombras no debate setorial dos anos 90. Ciênc. Saúdecoletiva; 6(2): 329-339, 2001.BAHIA, L. O mercado de planos e seguros de saúde no Brasil: tendências pós-regulamentação. In: <strong>ANS</strong>.Diretoria de normas e habilitação dos produtos. Oficina DIPRO/GGTAP. Imaginando e Operando aGestão da Assistência no Âmbito da Saúde Suplementar: Textos de Apoio. Rio de Janeiro: <strong>ANS</strong>,janeiro de 2002.BAREMBLITT, G. Compêndio de Análise Institucional e Outras Correntes: teoria e prática. 3 a ed., Riode Janeiro: Rosa dos Ventos, 1996.BRASIL, Agência Nacional de Saúde Suplementar (<strong>ANS</strong>); Cadastro de beneficiários, Rio de Janeiro,novembro de 2002b.CAMPOS, G.W.S. A saúde pública e a defesa da vida. HUCITEC. São Paulo: 1992.


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Portabilidade: avaliação exploratóriadas principais potencialidadese dificuldadesGeraldo Biasoto Junior 11. INTRODUÇÃOEmbora relegada a um segundo plano, na discussão sobre o sistema de saúde suplementara questão da portabilidade é o elemento mais essencial na estruturação do sistema, dadoque enfeixa uma série de questões e potencialidades. A tarefa a que este texto se propõe é a deidentificar as potencialidades que a implantação de um sistema dotado de ampla portabilidadee mobilidade para os segurados, analisa ao mesmo tempo em que a magnitude dos entravesenvolvidos. Vale notar que a portabilidade, segundo a visão aqui apresentada, significaráa introdução de sistemáticas e formas de regulação de natureza distinta da atual e cuja implantaçãosomente seria possível em um prazo de tempo razoável. No entanto, a própria lógica de umsistema de saúde suplementar não pode deixar de considerar que as alterações do longo prazosó podem ter vigência se amparadas em decisões tomadas, tendo em vista um caráter estrutural.Para avançar os pontos de discussão deste campo quase inexplorado, este trabalhodivide-se em quatro partes. Na primeira, são analisadas as características gerais do provisionamentode saúde por agentes privados em regime de pré-pagamento, justamente com aintenção de traçar os elementos cruciais das relações entre o público e o privado em sistemas desaúde. Na segunda, o foco é a análise dos sistemas privados de provisão de saúde no contextoda economia brasileira, com o objetivo de avaliar as especificidades de uma economiaextremamente desigual, em relação ao tipo de aproximação ao tema realizado na parte anterior.|1| Professor do Instituto de Economia da Unicamp e pesquisador do CECON-IE-UNICAMP e do NEPP-UNICAMP.


54 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3Na terceira, são identificadas as potencialidades da instituição da portabilidade e analisadosaspectos das alterações jurídicas e organizativas da saúde suplementar necessárias. Por fim, apartir dos elementos postos nas outras partes, procura-se delimitar encaminhamentos concretospara transformar a portabilidade em um elemento dinâmico da estruturação do sistema.2. SEGMENTO PRIVADO DE SAÚDE: CARACTERÍSTICAS GERAISE FORMAS DE ORGANIZAÇÃO DE MERCADOA provisão de saúde à população é discutida em vastíssima bibliografia e diversastaxonomias de sistema já foram organizadas para tentar dar conta do entendimento dossistemas e dos fluxos financeiros neles envolvidos. Importa-nos, para os marcos deste trabalho,identificar, primeiramente, as três formas de relacionamento entre a população e os esquemasde financiamento dos gastos em saúde.A primeira forma é o financiamento exclusivamente público e a atenção universalizada.Neste caso, os recursos são recolhidos junto à sociedade por meio de impostos ou contribuiçõessociais. O acesso ao atendimento e a outros elementos da atenção à saúde é realizado pelocidadão sem a necessidade de desembolso financeiro, atuando o mecanismo de financiamentovia receita pública como mecanismo de redistribuição de rendas. Os serviços podem ser realizadosem unidades de propriedade estatal, onde o custeio é diretamente assumido pela autoridadegovernamental, ou em unidades privadas, com ou sem fins lucrativos, os pagamentossão realizados pelo poder público, tendo em vista a produção de serviços realizada ou disponibilizadaà população.A segunda forma é o pagamento direto, a cargo do próprio paciente, identificado naliteratura como out of pocket. Esta forma é a que implica em maior vulnerabilidade social e estáassociada a formas de organização social de distribuição concentrada de renda. Explica-se pelaelevada renda do estrato superior, que lhe permite enfrentar os gastos quando de sua necessidade,e pela impossibilidade de grandes estratos de renda da população atingirem a renda correntenecessária para a partição de recursos para custeio em regime de pré-pagamento de serviços desaúde. A perversa distribuição de renda, a existência de alto índice de pagamentos diretos sempreestá associada ao precário desenvolvimento do aparelho de estado e dos direitos sociais.


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 55A terceira forma de financiamento dos gastos de saúde é o pré-pagamento. Esta opçãode financiamento dos gastos com a saúde pode assumir inúmeras formas de articulação entreusuários, prestadores diretos de serviços, planos e seguros de saúde, assim como outras entidadesreguladoras. Dois outros elementos podem ter papel fundamental dentro dos esquemas de prépagamento:a) a empresa à qual o segurado é vinculado, que pode pagar parcial ou integralmenteos planos de seguro; e b) os governos, dado que pode haver formas de incentivo ou subsídio aospré-pagamentos realizados pelo usuário ou pela empresa, tanto como reduções do imposto daspessoas físicas quanto das jurídicas. 2A experiência internacional tem demonstrado que nenhum sistema tem formas puras deexistência, sendo a norma a composição das distintas maneiras de financiamento. Em algunscasos, são definidos conjuntos de procedimentos ou públicos-alvo específicos que obtématenção pública universal. Em outros casos, as dificuldades de acesso produzem o espaço paraa oferta privada. Não raro, mecanismos de co-pagamento são agregados à oferta pública deserviços. Em diversos sistemas de pré-pagamento, o pagamento direto de comissões também éusado como forma de regulação da demanda.A enorme diversidade de soluções adotadas para a organização dos sistemas de atençãoà saúde permite inferir que não se deve procurar uma forma ótima, em termos normativos. Aocontrário, a experiência internacional deixa entrever que os formatos dos sistemas estãodiretamente relacionados a decisões sociais sobre o espectro de serviços providos pelo estado,sempre tendo em conta os custos orçamentários. Ao mesmo tempo, as estruturas de mercadodo sistema, mesmo que sob forte ação estatal, também evoluíram e ganharam formas em meioàs lutas das profissões e dos agentes públicos e privados envolvidos nos cuidados à saúde. Valedizer, os sistemas de saúde só podem ser entendidos dentro da dinâmica de interesses dosprincipais agentes em luta: sociedade organizada, empresas prestadoras, unidades hospitalares,categorias profissionais vinculadas à saúde, segmentos da burocracia estatal, dentre outros.Às diversas formas de organização dos sistemas correspondem estruturas definanciamento marcadamente heterogêneas. No conjunto dos 26 países da OCDE, a média dos|2| Vale notar que a saúde privada também pode ser financeiramente beneficiada pelo Estado com mecanismosde redução de encargos fiscais e trabalhistas concedidos a entidades prestadoras sem fins lucrativos.


56 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3gastos per capita globais, públicos e privados, atingiu, em 2002, US$ 1.964. A variação entre ospaíses é extremamente forte, sendo que México, República Eslovaca, Coréia e Hungria,apresentam gasto per capita inferior à média em mais de US$ 1.000. Enquanto isto, EstadosUnidos, Suíça, Alemanha, Islândia e Canadá registram gastos per capita superiores em mais deUS$ 500 à média dos 26 países avaliados.Tabela 1 – FONTES DE FINANCIAM ENTODA SAÚDE EM PAÍSES DA OCDE 2002Público Privado TotalEstados Unidos 2.0512.580 4.631Suíça 1.793 1.429 3.222Alemanha 2.063 685 2.748Islândia 2.202 406 2.608Canadá 1.826 709 2.535Dinamarca 1.986 434 2.420França 1.785 564 2.349Bélgica 1.616 652 2.268Noruega 1.877 3912.268Holanda 1.517 729 2.246Austrália 1.600 611 2.211Áustria 1.507 655 2.162Itália 1.497 535 2.032Japão 1.542 469 2.011Irlanda 1.480 473 1.953Reino Unido 1.429 335 1.764Finlândia 1.249 415 1.664Nova Zelândia 1.266 357 1.623Espanha 1.088 468 1.556Portugal 1.025 414 1.439Grécia 777 622 1.399República Checa 942 89 1.031Coréia 396 497 893Hungria 637 205 842República Eslovaca 618 72 690México 228 263 491Média 1.385 579 1.964Fonte: OECD, Health Data, 2002.


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 57No que toca à repartição entre o financiamento público e privado dos gastos com saúde,embora existam algumas situações particulares como Suíça, Estados Unidos e México, onde aparticipação privada é maior que a pública, a maioria dos países apresenta um padrão compatívelcom a média dos 26 países, sendo de mais que dois terços a participação pública dentreos gastos totais com saúde.Tabela 2 – DISTRIBUIÇÃO DAS FONTESDE FINANCIAMENTO DA SAÚDE 2000Despesa Pública Seguro Privado Outros Fundos Pagamento DiretoFrança 76,0% 12,8% 1,0% 10,2%Alemanha 75,1% 12,5% 1,8% 10,6%Irlanda 75,8% 7,1% 6,1% 11,0%Estados Unidos 44,3% 34,8% 5,6% 15,3%Nova Zelândia 78,0% 6,3% 0,4% 15,4%Canadá (1999) 70,8% 11,2% 1,9% 16,1%Dinamarca 82,1% 1,6% 0,0% 16,4%Japão (1999) 77,7% 0,3% 4,8% 17,1%Áustria 69,7% 7,0% 4,7% 18,6%Finlândia 75,1% 2,5% 1,8% 20,6%Hungria 75,7% 0,2% 3,0% 21,2%Itália 73,7% 0,9% 2,5% 22,9%Espanha (1999) 70,2% 3,4% 0,0% 26,4%Coréia (1999) 43,9% 7,4% 5,0% 43,8%Média 70,6% 7,7% 2,8% 19,0%Fonte: OECD, Health Data, 2000.As diferenças entre diversos países ganham maior expressão quando referidas aosindicadores de saúde. Não há dúvida de que a variação do gasto per capita não encontre reflexonas condições de saúde da população. Em verdade, para o conjunto de países avançados háconsenso de que os indicadores de saúde já se situam em níveis bastante semelhantes. Aexplicação das disparidades deve ser buscada em alguns elementos que conformam o setor saúdee variam de país para país.


58 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3É crucial identificar os principais elementos que impõem a dinâmica do gasto no setorsaúde. Certamente, o principal deles é a velocidade de absorção de novas tecnologias às condutasmédicas e às disponibilidades de serviços hospitalares e ambulatoriais. Do mesmo modo, aprescrição de novos medicamentos influi sobremaneira no gasto realizado com saúde. Aavaliação do custo-efetividade da incorporação de novas tecnologias é extremamente complexa,principalmente porque em grande parte das situações trata-se de melhorias de acuidade dodiagnóstico e qualidade de vida do paciente, aspectos de mensuração complexa.Um segundo elemento de grande importância é o gerenciamento das ações médicas e aexistência e amplitude dos protocolos clínicos em uso no sistema. À diferença de todas as outrasformas de mercado, no sistema de saúde, o consumidor está submetido à decisão de um terceiroagente sobre os bens e serviços que serão demandados para o tratamento. Desta forma, ospadrões de comportamento dos médicos impactam decisivamente no patamar de gastos emsaúde, especialmente quando a descentralização das decisões é maior. Como força em contráriocolocam-se planos e seguros privados e governos, estabelecendo protocolos e formas de controledos gastos, o que não raro gera enormes tensões dentro do sistema. Ao mesmo tempo,não há como deixar de ter em conta que há criação de demanda endógena ao sistema, namedida em que as unidades de saúde e os médicos, como agentes de decisão do gasto, podemgerar necessidades de maneira diferenciada. 3Um terceiro elemento de grande importância no sistema é a renda média da sociedade ea distribuição da mesma entre as famílias. Há uma tendência a que sociedades mais ricas, cujasatisfação das necessidades básicas está bem atendida, aloque maior parte de seus recursos emsaúde. Neste movimento, a cesta de necessidades sociais em termos de serviços de saúdeexperimenta incrementos em termos de novas tecnologias, tratamentos estéticos, comodidades,|3| É importante notar que esta criação endógena ao sistema de demanda por utilização de tecnologias novas,também se aplica aos procedimentos convencionais. No caso americano, onde as causas judiciais por errosmédicos ganharam grandes dimensões e os seguros contra estes erros, para os profissionais de saúde, passarama ser quase obrigatórios, a utilização de todo o rol de exames e procedimentos, inclusive os mais intensivosem nova tecnologia, ganham grande ênfase para os médicos, justamente como fator de prevenção contrademandas judiciais por negligências de diagnóstico.


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 59melhor hotelaria nas internações, dentre outros. Em sociedades de renda média elevada e boadistribuição de renda, os gastos com saúde devem ser ainda mais alavancados, justamenteporque as despesas de saúde desfrutam de grande participação nos orçamentos familiares, nasfaixas de renda média e média-alta.Este é o ponto que nos permite passar à discussão das características essenciais dosistema de saúde e da inserção da saúde financiada privadamente. Para tanto, é importanteidentificar as formas de organização das entidades que gerenciam a prestação de serviços desaúde. É possível dividir estas entidades em quatro grandes categorias:a) seguros puros: são estruturas que recolhem recursos e reembolsam total ouparcialmente por sinistros ocorridos, mantendo a liberdade de escolha de provedores para ossegurados;b) seguros com gerenciamento de rede de prestadores: os segurados têm direito aoatendimento em um rol integral ou parcial de procedimentos contratados, mas têm que sesubmeter a um conjunto de prestadores de serviços pré-definido; 4c) planos de saúde: estruturas de gestão de recursos acumulados por segurados queadministram a relação com o rol de prestadores de serviços. Os recursos pagos, em tese sãoreferidos ao custo de saúde de uma pessoa média de uma faixa etária específica, sendo que oplano assume os riscos da incerteza sobre elevação de custos e erros de cálculo sobre os riscosdas populações seguradas;d) autogestão: são entidades que administram os gastos de saúde de populações restritas,rateando os custos incorridos dentre os usuários, desta forma sua missão não é a assunção de riscos,mas a melhoria, em base do poder de mercado, nas condições de aquisição de bens e serviços;e) planos de saúde de entidades hospitalares: diferem dos planos de saúde justamentepor unificarem as funções de administração de riscos e fornecimento de serviços, vinculando ousuário a um rol bem definido de escolhas de prestadores.|4| Na maioria dos casos, é possível a busca de atendimento em prestadores não pertencentes ao rol básico,mas o reembolso dos pagamentos efetuados pelo segurado está limitado a tabelas específicas.


60 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3Esta classificação de formas de entidades responsáveis pela gestão do pré-pagamentomostra que diferentes enfoques podem conviver em um sistema de saúde suplementar. De umlado, há formas de organização cujo objetivo é o posicionamento favorável no mercado, sendoo exemplo mais extremado a autogestão. De outro lado, há entidades que focam o equilíbrioatuarial puro entre risco e uso, abdicando de usar recursos na administração da oferta, comono caso dos seguros. Nas situações intermediárias diversos tipos de mix entre gerenciamentode oferta e administração de risco podem ser encontrados.Este conjunto de questões e formas de organização não é, no entanto, percebido pelossegurados em todas as suas nuances e especificidades. Ao contrário, o caso geral parece ser apessoa que paga uma instituição de saúde e identifica-se como garantida, em termos de acessoà saúde, para toda a sua vida, à exceção da falta de pagamento. Por isso, as migrações entrefaixas etárias, com alterações de preço dos prêmios de seguro envolvem uma forma tãocomplexa de tensão entre os usuários e os planos. Da forma de relacionamento entre asentidades gestoras do pré-pagamento e os segurados emerge, portanto, uma questão crucial: oentendimento com respeito ao estatuto dos recursos aplicados no financiamento da saúde, soba percepção de cada indivíduo.No sentido acima exposto, a primeira grande questão que se coloca para a sustentabilidadedos sistemas de saúde suplementar está referida ao confronto de sistemas em basesde fluxo de caixa vis-à-vis sistemas em bases contributivas. De fato, à medida que os sistemas dedeveres e direitos evolui, a construção de poupanças individuais para o enfrentamento dosagravos de saúde durante toda a vida dos segurados, ganha força como forma de estabilizarmercados e estruturas de gestão. Esta concepção deve, no entanto, ser perfeitamentecompreendida por usuários e entidades gestoras e entronizadas na lógica da gestão dos contratose formas operacionais dos planos.O maior exemplo e ponto crítico no atual relacionamento entre os segurados e entidadesgestoras é justamente a forma de pagamento e constituição de fundos para a realização dasdespesas. Em geral, a entidade gestora transforma-se em uma câmara de compensações desinistros entre as distintas faixas etárias que estão presentes no plantel de segurados. Ou seja, os


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 61desequilíbrios entre os fluxos negativos de receitas frente às despesas das faixas etárias superioressão bancados pelos superávits das faixas etárias compostas por segurados mais jovens.Ainda assim, as tabelas de pagamento são montadas de forma a onerar pesadamente os contribuintesde mais idade. Apenas a pressão social e a falta de capacidade de pagamento limitama inclinação positiva da curva embutida na escala de mensalidades por faixas etárias.Em verdade, a articulação entre entidades de gestão e usuários ainda se situa em uma fasede transição. De um lado, altos e crescentes custos de saúde realizados para garantir a vida deuma população que vive mais anos na fase de maiores custos de saúde. De outro, um sistemaque ainda ensaia uma migração da gestão de receitas e despesas correntes para uma fase de gestãocontributiva, enfatizando a formação de poupanças para garantia dos recursos para enfrentargastos com saúde, segundo cálculos atuariais, tomada a vida dos segurados.Ao lado do caráter contributivo, outra grande questão coloca-se como essencial na presençae sustentabilidade das entidades de gestão de atenção à saúde: a questão da diluição derisco de clientelas. É importante ter em conta que todas as entidades gestoras de formas de prépagamentoadministram riscos. Em alguns casos de pequena monta, como na autogestão, ondea transferência dos custos é integral aos segurados, onde apenas a inadimplência destes, em facede uma forte ampliação dos custos poderia afetar a solvência da entidade. Em outros casos,como nos planos de saúde, uma ampliação rápida e forte das ocorrências, em face da reduçãodas receitas em faixas etárias menos onerosas, pode significar insolvência da mesma forma.Neste último caso, evidentemente a situação é mais grave porque o usuário contrata um preçofixo por uma cesta de serviços.Estas ponderações implicam na aceitação de que, seja de que forma for organizada aentidade gestora dos recursos, haverá sempre um certo risco sendo assumido e um cálculoatuarial, mesmo que não realizado, definindo a sustentabilidade de cada estrutura empresarial.A grande questão enfrentada pelas estruturas de gestão do pré-pagamento em saúde é aincerteza envolvida nos serviços médicos e nas questões de saúde postas para a população. Emestudo clássico sobre a população americana, Berk & Monheit (1992), identificaram a concentraçãode gastos em saúde relativamente ao conjunto da população atendida. A Tabela 3


62 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3mostra como é concentrado o gasto em saúde em poucos indivíduos da população. Apenas 5%da população foram, naquele ano, responsáveis por 58% do gasto realizado com saúde. Valenotar que o envelhecimento da população, as modernas técnicas de manutenção da vida emsituações de terapia intensiva e as novas tecnologias provêm o crescimento desta tendência deconcentração dos gastos em menor número de eventos ou indivíduos.Tabela 3 – DISTRIBUIÇÃO DA DESPESA MÉDICA 1987Participação naParticipação cumulativadistribuição da população na despesa total de saúdeAté 1% 3 0Até 5% 5 8Até 10% 7 2Até 50% 9 8População total 100Fonte: BERK & MONHEIT (1992). Citado em CUTLER & ZECKHAUSER (2001).Estes dados foram tomados do conjunto dos Estados Unidos, o que, evidentemente diluias acidentalidades e concentrações de risco. Na medida em que as populações seguradas sãosubconjuntos da população total, estes altos níveis de concentração vão dando lugar a variaçõesmuito mais expressivas do que em situações de eventos mais desconcentrados. Ou seja, o riscoenvolvido nas populações menores é extremamente alto, dado a própria estrutura dasinistralidade.Os cálculos atuariais para identificar os prêmios devidos acabam por incorporar umcomponente de risco expressivo, justamente em decorrência da alta concentração dasinistralidade. Os prêmios de risco são inversamente proporcionais ao tamanho das populaçõesseguradas pelas entidades de gestão de pré-pagamento. Portanto, os custos gerais do sistema deatenção à saúde aumentam por conta dos prêmios de risco que as estruturas de gestão têm quecobrar para fazer frente às incertezas em situação de alta concentração de risco.As fortes divergências entre os custos de sistemas de saúde com resultados próximosparecem estar fortemente ligadas a formatos diferenciados de organização sistêmica. A existência


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 63de sistemas públicos viabiliza uma redução do prêmio de risco derivado da incerteza. Emverdade, o sistema passa a ter um custo equivalente aos riscos inerentes ao conjunto dapopulação segurada. Nos sistemas onde há divisão de clientelas, as entidades de suporte têmque provisionar recursos para enfrentar o risco inerente a clientelas menores. Talvez osaltíssimos custos da saúde americana, frente a outros sistemas semelhantes, sejam parcialmenteexplicados por isso.A questão da seleção adversa só pode ser perfeitamente analisada no interior destecontexto. 5 A disjuntiva com que se defronta a administração de clientelas pelas entidades gestorasconsiste, de um lado, na marcação de um prêmio de risco adequado para contrapor os riscos eincertezas inerentes ao setor saúde. De outro, os custos a serem pagos pelos segurados não podemsubir a um patamar que reduza de forma proibitiva a demanda pelos planos e seguros. O equilíbrioentre os dois pólos da questão acaba por implicar em uma tentativa de administração da clientela.Ou seja, as entidades gestoras acabam por buscar a eliminação de maiores riscos ao sistema,especialmente pessoas com maior idade ou registro de doença anterior.É importante notar o quão delicada é esta questão. A prática da seleção adversa afasta doseguro privado justamente as pessoas que mais precisariam dos serviços de saúde. Mas a ausênciade limites por parte das entidades gestoras trabalha no sentido de aumentar os custoscorrentes e, com isso, ampliar o valor das mensalidades. No momento em que as mensalidadessão mais altas, afetam diferentemente as pessoas que não têm problemas imediatos de saúde.Como a propensão ao gasto em saúde é baixa, para este último grupo, acaba havendo umaevasão da clientela que deveria gerar fluxos de caixa positivos para a entidade gestora. A resultantedeste processo é, em geral, concentração da clientela em pessoas de risco elevado, altoscustos de saúde e ausência de adesão de grande parte da população.Pior, no entanto, é que a depender das condições de mercado e das situações de renda dapopulação, pode não haver equilíbrio possível entre os custos do sistema e a clientela atendida,mesmo limitada. No entanto, a decisão econômica da entidade gestora pode ser a de correr os ris-|5| Ver Getzen (1997).


64 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3cos e bancar a venda de contratos em desacordo com os cálculos atuariais. Ou seja, a atividadecorrente pode ser viável, mas qualquer mudança de estrutura de clientela ou fuga ao risco médio,colocaria em xeque a continuidade da operação. Tomando emprestado o conceito que HymanMinsky utilizou para a empresa financeira, a entidade gestora estaria em uma posição especulativa. 6A relação entre setor público e setor privado no conjunto das ações de saúde é outroelemento decisivo para a saúde suplementar. A existência de um segmento expressivo de saúdevinculada ao financiamento e à gestão por usuário e entidades privadas não significa, em geral,que a intervenção governamental não exista. Ao contrário, por várias vias, a participação estatalé crucial para a existência do sistema privado. A primeira e mais significativa forma desta existênciaé a financeira. Em diversas experiências, as deduções fiscais junto ao Imposto sobre aRenda acabam viabilizando o funcionamento dos seguros e planos, dado que elas possibilitama redução do custo efetivo dos sistemas privados, ficando mais fácil alcançar o equilíbrio, acimacitado, entre risco e capacidade contributiva. Ao mesmo tempo, diversas situações mostram aforte participação das empresas no custeio parcial ou mesmo integral dos sistemas, o que secaracteriza como uma política da empresa, geralmente facilitada por formas de permissão dededução destes custos para efeito de apuração do lucro tributável.Mas não é apenas esta a forma de relacionamento entre o setor público e o privado naprestação de serviços de saúde. As questões relativas a endemias e os chamados riscos catastróficosmuitas vezes são absorvidos pelo setor público, desonerando o setor privado de situaçõesque, no primeiro caso, representam concentração de risco e, no segundo, eventos discretos,mas com grande repercussão sobre os cálculos atuariais. Estas interações entre setorpúblico e privado não devem ser entendidas como formas de lograr o setor público. Ao contrário,elas devem ser entendidas como uma delimitação dos riscos que as entidades privadasde gestão devem assumir, o que é extremamente importante para a sua viabilidade financeirae sustentabilidade intertemporal.|6| Ponzi, nas palavras de Minsky.


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 65As relações público-privadas em uma sociedade capitalista contemporânea estão,evidentemente, longe de procurar garantir a liberdade de concorrência no mercado. Aocontrário, a intervenção governamental deve se direcionar ao arbitramento das relaçõescontratuais entre o usuário e a entidade gestora. Neste sentido, a intervenção tem o sentido degarantir mínimos direitos aos usuários e impedir que o poder de mercado das estruturas sejautilizado para manter taxas de lucro excessivas à custa dos consumidores, além de tentar garantira solvência financeira das instituições.Em síntese, há três questões conceituais que se colocam com especial intensidade à saúdeprivada, cuja complexidade e potencial disruptivo não podem ser desprezados. A primeira é acompreensão de segurados e entidades gestoras, sobre o tipo e espectro de garantia de saúdeque está sendo contratada: mera gestão dos riscos correntes ou sistema contributivo comgarantias de longo prazo. A segunda é a escala de riscos aceitáveis para cada entidade de gestãoe o gradiente de prêmios de risco necessários para diversas formas de clientela. A terceira, aintervenção estatal no sistema que pode se dar pela criação de demanda, por meio de deduçõese facilidades tributárias, ou pela assunção de parcelas das obrigações, alterando as curvas deoferta do sistema. Apenas a partir destes elementos é possível avaliar a questão da portabilidade,inclusive porque ela enfeixa estas três questões.3. ELEMENTOS DO DESENVOLVIMENTODA SAÚDE SUPLEMENTAR NO BRASILO sistema de saúde brasileiro ganhou seus contornos atuais apenas no passado recente.De um lado, no campo público, o modelo baseado na garantia de saúde apenas aos trabalhadorescom vínculos formais de trabalho foi substituído pela universalização do direito àsaúde, em todos os níveis, inscrita nos capítulos relativos à ordem social da Constituição de1988. De outro lado, as Leis 9.656, de 3 de junho de 1998, e 9.961, de 28 de janeiro de 2000,promoveram os marcos legais da saúde suplementar. 7|7| Vale notar que a SUSEP, por meio de regulamentação própria, regulava os segmentos securitários dosistema, enquanto planos e autogestões não eram atingidos por normas específicas.


66 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3A lentidão no processo de regulação setorial já é um indicativo das dificuldades deregulação das relações entre público e privado no conjunto do setor saúde. Apenas em 1998, aproposta de legislação, que tramitou por mais de cinco anos no Congresso Nacional, ganhouforma. Altamente questionado pelos agentes privados envolvidos nos mercados de planos eseguros de saúde, além de foco de fortes desencontros entre o Ministério da Saúde e o Ministérioda Fazenda, o aparato regulatório só ganhou contornos mais definitivos com a Lei de 2000, quecriou a Agência Nacional de Saúde Suplementar e unificou as atribuições regulatórias nestaautarquia, vinculada ao Ministério da Saúde.É crucial identificar uma característica fundamental da relação entre o sistema público desaúde e o segmento provedor privado: a ausência de qualquer linha demarcatória entre um eoutro, estabelecida de um ponto de vista sistêmico. Ao contrário disto, o que se tem é uma saúdepública cujo dever constitucional é ofertar saúde integral a toda a população, sem distinçõesetárias ou de renda, cujos compromissos são exercidos em uma rede onde provedores públicos,privados (com e sem fins lucrativos) são contratados pelo Estado para ofertar saúde à população.Deste modo, a saúde privada ocupa os espaços que a saúde pública não consegue ou nãodispõe de recursos para atingir, onde devem ser destacados: a assistência farmacêutica, oscuidados às classes média e superior e às populações assalariadas com vínculos formais detrabalho a empresas de médio e grande porte, que, em regra, possuem esquemas de assistênciamédica gerenciados por entidades privadas.Na prática, na ausência de uma administração sistêmica do ponto de vista macro, arelação entre o sistema público e o privado produz uma forte tendência do sistema a ampliar assoluções microeconômicas de relacionamento. Concretamente isto se traduz no Gráfico 1,onde as unidades contratadas representam o ponto de contato entre o subsistema público e osubsistema privado. Estas unidades podem ser públicas ou privadas. No primeiro caso,enquadram-se os hospitais públicos que abriram uma segunda porta de entrada, através daqual são atendidos segurados de convênios e planos privados. No segundo, a referência é aohospital privado ou filantrópico que vende serviços ao SUS, a planos e seguros privados ou temseu próprio plano de saúde. Como o Gráfico elucida de maneira admirável, a relação entre


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 67os sistemas e os usuários é indeterminada pela falta de definição de clientelas, e incerta,porque a transição entre os dois sistemas não tem que atender a mediações ou qualquer tipode regulação. 8Esses elementos permitem colocar a questão central do relacionamento entre ossistemas público e privado no Brasil: o Estado abdica de exercer a regulação entre os dois sistemas.Ou seja, as relações entre o financiamento realizado pelos agentes privados, e geridospelas diversas espécies de planos e seguros, e a ação pública no sistema têm regulação nasformas contratuais, mas não nas relações sistêmicas, pelo menos no plano macroeconômico.As mediações, no entanto, existem e perpassam todo o sistema em sua execução corrente. Elassão realizadas pelos segurados quando realizam decisões contratuais, pelos planos e seguros,com suas políticas de redução de prazos de carência, pelos profissionais de saúde quandoarbitram a realização de um exame diagnóstico pelo SUS para um beneficiário de seguroprivado, dentre outros casos.A ausência de uma regulação conjunta do sistema propicia grande margem demanobra ao conjunto de agentes pertencentes ao complexo de relações econômicas do setorsaúde, mas, sem dúvida, a instituição privilegiada deste processo é a unidade hospitalar. Emverdade, na medida em que ela se encontra administrando relações simultâneas com diferentestipos de compradores de serviços médico-hospitalares, a capacidade de arbitragem entre asdiversas instituições passa a ser absorvida nesta unidade como poder de negociação frenteaos demais agentes do sistema. Em certos casos, esta capacidade é utilizada na viabilização dosistema público, dado que a unidade hospitalar administra uma espécie de subsídio cruzadodas vendas ao setor privado, destinando recursos excedentes para compensar déficits noatendimento pago pelo SUS. Mas, em outros casos, a demanda do SUS apenas viabiliza aoperação das unidades em períodos de menor demanda, fazendo a oferta ao SUS flutuar emfunção da demanda privada. Em todos os casos, a arbitragem micro está se sobrepondo àcoordenação macrossistêmica.|8| Embora a regulamentação presente já na Lei 9.656, de 1998, seja uma maneira de tentar arbitrar a relaçãoentre os dois sistemas, a própria condição de universalidade do atendimento, inscrita nos direitos constitucionais,exerce um papel de negação do instituto do ressarcimento. Vale dizer, o ressarcimento é uma formaincompleta de tentar regular as relações entre os dois sistemas.


68 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3Gráfico 1 – PRINCIPAIS INSTITUIÇÕESDO SISTEMA DE SAÚDE BRASILEIROFonte: Elaboração própria, a partir de Silva (2003).O alcance da cobertura da saúde suplementar no Brasil é motivo de alguma controvérsia.No entanto, é possível dizer que entre 20% e 25% da população brasileira tem vinculação comalgum dos tipos de entidade de gerenciamento de saúde privada pré-paga. A Tabela 4 mostraque cerca de 40 milhões de brasileiros estão vinculados a estas instituições.Tabela 4 – COBERTURA DA SAÚDE SUPLEMENTARFonte Ano de População População CoberturaReferência Residente (A) Coberta (B) (B) / (A)PNAD 1998 158,2 milhões 38,7 milhões 24,4%<strong>ANS</strong> 2002 169,8 milhões 35,5 milhões 20,9%Abramge 2002 169,8 milhões 41,6 milhões 24,5%Abraspe 2001169,8 milhões 42,1 milhões 24,8%Fonte: SILVA (2003).


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 69Os gastos em saúde suplementar representaram 2,39% do PIB, em 1998, um valor aindamodesto para uma economia que gastou mais que 8% do PIB entre recursos públicos e privados,sendo que 2,78% do PIB foram gastos diretamente (out of pocket), como pode ser observadopor meio da Tabela 5. Em parte, a explicação pode ser encontrada na ausência de sistemas depré-pagamento para as despesas com medicamentos, que têm participação muito expressivanos gastos diretos das famílias com saúde. Note-se que o cálculo foi realizado para o ano de1998 justamente pela disponibilidade do suplemento de saúde da PNAD.Tabela 5 – GASTOS EM SAÚDE – PÚBLICO E PRIVADO BRASIL, 1998.Em R$ bilhões de 31/dez/2000 (IPCA/IBGE).Tipos de Gastos R$ bi Per Capita Em % PIBPúblicos 32,9 203,2 3,20União 19,1 117,9 1,86Estados 5,7 35,2 0,56Municípios 8,1 50,10,79Privados/Famílias * 28,5 176,2 2,78Planos de Saúde 24,5 151,4 2,39Total 85,9 530,8 8,4* Deste item estão excluídos os gastos com planos de saúde.Fontes: MS/SIS/DPI/SIOPS, IBGE/PNAD, MS/<strong>ANS</strong>.Aprofundando a análise das condições de existência de planos e seguros de saúdeprivados no Brasil, é crucial identificar o perfil dos segurados. O Gráfico 2 permite avaliar emcada uma das faixas de renda a adesão aos sistemas de pré-pagamento. Como pode ser identificado,por meio do Gráfico, pouquíssimas famílias com renda inferior a três salários mínimospossuem planos ou seguros privados. Nas faixas de três a cinco mínimos (participação de18,6%) e cinco a dez mínimos (34,7%), as adesões através de seguros pagos por empresas devemse constituir em grande fator de explicação. Apenas nas faixas de mais de dez salários mínimosde renda é que a participação dos planos e seguros vai além dos 50%.


70 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3Gráfico 2 – POPULAÇÃO COBERTA SEGUNDOFAIXAS DE RENDIMENTO FAMILIARFonte: PNAD 1998. Citado em SILVA (2003).As informações disponibilizadas pela Agência Nacional de Saúde Suplementar indicamuma expressiva preponderância dos planos contratados e negociados coletivamente porempresas frente aos planos individuais. Como pode ser verificado, por meio da Tabela 6, adistribuição dos beneficiários de planos e seguros é altamente concentrada nos planos coletivos,que, entre os contratados antes e depois da Lei 9.565, de 1998, representam quase 64% do total.Tabela 6 – DISTRIBUIÇÃO DOS BENEFICIÁRIOS DE PLANOSE SEGUROS POR TIPO DE CONTRATAÇÃO 2003Tipo de contrataçãoPorcentagem do TotalColetivo (anterior à Lei) 38,4%Coletivo (posterior à Lei) 25,5%Individual (anterior à Lei) 25,7%Individual (posterior à Lei) 10,4%Fonte: <strong>ANS</strong>, 2003.


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 71Dois elementos importantes emergem desta avaliação dos traços mais gerais da adesãoà saúde suplementar. O primeiro é a baixa difusão dos planos nas populações de renda inferiora dez salários mínimos. Neste segmento, a adesão vinculada a planos contratados por empresasdeveria ser expressiva, pelo menos é o que mostra a experiência internacional. Certamente, orestrito grau de formalização da força de trabalho no Brasil é uma das explicações. Mas outraparcela é devida à adesão limitada de empresas de pequeno e médio porte ao sistema de planosempresariais. Estes dois elementos realçam a relevância do plano individual para o setor de saúdesuplementar no caso brasileiro e o espaço para crescer pela adesão de novas empresas. Esteselementos expressam os limites postos ao sistema de saúde suplementar no presente e asrestrições postas ao seu crescimento.A reflexão realizada no item anterior deste documento ganha contornos ainda maisdelicados frente a esta realidade. A diluição do risco de agravos onerosos encontra ainda maioresdificuldades para se realizar no contexto de uma população restrita pelos elementos econômicosda dificuldade de acesso. Ou seja, a realidade brasileira torna ainda mais vulneráveis as entidadesgestoras de planos e seguros pelas restrições de renda e organização das empresas empregadorasde força de trabalho assalariada. Uma outra estrutura de rendimentos das famílias ou formasdiferenciadas de organização do mercado de trabalho, com maior nível de formalidade ou maiorengajamento das empresas de menor porte na oferta de segurança privada em saúdeproduziriam um setor de saúde suplementar com uma adesão expressivamente maior.Os efeitos deste mercado restrito são expressivos para o sistema de saúde suplementar noBrasil. As reduzidas clientelas potencializam as concentrações de risco em entidades específicas.Esta situação pode ser enfrentada pelas entidades gestoras de duas formas. A primeira é a elevaçãodo prêmio de risco, aumentando as mensalidades a serem pagas pelos segurados. A segunda é apermanência em uma situação especulativa (ponzi), jogando com a sorte.A opção entre as duas decisões acima identificadas não é trivial, como se poderia pensara princípio. A mera correção do prêmio de seguro, saída que o bom senso recomendaria, podelevar aos mesmos resultados da segunda alternativa. A elevação do custo cobrado ao seguradopode ser respondida com a saída deste do plano ou seguro, seja pela falta de renda para enfrentar


72 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3os custos ajustados, seja pela alternativa de outras entidades gestoras de saúde. Vale lembrarque a existência de um sistema de acesso universal, mesmo que problemático na percepção dossegurados apresenta-se como alternativa, alterando as decisões individuais.Um movimento de saída de segurados reduz a clientela da entidade gestora, com efeitosincertos sobre receitas e despesa correntes. Provavelmente, estes efeitos serão perversospara a sustentabilidade financeira do plano ou seguro. A tendência é de que os seguradosque realizam gastos expressivos, por identificar uma boa relação custo-benefício nos recursosque recolhe à entidade gestora, permaneçam, mesmo com a elevação de custos. Portanto, asdespesas gerais tendem a cair pouco. Ao mesmo tempo, a expectativa de elevação das receitas,derivada da elevação do prêmio, tem grande chance de frustração parcial, dado que os seguradosque não usam os serviços com tanta freqüência têm menos propensão a enfrentar osnovos custos e têm alternativas de fuga. Portanto, o mercado de seguros e planos de saúde épouco aderente a um ajuste clássico frente a um problema de elevação de custos.Por absurdo, a escolha da alternativa de permanecer na situação especulativa pode sermais sustentável que a correção de prêmio aos níveis atuarialmente corretos. A permanênciaem uma situação de desequilíbrio, mas com agressiva postura de mercado na atração desegurados de faixas etárias de menor custo pode recobrar as condições do fluxo de caixa daentidade gestora. Logicamente, o equacionamento dos desequilíbrios de curto prazo não garantea solvência no longo prazo, podendo o sistema apenas estar logrando apenas uma sobrevida.A realidade brasileira do sistema de saúde suplementar mostra uma enorme tendência aformatos de ajuste deste tipo. Planos e seguros procuram melhorar seus perfis de clientela, pormeio da cobrança de valores muito inferiores aos segurados de faixas etárias inferiores, querepresentam fluxo de caixa positivo. Quando a carteira é composta por pessoas de um perfiletário jovem, a capacidade de redução de preços é ainda mais expressiva. Esta prática concorrencial,em princípio compatível com a liberdade de mercado, tem como efeito adesestruturação de entidades que operam com perfis de clientelas mais maduras, não podendo,portanto, concorrer com os preços cobrados pelas entidades de perfis mais jovens.


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 73No centro desta luta pelo mercado está a questão da portabilidade. Uma das armas desteprocesso concorrencial é a forma como a transição de um beneficiário entre entidades gestorastrata os prazos de carência para o atendimento a agravos. A norma dentro deste processo debusca de novos clientes é a “compra de carências”, ou seja, a aceitação, pelo plano ou seguro, deum seguro de outra entidade gestora sem a requisição de cumprimento de prazos de carência.Evidentemente, as entidades gestoras administram esta compra de carência de maneira a impedirque as características dos novos segurados sejam adequadas às metas estabelecidas para o novoperfil de usuários. Os instrumentos mais utilizados para este gerenciamento de acesso são: a)estabelecimentos de limites por faixas etárias nas compras de carências; b) seleção adversa pormeio de estabelecimento de preços elevados para faixas de idade superiores; e c) rigor na análisede doenças preexistentes.Na questão da portabilidade, assim como visto acima, para o caso da gestão dasunidades ambulatoriais e hospitalares que servem aos sistemas público e privado, a ausência degestão macro enseja a oportunidade para que os agentes possam operar na disputa de mercadoe na administração de suas estruturas financeiras. É importante frisar, os elementos de naturezamicroeconômica se sobrepõem aos de natureza sistêmica, dada a ausência de gestão macro,abrindo caminho para ineficiências próprias de um mercado cujas especificidades, comoapontado acima, produzem situações de ineficiência e aumento dos riscos de solvência.4. POTENCIALIDADE E REQUISITOS PARA A PORTABILIDADEA introdução do conceito de portabilidade só pode ser realizada no seu sentido maisamplo, com a prévia mudança de dois elementos essenciais. O primeiro deles é a percepção deentidades gestoras e segurados sobre a natureza do contrato firmado e sobre a garantia intertemporalem pauta. O sentido de portabilidade depende da concepção de proteção à saúde no longoprazo, dado que se trata de obter acesso nas várias fases da vida, especialmente, na velhice,quando a capacidade contributiva se reduz e a demanda por serviços aumenta. Vale observarque até se pode utilizar o conceito de portabilidade para a transição de um segurado entre enti-


74 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3dades gestoras com uma abordagem de condomínio de pessoas que rateiam gastos correntesem saúde, mas esta é uma forma pobre e não sistêmica de encarar a questão. Ao contrário disto,a abordagem que se deve dar ao termo tem que conservar seu sentido estrito. A portabilidadedeve ser compreendida como forma de transição, entre entidades gestoras, em um sistema deseguro e formação de poupanças para a garantia da saúde durante toda a vida do segurado.O segundo elemento conceitual a ser enfatizado no tratamento da portabilidade é suamudança de caráter na relação entre segurado e entidade gestora. Ao invés de ser uma concessãodos planos e seguros, realizada sob limites estritos e condicionada aos objetivos de perfil decarteira dos gestores, a portabilidade tem que se tornar um direito do segurado. Este direito nãose revela como direito frente às entidades em particular, mas como direito frente ao conjunto dosistema de saúde suplementar. Desta forma, a gerência da portabilidade estaria saindo da órbitade decisão microeconômica, onde é mero instrumento de competição predatória entre agentesdo mercado, e se endereçando para o âmbito macro do sistema. Vale notar que esta concepçãode portabilidade amplia o mercado de planos e seguros de saúde, ao incrementar a vinculaçãodos segurados ao sistema.A operacionalização destes pontos envolve uma profunda reestruturação do setor desaúde suplementar e de suas entidades gestoras. O primeiro grande elemento a destacar é oformato da curva contributiva. Seria extremamente importante romper a forma perversa deque se revestem os atuais padrões de cobrança dos planos e seguros: a escala de evoluçãosegundo a idade, que, depois de muita polêmica teve sua amplitude fixada em um múltiplode seis, para a faixa etária mais idosa, tendo por base a faixa de idade inferior. Ao contrário,a introdução de um caráter contributivo deveria respeitar a curva de geração de renda dapopulação, o que levaria a que a curva de contribuições tivesse pagamentos maiores na faixados 40 aos 55 anos. Período no qual a geração de recursos é maior. Ao mesmo tempo, ascontribuições no período de vida depois dos 65 anos, deveriam ser significativamenteinferiores, respeitando a menor capacidade de geração de recursos. Evidentemente, os gastosda fase final seriam enfrentados com os recursos poupados nas fases anteriores.


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 75O segundo grande elemento é, também, um pressuposto para que a fórmula acima citadatenha condições de realização, e diz respeito à percepção, por parte do segurado, de que ele estáconstituindo uma poupança para os gastos com saúde em um prazo amplo. De um lado, énecessário que as entidades ganhem credibilidade, do ponto de vista da solidez das estruturasfinanceiras e gerenciais. De outro lado, como nem isto garante a solvência de entidadesgestoras por décadas, é crucial que uma entidade de suporte ao sistema regulado pelo Estadoseja constituída. O sistema de provisões, já em implementação, mereceria consolidação ecentralização na forma de recolhimentos a um fundo gerido pela <strong>ANS</strong>, para dar suporte àeventualidade de fusões ou operações de salvamento. Evidentemente, os recursos seriamcoletados junto ao próprio sistema.Como já discutido neste documento, a solvência das entidades gestoras de planos eseguros de saúde não é apenas uma questão financeira ou administrativa, mas está referida aorisco inerente às populações beneficiárias, que pode ser alterado drasticamente pela evolução deseus perfis. No caso brasileiro, o pequeno tamanho relativo das clientelas leva a uma agudizaçãodo risco envolvido, o que trabalha no sentido de deteriorar a credibilidade das entidades emparticular e do conjunto do sistema.A redução dos riscos enfrentados pelas entidades gestoras, como acima colocado, impõeque dois movimentos sejam realizados. O primeiro movimento seria a coordenação das atribuiçõespúblicas e privadas no sistema de saúde suplementar, de maneira a absorver de forma claraatribuições que, em geral, acabam sendo desempenhadas pelo Estado, mas que permanecemimersas dentro das obrigações difusas dos planos e seguros para com suas clientelas. Destemodo, agravos de altíssimo custo deveriam ser assumidos pela instituição que tem as condiçõesnaturais de maior diluição de risco, justamente a área pública. Esta seria uma forma de dar maiorconsistência às estruturas de risco e desonerar os cálculos atuariais particulares da incerteza, que ostornam extremamente propensos ao aumento do prêmio de risco. Vale notar que a parcela dosrecursos que hoje são dedutíveis do imposto de renda de empresas e pessoas físicas poderia ser olastro para o funcionamento desta estrutura de gestão de riscos de alto custo.


76 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3O segundo movimento seria a constituição de uma instância de resseguro para executara mesma tarefa de diluição de risco. De larga utilização no capitalismo contemporâneo, as instituiçõesresseguradoras têm justamente a função de adquirir riscos de entidades menores, deforma a dotar o conjunto do sistema de uma taxa de risco mais próxima da que seria a taxade risco da sociedade. Logicamente, os planos e seguros teriam despesas para a compra do resseguro,mas como a efetivação do sinistro traz o retorno dos recursos, o novo esquema seriajustamente uma forma de repassar riscos a um agente que os pode diluir, pelas suas dimensõese pelas populações a que está referido. O efeito para cada uma das entidades seria a queda dosprêmios de risco, gerando uma maior eficiência sistêmica.A introdução do direito à portabilidade compreende, por fim, a definição de condiçõeshomogêneas, para avaliação de planos e seguros diferentes, com o objetivo de delimitar, deforma clara, a operação de transição entre entidades gestoras que está sendo feita e quais as suascondições de realização. É importante ter em conta que o estabelecimento de padrões melhordelimitados para os planos e seguros é uma garantia para o segurado, mas também uma salvaguardapara o sistema na medida em que impede que usuários realizem migrações em condiçõessuperiores aos valores com os quais contribuiu.Sem dúvida, a introdução da portabilidade em um sistema ainda em formação como asaúde suplementar brasileira jamais poderia ser realizada sem níveis importantes de intervençãoestatal, na forma dos postos acima: instituição de resseguros, fundo de provisões, alteração da escalade contribuições por faixa etária, rígidas normas de cálculo atuarial. No entanto, em nada seassemelha a restringir o mercado, apenas faz com que os agentes decisores possam abandonar aluta por clientelas para se fixarem na otimização de suas estruturas de custos e na definição de formaseficientes de atenção à saúde, incluindo estratégias de prevenção e referenciamento. Vale frisar,a portabilidade não pode existir sem que haja um sistema composto de entidades operando demaneira minimamente homogênea, referidas a uma estrutura de suporte solidamente alicerçada.Por fim, há que se pensar como realizar mudanças de tamanha magnitude no sistema desaúde suplementar brasileiro. A chave da questão não está nos direitos das pessoas, embora nãose possa perdê-los de vista. Ao contrário, as alterações aqui brevemente identificadas para a


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 77introdução da portabilidade são os pilares de um novo sistema, com capacidade de crescimento,acumulação de recursos e desenvolvimento muito mais intensos que o atual. Ao mesmotempo, o sistema abandonaria as formas predatórias de concorrência financeira, tão em vogaatualmente, para colocar toda sua capacidade de ação no campo da eficiência gerencial.Tendo isto em conta, e a realidade de que alterações sistêmicas tomam anos de mudançaorganizacional e de percepção da sociedade, seria possível estabelecer uma estratégia de transiçãopara o novo sistema. Primeiramente, teriam que ser montadas as novas estruturas resseguradorase identificados recursos para seu funcionamento, inicialmente sob condições de riscomaior e, por isso, maiores necessidades de intervenção pública. Um segundo passo seria aidentificação de contratos relativamente homogêneos, que pudessem suportar as mudanças.Um terceiro passo seria a definição dos espaços de ação entre a saúde pública e a privada, ondea garantia de atendimento e/ou remuneração ao atendimento prestado no âmbito privado seriao grande chamariz para a adesão de entidades gestoras. Vale ressaltar que a forma que deveriaassumir esta adesão seria o estabelecimento de um selo de portabilidade às entidades gestoras,dando garantias ao cidadão do caráter contributivo e da assistência à saúde no futuro.5. CONCLUSÕESOs elementos postos neste trabalho tentaram demonstrar que a portabilidade não é umaquestão isolada, mas somente pode ser compreendida dentro de um todo sistêmico quecompreende características como a percepção de regime contributivo e a sustentabilidade dasentidades gestoras de saúde privada.A questão da sustentabilidade é de extrema complexidade em qualquer situação, tantopelas condições de administração de risco em populações restritas, quanto pela perversidadedas práticas de mercado em um ambiente com risco agudo e seleções de clientela. Em casos comoo brasileiro, onde características de renda da população e a baixa adesão dos empregadoreslimitam ainda mais o mercado, as debilidades intrínsecas do sistema ficam potencializadas.A introdução da portabilidade no mercado brasileiro não seria possível sem expressivasalterações do sistema de saúde suplementar. Estruturas de diluição de riscos e resseguros teriam


78 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3que ser criadas e mobilizadas para garantir credibilidade no longo prazo. Ao mesmo tempo,fundos de provisionamento teriam que ser centralizados para garantia da solvência no longoprazo de poupanças acumuladas pelos segurados. Mais que tudo, um forte aparato de regulaçãoda relação entre saúde pública e privada teria que ser engendrado para trazer para o nível macroa arbitragem que hoje está sendo realizada pelas unidades hospitalares e pelos planos e seguros.Tal transição, no entanto, coloca-se como uma tarefa crucial do Estado em seu dever deregular o mercado. Ao mesmo tempo, para o setor privado, esta necessidade configura-se comomaneira mais eficaz de fugir ao aprisionamento das formas concorrenciais mais perversas,baseadas na canibalização de clientelas e sustentação de posições atuárias inviáveis. A solução,sem dúvida, reforça a regulação e a intervenção, pelo menos nos primeiros momentos, masfunda um mercado dotado de lógicas concorrenciais novas e de maior dinamismo.6. BIBLIOGRAFIABAHIA, L. “O mercado de planos e seguros de saúde no Brasil” . In: NEGRI, B. & G. GIOVANNI, BrasilRadiografia da Saúde, Campinas, UNICAMP, 2001.BERK, M. L. & A. C. MONHEIT. “The concentration of health expenditures: an up date”. In: HealthAffairs, 11(4), pág. 145 a 149, 1992.BRAGA, J. C. & P. L. B. SILVA, “A mercantilização admissível e as políticas públicas inadiáveis: estruturae dinâmica do setor saúde no Brasil”. In: NEGRI, B. & G. GIOVANNI, op. cit.CUTLER, D. M. & R. J. ZECKHAUSER. “The Anatomy of Health Insurance”, In: CULYER, A. J. & J. P.NEWHAUSE. Handbook of Health Economics, North Holland, pág 563 a 638, 2000.ENSOR, T. & S. WITTER, “Health Economics in Low Income Countries: Adapting to the Reality of theUnofficial Economy”. Health Policy 57, pág. 1 a 13, 2001.FUCHS, V. R., The Future of Health Economics, NBER, Working Paper 7379, 1999.GERDTHAM, U. G. & B. JONSSON, “International Comparisons of Health Expenditure”. In:CULYER, A. J. & J. P. NEWHOUSE, Handbook of Health Economics, North Holland, Amsterdan,pág. 11 a 52, 2000.GETZEN, T. Health Economics: Fundamentals and Flow of Funds. New York, Wiley, 1997.SILVA, H. P. Regulação Econômica no Mercado de Saúde Suplementar no Brasil, Campinas, 2003, mimeo.


Considerações Técnicassobre oInstituto do AgravoDaniela R. F. de Mendonça 11. INTRODUÇÃONos últimos cinco anos, o Brasil vivenciou significativa mudança no seu Sistema de Saúde,principalmente no que tange ao setor privado. As Operadoras de Planos Privados de Saúde,doravante designadas também como OPS, foram obrigadas a passar por um profundoreordenamento em função da regulação de suas atividades. A Lei n o 9.656/98, seus desdobramentosem diversas medidas provisórias e sua regulamentação trouxeram uma novadinâmica às rotinas diárias e aos processos dentro das empresas de planos de saúde.Desde 2000, as OPS estão sob a fiscalização da Agência Nacional de Saúde Suplementar(<strong>ANS</strong>), um órgão regulador e fiscalizador atuante, exigente e determinado. CONSU, DIOPS, SIP,OPS, RDC, RE e muitas outras siglas passaram a fazer parte do cotidiano das Operadoras dePlanos de Saúde em virtude da criação da <strong>ANS</strong>. Além disso, as empresas foram obrigadas aconviver com uma gama de novos profissionais consultores e auditores com os quais nãoestavam inteiradas. Dentre esses, ressalta-se a figura do consultor atuarial, elemento novo e pormuitos desconhecido, porém indispensável à solvência econômico-financeira das operadoras.Apesar de todos os esforços da <strong>ANS</strong> para regular o setor da forma mais concisa possívelmuitos assuntos ainda estão sendo discutidos e sendo implementados gradualmente. Destacaseentre eles o dispositivo do agravo que causou grande polêmica ao ser regulado.|1| Professora da Universidade da Fundação UNIMED.


80 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3Na verdade, apesar de obrigatório desde 1999, o agravo não foi aceito pelo mercadode forma geral. Em março de 2002, a Revista do Consumidor S.A., veículo de comunicaçãodo IDEC, publicou o artigo intitulado “Planos de Saúde – Agravo é Ignorado” denunciandoeste fato.Este estudo se propõe a demonstrar que, fatores como a dificuldade de uma metodologiade cálculo apurada e a omissão da regulamentação quanto aos mecanismos de proteção àsOperadoras, fizeram com que estas considerassem o dispositivo do agravo ofensivo ao equilíbrioeconômico-atuarial da empresa. Assim, o objetivo deste texto é levantar informaçõesnecessárias ao cálculo do “agravo” e ainda tecer comentários técnicos acerca dos possíveis riscosao equilíbrio que a operadora é exposta ao cobrir doenças e lesões preexistentes à data de contrataçãodo plano.Todos os valores apresentados no decorrer desta peça, são meramente especulativos, eportanto não refletem a realidade da base de dados das OPS.2. DEFINIÇÕES E PECULIARIDADESA exclusão de cobertura às doenças e lesões preexistentes à data de contratação dosprodutos de saúde suplementar é vetada, pela Lei n o 9.656/98 em seu artigo 11, após 24 meses devigência do instrumento contratual pactuado entre a Operadora de Plano de Saúde e o consumidor.No entanto, as Resoluções CONSU n os 02/98, 15/99 e 17/99 prevêem o oferecimento deagravo como alternativa para o atendimento imediato desta cobertura.Para podermos entender o conceito de agravo é necessário, inicialmente, conhecer asdefinições e algumas peculiaridades dos dispositivos ligados diretamente a ele. Para efeito destetrabalho as definições aqui encontradas, foram extraídas da regulamentação da Lei n o 9.656/98e das Resoluções CONSU n os 02/98 , 15/99 e 17/99.Doenças ou Lesões Preexistentes (DLP) – são aquelas que o consumidor ou seuresponsável, saiba ser portador ou sofredor, à época da contratação de planos ou segurosprivados de assistência à saúde. A preexistência deverá ser informada, pelo consumidor ou res-


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 81ponsável, quando expressamente solicitado na documentação, na declaração de saúde anexa aocontrato. Havendo suspeita por parte da operadora de omissão de informações nopreenchimento da declaração, cabe a ela o ônus da prova e da demonstração do conhecimentoprévio do consumidor ou beneficiário. Durante o processo fica vedada a suspensão da assistênciaà saúde do consumidor ou beneficiário, titular ou dependente, até que a operadora provea tentativa de fraude.Cobertura Parcial Temporária (CPT) – é aquela que admite em um prazo determinadoa suspensão da cobertura de eventos cirúrgicos, leitos de alta tecnologia e procedimentos de altacomplexidade, relacionados às exclusões estabelecidas em contrato e relativas às alíneas abaixo,cumulativamente ou não:a. quaisquer doenças específicas;b. coberturas previstas nos artigos 10 e 12 da Lei n. o 9.656/98, referentes respectivamentea instituição do Plano Referência e a segmentação mínima, conforme regulamentaçõesespecíficas;c. doenças e lesões preexistentes.Para as doenças e lesões preexistentes o prazo máximo, no qual os eventos ligadosdiretamente à patologia declarada estarão suspensos, é de 24 (vinte e quatro) meses.Agravo é definido como “qualquer acréscimo no valor da contraprestação paga ao planoou seguro de saúde”.Apesar da definição estar incompleta, o objetivo do agravo é, unicamente, oferecer umaopção ao usuário que necessita de atendimento emergencial imediato ou eletivo logo após ocumprimento do tempo de carência para sua doença ou lesão preexistente à época da assinaturado contrato. Para apuração e aplicação do dispositivo, entretanto, seria necessário definir aindauma série de pontos acerca do agravo, tais como:a possibilidade da cobrança diferenciada do agravo por idade, por patologia, tempode evolução da doença, sexo etc.;prazo para apresentação da taxa de agravo do beneficiário, uma vez que poderá sernecessário analisar o caso específico;


82 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3prazo de vigência do agravo;forma de diluição do impacto econômico-financeiro pelo universo de consumidores.A regulamentação prevê também que os eventos inerentes à patologia preexistentes aserem contemplados no cálculo do dispositivo são somente aqueles que requeiram eventocirúrgico, e/ou uso de leitos de alta tecnologia, e/ou procedimentos de alta complexidade,exclusivamente relacionados à patologia e deverá ser oferecido como alternativa à coberturaparcial temporária, obrigatoriamente, para todos os novos contratos de todos os planos deassistência à saúde em operação a partir de 3 de dezembro de 1999. Portanto, os normativosvetam a negativa e sobretaxa aos demais eventos que, embora não sejam tão onerosos, são dealta freqüência, podendo vir a desequilibrar o plano.3. ANÁLISE TÉCNICADa mesma forma que o item anterior, para analisar o agravo deve-se, inicialmente,analisar o evento gerador do dispositivo, ou seja, a cobertura de doenças e lesões preexistentes.A história no setor de saúde suplementar no Brasil, não foi a das mais exemplares.Irregularmente, as operadoras criavam mecanismos de comercialização que nem semprecondiziam com a boa técnica, iniciando um processo de concorrência predatória no mercadode saúde. Freqüentemente, eram observados contratos que possuíam diversas cláusulas exclusóriasde procedimentos e doenças, além de limitação quantitativa dos procedimentos.Mesmo após a regulamentação, muitos destes contratos continuam em vigor mantendo amaioria de suas características iniciais.Entre os diversos erros cometidos àquela época está o oferecimento de coberturas àsdoenças e lesões preexistentes para os Planos ditos coletivos, sem qualquer estudo prévio deviabilidade. Atualmente, por força da regulamentação, para os contratos coletivos com númerode usuários superior a 50 (cinqüenta), as operadoras são obrigadas a fornecer compulsoriamentea garantia de preexistência de forma imediata. Já nos contratos coletivos, comnúmeros de usuários inferior a 50 (cinqüenta), poderá haver cláusulas de agravo e de CPT.


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 83Tecnicamente a carteira de maior preocupação é a de planos individuais e familiares,pois diferentemente dos planos coletivos não há massa suficiente para diluir o risco, e aindao reajuste destes planos é limitado ao percentual aprovado pela <strong>ANS</strong>.Medidas, tais como a limitação do número de vidas para o oferecimento do agravoe/ou CPT e do percentual de reajuste, nem sempre demonstram embasamento técnico. Obenefício de saúde envolve uma grande polêmica social e existe uma tendência natural dediferenciá-lo dos demais riscos. No entanto, a operação no ramo saúde em si se caracterizacomo risco segurável e não como mera prestação de serviço.Contudo, para ser risco segurável toda garantia inerente ao Plano deverá cumprir assete condições de segurabilidade:1.Ser Possível;2.Ser Futuro;3.Ser Incerto;4.Ser Independente da Vontade das Partes Contratantes;5.Ser Causador de um Prejuízo de Ordem Econômica;6.Ser Quantitativamente Mensurável, e;7. Ser Homogêneo e Não Catastrófico.Fazendo uma análise superficial, pode-se observar que a garantia sobre as doençase as lesões preexistentes fere a maioria das condições supracitadas.Não se nega, entretanto, que apesar da preexistência não se caracterizar como umrisco segurável ela representa um risco financeiro para as OPS. Para o caso específico, o atuárioé o profissional mais adequado para mensurar e administrar tal risco, uma vez que a profissãoexige conhecimentos em teorias e aplicações matemáticas, estatísticas, econômicas,probabilísticas e financeiras, transformando-o em verdadeiro arquiteto financeiro e matemáticosocial capaz de analisar concomitantemente as mudanças financeiras e sociais no mundo.É notório que uma expressiva parcela do mercado operador até meados de 1994 giravaem função de sua situação financeira. O equilíbrio da carteira era alcançado em função dainflação em níveis elevados, através de investimentos e de prazos que a operadora obtinha entre


84 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3a captação da contraprestação pecuniária e do pagamento aos prestadores. Neste sentido, asoperadoras preteriram o acompanhamento técnico da carteira, à excitante e compensadoraciranda financeira que trazia resultados imediatos, o que com a queda do processo inflacionáriopassou a não ser tão atraente. Assim, a partir deste momento as OPS teriam maior preocupaçãocom uma tarifação técnica, elaborada por profissionais capacitados de forma a manter seuequilíbrio econômico-financeiro.Ainda dentro deste contexto, a <strong>ANS</strong> por meio da RDC n o 28/00 complementadaposteriormente pela IN n o 08/02, determinou a elaboração de Nota Técnica de Registro deproduto, o que forçosamente fez com que os planos adaptados à Lei n o 9.656/98 fossematuarialmente tarifados. Porém, a verdade do mercado de saúde é que, somente após o ano de2000 as Operadoras começaram a se preocupar com informações necessárias à tarifação porpuro desconhecimento técnico da atividade.Ultrapassado o acima dito, voltemos agora, ao cerne da análise técnica do agravo.Para estabelecer o cálculo do agravo faz-se necessária a utilização de um Banco de Dadosconsistente em tempo, quantidade e qualidade das informações. Apesar das Operadoraspossuírem Bancos de Dados com informações resultantes da prestação de serviços eles não sãoapropriados para serem utilizados neste cálculo específico, pois as Operadoras não têm acessoao CID (Classificação Internacional de Doenças), informação crucial para a mensuração dorisco por patologia.Isso ocorre em função do Conselho Federal de Medicina que através da ResoluçãoCFM n o 1.401/93, apesar de suspensa por liminar, mas praticadas pelos Conselhos Regionais,veta à operadora de planos de saúde, contratante da prestação de serviços médicos, estabelecerqualquer exigência que implique na revelação de diagnósticos e fatos de que o médicotenha conhecimento, devido ao exercício profissional, atribuindo punição ao Diretor Médicoda Operadora. Assim, os Bancos de Dados possuem informações referentes a procedimentosmédicos que podem ser os mesmos para diferentes doenças. Por exemplo: a realização de umaultra-sonografia em um usuário do sexo feminino poderá revelar uma possível gravidez, oupoderá revelar um possível mioma, ou ainda qualquer outra doença que necessite ser investigada.


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 85A Operadora fica, desta forma, impossibilitada de atribuir em seu Banco de Dados a patologiaque afeta seu usuário.Apesar da operação de Planos de Saúde no Brasil ser relativamente nova, e como todaatividade em processo de estabilização, ainda é desprovida de técnicas apuradas. Outras fontesde conhecimentos necessários para os estudos técnicos foram implementados pela própria <strong>ANS</strong>,quando da obrigatoriedade do preenchimento de relatórios como o SIP, DIOPS, Nota TécnicaAtuarial, dentre outros instrumentos. No entanto, outros relatórios de suma importânciasão negligenciados pelo mercado, como por exemplo o relatório de acompanhamento das respostasda Declaração de Saúde.Diferentemente de outros ramos, o ramo saúde ainda possui poucas variáveis para atarifação. Em um seguro de automóveis no Brasil, por exemplo, leva-se em consideração idade,sexo, estado civil, cuidados com o carro etc. Já no ramo saúde a única variável adotada é a idade,sendo que, o perfil do proponente não afeta o valor final da contraprestação. Apesar de estar mereferindo a mensuração da contraprestação em si, as informações da declaração seriam degrande valia também para estabelecer taxas de agravo ou desconto da mensalidade paga pelousuário de acordo com seu perfil.Outro ponto de relevância sobre as informações contidas nas declarações, é que estasseriam úteis também para mensurar probabilidades conjuntas e suas expectativas de ocorrência.É fato que o custo e a probabilidade de ocorrência do evento em um indivíduo que possua umapreexistência cardíaca são inferiores as daquele que possua a mesma patologia e ainda diabetes.Uma outra preocupação durante a mensuração do agravo é a dinâmica não somente daregulamentação, como também da própria ciência médica. Até a nona revisão do CID, qualquermudança a ser efetuada na Classificação, seja por erro, por identificação de nova doença ouagentes, só poderia ser feita no momento de uma nova revisão que acontecia, geralmente a cadadez anos. A partir de 1993, data da última revisão, ficou definido que poderiam haver atualizaçõesperiódicas, entre as revisões e foi definida uma regularidade para essas atualizações. Assim, o rolde procedimentos exigidos por lei pode ser alterado a qualquer momento, o que exigiria revisõesnos cálculos a cada modificação.


86 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3Deve-se considerar também que as Resoluções publicadas pela <strong>ANS</strong> ou pelo CONSUprevêem que basta ser portador de DLP para se tornar elegível ao agravo. Desta forma, osproponentes que necessitam utilizar os procedimentos em curto prazo tenderão a optar peloagravo, havendo uma forte expectativa de anti-seleção, principalmente no que diz respeito aoproduto individual.Pode-se traçar alguns cenários no caso de doença preexistente à contratação do plano:Situação – Seja um usuário sabedor de uma doença decide por contratar um plano juntoa uma operadora e que tenha optado pelo pagamento de agravo.Hipótese 1 –o paciente cancela o Plano logo após o término do tratamento, neste casohá uma probabilidade elevada da Operadora arcar com grande partedo custo deste tratamento sem reciprocidade;Hipótese 2 –ele pode vir a falecer afinal ele é um indivíduo enfermo, cuja probabilidadede morte é mais elevada que a normal, ouHipótese 3 –ficar no plano por um período indeterminado, neste caso, é incerta aocorrência de eventos futuros em se tratando de diversas possibilidadesque poderão ocorrer, pois o paciente poderá submeter-se a umtratamento e curar-se ou necessitar permanentemente de tratamentoou ainda de acompanhamento clínico.Qualquer um dos três cenários acima descritos gera uma incerteza muito grande paraa Operadora, uma vez que a regulamentação é omissa quanto às obrigações do usuário contratantedo dispositivo de agravo.Observe-se ainda que na hipótese 1 e 2 não há garantia da permanência do usuário noplano por um período mínimo. Supondo que um beneficiário contrate um plano para realizaruma cirurgia de transplante renal, ele poderá realizar a cirurgia e no mês seguinte cancelar oplano, ou vir a falecer. Neste caso, não haverá tempo suficiente para cobrir a diluição do custodo tratamento proposto na tarifação.


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 87Quanto às exigências mínimas para cálculo do agravo, estabelecidas na ResoluçãoCONSU n o 17, é muito preocupante a alínea d do artigo 2 o , cujo texto estabelece que o cálculo doagravo deve ser diluído pelo universo de consumidores assistidos pelo plano ou seguro deassistência à saúde. Esta premissa contradiz qualquer hipótese metodológica que possa vir aser aplicada no cálculo do agravo, já que as metodologias possíveis prevêem que a diluiçãoseja feita entre os indivíduos portadores da DLP específica.Os beneficiários de uma operadora em que houve um ingresso significativo de beneficiáriosportadores de DLP e que tenham optado pelo agravo serão penalizados quando dadiluição da taxa de agravo. Há ainda a necessidade de serem normalizadas as regras no que dizrespeito ao percentual e à forma que este custo deverá ser diluído na massa.Para melhor caracterizar o que este fato representa, observemos o seguinte exemplohipotético. Suponhamos que, em um grupo de 100 mil vidas tivéssemos a seguinte incidênciaestatística para doenças e lesões preexistentes.PatologiaN o usuáriosCusto per capitaProbTotalCardiologiaT. RenalDiabetesOutros500040700010000R$ 12.000,00R$ 40.000,00R$ 3.000,00R$ 2.000,0040%80%30%50%R$ 24.000.000,00R$ 1.280.000,00R$ 6.300.000,00R$ 10.000.000,00Total22040R$ 41.580.000,00Onde:N o de usuários – Usuários portadores de doença ou lesão preexistente na época dacontratação do Plano;Custo per capita – Custo médio per capita esperado durante 24 meses iniciais do contrato;Prob – Probabilidade de o evento ligado à patologia preexistente ocorrer nos dois próximosanos; e,Total – Custo total esperado gerado pelos usuários portadores de doença ou lesãopreexistente.


88 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3Para efeito do cálculo final do agravo considerei ainda que o índice de rotatividade seráde dois anos e a seguinte formulação:Custo Agravo 12 =Total / Irnonde:Custo.Agravo 12 – Custo assistencial do agravo mensal;Ir – Índice de rotatividaden – número total de usuários da carteira.Fazendo as devidas substituições numéricas teremos:Custo Agravo 12 = 41580000 / 24100000= R$17,33Considerando o valor calculado, faz-se uma simples prova real. No entanto, deve-selembrar que a opção do agravo é do consumidor e só estará sujeito a ele aquele que possuirdoença ou lesão preexistente. Portanto, compradores efetivos do agravo serão apenas 22.040usuários.Total = Custo Agravo 12* Ir * n’ . . . Total = R$9.166.876,80onde:n’ – número de usuários portadores de doenças e lesões preexistentes.Conclui-se que: para a Operadora que possui este perfil, a garantia do agravo geraráuma perda na ordem de R$ 32.413.123,20, nos dois próximos anos. Obviamente, este valor serárepassado integralmente a futuros consumidores desta OPS, de forma a minimizar os“prejuízos” futuros, onerando compulsoriamente todos os novos usuários independente delespossuírem ou não DLP.


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 89Outra observação de ordem técnica relevante é a falta de regulamentação dasrevisões técnicas e financeiras para o dispositivo em si. A atual RN n o 19/02, em vigor, dispõeapenas sobre a regulação da revisão técnica dos Planos comercializados antes de 1 o de janeiro de1999, que por conseqüência não possuíam agravo. Portanto, faz-se necessária regulamentaçãodeste ponto.Para finalizar, comento ainda que o mercado de saúde utiliza o termo “valor do agravo”,enquanto o correto seria “taxa de agravo”. O agravo deve ser uma mensuração atuarial de formaa preservar a regulamentação que veta a utilização deste como forma de financiamentoindividual de doenças.4. METODOLOGIA DE CÁLCULO4.1. PremissasPara optar por um critério de cálculo para o dispositivo de agravo deve-se, inicialmente,estabelecer as condições que deverão ser respeitadas durante o processo de tarifação.Entende-se que, o agravo deve corresponder ao valor a ser utilizado pelo indivíduo queoptou pela Cobertura Parcial Temporária, ou seja, deve-se estabelecer um teto de custo, porpatologia preexistente, que seria utilizado pelo usuário caso este estivesse coberto no decorrerdos 24 (vinte e quatro) meses iniciais do contrato.Devemos considerar ainda as seguintes hipóteses:Os Bancos de Dados das Operadoras possuírem o campo CID preenchido por procedimentorealizado;Mensuração das probabilidades de ocorrências de procedimentos que pertencemao rol exigido pela <strong>ANS</strong>, decorrentes de Patologias preexistentes de forma individualou conjunta;Prévia definição do período de revisão do rol de procedimentos;Tarifação pontual por patologia;


90 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3Número de expostos consistente por patologia;Diluição do custo pelos indivíduos que possuam a mesma patologia de formapreexistente;Obrigatoriedade da responsabilidade atuarial para este cálculo no formato deNota Técnica Atuarial de Agravo.Considerando que todas as hipóteses acima fossem verdadeiras, pode-se agora estabeleceras variáveis a serem analisadas para a tarifação.4.2. Critérios de seleção das variáveisA seleção das variáveis relevantes no processo de tarifação deve seguir os seguintescritérios: Atuarial, Social, Operacional e Legal.Critérios Atuariais: Na escolha das variáveis a serem analisadas deve-se observar, deforma conjunta, a acurácia, a homogeneidade, a credibilidade e, por fim, a confiabilidade.O atuário selecionará aquelas variáveis que produzam preço justo e aomesmo tempo competitivo, com esperança de custos homogêneos do grupo em análise,com leque de informações suficientemente grande para embasar as estatísticasutilizadas no cálculo e que produzam uma uniformidade de custos através do tempo.


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 91Critérios Sociais: As condições sociais também devem ser observadas na escolha dasvariáveis. Os proponentes freqüentemente relutam em colocar a disposição informaçõesde cunho pessoal, o que pode dificultar e muito a mensuração da variávelproposta.Critérios Operacionais: As variáveis devem ser selecionadas de forma a minimizarerros administrativos. Algumas variáveis podem ter acurácia, mas não são práticas.Exemplificando, do ponto de vista do ramo saúde, é notório que o nível socioeconômicodo segurado eleva seu custo. No entanto esta variável é de difícil mensuração.Evita-se, portanto, variáveis subjetivas.Critérios Legais: Deve-se considerar também, as imposições das Leis em vigor esuas regulamentações.4.3. Método de cálculoPara cálculo do agravo escolhi várias metodologias atuariais e estatísticas que serãocombinadas para dar forma a esta difícil missão.Teoria da TarifaçãoComo dito anteriormente, o agravo deverá ser uma mensuração atuarial que preserve aregulamentação que veda a utilização deste como forma de financiamento individual de doenças,propondo para ele o formato de taxa e não de valor. Utilizando este conceito, o agravo poderáser estabelecido com valores diferenciados também por faixa etária.Pela Teoria da Tarifação, a taxa de agravo será dada por:Tx de Agravo = SMn*P(B|An)onde:SMn = Severidade média por classe;P(B|An) = probabilidade de um tratamento nos 24 meses após assinatura do contrato dadoque o indivíduo possua uma patologia alocada na classe n.


92 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3Deve-se, portanto, direcionar todo o raciocínio de forma a chegar nas variáveisnecessárias para que se possa substituí-las na fórmula acima.A severidade (S) é definida como o custo médio do tratamento dos 24 (vinte e quatro)meses subseqüentes à assinatura do contrato de pessoas que possuam DLP.Dando continuidade, estabelece classes de severidade em função da contraprestaçãopecuniária média, nas quais alocaremos cada indivíduo de acordo com sua DLP. Para tal,necessita-se das seguintes formulações:C ONTRAPRESTAÇÃO PECUNIÁRIA MÉDIA PMP m=kS n i* Pi=1 ikS ni=1onde:i = Número de faixas etárias do contrato, i = 1, 2,...,k.;P i= Contraprestação Pecuniária em cada faixa etária;n i= Número de usuários por faixa etária.S EVERIDADE POR PATOLO GIA (ST)S T= C tn tonde:C t= Somatório dos custos gerados por todos os usuários que possuem a patologia tpreexistente, nos 24 (vinte e quatro) meses subseqüentes à assinatura do contrato;n t= Número de usuários que possuem a patologia t preexistente, nos 24 (vinte e quatro)meses subseqüentes à assinatura do contrato.


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 93Agora, indicar-se a Severidade por Patologia em função de Pm – S’ t, então teremos:S’t = S’ tP mIniciando o processo de alocação dos usuários nas classes de Severidade define-sealeatoriamente, conforme abaixo.Classe12345Severidade(em múltiplos de P m)0 – 5050,01 – 100100,01 – 200200,01 – 400Mais que 400,01Utilizando-me das formulações acima estipuladas, pode-se agora alocar cada patologiaem suas referidas classes.PatologiaCardiológica ModeradaTransplante Renal...tClasse23...1Aqui se fazem necessárias duas observações importantes:Dentro da mesma patologia existem diferentes classes de severidade em função do estadode saúde do usuário. No momento da alocação, deve-se considerar também esta variávelsubdividindo cada DLP, que possua grandes variações de Severidade em leve, moderada e grave.Outro cuidado necessário é identificar os usuários que possuam duas ou mais patologiaspreexistentes, pois este fato não significa necessariamente que o indivíduo gerará uma severidade


94 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3igual a soma das severidades de cada preexistência. Neste caso específico, a união de DLP em ummesmo usuário deverá ser encarada como se fosse uma nova patologia a ser alocada.Com todas as patologias definidas em classes, pode-se calcular a severidade média decada classe n (SM n) por média aritmética.SM n=S S’ tnúmero de tratamentos realizadosAgora, distribui-se os usuários portadores de DLP nas classes. Para facilitar amensuração das probabilidades separa-se, a priori, os usuários que necessitam e não necessitamde tratamento nos 24 (vinte e quatro) meses subseqüentes à assinatura do contrato.ClasseUsuários trat Usuários N trat Total12345TotalX1X2X3X4X5X1+...+X5Y1Y2Y3Y4Y5Y1+...+Y5X1+Y1X2+Y2X3+Y3X4+Y4X5+Y5(X1+Y1)+...+(X5+Y5)Dentre os usuários que possuem DLP, calcula-se a probabilidade de usuários emcada classe – P(A n).número de usuários da classe nP (A n) = número de usuários com DLPCalcula-se, também, a probabilidade de um usuário que possua DLP, gerar tratamentonos 24 (vinte e quatro) meses subseqüentes à assinatura do contrato – P(B).P (B) =número de usuários com DLP que geraram tratamentonúmero de usuários com DLP


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 95Definidas as probabilidades acima, determina-se que:uP (B|A n) = P (B A n )P (A n)=S n o de usuários d tratados em nS n o de usuários em nP (A n)Lembrando que a taxa de agravo foi definida como:Tx de Agravo = SMn*P(B|An)Uma vez que se encontra toda a formulação necessária para a mensuração das duasvariáveis, bastaria agora aplicar as informações contidas nos Bancos de dados das OPS.A Teoria da Tarifação poderia ser utilizada de forma exclusiva caso houvesse banco dedados com informações suficientes para embasar tecnicamente as probabilidades formuladasacima. Contudo, de acordo com o site da <strong>ANS</strong>, a grande maioria dos Planos de saúde possuemnúmero de usuários inferior a 10 mil. Quando distribuir estes usuários por patologiapreexistente e classes, como sugerido anteriormente, por muitas vezes, não teremos vidassuficientes para determinar cada uma das probabilidades.Para tentar minimizar o problema existe uma metodologia atuarial capaz de combinardiversos estimadores de forma a produzir um novo estimador, que pondere todas asinformações contidas nos anteriores. Esta metodologia é denominada Teoria da Credibilidade.Fórmula Básica:C = Z x A +(1-Z) x B.onde:Z = Fator de Credibilidade;C = Estimador final;A e B = Estimadores iniciais.


96 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3Propõe-se calcular a taxa de agravo total e que através dessa e de cada taxa de agravoestimada por classe gerar uma nova taxa por classe mais consistente a ser finalmente aplicada.Para tanto, aplica-se o conceito da credibilidade de maior exatidão, cujo objetivo é minimizar oerro quadrático da estimação.Modelo:Define-se X jscomo a variável referente a taxa de agravo para cada j-ésima apólice e s-ésimo tempo analisados, constante (q) e derivados de uma mesma distribuição p(q).Neste caso específico, Z deverá ser calculado da seguinte forma:onde:n = período em análise;s 2 = E[Var[X is|q]];t 2 = Var[X is|q].Z =t 2 * nS 2 + t 2 * nAdaptando a formulação básica da credibilidade para o tópico em questão, teremos:onde:A = Taxa de agravo total;A i= Taxa de agravo por classe; i= Taxa de agravo estimada por classe. i= Z * A + (1 - Z)* AiFinalmente, tem-se que, a contraprestação por faixa etária já agravada (Cp i) será:Cp i= P i*  i


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 974.4. ReavaliaçãoA cobertura para doenças preexistentes é uma garantia inovadora, em função disto háque se enfrentar algumas dificuldades que estão por vir: Deverão ser criadas rotinas para que osprestadores notifiquem o CID às operadoras, deverá haver prazo para as operadoras adequaremseus sistemas para receberem estas informações e, além disso, os Bancos de Dados levarãoainda muitos anos para se consolidarem, a partir da data de implementação do campo CID.Assim, a metodologia sugerida poderá ou não se confirmar no decorrer do tempo através dasestatísticas efetivamente observadas. Portanto, é necessário estabelecer o planejamento de revisõesperiódicas de metanálise – revisão sistemática que se utiliza de métodos estatísticos paraintegrar resultados com o intuito de evitar tendenciosidade nos estudos – com objetivo de tabelar,analisar e interpretar os dados observados, gerando um relatório final que aferirá ametodologia aplicada ou recomendará novo modelo.4.5. Resseguro: Stop LossDeve-se ainda ser ressaltado que as operadoras de pequeno e médio portes, além dasdificuldades apresentadas neste estudo, enfrentam outras em função de sua estrutura. Pode-sedestacar que a aceitação de um beneficiário com doença preexistente poderá desequilibrar aoperação como um todo, esta operadora levará um longo tempo, que dificilmente há comose estimar, para construir um banco de dados sólido de doenças preexistentes. Para contornartal situação, teríamos como subterfúgio a contratação de retentores de risco em saúde comoo Stop Loss.O modelo de Stop Loss pode ser estruturado em duas modalidades:


98 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 34.5.1. Cobertura por pessoa por eventoEsta modalidade dá a empresa que assume o primeiro risco a garantia de que um eventomédico terá seu custo limitado a um valor pré-definido. Os resseguradores cobrem o custodo excesso.EXEMPLO GRÁFICO4.5.2. Cobertura por pessoa anoA cobertura por pessoa ano funciona com a mesma lógica da cobertura por evento. Adiferença está no fato de que esse produto protege o segurado de incorrer em altos custos como pagamento de serviços médico-hospitalares em nível individual acumulado durante o períodode um ano.Na prática, o ideal seria facilitar a contratação de resseguro para a Operadora, limitandoa oscilação de risco gerada pelo dispositivo. Contudo, o modelo de resseguro é muitooneroso para as Operadoras de Planos de Saúde uma vez que, a aquisição deste implica emcorretagem, taxa administrativa da Seguradora de front, taxa do IRB e, finalmente, o custo doresseguro em si.No entanto, quanto menor for a operadora e até mesmo quanto menos informações elapossuir mais caro será este seguro. Há a opção de se fazer um pool de operadoras para contrataro resseguro ou de tornar o resseguro obrigatório, massificando-o rapidamente de forma a diluiro risco. Esta última opção possivelmente não será atrativa para as operadoras de grande porte,pois estas têm como assumir o risco isolado.


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 99Duas foram as tentativas para estimular a prática de resseguro saúde no Brasil. Aprimeira foi da Superintendência de Seguros Privados (SUSEP), que enquanto provisoriamenteregulava e fiscalizava o mercado de Operadoras de Planos de Saúde, sugeriu em minuta deresolução, que sequer chegou a ser publicada, a contratação de resseguro em substituição aconstituição da provisão de Oscilação de Risco. A segunda partiu da própria <strong>ANS</strong>, que tentouestabelecer regras similares às das Seguradoras através da MP 43 exclusivamente para oresseguro, ou seja, a Operadora poderia adquirir o produto diretamente no IRB, inibindoalgumas taxas que incidiam sobre o custo final, tornando viável o resseguro para as operadoras.Contudo, esta MP foi revogada pela MP 44 e o mercado ressegurador, por não conseguir massasuficiente no Brasil, se recolheu.CONCLUSÃOA realização desta pesquisa foi extremamente trabalhosa, uma vez que o agravo é frutoda necessidade Brasileira de suprir a deficiência em seu sistema de saúde público, não havendodispositivo similar em qualquer lugar do mundo. Desta forma, não existe literatura específicadisponível para consulta.De todos os pontos abordados no decorrer desta peça o que mais inviabiliza a práticado agravo é a deficiência dos Bancos de Dados das Operadoras em função do desconhecimentodo CID.Como dito, as operadoras somente possuem informações acerca de freqüência e custosde doença ou lesão preexistente dos beneficiários que se declararam possuidores na data dacontratação. No entanto, com as restrições de informação atualmente existentes, impostas pelosConselhos de Medicina, dificilmente as operadoras já contam com uma base capaz desubsidiar o cálculo desta taxa.No decorrer de todo o processo de regulamentação algumas alternativas, para suprira deficiência de dados, foram sugeridas como base de dados:


100 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3Base nos beneficiários que optaram por Cobertura Parcial Temporária;Base no banco de dados do Sistema Único de Saúde.Entende-se não ser uma boa aproximação tarifar o agravo com base nos beneficiáriosque optaram por Cobertura Parcial Temporária, já que nestes casos não se observa o efeito dademanda reprimida, certamente os beneficiários que optam pelo pagamento do agravo são osque têm a intenção de fazer uso da cobertura imediatamente.Por outro lado, os usuários do SUS estão expostos a riscos diferentes do que usuáriosde planos de saúde tento em vista a diferença do nível socioeconômico entre eles. Este fatoinviabilizaria também a utilização do banco de dados provido pelo SUS.Além disso, deve-se lembrar outros pontos de extrema importância para o cálculo dodispositivo que ainda não foram regulamentados ou estão omissos, tais como:prévia definição do critério de revisão técnica para o agravo;a possibilidade da cobrança diferenciada do agravo por idade, por patologia, tempode evolução da doença, sexo etc.;prazo para apresentação da taxa de agravo do beneficiário, uma vez que poderá sernecessário analisar o caso específico;prazo de vigência do agravo;forma de diluição do impacto econômico-financeiro pelo universo de consumidores.Conclui-se finalmente que o dispositivo analisado é, neste momento, ofensivo aoequilíbrio econômico – atuarial das OPS por não possuir base adequada de cálculo.


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 101REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICASLeisLei n o 9.656/98.Lei n o 9.961/00.Resoluções CONSU n o 02/98, 15/99 e 17/99.Resolução CFM n o 1.401/93.Health Insurance Portability and Accountability Act – 1996.ArtigosRevista Consumidor SA – Matéria “Planos de Saúde – Agravo é Ignorado” – mar/2002.Revista Medicina Social – Matéria “Desagravo à Instituição do Agravo” – jul/2002.ParecerParecer técnico-atuarial sobre o dispositivo de agravo incidente na cobertura de lesões e doençaspreexistentes do Instituto Brasileiro de AtuáriaLivrosFERREIRA, Weber José – Coleção a Ciência Atuarial – IRB – 1985.BROWES, Newton L. – Actuarial Mathematics – SOA – 1997.BUSSAB, Wilton – Estatística Básica – Atual Ed. – 1987.CAS, Grupo de Estudo – Foundations of Casualty Actuarial Science – CAS – 1996.PEREIRA, Fernanda – Teoria da Credibilidade: Uma abordagem integrada Funenseg – 1998.Sítioswww.metodologia.orgwww.actuaries.orgwww.ans.gov.br


A Relação Entre as Operadoras de Planosde Saúde e os Prestadores de Serviços –um novo relacionamento estratégicoAlceu Alves da Silva 1Certa vez Albert Einstein entregou à secretária umaprova a ser distribuída entre seus alunos da pósgraduação.A secretária passou os olhos pelo papel equestionou: “Mas professor Einstein, essas são asmesmas perguntas do ano passado. Será que os alunosjá não sabem as respostas? Tudo bem respondeu omestre, as perguntas são as mesmas, mas as respostassão diferentes”.Hammer, 2002INTRODUÇÃOAo estudarmos a relação entre Operadoras de Planos de Saúde e Prestadores deServiços, na verdade, estamos analisando o fulcro do maior objetivo desejado pelo cliente aosubscrever um plano de saúde: a segurança de ter acesso aos serviços de saúde. Portanto, oplano de saúde é meio e o serviço de saúde é fim.As características do sistema de saúde brasileiro, estabelecidas pelas mudanças nocenário macroeconômico e social da saúde, certamente se constituem em um pano de fundo,onde Operadoras e Prestadores de Serviços de Saúde deverão travar, lado a lado e em conjunto,uma grande batalha. É muito provável que se esteja no limiar de enfrentamento dosgrandes desafios: encontrar formas de relacionamento que garantam o foco na saúde e nãona doença, a qualidade da assistência ditada pela prática da boa medicina, os custos com-|1| Diretor Administrativo do Hospital Mãe de Deus, Prof. do Instituto de Administração Hospitalar eCiências da Saúde, Prof. da Unisinos, Prof. Universidade Federal do RS e ex-chefe de Gabinete do Ministrode Estado da Saúde.


104 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3patíveis, a satisfação dos usuários e a lucratividade necessária ao desenvolvimento e aocrescimento do setor.O cenário e suas variáveis já estão apresentados. Tudo indica que o momento chegou.O posicionamento, que urge ser definido para que se modifique o relacionamento atual entreOperadoras de Planos de Saúde e Prestadores de Serviços, é se “vamos construir pontes ou muros”.Este novo relacionamento, no entanto, não nascerá pronto. Será necessário construílona cumplicidade dos objetivos, na capacidade de perceber as oportunidades em ummercado com indicativos consistentes de transformações radicais. Progressivamente,algumas parcerias e negociações irão mostrar-se mais frutíferas e abrirão caminhos paraoutras, reproduzindo e aprimorando os métodos e os avanços indispensáveis.Este estudo técnico, além de contribuir para as discussões temáticas do Fórum deSaúde Suplementar, promovido pelo Ministério da Saúde, pela Agência Nacional de SaúdeSuplementar – <strong>ANS</strong> e pelo Conselho Nacional de Saúde, tem a finalidade de contextualizaras lógicas que alimentam e sustentam a relação entre Operadoras de Planos de Saúde ePrestadores de Serviços e, a partir da compreensão, apontar e analisar caminhos que possamser valorizados na construção de um novo e estratégico relacionamento.Em uma perspectiva ampliada, espera-se que esse estudo possa estar contribuindopara que os usuários tenham fortalecidas as suas garantias de acesso e de qualidade dosserviços de saúde, como conseqüência de uma maior consistência nas relações entreOperadoras de Planos de Saúde e Prestadores de Serviços.Um breve relato das relações entre os Agentesdo Sistema de Saúde SuplementarAs Operadoras de Planos de Saúde, é preciso considerar e registrar, a partir de umavisão empreendedora e extremamente arrojada, ao longo do seu processo de evoluçãoprestaram e prestam um grande serviço à população brasileira, possibilitando o seu acessoaos serviços de saúde. Em especial porque ocuparam uma fatia enorme do espaço deixadopela ineficiência, pela ausência efetiva de determinação política e pela incapacidade definanciamento do setor público.


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 105Nos anos 80, havia cerca de 15 milhões de clientes dos planos de saúde, excetuandoseos de planos próprios, registrados pela Associação Brasileira de Medicina de Grupo –Abramge e pela Federação das Unimeds. Esses números revelavam a consolidação dasempresas de planos de saúde como alternativas assistenciais para os trabalhadoresespecializados da Região Sudeste.Ao mesmo tempo, houve a intensificação da comercialização de planos individuais,a entrada decisiva de grandes seguradoras no ramo da saúde, a adesão de novos grupos detrabalhadores à assistência médica supletiva – em particular, funcionários públicos daadministração direta, das autarquias e das fundações – e a vinculação inequívoca daassistência privada ao financiamento da assistência médica suplementar.Entretanto, as Operadoras de Planos de Saúde criaram um mercado peculiar, de regrasmultifacetadas, definindo prazos de carência, restrições ao atendimento, contratos altamentevantajosos, níveis de preços, unilateralidade na suspensão de contratos, e outras formas decontenção da utilização dos serviços. Muitas, atendendo apenas a uma oportunidade demercado, sem estrutura, sem lastro econômico para sustentar suas operações, lançaram-seem uma aventura de buscar lucros de forma fácil, sempre coadjuvadas por uma rede deprestadores de serviços ávidos por clientes de um sistema de financiamento diferenciadodaquele praticado pelo setor público.A atuação das Operadoras de Planos de Saúde sempre esteve exageradamentevinculada à supremacia dos interesses econômicos e arriscadamente afastada das políticasde saúde e da mensuração da qualidade da assistência prestada.Os clientes, nesse contexto, representavam o elo mais vulnerável, com reduzidocontrole sobre os seus maiores interesses: o acesso aos serviços de saúde e à qualidade daassistência prestada. Não possuindo instrumentos para coibir eventuais abusos cometidospelas Operadoras de Planos de Saúde, que, sem regulamentação, detinham a liberdadepara tomar as decisões que entendessem necessárias. Na cadeia dessa relação, asimperfeições do sistema relegaram os aspectos de acesso aos serviços e à qualidadeassistencial a um plano secundário.


106 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3O Poder Público, de sua parte, contemplou da margem oposta a evolução da saúdesuplementar no Brasil. Para J.C. Strick (1990:3), a “regulação consiste na imposição de regrase controles pelo Estado com o propósito de dirigir, restringir ou alterar o comportamentoeconômico das pessoas e das empresas, que são apoiadas por sanções em caso de desrespeito”. OEstado Brasileiro nas atividades iniciais da saúde suplementar esteve afastado do seu papelregulador. Esteve exclusivamente envolvido na evolução da reforma do Sistema Público deSaúde, onde muitas vezes tergiversou e foi intransigente quanto às questões ideológicas.Insistiu na construção de um sistema de saúde exageradamente perfeito nos seus princípiose permissivamente tímido e passivo quanto às suas capacidades de financiamento, de acessoà população aos serviços de saúde e de gestão de recursos, perdendo o foco nas estratégiasda efetiva implantação do Sistema Único de Saúde – SUS.De qualquer sorte, na década de 80, foi intensa a movimentação em torno da reformado sistema público de saúde, caracterizando-se como uma grande prioridade político-social,com enorme envolvimento da sociedade brasileira e de seus diferentes órgãosrepresentativos.Ainda que secundário, entre tantas razões para que se compreenda a nãopriorização do setor de saúde privada, é provável que o poder público tenha consideradoque a fatia da sociedade brasileira com cobertura assistencial através de planos de saúdeprivados fosse composta de pessoas abastadas, e que poderiam dispensar a proteção doEstado. Entretanto, há que se considerar a interpretação de que quanto maior fossem osrecursos desse setor, financiados fundamentalmente pelas empresas e também diretamentepela própria sociedade, mais recursos sobrariam para a população carente e desassistidapelo setor público. Ou então, que a supremacia das questões econômicas na área da saúdetenha, mais uma vez, prevalecido e reservado a interpretação de quanto maior ocrescimento do setor de saúde suplementar menor a necessidade de recursos públicospara o segmento de saúde do Brasil.Outro grande prejuízo, pelo alijamento do setor de saúde suplementar daspolíticas públicas do setor, é que os processos, as informações, a análise econômica e,


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 107em especial, os resultados da qualidade da assistência prestada foram de completodesconhecimento do Ministério da Saúde. Dessa forma, uma grande parcela da base dedados e das informações do setor de saúde no Brasil, ainda hoje, contemplam apenas osnúmeros e as correspondentes análises dos serviços realizados pelo setor público, desconsiderandoa situação e os resultados das ações de saúde que são prestadas a aproximadamenteum quarto da população brasileira.Os Prestadores de Serviços, inclusive os Médicos, por sua vez, atendidos nos seusinteresses mais imediatos, notadamente pela progressiva escassez dos pacientes privados epela crescente deterioração do relacionamento com a área pública (defasagem acentuada ecrescente de preços, glosas, atrasos nos pagamentos, tetos físicos e financeiros incompatíveiscom o volume dos serviços prestados, entre outros), não relutaram em compor umaassociação forte e firme com as operadoras de planos de saúde. Já em 1995 os médicosregistravam uma enorme dependência das Operadoras de Planos de Saúde. Foi o que reveloua pesquisa desenvolvida pela Escola Nacional de Saúde Pública (MACHADO, 1995) apontandoque 75% a 90% dos médicos declararam depender diretamente dos convênios para mantersuas atividades em consultório.É importante observar que nos contratos entre Operadoras de Planos de Saúde e Prestadoresde Serviços os aspectos de qualidade assistencial não são o foco principal da relação. Nãocorrespondem às preocupações primeiras para a manutenção das relações comerciais. O maiordeterminante sempre foi a capacidade de vendas que o credenciamento de um prestador de serviçospossa gerar para a operadora de planos de saúde e, especialmente, para a sua tabela de preços.Tudo transcorrendo dentro de uma equação bastante satisfatória. O setor públicocontinuamente expondo suas iniqüidades que, açodadas pelas constantes críticas einequívocos exemplos de ineficiência, serviram como um grande atrativo para os planos desaúde privados ampliarem a sua atuação no mercado. Atuação essa feita sem regulamentaçãoe encontrando os prestadores de serviços extremamente interessados em pacientes de planosde saúde privados como alternativa para as suas dificuldades junto ao sistema público desaúde. Some-se a esse cenário, o forte auxílio de uma espiral inflacionária que encobria as


108 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3ineficiências, e permitia, na ciranda financeira, ganhos acima das margens de lucratividade ede rentabilidade do negócio.Foi com essa configuração de mercado e com uma rede de relacionamentos ondeestavam preservados os interesses dos diversos agentes que o setor da saúde suplementarcresceu no Brasil.Segundo Duarte e Di Giovanni (2001), “o sistema de atenção médica suplementarcresceu a passos largos durante a década de 80, de tal modo que, em 1989, cobria 22% dapopulação total do país. Somente no período 1987/89 incorporaram-se a esse subsistema7.200.000 beneficiários”.Atualmente, o número de usuários registrados na <strong>ANS</strong> é de aproximadamente 37 milhões.REGULAMENTAÇÃO DA SAÚDE SUPLEMENTAR –ESSENCIAL PARA O CRESCIMENTO DO SETOREm período anterior à Lei 9.656/98, os consumidores passaram a ser mais protegidoscom a adoção do Código de Defesa do Consumidor e do sistema consubstanciado nos Proconsestaduais e municipais. O acolhimento de demandas pelos Procons beneficiou os consumidoresem seus conflitos com as Operadoras de Planos de Saúde. Mesmo assim, a atuaçãodesses organismos estatais mostrou-se insuficiente para regular as relações entre consumidorese Operadoras.As políticas regulatórias são políticas de soma positiva, o que cria a expectativa de quetodos os setores afetados sejam ganhadores pelo bem público gerado, mesmo que as soluçõesnão sejam unânimes, ou, de acordo com Majone (1996), seja a segunda melhor alternativa,na impossibilidade da ampla maioria política.Havia consenso em torno da necessidade de intervenção estatal, visando corrigir eatenuar as falhas do mercado. Após a promulgação da Lei 9.656, em 1998, cuja negociação noLegislativo ocorreu durante a gestão do Ministro Carlos César Albuquerque – a maioria dostrabalhos realizados a respeito do tema não o tem citado – o setor de saúde suplementar ganhoua sustentação legal para que iniciassem as ações de regulamentação.


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 109As reformas do setor de saúde suplementar devem ser encaradas não apenas comouma iniciativa do Governo – com no mínimo 30 anos de atraso – mas como uma prioridadenacional premente. Não se trata apenas de o governo, seja o atual, o passado ou o futuro,desejar fazê-la. É indispensável que o setor se conscientize da sua necessidade. É indispensávelque a sociedade brasileira o faça.Por resignada conformidade à nossa realidade histórica ou pela acomodaçãointeresseira e conveniente, parece haver, muitas vezes, a aceitação tácita para a continuidadedo modelo vigente. Isso descaracteriza por completo a mudança que se impõe comonecessária para a continuidade sadia do setor saúde.Em uma consideração preliminar, qual deveria ser o papel do Estado, nas trêshipóteses de maior possibilidade? Como tutor pleno (como tem sido com o setor público),onde legisla, planeja, executa, compra, financia e fiscaliza os serviços de saúde? Como umobservador pleno permitindo o exercício do livre mercado? Como regulador e fiscalizador(como vem fazendo através da <strong>ANS</strong>), atuando como co-partícipe do sistema?Sobre a primeira hipótese, existem avaliações consistentes demonstrando osresultados desastrosos da interferência exagerada do Estado. Pode-se salientar, entre outros:grande interferência político-partidária, baixo índice de profissionalismo, reduzidacapacidade de gestão, intransponíveis amarras jurídicas que reduzem enormemente acapacidade do Estado de fazer a gestão.A segunda hipótese, recentemente, deu mostras das dificuldades que compõem aexploração livre de um mercado onde o produto é a saúde do ser humano. Pelaessencialidade do produto e pelo seu interesse social, a presença moderadora do Estado éfundamental.A realidade das duas primeiras hipóteses são suficientes para dirigirmos na direçãoda terceira. Arbitrar, regulamentar e orientar os rumos do setor de saúde suplementar,abstraindo-se a forma como a <strong>ANS</strong> vem conduzindo esse processo, suas estratégias e ações,seus erros e acertos, significa um passo diferenciado para que a sociedade brasileira obtenharesultados de saúde mais potentes na relação com os agentes do mercado.


110 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3A característica central da reforma regulatória é a delegação de expressivo poder decisórioa instituições independentes, as quais definem regras de condutas para as empresas e cidadãos. Asatividades regulatórias incluem leis, portarias, regulamentos formais e informais. Essas novasinstituições monitoram e autorizam o funcionamento das atividades consideradas de relevânciapública e têm o arbítrio para estruturar preços e intervir na qualidade dos serviços (NUNES, 1999).É, sem dúvida, o início de um novo caminho, que inclui o setor de saúde suplementardentro da agenda das grandes prioridades nacionais. É um novo capítulo que começa aser escrito na história da atenção à saúde dos brasileiros.Entretanto, apesar da dita e afirmada unanimidade nacional quanto à necessidade eaceitação da regulamentação do setor de saúde suplementar, na prática, há uma forte resistênciade parte das Operadoras de Planos de Saúde e, secundariamente, dos prestadores de serviços,de se submeterem às novas regras. Provas desse movimento estão nas contínuas ações jurídicasque são impetradas contra a <strong>ANS</strong>, na negativa de registros e encaminhamentos de informações,no não ressarcimento ao SUS.Decorridos cinco anos da promulgação da Lei 9.656/98, a existência de dois terçosde usuários de planos antigos, mostrado na Tabela 1, é uma comprovação importante dessaresistência. Note-se que os usuários de planos antigos estão sem as garantias integrais dalegislação, principalmente no que diz respeito à assistência à saúde.FaixaetáriaPlano anteriorà Lei 9.656Plano posteriorà LeiTotalNúmero deBeneficiários%Número deBeneficiários%Número deBeneficiários%00-17 anos5.935.24425,772.909.24928,178.844.49326.5118-29 anos4.776.37820,742.519.37724,407.295.75521,8730-39 anos4.101.89417,811.884.46518,255.986.35917,9540-49 anos3.409.40414,801.447.61414,024.857.01814,5650-59 anos2.188.1689,50794.8907,702.983.0588,9460-69 anos1.372.3495,96408.6353,961.780.9845,3470 e mais1.247.5845,42362.8123,511.610.3964,83Total23.031.02110010.327.04210033.358.063100Fonte: <strong>ANS</strong>.


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 111Outras formas concretas de demonstração de tamanha contrariedade estãorepresentadas pelas 700 multas praticadas pela <strong>ANS</strong> no primeiro semestre do ano de 2002, das655 autuações aplicadas até o mês de junho de 2003, cancelamento do registro de 845 planos eintervenção em 71 Operadoras. Evidentemente que as irregularidades referem-se ao uso deexpedientes que eram aplicados antes do processo de regulamentação. No período de agosto de2000 a julho de 2002, a <strong>ANS</strong> somou 82.856 ABIs (Avisos de Beneficiários Identificados queutilizaram o SUS), no valor de R$ 110,9 milhões e recebeu apenas R$ 28,9 milhões. A dívida dasOperadoras chega a R$ 81,9 milhões de ressarcimento ao SUS. Há uma forte ação de contençãoda velocidade do processo de regulamentação.É bastante provável que ainda exista no âmbito de uma parcela das Operadoras dePlanos de Saúde a falsa visão da continuidade de um mercado de largas margens e semregulamentação.Ocorre que este mercado, sem regulamentação, se de um lado oferece tantos atrativospropícios para o sucesso econômico, de outro se caracteriza pelo conflito direto com os principaisclientes, tanto no plano individual como no plano empresarial, uma vez que as relaçõesestabelecidas são inseguras. A possibilidade de revisões contratuais por sinistralidade, reajustede preços, revisão dos expostos, redução unilateral da carteira de riscos e outros fatores expunhade forma arriscada e perigosa as fragilidades da relação e certamente colocava em risco ocrescimento e a expansão do setor.Não se pode esquecer que se trata do mercado da saúde, sensível, de leituras pontuais, deinterpretações gerais baseadas em casos específicos e de grandes repercussões. De um mercadoque oferece um produto complexo, de difícil configuração, de resultado inespecífico, de sucessosque dependem, em grande parte de quem compra os serviços, de responsabilidades dispersas edifusas, da insegurança sobre a qualidade dos agentes envolvidos no atendimento, de direitosimprecisos e que, muitas vezes, somente são negados no momento da sua utilização.As razões que permitiram o crescimento do setor não foram a qualidade dos seusprocessos, nem a qualidade das relações estabelecidas entre os agentes do sistema. O crescimentosempre esteve associado à incapacidade e à insegurança de um sistema público ineficiente, com graves


112 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3problemas de acesso aos serviços e, em especial sem medição da qualidade. Sempre apoiadopor uma mídia sensacionalista, que, a partir de fatos específicos, verídicos, carregados defatores dramáticos e de forte apelo emocional e humano, contribuiu para que o sistema desaúde público fosse racionalizado e resumido às emergências dos hospitais, explorando asdificuldades que naturalmente se estabelecem nesta unidade de prestação de serviços, deintensas e estressadas relações.As mazelas do sistema público se constituem em umagrande e gratuita mídia para sistema de saúde suplementarDepurar e oxigenar o mercado é absolutamente fundamental para a expansão do setorde saúde suplementar, excluindo da operação os pontos conflitantes na relação com os clientese retirando do mercado aquelas empresas sem solidez e ávidas pelos lucros rápidos. Essas,imediatistas, desenvolvendo suas atividades em total desacordo com o tipo e a qualidade deprodutos que possam solidificar a imagem da saúde suplementar.Assim, organizar o mercado, estabelecer novos rumos, definir responsabilidades e dartransparência às relações entre os participantes é fundamental para o crescimento do setor. Éessencial que se fortaleça aquelas empresas que possuam solidez para oferecer qualidade e, aomesmo tempo, ter a lucratividade necessária. O futuro comprovará o acerto da decisão dogoverno em lançar mão de sua mais poderosa ferramenta de ação, a agência reguladora – paraagir nesse mercado, tanto na dimensão econômico-financeira como na qualidade da saúde.Então, em torno das diretrizes estratégicas definidas pela <strong>ANS</strong>, as Operadoras dePlanos de Saúde, Prestadores de Serviços, usuários e demais agentes dessa cadeia deverãoestar gravitando e desenvolvendo esforços para, com a participação de todos, realizar as reformasnecessárias.Acrescente-se, na agenda, a articulação com os órgãos de defesa do consumidor eobserve-se que foram incorporadas novas atribuições à <strong>ANS</strong> – como a de monitorar aevolução de preços de planos de assistência à saúde e seus Prestadores de Serviços.


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 113O desenvolvimento das diretrizes com foco na defesa do usuário, certamente é outroponto fundamental dessa equação. Não podemos, além de reconhecer a vulnerabilidadedo usuário frente a todas as variáveis do sistema, ignorar que a população brasileira, para teracesso à saúde suplementar, faz um pagamento suplementar por um direito que não deveriaser suplementar. Isso porque a constituição brasileira lhe assegura o acesso universalizado,igualitário, integral e gratuito ao sistema público de saúde, princípios que, intrinsecamente,pressupõem qualidade da assistência.É evidente que esta etapa inicial também está repleta de desafios e de imperfeições e,apenas a criação de uma agência não tem o poder de resolver de imediato todos osproblemas. Entretanto, se constitui, sem dúvidas, em um poderoso instrumento na busca eimplementação das soluções necessárias.A <strong>ANS</strong>, mesmo tendo de administrar muitos conflitos de interesses, equacionouvários problemas do segmento. A observância dos contratos de prestação de serviços desaúde com as Operadoras, a clareza nas cláusulas contratuais, a obediência às coberturas doscontratos quanto ao atendimento de urgência e emergência, autorizações e prorrogações,sempre mantendo vigilância sobre a movimentação do mercado.Com a criação da Agência, os conflitos entre os agentes, podem não ter sido dirimidostotalmente, mas diminuíram. A existência de conflitos não significa a sua ausência noperíodo anterior a regulamentação. A legislação, apesar de ainda obscura em certos itens,deixa claro os direitos e os deveres de cada uma das partes integrantes do processo. É maisespecífica que o Código de Defesa do Consumidor, que até então era o meio utilizado paradirimir os conflitos.De outro lado, já é tempo suficiente para que a <strong>ANS</strong> inicie as ações e concentreesforços no aumento da competitividade desse mercado, tanto em preço quanto emqualidade, e simultaneamente, legitime a ação do governo, reavaliando as atuais regras desubsidiariedade e flexibilizando o crescimento do setor.A cultura de uma organização é resultado de sua história e da interação entre seusmembros (GALLO et al., 1996).


114 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3Como a intervenção de uma agência reguladora pode produzir novos valores e novaspráticas para as Operadoras de Planos de Saúde, Prestadores de Serviços e consumidores?Culturas e ações humanas, onde os indivíduos, segundo Archer (1998), reproduzem contextospassados através de gerações porque estariam engajados em atividades que não mudam. Maspara a implementação das políticas regulatórias no setor de saúde suplementar, essa estabilidadecontextual não pode existir, devendo acompanhar os avanços técnico-científicos, do direito e daética. O setor de saúde suplementar, desregulado durante décadas, passou a ter como principalmarco a corresponsabilidade, incentivando a construção dessa nova cultura.O Governo, através da <strong>ANS</strong>, precisa dar acenos indicativos das suas boas intenções como setor. O Gráfico 1 mostra a cruz tributária imposta pelo progressivo aumento da cargatributária e pela queda do crescimento do nosso país. Sem dúvida, mudanças positivas nessecenário constituiriam um forte estímulo para que os agentes do setor de saúde suplementarampliem seus investimentos. Isso, também contribuiria para a melhoria do ambiente queenvolve a regulamentação.É fundamental repensar o setor com uma estratégica global e com a visão social quemerece. Utilizar-se de uma política restritiva no trato das questões de saúde no setor públicoe, adicionalmente, não criar um cenário atrativo para o setor de saúde suplementar, é colocarem risco à saúde da população brasileira.Os estudos e a criação das oportunidades dos novos entrantes no sistema tambémmerecem uma atenção especial da <strong>ANS</strong>. A Agência precisa lançar mão e cumprir com ooutro papel característico das Agências Reguladoras que é o de expandir o mercado, tornaro segmento sadio, competitivo e em posição contínua de crescimento.


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 115CRUZ TRIBUTÁRIA:CARGA VS. CRESCIMENTO% Crescimento5,505,004,504,00Carga do PIBCargas %37,0035,0033,003,503,002,502,001,501,00Carga da CargaTributária1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 200231,0029,0027,0025,00Fonte: RC DataBank.A REGULAMENTAÇÃO DA SAÚDE SUPLEMENTAR –GRANDE IMPACTO NA RELAÇÃO DE OPERADORAS DEPLANOS DE SAÚDE E PRESTADORES DE SERVIÇOSA <strong>ANS</strong> priorizou, claramente, a sua ação de proteção aos usuários junto às Operadorasde Planos de Saúde, praticamente abandonando as faces do relacionamento que seestabelecem junto aos prestadores de serviços. Excetuam-se raras incursões que foramagregadas ao longo da trajetória de regulamentação, mas em nenhum momento com amesma velocidade e o mesmo foco lançado às operadoras.Também priorizou o atendimento dos interesses do segmento mais exposto àsimperfeições do mercado, com a finalidade de equilibrar as relações dos usuários menosorganizados com as operadoras. Isso, com o objetivo de criar uma ruptura no desequilíbriosistêmico que desfavoreceu o usuário, demonstrado pelos abusos cometidos ao longo doprocesso de expansão desse mercado.


116 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3Com as luzes voltadas para a relação com as Operadoras de Planos de Saúde, aregulamentação criou um elenco enorme de novas regras que trouxeram grande impacto nosetor. Com a finalidade de contextualizar a análise da relação entre Operadoras de Planos deSaúde e Prestadores de Serviços, sem nenhuma intenção de esgotá-las, algumas dessas novasregras são extremamente relevantes. O foco está colocado naquelas que criaram umaclivagem na antiga sustentação econômico-financeira das Operadoras:ampliação das coberturas assistenciais, não admitindo qualquer tipo de exclusãoou de exceção, mesmo em planos exclusivamente ambulatoriais. Naturalmenteque essa regra levou ao atendimento de uma demanda maior por procedimentosde complexidade, antes realizados no setor público;expansão dos direitos dos usuários e proibição de rompimento unilateral doscontratos nos planos individuais, proibição da recontagem dos prazos de carência,da seleção de risco e da exclusão indiscriminada de usuários. Mesmo oscontratos antigos não podem ser rescindidos unilateralmente;rigoroso monitoramento de preços e das condições de reajuste, com regras deproteção ao consumidor. Retiram-se, então, as possibilidades de recuperação doequilíbrio econômico nas bases antes realizadas, ou seja, utilizando o realinhamentoda receita através dos reajustes por desequilíbrio ou por sinistralidade,redução da massa de expostos, exclusão dos contratos deficitários e de maiorescontroles de acesso e cobertura assistencial;estabelecimento do pagamento de multas pelo não cumprimento contratual epela desobediência da legislação regulamentadora;integração do sistema de saúde suplementar ao SUS, estabelecendo as normas deressarcimento pela utilização dos recursos públicos;


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 117exigências de solidez empresarial, impedindo Operadoras de recorrer à concordatae de seus credores pedirem falência. As Operadoras somente podem serliquidadas a pedido da <strong>ANS</strong> e, também, estão sujeitas à constituição de reservas egarantias de capacidade econômico-financeira para cumprimento dos contratos.Essas medidas implicaram diretamente na elevação dos custos. Acrescente-se oaumento dos custos administrativos: atuariais, informática, auditoria independente,acompanhamento jurídico e administrativo dos controles de ressarcimento ao SUS, revisãodos contratos anteriores, multas e autuações, taxas por usuários, ressarcimento ao SUS pelatabela da Tunep, reservas e provisões de acordo com normas estabelecidas pela <strong>ANS</strong> e provisionamentode recursos para cobertura de assistência médica hospitalar de benefíciosexclusos nos planos, mas amparados por liminares, ainda que temporárias.Esse mosaico legislativo-operacional, acrescido de tantas outras regras estabelecidaspela regulamentação da saúde suplementar tratou de modificar substancialmente ascondições assistenciais, de acesso e garantias de direitos. Entretanto, produziu um aumentoconsiderável na espiral de custos, gerando uma expressiva inadequação econômica.As OPS que já estavam convivendo com diversas ameaças e riscos como os patrocinadospela pirâmide populacional brasileira e pelo aumento da expectativa de vida, emespecial junto à população que possui acesso aos planos de saúde, tiveram ampliados as suaspreocupações com a elevação dos custos ocasionada pela nova legislação regulatória.O Gráfico 2 mostra essa tendência, apontando para as próximas duas décadas, umcrescimento espantoso da população com mais de 65 anos. Assinala um crescimento de praticamentetrês vezes a população atual. Observa-se esta tendência também em outros países.


118 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3CRESCIMENTO DA POPULAÇÃO IDOSA(MILHÕES DE HABITANTES > 65 ANOS EM 11 PAÍSES)Variação %País (1999-2025)Fonte: Instituto SODEXHO em O Globo, O País – 23/9/1999 p. 10.Outras ameaças e fatores de risco, como a introdução e a utilização abusiva de tecnologiasde ponta e de alto custo, são potencializadas com os efeitos da regulamentação, que,além de elevar os custos, acima de tudo, retira as antigas alternativas que eram fáceis e fartamenteutilizadas na solução dos seus problemas econômicos e de fluxo de caixa. Acrescente-se àcontenção dos preços, a redução das receitas e ainda os reflexos conseqüentes da economia(controle da espiral inflacionária, estabilidade de preços, recessão e aumento do desemprego).É preciso acrescentar, no mínimo, mais dois fatores, os quais não tem recebido as luzesque merecem. O primeiro é o acirramento da concorrência entre as empresas do setor. As novasregras nivelaram os planos de saúde. Isso vai exigir competência e esforços mais intensivos para


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 119a manutenção e a conquista de novos clientes. Será necessário criar diferenciais competitivos,novas estratégias de marketing e acima de tudo um outro conceito de qualidade de atendimento.Isso implica em novos gastos, equipes qualificadas, investimento em treinamento, recursos deinformática e sistemas de informações.O segundo diz respeito à capacidade de gestão das Operadoras de Planos de Saúde. Aceitasetão pacificamente a incapacidade de gestão da área pública, sem ao menos lhe conferir o mínimoreconhecimento pelo muito que faz com os parcos recursos advindos de uma política restritivaao setor, mas com a mesma pacificidade aceitamos que a área da saúde suplementar é competentepara fazer sua gestão. Onde estão as evidências? Em que condições foi obtida essa imagem decompetência? Com que grau de dificuldades foi obtido este conceito? Onde estão os seus bancos dedados e os seus sistemas de informações epidemiológicas? A sua capacidade de desenvolver, emconjunto com os Prestadores de Serviços, ações de promoção e prevenção à saúde? Onde estão ostrabalhos com populações adstritas junto às áreas de recursos humanos, mostrando os avançosna qualidade de saúde dos funcionários das empresas, segmento que possui 70% dos usuários deplanos de saúde? Onde está a capacidade de articulação com os prestadores de serviços paradesenvolver, em conjunto, com ganhos conjuntos, programas de gestão racional de recursos? Ondeestão os instrumentos de gestão para tratar distintamente os bons e os maus Prestadores? Ondeestão os mecanismos de controle da qualidade da assistência prestada?As Operadoras de Planos de Saúde e os Prestadores de Serviços, a par da competência degestão que progressivamente vêm agregando aos seus negócios, precisam provar, cada vez mais,que contam com suporte profissional para bancar a garantia do produto que vendem, com avisão global do processo. Também o setor de saúde suplementar apresenta deficiênciasimportantes cuja origem está na ineficiência de gestão.Pressionadas por esse cenário, as Operadoras tiveram suas margens reduzidas. Agora,sem os polpudos rendimentos do mercado financeiro e sem a possibilidade de transferir a contapara os usuários.Não havia outro caminho no curto prazo e no modelo vigente, o foco da busca dassoluções foi concentrado nos prestadores de serviços. Então, as relações modificam-sesubstancialmente.


120 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3A <strong>ANS</strong> gerou uma grande e profunda mudança na relação acomodada e tacitamenteacordada entre Operadoras de Planos de Saúde e Prestadores de Serviços. Isso porque cravousua atuação no monitoramento das condições contratuais para o acesso aos serviços de saúde,na política de preços e na solidez econômica das operadoras para sustentação dos direitos dosusuários. Certamente, a regulamentação não foi o único fator para essa grande mudança,mas o complemento que faltava e o pretexto esperado para que o setor pudesse serrediscutido sob um cenário mais iluminado e reorientado por diretrizes e resultados maissólidos nos aspectos econômico, assistencial e social.A RELAÇÃO CONTEMPORÂNEA DAS OPERADORAS DE PLANOS DESAÚDE E DOS PRESTADORES DE SERVIÇOS – EXCESSO DECONFLITOS OPERACIONAIS E AUSÊNCIA DE FOCO ESTRATÉGICOÉ discutível se as mudanças que se sucederam foram estrategicamente provocadas ouestavam previstas. Tudo indica que aquelas que tinham as Operadoras como destino, sim. Estasestavam enquadradas no alinhamento estratégico da <strong>ANS</strong>, porque esse foi o foco eleito. Mas,todas as evidências apontam na direção de que as repercussões em cascata, daí decorrentes,estavam fora da cartilha. A reação deste segundo movimento produziu seus impactos de formamais lenta, mas progressiva, uma vez que, sendo conseqüência do primeiro, dependia desua velocidade e da capacidade de absorção dos seus efeitos pelo mercado. O efeito dominónaturalmente ocorreu.O cenário contemporâneo rompeu com a tranqüilidade da prescrição livre, daausência de controles sobre a gestão dos recursos, do sistema de prestação de serviçoscomandado pela oferta, das facilidades nas negociações de reajustes e de outras cláusulascontratuais. Houve uma ruptura no repasse sistemático de custos e da ineficiência dosprocessos dos Prestadores para as Operadoras e destas para os usuários e, conseqüentemente,ocorreu uma redução das margens.As Operadoras de Planos de Saúde mergulharam no mundo dos prestadores de serviços,certas de que ali havia oportunidades de negociação que poderiam ser transformadas em redu-


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 121ção de custos. Fariam o contraponto, a compensação parcial ou necessária dos efeitos da regulamentação.Nesse movimento, novamente cabe questionar a ausência do interesse pelaqualidade da assistência prestada aos clientes, que, se antes já não era o centro das preocupações,agora ficou ainda mais distante. Permito-me aqui fazer um depoimento pessoal,baseado em quase 30 anos de atividade na área da saúde e, em especial, na administração dehospitais: “Até o ano de 2003, não havia presenciado qualquer decisão de preços que estivessebaseada em uma avaliação de indicadores de qualidade assistencial e de custos finais, medidos nacomparação com o desempenho da rede de serviços. Essa observação é válida tanto para cooperativas,medicinas de grupo, seguradoras e autogestão. Recentemente, no mês de maio de 2003,fechamos três negociações baseadas em qualidade médico-assistencial comprovada através demetodologia científica e de desempenho de custo final. Talvez seja o caso de, mais uma vez,repetirmos o ditado ‘a dor ensina a gemer’ ”.Mas, salvo raríssimas situações, em geral os argumentos da qualidade são conceituais,alinhando princípios institucionais no discurso da negociação e servindo de retórica. No final,tudo é decidido com base na tabela de preços padrão utilizada pela Operadora, preferencialmenteescolhida entre duas, uma mais antiga, de 1990 – com 13 anos de defasagem – eoutra, mais moderna, de 1992 – com 11 anos de defasagem. O CH, Coeficiente de Honorários,também é utilizado como referência para reajustes de preços. Na maioria dos relacionamentoscomerciais com as Operadoras de Planos de Saúde não há diferenciais por sucessodos serviços, tanto nos aspectos de qualidade, custos e de satisfação de clientes, em planoscoletivos ou individuais. Essa forma de proceder nivela a tecnologia atualizada com a ultrapassada,a qualidade médico-assistencial comprovada com aquela que não é mensurada, autilização racional dos recursos com o uso abusivo, o custo final ajustado com a liberdade de gerarcustos adicionais.Na relação imposta pelas operadoras a visão é de “commodities”. O problema maior nãoé o valor dado aos aspectos econômicos e sim o pouco caso que é destinado à avaliação da qualidademédico-assistencial, da satisfação dos clientes e dos diferenciais de desempenho dos prestadoresde serviços. Entretanto, quando os usuários necessitam dos serviços junto aos prestadores, a sua


122 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3visão é completamente diferente da relação estabelecida pela sua Operadora. Agora a relaçãodesejada é personalizada, a busca é essencialmente pela qualidade da assistência prestada.Essas diferenças de interesses e de posturas existentes nos distintos momentos darelação entre Usuários/Operadoras, Operadoras/Prestadores e Usuários/Prestadores é mostradana Figura 1.Merecem críticas as Operadoras de Planos de Saúde e os Prestadores de Serviços de Saúde,em especial os hospitais e os órgãos representativos da categoria médica, que não conseguiramarticular forças para um ambiente de negócios capaz de proteger o segmento, colocando comocentro da relação a certificação da qualidade do atendimento, a preservação do cliente e o foconos resultados clínicos, baseado em evidências e previamente contratados, não como camisasde força, mas como um forte referencial científico.Mesmo com os avanços verificados, em benefício da qualidade médico-assistencial ehospitalar, é preciso avançar de forma mais intensa na Acreditação Hospitalar. Este é um desafioque poderá ser rápida e eficazmente vencido se as Operadoras de Planos de Saúde e osPrestadores de Serviços estiverem envolvidos. Entretanto, ainda que a Acreditação Hospitalar


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 123por si só não garanta a qualidade da assistência, criar, a partir dela, incentivos pelo desempenhoclínico e das condições de infra-estrutura, é um caminho que precisa ser perseguido. Essesincentivos poderão ser de ordem econômica, de reconhecimento no mercado, de diferenciaiscomerciais e de relacionamento. É possível encontrar formas bastante satisfatórias parafortalecer a Acreditação Hospitalar como um instrumento de valorização da qualidade daassistência médico-assistencial e hospitalar.O mergulho das Operadoras de Planos de Saúde nos Prestadores de Serviçosencontrou um campo fértil e efetivo para redução de custos. Passou a ser a vertente essencialde um novo e conflitado relacionamento. As Operadoras, através da análise das contas deseus usuários sabiam que havia espaços importantes de melhorias na gestão de recursos, nacorreção de muitas distorções praticadas pelos Prestadores de Serviços, algumas de extremagravidade do ponto de vista ético, moral e econômico. Igualmente, sabiam que haviaoportunidades de construir parcerias, quase sempre demoradas e com resultados a médio elongo prazo. Mas a intervenção necessitava ser rápida e de resultados no curtíssimo prazo.Assim, a estratégia escolhida foi a de exercer a força conferida pela capacidade de gerardemanda, de agregar massa e de utilizar o alto e crescente grau de dependência dosPrestadores de Serviços, já que o setor público continuou sua eterna crise políticoeconômicae os pacientes privados tornaram-se uma população cada vez mais reduzida.As imposições passaram a ser a tônica das negociações. Nem mesmo os grandeshospitais foram poupados, apesar de que a visibilidade de mercado e o poder que conferem àsvendas das Operadoras, atenuaram os impactos.As Operadoras centraram suas investidas sob o manto da elevação dos custos na áreada saúde – críticas contundentes ao sistema “fee for service”, à livre introdução de novastecnologias, ao uso indiscriminado e abusivo da tecnologia de ponta e aos tratamentos de altocusto. O livre acesso aos consultórios médicos, as indicações pouco criteriosas de serviços dediagnóstico e tratamento e as graves distorções comerciais, também foram incluídas no rol dosexemplos que as operadoras fizeram brotar, mostrando toda a sorte de situações que enfraqueceramas posições dos prestadores de serviços.


124 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3A partir desse cenário, as Operadoras passaram a exercer uma forte pressão junto aosprestadores, elegendo os seus alvos preferidos.Iniciamos a análise por um dos mais prediletos alvos, os Reajustes de Preços. Essesconstituíram um processo desgastante e estressado. Foram sendo postergados ano a ano, ampliandoo espaço entre um e outro, distanciando-se até a eliminação do conceito de data-base ea perda da referência de reajuste anual. No foco da questão dos reajustes de preços estão as Diáriase Taxas, representando o segmento de serviços mais original daqueles realizados pela estruturahospitalar. Apesar de significarem, em média, entre 25% a 30% , do valor das contas hospitalares,têm servido como a referência das grandes discussões que envolvem os Reajustes de Preços.Possuem uma das mais defasadas remunerações, entre os diversos serviços realizados pelosprestadores.O Gráfico 3 mostra os índices de reajustes obtidos pelas Operadoras junto à <strong>ANS</strong>.Observa-se que desde o advento da regulamentação, em 1998, as Operadoras de Planos deSaúde, ano a ano, efetuaram reajustes em suas mensalidades. As Operadoras acumulamreajustes acima de 45% no período.REAJUSTES AUTORIZADOS PELA <strong>ANS</strong> PARA AS OPERADORASFonte: <strong>ANS</strong>.


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 125O Gráfico 4, por sua vez, apresenta a vantagem obtida pelas Operadoras em relação àinflação desde o Plano Real até Fevereiro de 2003, contrastando com as contundentes críticasque vêm sendo realizadas.COMPARATIVO DOS REAJUSTES DOS PLANOS COM AINFLAÇÃO DESDE O PLANO REAL ATÉ FEVEREIRO/2003Fonte: Austin UpDate.O Gráfico 5 mostra o crescimento dos custos no setor hospitalar, patrocinados, emespecial, pelos dissídios coletivos e pelas correções de preços praticadas pelos fornecedores.ÍNDICES DO SETOR SAÚDE COMPARATIVOSDE OUTUBRO/1998 A MARÇO/2003Fonte: DIEESE e AHESP.


126 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3A lógica dos argumentos utilizados no processo de negociação para reajuste de preçostambém foi perdendo espaço para as negativas sustentadas na elevação de custos. A situação doshospitais e clínicas ficou mais difícil. Enquanto as Operadoras obtêm autorização para reajustesanuais da mensalidade dos seus planos, os prestadores de serviços amargam cinco anos semcorreção nos valores das tabelas de procedimentos. As raras negociações, quando bem-sucedidas,lograram obter reajustes que se situavam muito abaixo dos índices inflacionários, muito distantesdos índices autorizados pela <strong>ANS</strong> e dos aumentos de custos verificado nos hospitais.Desses reajustes praticados pelas operadoras muito pouco foi repassado aos Prestadoresde Serviços.30%ÍNDICES COMPARATIVOS25%20%15%10%5%0%Fonte: SINDHERJ.Quais índices representam, hoje, a inflação do setor saúde e poderiam ser utilizados emum processo de negociação de reajuste de preços? No quadro atual da relação entre Operadorasde Planos de Saúde e Prestadores de Serviços não há respostas. Perderam-se as referências e adefasagem de preços avança perigosamente nas condições necessárias para que os Prestadorescumpram com suas responsabilidades de oferecer uma assistência de qualidade. Aliás, qualidadevendida pelas Operadoras aos usuários. No momento em que hospitais e médicos não maistiverem as condições indispensáveis, quem irá garantir a qualidade dos serviços aos usuários?


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 127O setor há muito carece de uma política de preços referenciais, não para ser utilizada deforma padronizada, mas que possam dar garantias de uma operação dentro de limites aceitáveisde qualidade e de crescimento do setor.Frente a esse quadro recessivo algumas Operadoras e Prestadores tiveram êxito nasnegociações de valores globais, ajustando a operação, solucionando o problema das glosas ereduzindo os custos fixos envolvidos no processo.Nesse sentido, as Diárias Globais de Internação assumiram um espaço importante nessasnegociações. É uma forma de remuneração por serviços hospitalares que vem ganhando terrenocom grandes resultados, apesar de ainda ser utilizada em baixa escala. A sua reduzida utilização sedeve à baixa capacidade de negociação fora das regras do modelo vigente, tanto por parte dosprestadores quanto das operadoras. Atualmente, as diárias globais de internação significam aprecificação única de um conjunto de serviços hospitalares, compreendendo as diárias, os serviçosde enfermagem, a utilização de equipamentos, a gasoterapia, honorários médicos em áreasfechadas e taxas diversas, independentemente da patologia apresentada pelo paciente. Os demaisitens da conta hospitalar, medicamentos, materiais médico-hospitalares, órteses e próteses,serviços auxiliares de diagnóstico, tratamento e outros, permanecem sendo cobrados pela contaaberta. A adoção da diária global de internação cria vantagens importantes no processo deelaboração e conferência da conta hospitalar, reduzindo custos e dando maior agilidade. Da partedas Operadoras há uma enorme facilidade na conferência das contas e uma redução significativados custos fixos envolvidos nesse processo. A diária global de internação contribui ainda para umaredução considerável no índice de glosas, uma vez que parcela importante dos itens objetos destaação, agora, está globalizada em um valor único. Outro notável benefício é a facilidade naelaboração dos orçamentos, tanto para quem paga como para quem recebe.Na linha das diárias globais de internação seguem as diárias globais de CTI, as taxasglobais de centro cirúrgico, centro obstétrico e hemodinâmica. As consultas globais, incluindoprocedimentos de consultório e os exames de diagnóstico e tratamento. O atendimento deemergência global, entre outras. Somem-se aqui, rigorosamente, as mesmas vantagens jáatribuídas às diárias globais de internação.


128 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3Os já conhecidos e distorcidos Pacotes, também conhecidos como Procedimentos dePreços Previsíveis, representam outra forma diferenciada de remuneração dos serviços, tambémutilizada como alternativa de rever valores com ganhos de eficiência. Conhecida porque já élargamente utilizada nas relações comerciais entre operadoras e prestadores de serviços, apesarde que na prática possuem uma reduzida significância, tanto em quantidade de procedimentosquanto em valores de faturamento. Isso se deve ao fato de que os pacotes são utilizados preferencialmenteem procedimentos de baixa complexidade, concentrando-se em cirurgiasambulatoriais e em internações de curta permanência. Distorcida porque não é precedida de umprotocolo clínico. O protocolo clínico, desenvolvido pelos médicos e sustentado por sólidasevidências científicas, permitindo uma adequada precificação deveria se constituir no pacote. Namedida em que os protocolos clínicos são de aceitação demorada pelos médicos, em função daseternas discussões que envolvem autonomia e engessamento da atividade médica, a áreaadministrativa, utilizando-se de um valor médio recebido por um determinado procedimento,após confirmação dos materiais, exames e medicamentos utilizados junto aos médicos, criou ospacotes. Trata-se então de um preço pré-estabelecido por procedimento. Essa forma derelacionamento é extremamente simplificadora, reduz custos, praticamente elimina os conflitosdo sistema de cobrança e pagamento.Outra modalidade que vem sendo estudada para reduzir os efeitos da falta de reajustesde preços é a Conta Total. Significa a precificação integral por um valor único da contahospitalar, englobando todos os serviços, independentemente da patologia apresentada pelopaciente. Essa modalidade, em que pese conferir enorme facilidade de apresentação e granderedução dos custos desse processo, precisa ser aprofundada, uma vez que poderia levar auma distorção capital para a sobrevivência das instituições hospitalares. Ocorre que,havendo um valor único para toda a conta hospitalar, os casos mais interessantes para osprestadores seriam aqueles de menor complexidade. Com o tempo, mesmo que economicamenteseja interessante, haveria um grande e continuado atrativo para que a capacidadeassistencial, grande foco de um hospital, passasse a ser secundária. O hospital ficariaprogressivamente ameaçado na essência do seu negócio. Essa situação inexiste no caso das


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 129diárias globais de internação, uma vez que, da forma como aqui foi descrita, os serviços eprodutos utilizados nos casos de maior complexidade estão excluídos dos valores globais.O Fluxo de Pagamentos também foi alvo do desequilíbrio da relação entre Operadorase Prestadores. Houve crescimento da inadimplência, dilatação dos prazos de pagamento ecrescimento dos índices de glosas, deixando os prestadores descobertos para fazerem frente aosseus compromissos. Muitos estão sendo obrigados a recorrer ao sistema bancário, arcando comum significativo custo financeiro.As Glosas se constituem em outro fator nervoso da relação entre Operadoras de Planosde Saúde e Prestadores de Serviços. Trata-se do cancelamento ou recusa, total ou parcial, porparte das operadoras, de uma conta apresentada por um Prestador de Serviços.Quanto à sua origem, as glosas podem ser analisadas de várias formas:Uma delas é a glosa linear. Nessas situações as glosas estão a serviço de um reforçode caixa. Muitas Operadoras executam essa prática, fortalecendo suas finanças.Fazem o financiamento da sua operação junto aos prestadores, sem juros e atualizaçãomonetária. Evitam a busca de recursos no sistema financeiro repassandoônus para os Prestadores de Serviços.Outro ângulo em que se pode discutir o problema das glosas é a negativa de pagamentode contas de pacientes sem cobertura. Ocorre que não é raro o atendimentode pacientes através dos serviços de emergência que são internados com risco de vida.Esses pacientes muitas vezes são beneficiários de planos ambulatoriais sem coberturade internação ou com cobertura apenas para outro hospital. Como resolver situaçõescomo essa, em especial quando os pacientes não possuem condições de transferência?Os casos onde os prestadores são compelidos a realizarem procedimentos por forçade liminares representam uma outra situação. Após ser realizado o procedimento aOperadora obtém a cassação da liminar e glosa a conta. Quem deve pagá-la?Situação peculiar é encontrada nas lacunas deixadas pelas próprias decisões da<strong>ANS</strong> e do Conselho de Saúde Complementar – CONSU, que permitem às Operadorasdescumprir a legislação. É o caso dos atendimentos de urgência e emergência.A Lei n o 9.656/98, estabelece que tais casos devam ser atendidos 24 horas após a


130 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3assinatura do contrato. No entanto, a Resolução n o 13 do CONSU permite às Operadorasprestar atendimento de urgência e emergência somente seis meses depois decelebrado o contrato. Quando isso ocorre e existe a glosa, quem paga a conta? Ocliente alega que tem cobertura e se nega a pagar. A Operadora se diz amparada pelaresolução do CONSU. E para os Prestadores, qual é o amparo?Os sistemas de revisão de contas apresentam requintes burocráticos que procrastinamo processo de pagamento. Nesses sistemas estão incluídas a solicitação dedocumentos adicionais, as revisões somente com datas previamente marcadas, arevisão por telefone, as rotinas convenientemente lentas, os relatórios complexos,entre outras.O regramento unilateral é outro ponto importante na geração de glosas. As Operadorascriam regras unilateralmente, deixando à margem os acordos realizados.São situações não previstas na relação comercial, alteradas sem aviso e de formaextemporânea. Quando as contas não são apresentadas segundo essas regrasunilaterais, são glosadas. É o caso da criação de regras restritivas da utilização demateriais e medicamentos (limitações do pagamento de anestésicos por procedimentocirúrgico, limitação no pagamento da utilização de fraldas descartáveis etc.).Enquadra-se na mesma situação a conferência das contas por tabelas de materiaisdistinta da acordada e a conferência dos medicamentos pela relação de genéricosao invés do Brasíndice, lançando, em ambos os casos, a diferença como glosas.As Operadoras, de seu lado, protestam através de seus serviços de auditoria médicoassistenciaisque os prestadores efetuam cobranças indevidas por procedimentos nãorealizados, por preços extorsivos, por erros de faturamento. Alegam que os hospitais fazemuma grande confusão naquilo que chamam de glosas, sendo eles os grandes geradores dosvultosos valores retidos.Segundo essa forma de interpretação, quando o Prestador de Serviços erra na elaboraçãoda conta e cobra por atos que não foram realizados ou valores que inexistem, não se trata deglosas e sim da correção de um faturamento indevido. Se o faturamento é indevido, ou seja,


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 131não existe, não é receita e, portanto, não se trata de glosa. Então nem os valores e nem os índicessão aqueles que circulam no mercado.Outro ponto levantado pelas operadoras é que o volume de distorções praticadas pelosPrestadores tem crescido absurdamente. São situações que envolvem órteses e próteses, medicamentos,utilização de equipamentos, indicações inadequadas de serviços de diagnóstico etratamento, internações sem indicação, tempo de permanência desnecessário, entre muitos.Portanto, argumentam que a interferência é técnica e não possui origem em uma questão financeira.A glosa é um fator importante do conflito da relação. A questão maior que precisa sersanada é a institucionalização da glosa. Admitida a glosa como um instrumento de gestão,com tantas variáveis que interferem no processo, é pouco provável que se obtenha umaversão correta de sua aplicação. Em um quadro confuso, as partes se aproveitam, ficando otema latente e eternamente sem solução.A questão maior é modernizar os controles, criando uma operação mais linear, commais fluidez, revendo estruturas de custos, e ao mesmo tempo permitindo uma relaçãomenos conflituosa. Os protocolos de avaliação assistencial previamente definidos seriamuma alternativa bastante interessante e capaz de fornecer resultados satisfatórios. Nessasituação, as auditorias médico-assistenciais, atuando em um processo de modernizaçãoda sua atividade, focariam a sua ação na criação e desenvolvimento desses protocolos,envolvendo preços, custos e indicadores de qualidade. Esses instrumentos seriam incluídosnas relações contratuais e serviriam para o estabelecimento de uma nova forma de remuneração.O pagamento das contas hospitalares seria feito de acordo com os protocolosde avaliação.O sistema de cobrança por valores globais, como os já descritos anteriormente, é umaforma alternativa importante de minimizar e/ou eliminar as glosas.As órteses e próteses representam, nesse momento, um dos grandes pontos de sensibilidadeda relação entre Operadoras de Planos de Saúde e Prestadores de Serviços. A práticado mercado é o prestador de serviços aplicar uma taxa de comercialização sobre o valorda nota fiscal. É um entendimento comum de que a comercialização de órteses e próteses cons-


132 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3titui uma atividade dos hospitais, compondo uma parte da estrutura de remuneração dosserviços prestados. A taxa de comercialização também remunera os custos advindos daestrutura de compras, do armazenamento, das eventuais perdas e dos custos administrativos.Não fosse esse o entendimento, teríamos que aceitar que a comercialização de órteses e prótesesé um negócio dos médicos ou das Operadoras de Planos de Saúde.A taxa de comercialização aplicada no mercado era de 35%, o que por si só já poderia serquestionada. Nesse particular, afora os prestadores que agem corretamente, circula no mercadoque se instalou um verdadeiro emaranhado de interesses não esclarecidos, com o envolvimentode médicos, hospitais e fornecedores. Nessa situação, estariam presentes: o comissionamentode profissionais, o aumento deliberado dos valores nas notas fiscais vinculados a polpudosdescontos financeiros. Isso aumenta os custos do sistema e macula a relação com as Operadorasque, em última análise, fazem o pagamento de todas essas distorções.Há Prestadores que abriram mão dos ganhos com órteses e próteses e passaram a aceitarque os médicos a comercializem diretamente junto aos pacientes, entendendo que essaprovidência, no mínimo duvidosa e contrária ao código de ética médica, seja um atrativo paraa preferência dos médicos na utilização do hospital e das clínicas.As Operadoras de Planos de Saúde iniciaram uma pressão para cessar o pagamento denotas fiscais superfaturadas por alguns fornecedores que chegariam a ter várias empresaspara “esquentarem” orçamentos com preços elevados e que se associariam, ora com hospitais,ora com médicos e muitas vezes com ambos. As Operadoras cansaram de clamar por umasolução que rompesse com esse provável e indevido custo adicional, que não é destinado paracustear os serviços destinados aos pacientes. As soluções nunca vieram. Ao contrário, nosúltimos tempos, segundo se comenta no mercado, esses problemas se acirraram.As taxas começaram a cair. Primeiro para 25%, depois 20% e hoje entre 15% e 10%.Ainda assim os problemas continuam.Alternativamente a compra direta pelos hospitais, algumas Operadoras passaram a agirnegociando diretamente junto aos fornecedores, sem a interveniência dos prestadores,


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 133padronizando as órteses e próteses com preços previamente negociados e colecionando ganhosde escala. Nessa condição há dois procedimentos alternativos:1. os fornecedores vendem as órteses e próteses para os hospitais pelo preço acertadocom as operadoras e o hospital conclui a operação, adicionando a taxa de comercialização,acordada com a operadora , efetuando o pagamento ao fornecedor;2. os fornecedores entregam as próteses para os hospitais e efetuam a cobrançadiretamente junto às operadoras. Nessa opção, as operadoras procedem de três formas emrelação à remuneração dos hospitais:a. pagam taxa de comercialização de acordo com o percentual acertado;b. pagam uma taxa de comercialização fixa;c. não pagam remuneração.Outras Operadoras criaram suas Centrais de Compras, padronizando as órteses epróteses e capitalizando ganhos de escala. Entretanto, passam a ter todo o custo operacionalda gestão de uma empresa: impostos, folha de pessoal e custos administrativos, estabelecimentosde processos, controles e auditorias. Quanto à remuneração dos hospitais, asOperadoras procedem como na alternativa número 2, descrita anteriormente.Uma parcela considerável dos ganhos referentes às órteses e às próteses trocou de mãos.Quanto às questões de qualidade e de responsabilidades cabem várias perguntas.Sendo toda essa operação guiada por aspectos econômicos, existem garantias de que aspróteses padronizadas asseguram a qualidade necessária à recuperação dos pacientes? Asórteses e próteses padronizadas possuem registro na vigilância sanitária? Há certificaçãodos fabricantes dessas órteses e próteses? De quem será a responsabilidade pelas órteses epróteses selecionadas pelos pagadores sem a interferência dos prestadores de serviços? Sobreas órteses e próteses originadas das centrais de compras, quem será o responsável?Essas e outras questões continuarão a alimentar conflitos caso seja mantida a formaatual de relacionamento entre Operadoras de Planos de Saúde e Prestadores de Serviços.As soluções estão nas mãos de operadoras e prestadores. Se decidirem negociar, emconjunto, com os fornecedores, colocando a força de suas marcas e agregando escala, pode-


134 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3riam definir uma tabela de pagamento de órteses e próteses e, a partir dela, acertarem a taxa decomercialização, variável ou fixa.O Reuso de Materiais é outro grave problema da relação e de segurança da qualidade daassistência. Apesar da recomendação dos fabricantes de que os materiais não devam serreutilizados, é prática comum entre os prestadores a reutilização. É importante observar queos fornecedores, mesmo com a não recomendação dos fabricantes, utilizam-se da possibilidadede maior número de reutilizações dos materiais como argumento de venda de seus produtos.Tão logo souberam da reutilização por parte dos prestadores, as operadoras passaram a negociara divisão do preço pelo número de reutilizações.A partir daí, iniciaram-se os conflitos. As Operadoras passaram a fazer pressão por umnúmero maior de reutilizações. Absurdamente, essa pressão se dá por aspectos puramenteeconômicos, sem nenhuma sustentação técnico-científica.Cada vez mais os materiais são reutilizados. E a qualidade da assistência? De quem é aresponsabilidade? Quais são as garantias para os pacientes?Também aqui, houve redução dos valores pagos aos Prestadores.Os Medicamentos representam outro grande objeto de desejo das Operadoras de Planosde Saúde. Os Prestadores resistem bravamente a qualquer alteração nessa área, uma vez que,hoje uma parcela considerável da margem, que sustenta os hospitais e clínicas, tem origem nacomercialização dos medicamentos.Os hospitais trabalham com altas margens na comercialização de medicamentos. Alémdesse fato, como o sistema de cobrança é realizado pelo Brasíndice, esses preços são atualizadosmensalmente, independentemente de negociação com as Operadoras.As investidas das Operadoras para alterar a forma de cobrança dos medicamentos temse dado de forma insistente, forte e contínua. Apesar da resistência imprimida pelos hospitais,o mercado já possui fortes sinais de modificações. Alguns Prestadores para continuaremcom o mesmo sistema de cobrança concedem descontos sobre o Brasíndice, variando de 5% a15%. Outros congelam o Brasíndice no momento da negociação por seis a 12 meses, abrindomão de todos os reajustes, apesar da majoração de preços sistematicamente feita pelosfornecedores.


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 135Mais recentemente há forte pressão para que a referência não mais seja o Brasíndice eque a utilização e cobrança seja através da lista de genéricos acrescida da taxa de comercialização.É absolutamente fundamental que se entenda que qualquer mudança mais radicalno sistema de cobrança de medicamentos colocará em grande risco a sustentação dos hospitaise clínicas. Seguir nessa linha significa concordar em rever reajustes consideráveis emdiárias e taxas.A Tabela de Materiais Não Brasíndice, também conhecida como Tabela de Materiaisdo Hospital não possui uma discussão tão visível como o caso das órteses e prótesese dos medicamentos, entretanto, sem tanto brilho, representam outro ponto importantede conflito.Essa tabela representa a forma de cobrança de todos aqueles materiais que nãoconstam do Brasíndice. No princípio possuíam larga margem e, talvez por isso, durantemuito tempo não foram entregues ou sequer apresentadas para quem realizava os pagamentos.As Operadoras efetuavam o pagamento sem conhecer a tabela de materiais que erautilizada. Essa era atualizada mensalmente.Atualmente essa Tabela, pelo menos na maioria dos hospitais, é entregue para as Operadorase a pressão que é exercida nas negociações de Operadoras e Prestadores já mostraos seus sinais. Também sobre a Tabela de Materiais Não Brasíndice são feitas negociações,sendo mais comuns os descontos e o congelamento de preços por 3, 6 e 12 meses.Os Serviços Auxiliares de Diagnóstico e Tratamento proliferaram no mercado,comandados por uma ampla visão comercial. Essa situação criou uma excessiva oferta.Nenhum serviço de saúde foi mais descentralizado do que os serviços de diagnóstico etratamento.Observou-se uma acentuada profissionalização da gestão nas áreas de imagem elaboratório de análises clínicas. Essas duas áreas de especialidades lideraram a grande oferta.Além de um grande número de novos serviços, tivemos a presença no mercado degrandes laboratórios que desenvolveram uma eficaz logística de coleta e um processo industrialpara processamento dos exames, auxiliados por uma tecnologia de grande produtividade. Até


136 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3mesmo laboratórios internacionais coletam materiais no Brasil para processá-los no seu paísde origem. Tudo em busca de escala, da redução de custos e da competição por preços.Nessas condições o mercado sempre fornece a mesma resposta. O excesso de ofertaimplacavelmente reduz os preços.Abstraindo-se a questão da qualidade dos serviços, em função de um grande número denovos entrantes, da logística instalada e da variação das tecnologias empregadas, as operadorastiveram a sua tarefa facilitada.Hoje os preços são inferiores aos praticados há cinco anos, em especial para pacientesexternos.De outro lado e, com toda a razão, as Operadoras reclamam veementemente dos excessose dos abusos na indicação de serviços auxiliares de diagnóstico e tratamento. Mostram,com desenvoltura, casos de pacientes que circulam por vários consultórios e, em cadaum, são repetidas as solicitações de exames. Uma informação estarrecedora, embora nãodocumentada, é a de que em torno de 30% dos exames solicitados em nível ambulatorialnão são procurados pelos pacientes, nem pelos médicos.Os Honorários Médicos, por paradoxal que pareça, representam nos últimos anos, doponto de vista de remuneração, a parte mais fraca de todo o sistema.A Organização Mundial de Saúde recomenda uma relação de um médico para cadamil habitantes. No Brasil já estamos em uma relação de um para cada 606 habitantes. Ficamais claro verificar em que direção estamos seguindo quando observamos os números doEstado de São Paulo, onde a relação é de um médico para cada 443 habitantes. Mais contundenteainda são os números daquela capital que chega a uma relação de um médico para264 habitantes.Atualmente temos 117 faculdades de medicina que entregam, anualmente, cerca de 11mil novos médicos no mercado.A situação é agravada pelas deficiências dos cursos e, conseqüentemente, da qualidadeda formação médica.Nesse cenário, os médicos se tornaram uma presa fácil para contenção de seus ganhos.


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 137Há seis anos não se têm notícias de reajuste de honorários médicos. Uma consulta médicana rede credenciada das Operadoras situa-se entre R$ 12 e R$ 30,00.O quadro é ainda mais preocupante quando todas as tendências apontam para umenxugamento dos corpos clínicos dos hospitais e uma redução da rede credenciada pelosconvênios, o que aumentará, ainda mais, a oferta de médicos.As Operadoras, por sua vez, argumentam que os médicos praticam uma grandefreqüência de consultas e agregam procedimentos de consultório para aumentar o valor do seuganho. Quem recebe e quem paga, ambos estão insatisfeitos.A análise aqui realizada dos denominados alvos preferidos, entre outros menosvotados, por si só não traduz a importância necessária para que se compreenda toda acomplexidade da relação entre Operadoras de Planos de Saúde e Prestadores de Serviços.Mas evidenciam grande presença dos aspectos econômicos e operacionais. Às vezes,parecem dois inimigos que lutam continuada e desesperadamente, como se não tivessemuma grande interdependência para obter sucesso em seus negócios.As Operadoras, segurando os custos no atacado, não reajustando preços e realizandoglosas, criam uma espécie de conta de compensação. No varejo, abordando os eventos degrande freqüência que não conseguem intervir diretamente (consultas, exames, porexemplo), atuam criando regras restritivas. Ainda no varejo, mas em eventos que conseguemintervir diretamente (órteses e próteses e medicamentos, entre outros) atuam interpondoseentre os prestadores e os fornecedores.Para os Prestadores, no sistema vigente, as operadoras de planos de saúde pagam aineficiência dos seus processos, a incapacidade do seu modelo de gerenciamento e a suainabilidade de construir uma estrutura de racionalização de recursos com o envolvimentoefetivo dos médicos. Sabe, de sobra, que qualquer ganho de eficiência ou de qualquer outramelhoria do sistema, beneficia diretamente o pagador, que, da sua parte, não acena comnenhuma possibilidade de compartilhamento.O nível de desconfiança e de desequilíbrio da relação é tão forte que, com um cenáriodesastroso sendo continuamente desenhado por ambas as partes, cada uma delas acredita que


138 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3o outro negócio deva ser melhor que o seu. Acreditam tanto que os hospitais passaram a terplanos de saúde e as Operadoras de Planos de Saúde passaram a ter hospitais.Há muitas razões para se discutir a necessidade da qualificação da gestão, tanto deprestadores quanto de Operadoras de Planos de Saúde. Mas cada um, com todas as ineficiênciasque possuem em seus negócios, acreditam conseguir gerenciar melhor o negócio do outro.É uma situação no mínimo curiosa. Passam a ser concorrentes entre si, com negóciosoriginalmente diferentes. Entendida a interdependência, que de alguma forma continua, nainversão dos negócios passam a ser concorrentes de seus próprios clientes.Onde estão os estudos referenciais que sustentam essas decisões? Qual avaliação essasdecisões geram em relação à visão estratégica de crescimento do mercado? Qual avaliação fazemaqueles que já tomaram tais decisões?Figueiredo (2002), aborda o assunto relacionando como vantagens na adoção deserviços próprios:Ter médicos, clínicas, hospitais e plano de saúde sob o mesmo comando reduzcustos administrativos e elimina a necessidade de policiar cada elo da cadeiaprodutiva;Possuir hospitais permite contínua adequação entre a demanda e a capacidade deatendimento, otimizando recursos e diminuindo custos unitários;A estrutura vertical é tida como capaz de alinhar de forma mais ágil e eficaz,interesses e incentivos entre financiadores e fornecedores de serviços.O autor faz um contraponto apresentando as vantagens na adoção de serviçosterceirizados:O avanço da tecnologia da informação reduz o custo do gerenciamento de amplasredes de prestadores;Novas formas de pagamento como “por pacote” ou “per capitação” com incentivospor performance baseados em indicadores clínicos, de qualidade e custo, são ferramentasinteressantes de controle;Com o aumento do número de prestadores, principalmente nos grandes centros,há um desequilíbrio entre oferta e demanda com barateamento dos custos;


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 139O desenvolvimento de serviços próprios é capital intensivo e de retorno lento commaior risco e custo financeiro.Essa análise já apresenta alguns pontos que estimulam as discussões que devem seraprofundadas à luz das oportunidades de ampliação do relacionamento. Além de contestáveisalguns pontos apresentados pelo autor, quanto às vantagens de possuir serviços próprios, épreciso trazer para a discussão os aspectos de investimentos e atuação geográfica dasoperadoras. E se os seus serviços não possuírem a melhor tecnologia de ponta? E se os seusserviços não praticarem o melhor atendimento? E se o seu hospital estiver envolvido comprocessos que envolvam negligência no atendimento e algum tipo de erro médico? Será que aperformance de vendas do seu plano de saúde será a mesma? “Mutatis mutandis”, o mesmoocorre com hospitais proprietários de operadoras de planos de saúde.As Operadoras e os Prestadores de Serviços não estariam, muito antes de iniciar e esgotaras possibilidades de um relacionamento mais estratégico, mais efetivo e parceiro, fazendo opçõesapressadas por decisões que ampliarão as turbulências e os custos do setor?Ao abordar as vantagens na adoção de serviços terceirizados, o autor já apresenta boasrazões para que o assunto possa ser revisto, com muitas boas chances de encontrarmos novoscaminhos.E a qualidade? Será que um processo de tanto autofagismo está garantindo a qualidadeda assistência? O quanto a assistência está sendo prejudicada por essa disputa de recursos? E,tantas elucubrações de relacionamento, garantem a qualidade da assistência?CONSTRUINDO UM NOVO RELACIONAMENTO ESTRATÉGICOAs Operadoras de Planos de Saúde e os Prestadores de Serviços têm desenvolvido uma relaçãofundamentada excessivamente nos aspectos operacionais, onde, na visão do dia-a-dia, praticamentepossuem posições antagônicas. No nível operacional, a profundidade e a extensão das diferenças dospropósitos cria uma grande barreira. São estruturas que chocam, que se conflitam em torno deobjetivos e posicionamentos distintos. São escolas diferentes, culturas diferentes, estruturas criadaspara exercerem missões diferentes. São pessoas de qualificações diferentes, direcionadas para atenções


140 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3distintas. São lógicas diferentes, que, sem interferência, seguiriam por caminhos divergentes, mas queprecisam estar fortemente unidas em um plano estratégico.No estudo das gestões corporativas são reveladas todas as dificuldades de se fazer comque diferentes unidades dentro da mesma corporação alinhem suas operações. Setores damesma empresa departamentalizam arraigadamente suas visões e apresentam dificuldades paradesenvolverem e absorverem o conceito de processo. Unidades de negócios ou empresas damesma corporação que possuem operações que podem ser comparadas, em termos decompetitividade, redução de custos, qualidade de produtos, reconhecimento no mercado,visibilidade para os clientes, criam vieses que inviabilizam oportunidades de negócios.É perfeitamente possível imaginar as dificuldades de se fazer com que empresas queatuam no mesmo segmento, que tenham grande interdependência de atuação, que nãopertencem a mesma corporação, que antagonizam seus processos, possam ter a visão estratégicacompartilhada do setor. É preciso inverter a relação. Primeiramente, o pensamento estratégicocompartilhado, ajustando os interesses e as decisões que mantêm o setor atrativo.Depois, a partir dessas definições, deve-se estabelecer uma logística mais adequada, que nãopermita tantos conflitos em cada etapa. Hoje, se quiséssemos criar um processo conflituoso, emcada uma das etapas do processo, desde a internação até o pagamento da conta, não deveríamoster nenhuma dúvida: não haveria necessidade, pois ele já existe, nem sempre envolvendodiretamente o paciente, mas sempre mantendo uma relação atritada entre Operadorasde Planos de Saúde e Prestadores de Serviços.Segundo Collis e Montgomery (2001), a maioria das empresas de múltiplos negócios éapenas a soma das partes, e nada mais. Embora os executivos estejam mais sofisticados quantoao conhecimento dos fatores necessários à conquista da vantagem competitiva no âmbitode determinado negócio, a situação é muito menos estimulante quando se trata de criar avantagem corporativa entre os vários negócios.Esses processos ficam no domínio de conhecimento dos níveis gerenciais queintermediam as relações competitivas entre setores ou unidades de empresas de múltiplosnegócios. Esses conhecimentos são transformados em especializações, em competências que


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 141estão sempre a serviço da manutenção das posições antagônicas, que com o passar do tempovão se solidificando em verdades dos negócios, em especial quando os executivos absorvem asdistorções do ambiente operacional e a incorporam em seus conceitos e decisões, levando-aspara o plano estratégico.As estratégias, então, passam a ser alimentadas pelas visões desarticuladas e distorcidasdos processos operacionais eivados dos ranços tradicionais. Constituem, assim, um relacionamentoimpregnado do velho, da desconfiança, de disputa pelo desempenho departamentalizado,da falta de habilidade conceitual em perceber a importância da sua atividade,do seu setor, da sua unidade de negócio em relação ao todo. No caso do relacionamento entreas operadoras e dos prestadores, restinge-se à competição perversa de quem fica com oslouros, aqueles que cortam mais ou estes que cobram mais. As estratégias ficam encobertaspor uma opacidade que esconde a visão do segmento, do negócio, e passam a ser reféns daoperação, não agregando valor competitivo no mercado e não atingindo os resultados indispensáveise possíveis.Collis e Montgomery (2001), relatam que os executivos se empenharam na criação dasestratégias corporativas viáveis. Alguns se concentravam nas competências essenciais, outrosreestruturavam o portfolio corporativo, e ainda outros se dedicavam à construção deorganizações que aprendem. Em cada caso, os executivos estavam voltados para elementosespecíficos das estratégias corporativas: recursos, negócios ou organização. O fator ausenteera o “insight” que converte esses elementos em um todo integrado. Esse “insight” é a essênciada vantagem corporativa – a maneira pela qual a empresa cria valor por meio da configuraçãoe da coordenação de suas atividades em múltiplos negócios. Em última instância, esseé o verdadeiro diferencial entre as estratégias corporativas notáveis e as meramente adequadas.As operadoras de planos de saúde e os prestadores de serviços deverão se apropriardesses conceitos e caminharem na sua direção, desenvolvendo um pensamento estratégico sobreo seguimento e, a partir dele, ajustando suas relações, criando condições econômicas maisfavoráveis para o desempenho do setor, remunerando mais adequadamente todos os serviços.E, a partir de um setor mais equilibrado, poder fortalecer a imagem junto aos clientes


142 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3atraindo novos entrantes para o sistema. Será preciso concatenar cuidadosamente um sistemade partes independentes, dentro de estruturas separadas organizacionalmente, mas unidas ecompletamente dependentes em uma visão de negócio.Mais do que uma idéia poderosa, o estabelecimento de estratégias com a perspectivado segmento da saúde suplementar direciona ativamente o processo decisório na operação,baliza o seu comportamento e define a utilização de recursos, os papéis que serão desenvolvidospelas corporações participantes e os formatos organizacionais que darão vidaa todo o conjunto.Corajosamente, deve-se decidir não só navegar pelos processos burocráticos e expor assuas mazelas, lado a lado, mas, acima de tudo, deve-se aprender mais sobre o mercado e osmercados emergentes, suas novas configurações e sobre eles colocar o pensamento estratégicona perspectiva do setor da saúde suplementar.É prospectar novos modelos de negócio, repensando todos os elementos da sua estruturade custos. Precisamos perceber em conjunto as inovações necessárias para trazeroutros segmentos sociais para dentro do setor da saúde suplementar, pois este tornar-se-iamais competitivo, até mesmo no nosso mercado original, portanto em todos os mercados.Conhecer em detalhes os mercados emergentes e pensá-los estrategicamente é convertero conhecimento em importante fonte de inovação.De acordo com Prahalad e Lieberthal (2001), em busca do crescimento, as corporaçõesmultinacionais não terão escolha senão competir nos grandes mercadosemergentes da China, da Índia, da Indonésia e do Brasil. Mas, embora ainda seja incomumindagar como as empresas mudarão a vida nesses mercados, os executivos demonstrarãointeligência se reverterem a questão. Os autores afirmam que as próprias empresas sofrerãotransformações em virtude da experiência nesses mercados. De fato, dizem, as empresasserão forçadas a repensar todos os elementos de seus modelos de negócios, paraserem bem-sucedidas.Essa é uma questão de enorme importância. Ao invés de ficar esperando que omercado se modifique para que façam novos investimentos e novas ações de crescimento,


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 143quais mudanças estratégicas as Operadoras e os Prestadores de Serviços poderiam desenvolver,mudando as suas atuais empresas, para garantir um mercado ampliado e atrativo?O Gráfico 6 reforça essa questão, quando apresenta as razões que balizam as decisõesdos investidores. Nesse sentido, é fundamental observar a importância que os investidoresatribuem ao tamanho do mercado e ao ambiente regulatório.DECISÃO DE INVESTIMENTOFonte: A. T. Kapeney.A atuação em mercados emergentes necessita do valioso aprendizado dos parceiros, emespecial, no sentido de o pensamento estratégico do setor não estar definido em diferentesexpectativas.Um excelente exemplo da nossa desconexão e do longo caminho que precisamospercorrer, entre outros tantos, pode ser assim descrito – de um lado, enquanto os Prestadoresestão desenvolvendo sistemas de saúde de qualidade, buscando dar atenção integral aosclientes, evitando que ele seja um itinerante na busca de serviços de saúde – de outro as Operadorasdificultam o acesso, evitando credenciamento de serviços próximos um ao outro,em especial consultórios médicos perto de serviços auxiliares de diagnóstico e tratamento.


144 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3Pensar estrategicamente seria assegurar um sistema de saúde que por sua capacidade deoferecer soluções aos clientes pudesse ser um grande atrativo para novos entrantes e, ao mesmotempo, definir uma forma diferente do modelo atual de financiamento, produzindo um novoformato de custos e resultados assistenciais mensurados.As dificuldades da operação desse mercado têm marcado uma presença exagerada enegativa na agenda do setor. Não se trata de negar as dificuldades existentes, mas é precisomostrar as suas potencialidades, em especial quando tratadas com criatividade e competência.É preciso uma agenda positiva e um discurso mais animador, que expressem arealidade de grandes oportunidades.Vejamos a análise do Relatório Anual de 2002 do Bradesco Seguros:“Ao apresentar faturamento global de R$ 2,332 bilhões (contra R$ 2,178Bilhões de 2001) e número recorde de 2.335.190 vidas seguradas no ano de2002, a carteira de Saúde do Grupo Bradesco de Seguros ... A conquista degrandes clientes permitiu que fosse mantida a expansão da carteira de apólicesempresariais de saúde, em que foi registrado faturamento 10,25% maior queo ano anterior: R$ 1,324 bilhão em 2002, contra R$ 1,200 bilhão em 2001.Em 2002 a carteira de apólices individuais contabilizou faturamento deR$ 820,953 milhões contra R$ 795,107 milhões registrados em 2001, representandocrescimento de 5,60% sobre a ano anterior, em linha com atendência registrada no mercado brasileiro, que cresceu 4,3% em relação a2001. Registrou-se, entretanto, expressivo crescimento na carteira de Segurospara Pequenos Grupos (SPG), cujo faturamento atingiu R$ 187,8milhões, em 2002 representando expansão de 19,70% em relação ao anoanterior. Além disso, mais uma vez o ramo Saúde registrou ampliação donúmero de segurados na carteira de seguro odontológico, com expansão de8,36% na quantidade de segurados em relação a 2000”.


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 145No mesmo sentido, a matéria publicada na Gazeta Mercantil do dia 19.7.2003, sob otítulo “Mais Negócios Para Motos, Saúde e Educação” também se constitui em um bomexemplo:“... e as empresas de saúde também parecem estar indo bem. Estatísticasmostram mais de 30 milhões de brasileiros fazendo parte de algum plano desaúde, observa Feldmann, diretor da consultoria BearingPoint. A empresade medicina do grupo Samcil, por exemplo, não tem do que reclamar. Comestratégia agressiva na venda de novos planos de saúde, voltados para asclasses C e D, a empresa faturou R$ 251 milhões em 2002, com crescimento de113% em relação ao anterior. O diretor geral Mauro Bernacchio informaque a sinistralidade média das quinze maiores empresas do setor em 2002foi de 75% (a cada R$ 100 de receita gastou R$ 75 em atendimento médicohospitalar),enquanto a Samcil registrou 61%. Isso é resultado direto dos investimentosfeitos em medicina preventiva, disse. Segundo Bernacchio, sãovendidos em torno de 10 mil novos planos de saúde ao mês na cidade de SãoPaulo e a inadimplência é baixa. Os investimentos também não estão à esperade melhores dias na economia nacional: neste ano, já foram investidos R$5 milhões na aquisição de carteiras de planos de saúde e na abertura deseis novos centros médicos. No segundo semestre vamos investir outrosR$ 5 milhões, informou o diretor-geral da Samcil”.Na mesma matéria, o Presidente da Associação Brasileira de Medicina de Grupo(Abramge), Dr. Arlindo de Almeida, diz que:“...o desempenho da Samcil não vale para todo o segmento. No geral, asoperadoras de planos de saúde não estão bem porque nos últimos quatroanos o número de usuários de planos de saúde caiu de cerca de 40 milhõespara 35 milhões”.


146 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3Parece sempre haver uma necessidade ou uma estratégia de mostrar que o setor estáconstantemente em dificuldades. Levanta muitas dúvidas e coloca sob suspeição a forma comoé demonstrado o decréscimo de usuários do setor. Atualmente, utiliza-se o número de usuáriosregistrados na <strong>ANS</strong> para dimensionar o setor. Sabidamente existem subnotificações de registrosjunto à Agência, o que elevaria o número atual de usuários. De outro lado, a comparação é feitacom um número de usuários que surgiu de algum lugar, fruto de uma soma em que não foramapresentados os critérios. Quem fez a soma de todos os segmentos do setor? Os planos de saúdevinculados às instituições patronais de assistência aos servidores públicos civis e militares foramincluídos nestes números? Quem deu caráter oficial aos diversos números que circulam nomercado? Quem lhe confere tanta fidedignidade? Porque esses números oscilam com tantafacilidade? Ora contabilizam 46 milhões de usuários, mas em outras vezes já foram 42, 41, 40,38 milhões. Certamente, algumas operadoras tiveram redução no seu quadro de usuários. Seriamuita pretensão querer que todas as empresas de um determinado segmento tivessem o mesmodesempenho e crescimento. Entretanto, será que efetivamente houve redução do número deusuários no setor? A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, do Instituto Brasileiro deGeografia e Estatística – IBGE, realizada em 1998, estimava que 38,7 milhões de brasileirosestavam cobertos por pelo menos um plano de saúde, o que correspondia a 24,5% da populaçãodo País. Destes, 29 milhões (75%) estão vinculados a planos de saúde privados (operadorascomerciais e empresas com planos de autogestão) e 9,7 milhões (25%) estão vinculados aplanos de instituto ou instituição patronal de assistência ao servidor público civil e militar.A questão da redução do número de usuários de planos de saúde, no mínimo, precisaser mostrada e comprovada adequadamente, com metodologia de dimensionamentomercadológico.Há ainda que assegurar as articulações necessárias para que as estratégias encontremas condições necessárias para serem implementadas. É o grande ensinamento de Kaplan eNorton (2001) quando referem que a estratégia nunca foi tão importante quanto no atual ambientede negócios. Contudo, muitas empresas apresentam grandes dificuldades e muitas


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 147vezes fracassam na execução das estratégias. Atribuindo tal constatação ao fato de que asempresas ainda utilizam processos impostos de cima para baixo, fundamentalmente induzidaspor metas financeiras e voltadas para aspectos táticos. “Percebemos, então, que assistíamos aosurgimento de um novo modelo organizacional – a Organização Orientada para a Estratégia”.Nessa perspectiva, a instituição como um todo, suas unidades de negócio, unidades de serviçose, em conseqüência seus processos críticos – planejamento, alocação de recursos, orçamento,relatórios periódicos, reuniões de gerentes, processos de avaliação de resultados – se concentramem torno da estratégia.O ponto fundamental que interroga a relação entre Operadoras de Planos de Saúde ePrestadores de Serviços é “garantir a grande estratégia”.E qual seria a grande estratégia?Garantir lucros individuais, mesmo que para isto haja o comprometimento perigosode um parceiro de quem tanto dependemos? Primeiro garantir o nosso lucro e depoisauxiliar os parceiros? Garantir uma estratégia compartilhada de crescimento do setor, dentrode uma nova estrutura de custos, com foco na satisfação e fidelização dos clientes, naconstrução de uma logística mais racional, permitindo mais competitividade e maior poderde atração para os novos entrantes?Sem dúvida, essa é uma lição de casa tão difícil quanto necessária, entretanto, paradesenvolvê-la, primeiramente, é preciso acreditar que a grande estratégia não está nasatividades operacionais, que evidentemente necessitam de ajustes, mas, acima de tudo,desenvolver uma forte convicção que a grande estratégia está na capacidade conjunta de percebere de se relacionar com o mercado. Enfim, de perceber as tendências desse mercado e as suasoportunidades.Londres (2001), no quadro de tendências, apresenta um referencial aguçado através dasseguintes premissas: crescerá a tendência à desospitalização; diminuirá o uso de medicação etecnologia (racionalização); haverá o crescimento das medicinas complementares; o hospitalgeral irá sofrer concorrências especializadas; os preços deverão ser (quase) sempre previamenteconhecidos; a solidão e o amadorismo serão arriscados e trabalhosos; haverá maior


148 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3integração dos sistemas público e privado; a base será a saúde e não a doença; a base será aclínica e não a economia; o paciente será a pessoa principal do processo.Castro, Magalhães e Júnior (2002), reforçam o quadro de tendências para o setor dasaúde: mercado altamente regulamentado; acirramento da competição; estreitamento demargem; rigoroso gerenciamento de custos; entrada de capital e empresas estrangeiras;reconcentração (fusões e aquisições); privatização de parte do setor público da saúde eglobalização.As Operadoras e os Prestadores, na construção de um novo relacionamento, precisarãorepassar essas e outras tendências, rever seus serviços e produtos, perceber as aliançasestratégicas necessárias e possíveis e, acima de tudo, com a participação efetiva da AgênciaNacional de Saúde Suplementar, desenvolver e fortalecer as ações buscando “SINERGIA”.Do ponto de vista empresarial, segundo Goold e Campbell (2001), a sinergia, no léxicodos negócios, se refere à capacidade de duas ou mais unidades ou empresas em gerar maiorvalor, trabalhando juntas, do que os resultados que aufeririam por meio da atuação isolada. Deacordo com os autores a maioria das situações de sinergia em negócios assume uma das seisformas seguintes: compartilhamento do “know-how”; coordenação de estratégias; compartilhamentode recursos tangíveis; integração vertical; conjugação do poder de negociação ecriação de empreendimentos conjuntos. Goold e Campbell (2001), recomendam que “paraprevenir riscos, os executivos precisam submeter todas as oportunidades de sinergia a uma análiseobjetiva que esclareça os objetivos a serem auferidos, examine o potencial de contribuição dacorporação e leve em conta as possíveis desvantagens. A adoção dessa abordagem disciplinada decertosignificará menos iniciativas. Mas, as que de fato forem levadas adiante provavelmente proporcionarãoganhos muito mais expressivos”.De outro lado, a sinergia entre Operadoras de Planos de Saúde e prestadores de serviços,necessita estar colocada em uma perspectiva de relacionamento futuro no mercado e nacapacidade de estabelecer as estratégias adequadas. Para Hamel e Prahalad (1995), a competiçãopela previsão do futuro do setor é essencialmente uma competição pelo posicionamento daempresa como líder intelectual em termos de influência no direcionamento e forma da


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 149transformação do setor. A previsão do futuro do setor informa a direção da corporação. Acapacidade de previsão do setor ajuda a responder três perguntas críticas. Primeira: Quais novostipos de benefícios devemos procurar oferecer aos clientes daqui a cinco, dez ou quinze anos?Segunda: Que novas competências precisaremos desenvolver ou adquirir para oferecer essesbenefícios aos clientes? E terceira: Como teremos que reconfigurar a interface com o clientedurante os próximos anos?Hamel e Prahalad (1995), sugerem ainda que toda a empresa precisa ter uma arquiteturaestratégica. Essa seria, segundo os autores uma planta de alto nível de emprego das novasfuncionalidades, a aquisição de novas competências ou a migração das competências existentese a reconfiguração da interface com os clientes.Com toda a certeza, na relação de operadoras e prestadores, a capacidade de previsãodo futuro deve contemplar também, a resposta a uma quarta pergunta: Como teremos quereconfigurar a relação entre Operadoras e Prestadores nos próximos anos? Também é certo,que na arquitetura estratégica dessa relação deverá estar essa resposta.Nesse estudo, a sinergia da relação entre Operadoras de Planos de Saúde e Prestadoresde Serviços, está expressa nos temas, entre outros, que contribuem para a visãodirecionada, para o desafio permanente que é, sinergicamente, estabelecer a grande meta decrescimento do setor e criar as condições para que os resultados sejam alcançados. Comtoda a certeza, o apoio da Agência Nacional de Saúde Suplementar – <strong>ANS</strong> será definitivonesta jornada.O Alinhamento Estratégico é o primeiro deles. Sem dúvida é um tema especial. Nadimensão mercadológica, Operadoras de Planos de Saúde e Prestadores deverão alinhar as suasintenções estratégicas e estabelecer sua grande meta. Existe a grande meta? Já foi estabelecida?Em algum lugar, em algum momento, Operadoras e Prestadores se encontraram paraestabelecê-la? E qual é a grande meta? Ter 60, 70, 80 milhões de pessoas no sistema de saúdesuplementar? E o que é necessário para atingi-la? O nosso relacionamento atual permitirá? Oscustos atuais permitem estender o nosso produto com qualidade médico-assistencial àspopulações de renda mais baixa? Temos produtos alternativos com qualidade e custos


150 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3compatíveis com estas populações? A legislação atual dá condições necessárias para que essameta seja alcançada?Não há respostas fáceis para perguntas difíceis. Mas certamente as soluções caminharãopelo alinhamento estratégico em torno das muitas questões que vêm sendo discutidas e quepossuem grandes dificuldades de implementação em função de que o esforço tem sido individuale sem sinergia com os parceiros.O Estabelecimento de uma Agenda Conjunta com a <strong>ANS</strong> é outro tema de granderelevância. Quais prioridades serão determinantes nessa agenda? Sem dúvida, as discussõesquanto às possíveis correções de distorções provocadas pelo processo de regulamentação estarãona pauta. Mas, quais outras prioridades deverão compor uma agenda positiva? Nesse tema,três prioridades merecem atenção cuidadosa pela sua capacidade de potencializar as demais.A primeira é levar, em conjunto, a proposta de criação de uma Diretoria de RelacionamentoEstratégico de Operadoras e Prestadores com atribuições de constantemente alinhá-lasestrategicamente com o mercado e as suas oportunidades. As Operadoras e os Prestadores,assim, ganhariam uma maior interlocução com a <strong>ANS</strong>. Inicialmente passariam a terampliadas as possibilidades de solução dos atuais problemas operacionais, fazendo ajustes edisciplinando a operação. Progressivamente, migrariam para o foco estratégico, notadamenteno que se relaciona a sustentação legal para o crescimento e a estabilidade do setor.A segunda é a inclusão de novos entrantes no segmento. Segundo Teixeira, Bahia e Vianna(2002), apesar da lacuna de informações, é imenso o número de empresas empregadorasausentes do mercado de assistência suplementar. As empresas empregadoras e os planos desaúde, somados, representavam menos de 10% do total dos 1.928.276 de empresas constantesda Relação Anual de Informações Sociais (RAIS), em 1997. Os mesmos autores fazem umanotável análise a respeito da manutenção e ampliação do mercado de planos de saúde. Omercado está restrito às grandes empresas. Algumas empresas de médio porte conseguem


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 151contratar planos de saúde, entretanto as micros e pequenas empresas praticamente estão forado mercado. Acrescente-se os trabalhadores do mercado informal e teremos uma grandepopulação sem cobertura de planos de saúde. Portanto, constituem um grande mercado deoportunidades.Os mesmos autores sugerem “no caso de pequenas e médias empresas que a solução seriaestimular a formação de consórcios de empresas de porte reduzido, por segmento ou natureza deatividade”. E, no caso de trabalhadores informais sugerem a formação de algum tipo deconsórcio, ou de associação mutualista, capaz de congregar trabalhadores de atividadesassemelhadas. Referem, ainda, para reduzir o risco das operadoras que estas deveriam atuarcom planos de baixo custo, com a participação do Estado através de alguma agência financiadoraoficial, assumindo o papel de ressegurador.A terceira, é um ponto de extrema importância no encaminhamento de soluçõespara ampliar o número de usuários no setor. Trata-se de rever a possibilidade da subsegmentação.A atual subsegmentação permitida na lei é restrita aos planos ambulatoriais, hospitalarescom ou sem obstetrícia e odontologia. Ocorre que essa configuração tem se mostradosem capacidade competitiva no mercado. Muitos locais do nosso país possuem limitaçõestécnicas para cumprirem com a atual subsegmentação. O custo gerado pela exigência dasubsegmentação em vigor impede a entrada de novos usuários no sistema. Colocar a subsegmentaçãocomo uma opção para as operadoras, em especial aquelas de menor porte, ouainda, para regiões onde se mostrar mais necessária, é uma alternativa premente. Não se tratada subsegmentação livre e sem controle, mas sob o registro e a tutela da <strong>ANS</strong>.A adoção de Sistemas de Financiamento com Compartilhamento de Riscos é outrotema de sinergia. Tanto por “captation” quanto por orçamento global, esta modalidade permiteum novo formato da relação entre Operadoras, Prestadores e empresários.O Gráfico 7 mostra a expressiva participação dos planos empresariais.


152 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3BENEFICIÁRIOS POR TIPO DE CONTRATAÇÃOFonte: Cadastro de Beneficiários e Produtos/DIDES/<strong>ANS</strong>/MS.Atualmente, 70,2% dos usuários de planos de saúde são de planos empresariais,portanto, os empresários possuem poder sobre as Operadoras de Planos de Saúde, uma vez quedecidem, agregam grupos de usuários e, em definitivo, pagam ou viabilizam a maior parcela dosrecursos. Entretanto, com exceções, boa parte dos empresários promove e patrocina planos desaúde para seus funcionários como mais um benefício, desconectado de um programaestruturado de qualidade de vida de seus colaboradores e de suas famílias. Muitas vezes, o planode saúde significa ficar livre de um problema, que traz incomodações e tira o foco principal dosempresários.Nem os empresários, nem as Operadoras e tampouco os Prestadores de Serviços teminvestido na avaliação sistemática dos resultados obtidos com a decisão de contratar um planode saúde. Os atrativos continuam sendo a rede credenciada e as tecnologias colocadas àdisposição que, na hora da venda, são exaltadas e, na hora da utilização, são consideradas vilãsdo sistema.Dois movimentos deverão ocorrer progressivamente e mudarão completamente essasrelações e os empresários passarão a ser os principais motivadores de um cenário mais coerentepara a área da saúde. O primeiro será o reposicionamento dos empresários que passarão acomprar a saúde de seus funcionários e dependentes e não mais um plano de saúde que só podeser utilizado nas doenças. Os empresários estarão monitorando e capitalizando os ganhos da


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 153decisão para o seu negócio. O segundo será a necessidade de reduzir custos e, portanto, estarãoabertos para mudanças do modelo vigente.Forma-se aqui um cenário propício para uma remodelagem do modelo atual, ondeOperadoras e Prestadores, juntos, estarão compartilhando riscos.O Gráfico 8 apresenta o crescimento da sinistralidade. De um lado, significa que os custostêm aumentado pela utilização dos serviços, de outro, cria a perspectiva de que, Operadoras,Prestadores e empresários, através de suas políticas de recursos humanos e de qualidadede vida, juntos, possam obter grandes resultados, tanto econômicos quanto clínicos.SINISTRALIDADEPor um valor previamente estabelecido e acordado entre si, criariam um vínculofortalecido com os empresários e estariam a serviço de um sistema de saúde com demandaadstrita, organizada, monitorada e acompanhada nas suas condições de saúde.Nessa proposta conjunta de Operadoras e Prestadores, estariam definidos a tipificaçãodo plano a ser oferecido, o modelo assistencial e a assistência gerenciada, que determinassemos papéis e a responsabilidade de cada um no sistema. Também estariam definidas asmetas, os riscos e os ganhos. Que tal o estabelecimento conjunto da meta de reduzir a sinistralidadepara 65% ?


154 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3Gestão Racional dos Recursos é a perspectiva de um novo relacionamento com asOperadoras de Planos de Saúde, exigindo um esforço dos Prestadores de Serviços, em especialdos hospitais e médicos, no sentido de reverem suas posições, suas formas estruturais eorganizativas. Para que se materialize este novo relacionamento, qualquer proposta, paraevoluir, necessariamente terá que permitir, sem quebra de qualidade, uma redução dos custos.Sendo assim, é importante reconhecer que o modelo de gestão vigente e tampouco a atualforma desintegrada da relação entre hospitais e médicos não possuem as condições derepresentarem essa proposta inovadora.Os resultados da gestão racional dos recursos estão diretamente associados ao modeloassistencial adotado. Esse modelo poderá ter maior sucesso, do ponto de vista econômico eassistencial, se estiver concebido de forma ampla e resolutiva, atendendo às diferentes fasesdos cuidados de saúde. A prestação de serviços em rede integrada com oferta e demandaorganizadas e com ênfase nos serviços ambulatoriais potencializam enormemente osresultados. É preciso incorporar na prática desse modelo outras estruturas de prestação deserviços, orientadas estrategicamente de acordo com as necessidades, abdicando da visãorestrita apenas a hospitais e a consultórios. A organização de serviços poderá ter: Unidadesde atenção básica e de Saúde da Família, Ambulatório de Especialidades, Ambulatório deTecnologias Resolutivas, Centro de Cirurgias Ambulatoriais, Hospital-Dia, Home-Care,Unidades de Cuidados Mínimos, Unidades de Curta Permanência, entre outros. É fundamentalque os modelos assistenciais apropriem-se da tecnologia médica, em especial os recursosda área de diagnóstico e tratamento, dando-lhe utilização racional para os aspectos dapromoção e da prevenção da saúde.A gravidade e a complexidade, nesse modelo assistencial, é destinada ao ambientehospitalar. Nesse, a gestão racional de recursos, entre outras, passa pelos critérios de internaçãoe alta, pela utilização de protocolos clínicos, pelo controle no uso de antibióticos e pelaredução das médias de permanência. Evidentemente, a utilização racional da tecnologia médicaé determinante para a contenção dos custos e para os resultados assistenciais.


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 155Aspecto absolutamente importante é que esse modelo assistencial esteja completamenteinter-ligado por um sistema de informações clínicas e administrativas, permitindo asua avaliação completa.Na essência de uma nova proposta de relacionamento com as Operadoras de Planos deSaúde, a relação entre hospitais e médicos necessita ser revista, ampliada e fortalecida. Osmédicos, segundo Machado (1995), assistem a um comprometimento da sua responsabilidadetécnica, provocada por um conjunto de situações de forte envolvimento econômico:burocratização dos procedimentos, erosão da autonomia profissional e dospreceitos éticos, empresariamento no setor da saúde ajustando assistência àbusca de lucro, perda do controle do médico sobre a produção, distribuição epreço final do serviço, e perda da liderança do processo médico-assistencial.Seferin (2003) demonstra, na figura 2 abaixo, a interposição das Operadoras narelação dos prestadores (hospitais e médicos) com os clientes.A REALIDADE ATUAL DO SETOR MÉDICO-HOSPITALAR


156 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3Seferin (2003) refere que “existe, hoje, um bem identificado esforço de redução de custos nasaúde promovido pelas Operadoras de Planos de Saúde, através de mecanismos que comprometem,seriamente, a qualidade da assistência à saúde e a responsabilidade técnica do médico”.Confrontada com essa realidade, boa parte das instituições representativas da categoriamédica tem feito discursos ferrenhos defendendo modelos antigos, eficientes para aquelaépoca, apropriados para o mercado médico então existente. Mas isso não garante o seu retorno.Há razões de sobra para perceber o quanto as questões econômicas, sociais e tecnológicas foramcapazes de mudar o mercado médico.É preciso encarar o momento com pró-atividade e criatividade, como tem feito aAssociação Médica Brasileira – AMB, que em uma iniciativa de vanguarda criou as Diretrizes deProcedimentos Médicos AMB/CFM, como parâmetro de orientação de conduta médica.Ao contrário de outras representações do segmento, lançou mão da competência do meiomédico para estabelecer parâmetros mais homogêneos de conduta médica, com redução dasindicações que não atendam aos mais recentes e adequados preceitos do exercício da atividademédica. Racionaliza a indicação de procedimentos com redução dos custos, além deatuar como instrumento de atualização profissional. Assim procedendo, chama para si, para acategoria médica, as definições, ao invés de esperar que o mercado as estabeleça, mais umavez, sob a ótica econômica. É necessário estudar novas formas de relacionamento com oshospitais. Médicos e hospitais necessitam encontrar novos caminhos, mais eficazes para arelação com as operadoras de planos de saúde.Os médicos, junto com os hospitais, terão que assumir a gestão do uso dos recursos eparticipar da racionalização de custos, garantindo para si as ações definidoras do processoassistencial, não permitindo que outros os estabeleçam baseados em critérios econômicos. Nessesentido, deverão compartilhar riscos com os pagadores, dar resolubilidade médica em nívelambulatorial, controle da freqüência de exames de diagnóstico, ações de promoção e prevenção,desenvolvimento e aplicação na prática de protocolos clínicos e controle do tempo depermanência. E, mais do que nunca, racionalizar o uso da tecnologia médica e demonstraros resultados da qualidade assistencial e do custo dos serviços.


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 157Para que se materialize este novo relacionamento, qualquer proposta para evoluir,necessariamente terá que permitir, sem quebra de qualidade, uma redução dos custos.Os hospitais e os médicos venderão a organização e a integração do corpo clínico para asOperadoras como um diferencial de qualidade e redução de custos. Os médicos deverão seorganizar em torno dos hospitais e suas estruturas de serviços. A gestão deverá ser profissionalizadae o foco deverá estar no cliente.Desta forma, hospitais e médicos, através de uma forte aliança, estarão criando ascondições necessárias para novas propostas junto às Operadoras. Espera-se que as Operadorasde Planos de Saúde sejam mais ousadas. É preciso desprendimento do modelo criticado,mas dominado e conhecido. É necessário que haja disposição de compartilhar riscos, mas,sobretudo, de dividir lucros. Espera-se que saibam e desenvolvam competência para reconheceros esforços e a capacidade organizativa dos Prestadores e aceitem um novo sistemade remuneração baseado em desempenho. As Operadoras precisarão desenvolver sistemasde gestão e financiamento que saibam reconhecer o desempenho da gestão do Prestador.Outra providência nas áreas de gestão racional de recursos que depende de grandefonte de sinergia é a desospitalização. Apesar de, conceitualmente, não haver restrições quantoà necessidade de um forte investimento em promoção e prevenção da saúde, na práticahá muitos obstáculos que teimam em retardar esta iniciativa que a cada dia que passase torna inadiável. Aspectos culturais e a competição entre Operadoras que se utilizam damoderna tecnologia médica e da marca de grandes Prestadores que estão associados aoaparato tecnológico são fatores que inibem as iniciativas. A insegurança da continuidadecontratual da população coberta e o interesse contrário de Prestadores de Serviços completamas razões impeditivas.Outra necessidade de alinhamento sinérgico é a formação de mercados gerenciados,como os atendimentos ambulatoriais e domiciliares, as ações de saúde direcionadas deacordo com as necessidades específicas de cada grupo populacional, a gestão de doenças, entreoutras. Caracterizam a introdução de medidas e estruturas racionalizadoras da assistênciamédica. Contudo, não tem sido fácil a aceitação no mercado desses conceitos. Segundo


158 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3Médici (1997), a menção ao termo “assistência gerenciada” traz uma série de reações positivasou negativas, entusiasmadas ou indiferentes, confiantes ou descrentes. Mas há o reconhecimentode que a assistência gerenciada surgiu como resposta aos problemas que o setor saúde vemapresentando desde os anos 70 nos países desenvolvidos: aumento dos custos sem aumento dacapacidade resolutiva dos serviços; restrições crescentes ao acesso, em função da elevação depreços, no caso dos serviços privados, e queda da qualidade, no caso dos serviços públicos, umavez que os orçamentos governamentais, por mais que aumentem a parcela destinada à saúde,não conseguem acompanhar a escalada de custos.Na verdade, não há boa aceitação destas formas que influenciam no acesso, na prestaçãoou no financiamento da assistência à saúde, porque na essência possuem, sempre, algum graude restrição. Os próprios agentes, por razões diferentes criam as dificuldades. Os hospitaisporque se interessam pela utilização dos serviços, os médicos que referem perder a sua autonomia,os usuários que reclamam da burocratização dos procedimentos e rotinas de acessoaos serviços. Até mesmo as Operadoras dificultam quando disseminam que o melhor plano éaquele que possui extensa rede de credenciados e de acesso aos grandes hospitais e à tecnologiade ponta.A Contratualização dos Serviços é um outro movimento que necessita de sinergia.As relações comerciais estabelecidas entre as Operadoras de Planos de Saúde e Prestadores deServiços, na sua grande maioria, estão formalmente celebradas em bases negociais de uma outraépoca e que, hoje, se encontram distantes da realidade praticada no mercado. As questõesmercadológicas e a realidade dessas relações comerciais, gradativamente, foram sendo alteradas.As imposições passaram a ser uma lógica insuperável. No início, com grande resistênciados Prestadores, com o tempo, pacificamente, as novas regras de mercado passaram a terum valor maior que os contratos vigentes. Assim, cresceram enormemente as situações deatrasos de pagamento, pagamento sem correção dos valores, glosas, regramento unilateral eoutros. Mas, sem dúvida, o aspecto de maior visibilidade, aquele que mais coloca em risco asgarantias da qualidade dos serviços prestados aos usuários é a figura da negativa de reajustaros preços dos serviços por parte das Operadoras.


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 159Tem sido uma luta estridente dos Prestadores de Serviços para que a <strong>ANS</strong> imiscua-se noassunto da contratualização. O movimento mais ruidoso foi levado a efeito durante o 1 o FórumNacional da Relação entre Hospitais e Demais Estabelecimentos de Saúde e Convênios. DaqueleFórum foi elaborado o documento denominado “Manifesto do Rio”. Esse documentoclamava, em última análise, pela participação da <strong>ANS</strong> para garantir a obrigatoriedade doreajuste de preços anual e para a obrigatoriedade da existência de um contrato de prestação deserviços entre os Tomadores e os Prestadores que garantisse as condições básicas e fundamentais.Recentemente, no dia 4 de julho de 2003, a <strong>ANS</strong>, através da Resolução Normativa n o 42,atendeu esse pedido. Através dessa Resolução a <strong>ANS</strong> estabelece os requisitos para a celebraçãodos instrumentos jurídicos firmados entre as Operadoras de Planos de Assistência à Saúde ePrestadores de serviços hospitalares, determinando o prazo de 180 dias para que os atuaiscontratos estejam dentro da nova normativa legal.Não será uma tarefa fácil, como muitos, a partir da RN 42, estão prevendo. Antes demais nada, é preciso criar, por parte de prestadores e operadoras, as condições negociais. Seráum outro momento. Afora a obrigatoriedade da efetivação dos contratos nos moldesdeterminados pela <strong>ANS</strong>, o importante é utilizar essa oportunidade para fazer uma série de ajustesoperacionais, restabelecendo critérios e eliminando conflitos recalcitrantes.Em relação aos honorários médicos. Quais serão os critérios para reajuste? Haverácompromissos ligados à freqüência e ao desempenho?Quais os novos critérios para definição dos reajustes das diárias e taxas INPC? IGP-M?Índice de inflação hospitalar? Índice concedido pela <strong>ANS</strong> para reajuste dos preços das operadoras?Quanto aos prazos e aos atrasos de pagamento, quais serão as novas regras? E aspunições pelo não cumprimento? As glosas continuarão a existir? Existirão cláusulas de pagamentode serviços com base em protocolos e evidências científicas previamente acordadas?Haverá auditoria baseada em critérios de qualidade? Haverá pactuação de prêmios por desempenhoeconômico e assistencial? Existirão cláusulas que estabeleçam que as mudanças dasregras somente serão válidas se acordadas por ambas as partes?E as órteses e próteses? Porque não pactuar que as operadoras e os prestadores negociarãoem conjunto com os fornecedores? E os medicamentos? Porque não migrar uma


160 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3parcela da margem para corrigir a defasagem das diárias e taxas, corrigindo uma antigadistorção? E as tabelas Não Brasíndice? Quais os critérios para inclusão de novos materiais e dereajuste de preços? Os materiais reutilizáveis continuarão, de um lado com a recomendação denão serem reutilizáveis, de outro com a enorme pressão para que sejam reutilizados no maiornúmeros de vezes possíveis? Se pode, não seria o caso de técnica e cientificamente haver umadefinição válida em todo o país? E os serviços auxiliares de diagnóstico e tratamento. Haveráinsistência no reajuste linear? Em que critérios basear a discussão dos reajustes? Será que oscritérios do serviço de imagem são os mesmos do laboratório bioclínico?Talvez ainda seja cedo para o equacionamento de tantas correções que foram ficando notempo. É bastante provável que ainda não tenhamos no curto prazo, ao menos em larga escala,as negociações baseadas em novas formas de comercialização como as diárias e taxas globais,consultas globais, emergência global, nem aquelas que compartilham riscos. Mas é muitoprovável que estejamos muito próximos de construir uma nova forma de relacionamento.Não se deve esquecer que chegamos nas distorções atuais por não termos construído umrelacionamento que permitisse gestão de recursos, controles adequados e sinergia de mercado.É imperioso garantir que as ofertas pública e privada dos serviços se completem, e queos dispositivos reguladores não venham a conter a ampliação do investimento privado naárea da saúde.Necessitamos e devemos atrair novos parceiros, como por exemplo, os nossos fornecedores.Não para serem observadores privilegiados de um sistema onde participam, masnão se envolvem. Nem para, como ocorre muitas vezes, reajustar preços muito acima do que osetor pode suportar. De forma muito especial, precisamos trazer o setor farmacêutico paradentro do sistema, não como um vendedor de medicamentos e sim como um parceiroestratégico, que agregue valor aos nossos produtos, que também esteja no palco das discussõese das ações efetivas para o crescimento do setor.A aproximação e o alinhamento estratégico de Operadoras e Prestadores, apoiados pela<strong>ANS</strong>, como facilitadora de um processo de aumento da competitividade, são condiçõesfundamentais para o crescimento do setor. É muito provável, que vencido o principal obstáculo,


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 161que é a aproximação e o alinhamento estratégico das Operadoras de Planos de Saúde com osPrestadores de Serviço, que se obtenha resultados, no mínimo, mais satisfatórios que os atuais.CONSIDERAÇÕES FINAIS – O ESCOPO DA REGULAMENTAÇÃONA RELAÇÃO ENTRE OPERADORAS DE PLANOS DE SAÚDE EPRESTADORES DE SERVIÇOSNo campo da relação do setor público com o privado, Evans et al. (1997) defendem apossibilidade de construção de ambientes institucionais propícios para a produção de capitalsocial. Um requisito fundamental para o estabelecimento dessas relações é a existência deinstituições autônomas. Com isso, nem o Estado, nem o mercado, nem a sociedade perdem suascaracterísticas.Evans et al. (1996) sustentam a idéia do papel central das instituições na formação de capitalsocial, por meio de uma sinergia na relação entre Estado e sociedade, quando da implementaçãode programas de desenvolvimento social. Essa centralidade apóia-se na autonomia do Estado,com o conceito de autonomia inserida, a qual representa a existência da combinação da burocraciaweberiana com uma intensa conexão com a estrutura social circundante (EV<strong>ANS</strong>,1995: 50). Ao contrário de Weber, contudo, Evans defende a união das esferas pública e privada.Enquanto Weber afirmava que essa relação seria uma ameaça à autonomia do Estado edas normas sociais, Evans afirma que a relação “sinérgica” (ação simultânea de diversos órgãospara a realização de uma função) entre o público e privado é essencial para otimizar a própriaintervenção do Estado na formulação de políticas e na estruturação do mercado.A melhor medida da relação entre Estado e capital privado, visando o desenvolvimento demercado, ocorre quando se combina uma forte tradição burocrática entre agentes públicos comuma relação, não de captura, mas de cooperação e confiança, junto ao setor privado. Assim, o Estadoé dotado de autonomia porque exerce a autoridade por meio de um rígido aparato burocrático, epossui inserção no setor privado quando se estabelecem laços e normas informais de confiança queasseguram cooperação para o alcance dos objetivos de política econômica (FERNANDES, 2001).


162 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3A <strong>ANS</strong> é a grande representante do Estado e, portanto, da sociedade. Deverá ser o grandeagente público com autonomia, inteiramente ativo no seu papel de regulamentar a relação entreos interesses do Estado, como sociedade, e o capital privado. As Operadoras de Planos de Saúdee Prestadores de Serviços deverão criar as condições necessárias para que o setor de saúdesuplementar seja fortalecido, dentro das condições inalienáveis de garantir os direitos, o acessoe a qualidade da assistência prestada aos usuários.Atualmente, no entanto, a par da reduzida atenção que tem sido dispensada para osaspectos estratégicos, a <strong>ANS</strong> vem dando continuidade às características da relação existenteentre esses agentes, isto é, tem se preocupado em demasia com as questões operacionais.Na medida que Operadoras e Prestadores estão engalfinhados nos conflitos operacionais,quando não conseguem mais suportar uma determinada situação, passam adesenvolver movimentos para atrair a Agência como uma força maior, decisiva e definitiva.Não se trata de deixar de reconhecer as intenções e a boa vontade da <strong>ANS</strong> em cumpriresse papel. Ocorre que, a continuar nessa direção e nesse ritmo, a <strong>ANS</strong> será transformada emum Juizado de Pequenas Causas, que tem sua importância, mas como expresso na suadenominação, tem por papel não resolver as grandes causas.Assim, primeiramente, entendo que a <strong>ANS</strong> deva fazer um grande esforço, para evitar oque logo pode se tornar inevitável, imiscuir-se sem seletividade nas relações operacionais deOperadoras e Prestadores de Serviços. Haverá uma grande tendência para que a <strong>ANS</strong> seinterponha na solução dos conflitos entre Operadoras e Prestadores de Serviços, notadamentequando o usuário estiver envolvido.De outro lado, é preciso reconhecer que existem problemas operacionais de enormemagnitude. Muitos, apesar do seu revestimento operacional, são capazes de inviabilizar o sistemae/ou comprometer fortemente os direitos dos usuários e a qualidade da assistência prestada.Assim, não é de bom alvitre querer que haja um afastamento completo das questões operacionais.Com a participação das Operadoras e dos Prestadores de Serviços, a <strong>ANS</strong> seletivamenteregulamentaria pontos operacionais críticos, isto é, aqueles que colocam em risco aqualidade dos serviços médico-assistenciais prestados ou o cumprimento das orientações de


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 163garantia dos direitos dos usuários. Alguns temas operacionais, entre muitos, de imediato,poderiam compor uma agenda consistente:Definição quanto à reutilização de material médico-hospitalar a ser desenvolvidaem conjunto com a Agência de Vigilância Sanitária – ANVISA. Pode haver reutilização?Caso positivo, para evitar que o número de reutilizações continue a serestabelecido baseado em forte componente econômico, é fundamental que hajauma definição técnico-científica, sob pena de haver comprometimento da qualidadeassistencial prestada aos pacientes.Criação de tabela de órteses e próteses, a exemplo do Brasíndice, utilizada comoreferencial máximo para aplicação das taxas de comercialização. Essa medidadaria um grande caráter moralizador no que se refere à comercialização de órtesese próteses, além de reduzir consideravelmente o custo desses materiais.A Resolução Normativa n o 42, de 4 de julho de 2003, certamente, dará uma enormecontribuição para que todos os requisitos fundamentais que regem a relaçãocontratual entre as Operadoras de Planos de Saúde e os Prestadores de Serviçosesteja celebrado formalmente através de um instrumento jurídico. Não será tarefafácil fazer cumprir a referida Resolução. Com toda a certeza a <strong>ANS</strong>, por umperíodo mais longo, deverá acompanhar o desenrolar das negociações, assegurandoo equilíbrio econômico da relação, para que não haja prejuízos naqualidade da assistência prestada. Os ajustes operacionais, se adequadamentenegociados, constituirão uma oportunidade para restabelecer uma disciplina narelação comercial, reduzindo substancialmente os conflitos. Embora previsto nocontrato, o reajuste de preços é um ponto que merece atenção especial da <strong>ANS</strong>,evitando os recentes desequilíbrios na atualização de preços. As Operadoraspraticaram reajustes com base em índices autorizados pela <strong>ANS</strong>, enquanto osPrestadores não tiveram a correção dos seus preços. A sugestão é que o índice dereajuste de preços autorizado pela <strong>ANS</strong> possa ser a referência para que Operadorase Prestadores façam as suas negociações de preços.


164 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3Adoção de uma tabela nacional de procedimentos, elaborada com a participaçãodos vários agentes, mas especialmente da Associação Médica Brasileira – AMB. Anova tabela seria atualizada anualmente, tanto do ponto de vista técnico comocientífico. Essa tabela seria utilizada como referência para o estabelecimento de umapolítica de preços. As Operadoras e Prestadores definiriam os preços a partir depercentuais ou múltiplos dessa tabela, conforme a negociação realizada.Essa incursão da <strong>ANS</strong> em alguns aspectos operacionais não pode descaracterizar o seupapel de atrair os agentes para o plano estratégico. Sem abrir mão da proteção aos direitos dosusuários, de forma diferenciada no que se refere aos resultados da qualidade assistencial, a <strong>ANS</strong>desenvolveria ações efetivas para fomentar a competitividade e o crescimento do setor.Nessa linha de ação, a aceitação da sugestão de criar uma Diretoria de RelacionamentoEstratégico de Operadoras e Prestadores, seria um início animador. Com essa Diretoria, a <strong>ANS</strong>agregaria consistência técnica e conhecimento das relações que são estabelecidas no mercado,suas mazelas e dificuldades e, sobretudo, sua capacidade de solução. Suas atribuições estariamvinculadas ao alinhamento estratégico das Operadoras e dos Prestadores com o mercado e suasoportunidades. Essa decisão permitiria que a construção das articulações se fizesse dentro daestrutura da <strong>ANS</strong>, portanto, concatenada com suas diretrizes. Permitiria direcionar as açõesem um outro rumo, mais ampliado do que apenas as questões operacionais. A prospecçãocontinuada de novos mercados, de novos produtos, de novas oportunidades de negócio, demudanças das normativas legais e da defesa dos interesses dos usuários, se fortalece com apresença conjunta de Operadoras e Prestadores alinhados estrategicamente. A <strong>ANS</strong>, assimganharia forças e fôlego para atuar decisivamente em uma agenda direcionada para o foco daampliação, da criação de incentivos, enfim, do crescimento do setor.A sugestão de instalação de uma câmara arbitrária para resolver as divergências surgidasna ruidosa operação entre Operadoras e Prestadores poderia estar vinculada a essa Diretoria,assim como as atuais Câmaras Técnicas de Contratualização, da Tabela da Tunep e de outras.Papel fundamental será alinhar Operadoras e Prestadores para o estabelecimento dagrande meta de cobertura assistencial na saúde suplementar. Não apenas uma meta numérica,


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 165mas uma definição consistente, acompanhada do modelo de gestão a ser adotado, da revisão daestrutura de custos, das populações que serão agregadas ao sistema, dos preços competitivos edos indicadores de qualidade assistencial. Tudo, definido em um plano estratégico conjunto.Apoiar o chamado e a inclusão da indústria farmacêutica na formatação de produtosdiferenciados e de maior resolubilidade para a população é outro ponto em que a <strong>ANS</strong>poderia contribuir para o desenvolvimento do setor.Rever as posições quanto à subsegmentação também se constitui em uma ação de grandecontribuição. A proibição da subsegmentação foi adotada para evitar distorções no atendimentodos usuários. É preciso considerá-la em uma outra perspectiva. Analisá-la como uminstrumento real de interferência e ampliação no mercado. Atualmente, as coberturas exigidasencarecem os planos e não permitem o acesso de uma parte substancial da população ao sistemade saúde suplementar. A subsegmentação criaria condições de atratividade para um grandenúmero de novos entrantes. Trata-se de prospectar o mercado e utilizar essa solução dentrode fronteiras mantidas sob controles rígidos. Não se trata de subsegmentação livre, como anteriormente,mas controlada nos interesses dos usuários e do crescimento do setor.A padronização de contas e o sistema de informações são considerados temas operacionais.Contudo, pela sua relevância e pelo seu valor estratégico, não apenas para as relaçõesentre Operadoras e Prestadores, mas para todo o sistema de saúde brasileiro, foi incluídodeliberadamente, como item das questões estratégicas. Esse é um dos temas quetrata da racionalidade do sistema. Qual a razão para que cada Operadora possua um sistemade contas? Com informações diferentes uma da outra? Com formatos diferentes deapresentação? Com exigências de documentações diferentes uma da outra? Integradamente,o que é feito com essas informações? A obrigatoriedade da CIH – Comunicaçãode Internação Hospitalar, é obedecida? Será suficiente? O Sistema de Saúde Brasileiro estásubmetido a um prejuízo na definição das políticas de saúde e da avaliação da economiado setor.Kornis e Caetano (2002), ao realizar os estudos de dimensionamento do subsetor deassistência médica suplementar do Brasil, referem-se à escassez de informações, em termos


166 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3quantitativos e qualitativos sobre o segmento no país. Concluem que, após analisar asinformações de uma gama enorme de instituições representativas do segmento, os dadosdessas fontes estão dispersos e apresentam discrepâncias significativas, para um mesmo ano.Este fato, aliado à inexistência de dados das mesmas fontes, para todos os anos, torna muitodifícil comparar as informações.Já há no mercado conhecimento e tecnologia de última geração para o desenvolvimentode um sistema único de contas padronizadas. Os Sistemas SIA-SUS e SIH-SUS sãobons exemplos. Esses sistemas atendem às necessidades e constituem um banco de dados degrande importância para o setor, do ponto de vista econômico e médico-assistencial.Porque não utilizar essa experiência e, alinhados, Operadoras, Prestadores de Serviçose a <strong>ANS</strong>, desenvolver um sistema único de contas padronizadas, tendo como subproduto asinformações epidemiológicas e da qualidade da assistência prestada? É bom lembrar que o SUSsomente passou a ter informações epidemiológicas e de qualidade quando as atrelou ao sistemade contas ambulatoriais e de internações ao sistema de apresentação e pagamento de contas.As respostas certamente são muitas e encontram justificativas de toda a ordem. Oimportante, no contexto desse estudo, é fortalecer a convicção de que não há mais razões para,além de modernizar a apresentação das contas, privar o sistema brasileiro de saúde dasinformações de saúde e de seus aspectos econômico-financeiros.Os ganhos seriam enormes. Redução considerável da burocracia do setor, eliminação deparcela considerável de custos fixos, possibilidade de integração com o banco de dados daDatasus, criando-se as condições para o estabelecimento de protocolos de avaliação daassistência prestada e da saúde no Brasil, nas suas mais variadas necessidades.A criação de um fundo para financiamento das ações de promoção e prevenção é um temade grande importância e que merece ser estudado nas suas mais diferentes repercussões.É preciso analisá-lo como um fundo de financiamento, como medida estimuladora e revigoradorado setor, como forma de redução de custos para as Operadoras e para o setor da saúde,como ações de saúde e não de doença, enfim, como melhoria da saúde e da qualidade de vidada população brasileira.


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 167A ênfase nas ações de promoção e prevenção da saúde tem sido objeto de discursoscontundentes, de conceitos articulados, de políticas sociais e, especialmente, do seu esquecimento.Na prática, na hora de fazer os investimentos, os recursos são direcionados para atecnologia de ponta e para os procedimentos de alta complexidade. Criou-se, de um lado, umnível de atenção à saúde que concentra um grande volume de recursos, e de outro, um nível deatenção à saúde de baixa remuneração, de baixa valorização no mercado. Até mesmo o desenvolvimentotecnológico na área da saúde está prioritariamente destinado à intervençãona doença e não na saúde. Um conhece suas fontes de recursos, o outro, apesar do seu conceito,não recebe os investimentos necessários. É preciso conviver, na intensidade necessária,com todos os níveis de atenção à saúde, para que cada um produza os seus efeitos.Inicialmente, mediante estudos técnicos, seriam definidos quais os procedimentos eeventos classificados como de promoção e prevenção da saúde. Uma vez definidos, seriarealizado um estudo de freqüência e de custos, estabelecendo a grandeza econômica dessesprocedimentos e eventos. Conhecidos os valores, seria constituído o fundo.O fundo funcionaria como uma espécie de agente financiador, administrado por umcolegiado indicado pelas operadoras e supervisionado, no que se refere à utilização exclusiva nosprocedimentos e eventos definidos como promoção e prevenção, pela <strong>ANS</strong>. Outra possibilidadeé que o fundo, ao invés de ser coletivo, seja individual e obrigatório para cada Operadora.A <strong>ANS</strong> autorizaria a que as Operadoras praticassem um percentual de reajuste adicional,com a finalidade específica de ser destinado ao fundo de promoção e prevenção. Para capitalizaçãodo fundo, haveria uma carência de 12 meses. Decorrido esse período, o fundo passa afinanciar as ações obrigatórias de promoção e prevenção. Somente para fins de argumentação,se admitirmos que o valor autorizado fosse de R$ 2,00 mensais por usuário, no final de um anode carência, teríamos cerca de R$ 1 bilhão no sistema de saúde suplementar para ser progressivamenteaplicado exclusivamente em ações de promoção e prevenção da saúde. A essevalor, mensalmente iriam sendo agregados em torno de R$ 70 milhões mensais. No caso deum fundo coletivo, os recursos seriam retirados de forma proporcional aos depósitos. Casoo fundo seja individualizado por Operadora, a operação torna-se mais simplificada.


168 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3A <strong>ANS</strong>, ao considerar a possibilidade de uma alternativa com essas configurações,poderia valer-se de consultorias técnicas e especializadas para verificar a viabilidade de criaçãode um fundo com essa finalidade, tanto do ponto de vista econômico, quanto legal eoperacional. Aqui, nesse estudo, o importante não são os valores ou o detalhamento estruturalda proposta. O fundamental é perceber que existem outras oportunidades no mercado.Havendo alinhamento estratégico, foco no mercado e no cliente, surgirão as soluções.A Regulamentação para os Planos de Saúde ligados aos Institutos de Previdência dosEstados, Municípios e outros órgãos ligados ao serviço público é outro movimento que podetransformar completamente o setor de saúde suplementar. Inicialmente, cabe registrar que,enquanto há um rigoroso controle sobre as ações das Operadoras de Planos de Saúde Privadas,com um grande elenco de regras fortemente supervisionadas para garantir os direitos dosusuários, de outro lado, há uma permissividade com os planos de saúde mantidos pelo poderpúblico estadual e municipal. Os usuários desses planos não necessitam da proteção do Estado?Quem garante os direitos desses usuários? Na área da saúde, para quem não tem os seus direitosatendidos, que diferença faz se quem os nega está na iniciativa pública ou privada? Até quandoos Prestadores farão os atendimentos sem pagamento pelos serviços prestados?É caótica a situação da maioria dos institutos de previdência dos Estados e Municípios.Essa situação vem se agravando ano a ano, fruto, em especial das deficiências da gestão,e também pelo forte componente político-partidário, que em muitas vezes privilegia a militânciaem detrimento da competência necessária para exercer as funções de gerenciamento.Atividades que exigem dedicação integral e qualificação profissional.Em alguns Estados a situação é dramática. A enorme dívida com os Prestadores colocaem risco a qualidade e a continuidade do atendimento. Coloca em risco a continuidade dasatividades dos próprios Prestadores de Serviços.Essas instituições atendem uma expressiva massa de usuários que também merecem terem sua defesa as leis que impõem limites às Operadoras. Muitas se utilizam do fato de não seremregulamentadas para estabelecer suas próprias regras, com toda a sorte de distorções.


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 169Porque não subordiná-los à lei de regulamentação, fazendo os ajustes que sãonecessários, em função da sua natureza jurídica?A associação dessas instituições com as Operadoras de Planos de Saúde pode se constituirem uma grande solução. Não apenas para as instituições ligadas ao poder público, mas para osegmento da saúde suplementar que passaria a ter uma população expressiva entrando no sistema.Essas instituições públicas contratariam uma Operadora de Planos de Saúde. Por opçãoindividual ou coletiva e mediante um acerto comercial, que envolve os recursos anteriormentearrecadados somados a um complemento, os usuários passam a ser beneficiáriosda Operadora de Plano de Saúde, assumindo todos os seus direitos.Nessa negociação, as instituições públicas, por agregarem um grande número deusuários, teriam ganhos de escala expressivos nas negociações. Continuariam com as suasdemais atividades, seu patrimônio e ainda, poderiam desenvolver e se especializarem nocontrole e na qualidade dos serviços prestados pela Operadora de Plano de Saúde. É umaespécie de terceirização do plano de saúde diretamente para uma Operadora.Os usuários, por sua vez, imediatamente estarão enquadrados na Lei de Regulamentação,passando a receber a proteção legal que lhes é de direito.Outro ganho notável seria a inclusão dos dados desses usuários, ampliando ainda maisa base epidemiológica e econômica do sistema de informações do setor de saúde suplementar.Novamente, estamos diante de uma solução que necessita ser estudada tecnicamentepor profissionais especializados. A <strong>ANS</strong> poderia prospectar esse mercado, fazer os estudosnecessários e, até mesmo, em se mostrando viável e havendo interessados, orientar o processode negociação.Finalmente, é necessário repensar o setor da saúde suplementar com uma estratégicaglobal e com a visão social que merece. Operadoras de Planos de Saúde e Prestadores de Serviçosdeverão, progressivamente, ajustarem a sua operação, garantindo processos criativose mais simplificados. Vencer os conflitos atuais é absolutamente fundamental para quepossam avançar.


170 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3Operadoras de Planos de Saúde e Prestadores de Serviços precisam estar alinhadosestrategicamente. Vencendo os desafios da gestão racional dos recursos, da criação de modelosassistenciais mais adequados, de mercados gerenciados. Depois, juntos, trazendo a <strong>ANS</strong>para uma agenda de grandes desafios no cenário estratégico, no mercado.A <strong>ANS</strong>, cumprindo com o seu papel de defesa do consumidor, mas acenando positivamente,junto com Operadoras de Planos de Saúde e Prestadores de Serviços, para uma açãoconcreta de alterar posições no mercado, em especial permitindo condições para os novosentrantes no sistema.A <strong>ANS</strong> deverá ter o cuidado especial para somente atuar seletivamente nos processosoperacionais das Operadoras, despendendo sua energia para garantir o crescimento do setor, aqualidade da assistência prestada e o direito dos usuários.Como foi observado no início desse estudo, ao analisarmos ou modificarmos a relaçãoentre Operadoras de Planos de Saúde e Prestadores de Serviços, na verdade, estamosanalisando ou modificando o fulcro do único objetivo desejado pelo cliente ao subscrever umplano de saúde: a segurança de ter acesso aos serviços de saúde. Portanto, somente tem sentidomodificar as relações se, ao final, tudo resultar em uma grande melhoria da qualidadeda assistência prestada e na garantia do atendimento aos seus direitos. Não há como obteresse resultado sem observar a inalienável interdependência entre Operadoras de Planosde Saúde e Prestadores de Serviços. É por essa razão que precisam estar juntas, estrategicamentejuntas.O Gráfico 9 apresenta os resultados de pesquisas realizadas por importantes, competentese acreditados institutos de pesquisa brasileiros. Considerando o momento atual dosistema de saúde suplementar, os resultados são bastante animadores.


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 171NÍVEL DE SATISFAÇÃO DEUSUÁRIOS DE PLANOS DE SAÚDEA propósito, pensando em quem o usuário respondeu às perguntas que permitiramas respostas do Gráfico 9. Nas Operadoras de Planos de Saúde? Não teria sido nos Prestadoresde Serviços?


172 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3REFERÊNCIAS BIBLIOGRÀFICAS1. ABRAHÃO, José Carlos, A Relação do financiamento entre as operadoras e os prestadores de serviços,2003. (Preparado para o 6 o Simpósio de Planos de Saúde Health Business Fair).2. ALMEIDA, Arlindo, Uma regulamentação conflituosa, Seguros Riscos, São Paulo, Technic Press, 12(124): 6-7, jul. 1998.3. ALMEIDA, Arlindo e PAIVA, Eleuses, Explodem críticas aos planos de saúde privada Jornal SaúdeHoje, Confederação Nacional de Saúde, Brasília, Ano XIII, n o 131, julho/agosto, 2002.4. <strong>ANS</strong> admite: ainda há muito espaço a conquistar, Seguros & Riscos, Rio de Janeiro, v. 83, n o 836, p. 5-7, jan./mar. 2001.5. <strong>ANS</strong> - Agência Nacional de Saúde Suplementar, Tendências e Desafios dos Sistemas de Saúde nasAméricas, Rio de Janeiro, 2002.6. APÓLICE, Mercado confuso: operadoras e seguradoras de saúde ainda trabalham para adequar seusprodutos à nova legislação, São Paulo, n o 32, p. 13-4, abr. 2000.7. ARCHER, Margaret, Culture and Agency, Cambridge, Cambridge University Press, 1998.8. ASSOCIAÇÃO MÉDICA BRASILEIRA, Pesquisa Planos de Saúde: avaliação dos planos privados,2002, disponível na Internet: http://www.amb.org.br/inst pesquisa planos.php3.9. ASSOCIAÇÃO MÉDICA BRASILEIRA, propostas de sugestões ao ministério da saúde de temas aserem discutidos no fórum da agência nacional de saúde suplementar, Rio de janeiro, 2003.10. ATALA, Sérgio, Advogado analisa a nova Lei, Seguros & Riscos, São Paulo, Technic Press, 12 (124):8-11, jul.1998.11. AUSTIN SETORIAL, Relatório de Análise Setorial Planos de Saúde, São Paulo, 2003.12. BAHIA, Ligia, Planos Privados de Saúde: Luzes e sombras no debate setorial dos anos 90, Ciência &Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, 2001.13. BENJÓ, Isaac, Fundamentos de Economia da Regulação, Rio de Janeiro, 1999.14. BRADESCO SEGUROS, Relatório Anual, São Paulo, p. 30. 2002.15. BRANDT, Reynaldo Brandt, A viabilidade dos hospitais como centro de serviços para atendimentointegral dos usuários de planos de saúde, São Paulo, 2003.(Preparado para o 6 o Simpósio de Planos deSaúde Health Business Fair).16. BRASIL, Ministério da Saúde. Lei 9.656 de 3 de junho de 1998. Brasília, 1998.17. BRASIL, Ministério da Saúde, Agência Nacional de Saúde Suplementar, O impacto da regulamentaçãono setor de saúde suplementar, Rio de Janeiro, 2001.18. CASTRO, Antônio Joaquim Werneck, MAGALHÃES, Roberto Eugênio Almeida e JÚNIOR WalterVieira Mendes, Parâmetro da Assistência Gerenciada praticados pelas operadoras de Planos de Saúde,Rio de Janeiro, <strong>ANS</strong>, 2002.


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Diretrizes Clínicas como Instrumentode Melhoria da Qualidade daAssistência Suplementar: o papel daAgência Nacional de SaúdeMargareth Crisóstomo Portela 1INTRODUÇÃOA área da assistência à saúde e, mais especificamente da assistência médica, tem sidomarcada, desde a década de 90, por uma crescente preocupação com o estímulo ao uso e efetivautilização de práticas endossadas pelo conhecimento científico corrente. A motivação maior é aperspectiva de melhoria da qualidade da assistência, mas de forma progressiva também temganho importância a perspectiva de alocação mais eficiente de recursos, comumente limitados.Outras motivações também consideradas incluem a proteção contra o risco de acusaçõesrelativos à prática profissional e à redução de custos. Entretanto, ainda não existe um consensoem relação a esses dois últimos aspectos.Hoje é internacionalmente aceita a pressuposição de que a implementação de diretrizespara a prevenção, diagnóstico, tratamento e reabilitação de doenças, definidas a partir da evidênciacientífica disponível acerca da eficácia e efetividade de intervenções, produz melhoresresultados na população assistida (BODENHEIMER et al., 2002; GRIMSHAW & RUSSELL, 1993).Inúmeras organizações (Quadro 1), em diversos países do mundo, têm se dedicado à sistematizaçãode evidência científica e desenvolvimento de diretrizes para a assistência à saúde,merecendo destaque algumas agências governamentais, pelo volume e independência na produçãoque ocorre de forma direta ou através do financiamento de projetos. Atuando junto a|1| PhD em Healthy Policy and Administration, Universidade da Carolina do Norte, Chapel Hill/E.U.A.Pesquisadora-Associada do Departamento de Administração e Planejamento em Saúde da ENSP/Fiocruz.


178 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3essas agências, ou não, e desempenhando um importante papel, também se incluem sociedadesprofissionais, instituições acadêmicas e organizações não governamentais. Com menor nívelde independência de interesses listam-se ainda organizações privadas, entre as quais diversosplanos de saúde.Sublinha-se também o fato do esforço em torno do desenvolvimento de diretrizespara a assistência à saúde atender a interesses de Sistemas de Saúde diversos, mais ou menosdependentes de recursos públicos.Assume-se que diretrizes podem contribuir para a melhoria da qualidade da assistênciaà saúde e opta-se, neste artigo, por restringir a discussão do papel das mesmas ao âmbitoclínico, sem deixar de reconhecer que ele pode ser muito mais amplo. Dessa forma, a partir desteponto, diretrizes serão qualificadas como clínicas.O objetivo é prover elementos que subsidiem as funções que a implementação dediretrizes clínicas pode exercer no contexto da Saúde Suplementar, bem como o papel que podeser desempenhado pela Agência Nacional de Saúde (<strong>ANS</strong>), nesse sentido.Inicialmente, serão apresentadas definições para Medicina Baseada em Evidência eDiretrizes Clínicas, de modo a propiciar ao leitor o entendimento adequado da terminologiaempregada. Em seguida, será focalizada a questão da Qualidade da Assistência à Saúde,estabelecendo-se uma conexão entre diretrizes clínicas e a abordagem clássica, que consideraQualidade em termos da estrutura, processo e resultados produzidos por serviços de saúde(DONABEDIAN, 1980). Também serão brevemente discutidos outros papéis potenciais que podemser desempenhados pelas diretrizes clínicas, seja na redução de custos, seja na definição deparâmetros de “boa prática”.Dada a contextualização mais teórica do tema, serão considerados os planos de assistênciagerenciada de saúde (managed care), importante cenário para o desenvolvimento eutilização de diretrizes clínicas no âmbito da Saúde Suplementar. Serão também abordadosalguns desafios hoje colocados e, por fim, reportada à experiência brasileira no desenvolvimentode diretrizes clínicas e discutido o papel potencial da <strong>ANS</strong> no que tange à sua implementaçãopor planos de saúde no Brasil.


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 179Marco teóricoA valorização da medicina baseada na evidência científica serve como cenário para odesenvolvimento de diretrizes clínicas. O que se entende por medicina baseada em evidênciae no que se constituem diretrizes clínicas?Medicina baseada em evidênciaMedicina baseada em evidência é a integração da evidência proporcionada por pesquisasclinicamente relevantes, da experiência do clínico e das preferências do paciente (SACKETTet al., 2000). A evidência proporcionada por pesquisas pode focalizar a acurácia e precisão detestes diagnósticos, a força de marcadores prognósticos e a eficácia e segurança de protocolos deprevenção, tratamento ou reabilitação. Novas evidências podem invalidar testes diagnósticos etratamentos previamente aceitos e proporcionam a sua substituição por outros mais acurados,eficazes e seguros. Como experiência clínica, entende-se a habilidade do clínico em usar o seuconhecimento e experiência para identificar rapidamente o diagnóstico e estado de saúde de cadapaciente, seus riscos e potenciais benefícios do uso de intervenções e seus valores e expectativaspessoais. Finalmente, os valores dos pacientes representam as suas preferências, preocupaçõese expectativas trazidas para o médico, que devem ser integrados à decisão clínica para que, defato, lhe sirvam.Diretrizes clínicasDiretrizes clínicas constituem-se em posicionamentos ou recomendações (statements)sistematicamente desenvolvidos para orientar médicos e pacientes acerca de cuidados de saúdeapropriados, em circunstâncias clínicas específicas (IOM, 1990). Elas contemplam indicações econtra-indicações, bem como benefícios esperados e riscos do uso de tecnologias em saúde(procedimentos, testes diagnósticos, medicamentos etc.) para grupos de pacientes definidos.Podem ser utilizadas com os propósitos de garantia de qualidade e subsídio para a definição depolíticas de reembolso ou cobertura. O termo cuidados de saúde apropriados refere-se aos


180 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3cuidados para os quais os benefícios esperados excedem, por uma margem razoável, àsconseqüências negativas.A discussão em torno de diretrizes clínicas origina-se da percepção de variações dospadrões de prática e utilização de serviços de saúde, uso inapropriado de serviços e incertezaacerca dos resultados obtidos pelo uso ou não uso de serviços ou procedimentos.À parte algumas pressuposições pouco realistas, o argumento básico considera que“evidência científica e julgamento clínico podem ser sistematicamente combinados para produzirrecomendações clinicamente válidas e operacionais acerca de cuidados apropriados, que serãousadas para sensibilizar médicos, pacientes e outros, no sentido de mudar suas práticas paraobtenção de melhores resultados e diminuição de custos” (IOM, 1992).Fatores relevantes na seleção de tópicos para o desenvolvimento de diretrizes clínicasincluem: relevância epidemiológica da condição, custos, potencial de mudança nos resultadosde saúde, nível elevado de variação na prática e prevalência de uso de uma tecnologia.Além de médicos e pacientes, outros usuários de diretrizes clínicas incluem pagadores,planos de saúde e tomadores de decisão e reguladores públicos. Esses podem utilizá-las emdecisões acerca de que cuidados reembolsar ou encorajar, e na avaliação de decisões, ações oudesempenho dos usuários primários.Cinco relevantes propósitos de diretrizes clínicas são: (a) orientar a tomada de decisãoclínica por pacientes e por médicos; (b) educar indivíduos e grupos; (c) avaliar e garantirqualidade na assistência; (d) orientar a alocação de recursos na assistência à saúde; e (e) fornecerelementos de boa prática médica. Em relação à alocação de recursos, destaca-se a aplicação dediretrizes em decisões acerca da cobertura de serviços específicos ou na pré-certificação dapertinência do uso de certos serviços para determinados pacientes. Também deve ser sublinhadoo interesse crescente no que se refere ao modo como diretrizes clínicas e critérios de revisãorelacionados podem reduzir a exposição de profissionais de saúde e instituições àresponsabilidade por má prática.Expectativas no sentido do controle do custo total dos cuidados de saúde devem serlimitadas. A aplicação ampla de diretrizes orientadas em relação aos serviços superutilizados


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 181provavelmente levará à redução de despesas. Em outros casos, despesas serão transferidas decuidados inapropriados para cuidados apropriados. Ao mesmo tempo, diretrizes focalizadasem serviços subutilizados podem estimular o crescimento de despesas, particularmente se asestratégias para melhorar o acesso a esses serviços forem bem-sucedidas.Provavelmente, a maior razão para o desenvolvimento e uso de diretrizes clínicas seja oseu potencial de melhorar a qualidade da assistência à saúde. Como então se define qualidade ecomo as diretrizes clínicas atuam para a melhoria da qualidade de cuidados de saúde?Qualidade da assistência à saúdeO Instituto de Medicina dos Estados Unidos (Institute of Medicine – IOM, 1990) definiuqualidade da assistência à saúde como “o grau em que serviços de saúde para indivíduos epopulações melhoram a probabilidade de ocorrência de resultados desejados e consistentes como conhecimento profissional corrente”. Na medida em que as diretrizes baseiam-se no conhecimentocientífico, estimativas dos resultados esperados e julgamento profissional corrente,elas claramente têm um papel na avaliação e garantia de qualidade dos cuidados de saúde.Esforços para garantir qualidade devem prevenir ou, alternativamente, detectar e superartrês problemas: (a) superutilização de serviços desnecessários ou inapropriados; (b) subutilizaçãode serviços necessários; e (c) desempenho ruim em termos técnicos e interpessoais.Diretrizes clínicas e critérios de revisão que, explícita e claramente, descrevam os cuidadosapropriados para problemas clínicos particulares provêem uma base sólida para a detecção depadrões de super e subutilização. Diretrizes detalhadas também podem melhorar a provisãotécnica de cuidados. Certamente, alguns aspectos da técnica são devidos à habilidadeadquirida com a experiência e repetição, à atenção aos detalhes e a outros fatores. Bom desempenho,entretanto, depende de um sólido entendimento do que se constitui cuidados apropriadosou manipulação correta de uma tarefa técnica. Além disso, ao incluir boas estimativasde resultados esperados (riscos, benefícios), as diretrizes clínicas podem contribuir para melhorara comunicação, propiciando decisões conjuntas entre pacientes e médicos. Esses processosinterpessoais estão no cerne da visão humanística de qualidade.


182 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3Tomando a abordagem de Donabedian (1980) para qualidade da assistência, baseadanas relações entre estrutura, processo e resultado, as diretrizes clínicas constituem-se em umaexplicitação da relação entre processo e resultado (HORN & HOPKINS, 1994). Segundo talabordagem, a estrutura sob a qual a assistência é provida – recursos físicos, financeiros,organizacionais e humanos –, tem um efeito sobre o processo da assistência, que diz respeitomais especificamente ao que é feito para os pacientes e pelos pacientes. Por sua vez, o processopode ter efeitos sobre os resultados obtidos em relação ao estado de saúde dos pacientes esua satisfação com o sistema de prestação de serviços de saúde. Dessa forma, a avaliação emelhoria da qualidade da assistência não devem calcar-se somente nos aspectos estruturais(mais facilmente mensuráveis), e, grandemente, o desafio que se coloca é o estabelecimentode relações causais entre processo e resultados.Em termos práticos, diretrizes clínicas, critério de revisão médica e padrões de qualidaderelacionam-se mais diretamente com os processos de cuidados do que com os resultados, umavez que descrevem o que se constitui no gerenciamento adequado de problemas clínicos. Medidasde desempenho descrevem os dados necessários para avaliar se o comportamento vigenteestá alinhado às diretrizes, critérios e padrões. Programas de revisão de utilização e qualidadepodem empregar todos esses instrumentos para identificar serviços desnecessários einapropriados. Quanto mais as diretrizes estimarem, explicitamente, benefícios e riscos doscuidados, mais poderão diretamente contribuir para a especificação de critérios que relacionemboa qualidade dos cuidados aos resultados esperados nos pacientes.No contexto de um programa de melhoria contínua de qualidade, diretrizes clínicase critérios de revisão médica apresentam algumas possíveis aplicações. Na medida em que asdiretrizes se tornem mais sensíveis às preferências dos pacientes nas decisões, elas deveriam promovero consentimento informado, sua participação no processo de decisão e sua satisfaçãocom os processos e resultados do cuidado. Diretrizes também auxiliariam na identificaçãode resultados importantes a serem incorporados em pesquisas de satisfação, podendo desempenhar,junto a critérios de revisão, um papel na detecção de possíveis problemas de qualidadedecorrentes da super ou subutilização de intervenções, bem como provisão incompetente de


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 183cuidados. Podem, ainda, ser especialmente úteis em circunstâncias onde resultados de curtoprazo não sejam bons indicadores de resultados de longo prazo.Diretrizes clínicas constituem-se, portanto, em um elemento fundamental para a gestãoda clínica ou governança clínica, do qual, inclusive, outras tecnologias empregadas dependem. Agestão da clínica é apontada como componente crítico na gestão de sistemas integrados deserviços de saúde (MENDES, 2002). Governança clínica foi definida como um arcabouço peloqual organizações de saúde comprometem-se em melhorar continuamente os seus serviços emanter elevados padrões de cuidados, criando um ambiente propício para a excelência nocuidado clínico (SCALLY & DONALDSON, 1998).Identificando a força da evidência para certas práticas médicas, as diretrizes clínicaspodem subsidiar a determinação de prioridades para a melhoria e padronização de cuidadosespecíficos, bem como determinar a necessidade de estudos específicos relativos à efetividade deintervenções.Como elas têm o potencial de contribuir para a melhoria contínua de qualidade, aaplicação dos seus princípios pode dar suporte à sua efetiva implementação.Sumarizando, salienta-se a crença de que diretrizes práticas bem desenvolvidas, com basecientífica, tenham um papel a cumprir na avaliação e garantia da qualidade de serviços de saúde.Claramente, algumas podem evitar ou amenizar problemas de super ou subutilização eprecariedade técnica e interpessoal na provisão de cuidados. Diretrizes aceitas por aquelesresponsáveis por prover cuidados, aqueles responsáveis por financiar cuidados e aquelesresponsáveis por monitorar serviços em nome do interesse público, constituem-se em um meiode diminuir a distância entre estratégias internas e externas de garantia de qualidade.No que concerne aos modelos de garantia de qualidade, ressalta-se que devem focalizarproblemas do sistema, a melhoria do desempenho médio e a redução de variação na práticamédica. Especificamente: (a) diretrizes, critérios de revisão médica e outras ferramentas deavaliação, podem ser utilizadas para melhorar o desempenho médio, sendo ainda importantespara identificação de desempenho abaixo do padrão; (b) análise de como padrões de práticasindividuais diferem de padrões médios devem se sobrepor a dados estatísticos para considerar


184 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3diretrizes práticas relevantes como benchmarks; (c) informações estatísticas e diretrizespertinentes devem ser parte de um processo de feedback educacional sobre padrões de prática;(d) avaliação de desempenho e resultados devem localizar as fontes de resultados ruins e desviosdas diretrizes, de modo que problemas do sistema possam ser corrigidos e os esforços deinformação fortalecidos; (e) avaliação de desempenho e resultados também devem ser usadospara determinar se diretrizes clínicas precisam ser atualizadas ou revisadas; (f) proponentes dediretrizes e instituições de saúde devem promover conferências educacionais para sensibilizarmédicos em relação ao uso de diretrizes específicas, provendo uma oportunidade para discussãoe planejamento de ambientes específicos para sua aplicação; e (g) atividades institucionais, paradesenvolver ou adaptar diretrizes, no nível nacional, devem levar em conta os atributos quedevem caracterizá-las (Quadro 2).Custos e “boa prática”No que concerne às preocupações com a contenção de custos, financiadores públicos eprivados de cuidados de saúde podem utilizar diretrizes para: (a) subsidiar a determinação dacobertura de planos de saúde e evitar o pagamento de cuidados desnecessários e inapropriados;(b) orientar a seleção ou credenciamento de médicos para participação em planos de saúde ouinstituições; e (c) moldar outros incentivos econômicos que afetem o comportamento demédicos e pacientes. Prevalece o entendimento de que as diretrizes clínicas têm o potencial decontribuir positivamente para a racionalização na prestação de cuidados de saúde, através domelhor direcionamento dos recursos e limitação de variações inapropriadas na prática médica(GRIMSHAW & HUTCHINSON, 1995).Contratos de planos de saúde podem descrever cobertura em termos de: (a) categoriasamplas de serviços incluídos, tais como hospitalizações e consultas médicas, ou serviçosexcluídos, tais como serviços dentários; (b) tratamentos ou tipos de cuidados cobertos ou excluídos,especificamente nomeados, tais como transplantes; ou (c) cuidados médicosnecessários ou apropriados sem uma referência contratual explícita a serviços e condições


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 185específicas. As diretrizes apresentam relevância em decisões envolvendo as duas últimascategorias.Um crescente interesse em diretrizes clínicas também tem sido motivado pelo seu potencialde subsidiar decisões judiciais acerca da ocorrência de má prática. O seu papel na incidência eresolução de casos de negligência médica depende, entretanto, de vários fatores: ajuste dasdiretrizes aos atributos desejáveis (Quadro 2), nível de aceitação e efetiva utilização por partedos médicos, e extensão em que elas existem para tipos particulares de cuidados. Diretrizesbaseadas em evidência e julgamento científico, claras, específicas e desenvolvidas por organizaçõese processos amplamente legitimados, devem ter mais peso do que diretrizes vagas,inespecíficas e mal documentadas. Supostamente, devem ter mais impacto do que testemunhosde especialistas isolados, haja vista que documentam a força da evidência, a importânciados riscos e benefícios e o nível de indicação do caso para uma certa intervenção. Assim,elas poderiam subsidiar a justiça na distinção entre cuidados requeridos, opcionais e contraindicados.Ainda que opiniões variem em relação a esse potencial, o preceito “boa medicina éboa lei” é largamente aceito.DIRETRIZES CLÍNICAS NO ÂMBITO DA SAÚDE SUPLEMENTAR:PLANOS DE ASSISTÊNCIA GERENCIADAApesar das diretrizes clínicas servirem aos interesses de diversos Sistemas de Saúde,a discussão em torno do seu desenvolvimento e implementação no âmbito dos planos de saúdeé indissociável do modelo americano de assistência gerenciada. Elas ganham muita força nessemodelo, inclusive como critério de acreditação de organizações junto ao Comitê Americano deGarantia de Qualidade (National Committee of Quality Assurance – NCQA). NCQA é umaorganização americana que atua na área da qualidade da assistência à saúde, sendo responsávelpor um sistema de informações sobre o desempenho de organizações de assistência gerenciada,o Health Plan Employer Data and Information Set – HEDIS – (RENNER, 2002). HEDIS incorporaum conjunto de mais de 50 medidas da qualidade da assistência fornecida por organizações de


186 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3assistência gerenciada nos domínios da efetividade dos cuidados, acesso, disponibilidade eutilização de serviços, e satisfação com a assistência. Os dados cobrem cerca de 65% dasorganizações americanas de assistência gerenciada e aproximadamente 80% dos quase 70,5milhões de pessoas em planos de assistência gerenciada.No que consiste o modelo de assistência gerenciada (managed care)? O que sãoOrganizações de Assistência Gerenciada (Managed Care Organizations – MCOs)? O entendimentodesse modelo parece importante para a contextualização da importância assumidapor diretrizes clínicas. Por outro lado, como salientado anteriormente, a aplicação de diretrizesclínicas na Saúde Suplementar deve levar em consideração a experiência americana com osplanos de assistência gerenciada.A assistência gerenciada consiste em um sistema de controle da utilização de serviços desaúde que visa a articular a prestação de cuidados médicos necessários à contenção de custos,através de medidas reguladoras da relação médico-paciente (ALMEIDA, 1996). É proposta comoum meio de corrigir inadequações na quantidade e tipo de cuidado à saúde prestados a pacientes,envolvendo profissionais adequadamente treinados e educados, em facilidadesapropriadas, sob diretrizes práticas com potencial para produzir os melhores resultados paraos pacientes (KNIGHT, 1998).As MCOs constituem-se em organizações operadoras de planos de assistênciagerenciada. Podem pertencer a empresas com abrangência nacional ou regional, grupos demédicos, hospitais, seguradoras de saúde, cooperativas, investidores privados ou outrasorganizações, operando como uma corporação singular ou como subsidiária de umacompanhia de seguros. Além disso, podem oferecer planos de benefícios múltiplos ou serviçosmédicos específicos, tais como dentários, obstétricos ou oftalmológicos, por exemplo.Os diferentes tipos de MCOs incluem as Organizações de Manutenção da Saúde (HealthMaintenance Organizations – HMOs), as Organizações de Provedores Preferenciais (PreferredProvider Organizations – PPOs) e as Organizações sob a Responsabilidade de Provedores(Provider-Sponsored Organizations – PSOs), bem como combinações entre elas. HMOs, a partirdo contrato com médicos ou empregando médicos, hospitais e outros profissionais de saúde,


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 187oferecem serviços abrangentes para os seus clientes por uma quantia fixa mensal. PPOsconstituem-se em redes de hospitais, médicos e outros profissionais de saúde que provêemcuidados de saúde por um valor negociado. Normalmente tais planos são oferecidos como umaopção a um plano de saúde tradicional e, em contraposição com HMOs, os riscos financeirossão assumidos por organizações, tais como companhias de seguros ou empresas de autogestão.PSOs são organizações pertencentes ou controladas por provedores de serviços de saúde,formadas para contratar diretamente com empresas de planos de saúde, no sentido de provercuidados para os seus beneficiários; de todas as categorias, é a menos específica, e muitas sãolicenciadas como HMOs.Qualidade e diretrizes clínicas na assistência gerenciadaO uso de diretrizes, como estratégia para a melhoria da qualidade da assistência, temsido amplamente considerado na assistência gerenciada. Ele é contemplado, por exemplo, emum modelo proposto para um programa moderno de gerência de qualidade, norteado pelaperspectiva da melhoria contínua (SIREN e LAFFEL, 1998). O modelo envolve oito etapas: (a)entendimento das necessidades dos clientes; (b) identificação de processos e resultados querespondam às necessidades dos clientes; (c) avaliação do desempenho de provedores com baseem padrões profissionais ou benchmarks; (d) definição de indicadores para a medição dedesempenho, considerando o padrão de gravidade (case-mix) da população atendida; (e)estabelecimento de expectativas de desempenho; (f) monitoramento do desempenho ecomparação com as expectativas; (g) provisão de feedback para provedores e clientes; e (h)implementação de melhorias. O uso de diretrizes clínicas é colocado como uma estratégia naimplementação de melhorias, salientando-se a importância de que estejam ajustadas aosatributos recomendados pelo IOM (Quadro 2). Face às limitações das diretrizes, comumentenão desenhadas adequadamente para a implementação direta na prática, sugere-se medidaspara facilitar a sua implementação, tais como algoritmos, sumários ou formuláriospadronizados de registro médico.


188 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3Em abril de 1999, em Chicago, foi realizada uma conferência, promovida pela AssociaçãoAmericana de Planos de Saúde (American Association of Health Plans – AAHP), pela Agência dePolíticas e Pesquisa em Assistência à Saúde (Agency for Health Care Policy and Research – AHCPR)e pelo Centro de Prevenção e Controle de Doenças (Centers for Disease Control and Prevention– CDC), para discutir o papel dos planos de saúde como promotores e usuários de pesquisassobre qualidade da assistência à saúde (BERMAN, 1999). Três objetivos foram colocados para aassistência gerenciada: harmonização de diretrizes, desenvolvimento de estruturas de copagamentobaseadas em evidência, e clarificação do que se constitui necessidade médica. Excetono que concerne à solicitação de testes laboratoriais, foi expressa a crença no impacto positivode diretrizes na prática clínica. Entretanto, foram listadas algumas razões que induzem limitaçõesnesse sentido: (a) “confiança” na experiência clínica, incentivos financeiros e receio de má prática;(b) dificuldades no desenvolvimento, implementação e disseminação de diretrizes (devido àcomplexidade dos comportamentos-alvo e ao pequeno envolvimento de médicos); e (c) acoexistência de recomendações conflitantes. A obtenção de concordância em torno de umconjunto de diretrizes, sua disseminação para fácil disponibilidade e a melhoria do seu formatoe confiabilidade, foram estratégias apontadas no sentido de reduzir tais problemas. Ainda foramabordados os desafios enfrentados por provedores de cuidados de saúde em um ambiente depreocupação com os custos, com o balanço de necessidades individuais de pacientes e as amplasnecessidades de comunidades e populações. Foram enumerados alguns objetivos para cuidadoscom ênfase populacional: identificar intervenções efetivas e garantir sua distribuição eficiente;identificar intervenções inefetivas e minimizar seu uso; e monitorar resultados e mudar a prática,se os resultados são “sub-ótimos”.Richman e Lancaster (2000) focalizaram a aplicação de diretrizes clínicas no contexto deuma organização de assistência gerenciada – Tufts Health Plan –, destacando o seu papel naespecificação e padronização de processos de cuidado para grupos específicos de clientes comproblemas de saúde definidos. Os autores também visaram a identificação e análise de variaçãona prática médica e resultados obtidos, integradas ao processo de melhoria de qualidade.Referindo o papel do NCQA na padronização de normas para assistência gerenciada acerca do


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 189desenvolvimento de diretrizes, salientaram a opção da organização, sempre que possível, pelarevisão e adoção/adaptação de diretrizes existentes. Destacaram ainda os processos decomunicação das diretrizes a clientes e médicos relacionados aos planos e de medição do nível deadesão a essas diretrizes, chamando a atenção para o fato de que elas, sozinhas, são insuficientespara mudar significativamente a prática clínica. Nos casos de inconsistências, levantaram duasquestões a serem consideradas: (a) quanto de evidência é necessário para a adoção de uma novaforma de cuidado clínico?; e (b) como o médico sabe se a avaliação da evidência científica foiadequadamente realizada? Além disso, sublinharam a preocupação dos médicos com o númerode diferentes diretrizes que recebem de diversas organizações.Entre MCOs atuantes na assistência ao abuso de drogas e saúde mental, identificou-seque cerca de três quartos dos produtos usaram pesquisas de satisfação dos pacientes (70,1%),indicadores de desempenho (72,7%) e diretrizes clínicas (73,8%), como atividades de gerênciada qualidade da assistência, mas menos da metade avaliou resultados clínicos (48,9%) (MERRICKet al., 2002). Foram pesquisadas 434 organizações, em 60 áreas de mercado, e 415 reportaraminformação clinicamente orientada para 752 produtos. Observou-se que, entre os diferentes tiposde MCOs, os HMOs usaram mais atividades de gerência da qualidade e os PPOs menos, o queprovavelmente se justifica pelo fato dos primeiros assumirem os riscos financeiros da provisãode serviços. Além disso, verificou-se que tais atividades foram mais freqüentes entre produtosenvolvendo contratação de especialidades. O estudo não avançou na apreensão dos efeitos douso dessas atividades na qualidade dos serviços prestados, destacada, entretanto, a influênciado NCQA na incorporação de atividades de gerência de qualidade da assistência pelas MCOs.Enfim, vale reportar os resultados de um trabalho desenvolvido para o Escritório Geralde Contabilidade americano (US General Accounting Office), entre julho de 1995 e março de1996, visando ao conhecimento dos propósitos a que servem as diretrizes e como os planos desaúde utilizam diretrizes já desenvolvidas por agências federais e outras organizações (US GAO,1996). A partir de entrevistas com os diretores médicos de 19 planos individuais de assistênciagerenciada – localizados nos estados americanos da Califórnia, Flórida, Illinois, Maryland,Massachusetts, Minnesota, Virginia e Washington –, identificou-se pontos pertinentes à seleção


190 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3de áreas para implementação e adaptação/produção de diretrizes, enfatizando-se, mais uma vez,a preocupação com a utilidade de múltiplas diretrizes com recomendações conflitantes.Na seleção de aspectos da prática médica com potencial de melhoria através do uso dediretrizes, observou-se que os planos identificam áreas-problema, ou seja, serviços ou condiçõesde alto custo, alto risco médico e alta incidência para os seus clientes. Também identificamcondições para as quais a prática varia amplamente entre médicos da sua rede. Assume-se queesses critérios têm o potencial de auxiliar os planos a moderar as suas despesas e a melhorar seudesempenho em termos de medidas-chave de qualidade.Além disso, apesar dos planos reportarem o uso de diretrizes publicadas por agênciasfederais e outras organizações para a produção das suas próprias diretrizes, predominantementenão as adotam tais como são, mas modificam-nas, por diferentes razões: (a) para envolver eobter sugestões de médicos de sua própria rede; (b) para considerar intervenções mais custoefetivas,visto que nem sempre essas são as recomendadas; (c) para ajustá-las a restrições derecursos locais; (d) para ajustá-las a características demográficas da sua clientela; (e) para simplificá-las;ou (f) para atualizá-las. Especialistas, entretanto, apontam a preocupação com apossibilidade das modificações comprometerem a integridade de diretrizes clínicas, prejudicandoa obtenção de melhorias esperadas no cuidado a condições específicas (US GAO, 1996).Adesão de planos de saúde a diretrizes clínicasA adesão de planos de saúde ao uso de diretrizes clínicas parece variar dependendo daárea da assistência e tipos de organizações. Estudos indicam que a assistência à insuficiênciacardíaca, a assistência oncológica e a assistência oftalmológica, por exemplo, são caracterizadaspor maior adesão, enquanto a assistência à saúde mental é marcada por baixa adesão. Por outrolado, HMOs, conforme já mencionado, tendem a usar mais diretrizes do que PPOs, o mesmo sedando com organizações maiores, comparadas com menores.A assistência à insuficiência cardíaca foi o foco de um projeto anual de Avaliação eMelhoria da Qualidade, conduzido pelo Centro de Serviços para o Medicare e Medicaid (Centersfor Medicare and Medicaid Services – CMS), que visou a medir a adesão dos médicos às diretrizes


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 191clínicas nacionais (GLADOWSKI et al., 2003). No estudo, foram incluídos os 2.697 clientes doHighmark Blue Cross Blue Shield – um importante provedor de assistência gerenciada parao Medicare no oeste do estado americano da Pensilvânia – com hospitalização por insuficiênciacardíaca, entre julho de 1999 e junho de 2001. Concluiu-se que os pacientes com insuficiênciacardíaca foram, em grande parte, tratados de forma adequada, segundo as diretrizesclínicas seguidas.Bennett et al. (2003) realizaram um estudo envolvendo 1500 membros da SociedadeAmericana de Oncologia Clínica (American Society of Clinical Oncology – ASCO) e 131 HMOs,focalizando o valor dado às diretrizes clínicas propostas pela Sociedade. Concluíram haver apoioa elas, em geral, tanto entre médicos quanto entre HMOs. Na avaliação dos resultados, identificaramque cerca de 25% dos médicos tiveram dificuldades em encontrar e aplicar as diretrizesno ambiente clínico, e 10% as consideraram de difícil avaliação, interpretação ou leitura.Dos HMOs pesquisados, um terço reportou o uso das diretrizes, sendo o índice de utilizaçãomaior entre organizações maiores e com melhores avaliações junto ao NCQA. Os autoresapontaram a necessidade de futuros estudos para identificar barreiras para a implementaçãode diretrizes e para verificar se elas têm resultado em melhorias na assistência. Além disso,sublinharam que a maior deficiência reportada acerca das diretrizes da ASCO tem sido nãoorientar atividades de monitoramento e auditoria.Na área da assistência oftalmológica, Solomon et al. (2002) concluíram que a assistênciagerenciada afetou a organização, financiamento e prestação de serviços, enfatizando o extensivouso de ferramentas de gerência da qualidade com potencial para melhoria na qualidade daassistência. Em um estudo transversal envolvendo 88 serviços de prática de grupo e 56 de práticaindividual, distribuídos em diferentes regiões dos Estados Unidos e com contratos com seisHMOs afiliados a uma MCO nacional, observaram uma ampla utilização de diretrizes clínicas,protocolos ou algoritmos para a assistência a pacientes com retinopatia associada àdiabetes e glaucoma.A adoção de diretrizes clínicas propostas pela AHCPR para a cessação do fumo foiavaliada em 13 HMOs e 21 planos de assistência gerenciada do Medicaid na Califórnia em 1999(SCHAUFFLER et al., 2001). Os resultados indicaram consciência acerca das diretrizes por parte de


192 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 377% dos HMOs, mas menos da metade as utilizaram para desenhar benefícios ou distribuircondutas de tratamento para os provedores das suas redes. Todos os HMOs ofereciam aomenos um tipo de tratamento para cessação do fumo, sendo que 69% cobriam ao menos umaforma de tratamento medicamentoso e um tipo de aconselhamento para abolição da dependênciaao tabaco. A maioria dos HMOs e planos de assistência gerenciada do Medicaid informavaseus clientes sobre a cobertura de tratamentos para cessação do fumo bem como osprovedores sobre o seu papel no auxílio aos fumantes.Enfim, a baixa adesão às diretrizes clínicas na área de assistência à saúde mental, nocontexto da assistência suplementar, é indicada na literatura por trabalhos que sugerem nãohaver diferenças significativas entre planos do tipo “pagamento por serviço” daqueles deassistência gerenciada (AZOCAR et al., 2003; DICKEY et al., 2003). Azocar et al. (2003) desenvolveramum ensaio controlado randomizado para testar se as organizações de assistência mentalgerenciada poderiam influenciar a adesão de médicos a diretrizes clínicas para tratamento dedepressão, mediante a disseminação dessas diretrizes. Além de não identificarem qualquer efeitodisseminativo, observaram altas taxas de declaração de adesão médica não confirmadas nosprontuários. Também indicaram a necessidade de se identificar outras estratégias dedisseminação de diretrizes no sistema de saúde mental, visando à melhoria da adesão e dodesempenho de médicos em sua prática. Dickey et al. (2003) desenvolveram um estudocomparativo do tratamento de esquizofrenia prestado a beneficiários do Medicaid matriculadose não matriculados em assistência gerenciada, focalizando a adesão às recomendações vigentes.Não somente identificaram não haver diferença entre os tipos de planos, como também grandeinconsistência entre os cuidados ambulatoriais e as diretrizes propostas, ao contrário doscuidados hospitalares, que se adequaram mais a elas.DESENVOLVIMENTO E IMPLEMENTAÇÃO DE DIRETRIZESUm estudo recente descreveu as estruturas e métodos de trabalho empregados por 18programas de desenvolvimento de diretrizes – nove de sociedades profissionais, seis deorganizações governamentais, duas de organizações nacionais não governamentais, e uma de


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 193organização acadêmica, em 14 países – Alemanha, Austrália, Canadá, Dinamarca, Escócia,Estados Unidos, Finlândia, França, Holanda, Inglaterra, Itália, Nova Zelândia, Suécia e Suíça(BURGERS et al., 2003a). Os programas foram grandemente estabelecidos para melhoria daqualidade e efetividade da assistência à saúde, fundamentaram-se em bases eletrônicas de dadospara a coleta de evidência e revisões sistemáticas para a análise da evidência, e usaram procedimentosde consenso quando a evidência era insuficiente. As diretrizes foram normalmenterevisadas antes da publicação, sendo a internet amplamente utilizada para a sua divulgação. Asdiferenças encontradas entre os programas ocorreram na ênfase dada à disseminação eimplementação das diretrizes, provavelmente relacionadas a diferenças nos sistemas de saúde ea fatores políticos e culturais. As agências nacionais assumiram menos responsabilidade na suaimplementação do que as organizações profissionais, que também usaram procedimentosformais para sua atualização mais freqüentemente. Em países menores, as organizaçõesestiveram mais envolvidas com a implementação das suas diretrizes.Já havendo um certo entendimento em relação ao processo de desenvolvimento eatributos que devem caracterizar diretrizes clínicas, alguns desafios parecem ser hoje colocadosem relação à sua ampla implementação. Esses desafios têm sido alvo de estudos e incluem, emtermos gerais, a identificação de características facilitadoras do seu uso e de estratégias efetivaspara a sua disseminação.Estudos focalizando a identificação de características facilitadoras do uso de diretrizesclínicas, apontam que as recomendações mais facilmente incorporadas são baseadas emevidência científica, além de simples, precisas, claras, não controversas e não demandantes demudanças importantes na prática cotidiana (GROL et al., 1998; MOODY-WILLIAMS et al., 2002).Ressalta-se que a facilidade de aplicação e o potencial de reações negativas do paciente sãoaspectos mais relevantes para diretrizes diagnósticas do que para diretrizes terapêuticas(BURGERS et al., 2003b).Também é apontada na literatura a importância de que as diretrizes clínicas sejamdesenvolvidas ou endossadas pelas organizações profissionais e por médicos reconhecidos comolíderes nas áreas em foco (MOODY-WILLIAMS et al., 2002). Na ausência de evidência científica


194 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3suficiente para orientar o desenvolvimento de diretrizes, considera-se importante dimensionaros recursos necessários para promover a sua obtenção. Três componentes são indicados comofundamentais para sua aplicabilidade: (a) identificação de decisões-chave e suas conseqüências;(b) revisão de evidência relevante e válida sobre benefícios, riscos e custos de decisõesalternativas; e (c) apresentação da evidência requerida para informar decisões em um formatosimples e acessível, flexível às preferências de pacientes e clínicos (JACKSON & FEDER, 1998).Um outro aspecto crítico para a aplicabilidade de diretrizes é a sua atualização. Umestudo foi realizado com o objetivo de avaliar a validade corrente de 17 diretrizes publicadas pelaAgência de Pesquisa e Qualidade na Assistência à Saúde (Agency for Healthcare Research andQuality –AHRQ) ainda em circulação e estimar em quanto tempo elas se tornam obsoletas(SHEKELLE et al., 2001a). Os autores identificaram que sete delas requeriam grandes mudanças,seis requeriam mudanças pequenas, três ainda eram válidas e para uma delas não foi possível sechegar a uma conclusão. O estudo também indicou que cerca de metade das diretrizes estavamultrapassadas após 5,8 anos e não mais de 90% ainda eram válidas após 3,6 anos.Fundamentados em seus achados, recomendaram que, no que concerne à sua validade, asdiretrizes deveriam ser reavaliadas a cada três anos.Situações que podem indicar a necessidade de atualização de diretrizes clínicas incluemmudanças em: (a) evidência acerca de benefícios e riscos das intervenções; (b) resultadosconsiderados relevantes; (c) intervenções disponíveis; (d) evidência de que a prática corrente é amais apropriada; (e) valores colocados em resultados (e custos); e (f) recursos disponíveis paraa assistência à saúde (SHEKELLE et al., 2001b).No que se refere à disseminação de diretrizes clínicas, é mandatária a identificação deestratégias efetivas. Um exame de revisões sistemáticas de diferentes estratégias para adisseminação e implementação de achados de pesquisas, conduzido para identificar a evidênciada sua efetividade, apontou para a inefetividade da disseminação passiva de informações (BEROet al., 1998). Também indicou intervenções consistentemente efetivas – lembretes manuais oucomputadorizados, intervenções multifacetadas incluindo auditoria e feedback, consensos locais


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 195ou propaganda, e encontros educacionais interativos; e de efetividade variável – auditoria efeedback, uso da opinião de líderes, consensos locais e intervenções mediadas por pacientes.Entretanto, concluiu pela necessidade de maior exploração do tema.Entre as intervenções que visam a incrementar a implementação de diretrizes, tem sidoconsiderada a proposição de sistemas computadorizados que, a partir da comparação decaracterísticas do paciente com uma base de conhecimento, provê indicações específicas para opaciente e sua condição, servindo como guia para o profissional de saúde (ECCLES et al., 2002;PELOGI et al., s/d). Entretanto, um estudo controlado randomizado, que avaliou o uso deum sistema computadorizado para implementação de diretrizes na assistência primária àasma e angina em adultos, não proveu evidência de efeitos desse tipo de sistema, achado atribuído,em parte, ao baixo nível de utilização do software, dada a complexidade das condições(ECCLES et al., 2002).Vale ainda considerar a atitude de clínicos em relação às diretrizes clínicas: eles concordamem relação ao seu potencial de ajuda, reconhecem-nas como ferramentas educacionaisadequadas, e também as vêem como direcionadas à melhoria da qualidade da assistência.Entretanto, também as consideram pouco práticas e muito rígidas para a aplicação em pacientesindividualizados, preocupando-se com sua ênfase na redução de custos, a redução da autonomiaprofissional, um certo sentimento de vulgarização da medicina, e com a possibilidadeda adesão a elas gerar processos na justiça (FARQUHAR et al., 2002). É possível que a mudançadessa atitude se constitua no maior desafio para a implementação de diretrizes, que devem seridentificadas como subsídio para decisões clínicas acertadas e não uma contraposição àautonomia do profissional.A EXPERIÊNCIA BRASILEIRA NO DESENVOLVIMENTODE DIRETRIZES CLÍNICASA Associação Médica Brasileira (AMB) e o Conselho Federal de Medicina (CFM)coordenam hoje um grande esforço no sentido da elaboração de diretrizes médicas, baseadasnas evidências científicas disponíveis, com vistas a “auxiliar na decisão médica e otimizar o


196 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3cuidado aos pacientes” (AMB & CFM, s/d). Trata-se do Projeto Diretrizes, iniciado em outubrode 2000, envolvendo 36 Sociedades de Especialidades:. Academia Brasileira de Neurologia. Associação Brasileira de Psiquiatria. Colégio Brasileiro de Cirurgiões. Colégio Brasileiro de Radiologia. Colégio Médico de Acupuntura. Federação Brasileira das Sociedades de Ginecologia e Obstetrícia. Sociedade Brasileira de Alergia e Imunopatologia. Sociedade Brasileira de Angiologia e Cirurgia Vascular. Sociedade Brasileira de Cancerologia. Sociedade Brasileira de Cardiologia. Sociedade Brasileira de Cirurgia da Cabeça e Pescoço. Sociedade Brasileira de Cirurgia da Mão. Sociedade Brasileira de Cirurgia Digestiva. Sociedade Brasileira de Citopatologia. Sociedade Brasileira de Clínica Médica. Sociedade Brasileira de Colo-Proctologia. Sociedade Brasileira de Anestesiologia. Sociedade Brasileira de Dermatologia. Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia. Sociedade Brasileira de Genética Clínica. Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia. Sociedade Brasileira de Hematologia e Hemoterapia. Sociedade Brasileira de Infectologia. Sociedade Brasileira de Mastologia. Sociedade Brasileira de Medicina do Esporte. Sociedade Brasileira de Medicina Física e Reabilitação


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 197. Sociedade Brasileira de Nefrologia. Sociedade Brasileira de Neurocirurgia. Sociedade Brasileira de Neurofisiologia Clínica. Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia. Sociedade Brasileira de Otorrinolaringologia. Sociedade Brasileira de Patologia. Sociedade Brasileira de Pediatria. Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia. Sociedade Brasileira de Reumatologia. Sociedade Brasileira de UrologiaEsse projeto já produziu 100 diretrizes (Quadro 3), elaboradas pelas Sociedades de Especialidades,a partir da constituição de grupos de trabalho, delegação da tarefa a um únicomembro, ou do estabelecimento de um processo consensual e multidisciplinar, com envolvimentode diversas especialidades.As Sociedades elegeram os temas abordados, sendo orientadas pelo comitê técnico doprojeto a realizar revisão sistemática da melhor evidência científica disponível acerca dosdesfechos relacionados ao uso de intervenções, considerando o desenho do estudo, a consistênciadas medidas e a validade dos resultados da revisão da literatura existente. Somente excepcionalmenteforam considerados os custos dos procedimentos, e a utilização das diretrizescomo referência para a remuneração de serviços foi observada como indevida.Em termos metodológicos, sublinha-se ainda a opção pela padronização de textoobjetivo e afirmativo sobre procedimentos diagnósticos, terapêuticos e preventivos, recomendandoou contra-indicando condutas, ou ainda apontando a inexistência de informaçõescientíficas que permitam sua recomendação ou contra-indicação.Finalmente, o projeto ressalta o caráter informativo e sugestivo das diretrizes, deixandoao profissional que ministra o cuidado ao paciente o julgamento da forma, momento e pertinênciada sua utilização.


198 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3À parte o trabalho no escopo do Projeto Diretrizes, vale ainda destacar a atuação dealgumas Sociedades (Quadro 1), com outras atividades na linha de produção de consensos ediretrizes clínicas.O PAPEL DA <strong>ANS</strong> NA IMPLEMENTAÇÃO DE DIRETRIZESCLÍNICAS NA SAÚDE SUPLEMENTARO suporte governamental ao desenvolvimento e uso de diretrizes clínicas pode servir adois conjuntos de propósitos: o da promoção da saúde e bem-estar, e o de melhorar a qualidadee controlar custos de programas de saúde financiados pelo governo. Em diversos países, odesenvolvimento de diretrizes tem sido do domínio do governo federal, que tem estadoenvolvido de três formas distintas: (a) gerenciando diretamente o desenvolvimento de diretrizesou recomendações de boa prática clínica; (b) financiando o seu desenvolvimento por outrosgrupos; e (c) financiando e conduzindo pesquisa básica e aplicada para fortalecer a base doconhecimento clínico e ferramentas metodológicas para subsidiar seu melhor desenvolvimento.O esforço de desenvolvimento e implementação de diretrizes clínicas no Brasil, já iniciadocom o Projeto Diretrizes e algumas iniciativas isoladas de Sociedades Médicas, certamenteprecisará ser compartilhado pelo Ministério da Saúde, <strong>ANS</strong>, Agência Nacional de VigilânciaSanitária (ANVISA), Fundação Nacional de Saúde (FUNASA), agências de fomento à pesquisae instituições acadêmicas. É desejável que tal esforço leve em consideração a grande experiênciae produção internacional, bem como a evidência científica provida pelos estudos realizados.Entretanto, ainda assim, demandará a realização de avaliação tecnológica e pesquisa clínica nopaís, com vistas à identificação de especificidades locais. Por outro lado, deverá estar ajustado àsdeterminações da ANVISA, responsável pela regulação formal pertinente à aprovação demedicamentos, equipamentos e outras tecnologias, e contar com o endosso das SociedadesMédicas, que efetivamente poderão legitimar as diretrizes propostas junto à comunidade médica.Além dos aspectos mencionados, é importante que o processo de desenvolvimento dediretrizes clínicas no Brasil, seguindo as tendências internacionais mais atuais, incorpore, deforma sistemática, a preocupação com a eficiência (custo-efetividade/custo-utilidade) das


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 199intervenções, buscando evidência científica também nesse sentido. Considerados aspectos éticose relativos à perspectiva de redução de desigualdades no acesso e utilização de serviços de saúde,vale o argumento de que, com recursos limitados, “quando se põe em um lugar, se tira de outro”.A questão da alocação de recursos sob critérios de eficiência é crítica para o Sistema de Saúde.Desse modo, ainda que diretrizes clínicas apontem para as intervenções mais eficazes ou efetivaspara condições de saúde específicas, é importante que também provenham informação sobre asintervenções mais custo-efetivas.No mais, recomenda-se que, de fato, o processo se dê no sentido de potencializaresforços, evitando a multiplicidade de diretrizes focalizadas em temas idênticos, a produção derecomendações conflitantes e o desperdício de recursos, e propiciando condições para umcontrole e monitoramento mais cuidadoso da sua qualidade e validade, face às evidênciascientíficas mais atuais.O desenvolvimento de diretrizes deve ser considerado em conjunto com o de padrões dequalidade, medidas de desempenho e critérios de revisão da prática médica, através dos quaisprovedores de serviços de saúde e outras entidades pertinentes possam avaliar a provisão decuidados de saúde e garantir a qualidade de tais cuidados.No nível das estratégias de garantia de qualidade do sistema de saúde, as diretrizes clínicastêm um papel potencial nos programas de certificação e re-certificação. Na medida em quegrupos de especialistas aprimorem métodos para julgar qualificações com acurácia, certamenteocorrerá a atenção a diretrizes clínicas como base para avaliação de desempenho.No contexto da Saúde Suplementar, especificamente, poderá caber à <strong>ANS</strong>:Identificar condições de saúde para as quais o desenvolvimento de diretrizes clínicasseria de grande relevância, considerando a elevada incidência ou prevalênciana população coberta por planos de saúde, grande variação na prática médica, oucustos elevados.Participar do processo de desenvolvimento e atualização de diretrizes clínicas,em conjunção com as outras instâncias mencionadas, incorporando demandasdiagnosticadas no setor de Saúde Suplementar. Essa participação também poderáenvolver o financiamento de projetos específicos e a coordenação de um processo


200 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3de avaliação externa de diretrizes produzidas, levando em consideração os atributosdesejáveis (Quadro 2) (CLUZEAU et al., 1999).Realizar atividades no sentido da disseminação de diretrizes clínicas.Determinar a cobertura por planos de saúde de procedimentos recomendados emdiretrizes clínicas, priorizando alternativas mais custo-efetivas, bem como a nãocoberturade procedimentos para os quais existe forte evidência de contra-indicação.Isso envolve a consideração de condições de saúde e grupos populacionais específicos– definidos em termos de gênero, faixa etária, gravidade da condição etc. Emtermos da força da evidência, diretrizes poderiam ser classificadas em três níveis:(a) aquelas para as quais a evidência e consenso são muito fortes e que, portanto,deveriam ser fortemente divulgadas e estimuladas; (b) aquelas em que a evidência ésuficiente para dar suporte a algumas opções de tratamento, com diferentes combinaçõesde riscos e benefícios, que poderiam ser colocadas somente como recomendações– a cobertura dessas intervenções por planos é uma questão que asdiretrizes poderiam iluminar, mas não responder; e (c) aquelas para as quais a evidênciae consenso inexistem ou não são claros.Estimular, inclusive através de benefícios financeiros, o uso de procedimentorecomendados por diretrizes clínicas e desestimular o uso de procedimentosdesnecessários.Utilizar diretrizes clínicas como subsídio para o setor de Saúde Suplementar emprocessos judiciais referentes à demanda por clientes de intervenções inadequadas– evidência de baixa eficácia, risco elevado etc.Estabelecer, a partir de diretrizes disponíveis, critérios de revisão da prática médicano setor de Saúde Suplementar para monitoramento da qualidade de serviçosprestados.Estabelecer um sistema de acreditação de planos de saúde, onde sejam levadosem conta critérios relacionados à adesão às práticas recomendadas com base naevidência científica existente.


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 201Garantir a homogeneização, no âmbito da Saúde Suplementar, de recomendaçõeno cuidado de condições para as quais as diretrizes sejam eventualmente conflitantes.Controlar a eventual produção/adaptação de diretrizes por planos de saúde, considerandoos conflitos de interesse pertinentes.Há todo um caminho a ser percorrido, que não deve prescindir da experiênciainternacional acumulada no decorrer de mais de uma década. Cabe dividir papéis, refletir sobreeles, e trabalhar na perspectiva de uma assistência à saúde de maior qualidade para a populaçãobrasileira.AGRADECIMENTOSOs meus agradecimentos a Ruy Garcia Marques, Professor de Cirurgia Geral daUniversidade do Estado do Rio de Janeiro, e Pedro Barbosa e Sheyla Lemos, Pesquisadores daEscola Nacional de Saúde Pública, Fundação Oswaldo Cruz, pela leitura cuidadosa ecomentários feitos a versões preliminares deste artigo.REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICASALMEIDA, C. Novos modelos de atenção à saúde: Bases conceituais e experiências de mudança. In:Costa NR, Ribeiro JM (org.), Política de Saúde e Inovação Institucional: Uma Agenda para os Anos90. Rio de Janeiro: Escola Nacional de Saúde Pública, 1996, p.69-98.ASSOCIAÇÃO MÉDICA BRASILEIRA e CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA (AMB & CFM).Projeto Diretrizes. Disponível em URL: http://www.amb.org.br/inst_projeto_diretrizes.php3.AZOCAR, F.; CUFFEL, B.; GOLDMAN, W.; MCCARTER, L. The impact of evidence-based guidelinedissemination for the assessment and treatment of major depression in a Managed Care BehavioralHealth Care Organization. J Behav Health Serv Res 2003; 30:109-118.BENNETT, C.L.; SOMERFIELD, M.R.; PFISTER, D.G.; TOMORI, C.; YAKREN, S.; BACH, P.B. Perspectiveson the value of American Society of Clinical Oncology clinical guidelines as reported byOncologists and Health Maintenance Organizations. J Clin Oncol 2003; 21: 937-941.


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DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 205Quadro 1 – ALGUMAS ORGANIZAÇÕES TRABALHANDO NA PRODUÇÃO/DISSEMINAÇÃO DE DIRETRIZES E WEBSITES CORRESPONDENTES.


206 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3Quadro 1 (cont.) – ALGUMAS ORGANIZAÇÕES TRABALHANDO NA PRODUÇÃO/DISSEMINAÇÃO DE DIRETRIZES E WEBSITES CORRESPONDENTES.


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 207Quadro 1 (cont.) – ALGUMAS ORGANIZAÇÕES TRABALHANDO NA PRODUÇÃO/DISSEMINAÇÃO DE DIRETRIZES E WEBSITES CORRESPONDENTES.


208 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3Quadro 1 (cont.) – ALGUMAS ORGANIZAÇÕES TRABALHANDO NA PRODUÇÃO/DISSEMINAÇÃO DE DIRETRIZES E WEBSITES CORRESPONDENTES.


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 209Quadro 2 – ATRIBUTOS QUE DEVEM CARACTERIZAR ASDIRETRIZES CLÍNICAS.


210 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3Quadro 3 – DIRETRIZES DA ASSOCIAÇÃO MÉDICA BRASILEIRA ECONSELHO FEDERAL DE MEDICINA.


Ações de Promoção à Saúdee Prevenção de Doenças:o papel da <strong>ANS</strong>Dina Czeresnia 11. ANTECEDENTES HISTÓRICOSA relação entre saúde e condições gerais de vida das populações foi constatada e explicitadana própria origem da medicina moderna. Especialmente no final do século XVIII e naprimeira metade do século XIX, o processo de urbanização e industrialização na Europaprovocou grandes transformações sociais: as condições de vida e de trabalho nas cidadesestavam deterioradas e se fizeram acompanhar de um aumento da ocorrência de epidemias. Osmédicos, envolvidos com o intenso movimento social que emergiu nesse período, aorelacionarem a doença com o ambiente, articulavam-no também às relações sociais que oproduziam. A medicina fundia-se à política e expandia-se em direção ao espaço social, comoliteralmente expressou Virchow na célebre frase citada por Rosen (1979:80):“A medicina é umaciência social e a política nada mais é do que a medicina em grande escala”. As ocorrências dasdoenças foram então associadas às condições de existência e às formas de vida dos indivíduos,transformando-se historicamente de acordo com estas condições.Esse pensamento identificava-se na época com a perspectiva anticontagionista, queatribuía a doença a um desequilíbrio do conjunto de circunstâncias que interferem na vida deum indivíduo ou de uma população, constituindo uma predisposição favorável ao surgimentode doenças. O movimento contagionista, que ao contrário, enfatizava a necessidade de precisaruma causa específica como origem da doença, era na época considerado conservador e|1| Pesquisadora da ENSP/Fiocruz, Doutora em Saúde Pública.


212 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3ultrapassado (ACKERKNECHT, 1948). Porém, tornou-se, de certa forma, vitorioso quando ganhouuma qualidade distinta com o surgimento da teoria dos germes (CZERESNIA, 1997).As doenças passaram, então, a ser compreendidas como a relação entre agente etiológico,alterações fisiopatológicas e um conjunto de sinais e sintomas. A explicação microbiológica paraa causa das enfermidades forneceu à medicina a condição de interferir no curso das doençastransmissíveis, que eram o principal problema de saúde pública (NUNES, 1998). O doente e o seuambiente passaram para um plano secundário e estabeleceu-se uma relação de causa e efeitoentre germe e doença. A preocupação principal do médico tornou-se a doença, e não o paciente(ROSEN, 1979: 115).O conflito entre aqueles que propunham prioritariamente causas e intervenções gerais –por exemplo, sobre a fome e a miséria – e os que buscavam prioritariamente causas e intervençõesespecíficas, continuou existindo. Mckeown (1979), demonstrou que a redução da mortalidadena Inglaterra depois de 1840 foi, em escala muito maior, devida ao desenvolvimentoeconômico, a uma melhor nutrição e outras mudanças favoráveis ao nível de vida doque às intervenções específicas da medicina.Porém, a poderosa influência bacteriologista no desenvolvimento da medicina interferiupara o privilegiamento de intervenções específicas, individualizadas, de cunho predominantementebiológico, centradas no hospital e com progressiva especialização e incorporaçãoindiscriminada de tecnologia. Consolidou-se a posição privilegiada da medicina e dosmédicos na definição dos problemas de saúde e na escolha das ações necessárias ao controle,tratamento e prevenção das doenças (TORRES & CZERESNIA, 2003).O movimento da medicina preventiva surgiu, entre o período de 1920 e 1950 na Inglaterra,EUA e Canadá, em um contexto de crítica à medicina curativa. Este movimento propôsuma mudança da prática médica através de reforma no ensino médico, buscando a formaçãode profissionais médicos com uma nova atitude nas relações com os órgãos de atençãoà saúde; ressaltou a responsabilidade dos médicos com a promoção da saúde e a prevençãode doenças; introduziu a epidemiologia dos fatores de risco, privilegiando a estatística comocritério científico de causalidade (AROUCA, 1975; TORRES, 2002).


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 213Segundo Arouca (1975), o discurso da medicina preventiva emergiu em um campoformado por três vertentes: a Higiene, que surgiu no século XIX; a discussão dos custos daassistência médica; a redefinição das responsabilidades médicas que aparece no interior daeducação médica. O autor destaca vários níveis de crítica, feitas por esse discurso, ao modelovigente de formação e prática médicas:“1 o – Da ineficiência da prática, desde que se centralizou na intervenção terapêutica,descuidando-se da prevenção da ocorrência, o que levou inevitavelmente ao encarecimentoda atenção médica e à redução do seu rendimento. A medicina curativa, portanto, caracteriza-sepela ausência de racionalidade.2 o – Da especialização crescente da medicina, fazendo com que o homem fosse cada vez maisreduzido a órgãos e estruturas, perdendo-se completamente a noção de sua totalidade. Estefato levou ao desenvolvimento de uma prática instrumental e ao desaparecimento dohumanismo médico.3 o – Do conhecimento médico desenvolvido com um enfoque predominantemente biológico.Esta conceituação, saúde como um estado de completo bem-estar físico, mental e social, abriuum novo espaço de crítica à prática médica, quando se percebeu a dominação biológica emuma área do conhecimento que se afirmava tridimensional e, portanto, exigia uma abordagemmultidisciplinar (biologia, ciências sociais e psicologia).4 o – Das relações da medicina com a comunidade, pois a medicina curativa, realizada dentrode um contexto de interesses puramente individualista, desvinculou-se dos reais problemasde saúde da população.5 o – Da educação médica que, dominada pela ideologia curativa, estava formandoprofissionais que não atendiam às necessidades de atenção médica das comunidades. Esseproblema agravava-se para os países subdesenvolvidos, que estavam formando médicossegundo os padrões dos países desenvolvidos e que, portanto, eram estranhos ao seu própriomeio social.” (AROUCA, 1975: 9).


214 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3O termo promoção da saúde foi utilizado pela primeira vez por Sigerist, Historiador daMedicina, quando, em 1945, ele definiu quatro funções da medicina: promoção da saúde,prevenção da doença, restauração do doente, reabilitação (TERRIS, 1996).A base conceitual do movimento da medicina preventiva foi sistematizada no livro deLeavell & Clark “Medicina Preventiva” (1976), cuja primeira edição surge em 1958:A “tríade ecológica”, que define o modelo de causalidade das doenças a partir dasrelações entre agente, hospedeiro e meio ambiente.O conceito de história natural das doenças, definido como “todas as inter-relaçõesdo agente, do hospedeiro e do meio ambiente que afetam o processo global e seudesenvolvimento, desde as primeiras forças que criam o estímulo patológico no meioambiente ou em qualquer outro lugar (pré-patogênese), passando pela resposta dohomem ao estímulo, até as alterações que levam a um defeito, invalidez, recuperaçãoou morte (patogênese)” (LEAVELL & CLARK, 1976:15).O conceito de prevenção, definido como “ação antecipada, baseada no conhecimentoda história natural a fim de tornar improvável o progresso posterior dadoença” (LEAVELL & CLARK, 1976:17). A prevenção apresenta-se em três fases: primária,secundária e terciária (ver Quadro 1). A prevenção primária é a realizada noperíodo de pré-patogênese. O conceito de promoção da saúde aparece como um dosníveis da prevenção primária, definido como “medidas destinadas a desenvolveruma saúde ótima” (17). Um segundo nível da prevenção primária seria a proteçãoespecífica “contra agentes patológicos ou pelo estabelecimento de barreiras contraos agentes do meio ambiente” (17). A fase da prevenção secundária também se apresentaem dois níveis: o primeiro, diagnóstico e tratamento precoce e o segundo,limitação da invalidez. Por fim, a prevenção terciária, que diz respeito a ações dereabilitação (LEAVELL & CLARK, 1976).


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 215In: Leavell & Clark (1976).Quadro 1 – NÍVEIS DE APLICAÇÃO DA MEDICINA PREVENTIVASEGUNDO LEAVELL & CLARK (1976)


216 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3As propostas de promoção da saúde em Leavell & Clark privilegiavam ações educativasnormativas voltadas para indivíduos, famílias e grupos (BUSS, 2003). O ideário da medicinapreventiva acabou por produzir uma redução dos aspectos sociais do processo saúdee doença, naturalizando-os ao construir modelos explicativos a-históricos do adoecer humano(AROUCA, 1975). Sem dúvida, as ações de promoção da saúde, apresentadas como componenteda prevenção primária, estão bem aquém da contundente compreensão da relaçãoentre saúde e sociedade expressa nos estudos de medicina social no século XIX.A concepção de níveis de prevenção foi incorporada ao discurso da Medicina Comunitáriano Brasil, na década de 1960, e orientou o estabelecimento de níveis de atenção nossistemas e serviços de saúde que vigora até hoje. Foi amplamente difundida durante os anos70 e 80, juntamente com as propostas de Atenção Primária em Saúde e a idéia de “saúde paratodos no ano 2000”, contida na declaração de Alma-Ata (TEIXEIRA, 2001). Contudo, o desenvolvimentoda medicina no Brasil manteve a predominância de uma prática individual, comenfoque curativo dos problemas de saúde e a as dicotomias teoria-prática, psíquico-orgânico,indivíduo-sociedade (TORRES, 2002).Nos países do primeiro mundo, o desenvolvimento da perspectiva de prevenção dedoenças direcionou-se aos estudos clínicos e epidemiológicos voltados para doenças nãotransmissíveis ou crônico-degenerativas. Isto ocorreu em função da chamada transição epidemiológica,a partir da década de 1950. Técnicas de exames complementares com sofisticaçãocrescente aperfeiçoaram as ações preventivas com base no diagnóstico precoce. Foramconstruídos recursos poderosos para prevenção de doença, incapacidade e morte por problemascomo cardiopatia isquêmica, algumas formas de câncer, doenças pulmonares obstrutivascrônicas etc. Este processo foi decorrente das pesquisas biológicas e epidemiológicassobre agentes causais e fatores de risco. Relacionaram-se as doenças degenerativas a fatorescausais do ambiente, como radiações, substâncias químicas tóxicas e a estilos de vida como hábitode fumar, consumo de alimentos gordurosos, de álcool e falta de exercício (TERRIS, 1996).


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 217Este processo foi coexistente com a ampliação da tendência de capitalização intensiva eaumento da despesa da produção de serviços médicos em todos os sistemas. A lógica da medicinacurativa manteve-se hegemônica. Mudanças no padrão demográfico, a crescente sofisticação datecnologia médica, a conseqüente demanda, também crescente, para tratamentos capazes desalvar e prolongar a vida, mobilizaram a necessidade de examinar mais de perto a natureza dosrecursos dos serviços de saúde e a maneira com que são liberados (PARMENTER, 1996).No Quadro 2, Parmenter (1996) apresenta alguns cenários que evidenciam a magnitudedos custos da atenção à saúde:Quadro 2 – EXEMPLOS DE CUSTOS DE INTERVENÇÕES MÉDICASFonte: adaptado de Counting the Cost of the Good Life (1991). In: Parmenter (1996).A incorporação de alta tecnologia elevou progressivamente os custos dos procedimentos,conduzindo os sistemas de saúde dos países ocidentais a uma crise estrutural. Estacrise gerou a necessidade de reformas nos sistemas de saúde. Daí, o resgate de propostas que, naorigem, tenderam a ficar subalternas. É nesse contexto que, especialmente no Canadá, ampliou-sea idéia de promoção da saúde (TEIXEIRA, 2001).O Informe Lalonde, documento oficial do Governo do Canadá publicado em 1974, éum dos marcos dessa tendência. Esse documento define o conceito de campo da saúde comoconstituído de quatro componentes: biologia humana, meio ambiente, estilos de vida e


218 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3organização da atenção à saúde. Esta definição está mais ajustada ao conhecimento construídono âmbito da epidemiologia de doenças não transmissíveis, apresenta uma orientaçãoclaramente preventiva (TERRIS, 1996) e uma referência explícita à necessidade de racionalizaçãodos gastos com assistência à saúde:“Até agora, quase todos os esforços feitos pela sociedade para melhorar a saúdee a maioria dos gastos diretos em saúde centraram-se na organização dos serviçosde atenção sanitária. Sem dúvida, quando identificamos as principais causas atuais dedoença e morte no Canadá, vemos que estão arraigadas nos outros três elementos doconceito: biologia humana, meio ambiente e estilos de vida. Portanto, é evidente que segastam grandes somas no tratamento de doenças que poderiam ser evitadas” (LALONDE,1974, apud TERRIS, 1996: 39,40).Dentro dessa perspectiva, mudanças de estilo de vida ou comportamentos relativos àalimentação, exercícios físicos, fumo, drogas, álcool, conduta sexual são reafirmadas nasestratégias de promoção da saúde propostas. Além disso, resgata-se a compreensão do papelfundamental das condições gerais de vida sobre a saúde.A Carta de Ottawa, resultado da 1 a Conferência Internacional sobre Promoção de Saúde,realizada em 1986, afirma oficialmente a constatação de que os principais determinantes da saúdesão exteriores ao sistema de tratamento. Este documento postula a idéia da saúde comoqualidade de vida resultante de complexo processo condicionado por diversos fatores, taiscomo, entre outros, alimentação, justiça social, ecossistema, renda e educação. No Brasil, aconceituação ampla de saúde assume destaque nesse mesmo ano, tendo sido incorporada aoRelatório Final da VIII CNS (1986): “Direito à saúde significa a garantia, pelo Estado, de condiçõesdignas de vida e de acesso universal e igualitário às ações e serviços de promoção, proteçãoe recuperação da saúde, em todos os seus níveis, a todos os habitantes do território nacional,levando ao desenvolvimento pleno do ser humano em sua individualidade” (CNS, 1986).É conquista inegável o reconhecimento oficial dos limites do modelo sanitário restrito àmedicina, estimando-se que ele deve estar integrado às dimensões ambiental, social, política,econômica, comportamental, além da biológica e médica (CARVALHO, 1996). As ações própriasdos sistemas de saúde precisam estar articuladas, sem dúvida, a outros setores disciplinares e de


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 219políticas governamentais responsáveis pelos espaços físico, social e simbólico. Essa relação entreintersetorialidade e especificidade é, não obstante, um campo problemático, pois sustenta umatensão entre a demarcação dos limites da competência específica das ações do campo da saúdee a abertura exigida à integração com outras múltiplas dimensões.Apesar de configurar avanço inquestionável tanto no plano teórico quanto no campodas práticas, a conceituação positiva de saúde traz novo problema. Ao considerar-se saúde emseu significado pleno, está-se lidando com algo tão amplo como a própria noção de vida. Promovera vida em suas múltiplas dimensões envolve, por um lado, ações do âmbito global deum Estado e, por outro, a singularidade e autonomia dos sujeitos (CZERESNIA, 1999).A Carta de Ottawa aponta questões muito amplas como condições e recursos fundamentaispara a saúde: paz, recursos sustentáveis, justiça social, eqüidade. Ao mesmo tempo,define promoção da saúde como “o processo de capacitação da comunidade para atuar namelhoria da sua qualidade de vida e saúde, incluindo uma maior participação no controledeste processo”. Essa ampla gama de pré-requisitos se expressa nos cinco campos de ação preconizadospara a promoção da saúde:1 – Elaboração e implementação de políticas públicas saudáveis.2 – Criação de ambientes favoráveis à saúde.3 – Reforço da ação comunitária.4 – Desenvolvimento de habilidades pessoais.5 – Reorientação do sistema de saúde.Inúmeros eventos internacionais, publicações conceituais e resultados de pesquisaspráticas foram elaborados no decorrer dos últimos 15 anos (BUSS, 2003), evidenciando a grandediversidade de perspectivas contempladas no campo da promoção da saúde.Por um lado, observa-se uma tendência que privilegia, nos projetos em promoção dasaúde, a dimensão comportamental e do autocuidado. Alguns autores ressaltam que essediscurso está apropriado à perspectiva de regulação social no contexto de crise do welfare statee de reformas no estado de cunho neoliberal, objetivando a diminuição das responsabilidadesdo Estado e delegando aos sujeitos a tarefa de tomarem conta de si mesmos (PETERSEN, 1997;


220 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3LUPTON, 1995). Por outro lado, afirmam-se perspectivas que enfatizam, ao contrário, o compromissodo Estado na elaboração de políticas públicas intersetoriais, voltadas à melhoriada qualidade de vida das populações.Os conceitos de prevenção de doenças e de promoção da saúde não se distinguemclaramente na prática do setor saúde. As práticas em promoção da saúde, da mesma forma queas de prevenção de doenças, fazem uso do conhecimento técnico e científico específico docampo da saúde.No espaço clínico, as atividades de promoção da saúde não se diferenciam de intervençõesde prevenção de doenças. Estas intervenções podem ser tradicionalmente médicas, comoimunização, screening, ou tratamento com quimioterápicos, ou envolver intervenções educativassobre mudanças de estilos de vida individuais. Os profissionais de saúde podem estarenvolvidos em ações de promoção de saúde mais amplas, como desenvolvimento comunitário,ou influenciando a formulação de políticas de saúde (FLORIN & BASHAM, 2000).2. O REGIME REGULATÓRIO E O INCENTIVO A PROJETOSEM PROMOÇÃO DA SAÚDE E PREVENÇÃO DE DOENÇASA finalidade institucional da <strong>ANS</strong>, segundo o Artigo 3 o , da Lei n o 9.961, é “promover adefesa do interesse público na assistência suplementar à saúde, regulando as operadoras setoriais,inclusive quanto às suas relações com prestadores e consumidores, contribuindo para odesenvolvimento das ações de saúde no País”.O incentivo a ações de promoção da saúde e prevenção de doenças no âmbito dasaúde suplementar corresponderia à competência da <strong>ANS</strong> prevista no artigo 29-A, da Lei9.656. Este artigo define que “a <strong>ANS</strong> poderá celebrar com as operadoras termo de compromisso,quando houver interesse na implementação de práticas que consistam em vantagens para osconsumidores, com vistas a assegurar a manutenção da qualidade dos serviços de assistência àsaúde”. Complementar a esse artigo, estão os seguintes parágrafos:§ 1 o – O termo de compromisso referido no caput não poderá implicar restrição de direitosdo usuário.


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 221§ 2 o – Na definição do termo de que trata este artigo serão considerados os critérios deaferição e controle da qualidade dos serviços a serem oferecidos pelas operadoras.§ 3 o – O descumprimento injustificado do termo de compromisso poderá importar naaplicação da penalidade de multa a que se refere o inciso II, § 2 o , do art. 29 desta Lei.Duas perspectivas fundamentais, apresentadas no discurso da promoção da saúdee prevenção de doenças não são, em princípio, contraditórias: a melhoria das condições desaúde e da qualidade de vida; a conseqüente redução dos gastos com assistência médica dealto custo. O estímulo ao desenvolvimento de programas com este enfoque poderia convergirobjetivos do interesse público e do mercado.A coexistência ideal desses objetivos, contudo, não é simples de ser alcançada nocontexto do mercado. Escolhas divergentes tendem a ser concretizadas com o objetivo predominantedo lucro. O mercado não é o canal mais apropriado para prover atenção à saúde,pois não consegue fazer a provisão adequada de bens públicos, apresenta uma inerente distribuiçãoinjusta de serviços, não gerando, por si só, alocação otimizada de recursos comresultados eficientes (COSTA et al., 2001).A aproximação desses objetivos de melhoria das condições de saúde e da qualidadede vida dos segurados e de redução dos gastos com assistência médica de alto custo seria, portanto,um desafio para a ação regulatória do Estado com a intenção de gerar eficiência, responsabilidadee qualidade da atenção à saúde. O desenvolvimento de programas de promoçãoda saúde e prevenção de doenças no mercado poderia ser um campo propício ao estabelecimentode estratégias cooperativas com os agentes privados do setor saúde, harmonizandoas metas de regulação com orientações de eficiência (COSTA et al., 2001). Ressaltam-sepontos problemáticos relativos a essa orientação:“algumas empresas só cumprem a lei se isso for economicamente racional para elas;as empresas são constrangidas por compromissos contraditórios – valores da racionalidadeeconômica; constrangimentos legais; responsabilidade econômica;estratégias baseadas totalmente na persuasão e auto-regulação serão exploradas quandoos atores estiverem motivados pela racionalidade econômica;


222 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3as estratégias baseadas principalmente na punição enfraquecerão a boa vontade dosagentes quando eles estiverem motivados pelo senso de responsabilidade;a punição é cara, a persuasão é barata;uma estratégia baseada puramente na punição dissipa recursos em disputas litigiosasque poderiam ser mais bem gastos no monitoramento e dissuasão;uma estratégia baseada principalmente na punição favorece a organização de umasubcultura de resistência à regulação no mundo dos negócios, pela socialização demétodos de resistência legal e contra-ataque;a imposição da punição gera um jogo regulatório de gato e rato, por meio do qual asempresas desafiam o espírito das leis, explorando as brechas da legislação, e o reguladorescreve mais e mais regras específicas para cobrir essas brechas;cooperação, dureza e complacência em relação às rotinas regulatórias devem serutilizadas, considerando as várias audiências para prestação de contas” (COSTA et al.,2001: 201).Há uma coexistência de movimentos que buscam estratégias racionalizadoras para criaralternativas a um modelo médico-assistencial com custos crescentes e efetividade limitada. Opotencial das ações de promoção da saúde e de prevenção de doenças nesse sentido deve seranalisado de acordo com as diferenças que constituem modalidades de contratos coletivos eindividuais.O contrato coletivo diz respeito a um conjunto de pessoas que apresentam umacaracterística comum, de natureza profissional, associativa, empregatícia etc. No caso dos planosou seguros de saúde empresariais, as empresas participam do seu custeio. Os contratos coletivostêm reajustes livremente negociados entre as partes contratuais, ao contrário dos planosindividuais que necessitam de autorização da <strong>ANS</strong>. O contrato individual é fundado em umarelação entre indivíduos e seguradoras. A definição do valor do prêmio, nesse caso, é baseadaem cálculo atuarial de risco. O papel regulatório da <strong>ANS</strong> é mais direcionado, portanto, aosplanos individuais e familiares, pois estes não têm mediação de organizações, associações ouempresas (GAMA, 2003).


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 2232.1. Promoção da saúdeProgramas de promoção à saúde têm sido especialmente dirigidos a trabalhadoresde empresas e são considerados altamente eficientes do ponto de vista do mercado. Os programasde promoção da saúde constituem um dos elementos estratégicos centrais no sentidode equilibrar a crescente espiral de gastos com assistência médico-hospitalar nas empresas.É um setor de atividade em expansão nos EUA, cujo modelo vem sendo crescentementeimplantado no Brasil, inclusive por filiais de empresas americanas. Um exemplo de experiênciaestá descrito no Box 1.BOX 1A “Corporate & Personal Health” desenvolve programas de promoção à saúdeem filiais brasileiras de empresas americanas como Ford Motor Company, Gessy Lever,IBM e empresas brasileiras como Petrobras e Metrô – Cia. do Metropolitano de SP.O discurso divulgado no site da “Corporate & Personal Health” evidencia comoa lógica econômica da racionalização de custos é central na estratégia de venda de projetosde promoção da saúde para as empresas:“O CPH dedica-se permanentemente a criar e aperfeiçoar produtos e serviços quepromovam a saúde e bem-estar, agregando valor à sua organização.Estudos na área de Promoção de Saúde têm revelado que:a identificação de indivíduos de alto risco e programas de modificação decomportamento; podem reduzir o risco de doença e custos relacionados;programas de promoção de saúde no local de trabalho geram um significativoretorno do investimento”.Os projetos da CPH funcionam desde 1983. Desenvolvem programas preventivose educacionais que buscam transformações de estilo de vida dos empregados,enfatizando a responsabilidade individual nas mudanças.


224 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3“Nós trabalhamos em colaboração com cada empresa na busca de soluções específicasque influam positivamente nos custos de saúde relacionados ao estilo de vida, na diminuiçãodo absenteísmo e na melhoria da saúde dos indivíduos”.O artigo de Ricardo de Marchi, um dos sócios da CPH (http://vocesa.abril.uol.com.br/aberto/online/saude/saudavel.shl – 5/6/2003) tem o sugestivo título de“saudável lucro”. Neste artigo, o autor propõe um exemplo que quantifica o resultadopotencial de programas de promoção da saúde na produtividade de uma empresa:“se uma companhia tiver 1.000 empregados e cada um deles tiver 2.000 horas detrabalho por ano (40 horas por semana x 50 semanas), a capacidade máxima de trabalhosem horas extras que essa força de trabalho pode fornecer é de 2 milhões de horas. Se a médiade afastamento for de 10 dias por ano (8 horas por dia), as horas de trabalhos reais, aplicadasà produtividade deverão ser ajustadas para 1,92 milhão de horas, uma queda de 4% dacapacidade total. Vamos assumir que a capacidade de trabalho de cada empregado é de quatrovezes seu salário total. Se o salário for de 20 mil reais por ano, então a produtividade esperadaserá de 80 mil reais ou 40 reais por hora. Para calcular a quantidade de reais perdida pordias ausentes pelos 1.000 empregados, simplesmente multiplique os 40 reais por hora x 80.000horas ausentes no ano, chegando a um valor de 3,2 milhões de reais como perda emprodutividade. Se um programa de promoção de saúde tiver sucesso na redução do númeromédio de dias de afastamento de 10 para 7,5 dias, o ganho líquido em produtividade seria de800. 000 reais”.A melhoria do clima organizacional também é um objetivo no sentido doaumento da produtividade:“O clima organizacional eventualmente sai prejudicado devido à baixa moral,desânimo, aumento do absenteísmo, rotatividade etc. Além disso, os custos operacionaisaumentam. Existem inúmeros desafios para o praticamente novo conceito de Gestão deSaúde e Produtividade (GSP). Produtividade é difícil de se medir de modo objetivo noambiente administrativo. Muitas companhias tentam fazê-lo baseadas nas receitas ou lucrospor empregado. Os itens relacionados incluem absenteísmo, taxa de acidentes etc. Estudos


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 225têm demonstrado que a produtividade do empregado é afetada por condições muitofreqüentes no ambiente de trabalho, tais como depressão, enxaqueca, alergias, estresse,ansiedade e dores costais. É essencial que as unidades envolvidas com a promoção da saúde(saúde ocupacional, serviços médicos, benefícios, programas de assistência ao empregadoetc.) trabalhem em conjunto, tendo suas ações integradas em função de um objetivo comum.A saúde do empregado deve não só ser gerenciada de maneira integrada, mas também serligada ao objetivo global do negócio”.No que diz respeito à <strong>ANS</strong>, o aspecto central destes programas é a perspectiva que elestrazem de efetiva diminuição dos gastos das empresas com assistência médica. Cabe avaliar deque forma o incentivo a programas de promoção da saúde nas empresas pode articular-se comos planos de saúde a elas vinculados.Os planos de saúde em empresas são uma parcela significativa do segmento da assistênciamédica suplementar, correspondendo a cerca de 60% dos titulares de planos de saúde.A assistência médica suplementar oferecida mediante planos de empresas implicam uma relaçãocomplexa entre empresas, operadoras, hospitais e provedores de serviços. A lógica doscontratos desses planos é distinta da que orienta os planos individuais. Contudo, as empresas,como grandes compradores de planos e serviços privados de saúde, têm uma grande influênciana determinação das tendências do mercado (TEIXEIRA, A.; BAHIA, L.; VIANNA, M. L. W., 2002).Caberia à <strong>ANS</strong> explorar as possibilidades de relação com as empresas (TEIXEIRA, A. ;BAHIA, L. ; VIANNA, M. L. W., 2002) no que diz respeito aos programas de promoção da saúde aelas vinculados. Este trabalho estaria integrado ao esforço de regular, avaliar a viabilidadeassistencial e econômico-financeira dos planos de saúde em empresas e de estimular contratospara trabalhadores de empresas de menor porte. (TEIXEIRA, A.; BAHIA, L.; VIANNA, M.L.W., 2002).As empresas de maior porte, pertencentes a setores mais dinâmicos da economia, tendema ser mais pródigas nos benefícios (TEIXEIRA, A.; BAHIA, L.; VIANNA, M. L. W., 2002) e tambémsão as que implantaram programas de promoção da saúde para seus trabalhadores. Os programastendem a ser desenvolvidos justamente nos grupos que apresentam menor risco. Os


226 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3grupos mais desfavorecidos e de maior risco são os que não dispõem de recursos para entrarno mercado.O estímulo à integração de programas de promoção da saúde precisa estar articuladoao esforço de avaliação e regulação, pois o objetivo central de diminuição dos custos deatenção médica nas empresas, como já vimos, não é isento de conflitos com o de garantir melhorqualidade de vida aos trabalhadores. Milio (1996), analisando projetos de promoçãoda saúde realizados nos EUA, defende o ponto de vista de que o mercado não é um campoeficaz para o desenvolvimento da saúde, gerando padrões de decisão que não consideramperspectivas e orientações que permitiriam promover efetivamente a saúde das populações(MILIO, 1996: 47).Um aspecto crítico desses programas é que sua adoção é uma decisão dos gestoresde alto nível das empresas e os objetivos são centrados no interesse de recrutamento e conservaçãode empregados mais estratégicos, aumentando a sua produtividade, reduzindogastos com assistência médica. O interesse pela saúde dos empregados não se volta para ascaracterísticas intrínsecas aos postos e processos de trabalho. Estes seriam elementos maisimportantes para a saúde do que apenas a busca em modificar hábitos específicos relacionadosa riscos de doenças. Ou seja, o enfoque dos programas tenderia a se dirigir muito maisà modificação dos hábitos do trabalhador do que às condições de trabalho (MILIO, 1996).Outra contradição importante é o fato de grandes empresas assumirem um discursode promoção da saúde, a favor da qualidade de vida e do bem-estar sem um investimentoconsistente e coerente no controle dos riscos que elas mesmas produzem ao meio ambiente(MILIO, 1996).No mercado em geral, a predominância de uma mentalidade comercial converte apromoção da saúde em um bem de consumo, vendida através de técnicas de publicidade. Aproliferação e a distribuição de programas de promoção da saúde sinaliza que esta perspectivavive um processo de aceleração, tornando-se um setor de ponta do mercado em saúde. Essesprodutos dirigem-se aos setores de maior poder aquisitivo. O progressivo interesse empresarialpor atividades portadoras da etiqueta “promoção da saúde” e a crescente colaboração entre osinteresses da indústria de desenvolvimento de produtos e o sistema de atenção à saúde induz a


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 227inquirir os valores e resultados das formas comercializáveis da promoção da saúde. Estastendem a adquirir mais um sentido de ‘promoção’ no sentido comercial do que de saúdepropriamente dita, o que produz efeitos adversos (MILIO, 1996). A intensa comercialização deprodutos nessa área é um importante campo de fiscalização e regulação também para outrasagências do Ministério da Saúde, como a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA).2.2. Prevenção de doençasAs ações de prevenção de doenças adaptam-se mais diretamente à discussão dasestratégias de regulação da <strong>ANS</strong> em relação a contratos individuais e familiares. Um temaimportante no contexto deste estudo é situar as possibilidades de uma lógica preventiva parafundamentar ações no mercado da saúde suplementar.Ao longo das duas ou três ultimas décadas conseguiu-se demonstrar que a grandemaioria dos problemas de saúde pública que afetam a população – relativos não somente àsdoenças transmissíveis como às não transmissíveis – são na maioria de fácil prevenção.Evidências desta afirmação são a significativa diminuição de mortalidade por doençascoronárias e cerebrovasculares, redução de incidência e mortalidade por câncer cervical,diminuição da prevalência de consumo de fumo, e da incidência de câncer do pulmão emhomens. Dessa forma, uma grande carga produzida por doenças pode ser evitada, tanto emtermos sociais como econômicos (NICHOLS, 1998).Analisando-se a questão delimitada à relação entre o mercado privado de operadoras desaúde e seus segurados, esbarra-se na ausência de dados empíricos e estudos que demonstrem,mais precisamente, uma relação de custo-benefício favorável das ações de promoção da saúdee prevenção de doenças no âmbito das diferentes modalidades de planos de saúde existentes.Nesses diferentes contextos, como tornar possível uma regulação que viabilize, por um lado,o ponto de vista de garantia de saúde para os segurados e, por outro, o da racionalização doscustos das operadoras?A lógica da prevenção clínica é a de estabelecer o diagnóstico de uma doença o maisprecocemente possível, estando dirigida a pessoas que não apresentam sinais e sintomas de


228 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3doença. Dependendo da característica específica do seguro de saúde, o desenvolvimento da açãopreventiva pode ser considerado uma sobrecarga de procedimentos e custos adicionais e nãouma inversão de lógica que teria como conseqüência a médio e longo prazo a diminuição deinternações e outros procedimentos de maior custo.Um recurso crescentemente legitimado para validar procedimentos em saúde é aconstrução de normas e padrões clínicos baseados em evidências científicas, a chamada medicinabaseada em evidências. Este tema específico não é objeto deste texto, mas a construção denormas de procedimentos baseados em evidências aplica-se também à prevenção de doenças.O Canadá, nos últimos vinte anos, constituiu um grupo de trabalho vinculado aoMinistério Nacional de Saúde para desenvolvimento de normas para realização de ‘examesperiódicos de saúde’, com o objetivo de validar, estimular e orientar a prática da medicinapreventiva não somente no Canadá, como no restante dos países, constituindo-se como umcentro colaborador da OPS/OMS. Este grupo de trabalho produziu um conjunto de intervençõespreventivas para doenças não transmissíveis a serem aplicadas ao longo de todo ociclo vital de um indivíduo, chamando atenção para o valor dessas ações na prática clínica. Aavaliação da qualidade dos dados científicos sobre prevenção e da eficácia, efetividade e eficiênciados procedimentos preventivos buscou conquistar credibilidade para a medicina preventiva.Elas estão publicadas em “Prevenção Clínica: guia para médicos”, da Organização Panamericanade Saúde (OPS), dirigindo-se aos países da América Latina (ver Anexo – Quadro 4).O livro apresenta uma discussão em torno do esforço de elaboração e implantação dasnormas e propostas para prevenção de problemas específicos e de alta prevalência como:doenças causadas por fumo; detecção de câncer do colo uterino; detecção da infecção pelo HPV;detecção do câncer de mama; detecção do câncer de próstata; prevenção da obesidade emadultos; orientação sobre atividade física; detecção sistemática da obesidade em crianças;orientação nutricional para adultos; detecção sistemática da diabetes em adultos; detecçãosistemática da hipertensão; diminuição da concentração de colesterol no sangue para prevenirdoença coronária; ácido acetilsalicílico para prevenção primária da doença cardiovascular;prevenção de lesões por acidentes de trânsito; prevenção para crianças, adultos e idosos de lesõesdurante atividades recreativas.


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 229Um dos eixos do trabalho é o de identificar no encontro entre o médico e o usuário doserviço o ponto privilegiado para a realização de ações preventivas. São os profissionais de saúde,especialmente os médicos no momento da consulta, a fonte legítima de informações, nãosomente sobre as doenças como sobre os fatores de risco do adoecimento. Este é, portanto, umespaço privilegiado de prática de promoção da saúde para a população (STACHENKO, 1998).Além disso, por definição, o espaço clínico atrai indivíduos que não estão bem de saúde enesses momentos os indivíduos tendem a estar particularmente suscetíveis às intervençõesde promoção da saúde, especialmente àquelas relacionadas com estilo de vida. Por exemplo,um paciente procurando um profissional de saúde por causa de uma infecção pulmonar podeestar mais propenso a responder positivamente ao conselho de deixar de fumar (FLORIN &BASHAM, 2000).Este tipo de intervenção requer um esforço personalizado, capaz de persuadir cadapaciente de acordo com sua singularidade, o que é bem mais do que proporcionar apenas informação.É necessário, portanto, que os médicos aprimorem sua capacidade de comunicaçãoe que o paciente seja ativamente envolvido na garantia da sua saúde. A prevenção clínica incluiprocedimentos como orientação, detecção sistemática, vacinação e até quimioprofilaxia deassintomáticos, incorporando medidas de prevenção primária e secundária, buscando detectarprocessos latentes e reduzir ou deter sua progressão. A melhoria da prestação de serviços preventivosexige estratégias múltiplas centradas nos médicos e outras nos pacientes. Realização deinquéritos para conhecer melhor de que maneira as pessoas se relacionam com sua saúde sãoimportantes neste sentido. Mudanças de comportamento dependem do conhecimento dosfatores de risco, dos modos culturais de comportamento, do apoio de familiares e amigos e daorientação de profissionais de saúde (STACHENKO, 1998).Limitações de tempo, aspectos organizativos das consultas, dificuldade na capacidade deorientação, desconhecimento das ações que se deveriam executar são problemas que atrapalhama qualidade do trabalho preventivo. A introdução de atividades preventivas na práticaclínica é ainda um desafio. Estas questões são analisadas por Stachenko (1998), ressaltandoque no Canadá houve um investimento governamental importante para melhorar as prá-


230 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3ticas de prevenção. Ele reconhece que é uma relação mútua entre distintos enfoques e a colaboraçãoentre múltiplos participantes dos setores público e privado que vai mudar o comportamentoindividual.Nesse sentido, as normas para as práticas orientam médicos e pacientes na decisãosobre a atenção à saúde em circunstâncias específicas. As normas cada vez mais fazem partedo processo de decisão clínica. Stachenko (1998) afirma que as normas publicadas pelo grupode trabalho canadense sobre o Exame Periódico de Saúde são as mais completas existentessobre atenção preventiva. O problema é que a existência de normas não significa que elas serãoaplicadas. Métodos inovadores de difusão e de esforço conjunto das organizações envolvidassão fundamentais.Eric Nichols (1998), aprofunda a discussão sobre elaboração e implantação de normasde prevenção clínica. Destaca, mais uma vez, o caráter racionalizador da implantação de normasclínicas. “Se sabe que os custos crescentes da atenção de saúde causam preocupação, e nesta época derestrição econômica obrigam a um uso mais eficiente dos recursos e a adotar um processo de decisãobaseado em provas científicas sólidas. Os usuários requerem maior participação no processo dedecisão e vigiam mais estritamente a qualidade da atenção de saúde prestada, enquanto os sistemasde saúde suportam a progressiva pressão de reduzir a proporção de assistência ‘inadequada’”(NICHOLS, 1998: 38).O estabelecimento de normas clínicas é considerado uma das estratégias mais produtivaspara combater a inadequação nos sistemas de saúde, incentivando-se aquelas comprovadamentemais efetivas e ao contrário em relação às inefetivas. Apesar disso, a aplicaçãoplena das normas de prevenção clínica ainda encontram numerosos obstáculos:ausência de consenso sobre a efetividade das intervenções preventivas.pouca capacitação dos profissionais para executar essas normas na prática.ausência de avaliações mais precisas do custo-benefício dessas práticas nas diferentesmodalidades de planos de saúde.Necessidade de inversão de lógica e mudanças administrativas que viabilizem ainclusão dessas normas no rol de serviços cobertos pelos planos de saúde.Necessidade de estudos para adaptar normas já elaboradas às situações particulares.


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 231A utilização de normas clínicas preventivas requer mudanças de comportamento,valores e padrões de prática profissional e das percepções e expectativas dos usuáriosdos serviços.Implica mudanças de política e gestão operativa do sistema de saúde.A intenção de elaborar e aplicar normas clínicas preventivas, estabelecidas combase em requisitos metodológicos adequados, deve ser considerada como umprocesso amplo que envolve investimentos de pesquisa.Nichols propôs um conjunto de etapas necessárias para implementar normas clínicaspreventivas (Quadro 3):Quadro 3 – FASES E PASSOS PARA A IMPLEMENTAÇÃODE NORMAS CLÍNICASFase I: Elaborar as normas próprias (organizar-se):Passo 1: alcançar apoio institucional e criar um grupo diretivo.Passo 2: definir objetivos e prioridades.Passo 3: definir os aspectos metodológicos da obtenção e avaliação das provascientíficas.Passo 4: constituir equipe que revise e avalie as provas científicas e formulerecomendações.Passo 5: alcançar o consenso e avaliar a viabilidade da implantação.Fase II: Iniciar a implementação (começar):Passo 6: avaliar as condições para implementação.Passo 7: propor o desenho do estudo e o exame das condições.Passo 8: identificar obstáculos,vantagens potenciais e compreender o processo detomada de decisões para a implementação.Fase III: Demonstrar que funciona (projeto de demonstração):Passo 9: desenhar o projeto de demonstração.Passo 10: recrutar um painel de demonstração.Passo 11: proporcionar a capacitação, pôr em marcha a formação profissional, aplicarinstrumentos práticos para prevenção, explorar as intervenções complementares.Passo 12: identificar os incentivos e mecanismos de reforço.Fase IV: Vigiar e avaliar (avaliar o impacto):Passo 13: constituir equipe de avaliação.Passo 14: definir objetivo, indicadores e sistema de informação.Passo 15: realizar o processo de avaliação.Passo 16: chegar a conclusões sobre o impacto e explorar os aspectos políticos daprogramação.Fase V: Extensão (estender o programa):Passo 17: preparar o plano para generalizar a aplicação do programa.Passo 18: realizar as mudanças de política e programação.Passo 19: aplicar incentivos ou desincentivos e medidas administrativas.Passo 20: Iniciar a extensão.In: Nichols, 1998.


232 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3Como vimos, a lógica preventiva encontra inúmeras dificuldades para ser implantada.A atual forma de contratação e credenciamento de serviços e profissionais de saúde é umgrande entrave para padronização de procedimentos preventivos e capacitação de profissionaispara efetuá-los. Contudo, já há alguns projetos focais implantados que apontam paraessa lógica (Box 2).BOX 2Descrevemos, a partir de dados colhidos em entrevistas com profissionaisresponsáveis, o caso dos programas Amil Qualidade de Vida: saúde cardiovascular eTotal Care, também da Amil.Estes programas são direcionados para redução do risco dos segurados emdoenças específicas, com maior potencial de retorno do investimento e também deacompanhamento e avaliação de resultados. São executados por serviço próprio doplano de saúde, que assim contrata profissionais especializados, especificamentecapacitados para executar os procedimentos, sob supervisão.O programa Amil Qualidade de Vida: saúde cardiovascular dirige-se a trabalhadoresde empresas que contratam planos de saúde da Amil. O objetivo é captar etratar os indivíduos com risco cardiovascular alto e moderado. Foi implantado emabril de 2001 e, até hoje, foram atendidos 22 mil titulares de empresas.O programa está estruturado em três etapas:Na primeira etapa é aplicado um questionário específico que tem o objetivo deidentificar os indivíduos com risco cardiovascular alto e moderado. Este questionário épadronizado e aplicado por agentes de saúde treinados. De acordo com a indicação, sãorealizados exames complementares. O questionário é preenchido em ambiente web eimediatamente acessível para análise.O objetivo da segunda etapa do processo é garantir que 80% dos indivíduosidentificados como risco alto ou moderado tenham sido efetivamente encaminhadose tenham realizado uma consulta médica em menos de trinta dias.


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 233Em um terceiro momento, o programa pretende alcançar que 60% dos indivíduosem risco estejam sendo tratados adequadamente com base em critérios definidos emprotocolos clínicos para doenças cardíacas.Segundo o profissional entrevistado, na população pesquisada encontraram-se14% de indivíduos com hipertensão, 3,8% de dislipidemia e 1,7% de diabetes com 65% decasos confirmados posteriormente. Todos estes casos não tinham conhecimento anteriorda sua condição de risco.Esse programa está sendo analisado sistematicamente e o objetivo é avaliar comprecisão resultados, não apenas em termos da capacidade de diagnóstico e encaminhamentosposteriores, como principalmente da relação custo-benefício. A intençãoda empresa é estender o programa também para clientes individuais.O programa Total Care foi implantado a partir de 1999. Trabalha com doençascardiovasculares e diabetes, patologias de alta prevalência e que apresentam demandaimportante no conjunto da assistência aos clientes dos planos de saúde. É baseado nodisease manage, já implantado em centros médicos dos EUA e Canadá. A idéia do gerenciamentoda doença, segundo o entrevistado, é garantir que os pacientes tenham ummaior controle das suas doenças, tornando-os mais saudáveis e conseqüentemente reduzindocustos de assistência médica, internações e outros procedimentos de maiorcomplexidade e custo. Não se trata, portanto, de prevenção primária, mas secundáriae terciária, pois o público-alvo é composto de indivíduos já com doença instalada.O serviço busca racionalizar a atenção aos portadores dessas patologias, buscando diminuira demanda destes por assistência terciária de alto custo, hospitais e internações.O Total Care trabalha com profissionais especializados em cardiologia e endocrinologia,exigindo título de residência médica, especialista e mestrado na respectivaespecialidade. Além disso, o serviço dispõe de nutricionistas, enfermeiros, educador físicoe psicólogo. Os profissionais são contratados, recebendo salário da própria empresa.Esta equipe tem como objetivo garantir uma assistência integrada que estimule a criaçãode vínculo mais persistente com os pacientes.


234 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3Segundo o profissional responsável entrevistado, num primeiro momento aimplantação do serviço ocasionou um aumento de custos, mas que se tratou de uminvestimento com objetivo de reduzir as internações e procedimentos de alto custo nofuturo. O programa está sendo avaliado e os resultados – não disponíveis paradivulgação – indicam excelentes resultados.O uso desse serviço é de livre opção dos clientes e busca-se com isso umafidelização espontânea dos pacientes ao plano de saúde da empresa.A perspectiva é ampliar serviços com essa lógica. Foram citados como exemplos:o projeto de implantação de um programa de prevenção de diabetes, cuja perspectivaseria identificar indivíduos pré-diabéticos; a construção de um centro de reabilitaçãocardíaca, um espaço para realização de exercícios próprios para indivíduos portadoresde doença cardíaca.3. CONCLUSÃOTodas as evidências indicam que os sistemas de saúde pautados fundamentalmente nabiomedicina terão progressivamente problemas de sustentabilidade. No âmbito da saúdesuplementar, cabe à <strong>ANS</strong> incentivar que a necessidade de racionalização dos custos da assistênciaà saúde por parte das operadoras seja complementar à política do MS de buscar promover asaúde da população brasileira.A perspectiva de implantar programas de promoção da saúde e uma lógica preventivana prática clínica dirige o esforço de racionalização de custos do sistema para ações capazes deintervir ativamente na redução de riscos, fomentando melhorias na qualidade de vida dossegurados. Como foi analisado, esse objetivo não é simples de ser alcançado, constituindo-seum desafio para a atividade regulatória da <strong>ANS</strong>.Programas de promoção da saúde já vêm sendo implantados em empresas,especialmente as de maior porte, e têm sido considerados altamente eficientes do ponto devista do mercado. Cabe à <strong>ANS</strong> avaliar de que forma esses programas de promoção da saúde


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 235articulam-se com os planos de saúde vinculados às empresas e estimular que sejam implantadosem empresas de menor porte. O estímulo à integração destes programas precisa estaracompanhado do esforço de regulação e avaliação, pois o objetivo central de diminuição decustos nas empresas não é isento de conflitos como o de garantir melhores condições de vidapara os trabalhadores.As ações de prevenção clínica de doenças adaptam-se mais diretamente à normatizaçãoe regulação de contratos individuais e familiares. Seguros de saúde atraem indivíduos doentes,com grande potencial de demanda de serviços de atenção médica. Ao mesmo tempo, éjustamente nos momentos em que não estão bem de saúde, que as pessoas estão particularmentepermeáveis à intervenções que as orientem para mudanças de estilo de vida. São os profissionaisde saúde, especialmente médicos durante consultas clínicas, fontes legítimas de informaçõesdobre doenças e riscos ao adoecimento. Além disso, o espaço clínico é também ideal paraintervenções preventivas como screenings. Consultórios médicos são potencialmente espaçosprivilegiados para ações de promoção da saúde e prevenção de doenças.A ampliação da capacidade do trabalho médico nesse sentido é ainda um desafio queextrapola o âmbito da saúde suplementar envolvendo, entre outras dimensões, a própriaformação médica. A inversão da lógica assistencial do sistema exigiria mudanças de organizaçãocomplexas. Competiria à <strong>ANS</strong>, acompanhada do trabalho constante de avaliação e regulação,buscar favorecer esse processo mediante estímulos:a mudanças administrativas que viabilizem a lógica da prevenção na prática clínica.Uma possibilidade a ser avaliada seria a criação de incentivos de natureza econômicapara implantação de programas preventivos por parte das seguradoras;à realização de estudos de custo-efetividade de ações de promoção da saúde e prevençãode doenças no contexto de diferentes modalidades de planos de saúdeexistentes;à elaboração de normas clínicas preventivas, estabelecidas com base em recursosmetodológicos adequados.


236 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 34. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICASACKERKNECHT, E. H. (1948). “Anticontagionism Between 1821 and 1867”. Bulletin of the History ofMedicine, 22:562-93.AROUCA, A. S. S. (1975). O dilema preventivista: contribuição para compreensão e crítica da medicinapreventiva. Tese de doutoramento, Campinas, Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadualde Campinas.BUSS, P.M. (2003). “Uma introdução ao conceito de promoção da saúde”. In: Czeresnia, D. & FreitasC.M. (orgs) Promoção da saúde: conceitos, reflexões, tendências. Rio de Janeiro, Editora Fiocruz.CARVALHO, A. I. (1996). Da Saúde Pública às Políticas Saudáveis – Saúde e Cidadania na Pósmodernidade.Ciência & Saúde Coletiva, 1(1): 104-21.COSTA N.R.; RIBEIRO, J.M.; SILVA P.L.B.; MELO, M.ªC. (2001) “O desenho institucional da reformaregulatória e as falhas de mercado no setor saúde”. In: RAP – Revista de Administração Públicavol 35 (2) 193-228.CZERESNIA, D. (1997). Do Contágio à Transmissão: ciência e cultura na gênese do conhecimentoepidemiológico. Rio de Janeiro: Ed. Fiocruz.CZERESNIA, D. (1999).“The Concept of Health and the Diference Between Promotion and Prevention”.In: Cadernos de Saúde Pública v.15 (4), p. 701-710, 1999.FLORIN, D. & BASHAM, S. (2000).“Evaluation of health promotion in clinical settings”. In: Thorogood,M. & Coombes, Y. (edts.) Evaluating Health Promotion: practice and methods, New York, OxfordUniversity Press.GAMA, A. N. (2003). “Caracterização da autogestão no processo de regulamentação do setor suplementarde saúde”, dissertação apresentada ao Departamento de Ciências Sociais da Escola Nacionalde Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz como requisito parcial para obtenção do grau demestre em saúde pública.LEAVELL, S. & CLARK, E.G. (1976). Medicina Preventiva. SP: McGraw-Hill.LUPTON, D. (1995). The Imperative of Health. Public Health and the regulated body, London, Sage.MARCHI, R. (2002). “Saudável lucro”. In: http://vocesa.abril.uol.com.br/aberto/online/saude/saudavel.shl em 5/6/2003MCKEOWN, T. (1979). The Role Of Medicine. Dream, Mirage Or Nemesis? Oxford: Basil Blackell.MILIO, N. (1996). “Búsqueda de beneficios económicos com la promoción de la salud”. In: OPS.Promoción de la Salud: Una Antologia. Washington: OPS, Publ. Cient. 557, 47-59.MS (Ministério da Saúde) (1986). Anais da VIII Conferência Nacional de Saúde. Brasília: MS.


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238 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 35. ANEXOQuadro 4 – RECOMENDAÇÕES PARA A PRÁTICA DA CLÍNICA PREVENTIVA


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 239


240 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3


Metodologias e Diretrizes para aIncorporação de Tecnologiasno Setor de Saúde SuplementarLetícia Krauss Silva 1INTRODUÇÃOO uso racional de tecnologias, demandado inicialmente por A. Cochrane em suasclássicas reflexões sobre o sistema nacional de saúde inglês (1972), e reiterado, nos EUA, pelaOTA (BANTA et al., 1981), supõe a seleção de tecnologias a serem financiadas e a identificação dascondições ou subgrupos em que elas deverão ser utilizadas, no sentido de tornar o sistema desaúde mais eficiente para o objetivo de proteger e recuperar a saúde da população.O intenso e crescente processo de produção e incorporação de inovações tecnológicas naatenção à saúde nas últimas duas décadas tem sido associado à queda na mortalidade e àmelhoria da qualidade de vida de pacientes e ao vertiginoso aumento dos gastos com a assistênciamédica (CUTLER e MCCLELLAN, 2001; LICHTENBERG, 2001).A sedução que a tecnologia exerce na área da saúde, com base no benefício freqüentementeassociado às inovações tecnológicas, tem estado associada, todavia, a problemas nautilização das tecnologias. Estudos vêm mostrando esse fato, tanto aqueles estudos que nãoencontraram evidência científica para procedimentos largamente utilizados quanto aqueles quemostraram grande variação no uso de tecnologias sem variação no resultado (GARBER, 2001;WENNBERG, 1985, 1988). Um estudo muito conhecido (ANTMAN et al., 1992) mostrou quetecnologias comprovadamente sem efeito, ou com efeito deletério, continuavam sendo|1| Pesquisadora da ENSP/Fiocruz, PHD em Avaliação Tecnológica.


242 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3amplamente utilizadas na atenção ao infarto agudo do miocárdio, ao passo que outras,comprovadamente eficazes, apresentavam baixa utilização. A distorção mais freqüente talvezseja, segundo alguns autores (BANTA e LUCE, 1993; PANERAI e MOHR, 1989), a utilização de tecnologiasfora das condições nas quais apresentam eficácia significativa ou em condições nas quaisapresentam muito baixa eficácia/acurácia.O rápido aumento dos custos da atenção à saúde e a necessidade de apoiar tecnicamentea seleção de tecnologias ou modalidades de inovação tecnológica, a serem financiadas para certosgrupos de pacientes, impulsionou, a partir da década de 80, as atividades de avaliação tecnológicaem saúde financiadas pelos governos de países, os de países/regiões desenvolvidas/grandescorporações.Os achados e conclusões das avaliações tecnológicas dependem, em grande parte, dasmetodologias empregadas em sua elaboração. O presente trabalho apresenta metodologias ediscute diretrizes para a introdução e difusão (e obsolescência) de tecnologias em um sistema desaúde e, em particular, no processo de revisão de rol de procedimentos a serem financiados pela<strong>ANS</strong>. Em outras palavras, esse trabalho procura apresentar, de forma sucinta, o conceito e asmetodologias de avaliação tecnológica, e discutir o papel que esta teria hoje no planejamento egerência da difusão e incorporação (financiamento) de tecnologias de saúde e na elaboração deuma política (diretrizes) de cobertura de procedimentos.O trabalho, inicialmente, introduz conceitos de ATS e os objetivos, requerimentos elimitações das principais metodologias usadas para a elaboração de uma avaliação tecnológica:a revisão sistemática (metanálise), a análise de decisão e a análise de custo-efetividade.A seguir, apresenta os mecanismos regulatórios recomendados quanto à incorporaçãode tecnologias e discute o modo como vem sendo utilizados no país pelo MS e pela <strong>ANS</strong>, emparticular, focalizando a inclusão/exclusão do rol de procedimentos da Agência. Paralelamente,são encaminhadas sugestões para a melhoria do processo de incorporação de tecnologias porparte do MS e da <strong>ANS</strong>, em especial.


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 243AVALIAÇÃO TECNOLÓGICA EM SAÚDESegundo a conceituação largamente aceita de avaliação tecnológica em saúde (ATS),formulada por Banta e Luce (1993), ela é a síntese do conhecimento produzido sobre as implicaçõesda utilização das tecnologias médicas, constituindo subsídio técnico importante para ajuizar aoportunidade de incorporar uma tecnologia com o objetivo de tomar decisões sobre sua difusãoe incorporação (financiamento). Em outras palavras, a ATS é um subsídio técnico paramecanismos de regulação do ciclo de vida das tecnologias, em suas diferentes fases, mecanismoscomo o registro e o financiamento do seu uso (Fig.1). Embora as ATSs devam ser tambémutilizadas como subsídio crítico para a elaboração de diretrizes clínicas, esse processo não seráabordado pelo presente trabalho.Desde o desenvolvimento da inovação, passando pelo seu registro, difusão inicial,eventual financiamento (cobertura) até a sua obsolescência e abandono, o ciclo de vida dastecnologias tem sido cada vez mais regulado/influenciado pelos governos e planos de saúde. (USCongress/OTA, 1994, cap.6; O’BRIEN et al., 2000; CHAIX-COUTURIER et al., 2000).A regulação adequada do ciclo de vida das tecnologias, pela natureza dos processosenvolvidos tem demandado, nos países desenvolvidos, uma ação concertada dos órgãosnacionais envolvidos e também uma colaboração com agências de ATS de outros países. NoBrasil, o ciclo de vida das tecnologias médicas tem sido atualmente regulado pelo MS através daAgência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), da Secretaria de Assistência à Saúde doMinistério da Saúde (SAS/MS) e da Agência Nacional de Saúde Suplementar (<strong>ANS</strong>). Decisões doJudiciário também vêm influenciando a utilização de tecnologias de alto custo.As ações daqueles órgãos do MS focalizam, hoje, algumas etapas do ciclo de vida dastecnologias, como a do início do ciclo de vida no país, com a autorização para importação/registro, e a da difusão em larga escala, através da inclusão na Tabela do SUS e no Rol de Procedimentosda <strong>ANS</strong>. A fase crítica da difusão inicial não é objeto de atenção especial do MS, assimcomo a fase de obsolescência. A articulação formal ou informal das ações desses órgãos/agênciastambém não é visível.


244 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3DIMENSÕES DAS ATSs E ESTÁGIOS DOCICLO DE VIDA DAS TECNOLOGIASAs dimensões geralmente abrangidas pelas ATSs são as de acurácia (sensibilidade/especificidade de tecnologias diagnósticas), eficácia (probabilidade de benefício de uma tecnologiaem condições ideais), segurança (probabilidade de efeitos colaterais e adversos), efetividade(probabilidade de benefício em condições ordinárias, locais), custo-efetividade, custoutilidade,impacto, eqüidade e ética (GOODMAN, 1992). Essas dimensões são em parte interdependentes.Assim, o potencial de eqüidade de uma tecnologia depende da sua relação de custoefetividade(comparada a de tecnologias alternativas para um mesmo problema de saúde).As ATSs são, via de regra, entretanto, parciais, cobrindo algumas das dimensões,geralmente aquelas relevantes: a) para o estágio do ciclo de vida em que se encontra a tecnologia,b) para um determinado sistema de saúde e c) para o patrocinador da ATS (indústrias de tecnologias,seguros de saúde, governo).Assim, as ATSs relativas a tecnologias ainda em fase final de desenvolvimento/inovação,ou tecnologias futuras, são limitadas para estimar a dimensão eficácia, e mais ainda a de efeitosadversos (mais raros), e não apresentam evidência sobre efetividade. As ATSs relativas a tecnologiasque estão iniciando o seu ciclo de vida, ou emergentes, também são limitadas quantoà estimativa de sua efetividade e freqüentemente quanto a seus custos. Por outro lado, asATSs elaboradas para tecnologias na fase de difusão inicial são importantes para estimar aefetividade e o custo-efetividade, enquanto que as ATSs de tecnologias totalmente incorporadasobjetivam uma estimativa mais abrangente da efetividade e mais precisa da incidência de efeitosadversos, subsídios que podem ajudar a redefinir as indicações ou a caracterizar a obsolescênciadessas tecnologias e a decidir sobre seu abandono, especialmente dado o advento de novas(e possivelmente melhores) tecnologias.As ATSs também variam de acordo com o tipo de tecnologia. Por exemplo, enquanto asATSs de tecnologias terapêuticas consideram apenas as tecnologias terapêuticas alternativas, asavaliações relativas a tecnologias diagnósticas devem considerar, além de procedimentos


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 245diagnósticos alternativos relevantes, as alternativas terapêuticas correspondentes, já que o benefícioda tecnologia é realizado principalmente na medida em que evita danos.Conforme mencionado anteriormente, após apresentarmos as metodologias usadaspara a elaboração de ATSs, passaremos à descrição e discussão dos procedimentos hojeadotados pelo MS, e particularmente pela <strong>ANS</strong>, em relação ao processo de incorporação detecnologias/procedimentos, no sentido de subsidiar a re/elaboração/revisão das metodologiase diretrizes (políticas) para esse campo.METODOLOGIAS DE (ANÁLISE E) SÍNTESE UTILIZADASPara analisar e sintetizar, freqüentemente de forma quantitativa, a complexidade e volumede conhecimento produzido sobre uma tecnologia médica, as ATSs utilizam metodologias queforam desenvolvidas/aperfeiçoadas durante as duas últimas décadas. A revisão sistemática eeventual metanálise (processamento estatístico) das evidências sobre efeitos, a análise de decisãoe a avaliação custo-efetividade (custo-utilidade) são metodologias de síntese quantitativadesenvolvidas em associação com o incremento das atividades de ATS.Assim, a elaboração de uma ATS requer expertises que implicam um trabalho de equipesmultidisciplinares de pesquisadores e subespecialistas para cada caso, abrangendo as áreasbiomédicas básicas, a epidemiologia (especialmente, a epidemiologia clínica), (sub) especialidadesclínicas e cirúrgicas, a bioestatística, a economia (avaliação econômica) e a ética médica(LONGNECKER, 1995; RYAN et al., 1996; CARO, 2000; MULROW e LOHR, 2001).A grande questão é a da adequação da evidência científica sobre os efeitos das tecnologiasa serem utilizadas na tomada de decisão (GARBER, 2001; EISENBERG, 2001). Isso porque tanto adelimitação de alternativas, quanto a análise, síntese e interpretação do conhecimento relativoaos diferentes efeitos e outras conseqüências das tecnologias são passíveis de vieses que distorcemas conseqüências verdadeiras das tecnologias e podem alterar nossa decisão a respeito de suaincorporação.


246 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3REVISÕES SISTEMÁTICAS E METANÁLISESA revisão sistemática é uma forma de pesquisa que busca sintetizar resultados de estudossobre efeitos de tecnologias, tamanho do efeito e para que tipo de pacientes/pessoas o efeitoocorreu, a partir dos estudos disponíveis de boa qualidade. É uma revisão de estudos, através deuma abordagem sistemática, que objetiva reduzir um viés, ou seja, evitar que seja distorcido otamanho do efeito estudado, provendo uma base científica para a tomada de decisão racionalde clínicos, gerentes e planejadores. A metanálise é uma forma de revisão sistemática na qualocorre uma análise estatística que combina e integra os resultados de estudos independentes, ouseja, os efeitos observados por vários estudos relativos à mesma tecnologia ou conjuntotecnológico, com o objetivo de extrair uma medida sumária do efeito analisado (PETITTI, 2000).As metanálises dão estimativas quantitativas do peso da evidência disponível, o que pode serproveitoso na tomada de decisão (SACKS et al., 1987).A metanálise permite: a) aumentar o poder estatístico para desfechos de forma amelhorar a estimativa do tamanho do efeito para pacientes em geral e para subgrupos depacientes e b) resolver incertezas quando os estudos disponíveis são discordantes (MULROW,1996; OXMAN, 1996; PETO, 1987). Por isso, as metanálises são mais relevantes quando os ensaiosrandomizados disponíveis são inconclusivos individualmente, quando um ensaio bemdesenhado e de grande porte não é praticável ou enquanto resultados de estudos definitivosestão sendo esperados (SACKS et al., 1987).Os protocolos das revisões são elaborados no sentido de evitar vieses que distorçam aestimativa do tamanho do efeito (desfecho) analisado. Os estudos relevantes para uma revisãosistemática devem ser identificados, selecionados para inclusão e avaliados quanto à suaqualidade e pertinência em relação aos objetivos da revisão. Os critérios para identificação eseleção dos estudos devem ser explicitados de forma clara na metodologia e apresentados noprotocolo de pesquisa (CLARKE & OXMAN, 2000; OXMAN, 1994).Uma revisão sistemática deve compreender o maior número possível de ensaios clínicosrelevantes, publicados ou não, e para isso deve-se utilizar uma estratégia de busca eficiente, já


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 247validada. As principais fontes utilizadas para a identificação de estudos são as bases de dadoseletrônicas; todavia, somente uma parcela dos estudos publicados pode ser captada nessasfontes, sendo necessário associar outros mecanismos de busca, mesmo quando os artigos estãodentro da base de dados utilizada. Os protocolos das revisões sistemáticas incluem estratégiasde busca de estudos bastante exaustivas e a avaliação da importância de possíveis vieses depublicação (DICKERSIN et al., 1994; CLARKE e OXMAN, 2000), (Quadro 1).Para evitar vieses de seleção de estudos, os protocolos utilizam procedimentos que incluemo exame detalhado da qualidade do desenho (por ex., no caso de estudos sobre a eficáciade uma terapia, se o estudo é do tipo ensaio clínico controlado, randomizado e cegado ou não)e da execução do estudo (por ex., houve quebras do protocolo do estudo?, o estudo apresentatabela pós-randomização com a distribuição de fatores prognósticos relevantes nos grupos detratamento comparados?, informa sobre perdas pós-randomização?), utilizando critérios previamentedefinidos (CHALMERS, 1994) (Quadro 2). A análise das limitações de cada estudo permiteconcluir sobre a força da evidência que o estudo proporciona, e sobre a validade de suainclusão na revisão.A heterogeneidade clínica é uma fonte de heterogeneidade de resultados entre os estudosque deve ser especialmente investigada pelo pesquisador com o objetivo de avaliar a combinabilidadedos estudos, antes do cálculo das medidas sumárias de efeito. A heterogeneidadeclínica pode derivar de diferenças entre estudos quanto às condições e critérios utilizados para ainclusão de pacientes (estrutura de fatores prognósticos), quanto às modalidades de intervenção(geração da tecnologia, esquema terapêutico, timing de sua utilização etc.) e quanto àsmedidas usadas para a avaliação dos desfechos. Também as diferenças entre as co-intervençõesusadas pelos estudos podem ser importantes na avaliação da heterogeneidade de resultados dosestudos (CLARKE e OXMAN, 2000; PETITTI, 2000; LONGNECKER, 1995; THOMPSON, 1994; LAU et al.,1997; BAILEY, 1987).Os modelos e métodos estatísticos utilizados na metanálise para a estimativa dos efeitossumários podem fazer alguma diferença na estimativa obtida, dependendo da heterogeneidadedos achados dos estudos originais (THOMPSON, 1994; BERLIN, 1989). Finalmente, a análise


248 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3de sensibilidade é um recurso para avaliar até que ponto a exclusão de estudos da metanálise,por exemplo, devido a incertezas sobre falhas metodológicas ou por questões quanto à suapertinência aos objetivos da revisão, modificaria de forma relevante os achados da metanálise(CLARKE e OXMAN, 2000).O desenho dos estudos a serem incluídos e sua valorização em uma revisão sistemáticadependem, entretanto, do tipo de efeito e de tecnologia em pauta: benefício (eficácia) ou dano(efeitos adversos), diagnóstico, prognóstico ou tratamento. Assim, o desenho prospectivo, decorte, é geralmente, considerado o mais adequado para analisar a acurácia prognóstica de umequipamento, enquanto o ensaio clínico controlado é o desenho de escolha para medir a eficáciade tecnologias terapêuticas (MULROW e LOHR, 2001). Por outro lado, deve-se notar que a despeitodo grande volume de informação produzida sobre as tecnologias de atenção à saúde, faltamestudos bem desenhados sobre os efeitos de grande parte das tecnologias atualmente em uso(BANTA e LUCE, 1993; MULROW e LOHR, 2001).Em resumo, a qualidade e validade de uma revisão sistemática/metanálise como subsídiointermediário importante para a tomada de decisão dependem, em geral, da clareza dos seusobjetivos e da especificação e validade dos métodos de busca e dos critérios para a inclusão/exclusão de estudos, especialmente dos critérios para avaliar a qualidade dos estudos;individualmente, e sua validade enquanto evidência dos efeitos analisados. A avaliação dacombinabilidade dos estudos, através da análise da heterogeneidade clínica, deve ser um prérequisitoda análise estatística. Todas as etapas e critérios a serem utilizados, inclusive a análisepor subgrupo de pacientes, devem ser previamente definidos e detalhadamente descritos noprotocolo da revisão sistemática/metanálise, requisito importante da qualidade desta, para evitara manipulação de dados (“data dredging”).A ANÁLISE DE DECISÃOOutra metodologia importante para a elaboração de uma avaliação tecnológica é aanálise de decisão. Ela ajuda a identificar e a estruturar as alternativas de atenção à saúde(diferentes cursos de ação) em jogo, levando em conta tanto as alternativas que incluem quantoas que não incluem a tecnologia analisada. Ela é especialmente crítica para a explicitação de


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 249alternativas no caso de conjuntos complexos de tecnologias. Depois que as alternativas comparadassão esquematizadas na árvore de decisão, as probabilidades de sucesso obtidas paracada intervenção (tecnologia) compreendida pelas diferentes alternativas (cursos de ação),segundo as metanálises, são registradas em cada um dos nós de probabilidade do ramo correspondentea cada alternativa. Por fim, as alternativas e suas conseqüências para a saúde setornam mais facilmente visualizáveis e analisáveis. O resultado final, que também figurana árvore, é uma estimativa da probabilidade da ocorrência do desfecho (resultado) analisadopara cada alternativa (curso de ação) estudada (PETITTI, 2000; WEINSTEIN, 1980).É importante, na análise de decisão, que todas as alternativas relevantes sejamidentificadas e sejam estruturadas de forma adequada, considerando, quando for o caso, todoo processo de atenção à saúde, desde a fase diagnóstica/triagem até a fase terapêutica, ou seja,incluindo-se não apenas as probabilidades relativas aos resultados parciais ou intermediários(como os relativos a diagnósticos ou a resultados metabólicos), mas às probabilidades dosresultados finais (de saúde). É importante assinalar que a alternativa do status quo (atençãotradicionalmente prestada) deve ser sempre considerada.A análise de decisão, esquematizada pela árvore, não só registra as probabilidades desucesso, mas indica as intervenções correspondentes a cada alternativa (curso de ação). Asdiferentes alternativas produzem efeitos diferenciados sobre a saúde e, por outro lado,desencadeiam custos também diferentes; daí, ser a árvore comumente usada como suporte paraas avaliações microeconômicas do tipo custo-efetividade e custo-utilidade (TORRANCE, et al., 1996;DRUMMOND et al., 1997).A ANÁLISE CUSTO-EFETIVIDADEA análise custo-efetividade (ACE) é uma avaliação microeconômica freqüentementeusada para a elaboração de uma avaliação tecnológica. Constitui-se de uma metodologia desíntese, que toma como subsídios fundamentais as análises anteriormente vistas (metanálise eanálise de decisão), além de informações sobre custos sobre as alternativas/intervençõesestudadas. A ACE supõe uma escolha entre intervenções, assumindo a escassez de recursos. Pode


250 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3ser definida como uma análise comparativa de cursos alternativos de ação, tanto em termos decustos como de conseqüências, ou seja, a diferença de custos (custo incremental) é comparadacom a diferença de efeitos (conseqüências), na forma de razão entre a diferença de custos e adiferença de efeitos (DRUMMOND et al., 1997).Os efeitos sobre a saúde das alternativas de procedimentos ou programas comparadosem uma ACE, atingidos em diferentes graus pelas opções comparadas, são medidos emunidades naturais, como número de mortes evitadas, número de anos de vida ganhos, númerode dias com incapacidade, sendo os custos das alternativas medidos em unidades monetárias(DRUMMOND et al., 1997).É fundamental, conforme anteriormente referido, que todas as alternativas relevantessejam identificadas e estruturadas adequadamente. Vale notar que a alternativa do status quodeve ser sempre levada em conta, não apenas quanto a suas conseqüências na saúde, mastambém quanto a seus custos.Tomando um exemplo relativamente simples, quando dizemos que uma certa vacina écusto-efetiva, ou seja, que a vacinação contra a hepatite B em recém-nascidos e jovens é custoefetiva,queremos dizer, nesse caso, que a razão entre o diferencial estimado de custos de vacinar enão vacinar (status quo), incluindo os custos dos casos de hepatite B, cirrose pós-hepatite etransplantes hepáticos (decorrentes de hepatite B), e o diferencial estimado de casos de hepatite e demorte por cirrose hepática evitados na população correspondente, na presença/ausência davacinação, corresponde a um valor (por unidade de benefício) relativamente (para o sistema de saúdeem pauta) baixo. Ou seja, a um custo incremental relativamente baixo, digamos que a R$ 60 porhepatite evitada ou a R$ 1.300 por morte devido à cirrose hepática evitada, considerando-se oponto de vista do governo, ou seja, os custos assumidos pelo governo nas opções comparadas.Outras dimensões deveriam ser consideradas, como, por exemplo, a probabilidade de efeitoscolaterais/adversos e a efetividade da vacina em nossa realidade, dada a freqüência de falhasoperacionais do sistema de saúde. Se mais de um tipo da vacina estiver disponível, a alternativa queapresentar a razão de (diferenciais) custo-efetividade mais favorável (baixa) deverá ser a escolhida,assumindo-se, por simplificação, a igualdade das tecnologias nas outras dimensões.


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 251Pode-se ainda comparar, enquanto planejador ou gestor, diferentes razões de custoefetividade(PHELPS, 1997), estimadas pelas análises de custo-efetividade correspondentes,relativas a: a) tecnologias dirigidas a um mesmo problema de saúde, como doença coronariana,por exemplo, tecnologias preventivas versus curativas, ou a b) vários problemas de saúde, comoprematuridade, tuberculose, diabetes, insuficiência renal crônica e câncer. As intervençõescomparadas podem ser ordenadas com base nas suas razões de custo-efetividade, tendo emconta as diferenças metodológicas que limitam a validade de tais comparações, assim como oescopo das tecnologias ou programas incluídos na comparação (TORRANCE et al., 1996;DRUMMOND et al., 1993). Aquelas com o mais baixo custo por resultado de saúde (ano de vidaganho), ou seja, aquelas que obtêm mais anos de vida ou que previnem mais casos de doençapara um mesmo gasto, são as mais eficientes em melhorar a saúde (RUSSEL et al., 1996). A ACEmostra, portanto, as trocas envolvidas na escolha entre intervenções ou variantes de intervençõespara um mesmo problema de saúde (ou para vários).Com relação à medida da morbidade, a ACE tem utilizado instrumentos para avaliar oestado de saúde, inclusive a capacidade física (como ausência de dor e mobilidade) e mental,entre outros domínios. Todavia, limitações da ACE nesse campo devem ser apontadas: a) ACEnão é apropriada para sintetizar mais de um resultado de saúde, incluindo danos e benefícios,quando esses resultados não podem ser expressos em anos de vida ganhos, como os resultadosrelativos à mortalidade; b) a qualidade de vida associada a cada ano a mais vivido pode variar,sendo essa questão relevante principalmente para aquelas tecnologias que reduzem morbidademais do que mortalidade ou onde o aumento da sobrevida vem acompanhado de morbidadesignificativa (efeitos colaterais ou incapacidade).A análise de custo-utilidade (ACU) é um método particularmente útil quando, nacomparação de alternativas tecnológicas, é necessário sintetizar diferentes resultados de saúde eajustá-los por qualidade de vida antes de relacioná-los aos custos correspondentes (DRUMMONDet al., 1997). A diferença de qualidade de vida pode ser medida através de instrumentos queavaliam estados de saúde associados a métodos que avaliam a preferência do paciente pelo estadode saúde resultante de diferentes tecnologias. Isso permite que diferentes estados de saúde,


252 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3associados ao uso de diferentes alternativas tecnológicas sejam valorados um em relação aooutro (GOLD et al., 1996).Uma medida de resultado de saúde muito importante nesse contexto é o QALY, ano devida ajustado por qualidade de vida, que dá um peso a cada período de tempo sobrevivido,variando de 0 a 1, para expressar a qualidade de vida durante determinado período. O valor 1corresponde à saúde perfeita e 0 corresponde a estados considerados equivalentes à morte. Onúmero de anos de vida ajustados por qualidade de vida (número de QALYs) corresponde àsobrevida relativa a uma alternativa expressa em número de anos sobrevividos com saúde(GARBER et al., 1996). O custo por QALY costuma ser, por definição, mais alto que o custo porano de vida.Uma regra para maximizar benefício (ano de vida ou QALY) é a escolha da opção que resultaem ano de vida extra ou QALY extra ao menor custo. Por outro lado, um parâmetro (valor)por ano de vida ou QALY emerge na medida em que o tomador de decisão, em cada país (sistemaou plano de saúde), passa a decidir se o custo por ano de vida ou QALY extra possibilitado poruma tecnologia pode ser assumido (TSUCHIYA e WILLIAMS, 2001; LAUPACIS et al., 1992).A avaliação econômica é limitada, no entanto, para lidar com um problema importantena seleção de políticas de saúde: o custo por ano de vida tende a ser mais caro para algumascondições, por exemplo, em condições associadas a pacientes idosos (MCGUIRE, 2001; GARBER ePHELPS, 1997; GARBER et al., 1996). A solução desse problema, comum a comparações de múltiplosproblemas de saúde, deve levar em conta as dimensões éticas e culturais, entre outrosvalores sociais, as quais podem ser também objeto de estudo.Vale enfatizar que a evidência científica sobre o efeito benéfico da tecnologia é essencialpara uma avaliação econômica do tipo custo-efetividade ou custo-utilidade. Sem tal evidência,a avaliação econômica, na área de saúde, não faz sentido porque, do ponto de vista econômico,não faz sentido prover serviços inefetivos, seja de forma otimizada (“eficiente”) ou não(DRUMMOND et al., 1997). Em outras palavras, a eficácia e a efetividade (o benefício obtido naprática pelos serviços) são um pré-requisito da eficiência e também da eqüidade quando essasúltimas dimensões são avaliadas tendo por objetivo ganhos de saúde. Assim, a realização de


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 253uma revisão sistemática/metanálise, constitui, freqüentemente, etapa fundamental, aindaque laboriosa, da ACE/ACU. Eventualmente, é possível encontrar metanálises já prontas; entretanto,é freqüente que não sejam de boa qualidade metodológica ou não estejam atualizadasou tenham tido um objetivo diferente daquele em pauta, a despeito de serem relativasà(s) tecnologia(s) de interesse.Outra dificuldade é que os pacientes nos ensaios disponíveis às vezes não representambem o conjunto dos pacientes dos serviços em geral. No curto prazo, a estimativa do efeito parao conjunto dos pacientes implica suplementar (ou ajustar) os dados sobre eficácia dos ensaioscom resultados obtidos de outras fontes, para subgrupos não/pouco cobertos pelos ensaios,utilizando metodologias que minimizem vieses devidos a confundimento por indicação (GAO,1992; BALLARD e DUNCAN, 1994; WHITTLE, 1995; D’AGOSTINO, 1995; GUESS et al., 1995).Com relação à efetividade, é importante atentar para o fato de que a estimativa debenefício da tecnologia é feita a partir de ensaios clínicos que, via de regra, foram realizadosdentro de condições ideais de uso (performance) ou próximas do ideal. Ou seja, a análise CE, defato, freqüentemente, mede custo-eficácia (DRUMMOND et al., 1997). Esse problema é mais relevantequando as alternativas comparadas envolvem tecnologias ou conjuntos tecnológicos/procedimentos relativamente complexos, principalmente em países como o Brasil, queapresentam efetividade baixa, ou seja, que apresentam um diferencial maior entre eficácia eefetividade que aquele observado em países desenvolvidos (KRAUSS SILVA et al., 1999; KRAUSS SILVA,1992; PANERAI e MOHR, 1989).A análise de sensibilidade, no caso da ACE, focaliza parâmetros usados na estimativa doscustos econômicos sobre os quais recai incerteza. Ela deve ser efetuada nos casos em que umaanálise preliminar não evidencia que a variação de tais parâmetros é desprezível para asconclusões da análise. Os resultados do estudo devem ser recalculados com base nos extremosda variação considerada plausível para aqueles parâmetros, de um modo geral, considerandocada parâmetro de per si (GOLD et al., 1996).O desconto de custos futuros é geralmente aplicado nas avaliações microeconômicas,sendo que as taxas de desconto variam de país a país, geralmente entre 5% e 10% (GOLD et al.,


254 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 31996). Esse procedimento torna mais atraentes as intervenções cujos recursos são utilizados alongo prazo, penalizando as intervenções com desembolso imediato relevante.CUSTO ECONÔMICO VERSUS CUSTO CONTÁBILO conceito de custo econômico, utilizado nas análises de custo-efetividade e de custoutilidade(avaliações econômicas), se diferencia do de custo contábil, embora parte dos custoscontábeis sejam considerados pelo custo econômico. O custo econômico real de umaintervenção, o custo de oportunidade, é o valor dos benefícios que seriam obtidos caso osrecursos requeridos para essa intervenção fossem utilizados na segunda melhor opção, ou seja,corresponde aos benefícios de saúde perdidos porque uma outra alternativa, também relevante,não foi selecionada (GARBER et al., 1996).Embora o preço teórico apropriado de um recurso seja o seu custo de oportunidade, aabordagem pragmática para estimar custos econômicos é trabalhar com preços de mercado oucom gastos relativos a reembolsos (para itens reembolsáveis), a menos que haja razões paranão fazê-lo (DRUMMOND et al., 1997).Embora dados de custo contábil possam ser usados para fazer avaliações econômicas, écomum que eles não sejam suficientemente detalhados ou sejam insuficientes de outra forma.Essas limitações derivam principalmente do fato de que o uso de uma alternativa tecnológicafreqüentemente implica mudanças na composição e intensidade de uso de uma ou maistecnologias necessárias à atenção integral ao problema de saúde em foco. Essas mudanças nãosão geralmente captadas nas médias de consumo de recursos, utilizadas pelo custo contábil,particularmente quando as médias abrangem apenas os custos diretamente associados aosprocedimentos comparados. Por outro lado, o custo econômico pode dispensar a apuraçãode custos dos recursos de uso comum às alternativas comparadas, o que não é o caso do custocontábil (DRUMMOND et al., 1997; KRAUSS SILVA, 1992) .Outro ponto não comum entre custo econômico e custo administrativo é que naavaliação econômica não só o custo, mas as conseqüências a serem consideradas dependemdo ponto de vista assumido pela avaliação – governo, sociedade, paciente, família, indústria de


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 255tecnologias etc. – o qual deve ser explicitado (RUSSEL et al., 1996; DRUMMOND & JEFFERSON, 1996).Assim, o gasto de recursos dos pacientes e dos familiares, inclusive o gasto de tempo, não éconsiderado pelo custo contábil, a menos que ele seja pago (PINDYCK e RUBINFELD, 2002), mas éimportante quando o ponto de vista da avaliação econômica é o da sociedade (GARBER et al.,1996). Essa diferença é significativa, por exemplo, na avaliação de estratégias de atenção queincluem desospitalização (DANZON e PAULY, 2001), particularmente nos casos de idosos, decrianças e de portadores de doenças crônicas em geral, que necessitam de cuidados especiais ede medicamentos, como os portadores de doença mental grave.A avaliação econômica elaborada com a perspectiva da sociedade considera todas as pessoasafetadas pela intervenção e todos os resultados de saúde (efeitos) e custos importantes quedela resultam, não importando quem se beneficia (ou não) com os resultados de saúde ou sobrequem recaem os custos. De outro ponto de vista, tanto parte dos custos quanto parte dos resultadospodem ser omitidas, se não são do interesse do tomador de decisão. Ainda que uma avaliaçãoeconômica seja feita com o ponto de vista do governo (SUS), ou da indústria, ela deve apresentartambém uma estimativa feita do ponto de vista da família ou da sociedade (RUSSEL et al., 1996).A avaliação econômica (ACE e ACU) constitui, portanto, expressão quantitativa bastanteelaborada das implicações do uso das tecnologias e, quando bem desenvolvidas, devem serutilizadas para ajudar na tomada de decisão em saúde.Finalmente, os resultados obtidos na análise de diferentes dimensões das tecnologiaspodem variar em diferentes sistemas de saúde e populações. A transferibilidade de resultados deestudos microeconômicos sobre tecnologias alternativas para um mesmo problema de saúde,feitas no exterior, por diferentes estudos, é limitada, não só pelas diferenças de geraçãotecnológica, de metodologia e de parâmetros embutidos na medida de eficácia/efetividade,quanto pelas diferenças nos elementos, fontes e procedimentos utilizados para medir custos(COYLE e DRUMMOND, 2001; DRUMMOND e PANG, 2001; US Congress/OTA, 1994, cap. 5). Especialmenteos componentes de efetividade e de utilidade, mas também o de custo, precisam ser umaestimativa local, que pode ser bastante diferente daquela observada em países desenvolvidos(ATTINGER & PANERAI, 1988; KRAUSS SILVA, 1992; DRUMMOND et al., 1997).


256 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3AVALIAÇÃO TECNOLÓGICA, AVALIAÇÃO CUSTO –EFETIVIDADE E MECANISMOS REGULATÓRIOSDado o que foi previamente assinalado, as Avaliações Tecnológicas em Saúde – ATSsrealizadas/patrocinadas pelo governo brasileiro deveriam ser feitas com base em evidênciascientíficas, a partir de metodologias de sínteses apropriadas, de forma colaborativa (inclusivecom agências nacionais de outros países), complementares e compartilhadas entre os órgãos eagências envolvidos na regulação do ciclo de vida das tecnologias. As ATSs devem assumirnecessariamente o ponto de vista da sociedade (ou família), podendo assumir complementarmenteos pontos de vista do governo e da indústria (de tecnologias e de serviços). Oscritérios para a seleção de tecnologias prioritárias para avaliação tecnológica devem incluir o seuimpacto potencial na saúde, a sua complexidade e o seu preço unitário ou global.Tais ATSs devem servir de subsídio para a formulação de políticas gerais comuns,mecanismos regulatórios articulados e tomadas de decisão baseadas em evidências (compartilhadas)com relação ao processo de incorporação/difusão de tecnologias, de forma que os seusciclos de vida tenham um feitio e um efeito na saúde que correspondam ao interesse dapopulação brasileira e propiciem eficiência e eqüidade ao nosso sistema de saúde.Assim, a perspectiva de registro pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária do Ministérioda Saúde – ANVISA de uma tecnologia considerada prioritária deveria desencadear atividadesde ATS da tecnologia pela ANVISA em colaboração com outros setores e órgãos do Ministérioda Saúde, como a Secretaria de Atenção à Saúde – SAS e a Agência Nacional de SaúdeSuplementar – <strong>ANS</strong> (análise do conhecimento disponível sobre seus efeitos e custos econômicos,conforme estudos estrangeiros), no sentido de não só encaminhar adequadamente oprocesso de eventual registro como também de planejar/protocolar o processo de designação deserviços (em geral, centros de pesquisa selecionados) para iniciar a realização de taisprocedimentos no sistema público (difusão inicial), objetivando estimar a efetividade e os custosda tecnologia no Brasil. Essa avaliação, por sua vez, poderia ser utilizada para ampliar a ATSpreliminar, feita no momento do registro, no sentido de melhor subsidiar a tomada de decisãosobre financiamento (cobertura), tanto pela SAS quanto pela <strong>ANS</strong>.


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 257Além disso, o referido processo de designação e avaliação pode ser um subsídio preciosopara o planejamento/gerência da difusão em maior escala e incorporação (ou não) da tecnologiaa partir de seus requerimentos operacionais, características da curva de aprendizadoprofissional e institucional (RAMSAY et al., 2000), resultados alcançados (vis-à-vis os potenciais,ideais), respectivos instrumentos e padrões etc. para que seu benefício seja máximo (efetividadepróxima à eficácia, danos minimizados) e seja obtido pela população necessitada nomenor prazo possível.Na realidade, todavia, em suas atividades de registro, importantes para tecnologiasdo tipo drogas, equipamentos e dispositivos (“devices”), a ANVISA não utiliza formalmentecritérios e metodologias definidos para dar conta de avaliar as tecnologias, com base emevidências científicas adequadas quanto à eficácia e efeitos colaterais, inclusive comparativos aosde alternativas tecnológicas, conforme mencionado, aparentemente confiando em análisesrealizadas pelos países de origem da tecnologia. O critério de custo ou custo-efetividade não ésequer mencionado nos protocolos. (A tecnologia que postula entrada no país tem, segundo aanálise das evidências científicas, acréscimo de custo que em alguma medida é acompanhadode benefício extra que justifique seu registro?). Por outro lado, as atividades relativas, especificamente,à “reavaliação da relação risco-benefício de medicamentos comercializados” ou “revisãode mercado” também não têm critérios estabelecidos, dependendo da obtenção de informaçõessobre reavaliações/banimentos (que têm sido relacionados a reações adversas) realizadosem outros países (ANVISA, 2001-2002).A obtenção de registro ou de licença para importação de uma tecnologia, isto é, a entradana fase de difusão inicial implica, todavia, a competição por mercado por parte da indústria deprodutos e serviços, para dentro e, freqüentemente, para fora das indicações da tecnologia, selevarmos em conta os parâmetros de eficácia e segurança comparativas, em relação a tecnologiasalternativas ou ao status quo (PANERAI e MOHR, 1989). Nesse processo, são freqüentementeveiculadas informações sobre eficácia ou acurácia e relação custo-efetividade derivadas segundometodologias não necessariamente adequadas e privilegiando geralmente o ponto de vista daindústria (BANTA e LUCE, 1993). As implicações desse processo são bastante conhecidas, indicandoque a pressão de grupos de interesse, inclusive com a participação de portadores de condições,


258 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3para a obtenção de cobertura (financiamento) podem sobrepujar a ciência na avaliação de novasterapias, resultando em danos não só para os pacientes como também para a eficiência dosistema de saúde (MELLO & BRENNAN, 2001).Portanto, processos de registro e de difusão inicial inadequados dificultam a racionalidadeda tomada de decisão sobre cobertura, do ponto de vista da população, ou seja, combase em evidências sobre efeitos e custos econômicos das tecnologias de atenção à saúde. Daí, aimportância para a política de cobertura da existência não só de uma política de registro comcritérios bem definidos e baseada na análise das evidências científicas, procurando-se aplicá-lasao caso brasileiro, como também de uma política adequada de difusão inicial. É de se notar queas atividades de registro não são geralmente feitas para a maioria dos procedimentos médicose cirúrgicos, inclusive em países desenvolvidos, cabendo, todavia, ao governo escrutiná-los atravésde designação de serviços e/ou no momento da decisão sobre cobertura financeira (GARBER,2001; US Congress/OTA, 1994).Por outro lado, a política de cobertura de procedimentos da SAS/MS expressa na tabelade procedimentos financiados pelo SUS, que é um parâmetro relevante para quase todo o sistemade saúde brasileiro, não utiliza critérios técnicos formalmente estabelecidos seja em uma políticaseja em procedimento metodológico. Dimensões críticas das tecnologias como eficácia, segurança,efetividade, custo-eficácia, custo-efetividade, impacto (na saúde do conjunto da população)e potencial equânime deveriam ser avaliadas pela SAS, para efeito de cobertura, seguindoos critérios metodológicos cientificamente aceitos, referidos anteriormente, no sentido deconstituir uma política de cobertura baseada em evidências, a exemplo de países e regiões comoo Canadá, Austrália e Holanda (WHO, 1997; RUTTEN e LINDEN, 1994). Tais países, além de assumiremem sua política de cobertura, critérios formais para a avaliação da evidência relativa aefeitos sobre a saúde, incorporam claramente o requisito de custo-efetividade, inclusive parao registro. Na Europa, em geral, segundo os resultados do projeto EUR-ASSESS, as decisõessobre cobertura de tecnologias/procedimentos de atenção à saúde dependem crescentementede avaliações tecnológicas formais (CRANOVSKY et al., 1997).Nos EUA, a evidência científica relativa às dimensões de segurança, eficácia e efetividade,inclusive comparativamente às tecnologias alternativas, é requerimento explicitamente


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 259incorporado à política de cobertura oficial (Medicare), inclusive a dos funcionários públicos(Blue Cross e Blue Shield), através de protocolos específicos, analisados por comitês técnicosmultidisciplinares e revisados por especialistas em metodologias e clínicos, em grande parteexternos, facultando-se ainda a contratação de ATSs externas; custos e custo-efetividade, todavia,embora sejam analisados pelos comitês, mantêm-se como requerimentos secundários,deixados para os tomadores de decisão sobre cobertura, refletindo o longo embate dos interessesem jogo (ANDERSON et al., 1993; US Congress/OTA, 1994; GARBER, 2001; TUNIS e KANG, 2001). Asavaliações feitas pelos comitês do Medicare, da Blue Cross e Blue Shield, que são reconhecidospela agência do MS americano encarregada de avaliações tecnológicas (AHCPR), têm sidoutilizadas para a tomada de decisão sobre cobertura pelos seus patrocinadores e têm sidoconsideradas também por outras organizações, como centros universitários importantes. Asdecisões sobre cobertura relativas ao Medicare podem ser desde não cobertura, passando porcobertura com limitações específicas, cobertura total e cobertura opcional na dependência dedecisões regionais, que tentam refletir necessidades de saúde e disponibilidade local deprocedimentos associados ou alternativos (GARBER, 2001).Todavia, o processo de inclusão na Tabela do SUS, geralmente é iniciado com umasolicitação pelas indústrias de produtos e de serviços, freqüentemente representadas pelasSociedades Médicas correspondentes, que apresentam um estudo sobre o assunto, o qual podeter um formato mais ou menos semelhante ao de uma ATS. Posteriormente, após uma reuniãoda SAS (Alta Complexidade e Controle e Avaliação) com representantes da(s) Sociedade(s)Médica(s) e demais representantes dos interesses em jogo, fica, geralmente, decidida a inclusãodo procedimento na Tabela do SUS, a menos que o impacto financeiro estimado da utilizaçãodo procedimento “não seja compatível com o orçamento do SUS”, segundo informação obtidade funcionário qualificado da SAS.A <strong>ANS</strong>, por sua vez, elaborou recentemente protocolo para a solicitação de inclusão/exclusão de procedimentos para cobertura pelas operadoras (rol de procedimentos), queexpressa de forma ainda tímida uma política de cobertura baseada em evidências científicas. Oprotocolo requer a inclusão de trabalhos que contenham evidências científicas que justifiquem


260 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3a solicitação para inclusão ou exclusão do procedimento proposto; outros elementos relevantesdemandados são uma estimativa dos custos administrativos e do preço a ser praticado.O documento Metodologia para Revisão do Rol, da <strong>ANS</strong>, de agosto de 2002, contémformulário relativo à submissão de projetos para inclusão/exclusão de procedimentos no Rolda <strong>ANS</strong> e manual com instruções para o seu preenchimento. O formulário e o manual abordamgrande parte das questões necessárias ao seu propósito, como tipo de tecnologia/procedimento,características, indicações, contra-indicações e recursos necessários à sua execução. Algumasinformações importantes não são, entretanto, demandadas de forma específica.Com relação aos benefícios do procedimento seria importante indagar sobre a eficáciae a efetividade, ou sobre a acurácia diagnóstica (sensibilidade, especificidade etc.), no caso deprocedimentos diagnósticos, e como essas características variam segundo subgrupos e segundodesfechos (tipos de resultados analisados) importantes. Ainda quanto à performance deprocedimentos diagnósticos, podem ser necessárias, em muitos casos, outras informações,como acurácia prognóstica (capacidade preditiva do dano), precisão in vivo, dose de radiaçãopor exame e adequação do “software” utilizado à população brasileira.Por outro lado, com relação a equipamentos e próteses, o processo de registro pelaANVISA, que vem sendo aprimorado no que se refere à avaliações dependentes de laboratóriosde engenharia biomédica (como aspectos da performance biofísica associados à segurança e àeficácia), poderia obviar parte das referidas limitações do formulário atual da <strong>ANS</strong>, já que oregistro pela ANVISA é, naturalmente, um dos requisitos da candidatura ao rol da <strong>ANS</strong>. Ouseja, as informações e conclusões da ANVISA poderiam ser repassadas à <strong>ANS</strong>.Ainda no sentido de estimar o benefício do procedimento para a nossa população, seriaconveniente especificar que as informações sobre incidência e prevalência deveriam abranger arealidade nacional.Quanto ao item fundamental Evidências científicas disponíveis que justificam a solicitação,o documento Metodologia para Revisão do Rol da <strong>ANS</strong> não contém propriamente orientaçãoquanto a critérios ou metodologias requeridas/recomendadas para a apresentação das evidênciascientíficas relativas aos benefícios (e efeitos colaterais ou adversos) da tecnologia sob


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 261julgamento e alternativas relevantes. Assim, não é mencionada a importância de estudos bemdesenhados nem são referidas as características desejáveis desses estudos; tampouco é mencionadaa necessidade de descrever as etapas e os achados relevantes das metodologias utilizadaspara a síntese da evidência disponível, como as revisões sistemáticas/metanálises e análisesde custo-efetividade e/ou custo-utilidade. Além disso, não são demandadas informaçõesrelativas aos efeitos sumários (metanálises) das tecnologias propostas nem aos resultados comparativos,diferenciais de efeitos (eficácia, efetividade, utilidade, efeitos adversos etc.) e diferenciaisde custos (econômicos), entre as tecnologias/procedimentos alternativos relevantese o procedimento sob julgamento, com o objetivo de ajuizar o parâmetro da relação custoefetividade,por exemplo.O formulário e o manual se preocupam devidamente com a questão dos custos administrativos,informando e estimulando o uso de uma metodologia desejável para a sua apuração,tendo em vista a “melhor estimativa possível do custo do procedimento”, com vistas àformação do preço unitário. Tal preocupação não aparece, todavia, com relação aos custoseconômicos, ou seja, com a metodologia relativa aos custos associados às vantagens relativasdo procedimento em pauta vis-à-vis os procedimentos alternativos existentes. Tampouco,conforme visto acima, o documento requer a estimativa dos custos incrementais e sua relaçãocom os diferenciais de benefícios propiciados pelas alternativas tecnológicas relevantes (análisecusto-efetividade, análise custo-utilidade).A estimativa do “impacto econômico”, requerida pelo formulário através da “freqüênciasugerida pela literatura multiplicada pelo custo total unitário”, também é limitada. Essa medida,além de assumir, para se aproximar do gasto total com o procedimento, as indicações “daliteratura”, sem maior especificação, não examina a relação desses gastos com os benefíciospossivelmente advindos para os pacientes. Nem analisa até que ponto custos indiretos(assumidos pelos pacientes) estariam sendo avaliados. Não fica claro, portanto, se, além doponto de vista da indústria, o ponto de vista da população é examinado na análise econômica dasolicitação de inclusão.Requerimentos especialmente relevantes para certos grupos de tecnologias não sãomencionados pelo documento. Assim, a explicitação da árvore de decisão e a estimativa da


262 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3“grande efetividade” (probabilidade de benefício final do conjunto de tecnologias envolvidas)para tecnologias diagnósticas e para tecnologias componentes de conjuntos tecnológicoscomplexos não são também demandadas. Com relação à efetividade, no caso das tecnologiasterapêuticas de uso contínuo não são indagados os achados de estudos disponíveis sobre aadesão e aderência dos pacientes ao tratamento.A análise das solicitações dirigidas à <strong>ANS</strong> (respostas correspondentes ao formulário)deverá ser feita por instituições acadêmicas reconhecidas nacionalmente, segundo informaçãoobtida de profissionais da <strong>ANS</strong>. Vale indagar que conjunto de critérios (parâmetros e padrões)serão privilegiados pelas instituições acadêmicas para classificar e recomendar ou não aincorporação (ou exclusão) do procedimento no rol.Desconhecemos documentos que explicitem a política (diretrizes) da <strong>ANS</strong> quanto aoprocesso de incorporação de procedimentos/tecnologias no sistema de saúde suplementar, eseria importante que diretrizes gerais fossem elaboradas.A política de cobertura de procedimentos da <strong>ANS</strong> é baseada em evidências científicas?Que dimensões seriam considerados (eficácia e segurança, efetividade, utilidade, custoseconômicos, custo-efetividade, potencial equânime, aspecto ético, cultural)? Quais pontos devista devem ser assumidos pela análise econômica? Além disso, que demais elementos de juízodevem ser considerados pelo conselho da <strong>ANS</strong>/MS para decidir sobre o assunto? Qual seria acomposição atual/ideal de tal Conselho?A formalização pela Agência de sua política de incorporação no rol de procedimentos, nosentido de orientar o contínuo aperfeiçoamento dos procedimentos de análise de solicitações,deve ser trabalhada como parte de uma política mais abrangente de incorporação e difusão detecnologias da <strong>ANS</strong> e do MS em geral. A articulação daquele processo deve ser buscada não sócom relação aos processos pertinentes às etapas iniciais do ciclo de vida (registro, designação etabela SUS), mas também com aqueles associados às etapas posteriores, principalmente, àelaboração/difusão/implementação de diretrizes clínicas (baseadas em evidências), visandomaximizar os ganhos potenciais da política de cobertura baseada em evidências para a rede deassistência suplementar.


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 263Finalmente, deve-se enfatizar que o sucesso das tomadas de decisão sobre incorporaçãode tecnologias pela <strong>ANS</strong> supõe uma comunicação apropriada de informações relevantes àpopulação atendida pelo sistema suplementar em geral e a segmentos específicos, comoprofissionais de saúde, portadores de condições e mídia. Não só quanto a resultados de ATSsespecíficas, mas também quanto à política (diretrizes) de incorporação de tecnologias seguidapela <strong>ANS</strong> e MS no sentido de proteger a saúde da população da maneira mais eficiente possível.Figura 1 – CICLO DE VIDA DAS TECNOLOGIAS MÉDICASFonte: Adaptado de Banta e Luce, 1993.


264 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3Tabela 1 – CUSTO-EFETIVIDADE ESTIMADO DEINTERVENÇÕES MÉDICAS COMUMENTE USADAS(Todas as intervenções são comparadas à “assistência usual”,a não ser quando é feita alguma observação diferente)Custo/Ano de VidaIntervenção (dólares de 1993)Triagem para hipertensãoHomens com 40 anos 27.519Mulheres com 40 anos 42.222Triagem através de Teste de Esforço com EletrocardiogramaHomens com 40 anos 124.374Mulheres com 40 anos 335.217Aconselhamento médico para o abandono do tabagismo1% de taxa de abandono, homens com idade entre 45-50 3.777Lovastatina em Baixa Dose para Colesterol AltoSobreviventes masculinos de infarto agudo do miocárdio, idade entre 55-64,nível de colesterol < 250 2.158Sobreviventes masculinos de infarto agudo do miocárdio, idade entre 55-64,nível de colesterol < 250 2.293Mulheres não fumantes, idade entre 35-44 2.023.440Mulheres hipertensas não fumantes, idade entre 35-44 957.751Cirurgia de Revascularização Miocárdica com EnxertoDoença da coronária esquerda 8.768Doença monovascular com angina moderada 88.087Unidades de Terapia Intensiva NeonatalBebês entre 1.000-1.500 gramas 10.927Bebês entre 500-999 gramas 77.161Exame Citopatológico Tipo Papanicolau na faixa etária entre 20 e 74 anosA cada 3 anos, comparado com não fazer triagem 24.011A cada 2 anos, comparado com a cada 3 anos 474.447Triagem para Câncer de MamaExame anual da mama, mulheres com idade entre 55-65 15.234Exame anual da mama e mamografia, mulheres com idade entre 55-65 41.008Fonte: Garber e Phelps, 1997, além dos estudos incluídos na tabela.


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 265Figura 2 – UM FLUXOGRAMA PARCIAL DA AVALIAÇÃOTECNOLÓGICA EM SAÚDE


266 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3GRADE PARCIAL PARA ANÁLISE DA VALIDADE DEMETANÁLISES DISPONÍVEISGRADE METANÁLISESSim/ não / não informaObservações1. O estudo foi feito deacordo com um protocolo?2. A questão apresentada nametanálise tem objetivo claro?2.1. O objetivo é relevantepara esse trabalho?Estratégia de busca de ensaios clínicos3. A estratégia de busca foiapresentada com clareza?3.1. A estratégia de busca deensaios foi extensa? Quais ostópicos incluídos? – pesquisaem base de dadoscomputadorizada – pesquisasem referências dos artigosencontrados, dissertações elivros – pesquisa manual –busca de informações deexperts – pesquisa emagências financiadoras –indústrias. Foi incluídaestratégia de busca paraensaios não publicados? Foiinvestigado o viés depublicação e realizado ográfico de funil?Critérios de seleção inicial dos estudos (fundamentalmente através de abstracts)4. Os critérios iniciais deseleção (inclusão/exclusão)dos estudos são apresentadosclaramente?4.1. Qual a pertinência emrelação ao objetivo do estudo?Que tipo de ensaios foramselecionados (randomizados/placebo controlados/cegados)(aspectos gerais: pertinência,metodologia, desenho) ?Comente a validade dosdetalhes fornecidos e a faltade informação.ComenteAs características relevantesdos ensaios incluídos eexcluídos são apresentadasnuma lista?(continua)


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 2674.2. As características dosparticipantes, diagnósticos etratamentos considerados nametanálise são claramenteespecificados?4.2.1. Quais os participantesincluídos e excluídos?(características gerais)4.2.2. Quais as intervençõesconsideradas (macro)?Validade4.2.3. Quais os end-pointsconsiderados? ValidadeComenteComenteComenteComenteControle de viés (seleção e extração de dados)5. Como foi feito o controle doviés de extração de dados?Análise detalhada da pertinência e da qualidade dos ensaios (desenho, execução e análise)6. Foi feita avaliação dapertinência e da qualidade dosensaios?6.1. Foi analisado o processode randomização? (Foramapresentadas tabelas pósrandomizaçãocom distribuiçãodos fatores prognósticos)6.2. Foram analisadas asetapas do processo decegamento, principalmente emrelação ao cegamento doavaliador?6.3. Os esquemas profiláticosforam analisados quanto aotipo de antimicrobiano(espectro), início daadministração, dosagem,número de doses, duração?6.4. Foram examinadas asinformações, disponíveis nosensaios, relativas à cointervenções?6.5. Foram analisados os endpointsquanto à validade paramedir os resultados daintervenção? Confiabilidade damedida de end-point foianalisada?(continua)


268 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 36.6. Foram analisadas asinformações disponíveis sobrea execução dos ensaiosquanto à intervenções pósrandomização,(principalmente exclusões ecross-over) e quanto às formasde acompanhamento daspacientes, especialmentesobre perdas?6.7. Foi investigado se aanálise dos ensaios foirealizada por intenção detratar ou se as informaçõesdisponíveis permitem que aanálise seja refeita porintenção de tratar?Heterogeneidade / Combinabilidade7. A heterogeneidade clínicafoi examinada?As outras fontes deheterogeneidade de resultadosforam contempladas? (viés depublicação, busca estratégicalimitada, variação nos tipos dedesenhos incluídos, falhas naexecução)Quais os critérios usados paradecidir se os estudosanalisados foram similares osuficiente para seremcombinados?Análise estatística8. Qual o método estatísticoutilizado para combinar osdados? (modelo)Análise de subgrupo9. Foram feitas análises desubgrupo de prognóstico? Elasestavam previstas noprotocolo? Eram plausíveis?Numerosas?Foram feitas outrasestratificações (intervenções 1e end-points)? Estavamprevistas no protocolo?Numerosas? Plausibilidade1Análise exploratória (“between studies”)(continua)


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 269Análise de sensibilidade10. Análise de sensibilidade foifeita com relação a parâmetrosrelevantes sobre os quais haviaincerteza/associados à baixaqualidade da evidência?Quão sensíveis são osresultados em relação àsmudanças feitas na forma derealizar a metanálise?Apresentação e aplicação do resultado11. Interpretação dosresultados – As conclusõesresultaram das evidências queforam revisadas?As recomendações foramapresentadas / construídasconsiderando a força daevidência encontrada narevisão?11.1. Impacto econômico:


Local/Ano derealização/número departicipantes (N)Hospital, país,ano derealização doestudo, NGRADE PARCIAL PARA ANÁLISE DOS ENSAIOS CLÍNICOS RANDOMIZADOSNA ANTIBIOTICOPROFILAXIA EM CESARIANASInclusões 1Descrever critérios,principalmente em relaçãoaos variáveis prognósticosrelevantes eclassificar a pop. incluídaem relação à cesáreaeletiva ou não(proxy de presença deruptura de membrana epresença de trabalho departo) Categorizar apop. incluída em relaçãoaos variáveis:0= sem ruptura e semtrabalho de parto, 1=com ruptura ou emtrabalho de parto, 2=com ruptura e trabalhode parto.Exclusões 2Registrar apenas critérios relevantes,principalmente emrelação aos variáveis prognósticosrelevantes (mencionar sehouve exclusões de rotina, comopor exemplo, alergia à droga,uso pregresso de antimicrobiano)Os critérios de exclusãoserão apresentados naseguinte seqüência: ruptura demembrana, trabalho de parto,evidência clínica de infecção,monitoração uterina interna,corioamniotite, doençaspreexistentes (cardíaca, renale hepática) A ausência derelato, na grade, de qualquerum desses variáveis significaque esse critério não foiapresentado no ensaio.Processo derandomizaçãoApresentainformaçõesrelevantessobre oprocesso derandomizaçãoou não?(geração deseqüência derandomização,estratificação)Tabela pós-randomização com Cegamento dadistribuição dos variáveis alocação, do pacienteprognósticos nos grupos de e do responsáveltratamentopela intervençãoApresenta tabela pós-randomizaçãocom distribuiçãodos variáveis prognósticosrelevantes nosgrupos de tratamento: presençade ruptura de membranae presença de trabalhode parto ou não? Nacesárea eletiva mencionar- ausência de ambos.Alocação, pacientee responsável pelaintervenção: sim ,não, não informa(caso estejaimplícito, relatar).270 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3


Local/Ano derealização/número departicipantes (N)Local:University ofPennsylvania(1971 a1972) N=61.Gibbs 1972Inclusões 1 Exclusões 2Cesáreas em geral Febre (exclusões de rotina).(cesárea indefinida).Não mencionaoutros critérios.Risco (0,1,2).Processo derandomizaçãoNão descreveo método derandomização.Tabela pós-randomização com Cegamento dadistribuição dos variáveis alocação, do pacienteprognósticos nos grupos de e do responsáveltratamentopela intervençãoApresenta tabela/ variáveis: Sim (cegamentoruptura de membrana, duraçãoda ruptura. Mulheres preparado pela far-implícito: materialcom ruptura: 48% (atm) vs mácia em embalagensidênticas codi-60,7% (plac), mulheres comruptura de membrana > 3h: ficadas, placebo46% (atm) vs 26% (plac), idêntico à droga).mulheres com ruptura demembrana > 12h: 6%(atm)vs 4% (plac) duração médiade ruptura : 8,6h (atm) vs7,2h (plac). Não informa aestrutura das outras variáveisprognósticas relevantesem cada grupo.DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 271


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O Setor de Planos e Seguros deSaúde e a Saúde do Trabalhador:que rumo devemos seguir?Isabela Soares Santos 1PARTE I – INTRODUÇÃO: As Políticas de Saúde no Brasil e opeso dos Planos e Seguros Privados de Saúde ColetivosExistem diferentes abordagens para compreender o início do mercado de planos e segurosde saúde. De qualquer forma, é fato que este está diretamente associado aos esquemasde prestação de assistência médico-hospitalar a trabalhadores. Observa-se que na história dosistema de saúde brasileiro, a assistência médico-hospitalar dos trabalhadores já era diferenciada,organizada em Caixas de Assistência específicas por categoria profissional, posteriormentetransformadas em IAPs e depois unificadas no Instituto Nacional de Previdência Social,INPS, cuja clientela permanecia definida pelo vínculo empregatício (trabalhadores edependentes). Mas é nos anos 50, com a implantação das grandes empresas estatais e de váriasmultinacionais que a política diferenciada de benefícios para os trabalhadores destas empresasimplicou na montagem de esquemas próprios de assistência médico-hospitalar, em especialna região do ABC paulista.Nos anos 60, surgiram empresas médicas 2 direcionadas para o atendimento de segmentosde trabalhadores da indústria de transformação, metalurgia e química. O surgimento dessasempresas foi estimulado pela Previdência Social pela forma de pagamento da assistênciamédico-hospitalar que se deu via empresas médicas, deixando de recolher uma parcela da|1| Pesquisadora do projeto Economia da Saúde – ENSP/Fiocruz, Mestre em Saúde Pública.|2| Conhecidas como Cooperativas Médicas e Medicina de Grupo. Para mais informação sobre este assunto,ver Bahia, 2001.


278 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3contribuição devida e, portanto, contribuindo para o financiamento e a estruturação de ummercado que hoje chamamos de planos privados de assistência à saúde. 3Essa forma de cobertura de assistência médico-hospitalar se preservou para alémdécada, mesmo quando os subsídios diretos da Previdência Social se tornaram irrisóriosno fim dos anos 60, e outros incentivos fiscais foram implementados, como o Plano de ProntaAção (PPA) elaborado pelo INPS em 1974 e que criou mecanismos para a ampliação da coberturados beneficiários da previdência por “credenciamentos, contratos e convênios com osetor privado, tanto com médicos autônomos quanto com setores empresariais” (CORDEIRO,1980: 165). Posteriormente, uma pesquisa 4 verificou que no fim da década de 70, grande partedesses convênios não era homologada na Previdência Social para que as empresas médicaspudessem se desobrigar de oferecer a cobertura médico-hospitalar dos serviços mais caros.Enfim, até a década de 80, os planos de saúde estavam voltados, quase que exclusivamente,para os clientes-empresa que era onde estava a clientela beneficiária da PrevidênciaSocial. Eram planos coletivos acessíveis somente pela posse de contrato de trabalho. A partir dasegunda metade dessa década, as operadoras de planos de saúde captaram as demandas declientes individuais, em especial trabalhadores autônomos, profissionais liberais, aposentadose trabalhadores de empresas de pequeno porte, bem como a de trabalhadores formalmenteempregados não envolvidos com os planos privados de assistência à saúde, como os de algumasempresas da administração pública das três esferas de governo.Nesta mesma época, outras instituições governamentais optaram por implantar ou incrementarplanos próprios de assistência à saúde, constituindo entidades de previdência fechada, emconjunto com seus sindicatos e associações profissionais, ampliando a cobertura de planos privadosde saúde com considerável contingente de funcionários públicos. Esse é também o momentoda entrada das seguradoras no mercado de assistência suplementar que passam a disputar clientesde planos coletivos e individuais com as outras modalidades de operadoras (medicinas de grupoe cooperativas médicas), se tornando mais uma alternativa ao mercado supletivo.|3| Para mais informação sobre este assunto, ver Cordeiro, 1980; Santos, 2000; Bahia, 2001; Brasil, 2001.|4| Pesquisa “A assistência médica no Rio de Janeiro”, coordenada por José Luís Fiori e Hésio Cordeiro, realizadapara o IMS/UERJ. In: Cordeiro, 1980.


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 279A relação entre a oferta pública e a privada de assistência médico-hospitalar é, também,complexa. Apesar do processo de municipalização da década de 90, em que a quantidade dehospitais públicos aumentou em conseqüência da descentralização dos recursos para construçãodos estabelecimentos pelas próprias secretarias de saúde locais, verifica-se que, entre o total deestabelecimentos com internação no Brasil, a maior parte ainda é composta pelos hospitaisprivados, ou seja, 66,53% do total, segundo a pesquisa Assistência Médico-Sanitária (AMS/IBGE) realizada em 1998.Existem diferentes formatos para o credenciamento dos estabelecimentos de saúdeprivados, sendo que um mesmo estabelecimento pode ser conveniado ao SUS, credenciado auma ou mais operadoras de plano e/ou seguro de saúde, e ainda pode vender seus serviços paraindivíduos e famílias de forma privada direta. Dependendo do prestador, ele também pode sera própria operadora de planos de saúde, como é o caso de vários hospitais filantrópicos.Para o profissional médico, desde a década de 1920 com as Caixas de Assistência à Saúde,sua prática deixou de ser exclusivamente liberal. Este profissional foi se tornando assalariado,tanto pelo setor público como pelo privado. De acordo com pesquisa de Machado (1997), agrande parte dos médicos têm mais de uma das formas de inserção no mercado de trabalho(66,1%), sendo que 33,1% trabalham no setor público, privado e mantém consultório.Considerando a remuneração dos procedimentos, os valores pagos variam de acordocom a clientela que realiza o procedimento, resultado da busca dos prestadores de serviço e dosprofissionais de saúde, do maior ganho possível com a venda dos seus serviços, a conseqüênciadisso é que muitos estabelecimentos de saúde oferecem diferentes formas de atendimento, quepodem se refletir tanto na qualidade do serviço prestado, como na forma como é prestada aassistência. Embora ainda não haja dados que permitam realizar uma análise do ponto de vistada qualidade do serviço, seguramente a hotelaria do serviço e o pagamento aos profissionais desaúde comumente são diferenciados de acordo com a clientela do plano de saúde.No que diz respeito às clientelas que utilizam os serviços do setor de planos e segurode saúde é certo que este é sustentado principalmente pelos beneficiários que possuemplanos coletivos, sendo a grande parte deste mercado composta por trabalhadores ou seusfamiliares, cuja posse do plano está condicionada ao vínculo empregatício.


280 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3Uma pesquisa 5 investigou como o entrevistado possui o plano, isto é, se é coberto porplano individual ou plano coletivo. Neste último caso, se era financiado integralmente pelaempresa ou em conjunto com os beneficiários. O resultado é que 66% dos beneficiários o sãopelo vínculo empregatício (RODRIGUES, 1998).Dados do Suplemento Saúde da Pesquisa Nacional por Amostragem Domiciliar de1998 (PNAD/IBGE), da Pesquisa sobre Padrões de Vida de 1999 (PPV/IBGE) e da Towers Perrin(2000) mostram que o perfil deste mercado de planos coletivos 6 é de concentração de seusbeneficiários nas grandes empresas empregadoras, que o custo total do plano representa, paraa grande parte das empresas empregadoras, mais de 5% da folha de salários, o que também foiverificado em outras pesquisas de campo em empresas empregadoras que estudaram aspectosda assistência médico-hospitalar que estas proporcionavam aos seus trabalhadores.Outro dado importante é que os entrevistados pela PNAD que possuem planos coletivossão principalmente da indústria de transformação, de atividades sociais e administração pública,enquanto que os que possuem plano individual exercem atividades no comércio e prestação deserviços (BAHIA) .7Os dados da Agência Nacional de Saúde Suplementar – <strong>ANS</strong>, mostram que osbeneficiários de planos coletivos estão concentrados na Região Sul e Sudeste do Brasil, justamenteonde está situada a maior parte das grandes empresas empregadoras e estão apresentandoum crescimento progressivo na composição dos planos e seguros de saúde: enquanto66,3% dos beneficiários eram vinculados a planos coletivos em dezembro de 2001, esta porcentagempassou para 70,2% em dezembro de 2002, e os dados mais recentes, de dezembro de 2003,mostram que 72,5% dos registros de beneficiários informados à <strong>ANS</strong> 8 possuem planos coletivos.A posse de plano privado de assistência à saúde entre as famílias com pelo menos ummembro no setor informal é menor em relação às que não possuem membros no setor in-|5| Pesquisa realizada em conjunto pelo IBOPE, Conselho Nacional de Secretários Estaduais de Saúde(CONASS) e a Fundação Nacional de Saúde (FNS).|6| Ver também texto de Bahia, L., disponível na página do Fórum do Setor Suplementar no sítio da <strong>ANS</strong>(www.ans.gov.br, dia 11/7/2003, às 18h), intitulado “Os planos de saúde empresariais no Brasil: Notas paraa Regulação Governamental”.|7| Relatório Final de pesquisa feita para o Ministério da Saúde em 1999, com a equipe Aloísio Teixeira,Isabela Soares Santos, M. Lucia Werneck Vianna, M. Paula Gomes e Ricardo C. Costa, com coordenação deLigia Bahia (BRASIL, 2000c).


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 281formal (Pesquisa de Condições de Vida da Fundação SEADE, In: CUT, 2000). A pesquisa deRodrigues (1998), já mostrava que entre os entrevistados que já foram beneficiários de planoprivado de assistência à saúde, mas que não o eram quando realizada a entrevista, praticamentea metade deixou de ter o plano devido à perda do emprego (48%), nas palavras da pesquisa:“por que saiu da empresa”. A informação analisada até aqui permite que ainda nos diasatuais a associação entre a posse de plano ou seguro privado de saúde é direta com o vínculoempregatício da pessoa trabalhador-beneficiário.Por outro lado, em relação às clientelas que utilizam os serviços do setor público e dosetor supletivo de saúde, a pesquisa de Rodrigues (1998) mostra que a clientela que possui planose seguros de saúde utiliza tanto os serviços públicos como os privados: somente 16% dosentrevistados declara não utilizar os serviços dos SUS, o que permite supor que pelo menos 84%da população brasileira utiliza o setor público com alguma intensidade. Portanto se observauma sobreposição da clientela, pois uma parcela dos beneficiários das empresas de planos eseguros de saúde, também é usuária do Sistema Único de Saúde – SUS.Dado este quadro, parece que a concepção da qualidade dos serviços de saúde tem umarepresentação para o usuário que, quando comparado o setor público com o privado, pode estarmais ligada ao acesso – por envolver tempo em filas de espera, possibilidade de ser atendidodentro das especialidades e pelo profissional desejado, ao invés da incerteza de ser atendido– do que a critérios de elaboração do conceito de qualidade e de indicadores que a dimensionem.Os elementos acima colocados permitem conferir a complexidade da relação entre aoferta pública e privada de serviços de saúde, o que leva a autora a considerar que o Estado deveser o mediador dessa relação, para atingir níveis que sejam socialmente aceitos de igualdade ejustiça social. Isto significa considerar que é fundamental que todo o setor supletivo de assistênciamédico-hospitalar, continuando com o processo iniciado em 1998 com a Lei n o 9.656, tenhauma legislação específica que regulamente a atuação das suas operadoras no mercado.|8| Os dados foram apresentados à reunião da Câmara de Saúde Suplementar realizada em Brasília no dia19/12/2002 e à reunião ocorrida no Ministério da Saúde no dia 11/3/2003.


282 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3Partindo do princípio que o Estado deve ser o mediador da complexa relação entre aoferta pública e privada de serviços de saúde, para atingir níveis que sejam socialmente aceitos deigualdade e justiça social e elaborar políticas públicas nesta área da saúde guiadas pelo princípioda eqüidade, é considerado fundamental que o setor supletivo de assistência médico-hospitalartenha uma legislação específica que regulamente a atuação das suas operadoras no mercado,continuando o processo iniciado em 1998 com a Lei n o 9.656.A seguir, na Parte 2, será caracterizado e dimensionado o campo da saúde do trabalhadorpara na Parte 3 poder associar este campo com o mercado do setor suplementar e levantarquestões acerca da pertinência e responsabilidade institucional em reação à organização,estrutura, planejamento, enfim das políticas públicas que devem nortear este campo tendo emvista todo o setor Saúde.PARTE 2: A Saúde do TrabalhadorNa Constituição Federal de 1988 é definida a execução das ações de saúde do trabalhadorcomo competência do SUS, mas é na Lei n o 8.080, de 1990, que é feita a delimitação desta área:Art. 6 o Estão incluídas ainda no campo de atuação do Sistema Único de Saúde (SUS):(...) § 3 o Entende-se por saúde do trabalhador, para fins desta lei, um conjunto de atividadesque se destina, através das ações de vigilância epidemiológica e vigilância sanitária, àpromoção e proteção da saúde dos trabalhadores, assim como visa à recuperação e reabilitaçãoda saúde dos trabalhadores submetidos aos riscos e agravos advindos das condições de trabalho,abrangendo:I – assistência ao trabalhador vítima de acidentes de trabalho ou portador de doença profissionale do trabalho;II – participação, no âmbito de competência do Sistema Único de Saúde (SUS), em estudos,pesquisas, avaliação e controle dos riscos e agravos potenciais à saúde existentes no processode trabalho;III – participação, no âmbito de competência do Sistema Único de Saúde (SUS), danormalização, fiscalização e controle das condições de produção, extração, armazenamento,transporte, distribuição e manuseio de substâncias, de produtos, de máquinas ede equipamentos que apresentam riscos à saúde do trabalhador;IV – avaliação do impacto que as tecnologias provocam à saúde;


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 283V – informação ao trabalhador e à sua respectiva entidade sindical e às empresas sobre osriscos de acidentes de trabalho, doença profissional e do trabalho, bem como os resultados defiscalizações, avaliações ambientais e exames de saúde, de admissão, periódicos e de demissão,respeitados os preceitos da ética profissional;VI – participação na normalização, fiscalização e controle dos serviços de saúde do trabalhadornas instituições e empresas públicas e privadas;VII – revisão periódica da listagem oficial de doenças originadas no processo de trabalho,tendo na sua elaboração a colaboração das entidades sindicais; eVIII – a garantia ao sindicato dos trabalhadores de requerer ao órgão competente a interdiçãode máquina, de setor de serviço ou de todo ambiente de trabalho, quando houver exposiçãoa risco iminente para a vida ou saúde dos trabalhadores. (...)Também é na Lei 8.080 que estão definidas as competências do SUS, entre elas a departicipar na formulação e na implementação de políticas relativas às condições e aos ambientesde trabalho, bem como definir e coordenar os sistemas de vigilância epidemiológica e sanitária:Art. 16. A direção nacional do Sistema Único da Saúde (SUS) compete:I – formular, avaliar e apoiar políticas de alimentação e nutrição;II – participar na formulação e na implementação das políticas:a) de controle das agressões ao meio ambiente;b) de saneamento básico; ec) relativas às condições e aos ambientes de trabalho;III – definir e coordenar os sistemas:a) de redes integradas de assistência de alta complexidade;b) de rede de laboratórios de saúde pública;c) de vigilância epidemiológica; ed) vigilância sanitária;IV – participar da definição de normas e mecanismos de controle, com órgão afins,de agravo sobre o meio ambiente ou dele decorrentes, que tenham repercussão nasaúde humana;V – participar da definição de normas, critérios e padrões para o controle das condições e dosambientes de trabalho e coordenar a política de saúde do trabalhador;VI – coordenar e participar na execução das ações de vigilância epidemiológica;


284 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3VII – estabelecer normas e executar a vigilância sanitária de portos, aeroportos e fronteiras,podendo a execução ser complementada pelos Estados, Distrito Federal e Municípios;VIII – estabelecer critérios, parâmetros e métodos para o controle da qualidade sanitária deprodutos, substâncias e serviços de consumo e uso humano;IX – promover articulação com os órgãos educacionais e de fiscalização do exercícioprofissional, bem como com entidades representativas de formação de recursos humanos naárea de saúde;X – formular, avaliar, elaborar normas e participar na execução da política nacional eprodução de insumos e equipamentos para a saúde, em articulação com os demais órgãosgovernamentais;XI – identificar os serviços estaduais e municipais de referência nacional para oestabelecimento de padrões técnicos de assistência à saúde;XII – controlar e fiscalizar procedimentos, produtos e substâncias de interesse para a saúde;XIII – prestar cooperação técnica e financeira aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípiospara o aperfeiçoamento da sua atuação institucional;XIV – elaborar normas para regular as relações entre o Sistema Único de Saúde (SUS) e osserviços privados contratados de assistência à saúde;XV – promover a descentralização para as Unidades Federadas e para os Municípios, dosserviços e ações de saúde, respectivamente, de abrangência estadual e municipal;XVI – normalizar e coordenar nacionalmente o Sistema Nacional de Sangue, Componentese Derivados;XVII – acompanhar, controlar e avaliar as ações e os serviços de saúde, respeitadas ascompetências estaduais e municipais;XVIII – elaborar o Planejamento Estratégico Nacional no âmbito do SUS, em cooperaçãotécnica com os Estados, Municípios e Distrito Federal;XIX – estabelecer o Sistema Nacional de Auditoria e coordenar a avaliação técnica efinanceira do SUS em todo o Território Nacional em cooperação técnica com os Estados,Municípios e Distrito Federal.Parágrafo único. A União poderá executar ações de vigilância epidemiológica e sanitária emcircunstâncias especiais, como na ocorrência de agravos inusitados à saúde, que possamescapar do controle da direção estadual do Sistema Único de Saúde (SUS) ou que representemrisco de disseminação nacional.


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 285Como pode ser observado, o campo da Saúde do Trabalhador é amplo e possuiinterfaces com outras áreas que as diretamente vinculadas ao campo da Saúde. 9 UtilizandoMédici que denomina esta área de sistema de saúde ocupacional, pode-se dizer que esta áreacontempla os aspectos relacionados à financiamento; prevenção e promoção; tratamento,recuperação e reabilitação; benefícios e pensões; avaliação do risco; e regulação, fiscalização econtrole (MÉDICI, 1999:4). Para este autor, diferente de alguns países, o modelo da saúdeocupacional no Brasil é caracterizado pela divisão de responsabilidades entre Estado e empresasno cumprimento dos temas.Como nem no Brasil, tampouco no restante do mundo o campo da Saúde do Trabalhadornão se iniciou com todos esses aspectos e atribuições atualmente mencionados pelalegislação. Nesta parte do trabalho primeiramente foi organizado um breve histórico das políticasde assistência à saúde ao trabalhador, desde o aparecimento do profissional médico nointerior das empresas nos séculos XVIII e XIX (quando se desenvolveu a Medicina do Trabalho),à criação de organizações como a Organização Internacional do Trabalho (OIT) no início doséculo XX, depois da Organização das Nações Unidas (ONU) e Organização Mundial de Saúde(OMS) pós – Segunda Guerra Mundial, o desenvolvimento da Saúde Ocupacional a partir dametade do século XX, e a Saúde do Trabalhador na década de 1970.Com a História contextualizada, e dada a dificuldade de interferência no processo detrabalho, foi observado o campo saúde do trabalhador em seus aspectos legais, na ótica dostrabalhadores e das organizações sindicais, bem como na visão de especialistas do tema. Percebeu-seque a organização desse modelo de sobreposição de responsabilidades, da administraçãoe do financiamento, se mostra ineficaz para responder às necessidades da sociedade eafeta o resultado da cobertura social com a qual o trabalhador está provido, em especial aqueladerivada da articulação entre a Previdência e a Saúde.|9| Existe uma vasta produção acerca da dimensão da Saúde do Trabalhador, destacando-se os trabalhosrealizados no âmbito do Centro de Saúde do Trabalhador (CESTH/ENSP/FIOCRUZ), do Departamento deMedicina Preventiva da UNICAMP, da Universidade de São Paulo, da UFMG (em especial Elizabeth Dias),ente outros.


286 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3Também foi incorporado a este debate o papel do empresariado que, através de suaspolíticas de recursos humanos, se torna sujeito estratégico da assistência à saúde que chega aotrabalhador brasileiro – seja pela assistência contratada de empresas de planos e seguros privadosde saúde, ou pelo departamento médico localizado no interior das empresas, ou pelos serviçosdo SUS ou mesmo a proposta pelos serviços do sistema “S” (SESI, SESC, SENAI e SENAC).2.1. Políticas de assistência à saúde dotrabalhador – breve históricoA filosofia de manutenção do trabalhador sadio se fortalece no século XVIII pelanecessidade de dar respostas às demandas dos empregadores daqueles que trabalhavam nasfábricas, em péssimas condições, o que contribuiu para a mudança do perfil epidemiológicodo trabalhador (FRIAS JUNIOR, 1999). Neste momento já era possível verificar a atuação doprofissional médico no interior de empresas francesas que se preocupavam com a capacidadedo trabalhador de produzir (OLIVEIRA, 1998), modelo difundido nos demais países europeusno século XIX (MENDES & DIAS,1991).No início do século atual os trabalhadores londrinos reivindicam oito horas de trabalho,oito horas de lazer e oito horas para dormir, o que significou uma forte interferência no processode produção, surgida pela necessidade de melhoria das condições de trabalho e vida dessestrabalhadores ao propor a adaptação do trabalho às necessidades do ser humano trabalhadore não o contrário, como era a tendência da atuação médica no interior das empresas. Em 1919é criada a Organização Internacional do Trabalho (OIT) que desde então reconhece a existênciade doenças profissionais.Após a 2 a Guerra Mundial aparece mais claramente a idéia de Saúde Ocupacional,acompanhada de movimentos que levaram à criação da Organização das Nações Unidas (ONU)em 1945, Organização Mundial da Saúde (OMS) em 1946 e a 1 a Sociedade Mundial de Ergonomiaem 1949, de modo que na década de 1950 já está incorporada a Medicina do Trabalho.Na década de 1970, ganha forças a Saúde do Trabalhador com o movimento de trabalhadoresda indústria automobilística de Turim (Itália) que reivindica o direito de participar de


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 287decisões relativas às condições de trabalho. Este é o momento em que o trabalhador se fortalececomo ator na história da Saúde do Trabalhador. Em 1970, o Canadá estabelece juridicamente anecessidade de proteção prévia ao risco de modo a não necessitar da utilização de equipamentode proteção industrial (EPI) pelo trabalhador.É também nesta década que a Medicina do Trabalho ganha força no Brasil, e a SaúdeOcupacional começa a se expressar no fim desta década (1978). São realizadas mudanças estruturais;como a transferência do seguro-acidente obrigatório aos trabalhadores e as NormasRegulamentadoras que designa às empresas a responsabilidade da realização dos examesrelativos ao PCMSO 10 e PPRA 11 e ainda são criados os Programas de Saúde do Trabalhador(PST) onde se atribui responsabilidade do Estado no tocante à formação de uma políticanacional de saúde do trabalhador.Na década de 80 a idéia de Saúde do Trabalhador é ampliada com a criação dos Programasde Saúde do Trabalhador, a realização da 8 a Conferência Nacional de Saúde (1986) e apromulgação da Constituição Federal de 1988. Mesmo assim, é possível verificar que asConstituições Estaduais incorporam um conceito restrito de saúde do trabalhador às competênciasestaduais ao resgatarem a fiscalização e inspeções para a responsabilidade do SUSenquanto as questões relativas às informações via Comunicado de Acidente do Trabalho(CAT), ficaram resignadamente destinadas à Previdência Social que é a instituição que pagaos benefícios. De acordo com Oliveira et al., esta separação das competências não colaboroucom um maior enfoque para as ações preventivas ao acidente e doenças do trabalho (OLIVEIRAet al., 1992). Este tema foi desenvolvido posteriormente, na Lei Orgânica da Saúde n o 8.080de 1990 (OLIVEIRA et al., 1997).Com essas alterações, destacam-se dois importantes articuladores das demandas dasaúde do trabalhador que são a Comissão Intersetorial de Saúde do Trabalhador – CIST e oGrupo Executivo Interministerial de Saúde do Trabalhador – GEISAT. Os Ministérios da Saúde,do Trabalho e Emprego e da Previdência e Assistência Social, participam na formulação e na|10| Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional.|11| Programa de Prevenção de Riscos Ambientais.


288 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3implementação das políticas relativas às condições e aos ambientes de trabalho, pela definiçãode normas, critérios e padrões para o controle das condições e dos ambientes de trabalho,coordenando a política de Saúde do trabalhador no âmbito nacional, tanto na esfera públicacomo na esfera privada. Considera-se que o desenvolvimento destas atividades seja negociadoe pactuado nesses locus, ratificado pelo Conselho Nacional de Saúde.Ainda foram promulgadas mais duas leis a respeito da saúde do trabalhador. A Lei n o8.213, de 1991, que assegura estabilidade no emprego para os incapacitados de trabalhar pormais de 15 dias e a Lei n o 9.032, de 1995, que modifica a legislação de acidentes do trabalho;vinculando o seguro do acidente do trabalho exclusivamente ao trabalhador formalmenteempregado pela da contribuição para o Seguro de Acidentes do Trabalho (SAT), não abrangendo,dessa forma, aqueles que estão na economia informal.O SAT é gerido pelo INSS e se constitui em uma das fontes de custeio do Fundo dePrevidência e Assistência Social, no âmbito do MPAS. Os benefícios do INSS – auxílio-doença,auxílio-acidente, aposentadoria por invalidez, pensão por morte, serviço social e reabilitaçãoprofissional 12 – são concedidos em razão do grau de incidência de incapacidade laborativa.As empresas empregadoras contribuem para o SAT conforme o grau de risco da atividadepreponderante – com 1%, 2% ou 3% do total de remunerações pagas aos segurados.Embora os acidentes do trabalho possam ter aspectos relacionados com a assistência à saúde,o financiamento é destinado à contemplação da assistência à saúde relacionada exclusivamenteao acidente e à doença do trabalho.Ora, se se considera que a garantia de atenção à saúde com qualidade deve levar em contaos princípios de integralidade da atenção e universalidade do acesso, o fato do financiamento doSAT somente contemplar a assistência à saúde relacionada ao acidente e à doença do trabalhopermite afirmar que, além dos benefícios do INSS, nada garante que os trabalhadores formaisestejam em um patamar superior de atenção à saúde recebida em relação aos informais. Talveza maior diferença seja em relação à possibilidade que os formalmente empregados têm depleitearem assistência médico-hospitalar específica para si e seus dependentes.|12| Lei de Benefícios n o 8.213, de 1991, e Lei de Custeio n o 8.212, de 1991.


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 289Problema decorrente dessas questões é que, além de não haver informações acerca dosacidentes do trabalho ocorridos com os trabalhadores informais, não há capacitação suficienteao estabelecimento do grau de risco correspondente à atividades informais (MÉDICI, 1999). Oque demonstra como o Estado brasileiro necessita ampliar o conhecimento existente acercade sua estrutura produtiva.Analisando a história da saúde do trabalhador sob o ângulo destes, na região do ABCpaulista o movimento sindical se estruturou para tratar dessas questões, além de outras. Hásindicatos cuja história é fortemente marcada pela atuação em questões no campo da saúde,devido à necessidade de introduzir formas de trabalhar a prevenção ao acidente de trabalho,insalubridade etc., além da necessidade de contemplar as demandas dos trabalhadores emrelação à forma de assistência à saúde, diretamente relacionada aos benefícios que pleiteiam(exemplo clássico disso são as famosas greves durante a década de 1980, onde a assistênciaprivada à saúde freqüentemente estava em pauta).Os sindicatos têm o apoio institucional do DIESAT (Departamento Intersindical deEstudos de Saúde e Ambiente do Trabalho), sociedade civil fundada em 1980 por sindicatose ligada ao DIEESE, cuja função abrange os serviços relativos à saúde e condições de trabalho,ao trabalhador em geral. Sua estrutura conta com assessoria de técnicos em sindicatos filiados;estudos e pesquisas sobre saúde e trabalho; perícia técnica nas empresas a pedido dos sindicatos;encontros, seminários e cursos para direções de sindicatos, para cipeiros 13 , biblioteca etc.Além do DIESAT há órgãos como o INST, Instituto Nacional de Saúde do Trabalhador,diretamente vinculado à CUT, com objeto de trabalho semelhante. Por outro lado, outro ramodo movimento sindical diferente da CUT que merece ser realçado é a Força Sindical que, apesarde ter sido fundada recentemente, em 1991, também é atuante na área de saúde do trabalhador,possui em seu organograma a Secretaria Nacional de Saúde que opera junto com aCoordenadoria Nacional de Segurança e Saúde do Trabalhador e também congrega um númerosignificativo de representações em instituições ligadas ao governo (comissões e grupos técnicos).|13| Membros da CIPA, Comissão Interna de Prevenção de Acidentes.


290 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3A forma como a saúde do trabalhador é tratada no Brasil é duramente criticada, tantopelo movimento sindical como por especialistas. Considera-se a legislação incapaz de dar contadas reais necessidades do trabalhador já que, ao invés desta cuidar do ambiente do trabalho,tem como objeto o acidente, atuação vinculada à lógica da insalubridade vigente em toda alegislação como acima comentado.Assim, ao invés de garantir e incentivar ambientes sadios de trabalho e nos quais sãoprevenidos possíveis acidentes, a legislação estabelece penalidades como o adicional depericulosidade e insalubridade definidas pelo nível de risco em que cada produção se classifica,de forma que acaba por “legitimar o risco através da indenização pelo trabalho insalubre eperigoso” (OLIVEIRA et al., 1992:154). Dessa forma mantém-se o âmbito da discussão fora doprocesso de trabalho, não levando em conta que “o fator risco não é inerente ao trabalho, massim ao modo como os homens o idealizam e concretizam” (FRIAS JUNIOR, 1999: 23).Essa lógica permite que ocorra no país o chamado processo de adoecimento do ambientede trabalho. O quadro de morbi-mortalidade dos trabalhadores brasileiros é grave, mesmonão sabendo se os números oficiais correspondem à realidade, ainda há os casos de acidentadosdo trabalho informal e os casos dos trabalhadores rurais, pouco registrados na PrevidênciaSocial (OLIVEIRA et al., 1992). A questão que se coloca até os dias de hoje é sobre a possibilidadede interferência na organização da produção, ou seja, no processo de trabalho.2.2. O debate em torno da regulação da saúde dotrabalhador: sistema de informações, financiamentoe instituições – integração ou sobreposição?Formas de regulamentação da saúde do trabalhador e do ambiente de trabalho, bemcomo equipamentos utilizados e de proteção, dizem respeito ao processo de trabalho. AsNormas Regulamentadoras editadas pelo MTE têm como objeto serviços, recursos humanose indicadores de medição da segurança, saúde e condições de trabalho que, pela sua próprianatureza, estão, ou ao menos deveriam estar, interligados.


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 291Os Serviços Especializados em Engenharia de Segurança e em Medicina do Trabalho(SESMT) têm como objeto os riscos aos quais o trabalhador está exposto, devendo a equipese integrar com a CIPA. O PPRA, por sua vez, opera mais diretamente com a prevençãodos acidentes de trabalho.O PCMSO que trata diretamente com as questões da saúde ocupacional deve discutir osrelatórios dos planejamentos anuais com os integrantes da CIPA, deve integrar o trabalho deseus membros com os do SESMT, e o responsável pela sua execução deve ser um dos médicos dotrabalho da equipe do SESMT.Já a CIPA, que é formada por representantes do empregador e dos empregados, deveparticipar na implementação do PCMSO, do PPRA e na atuação do SESMT. Ou seja, é um dosprincipais instrumentos de participação e controle dos trabalhadores quanto ao processo detrabalho. Quanto às questões relacionadas à FUNDACENTRO, a emissão de CAT, não sendorealizada por serviços do setor público, como os Centros de Referência de Saúde do Trabalhador,devem ser feitas pelo médico coordenador do PCMSO, que também deve indicar afastamentodo trabalhador da exposição ao risco se considerado necessário. Esse trabalhador vai serencaminhado à Previdência Social que avaliará sua incapacidade, orientará o empregador eintermediará a remuneração do trabalhador.Também o CAT pode ser importante fonte de informação tanto para aplicar a legislaçãocomo para prevenir o acidente. Entretanto, alguns autores supõem que não sejam emitidos todosos CAT correspondentes aos acidentes ocorridos (OLIVEIRA et al., 1997). A subnotificação dasdoenças profissionais, assim como dos CAT, têm como conseqüência erros no já frágil sistemade informações e nas vigilâncias epidemiológicas e sanitárias do trabalhador.É estabelecido pelas Normas Regulamentadoras que, tanto a instalação como a manutençãodos SESMT são de responsabilidade do empregador, que também os deve financiarintegralmente. O mesmo vale para os procedimentos do PCMSO. Como uma parcela importantedas empresas empregadoras proporciona assistência à saúde aos seus funcionáriosatravés de contratos com empresas de planos e seguros de saúde, é pertinente destacar quegrande parte dos serviços do PCMSO e do SESMT é freqüentemente realizada por intermédioda própria operadora contratada, incluindo-se os exames admissionais e demissionais.


292 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3Em uma parte significativa das empresas empregadoras – em especial nas de médio egrande porte – os serviços acima citados são realizados por um setor chamado de “ServiçoMédico”, localizado no interior das empresas. O coordenador desse serviço pode ser contratadotanto diretamente pela empresa empregadora, como pela operadora do plano/seguro-saúdecontratada para dar assistência à saúde dos funcionários.Um dos setores estratégicos para proporcionar a atenção à saúde é o de recursos humanos,comumente chamado de Departamento Pessoal, que administra e implanta as políticasde saúde na empresa, além de ser o locus de diálogo entre empregador e empregado.Em uma pesquisa realizada em 1999, observou-se que em uma empresa de grande porte daRegião do ABC paulista as ações de saúde ocupacional eram realizadas pela equipe do SESMT,mas o dirigente de recursos humanos desta empresa estava investindo na transferência daexecução desses serviços para o setor médico da empresa, que por sua vez era administrado efinanciado pela operadora do plano de saúde que a empresa contratava para prestar assistênciamédico-hospitalar aos seus funcionários e dependentes. Naquele caso o coordenador do setormédico exercia diversas funções – gerava os relatórios para o setor de recursos humanos, exerciaa função de “porta de entrada” para que os trabalhadores pudessem utilizar a rede credenciada,realizava os exames pré-admissionais e periódicos nos trabalhadores. Em outra empresa estudadanesta mesma pesquisa, o setor médico também realizava, além de alguns atendimentos, parte deserviços de saúde ocupacional enquanto a operadora de plano de saúde realizava a outra parte. Aindicação de cooperação entre a operadora do plano de saúde e o setor médico é tal neste caso queo médico coordenador do setor é funcionário da empresa empregadora enquanto a enfermeira dosetor é contratada pela operadora do plano (SANTOS, 2000).Nestes casos em que os recursos humanos do setor médico são financiados pelas operadorasde plano de saúde, a que instituição devem estes profissionais responder: à empresado plano ou à empresa empregadora?Dessa maneira, serviços prescritos na regulamentação da saúde do trabalhador podemser realizados tanto por um profissional contratado pela própria empresa empregadora,


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 293como pela operadora de plano/seguro de saúde contratada. Além destas formas, as empresasempregadoras ainda podem contar com o apoio do sistema “S” que oferece desde a implantação,coordenação e até elaboração de relatórios do PCMSO, do PPRA, além de treinamentose cursos que abrangem a legislação, higiene industrial, toxicologia ocupacional,diagnósticos etc. Vale lembrar, conforme assinalado, que o apoio ofertado pelo sistema“S” vai variar de acordo com o estado e região geográfica do país.A emissão de CAT também é realizada neste mesmo contexto de sobreposição de responsabilidadese de fontes financiadoras, sendo que muitas vezes a empresa empregadora induzo acidentado a ser atendido apenas pelo médico coordenador do serviço médico da empresa.Assim, embora a responsabilidade da administração e financiamento dos serviçospermaneça sendo do empregador, como este pode deduzir os gastos com assistência à saúde doimposto devido, o gasto com aqueles serviços prescritos nas normas muitas vezes torna-segastos sociais por deixarem de se juntar ao montante de recursos recebidos pela Receita Federalem função do Imposto de Renda de Pessoa Jurídica 14 , pois muitas empresas classificam comocustos operacionais os valores descontados, inclusive o pago pelo trabalhador quando este édiretamente descontado da folha de salários. O que aumenta o montante de despesas a seremdeclaradas pela empresa, diminuindo, portanto, a quantidade de imposto a pagar.Ora, se o peso do gasto social é determinante para o atual modelo de assistência à saúdeao trabalhador, entende-se que é a sociedade que deve determinar que saúde do trabalhadorquer. Inclusive se esta se destinará somente ao trabalhador formalmente empregado, em especialdas empresas de médio e grande porte, ou se as políticas devem também abranger os segmentosdo trabalhador rural e informal. O que só é possível através de uma política de saúde dotrabalhador definida e integrada nas instituições competentes e norteada pelos princípios deuniversalidade no acesso e integralidade na cobertura.|14| O governo passou a permitir, a partir de 1982, que as empresas declarassem como despesas operacionais noImposto de Renda os gastos com planos de saúde de seus empregados, repassando-os, dessa forma, aos preços dosprodutos. Até 1980 as empresas podiam abater até o limite de 7% do gasto com saúde de seus funcionários, sobre osrendimentos da empresa, no IRPJ declarados para fins de recolhimento do Imposto de Renda (MÉDICI, 1992). Paramais informações sobre esse assunto, ver também DAIM, S. (In: BRASIL, 2002).


294 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 32.3. Como se dão as articulações dos órgãos?Não há garantia de que os serviços prescritos nas normas regulamentadoras e realizadosno interior do local de trabalho sejam integrados e faltam instrumentos que garantama qualidade e efetividade desses serviços. A isso se soma a dificuldade estrutural dostrabalhadores e das suas organizações para interferir no processo de trabalho, o que dificultamais ainda efetuar modificações efetivas no modelo de política de assistência à saúde aotrabalhador. Cabe então perguntar quais as articulações institucionais realizadas de fato, equais ficam “no papel” impedindo que seja colocada em prática uma proposta integrada desaúde do trabalhador?Tentando dar resposta a esses interrogantes é conveniente passar revista às ConferênciasNacionais de Saúde do Trabalhador, na busca de organizar a prestação desses serviçosaos trabalhadores brasileiros. A 1 a Conferência (1986), levou o Governo a procurarformar um grupo específico para tratar dessas questões. Foi a Comissão Interministerial deSaúde do Trabalhador (CIST), instituída em 1993 e composta pelo Ministério do Trabalho,da Saúde, da Previdência Social e pela Secretaria da Administração Federal (SAF), cujoobjetivo, apesar de ter sido justamente a redefinição dos papéis e ações dos órgãos governamentaise as competências específicas e comuns de cada Ministério no sentido de estabelecercritérios conjuntos de diagnóstico, tratamento, concessão de benefícios e prevençãodos acidentes e doenças relacionados ao trabalho. O relatório dessa Comissão mostrou quepouco ou quase nada se avançou de fato. 15A 2 a Conferência foi realizada em 1994 e teve um papel relevante na organizaçãodos serviços de saúde do trabalhador, mas mesmo assim a presença dos participantes foimuito aquém das expectativas, tanto na representação dos trabalhadores como da parte empregadorae do governo. 16Deve ser acrescentada, ainda, a existência de um outro problema na área da saúdedo trabalhador que é a questão relevante da inexistência de um sistema de informações de vi-|15| Para mais informações, ver Brasil, 1993 e Santos, 2000.|16| Para mais informações, ver Brasil, 1994 e Santos, 2000.


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 295gilância epidemiológica que articule a assistência médico-sanitária-hospitalar pública com aprivada. De acordo com Corrêa Filho, as informações epidemiológicas dos acidentes, doençase atenção médica aos trabalhadores já não seriam desagregadas a ponto de permitir uma análisesubstantiva, o que se agrava pelas bases de dados existentes não estarem interligadas nasinstituições que provém os serviços, resultando em um quadro onde os “órgãos de vigilânciaà saúde não dispõem de informações epidemiológicas validadas para trabalhadores brasileirossobre os níveis aceitáveis de riscos e exposição a agentes agressivos com base em Limitesde Tolerância Biológica estudados em condições reais de nutrição, esforço físico e suscetibilidadeindividual que permitam o acompanhamento de higienistas industriais e profissionaisde saúde” (CORRÊA FILHO, 1997:2).O atual modelo não transferiu a responsabilidade da reabilitação para o SUS, mantendo-ano âmbito da Previdência e, quanto à fiscalização, carece fortalecimento do vínculoàs ações de vigilância sanitária que são de responsabilidade do SUS. Ao mesmo tempo, a formade notificação dos acidentes e doenças do trabalho impede que sejam abertas brechas na lógicado INSS de utilização das informações para o pagamento de benefícios ao invés de análisecom vistas à vigilância epidemiológica.2.4. O mundo do trabalho e a assistência à saúdeAparatos como o sistema “S” não atingem substancialmente os trabalhadores domercado informal e tampouco são suficientes para contribuir na melhora da assistência à saúdedos trabalhadores formalmente empregados.Por outro lado, os Serviços Especializados em Engenharia de Segurança e em Medicinado Trabalho (SESMT), os Programas de Controle Médico de Saúde Ocupacional (PCMSO), osProgramas de Prevenção de Riscos Ambientais (PPRA), organizações como a Comissão Internade Prevenção de Acidentes (CIPA), todo o setor de serviços médicos no interior das empresas, eos convênios médico-hospitalares firmados com as operadoras de planos e seguros de saúdetêm suas ações e financiamento sobrepostos de forma particular a cada empresa empregadora,com resultados dependentes da política local de recursos humanos de cada empregador, sem aexistência de mecanismos que estimulem um planejamento integrado.


296 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3Em relação ao exame pré-admissional realizado nos trabalhadores previamente aocontrato empregatício, falta conhecimento empírico para saber quem realmente o realiza, ouseja, se é o médico coordenador do setor médico da empresa ou se é a operadora de plano eseguro-saúde. De qualquer forma, é realizado por profissionais que em algum momentorespondem ao empregador e que têm dados de absoluto interesse para quem administraráa saúde do trabalhador empregado. 17 Por exemplo, esses exames permitem, algum grau de estimativaem relação ao quanto se gastará com a saúde do futuro empregado e ao quanto esteresponderá em produtividade. Por outro lado, representam a segurança do trabalhador aoregistrar sua situação de saúde nos diversos momentos em que são realizados os exames(admissional, periódicos e demissional), resguardando-o, portanto.Desde a década de 70 é de interesse dos convênios médico-hospitalares a seleção acuradado trabalhador a ser empregado com vistas a redução de futuros custos, o que é possível,dado que o cliente direto é a empresa (TEIXEIRA et al., 1984). Assim, mantendo-se o modelodo processo de produção no Brasil, pode-se dizer que ainda hoje a política de recursos humanosdas empresas empregadoras tem poder de determinar seus interesses aos dos profissionaismédicos, tanto nos exames pré-admissionais, quanto no tempo limite de afastamento dotrabalhador adoentado/acidentado, segundo as chances do trabalhador apresentar recuperaçãoimprovável ou de tempo lento.Em relação à emissão dos Comunicados de Acidente do Trabalho (CAT), ainda não épossível utilizar as informações nas ações epidemiológicas e sanitárias devido aos problemas dosistema de informações anteriormente comentados. Ao mesmo tempo, os avanços obtidos emrelação a este frágil sistema de informações permitem, dentro de suas limitações, análises,projeções e estimativas da situação de saúde dos trabalhadores. Os sistemas localizados queexistem no interior das instituições envolvidas também não estão interligados. Este contextopermite afirmar que é frágil o conhecimento que se tem acerca do processo de trabalho para|17| Em Santos (2000) verifica-se a dimensão da importância na função exercida pelos médicos e demaisprofissionais de saúde do setor médico na empresa.


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 297que se possa planejar alguma interferência no grave quadro de morbi-mortalidade dostrabalhadores brasileiros.A reprivatização do seguro do acidente de trabalho, proposta que gerou grande discussãona década de 1990 entre governo, empresariado e trabalhadores, não seria o bastante para queaquelas características determinantes do modelo de saúde do trabalhador, que são socialmenteindesejáveis, sejam revistas. Além da gravidade de tornar a ser privatizado o seguro do acidente dotrabalho, as proposições realizadas em 1999 e 2000 sugeriam a criação de uma Agência Reguladorapara regular um mercado de seguro do acidente do trabalho, composto pelas empresasempregadoras, pelos trabalhadores, e por empresas seguradoras que administrariam o seguro.Houve propostas, inclusive, de que a assistência integral à saúde do trabalhador também sejaprestada por estas seguradoras, o que provocaria uma mudança na estrutura do sistema, pelaredefinição dos benefícios e, acima de tudo, estaria reforçando a diferenciação da atenção à saúdeentre os brasileiros que possuem vínculo empregatício e os que não o possuem. 18Segundo Corrêa Filho, estas propostas continuam na agenda de debates acerca doSAT brasileiro, pelo plano de “criação de organizações transnacionais não lucrativas queestarão se oferecendo para cuidar da seguridade social básica e de serviços de saúde paratrabalhadores no mercado formal, aí incluído o seguro contra acidentes e doenças do trabalho”(CORRÊA FILHO, 2003: 1).Como o seguro do acidente do trabalho é vinculado ao emprego formal é pertinentesupor que os integrantes da economia informal continuariam, neste sentido, desamparados,com ou sem a privatização do acidente de trabalho, isto é, não é atingido o cerne do problema,sendo, desta maneira, ainda pior o caso dos trabalhadores rurais.Também não existiria mudança alguma na lógica estabelecida, correndo-se o risco deperpetuar um modelo incapaz de questionar e interferir no processo, mantendo-se o mesmo|18| Houve diferentes versões de Projeto de Lei para a criação desta agência reguladora, em todas as versõesela ficaria no âmbito do Ministério do Trabalho e do Emprego, MTE, ou no do Ministério da Previdência eAssistência Social, MPAS.


298 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3ambiente de trabalho, regido pela lógica da insalubridade e periculosidade conseqüente desua legitimação através das penalidades adicionais definidas no grau de risco da produção.Tudo isso perpetua o ciclo vicioso estabelecido pela não promoção da saúde do trabalhador,onde os principais agentes determinantes, além dos diretores de recursos humanosque respondem aos interesses do empresariado empregador, são as operadoras de planose seguros de saúde e o Estado. Entretanto, até o momento este ainda não teve força suficientepara impor políticas sociais que definam um modelo de saúde mais em consonância comos interesses da população brasileira como um todo, logicamente respeitando os princípiosde universalidade e integralidade.Assim, fica reforçada a lógica de pagamento de benefícios do INSS, juntamente aofinanciamento do setor supletivo de saúde através da cobertura dos serviços de alto custo edo abatimento ao Tesouro Nacional da totalidade dos gastos destas empresas empregadorascom planos e seguros de saúde do IRPJ, devido por estas empresas ao Tesouro Nacional. Esclarecendo,através do financiamento social desse sistema, o Estado termina por patrocinardois modelos com lógicas divergentes, o de saúde do trabalhador e o do SUS, sendo que esteúltimo é fundamental para a sobrevivência do primeiro.Aliado a esta situação, também está o baixo “poder de fogo” dos profissionais, especialistas,técnicos e representantes dos próprios trabalhadores perante este modelo, comomostram os resultados dos encontros da Comissão Interministerial de Saúde do Trabalhadore de seminários e conferências realizados em meios acadêmicos. Entretanto, os debates travadosnesses grupos representam os esforços e avanços, mesmo que lentos, no sentido do desenvolvimentodas contribuições para as necessidades relativas à reformulação e aprimoramentodo modelo de políticas de assistência à saúde do trabalhador, por exemplo, comopôde ser observado em determinadas orientações da Norma Operacional de Saúde do Trabalhador,que retoma princípios do SUS aplicando-os ao campo da saúde do trabalhador.Concluindo, pode-se afirmar que a situação dos trabalhadores empregados é questionáveljá que não está livre das desarticulações do sistema de saúde brasileiro com a saúde


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 299do trabalhador. A regulamentação do setor supletivo de saúde que vem sendo realizada desde1998 também está muito aquém de qualquer interferência na estrutura desse modelo. 19Uma outra questão relevante é em relação aos trabalhadores formais das micro epequenas empresas, parcela da população sobre a qual pouco se sabe da situação de saúde.Como visto na Parte 1 deste trabalho, a grande parte dos beneficiários de planos de saúde o sãopelo vínculo com o trabalho formal, especialmente o que se dá nas grandes empresas, em especialna indústria. Assim, possivelmente a situação de assistência à saúde dos trabalhadores das microe pequenas empresas, além de parcela dos das empresas de médio porte, é similar a dos queestão no mundo informal do trabalho.A responsabilidade da atenção à saúde ao trabalhador, mesmo sendo do Estado, écompartilhada também pelas empresas empregadoras que tomam esta função para si. As formasde administração, financiamento e controle da qualidade dos serviços e ações realizados,sobrepõem-se, dificultando o retorno a qualquer planejamento e investimento econômicopolítico-socialque venha a ser feito neste sentido, como pode ser observado no Quadro em Anexo.Portanto, cabe ao novo governo pensar desejáveis e viáveis cenários para planejar açõesque dirigidas por políticas de saúde e de emprego, que implementadas estarão construindo ocenário desenhado – seja organizando este mercado, incentivando e estimulando, ou o inverso,desincentivando e desestimulando. Cabe, neste sentido, pensar qual o papel do Estado brasileirona regulação do mercado de planos e seguros privados de saúde, em especial nas interfacescom o campo da saúde do trabalhador.|19| Especificamente, a regulamentação versa sobre a situação dos trabalhadores demitidos e dos aposentadosque possuíam plano ou seguro de saúde quando empregados. Foram definidas regras para manutenção doscontratos de planos de saúde dos aposentados e demitidos. Os aposentados que contribuíram por mais dedez anos para o plano poderão manter seus contratos desde que assumam o pagamento integral da contraprestaçãopecuniária do plano. Para os aposentados que contribuíram por tempo inferior, o prazo de permanênciano plano será contado na razão de um ano para cada ano de contribuição. O trabalhador demitidoterá direito a permanecer no plano por um período de um terço do período que ele contribuiu para o plano,dentro de um período mínimo de seis meses e máximo de 24 meses, e desde que assuma a contraprestaçãofinanceira integral do plano. Ou seja, desde que o “ex-trabalhador” pague o plano integralmente, há garantiade permanência para demitidos por tempo limitado e para aposentados por tempo definido de acordo compermanência.


300 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3PARTE 3: CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES3.1. Os diferentes locus das políticas de saúdeA partir do que foi visto na seção anterior, faz-se necessário desenvolver os argumentosque justifiquem (a) a atuação do Estado no sentido de inserir a saúde do trabalhador no âmbitoda regulação governamental; (b) a pertinência de se estimular o mercado na direção dos serviçose ações relacionados à saúde do trabalhador; e, (c) a abrangência das competências de cada órgão(MS, <strong>ANS</strong>, Secretarias Estaduais e Municipais, etc.) no cumprimento dessa tarefa.Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, que introduziu legalmente o SistemaÚnico de Saúde (SUS), e sua posterior regulamentação nas Leis Orgânicas da Saúde 8.080/1990e 8.142/1990, a responsabilidade de promover o modelo de atenção à saúde mais adequado àsnecessidades da população brasileira, respeitando os princípios e diretrizes do SUS, é do Estado.Na década de 1990 foi elaborada e deu-se a implementação da Reforma do Estado 20 cujoprincipal foco era a diminuição do tamanho do quadro de pessoal do Estado, a redefinição de seupapel regulador, a recuperação e o aumento da governabilidade, incluindo a proposta de criaçãode agências regulatórias como uma possibilidade de mudanças para o Estado neste sentido.Já na época da implementação da reforma, as relações intra e interministerial, bem comoaquelas existentes entre os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, não foram claramenteestabelecidas – não o foi quando concebido o modelo e tampouco o é nos dias atuais. Nestecontexto se deu a inserção de novos objetos de responsabilização para o Estado e a criaçãode diversas agências regulatórias, entre elas, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (<strong>ANS</strong>),que é uma autarquia sob regime especial, vinculada ao Ministério da Saúde, com autonomiajurídica, financeira e de contratação de pessoal.|20| Com o Plano Diretor de 1995, a partir de 1996 a responsabilidade institucional da reforma do Estadoficou no âmbito do extinto Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado (MARE), da Câmarade Reforma do Estado (órgão colegiado do Conselho de Governo, deliberativo, criado em 1995) e do Conselhode Reforma do Estado (CRE, órgão consultivo, desvinculado de qualquer outro órgão no governo,composto por membros oficialmente não vinculados à administração pública, e criado em 1996). Contou,também, com o apoio do então ministro Luiz Carlos Bresser Pereira, autor de grande produção intelectualacerca deste tema, que exerceu papel peculiar na concepção da reforma.


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 301Há autores que defendem a existência de dois tipos de agências reguladoras implementadasna Reforma de Estado brasileira da década de 1990, como é o caso de Salgado.Por exercerem função regulatória abrangente, aplicar políticas e diretrizes de governo, tantoa <strong>ANS</strong> como a ANVISA e a ANA são consideradas agências “executivas”, diferentemente doque a autora chama de agências “de Estado”, cuja abrangência se limitaria ao “cumprimento dodisposto pelo Poder Legislativo” (SALGADO, 2003: 45). Nestas agências executivas, a fiscalizaçãoé mais uma competência a ser exercida, juntamente com a execução das diretrizes de governo,enquanto que no outro tipo de agências a fiscalização é a principal ação, como seriao caso das ligadas àqueles setores de infra-estrutura que foram privatizados.Ainda segundo Salgado, as decisões das agências executivas “refletem diretrizes programáticasde governo”, enquanto o arranjo que nas do Estado as protege de “tentativas de pressãoe captura por parte de interesses localizados” já que “tais decisões costumam pautar-se pelaaplicação da legislação em vigor medida por parâmetros técnicos” (SALGADO, 2003: 34).Talvez um dos pontos mais atuais da agenda governamental neste ano de 2003 em relaçãoao tema deste trabalho, seja definir qual é o órgão/instituição responsável pela definiçãodas políticas públicas a serem implementadas. Na regulação do setor suplementar, háquem diga que a autonomia da <strong>ANS</strong> também é política, o que lhe daria poder para não apenasimplementar diretrizes programáticas do governo, como também para defini-las.Por outro lado, observando a Constituição Federal e as Leis Orgânicas da Saúde,a competência para a definição das diretrizes políticas é do Ministério da Saúde e, como a<strong>ANS</strong> está vinculada a este, deve respeitar suas proposições. Este pensamento é corroboradopor Nogueira (2002) ao colocar que, diferentemente das agências reguladoras construídaspara fiscalizar uma área privatizada, as da área da saúde possuem a peculiaridade de estaremno campo das políticas sociais, e que “tal condição obriga que o poder de regulação dessasagências observe princípios e diretrizes peculiares, de tal modo que promovam, fundamentadasna Constituição, a saúde como um direito social de cidadania”, argumento sustentadopelo fato que o direito do consumidor, que justifica a existência da <strong>ANS</strong>, deve ser “interpretado


302 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3como subalterno ao direito à saúde que, por sua vez, é algo bem mais amplo e de incidênciauniversal” (NOGUEIRA, 2002: 102 e 105).Contribui com argumentos o documento “Bases legais da regulação pelo poderpúblico das ações e serviços privados de saúde não complementares ao SUS”, do ConselhoNacional de Saúde:“As Agências Reguladoras na área da saúde são autarquias especiais que, como qualqueroutra modalidade de administração pública indireta, devem estar subordinadas àsinstâncias gestoras públicas maiores, como o Ministério da Saúde e a Tripartite, noâmbito das responsabilidades intransferíveis de Estado.”Partindo dessa linha de análise, neste trabalho entende-se que, como a parte do setorsaúde conhecida como suplementar, por ser do campo da saúde, deve ser entendida nestecontexto e dirigida pelos princípios constitucionais. Dessa maneira, é o Ministério da Saúde ainstituição que deve elaborar as políticas e diretrizes, podendo contar com a participação da<strong>ANS</strong> e de outros órgãos com sugestões para a sua elaboração, sendo assim, a participação da<strong>ANS</strong> um reflexo das diretrizes programáticas de governo. (SALGADO, 2003).3.2. Apontamentos para discussãoO processo de enxugamento de quadro pelo qual as empresas vêm passando desde oinício da década de 1990 trouxe algumas conseqüências diretamente sentidas pelos trabalhadores.Os trabalhadores efetivos/trabalhadores terceirizados, cujas atividades já foram exercidaspor efetivos, não participam do mesmo contrato de trabalho que os trabalhadores diretamentevinculados à empresa, não participando, portanto, do rol de benefícios da empresa.Isso sugere que, além dos funcionários demitidos e aposentados, haja uma quantidadeenorme de pessoas que não mais receberá os benefícios, dentre os quais a assistência à saúde,como é o caso dos terceirizados, que muitas vezes são a metade do total de efetivos nas empresasempregadoras.É comum a assistência médico-hospitalar não estar nos contratos de trabalho, por serconsiderada um benefício da empresa aos seus empregados. Este é um fator que dificulta atuaçãogovernamental em relação à grande parte da assistência ofertada pela empresa empregadora


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 303por planos privados de assistência à saúde, já que não consta do contrato de trabalho, sendodenominada de “benefício social”.Assim, os trabalhadores demitidos não recebem mais os benefícios que recebiam quandoempregados nas empresas, tampouco os terceirizados, que neste caso não recebem os benefíciosda empresa em que trabalham. Ou seja, é uma nova classe de trabalhadores dentro da umamesma empresa, com salários e benefícios diferenciados dos trabalhadores efetivos. Coma tendência ao aumento da população engajada no mercado informal de trabalho, e a conseqüenteperda de benefícios, deverá acordar-se, entre os cidadãos e seus representantes, qualmodelo de sociedade brasileira se deseja agora e para as próximas gerações. 21Ora, não precisa de muita imaginação para se supor que a maioria dos indivíduos quejá tenham passado pela perda do vínculo empregatício, bem como de seus respectivos benefícios,vai preferir o investimento dos esforços do Estado no setor público, permanecendo eaperfeiçoando as diretrizes de universalidade e eqüidade do SUS, do que o investimento emum setor ao qual não tem acesso.O contexto de falta de diretrizes políticas e incapacidade de implantar as existentes, deforma a reverter o atual modelo de atenção à saúde do trabalhador, propicia o desenvolvimentode outras formas de atenção contraditórias ao modelo formal do sistema de saúde brasileiro,como propostas de reprivatização do acidente do trabalho, estas, coerentes com a Reforma doEstado da década de 1990. Na mesma linha, é defendido o estímulo ao mercado de saúdesuplementar como o “salvador do SUS”. Entretanto, na legislação relativa ao setor suplementarde saúde, não estão incluídos no rol de procedimentos dos planos coletivos, os serviçospara atendimento de acidente do trabalho (Resolução CONSU n o 10), o que traz inúmerasconseqüências, como por exemplo, a não preocupação das operadoras com a preven-|21| Pensemos o que é benefício social. Os planos de saúde são considerados um benefício da empresa aostrabalhadores. Ou seja, não é um salário indireto ou complementação salarial, e sim um benefício. A partirdeste raciocínio, os trabalhadores não têm mecanismos que garantam sua participação no processo decisórioda definição do plano, seja no seu financiamento, na escolha da rede de estabelecimentos de saúde credenciada,na amplitude de serviços cobertos, nas definições de acesso, ou de utilização dos serviços que compõem aatenção à saúde que recebem.


304 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3ção ao acidente e às doenças do trabalho, desagregando assistência à saúde de assistênciaà saúde, isto é, desconjuntando o inseparável.Outra conseqüência decorrente desta legislação é a subnotificação dos casos de doença eacidente do trabalho. Como as operadoras não atendem estes casos, supõe-se que, nos casosem que o trabalhador não venha a receber benefício do INSS, muitas vezes os trabalhadoresdeixariam de notificar o ocorrido para ser atendido pelos serviços da operadora. Por outro lado,o atendimento para saúde do trabalhador não é interessante às operadoras dado a especificidadee alto custo característicos desse tipo de assistência.Enfim, a idealização de que os trabalhadores formais componham a elite do país por, alémde estarem empregados, terem, na maior parte, plano privado de assistência à saúde, é colocadaem xeque a partir do momento em que, qualquer um que se aproxime da realidade do dia-a-diados trabalhadores, vai se deparar com a de um mundo do trabalho onde a insalubridade e periculosidade,aliados aos exames pré-admissionais e periódicos e ao tempo limite de afastamentopara adoecidos e acidentados em que o estado de saúde de trabalhador e sua capacidade produtivapodem ser constantemente questionados. 22 Como mostrado anteriormente, tais característicasse aplicam para apenas uma parcela da população trabalhadora, que significa aproximadamentea metade dos trabalhadores da PEA – aqueles que se encontram no mercado formal.A sociedade brasileira deve ponderar diante da balança que traz os valores da individualidadee da coletividade de forma a não serem excludentes. Logicamente, isto não seaplica apenas ao setor saúde, e sim ao modelo de sociedade como um todo. Em particular emrelação à saúde cabe perguntar: em quais valores se pretende investir, em um sistema de saúdeditado pelas regras da preservação do lucro em detrimento do atendimento, da ação em si,ou em um sistema em que prevaleçam os valores humanos?|22| Ademais, a grande parte das operadoras de planos e seguros de saúde não tem conhecimento do grau de atualizaçãoprofissional de seus médicos credenciados, indicando um alarmante desconhecimento da qualidade dosserviços utilizados pelos trabalhadores. A argumentação de que o setor de planos e seguros de saúde no Brasil atendaà população com mais qualidade do que os serviços públicos não pode ser provada, a não ser em termos de facilidadeno acesso, possibilidade de escolha da hotelaria e alguns casos de escolha de profissional para ser atendido.Mesmo sendo fato que a sobrecarga da demanda em relação à capacidade de oferta de grande parte dos serviçospúblicos é assustadora, contudo o acesso ao serviço é diferente da qualidade da atenção à saúde como um todo.


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 305Com a situação do atual modelo de atenção à saúde do trabalhador que foi brevementeapresentada neste artigo, o único caminho razoável de ser defendido é o que esteja orientadopelos princípios de integralidade das ações de saúde e universalidade do acesso, que não vêmsendo contemplados na condução do sistema de saúde brasileiro nos últimos anos.Nos casos dos planos privados de saúde coletivos, a empresa empregadora é quemassina o contrato do plano, portanto ela é o consumidor, diferentemente do que ocorre no casodos planos individuais (aqueles planos contratados diretamente por pessoa física). Ademais,quem utiliza o plano-empresa geralmente não recorre aos mesmos meios de defesa que nosplanos individuais, ao invés de reclamar ao PROCON, ao IDEC, ou <strong>ANS</strong>, o trabalhador conversarácom os dirigentes de recursos humanos do local de trabalho quando acontecer algumproblema com os serviços de saúde da operadora. Ora, não é interessante ao trabalhador,tampouco ao cidadão que é este trabalhador, ser considerado um usuário do plano de saúdemas não ter poder de decisão e escolha dessa assistência. 23Diferentemente ao que se poderia pensar, os planos de saúde que as empresas proporcionama seus empregados não têm como fim exclusivo a manutenção da força de trabalho;o setor de recursos humanos de cada empresa empregadora tem função fundamental na gestãodo plano de saúde da empresa; o médico coordenador do setor médico de cada empresa,contratado e supervisionado pelo setor de recursos humanos, exerce papel central na atençãoà saúde do trabalhador e de seus dependentes no plano de saúde. Estas relações levam à motivosjá expostos, que induz a autora a sugerir que o Ministério da Saúde deveria centrar os esforçosregulatórios nas relações já existentes, mas que não estão na agenda da saúde do trabalhador,como a relação entre o médico, do setor médico da empresa empregadora e a operadora de planode saúde contratada, bem como as relações estabelecidas entre estes e o setor de recursos humanosou departamento de pessoal das empresas empregadoras etc., que submetem a atençãoà saúde dos trabalhadores à lógica da empresa e não à da Saúde.|23| Este aspecto merece o desenvolvimento de uma discussão acerca do papel das autogestões no mercadode plano de saúde e na contribuição que estas podem dar ao planejamento e execução de ações de saúdedo trabalhador.


306 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3Mais óbvio porém não menos importante, é a necessidade de desenvolvimento de umaregulamentação governamental acerca do trabalho informal e dos planos coletivos que tiveramum processo de regulamentação tardio e incipiente em relação aos planos individuais efamiliares. Ademais, a complexa heterogeneidade dos planos coletivos parece dificultar aregulação feita pela <strong>ANS</strong> que tem sido nos moldes de “modulação” do produto.Os planos coletivos costumam ser tratados pelos dirigentes de recursos humanos dasempresas empregadoras como um benefício da parte empregadora aos trabalhadores, ondese argumenta que, como as coberturas são amplas neste tipo de plano de saúde, não devehaver interferência externa, como regulamentação, por exemplo.Se o plano de saúde pudesse ser entendido como salário indireto, seria uma complementaçãosalarial, o que daria direito ao trabalhador de opinar sobre a forma como recebê-la.Neste sentido, é necessário iniciar um debate sobre o poder de participação que os trabalhadorestêm sobre as decisões acerca da estrutura, do financiamento, da amplitude da coberturaassistencial oferecida, da rede credenciada e de qual a operadora a ser contratada noplano coletivo do qual participam, em especial nos casos em que haja contribuição financeiradestes no financiamento global do plano de saúde.Os posicionamentos das entidades representantes de trabalhadores vem sendo semprena direção do SUS e de seus princípios em diversos fóruns. A Força Sindical apóia a NormaOperacional de Saúde do Trabalhador com argumentos favoráveis à sua implementação emconsonância com o SUS, embora seja de desagrado a atual situação deste: “quanto à organizaçãodos serviços públicos nesta área [saúde do trabalhador] a Força tem se manifestado (...) a favordo SUS e de uma política de saúde do trabalhador que promova a ação integral à saúde, comações de vigilância integradas com a fiscalização (...) quanto à assistência à saúde (...) o SUS nãotem cumprido seu papel institucional de bem atender o cidadão/trabalhador (...) o SUS estádevendo à sociedade (...) o cumprimento do compromisso de atenção integral à saúde dotrabalhador” (FORÇA SINDICAL, 2002: 315).Em entrevista realizada em maio de 1999, o então presidente de um sindicato do ramo químicoe petroquímico que envolve trabalhadores de grandes empresas da região do ABC, comenta


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 307a postura do sindicato em relação ao modelo do sistema de saúde brasileiro: “a gente pedia plano,mas não queria”, ou seja, como a categoria solicitava planos e seguros de saúde, embora os dirigentesdo sindicato fossem interessados em investir no setor público de saúde, tinham que fazer o que acategoria pedia. Assim, o discurso sindical sofre de uma ambigüidade quando defende os serviços dosetor público e ao mesmo tempo se posicionam pelas melhorias nos convênios médico-hospitalaresque os trabalhadores com vínculo empregatício, e seus dependentes, possuem e utilizam.No sítio da <strong>ANS</strong> estão disponíveis as propostas das entidades participantes do Fórumde Saúde Suplementar de 2003, entre elas a da Central Única dos Trabalhadores, CUT, queapresenta duas propostas relacionadas à saúde do trabalhador: “que se discuta o atendimentodos acidentados de trabalho, hoje excluídos do sistema” e “discussão sobre a continuidade deatendimento ao usuário no seu respectivo plano de saúde, quando de sua aposentadoria”. Emrelação à esta última proposta, entendemos que a CUT compreende ser necessária a revisão doque já é regulamentado sobre a participação dos aposentados nos contratos de plano de saúde,porém em relação à primeira proposta falta à CUT um desenvolvimento mais crítico e argumentadoacerca do que defende na questão do atendimento dos acidentados do trabalho pelosplanos de saúde inserida no atual modelo de atenção à saúde do trabalhador e de seus problemas.Infelizmente, embora as entidades representantes de trabalhadores sejam defensores doSUS, a configuração acima pode ser analisada como uma atual situação de perda para o setorpúblico de saúde – e obviamente para o sistema de saúde brasileiro como um todo –, que temsua aliança de interesses com os sindicatos enfraquecida quando esses retiram a defesa dosetor público da agenda de prioridades sindicais. 24Neste sentido, em abril deste ano o Secretário de Gestão Participativa do Ministério daSaúde, Sérgio Arouca, fez pronunciamentos 25 – por sinal erroneamente interpretados – sobre anecessidade de se buscar novas formas de participação do trabalhador no sistema de saúde,colocando que “a idéia é trazer os trabalhadores e a classe média novamente para o SUS. (...)|24| A agenda sindical está mais voltada à questão do desemprego, da terceirização e do aumento do trabalhoinformal.|25| Publicados no jornal O Estado de São Paulo.


308 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3Esses grupos são capazes de exercer uma pressão para melhorar a qualidade do serviço e ahumanização do atendimento” e, ainda, questionando que “...eles cobram publicamente aqualidade do atendimento público. Mas, no momento de fazer o contrato coletivo de trabalho,lutam por um plano privado”. Esta discussão abre brechas para uma nova porta de entrada noSUS, que certamente não é o que se deseja para o sistema, mas por outro lado propõe o início dodebate sobre a busca de “fórmulas adequadas para garantir o acesso a todos”.O novo governo brasileiro tem como desafio para sua nova gestão a elaboração e odesenvolvimento de um plano de trabalho que incorpore as questões relativas à saúde dotrabalhador que não seja o de perpetuar a situação atual do modelo de atenção à sua saúde.Assim, não é pertinente o argumento de que, pela necessidade do crescimento do mercado deplanos e seguros privados de saúde, a regulação do setor requer o estímulo aos planos coletivospor serem a sustentação deste mercado. Mas urge que se repense a atual regulamentaçãoonde já é identificado um problema crescente. Devido à menor rigidez nas regras da regulamentaçãodos contratos de planos coletivos em relação aos dos individuais, percebeu-se ummovimento de “falsa coletivização dos planos individuais (...) para fugir às regras mais rígidasdos contratos individuais, quanto à proibição do rompimento do controle de reajustes”(documento “Subsídios ao Fórum de Saúde Suplementar: Evolução e Desafios da Regulação doSetor da Saúde Suplementar”, apresentado por JanuaSrio Montone, Diretor-Presidente da <strong>ANS</strong>,no primeiro ciclo de encontros do Fórum).Este mercado de planos coletivos não está contribuindo à construção de um modelo desistema de saúde como o proposto constitucionalmente, de modo que não deve interessar aoMinistério da Saúde, da maneira como vêm sendo colocadas as idéias defensoras da criaçãode facilitadores de planos e seguros privados de saúde para as micro e pequenas empresas (argumentadapela potencialidade que estas têm de participarem com maior peso na composiçãodo mercado de planos e seguros privados pela entrada de seus trabalhadores) 26 ; ou do desen-|26| Esta idéia vem sendo recorrentemente colocada em discussões acerca do escopo da regulação do setor.Mais recentemente, no documento de propostas ao Fórum de Saúde Suplementar de 2003, ConfederaçãoNacional do Comércio incluiu “criar incentivos fiscais a micro e pequenos empresários para que sejamestimulados a conceder planos de saúde a seus funcionários” (documento disponível no sítio da <strong>ANS</strong>).


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 309volvimento de planos específicos para o mercado de trabalho informal (defendida pela tendênciaao aumento da composição de trabalhadores informais na PEA, em detrimento dos quese situam no mercado formal de trabalho); tampouco de incentivos financeiros à coberturade saúde do trabalhador em planos privados de saúde (dado que as operadoras de planos desaúde argumentam que este tipo de cobertura é muito custoso às carteiras pela especificidadeda assistência que a saúde do trabalhador tem como característica); ou da constituição de umsubsistema de saúde específico para os trabalhadores, diferenciando-os em relação aos direitossociais e de cidadania que os brasileiros atualmente possuem.Essas idéias não teriam potencialidade de resolver as demandas estruturais da saúde dotrabalhador. Para se ter noção do grau de profundidade desse tipo de idéias, já foi apresentadoà <strong>ANS</strong> o estudo de um modelo em que incentivaria a aquisição do plano ou seguro privado desaúde pela diminuição do recolhimento de tributos ou de utilização de recursos do FAT,considerando que o benefício destes recursos na composição da receita pública seria menor queo da assistência suplementar e do desenvolvimento deste mercado. A partir do momento que oEstado brasileiro adota a idéia que saúde antes de ser um negócio, é um direito, torna-seinaceitável considerar procedente o argumento que a regulação do mercado de planos e segurosprivados de saúde requer o crescimento deste mercado.Para o Ministério da Saúde poder realizar a empreitada que se coloca nessa nova gestão,terá antes de tudo que processar o conhecimento da saúde do trabalhador junto e ao que se temde conhecimento acumulado do setor de planos e seguros privados de saúde, em uma partedisponível em documentos, em outra parte no conteúdo do trabalho rotineiro dos técnicos da<strong>ANS</strong> que vêm executando a regulamentação do setor. Este será um trabalho árduo, pois, se porum lado terá que ser revista a abrangência e a profundidade dos poderes da <strong>ANS</strong>, por outromuitos dirigentes da esfera do Ministério da Saúde parecem ainda não terem incorporado apreocupação com a assistência de planos e seguros privados de saúde à agenda governamental,provocando um crescente aumento do tamanho do “fosso” entre este Ministério e a <strong>ANS</strong>.


310 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICASBAHIA, Ligia. Os planos de saúde empresariais no Brasil: Notas para a Regulação Governamental. Textodisponível na página do Fórum do Setor Suplementar no sítio da <strong>ANS</strong> (www.ans.gov.br , dia 11/7/2003,às 18h).________, 2001. Planos Privados de Saúde: luzes e sombras no debate setorial dos anos 90. In: Ciência &Saúde Coletiva – A Política de saúde nos anos 90. Volume 6 número 2. Rio de Janeiro, ABRASCO.BRASIL, 1988 Constituição – República Federativa do Brasil.________, 1990. Lei n. 8.080 de 19 de setembro de 1990.________, 1993. Relatório Final da Comissão Interministerial de Saúde do Trabalhador – CIST. Brasília:Ministério da Saúde, Ministério da Previdência Social e Ministério do Trabalho.________, 1994. Relatório da 2 a Conferência Nacional de Saúde do Trabalhador – CNST. Brasília: Ministérioda Saúde.________, 1997 (a). Lei n o 8.080/1990. Lei Orgânica da Saúde. Manual do Gestor SUS. Rio de Janeiro:Lidador.________, 1997 (b). Lei n o 8.142/1990. Lei Orgânica da Saúde. Manual do Gestor SUS. Rio de Janeiro:Lidador.________, 1997 (c). Norma Operacional Básica SUS 01/1991, 01/1993 e 01/1996. Ministério da Saúde.________, 1998 (a). Lei n o 9.656/1998.________, 1998 (b). Regulação do Setor Suplementar – Ressarcimento ao SUS – Relatório Final, Mimeo.Brasília: Departamento de Saúde Suplementar, Secretaria de Assistência à Saúde, Ministério da Saúde.________, 1998 (c). Resolução CONSU n o 14, publicada no D.O.U. n o 211, de 4 de novembro de 1998.Brasília / Rio de Janeiro: Departamento de Saúde Suplementar, Secretaria de Assistência à Saúde,Ministério da Saúde / Agência Nacional de Saúde Suplementar.________, 1998 (d). Resolução CONSU n o 10, publicada no D.O.U. Brasília / Rio de Janeiro: Departamentode Saúde Suplementar, Secretaria de Assistência à Saúde, Ministério da Saúde / Agência Nacional deSaúde Suplementar.________, 1999. Norma Operacional de Saúde do Trabalhador.________, 2000 (a). Lei n o 9.961.________, 2000 (b). Resoluções <strong>ANS</strong>.________, 2000 (c). Relatório Final: Regulação dos planos e seguros privados no Brasil: Institucionalizaçãoe Implementação da Legislação. Relatório de Pesquisa realizada no âmbito do Componente 2 doREFORSUS, apresentado ao Ministério da Saúde.________, 2001. Simpósio Regulamentação dos planos de saúde, 28 e 29 de agosto de 2001: textos de


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 311referência. Ministério da Saúde, Conselho Nacional de Saúde. Brasília: Ministério da Saúde._______, 2002. Regulação e Saúde: estrutura, evolução e perspectivas da assistência médica suplementar.Ministério da Saúde, Agência Nacional de Saúde Suplementar. Rio de Janeiro: Agência Nacional deSaúde Suplementar.________. Normas Regulamentadoras de Segurança e Saúde do Trabalhador, Ministério do Trabalho eEmprego.CORDEIRO, Hésio, 1980. A indústria de Saúde no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Graal.CORRÊA-FILHO, Heleno Rodrigues, 1997. Vigilância das doenças crônicas e ocupacionais: como passardas propostas às ações?. Saúde e sociedade. Associação Paulista de Saúde Pública, São Paulo, SP 4 (1-2):99-105, 1995 (ed. 1997) ISSN 0104-1290.________, 2003. O ataque empresarial contra a poupança de trabalhadores destinada à saúde ocupacional:o caso latino-americano sob a política das corporações nos anos 2000. Mimeo. Campinas: Departamentode Medicina Preventiva, UNICAMP.CORRÊA-FILHO, H.R.; SIQUEIRA, C.E.; PEREZ, M.A.G.; REZENDE, J.M.P, 2003. Neoliberal Workers’Compensation Reform. In: Brazil [PERSONAL COMMUNICATION – TO BE PUBLISHED].Campinas, Maio 2003, 15p. No prelo.CUT, 1999. Saúde e Trabalho no Contrato Coletivo de Trabalho *CCT. Publicado no sítio da CUT, dia 25de agosto de 1999.CUT, 2000. Mapa do Trabalho Informal no Município de São Paulo.DIAS, Elizabeth Costa, 2000. A organização da Atenção à Saúde do Trabalhador. In: Saúde no Trabalho:Temas Básicos para o profissional que cuida da saúde dos Trabalhadores. Org. Mario Ferreira Junior.São Paulo: Roca.DIEESE, 1997. Encargos Sociais no Brasil – Conceito, magnitude e reflexos no emprego. São Paulo, agosto,n o 12.FORÇA SINDICAL, 2002. A força sindical e a Segurança e Saúde do Trabalhador. In: Revista do CEBESSaúde em Debate n o 62 de set/dez de 2002.FRIAS JUNIOR, C. A. S., 1999. A Saúde do trabalhador no Maranhão: uma visão atual e proposta deatuação. Dissertação de Mestrado, Rio de Janeiro: ESNP/FIOCRUZ.IBGE. Censo Populacional.________. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD.________. Pesquisa de Padrões de Vida – PPV.________. Pesquisa Assistência Médica Sanitária – AMS.


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Anexo 1 – DIMENSÕES DA SAÚDE DO TRABALHADOR, RESPECTIVOS ÓRGÃOS RESPONSÁVEIS E IMPLICAÇÕES 26DimensãoExame préadmissionalExamesperiódicosResponsávelEmpresaempregadoraEmpresaempregadoraQuem pode realizare adminsitrarSetor médico da empresa;Operadora de plano eseguro de saúde;Serviços diretamentecontratados pelaempresa empregadora;SESC/SESI.Setor médico daempresa; Operadora deplano e seguro de saúdeou Serviços diretamentecontratados pelaempresa empregadora;CRST/SUS; Sindicatos;SESC/SESIImportância e derivaçõesAtravés desse exame a empresa tem um perfil primário das condições de saúdedo pretendente ao emprego. A partir desse exame pode ser realizada estimativados futuros custos da empresa com a assistência à saúde do empregado e osrelativos ao retorno em termos de produtividade do trabalhador. Estes dadosserão somados às informações obtidas pelos exames periódicos. É instrumentode informações para as ações do setor de recursos humanos da empresa, bemcomo para as de defesa dos próprios trabalhadores por terem sua situação desaúde registrada.Com esses exames a empresa tem elementos para compor o histórico de saúdedo empregado, aprimorando a estimativa realizada já no exame pré-admissional. Aempresa terá também um diagnóstico da capacidade produtiva do trabalhador, quepode ser relacionada aos custos com a assistência à sua saúde. Muitostrabalhadores realizam exames periódicos também nos sindicatos e/ou nos CRSTpor desconfiança dos resultados apresentados pela empresa empregadora ou atémesmo por não ter acesso aos resultados de seus exames. Entretanto, estescasos não contribuem para a alimentação de um sistema de informações ou de ummaior controle da qualidade dos serviços de saúde ligados à empresaempregadora; terminam sendo utilizados como denúncia da empresa empregadoraque não exerce suas responsabilidades, resolvendo, em primeira instância,apenas casos individuais. Tanto os exames periódicos quanto o pré-admissionalindicam a tendência de gastos com a assistência à saúde do trabalhador paraquem administrará os serviços, que em grande parte dos casos é a operadora deplano e seguro de saúde.314 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3AçõespreventivasEstado eempresasempregadorasSUS; MTE; MPAS Setormédico da empresa;Sindicato; Operadora deplano e seguro de saúde;Serviços diretamentecontratados pelaempresa empregadora.As ações preventivas são reconhecidamente úteis tanto para a população quegarante seu bem-estar ao evitar doenças e condições de saúde indesejáveis,como para quem for administrar os serviços curativos por eliminar gastos.Entretanto, no Brasil, a cultura de realização de ações preventivas por parte dasoperadoras de plano e seguro de saúde ainda é fraca, de modo que são realizadas,em sua grande maioria, ou pelo SUS ou pelos sindicatos. As empresasempregadoras são responsáveis pela prevenção no ambiente de trabalho.26Este quadro não dá conta de todas as ações possíveis para as empresas empregadoras, mas destaca algumas responsabilidades por sua realização e possibilidades de locus onde podemser realizadas, visando contribuir na reflexão sobre a atenção à saúde que o trabalhador da grande empresa recebe e o modelo de saúde brasileiro. Para conhecer a realidade das microe pequenas é necessária informação de estudos investigatórios e pesquisas específicas, o que não pôde ser realizado.


InformaçõessocioepidemiológicasFinaciamentoda assistênciaà saúdeAssitênciaà saúdeEstadoEstadoEstadoMS; MTE; MPAS;EmpresaEmpregadora;Operadora de plano eEstado, Empresaempregadora;Trabalhadores;Cidadãos.Setor Médico daempresa; Operadora deplano de saúde ouServiços diretamentecontratados pelaempresa; SUS;Sindicatos; SESC/SESI; provedoresparticulares.O ideal é um sistema de informações que contenha os dados epidemiológicos ede utilização de serviços de toda a população para que possam ser elaboradaspolíticas públicas com base no real conhecimento da situação das condiçõesde saúde da população brasileira. Porém o SUS ainda não dispõe de tanto,embora se pretenda dar conta disto com a implementação do cartão-SUS.Supõe-se que as operadoras de plano e seguro de saúde tenham sistema deinformações elaborado, já que almejam a diminuição de seus custos, todaviaem função da dificuldade destas em responder à determinadas exigênciasbásicas advindas com a regulamentação do setor, nota-se que tais suposiçõespodem ser facilmente questionadas. O SESI do RJ tem um projeto de formaçãode banco de dados contendo o perfil socioeconômico e as condições de saúdedos empregados das empresas participantes do programa, entretanto ainda emfase inicial e sem reconhecimento da sociedade ou do Estado.A relevância do financiamento se dá porque, na prática, todos os atoresmencionados na coluna anterior (“quem pode realizar”), de fato contribuemfinanceiramente. A grande questão é que a esfera federal de governo não temuma política estabelecida que contribua no esclarecimento das sobreposiçõesde atores financiadores, e do próprio financiamento. Estas sobreposições sãointrínsecas àquelas de administração e responsabilidade nas ações deassistência à saúde. O resultado é uma proposta de Sistema Único de Saúdeque não é único, ao contrário, permite a existência de outras formas deassistência sobre as quais não têm conhecimento pleno, tampouco conjugaçãode esforços na melhoria da situação de saúde da população brasileira. Adificuldade de acesso aos serviços do SUS sugere elementos para que o setorprivado se justifique como imprescindível à sociedade brasileira, sem o qualesta estaria “à mercê” dos serviços do SUS, como os empresários costumamargumentar.Embora seja responsabilidade do Estado, nos estados mais industrializados e,portanto, com maior número de indústrias, a maior parte da populaçãotrabalhadora é “beneficiada” com alguma forma privada de assistência à suasaúde e de sua família. É comum pensar que esses trabalhadores sejamprivilegiados por receber tantas formas de provimento, entretanto não se sabeao certo que assistência à saúde é essa recebida pelo trabalhador e familiaresque se beneficiam dos serviços providos pela empresa empregadora.DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 315


Sistema Único de Informação em Saúde?Integração dos dados daAssistência Suplementar à Saúdeaos Sistemas de Informações do SUSSebastião Loureiro 1RESUMOO presente trabalho refere-se às diversas estratégias e orientações que devem serconsideradas no processo de integração de Sistemas de Informações em Saúde, com enfoqueespecífico na integração de informações geradas no Sistema da Assistência Médica Suplementar,ou seja, no setor privado de Planos, Seguros, Cooperativas e Medicina de Grupo e os Sistemasde Informação do Setor Público de saúde. O trabalho apresenta o arcabouço legal que conferecompetência à <strong>ANS</strong> para buscar formas de trazer, para o âmbito público, informações relevantessobre uma significativa parcela da população brasileira, as justificativas para iniciar este processoe as estratégias para viabilizá-lo. Discutem-se também as características dos Sistemas deInformação do SUS e a necessidade de maior integração entre informações assistenciais e davigilância epidemiológica. A ênfase especial do trabalho refere-se a questões estratégicas para aintegração, sinalizando que as questões de natureza política e de cultura institucional são maisrelevantes que as questões técnicas, daí a necessidade de se buscar uma estratégia gradual eincremental na busca de consensos. São propostas algumas linhas de ação para a definição e oalcance de metas operacionais.|1| Prof. Dr. em Epidemiologia do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia.


318 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3INTRODUÇÃOA construção de um Sistema Nacional de Informações em Saúde constitui-se em um processomuito mais político, social e econômico do que técnico. É neste contexto que se deve buscaros elementos explicativos do seu desenvolvimento e implantação e as possibilidades de sua evoluçãoe conformação.A informação de um modo geral, e a informação em saúde em particular, têm se tornadoum dos aspectos mais sensitivos em quase todas as sociedades. A ampliação dos direitos sociaise o avanço da consciência e da prática democrática e sobretudo da cidadania, traz uma novadimensão para pensarmos em Sistemas de Informação em Saúde.O conceito de “Informação” em si tem sido objeto de discussão, análise e teorização nosentido da sua compreensão como fato econômico e social aliado ao desenvolvimentotecnológico no armazenamento, manipulação e transmissão de dados, voz e imagens,características da “Era da Informação”. É necessário, assim, entender o “culto à informação”como uma construção teórica e ideológica que tem uma base material em que a tecnologia eteorias fundamentadas em lógicas dos símbolos de base física ou matemática são os elementosque caracterizam a “Sociedade de Informação”.Esta “Sociedade” cria necessidades de e para a sua reprodução e reforça a ideologia da metamorfoseda informação em conhecimento. Daí a convocação para desconstruir o culto à informaçãodesafiando conceitos estabelecidos para um debate no plano das idéias (MORAES, 1994).A organização dos Sistemas Nacionais de Informação, iniciada na década de 70, correspondea um momento histórico da vida política brasileira, com a instauração de um governomilitar autoritário, centralizador e cerceador das liberdades individuais.Neste cenário, a informação para a saúde constitui-se um item a mais na ampla intervençãodo Estado no quotidiano da vida dos brasileiros.O grande desenvolvimento dos sistemas de informação no Brasil, segundo Almeida (2000),deve-se a quatro razões principais: “a) no início dos anos 60 a centralização da produção dasinformações foi tomada como estratégia nacional para a padronização e melhoria da qualidade das


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 319estatísticas disponíveis no país; b) a tecnologia de informática disponível no momento de criação dossistemas de informações baseava-se nos mainframes, fato que já colaborava para uma fortecentralização da produção de dados; c) existência de poucos recursos humanos disponíveis para a gestãoe produção das informações; d) por último, porém não menos importante, houve uma fortecentralização política nos ‘anos de chumbo’, época em que vários destes sistemas foram criados”.Entretanto deve-se observar que nos últimos anos a intervenção do Estado sobre odireito à privacidade dos cidadãos tem-se ampliado através de vários processos legislativosinfraconstitucionais, principalmente com a justificativa de regulação de atividades econômicas efinanceiras.Esta advertência inicial não significa desconhecer ou negar a importância da informaçãoem saúde como um elemento essencial de aperfeiçoamento da prática de Saúde Pública, e aexistência dos Sistemas de Informações em Saúde como insumo necessário ao planejamento,gestão e execução de ações visando a prevenção e controle de riscos, doenças e agravos. A informaçãoem saúde organizada em sistemas hierarquizados de fácil acesso tem sido essencial parao avanço do conhecimento científico e uma prática da saúde pública baseada em evidências.Existem fortes argumentos favoráveis à incorporação ou integração dos dadosprovenientes do “Sistema de Saúde Suplementar” ao Sistema de Informação do SUS. Entretanto,devemos considerar algumas diferenças e particularidades do setor privado da saúde que devemser levadas em consideração se quisermos obter êxito neste processo.Para os gestores dos sistemas públicos de saúde pode parecer óbvio a obtenção dosdados do sistema privado, objeto de uma transação comercial particular, individualizada entreo médico e seu cliente relacionado a questões de vida, justificada pela necessidade administrativaou de intervenção coletiva.A visão do Estado como controlador das atividades humanas, e no caso da saúde, isto é,assumido como um direito, talvez em função do financiamento do setor público, no sentido daproteção dos direitos coletivos sobre os individuais, pode não ser a justificativa mais adequadapara a intervenção no domínio das relações privadas. Principalmente quando um diagnósticoda situação existente identifica os seguintes problemas (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 1996):


320 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3a informação não é adequadamente utilizada como um requisito fundamental doprocesso de decisão-controle aplicada à gestão de políticas e ações de saúde;os múltiplos sistemas de informação existentes são desarticulados, insuficientes, imprecisose não contemplam a multicausalidade dos fatores que atuam no binômio saúdee doença;inexistem processos regulares de análise da situação de saúde e de suas tendências, deavaliação de serviços e de difusão da informação;o planejamento, a organização e a avaliação dos serviços não estão epidemiologicamentesustentados.Embora tenha havido progresso em relação a este diagnóstico, ainda assim é evidente anecessidade de transformar o caráter burocrático e administrativo das informações em saúde eaperfeiçoar a integração entre sistemas e o seu uso como ferramenta fundamental deplanejamento e gestão.A integração das informações originadas nos Sistemas de Assistência Suplementardeve ser uma oportunidade e um esforço para o aperfeiçoamento do Sistema de Informaçãodo SUS.A necessidade de se conhecer as informações sobre a saúde de um contingente deaproximadamente 17 milhões de usuários, inscritos em aproximadamente 200 operadorasque detêm cerca de 80% do mercado é mais do que evidente. As razões para o acesso a estasinformações são freqüentemente colocadas e consideram o tamanho, a distribuição e a complexidadeda situação de saúde da população de beneficiários e dos serviços de saúde e dasoperadoras. Revelam, assim, a importância e a pertinência da implementação de um sistemade informações em saúde que contenha os dados específicos sobre essa população e os padrõesde oferta e utilização de serviços de saúde. Além disso, a análise adequada e a disponibilidadeoportuna das informações subsidiarão os processos de acompanhamento e avaliação dascondições de saúde do conjunto de beneficiários, das ações e serviços que lhes são prestadose dos fatores de custo e desempenho das instituições envolvidas nesses processos.


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 321As informações epidemiológicas extraídas no âmbito da saúde suplementar são, paraa <strong>ANS</strong>, de fundamental importância na geração de indicadores que permitirão conhecer o perfilda situação de saúde dos beneficiários de planos privados de assistência à saúde, fornecendosubsídios para que o SUS conheça e promova melhorias no setor, inclusive no desenvolvimentoe fomento de políticas e estratégias voltadas às ações de proteção e promoção da saúdeda população.Este trabalho não procura trazer mais justificativas para a obtenção de informações do“Sistema de Assistência Médica Suplementar”, o seu objetivo é apontar questões pertinentes aeste sistema e as suas peculiaridades que deverão estar presentes ao se planejar as estratégiaspara integração das informações em um sistema único de informações em saúde.REGULAÇÃO DA ASSISTÊNCIA À SAÚDE SUPLEMENTARE SISTEMAS DE INFORMAÇÃOA Agência Nacional de Saúde Suplementar – <strong>ANS</strong>, como instância reguladora, criadapela MP1.908-20, desde o seu início vem sofrendo uma série de modificações no seu arcabouçolegal através de Medidas Provisórias e regulamentação pelo Conselho de Saúde Suplementar –CONSU. Estas modificações tentam aperfeiçoar a base legal e adaptá-la às novas realidadesconformadas pelo jogo de poder entre as diversas forças originadas do sistema de mercado e dopapel do Estado regulador.Entretanto, desde a sua redação original já constava entre as suas competências (itemXXXI, do artigo 4 o ) “requisitar o fornecimento de informações às operadoras de planos privadosde assistência à saúde, bem como das redes prestadoras de serviços a elas credenciadas”.Saliente-se que não está explicitado quais as informações que podem ser requisitadas.Entretanto outras resoluções são mais específicas no que se refere à natureza das informações.Os Quadros a seguir tornam mais explícita a qualificação das informações que devem serdisponibilizadas.


322 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3Quadro 1 – RESOLUÇÃO CONSU N o 7(4/11/1998)Objeto do doc.Dispõe sobreinformações aserem disponibilizadasao Ministérioda Saúde portodas as operadoras,inclusive asde autogestão,previstas naLei 9.656/98.DisposiçõesArt. 2 o - As informações que servirão de base para a regulamentação,acompanhamento, avaliação e controle das atividades de contrataçãoe prestação de serviços na área de saúde suplementar, deverãoincluir, além dos dados de natureza cadastral, citados no artigo 20, daLei 9.656/98, dados que permitam a identificação de:I - modelos de assistência;II - capacidade de atendimento da rede assistencial;III - forma de utilização de recursos de saúde;IV - instrumentos diretos e indiretos de regulação do uso;V - perfil epidemiológico da população atendida.Quadro 2 – REGIMENTO INTERNO DA <strong>ANS</strong>(2000/2001)Objeto do doc.Dispõe sobre asfunções ecompetênciasda <strong>ANS</strong>.DisposiçõesArt. 2 o - Compete à Agência Nacional de Saúde Suplementar:V - Estabelecer parâmetros e indicadores de qualidade e de coberturaem assistência à saúde para os serviços próprios e de terceirosoferecidos pelas operadoras.XV - Estabelecer critérios de aferição e controle da qualidade dosserviços oferecidos pelas operadoras de planos privados deassistência à saúde, sejam eles próprios referenciados, contratadosou conveniados.XX - Proceder à integração de informações com os bancos de dadosdo Sistema Único de Saúde.XXVIII - Fiscalizar os aspectos concernentes às coberturas e aosaspectos sanitários e epidemiológicos, relativos à prestação deserviços médicos e hospitalares no âmbito da saúde suplementar.Art. 15 - À Diretoria de Desenvolvimento Setorial (DIDES) compete:IV - Incentivar a melhoria da qualidade dos serviços de assistência àsaúde no âmbito da assistência à saúde suplementar.VI - Disseminar os modelos assistenciais bem sucedidos.VII - Promover o desenvolvimento de sistemas informatizados paraviabilizar, desenvolver e melhorar a gestão profissional dasoperadoras.VIII- Promover a capacitação das operadoras para as inovações emelhorias setoriais.Art. 16 - À Gerência-Geral de Integração com o SUS compete:I - Promover a integração de informações com os bancos de dados doSistema Único de Saúde.II - Definir em conjunto com as áreas específicas da Diretoria,sistema de informações sanitárias e epidemiológicas a seremprestadas pelas operadoras ao SUS, bem como para o ressarcimentoao SUS.III - Coordenar e promover o fornecimento de informações sobresaúde e doença das operadoras ao SUS.IV - Analisar e disponibilizar as informações sanitárias eepidemiológicas das operadoras ao SUS.IX- Emitir pareceres para subsidiar a regulamentação sobre critériose padrões de informações a serem prestadas ao SUS.


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 323Quadro 3 – CONTRATO DE GESTÃO DA <strong>ANS</strong>(D.O.U. N o 248 SEÇÃO 3, DE 27/12/2000)Objeto do doc.Dispõe sobre asatividades aseremdesenvolvidaspela <strong>ANS</strong>.DisposiçõesAnexo I - Diretriz Estratégica:2. Garantir o equilíbrio das informações a todos os participantes dosetor, ou seja, às operadoras, aos prestadores de serviço, aosagentes do Sistema Único de Saúde e, principalmente, aosconsumidores.Anexo II - Ações Prioritárias:9. Diagnóstico do setor - ações voltadas à ampliação doconhecimento do setor regulado, visando identificar as principaiscaracterísticas de funcionamento, de desempenho e de interrelacionamento,incluindo as operadoras, seus produtos, osprestadores de serviços, usuários e o SUS.10. Estruturação de sistemas de informação - ações voltadas àcaptação, sistematização, manutenção e depuração de dados dosconsumidores, das operadoras e dos planos privados de AssistênciaSuplementar à Saúde.Deste modo fica claro a competência da <strong>ANS</strong> para não só estruturar o sistema de informaçãocom os dados originados do Sistema de Assistência Médica Suplementar, aí incluídos dadosdos beneficiários, como integrar estas informações ao sistema SUS. Entretanto, a existência de umarcabouço legal é necessário, mas não suficiente para implementar inovações ou estruturar novosmodelos e processos que envolvem modificações na esfera simbólica e cultural da sociedade.Além do mais as normas regimentais e Resoluções podem ser questionadas juridicamentefrente a leis maiores que asseguram direitos constitucionais aos cidadãos. Neste particular deveser lembrado que a legislação brasileira reconhece o direito dos indivíduos às suas informaçõesmédicas, sendo a instituição onde a informação é gerada apenas responsável pela guarda destasinformações.Os argumentos aqui apresentados, sobre problemas e dificuldades para a incorporaçãodas informações do Sistema de Assistência Médica Suplementar não significam uma posiçãocontrária a esta proposta. A análise e explicitação dos pontos polêmicos desta proposição têm comoobjetivo estabelecer estratégias que visem contornar estas dificuldades e obter um consensomínimo entre os diversos atores envolvidos no processo de construção deste sistema, incluindoos beneficiários, provedores, operadoras, agência de regulação e Ministério da Saúde.


324 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3Cada um dos atores envolvidos na estruturação do sistema tem diferentes motivações paraaderir ou não a uma proposta de integração. Não será apenas com o discurso da modernidade ouda racionalidade técnica ou administrativa que dará o convencimento necessário a mudanças culturaisde um projeto coletivo consensuado. Como acentua Mota (1995), “há aqui e ali a idéia deque a informação em saúde e o processo de comunicação que a veicula e a faz circular, pertencem aomundo técnico, com participação que freqüentemente se restringe à difusão de seus produtos, retirandosedo momento da decisão tão logo tenha cumprido o suposto papel de informar ou expor uma certasituação. É muito mais que isso. Na verdade é essa informação que deve conformar a linguagem dosdiversos atores presentes à decisão, sendo, portanto o conteúdo da linguagem que comunica a todos, osobjetivos comuns, permitindo articular recursos e condições necessárias à efetividade da ação. A gerênciade conflitos e contradições próprias à expressão de vontades nesse processo político, requerque a informação seja veiculada com conteúdo crítico, e transformada pois em conhecimento”.Estas considerações levam a tentar explicitar, ainda de forma exemplificativa, os possíveisconflitos entre atores e quais os fatores que poderiam favorecer ou obstaculizar um processo deintegração de sistemas de informação.O espectro de tonalidades da cor cinza no diagrama a seguir pode representar o quantocríticas podem ser estas questões. Evidentemente, este exercício deve incluir outras questõesem distintos níveis, diferentes modalidades de prestação de serviços (ambulatorial/hospitalar),modelos de operadoras (seguro/cooperativa), além de questões legais e institucionais entrecompetências do Ministério da Saúde e da <strong>ANS</strong>.QuestõesAtoresOperadorasProvedoresBeneficiáriosAgênciareguladoraMinistérioda SaúdeConfidencialidadeCusto Estrutura Segurança


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 325SISTEMAS NACIONAIS DE INFORMAÇÃO EM SAÚDEÉ inegável o progresso obtido nos últimos anos na estruturação de sistemas de informaçãoem saúde. Banco de dados e aplicativos que permitem o acesso e utilização das informaçõesem saúde pelos gestores do sistema de saúde, pesquisadores e mesmo usuários dos serviçosde saúde. A quantidade de informação e a sua qualidade têm melhorado sensivelmente, além dotempo entre a coleta e a divulgação das informações. Entretanto, ainda há bastante espaço paraaperfeiçoamento dos sistemas, sendo talvez o maior problema a integração dentro do próprioSistema SUS.Os Sistemas de Informação no Brasil, obedecem a dispositivos legais que regulamentamo SUS. Fazem parte deste arcabouço legal a Lei 8.880, no seu Capítulo II, Artigo 7, inciso VII queversa sobre “a utilização da epidemiologia para o estabelecimento de prioridades, alocação derecursos e orientação programática”. No capítulo IV – Da Competência e das Atribuições, naSeção I, Artigo 15, inciso IV, da mesma Lei estabelece: “a organização e coordenação do sistemade informação em saúde”. Portanto cabe ao Ministério da Saúde a organização e a coordenaçãodos Sistemas Nacionais de Informações para a Saúde que deveriam estar sob um comandoúnico nos diferentes níveis de gestão do SUS. Esta orientação encontra-se ratificada na NormaOperacional Básica – NOB01/96.Carvalho (1997) faz uma revisão minuciosa dos grandes sistemas nacionais deinformação (Sistema de Informações sobre Mortalidade – SIM, Sistema de Informações sobreNascidos Vivos – SINASC, Sistema de Informações sobre Agravos de Notificação – SINAM,Sistema de Informações Ambulatoriais – SIA/SUS e o Sistema de Informações Hospitalares –SIH/SUS) na qual discute os pontos positivos e os problemas detectados em cada um dossistemas e conclui pela necessidade de compatibilização entre os diversos sistemas de informaçãodo SUS, inclusive outros sistemas desenvolvidos no Ministério da Saúde, de modo afacilitar o seu uso e permitir relacionar informações entre distintos bancos de dados.O processo de compatibilização e integração não é uma tarefa simples no próprioMinistério da Saúde, pois ao se conferir à informação o atributo do poder, deixá-la fora do


326 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3controle administrativo pode representar uma perda de poder institucional e político. Outroproblema que torna mais trabalhosa a integração dos Sistemas de Saúde é a diversidade de órgãosresponsáveis pela alimentação dos dados e a separação na estrutura do Ministério da Saúde entreos sistemas de informações proveniente de dados de ações assistenciais daqueles relacionados àvigilância epidemiológica. Este fato pode dar origem a redundância de informações com aumentode custos de captação, geração, manutenção, e armazenamento das informações.Mendes et al. (2000) demonstra os problemas de compatibilização e duplicidade ao comparardados do Sistema de Informações Hospitalares (SIH/SUS), portanto assistenciais e sob acoordenação da SAS/MS com os dados do Sistema de Agravos de Notificação (SINAN), referenteà Vigilância Epidemiológica, sistema este de responsabilidade da SVS/MS.Fica assim, evidente a necessidade de estudos para o desenvolvimento de uma estratégiainstitucional para maior integração dos sistemas existentes no Ministério da Saúde, ao mesmotempo em que se promovem os meios necessários para compatibilizar, incorporar ou integrardados do sistema da <strong>ANS</strong>. Mota e Carvalho (1999) ressaltam que “ao se planejar e implantarum sistema de informação, devem se estabelecer com clareza os elementos essenciais da infraestruturade informação, a saber: seus objetivos e propósitos para todos os níveis organizacionais,as necessidades de informação por serviços e por função em cada nível da organização, os requerimentosdo sistema quanto à estrutura gerencial e física para o desempenho eficaz das suas atribuiçõesespecíficas, os processos de monitoramento e avaliação da qualidade dos dados, as necessidadesde processamento e análise, os mecanismos de coleta e de difusão e os instrumentos para registrar,processar e comunicar dados e informações, e apoiar a sua plena utilização”.Esta agenda detalhada e que explicita quase todos os passos necessários ao desenvolvimentode um Sistema de Informações demonstra a complexidade da tarefa de se buscar integrar sistemasorganizados com distintas premissas, domiciliado em organização com diferentes culturasinstitucionais e com propósitos e objetivos que atendem a finalidades muitas vezes conflitantes.Entretanto estas dificuldades não devem se constituir em obstáculo para se procurar osmeios necessários para que se completem as informações sobre o perfil epidemiológico de umaexpressiva fração da população brasileira.


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 327SISTEMAS DE INFORMAÇÕES EPIDEMIOLÓGICAS DA <strong>ANS</strong>A <strong>ANS</strong> tem procurado desenvolver, através da Gerência de Informações Epidemiológicasda Diretoria de Desenvolvimento Setorial, um Sistema de Informações Epidemiológicas (SIEPI).Atualmente o mercado de saúde suplementar no Brasil abrange mais de 30 milhões de clientes dasoperadoras de planos de assistência à saúde. Sobre este número de beneficiários não se conhece oseu perfil de morbidade, padrão de utilização dos serviços privados de saúde, parâmetros quepossam definir qualidade da atenção à saúde, resolutividade das intervenções, além de outrosparâmetros gerenciais que permitiriam uma comparação dos mesmos serviços e procedimentosprestados por serviços privados contratados pelo SUS.Considera a <strong>ANS</strong> (2002) que “o tamanho, a distribuição e a complexidade da situação desaúde da população de beneficiários, e dos serviços de saúde das operadoras, revelam a importância ea pertinência da implementação de um sistema de informações em saúde que contenha os dadosespecíficos sobre essa população e os padrões de oferta e utilização de serviços de saúde. Além disso, aanálise adequada e a disponibilidade oportuna das informações em saúde subsidiarão os processos deacompanhamento e avaliação das condições de saúde do conjunto de beneficiários, das ações e serviçosque lhes são prestados e dos fatores de custo e desempenho das instituições envolvidas nesses processos”.Além do mais, a gerência responsável por informações epidemiológicas tem comodiretriz: “a) propiciar as iniciativas e atividades que visem assegurar o conhecimento da situaçãoepidemiológica da população beneficiária do setor de saúde suplementar através de indicadores eparâmetros apropriados; b) promover a integração do setor de saúde suplementar com o SUS atravésda disponibilidade de informações, estudos e análises de situação de saúde da populaçãobeneficiária”.O documento Sistema de Informações Epidemiológicas em Saúde Suplementar, <strong>ANS</strong>(2002) apresenta uma série de objetivos propostos para este sistema entre os quais destacamos:estabelecer diretrizes, objetivos e metas do Plano de Produção, Organização e Disseminaçãode Informações Epidemiológicas e de integração com informações do SUS;


328 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3definir fontes de dados, bancos de dados (armazém de dados) e processos informacionais(captação, fluxo, armazenamento, processamento) para a produção deinformações em saúde;formular e desenvolver sistema de informações de interesse da saúde da populaçãobeneficiária para captação de dados das operadoras;formular indicadores epidemiológicos de oferta, acesso e utilização de assistência à saúde;alimentar o Sistema de Informação em Saúde do Ministério da Saúde com os dadosde interesse em saúde da população beneficiária de planos de assistência das operadorasprivadas.Como podemos verificar, trata-se de uma proposta avançada em seus propósitos econcepção, incluindo uma série de dados técnicos que estabelecem a arquitetura do sistemaseguindo princípios e diretrizes estabelecidas para o Sistema Nacional de Informação em Saúde(SNIS) e estruturado conforme propriedades expressas nos modelos de captura de dados, deinformação, operacional e de comunicação. O modelo de captura de dados é um conjuntode definições que tratam da aquisição de dados básicos. Sua concepção estabelece as estratégiasde coleta, padrões de qualidade e de desempenho da captação de dados. O modelo de informaçãoperfaz o conjunto de propriedades que caracterizam o conteúdo das informações.Para tanto, estabelece categorias, define modos de integração, organização e estruturação,cria relacionamentos, interpreta, contextualiza e atribui significado às informações. O modelooperacional é um conjunto de definições da infra-estrutura dos demais modelos, e está baseadoem elementos de Tecnologia da Informação (TI). O desenvolvimento e a implantação domodelo operacional deve observar a flexibilidade e robustez necessária para solucionar questõesdo tipo: segurança; gerência; alta performance; escalabilidade; interatividade; distribuição e dealta confiabilidade. Um nível adequado de independência tecnológica será necessário para que omodelo apresentado esteja o menos sujeito possível às mudanças em TI que, quando acontecem,devem ser absorvidas fazendo com que ocorra evolução do sistema em consonância com osseus propósitos.


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 329O Sistema de Informações Epidemiológicas será desenvolvido em ciclos progressivos ecumulativos, de acordo com a infra-estrutura de informática e de sistemas hoje existentes na<strong>ANS</strong>, operando no conjunto de computadores, equipamentos servidores e estações nos níveis:rede, servidores e clientes. Compõem ainda o modelo operacional os softwares de apoio e odesenvolvimento de aplicativos. Os aplicativos computacionais definirão o ambiente adequadoao desenvolvimento de produtos (relatórios e objetos de comunicação e difusão dedados e informações), considerando-se os aspectos metodológicos, organizacionais e degestão. O modelo de comunicação é responsável pela disseminação adequada das informações,utilizando-se de meios que interagem com o processo de transmissão de conhecimentoaos atores do sistema (<strong>ANS</strong>, 2002).A proposta ainda define algumas funcionalidades que irão permitir maior interação comos usuários do sistema na produção de informações, além de módulos gerenciais e operacionaise aplicativos para controle de entrada e crítica de dados.Especificamente propõe uma série de objetivos para o Sistema dentre os quais destacamos:completar o perfil epidemiológico do complexo quadro sanitário brasileiro;tornar comparáveis e integrar os subsistemas público e privado do SUS;subsidiar o planejamento e programação das ações e serviços de saúde na perspectivade melhorar a qualidade da atenção à população beneficiária dos planos e seguros desaúde.ESTRATÉGIAS DE IMPLANTAÇÃO DO SISTEMADE INFORMAÇÕES EPIDEMIOLÓGICAS DA <strong>ANS</strong>Em relação às estratégias para implantação a ênfase é dada a questões técnicas envolvendoaspectos importantes, mas sempre focado no núcleo operacional do sistema.Não há uma estratégia elaborada para a questão central que é a captura de dados dasoperadoras. O desconhecimento das características institucionais deste importante ator quepretende guardar o seu grau de autonomia em relação ao poder do Estado pode inviabilizar a


330 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3estruturação do sistema pela falha no acesso às informações. Estas observações estãoexemplificadas no texto “Sistema de Informação Epidemiológica da <strong>ANS</strong>: Estratégias deImplantação”, reproduzidas abaixo:A geração de informações epidemiológicas no âmbito do SIEPI deve levar em conta osseguintes princípios:Modularidade – característica de implementação de partes do SIEPI em momentosdiferentes, conforme as prioridades da <strong>ANS</strong>. Estas partes podem ser diferentes entresi em função das unidades organizacionais que as utilizarem, e das funcionalidades aserem implantadas.Integração com outros sistemas – todo desenvolvimento implementado deverá teracesso às fontes mais primárias de informações e guardar compatibilidade com ossistemas de informação hoje existentes na <strong>ANS</strong>.Segurança e confiabilidade – em função da natureza confidencial, faz-se necessário aadoção das ferramentas de segurança e de disponibilização dos dados, tais como:sistema de backup e recuperação das informações, sistema de assinatura eletrônica(senha) para o acesso dos agentes envolvidos e firewall.Além disso, a implantação do SIEPI deve contemplar a observância de algumas diretrizes,como segue:Respeitar, no desenvolvimento e utilização do Sistema de Informações Epidemiológicas,os princípios constitucionais e infraconstitucionais do SUS, onde se insere osubsistema de saúde suplementar: universalidade, eqüidade, descentralização, integralidade,participação e controle social.Máxima utilização dos dados disponíveis nos sistemas de informação já existentes,ampliando a base de dados de interesse em saúde sobre a população beneficiária esobre os ser-viços ofertados e utilizados, assim como sobre as características daassistência à saúde prestada, para fins de avaliação da sua qualidade.Obtenção de informações tanto das operadoras, que têm obrigação legal de prestálasà <strong>ANS</strong>, quanto dos prestadores de serviços, que também têm obrigação de ali-


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 331mentar os sistemas de Vigilância Epidemiológica (SINASC, SINAN e SIM), quantodos beneficiários (por exemplo, através de inquéritos populacionais periódicos).Preferência por trabalhar com informações individualizadas por permitirem umamelhor caracterização dos serviços (acessibilidade, procedimentos etc.) e do perfil demorbi-mortalidade dos beneficiários, com possibilidades diversas de consolidação(agregação).Contemplar expectativas, necessidades e possibilidades das operadoras e prestadoresde serviços quanto ao sistema de informações epidemiológicas, de modo a garantira produção de indicadores relevantes considerando-se, entretanto, as limitações dasfontes.Garantir a disseminação das informações produzidas a todos os produtores (operadorase prestadores) e gestores do SUS nos três níveis de governo, além da própria<strong>ANS</strong> e a população em geral, utilizando todos os meios disponíveis e adequados àdisseminação, com níveis de acesso diferenciados de acordo com o público-alvo.Como já foi comentado anteriormente, apenas a questão legal, da obrigação deprestar informação por parte das operadoras e prestadoras de serviços (item c das diretrizes),não é condição suficiente para se obter os dados ou informações. Do mesmo modo, garantira disseminação das informações produzidas a todos os produtores pode não ser o melhoratrativo para um acordo consensuado, pois estas informações já estão disponíveis epossivelmente serão analisadas segundo interesses não necessariamente coincidentes, nasgrandes operadoras.Também não há referências a estratégias de integração destas informações com osSistemas SUS. Haverá interoperabilidade entre os sistemas? A <strong>ANS</strong> será responsável apenas pelacaptura da informação epidemiológica transmitindo-as ao Sistema SUS para as outras fases doCiclo da Informação? Quais os interesses específicos de cada um dos atores em relação apartilhar ou disponibilizar dados e informações para os demais? Quais as compensaçõespossíveis no sentido de harmonizar interesses? O número de interrogações pode aumentarbastante se passarmos a analisar as relações entre cada um dos atores no que diz respeito a


332 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3interesses e oposições. Os conflitos potencialmente mais intensos se darão provavelmente entreoperadoras e <strong>ANS</strong> e entre <strong>ANS</strong> e SUS. Caso a estratégia para captura dos dados aponte para osprovedores de serviços, este será um ponto de tensão com a <strong>ANS</strong>.De qualquer maneira deverá haver estratégias específicas que levem em consideração ospontos de atração e repulsão para uma solução de consenso onde os interesses em jogo possamser satisfeitos para o maior número possível de parceiros sem que outros se sintam frustradose perdedores ou vítimas de uma imposição autoritária.Os principais pontos de potencial conflito entre as Operadoras e <strong>ANS</strong> refere-se ao aumentode custos para as operadoras em razão da necessidade de investimentos na montagem deinfra-estrutura para estruturação, manutenção, compatibilização de arquivos e mudanças nospadrões de comunicação. Os custos com equipamentos e pessoal podem ser significativos.Evidentemente as operadoras já dispõem de parte destes recursos com fins administrativos efinanceiros, mas tenderão a usar estes argumentos em qualquer mesa de negociação no sentidode não aumentar os seus custos operacionais em função do preço regulado dos seus produtos.Outra área potencial de conflito é a responsabilidade das Operadoras na questão daconfidencialidade e segurança dos dados, desde quando estes dados desagregados podemteoricamente ser identificados e o acesso indevido pode favorecer posições negociais entreempresas concorrentes. Do ponto de vista técnico estes argumentos podem ser superados coma transparência entre os parceiros quanto à segurança do sistema em termos de permissão deacesso e proteção através de firewall. Os processos de codificação podem assegurar a não identificaçãonominal dos beneficiários, suprimindo-se a transferência de informações de outrosdados como endereço, número de identidade, CPF, que permitam caracterização ou classificaçãode grupo de indivíduos para uso posterior indevido.As possíveis dificuldades e conflitos de interesses entre <strong>ANS</strong> e os prestadores de serviçosreferem-se em primeiro lugar, às dificuldades operacionais da coleta das informações de umgrande número de prestadores de serviços médicos com diferentes níveis de incorporaçãotecnológica e recursos humanos qualificados para o desempenho das atividades requeridas pelosprocessos informacionais. Outros pontos que necessitam de discussão e entendimento referem-


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 333se aos custos de transação dos processos informacionais, a questão da confidencialidade dasinformações e, provavelmente, a oposição à interferência de um ator externo na relação comercialentre vendedores e compradores de serviços. Simplesmente, a oposição a mais um mecanismode controle, que altere ainda mais as regras de mercado em favor das operadoras, uma vezconhecidos os detalhes da transação entre agentes econômicos.Existe ainda uma possível oposição dos beneficiários dos planos e seguros a tornardisponível para a <strong>ANS</strong> informações confidenciais e privadas da sua condição de saúde ou da deseus familiares. Pode não haver confiança na capacidade de proteção da Agência aos dadospessoais de morbidade ou mesmo que estes dados possam permitir novos cálculos de valor doprêmio dos seguros ou da mensalidade dos planos. O fato de haver sempre compra de serviço(relação beneficiário X prestador), intermediado por uma operadora que aceita o risco de umpossível sinistro, estabelece um ambiente onde a informação é essencial para diminuir incertezase permitir vantagens competitivas a uma das partes.Deve-se observar no entanto que, embora esta oposição seja uma possibilidade, nascondições atuais, quando inexiste uma maior organização dos beneficiários e consciência dodireito à privacidade e a propriedade dos dados pessoais relativos à sua condição de saúde,torna-se pouco provável que este conflito possa gerar tensão com força necessária para impedirque dados sob custódia de terceiros possam ser disponibilizados para a <strong>ANS</strong>. Mas esta realidadepode mudar caso se tornem mais eficazes os serviços de proteção ao consumidor, que se ampliea abrangência da proteção ao consumidor nas questões de saúde, passando a incluir o direito àprivacidade dos dados ou que a relação “agente-principal” que caracteriza a relação médicopaciente pode, em nome da ética, tomar, aquele, decisões em benefício à privacidade deste.Dados sobre reclamações ao PROCON-SP, sobre questões relativas a planos de saúdecontra operadoras, em 1999, em uma lista de sete itens não inclui referência a questões de sigilo,privacidade, segurança de dados ou acesso a informação confidencial. (GIOVANELLA et al., 2002).O mesmo quadro está presente nos dados do PROCON do Paraná.A análise destas relações deve ser mais aprofundada incluindo os possíveis conflitos como Sistema SUS devido a decisões sobre a gestão deste sistema, ou sobre decisões operacionais de


334 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3acesso etc. O foco do problema inicial no entanto, deve ser obter um consenso entre os atores doSistema da Assistência Médica Suplementar para acesso aos dados, pois não adianta discutir aintegração com os sistemas de informação do SUS se não há dados para integrar.Observe que o sistema atual de Informações Epidemiológicas já é um passo importantepara a integração dos dois sistemas, SUS/<strong>ANS</strong> pois os dados originais referentes à morbidadesão obtidos do SIH/SUS identificados no cadastro de beneficiários de Planos e Segurosde Saúde que tiveram algum evento mórbido que ocasionou uma internação hospitalarem um dado período. Isto representa apenas uma fração de todos os atendimentos doSIH/SUS e refere-se a uma subpopulação que tem, teoricamente, as mesmas característicasdo usuário dos serviços do SUS. Esta estratégia bastante engenhosa, deixa de fora os beneficiáriosde planos de saúde, com exceção daqueles que foram atendidos em estabelecimentospróprios ou contratados pelo SUS, para realizar o ressarcimento ao SUS do custo dosserviços prestados.CONCLUSÕESÉ importante, desejável e necessário que informações sobre a saúde de uma significativaparcela da população brasileira estejam disponíveis a gestores, pesquisadores e estudiososdas questões relacionadas com condições de vida e saúde. Ainda mais, é necessário queestas informações estejam integradas ao Sistema Público de Saúde sob a coordenação das instânciasinstitucionais responsáveis por organizar e manter tais sistemas.Este propósito, para se concretizar, necessita de uma série de iniciativas e aformulação de objetivos e estratégias que permitam um processo incremental e de construçãode consensos provisórios, no sentido de se conseguir ultrapassar barreiras técnicase políticas que dificultam um processo de integração em um só lócus institucional dos dadosdos sistemas de saúde que, historicamente, se organizaram no Brasil de maneirafragmentada e que convivem com as suas contradições e diferentes perspectivas históricas,modelos de financiamento e culturas institucionais.


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 335De qualquer forma, para se alcançar estes objetivos consideram-se algumas linhas deação que orientem os processos de integração de sistemas de informação em saúde. Entre essas,citam-se a adoção de padrões comuns de informação e comunicação, a capacitação de pessoal,o incentivo aos meios e mecanismos para socializar informações, a criação de instânciascolegiadas de gestão do processo de integração, a clara definição de competências e atribuiçõesdos diversos atores institucionais envolvidos e, por fim, a criação de um ambiente deentendimento e consenso para viabilizar um projeto de difícil execução, mas que vale a penatentar, tendo em mente os benefícios que o conhecimento derivado da análise das informaçõessobre a população beneficiária de planos privados de assistência à saúde pode trazer para oplanejamento e gestão, com reflexo positivo na saúde da população brasileira como um todo.REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICASAGÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE SUPLEMENTAR, sistema de Informações epidemiológicas emSaúde Suplementar V.1 mimeo. DIDES, dez. 60 p. 2002.ALMEIDA, M. F., ALENCAR, G. P., Informações em Saúde: necessidade de introdução de mecanismosde gerenciamento dos sistemas. Informe Epidemiológico do SUS, v. 9, n. 4, p. 241-249. 2000.CARVALHO, D. M. Grandes sistemas nacionais de informação em saúde: revisão e discussão da situaçãoatual. Informe Epidemiológico do SUS, v.9, n.4, p.7-45. 1997.GIOVANELLA,L., RIBEIRO, J.M., COSTA, N.R. Defesa dos consumidores e regulação dos planos desaúde. In: ____ Regulação & Saúde:Estrutura, Evolução e perspectivas da AssistênciaMédica Suplementar. Ministério da Saúde, Agência Nacional de Saúde Suplementar -<strong>ANS</strong>, sérieC n.76, p 161-193. 2002.MENDES, A. C. G., SILVA JUNIOR, J. B., MEDEIROS, K. R. et al. Avaliação do Sistema de InformaçõesHospitalares – SIH-SUS como fonte complementar na vigilância e monitoramento de doenças denotificação compulsória. Informe Epidemiológico do SUS, v.9, n.2, p.67-86. 2000.MESQUITA, M.A.F. A Regulação da Assistência Suplementar à Saúde: Legislação e Contexto Institucional.In: ____ Regulação & Saúde:Estrutura, Evolução e Perspectivas da Assistência MédicaSuplementar. Ministério da Saúde, Agência Nacional de Saúde Suplementar-<strong>ANS</strong>, série C n.76,p.69 –135. 2002.MINISTÉRIO DA SAÚDE. Rede Integrada de Informações para a Saúde no Brasil – RIPSA: concepçãoe estruturação. Brasília: OPAS; 1996


336 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3MORAES, I. H. S. Considerações conceituais. In: ____. Informações em saúde: da prática fragmentadaao exercício da cidadania. São Paulo: Hucitec, 1994. p.19-38.MORAES, I. H. S. Informações em saúde: uma contribuição para a construção de uma consciênciasanitária, em uma abordagem interdisciplinar. In: ____. Informações em saúde: da práticafragmentada ao exercício da cidadania. São Paulo: Hucitec, 1994. p.151-8.MOTA, E. Novos passos para a informação e comunicação social em saúde: algumas reflexões sobre opapel da informação e da comunicação social em saúde no processo decisório. In: OPAS. Informaçãoe comunicação social em saúde. Brasília: OPAS/OMS, 1995. p.59-60. (Série Desenvolvimentode Serviços de Saúde, 15).MOTA, E.; CARVALHO, D. Sistemas de informação em saúde. In: ROUQUAYROL, M. Z., ALMEIDAFILHO, N. Epidemiologia e saúde. 5.ed. Rio de Janeiro: MEDSI, 1999. p.505-21.


Sigilo dasInformaçõesSergio Miranda Freire 1RESUMOA moderna sociedade da informação utiliza um conjunto muito amplo de informaçõesde indivíduos e instituições para propiciar atendimento à saúde de pacientes, planejar a alocaçãode recursos, regular as ações de operadoras de planos de saúde, planejar a gestão de serviços desaúde etc. Estas informações são obtidas a partir de formulários em papel, bancos de dadosisolados e por meio de vínculos entre bancos de dados pertencentes a instituições diferentes. Poroutro lado, esta ampla disponibilidade de dados propicia o risco de acesso e uso indevido e dequebra de privacidade de indivíduos e instituições. Este trabalho realiza uma revisão parcial dalegislação nacional e internacional sobre o tema de sigilo das informações na área de saúde. Alegislação brasileira tem refletido, especialmente nos últimos anos, uma preocupação com estaquestão, o que tem propiciado a publicação de diversos decretos e resoluções, e a criação de umgrupo de trabalho para tratar da certificação de sistemas de prontuário eletrônico. Por outrolado, é necessário o estabelecimento de uma legislação que consolide as diversas normas publicadasem uma legislação específica para a área da saúde e que leve em conta outros aspectosaté então não contemplados ou não claramente definidos. O trabalho apresenta recomendaçõespara o estabelecimento dessa legislação.|1| Professor Adjunto da Disciplina de Informática Médica, da Universidade do Estado do Rio deJaneiro.


338 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 31. INTRODUÇÃOO sistema de saúde do Brasil envolve uma rede de instituições públicas e privadas e deprofissionais: Ministério da Saúde, Secretarias Estaduais e Municipais, postos de saúde, hospitais,clínicas, laboratórios, operadoras de planos de saúde, agências reguladoras, associaçõesprofissionais, sociedades científicas, instituições acadêmicas, consultórios médicos etc. O serhumano é o foco principal dessa rede, como paciente e como objeto de ação de promoção dasaúde e prevenção de doenças. No papel de paciente, cada episódio de contato com algum nóda rede de saúde gera dados que são registrados de alguma forma: prontuário mantido porinstituições ou profissionais de saúde, cadastros e histórico de exames e seus resultados emlaboratórios etc. Estes registros são fundamentais para o acompanhamento da assistênciaprestada a pacientes e exercem outras funções que serão consideradas mais adiante.No âmbito de cada instituição de saúde, diversos registros são necessários para gerir asdiversas atividades que garantem a assistência à saúde e permitem novos investimentos:orçamento e contabilidade, faturamento, planejamento, avaliação do perfil epidemiológico,controle de infecção hospitalar, histórico e cadastro de equipamentos, gerência de recursoshumanos, patrimônio, serviço de documentação médica, registro de efeitos adversos demedicamentos e tratamentos, autorização de procedimentos etc. Uma operadora de planosde saúde, além das atividades típicas de uma empresa moderna, também mantém cadastrosde seus beneficiários e das instituições prestadoras de assistência, além de registros de todosos desembolsos e receitas obtidas.Os gestores da saúde pública, principalmente os órgãos públicos do Sistema Único deSaúde, garantem a oferta de serviços de saúde nas unidades públicas por meio de orçamento, ouressarcimento através de AIHs (Autorização de Internação Hospitalar), APACs (Autorização deProcedimentos de Alta Complexidade), e BPAs (Boletim de Produção Ambulatorial). Essesdados são enviados mensalmente pelas unidades de saúde aos respectivos gestores, constituindo-sede dados de pacientes individuais (APACs e AIHs) e informações agregadas (BPAs).Por outro lado, dados de alta qualidade são necessários para que cuidados clínicos mais efetivospossam ser proporcionados; a qualidade e custo-efetividade de serviços de saúde possam ser


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 339avaliadas; fraudes e abusos no sistema de saúde possam ser monitorizados; os serviços de saúdeproporcionados para populações carentes e os padrões de morbidade e mortalidade entreaquelas populações possam ser acompanhados e avaliados, e outros.O avanço sobre o conhecimento das causas, prognóstico, prevenção e tratamento dedoenças requer a realização de pesquisas que se utilizam de dados de indivíduos ou dadosagregados, dependendo da natureza do estudo. Esses dados podem ser obtidos de bases secundárias,registros já existentes ou serem especialmente coletados para a realização do estudo.Finalmente, no âmbito da regulação das atividades das operadoras de planos deassistência suplementar à saúde, a Agência Nacional de Saúde Suplementar precisa lidar cominformações provenientes de diversas fontes: prestadores de assistência à saúde, operadoras deplanos de saúde, sistemas de informação do SUS, beneficiários de planos de saúde etc. Osconsumidores também necessitam de informações para tomar decisões referentes a planos eprestadores de atenção à saúde.Todos os exemplos apresentados acima ilustram, de maneira clara, o grande volume deinformações utilizadas em cada nó do sistema de saúde e o fluxo dessas informações entre osdiversos nós da rede. A atual infra-estrutura proporcionada pela tecnologia da informaçãooferece condições que facilitam uma eficiente coleta e uso dos dados. As facilidades dessa infraestruturapodem incluir: 1) registro eletrônico do paciente que contém registros longitudinaisdo nascimento à morte dos pacientes; 2) sistemas de informação que capacitam uma coleta, usoe reconfiguração mais sistemática e abrangente da informação em saúde; 3) cartão eletrônicoque habilita que os dados do paciente sejam registrados e acessados em um cartão emitido parao paciente; 4) identificadores únicos do paciente que estabelecem um vínculo com várias basesde dados na atenção à saúde e com bases não relacionadas à saúde (créditos, bancos, registrosmilitares). Registros únicos para instituições poderem exercer funções semelhantes; 5) redesinternas projetadas para compartilhar informações entre organizações afiliadas que proporcionamserviços médicos, serviços de reembolso, revisão de qualidade etc.; 6) redes públicas,como a Internet, que permitem a integração de informações sobre a atenção à saúde ede outros tipos em diversas instituições espalhadas geograficamente (GOSTIN, 1997).


340 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3A área de saúde tem sido caracterizada por um lento processo de incorporação dasmodernas tecnologias da informação. Entretanto, a complexidade das atividades da área desaúde e o reconhecimento dos ganhos de qualidade e controle obtidos com os sistemas deinformação têm levado à informatização, muitas vezes de forma mal planejada, das atividades.O aprofundamento da informatização e integração dos sistemas de informação no sistema desaúde do país tem o potencial de produzir um salto de qualidade no gerenciamento do sistemacomo um todo e na atenção à saúde da população.Um exemplo claro deste potencial é o prontuário eletrônico do paciente (PEP), o qualpode ser conceituado como o conjunto de informações sobre o estado e cuidados de saúde aolongo da vida de um paciente armazenadas eletronicamente e pode incluir, além das informaçõesresultantes da atenção ao paciente, outras funções não disponíveis no prontuário em papel:alertas e lembretes, módulo de crítica da prescrição médica, ligações com bases de conhecimentospara apoio à decisão, incorporação de protocolos clínicos, interfaces adaptadas pelo usuário,integração com os laboratórios e farmácias, módulo que permite a consulta on-line a basesde trabalhos científicos etc. (DICK et al., 1997; SHORTLIFFE, 1998). Além de seu uso intra-institucional,o PEP pode ser acessado fora dos limites institucionais, permitindo a integração dedados de pacientes dispersos geograficamente.A par de todos os benefícios citados acima, resultantes da transmissão e utilizaçãojudiciosas da informação, existem os riscos associados à perda de privacidade e confidencialidadee o uso indevido de informações. A coleta sistemática de um conjunto amplo de dados pessoaise de instituições apresenta um compromisso substancial em relação à perda da privacidadepessoal e o risco de informações de empresas serem observadas pelos concorrentes, por exemplo.Os registros de pacientes podem conter uma vasta quantidade de informações pessoais:1) informações demográficas como idade, sexo, raça, e ocupação; 2) informações financeiras,como renda e tipo de emprego; 3) informações sobre disfunções físicas e/ou cognitivas,necessidades médicas especiais; 4) informações médicas sobre diagnóstico, tratamento e históriada doença (incluindo doença mental, dependência de drogas ou álcool, AIDS e doençassexualmente transmissíveis); 5) informações genômicas e doenças relacionadas à genética;


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 3416) informações pessoais e sociais, tais como orientação sexual, status familiar, relacionamentossexuais, e, 7) informações sobre o fato de haver sido vítima ou causador de comportamentoviolento, tais como estupro, abuso de crianças, ou ferimento a bala. As informações disponíveissão freqüentemente suficientes para proporcionar um perfil detalhado da pessoa.Do lado das operadoras de planos de saúde, uma série de dados institucionais e dosbeneficiários tem de ser transmitida para agências reguladoras como parte do processo deregulação e por exigência de regulamentos. Em um regime de concorrência, esses dados nãodevem estar normalmente disponíveis a seus concorrentes.Dessa forma, um compromisso tem que ser atingido entre a necessidade assistencial,gerencial, social e científica que requer o acesso e a disponibilidade de informações nos locais emque elas serão utilizadas e a necessidade de se manter a privacidade e a confidencialidade dessasmesmas informações. Mesmo pouco tempo atrás, quando o nível de informatização era baixo,essa era uma questão que surgia sempre que a utilização de informações de indivíduos einstituições era necessária. Porém, a tecnologia atual desperta temores em um grau bem maiorpelo fato de que o vínculo entre diversas bases de dados pode ser estabelecido, a velocidade deacesso é muito rápida, as barreiras geográficas ou institucionais são mais virtuais do que físicas.Nesse ambiente, o potencial para a invasão da privacidade e uso inescrupuloso das informaçõesnão deve ser desprezado e medidas devem ser tomadas para disciplinar a disponibilidade e oacesso e garantir a segurança, privacidade e confidencialidade das informações.O objetivo deste trabalho é apresentar uma revisão da legislação sobre o sigilo dasinformações na área de saúde e realizar uma discussão sobre a mesma. Esse trabalho estáestruturado em seções, sendo que a seção 2 descreve uma revisão da legislação nacional einternacional a respeito do assunto. A seção 3 aborda alguns aspectos envolvendo a segurançade sistemas de informação. A seção 4 faz uma análise crítica, dentro do contexto brasileiro, doque foi apresentado nas seções anteriores e a última seção sugere algumas recomendações parao encaminhamento futuro dessa questão. O Apêndice apresenta um conjunto de termos técnicospara facilitar a compreensão do texto que se segue.


342 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 32. LEGISLAÇÃOEsta seção está dividida em duas partes: a primeira, englobando parcialmente a legislaçãonacional, e a segunda parte, a legislação internacional. A legislação nacional consultada foiobtida por meio de entrevistas com advogados funcionários da Agência Nacional de Saúde, ebusca na internet; por meio das páginas do Ministério da Saúde, Agência Nacional de SaúdeSuplementar, Conselho Federal de Medicina e da Casa Civil da Presidência da República. Alegislação internacional se baseou em um trabalho de revisão do Instituto de Pesquisa emSaúde do Canadá (CIHR, 2001).2.1. Legislação nacional2.1.1. Legislação FederalA constituição federal (BRASIL, 1988), em seu art. 5 o , assegura a todos os brasileiros ainviolabilidade do direito à segurança, abrangendo, entre outros, os seguintes itens:1) é inviolável o sigilo de dados;2) é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quandonecessário ao exercício profissional;3) são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas,assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;4) todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular,ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade,ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedadee do Estado;5) conceder-se-á “hábeas-data”:para assegurar o conhecimento de informações relativas à pessoa do impetrante,constantes de registros ou bancos de dados de entidades governamentais ou decaráter público;para a retificação de dados, quando não se prefira fazê-lo por processo sigiloso, judicialou administrativo.


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 343O artigo 21 estabelece que a vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimentodo interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar atocontrário a esta norma.No artigo 196, a constituição estabelece que “A saúde é direito de todos e dever do Estado,garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e deoutros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteçãoe recuperação”.Deste modo, fica consubstanciada na constituição os direitos individuais à privacidade,mas prevê situações onde o interesse público, na área de saúde, em função de políticas sociais eeconômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal eigualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação, ou por necessidade deexercício profissional, pode relativizar o sigilo absoluto de dados.O Código Civil (BRASIL, 2002a) mantém o espírito da constituição, em seus artigos20 e 21:Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutençãoda ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, aexposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seurequerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boafama ou a respeitabilidade, ou se destinarem a fins comerciais.Parágrafo único. Em se tratando de morto ou de ausente, são partes legítimas para requereressa proteção o cônjuge, os ascendentes ou os descendentes.Art. 21. A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento dointeressado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrárioa esta norma.O Código Penal (BRASIL, 1940), nos artigos 153 e 154, estabelece penas para a violação desigilo de documentos ou de informações contidas em sistemas de informação, e violação dosigilo profissional:


344 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3Art. 153 – Divulgar alguém, sem justa causa, conteúdo de documento particular ou decorrespondência confidencial, de que é destinatário ou detentor, e cuja divulgação possaproduzir dano a outrem:Pena – detenção, de 1 (um) a 6 (seis) meses, ou multa.§ 1 o – Somente se procede mediante representação. (Parágrafo único renomeado pela Lei9.983, de 14.7.2000)§ 1 o – A. Divulgar, sem justa causa, informações sigilosas ou reservadas, assim definidas emlei, contidas ou não nos sistemas de informações ou banco de dados da AdministraçãoPública: (Parágrafo acrescentado pela Lei 9.983, de 14.7.2000)Pena – detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.§ 2 o – Quando resultar prejuízo para a Administração Pública, a ação penal seráincondicionada. (Parágrafo acrescentado pela Lei 9.983, de 14.7.2000)Art. 154 – Revelar alguém, sem justa causa, segredo de que tem ciência em razão de função,ministério, ofício ou profissão, e cuja revelação possa produzir dano a outrem:Pena – detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, ou multa.Parágrafo único – Somente se procede mediante representação.Os artigos 347, 363 e 406 do Código de Processo Civil (BRASIL, 1973) dizem respeito, entreoutros itens, ao depoimento e apresentação de documentos nas situações onde o depoenteapresenta o dever profissional de manter sigilo:Art. 347. A parte não é obrigada a depor de fatos:II – a cujo respeito, por estado ou profissão, deva guardar sigilo.Parágrafo único. Esta disposição não se aplica às ações de filiação, de desquite e de anulaçãode casamento.Art. 363. A parte e o terceiro se escusam de exibir, em juízo, o documento ou a coisa: (Redaçãodada pela Lei 5.925, de 1 o .10.1973)IV – se a exibição acarretar a divulgação de fatos, a cujo respeito, por estado ou profissão,devam guardar segredo; (Redação dada pela Lei 5.925, de 1 o .10.1973)


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 345Parágrafo único. Se os motivos de que tratam os ns. I a V disserem respeito só a uma parte doconteúdo do documento, da outra se extrairá uma suma para ser apresentada em juízo.(Redação dada pela Lei 5.925, de 1 o .10.1973)Art. 406. A testemunha não é obrigada a depor de fatos:II – a cujo respeito, por estado ou profissão, deva guardar sigilo.O Código de Proteção e Defesa do Consumidor (BRASIL, 1990), em seu artigo 6 o , garantecomo direitos básicos dos consumidores, entre outros, a educação e divulgação sobre o consumoadequado dos produtos e serviços, asseguradas a liberdade de escolha e a igualdade nascontratações; a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, comespecificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem comosobre os riscos que apresentem.No artigo 43, o código assegura ao consumidor o acesso às informações existentes emcadastros, fichas, registros e dados pessoais e de consumo arquivados sobre ele, bem como sobreas suas respectivas fontes. Esses cadastros não podem conter informações negativas referentesa período superior a cinco anos e o consumidor pode realizar correções em seus cadastros.Os bancos de dados e cadastros relativos aos consumidores são considerados entidades decaráter público.No artigo 44, o mesmo código estabelece que “Os órgãos públicos de defesa doconsumidor manterão cadastros atualizados de reclamações fundamentais contra fornecedoresde produtos e serviços, devendo divulgá-los pública e anualmente. A divulgação indicaráse a reclamação foi atendida ou não pelo fornecedor”, sendo facultado o acesso a essescadastros para consulta.O Código de Proteção e Defesa do Consumidor, portanto, dá o direito de acesso aospacientes aos seus dados nos prontuários e solicitação de correções dos dados que o mesmojulgar incorretas. O mesmo se aplica aos cadastros de beneficiários em operadoras de planos desaúde e outros.O Decreto 4.553 (BRASIL, 2002b), de 27 de dezembro de 2002, dispõe sobre a salvaguardade dados, informações, documentos e materiais sigilosos de interesse da segurança da sociedade


346 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3e do Estado, no âmbito da Administração Pública Federal. Este decreto considera sigilosos, eserão como tal classificados, dados ou informações cujo conhecimento irrestrito ou divulgaçãopossa acarretar qualquer risco à segurança da sociedade e do Estado, bem como aquelesnecessários ao resguardo da inviolabilidade da intimidade da vida privada, da honra e daimagem das pessoas. Este decreto explicita um importante princípio que determina que “o acessoa dados ou informações sigilosos é restrito e condicionado à necessidade de conhecer”. Estedecreto estabelece, entre outras, normas para a classificação de dados ou informações segundoo grau de sigilo, os procedimentos para a classificação de documentos, a marcação, a expedição,o registro, a tramitação, a guarda, a reprodução e o acesso a documentos sigilosos. Ele tambémestabelece as normas que os sistemas de informação que lidam com informações sigilosas devemobedecer.O decreto 4.553, apesar de se restringir ao âmbito da administração pública federal,estabelece uma série de normas que pode orientar procedimentos semelhantes em outras áreasda administração pública e privada.A Medida Provisória 2.200-2 (BRASIL, 2001), de 24 de agosto de 2001, institui a Infra-Estrutura de Chaves Públicas Brasileira – ICP-Brasil, para garantir a autenticidade, a integridadee a validade jurídica de documentos em meio eletrônico, das aplicações de suporte e dasaplicações habilitadas que utilizem certificados digitais, bem como a realização de transaçõeseletrônicas seguras. Esta medida considera documentos públicos ou particulares, para todos osfins legais, os documentos eletrônicos que ela trata. As declarações constantes dos documentosem forma eletrônica produzidos com a utilização de processo de certificação disponibilizadopela ICP-Brasil presumem-se verdadeiras em relação aos signatários, na forma do art. 131,da Lei 3.071, de 1 o de janeiro de 1916 – Código Civil. O disposto nesta Medida Provisória nãoobsta a utilização de outro meio de comprovação da autoria e integridade de documentos emforma eletrônica, inclusive os que utilizem certificados não emitidos pela ICP-Brasil, desdeque admitido pelas partes como válido ou aceito pela pessoa a quem for oposto o documento.


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 3472.1.2. Normas e Regulamentos daAgência Nacional de Saúde SuplementarA Agência Nacional de Saúde Suplementar – <strong>ANS</strong> foi criada em 2000, com a finalidadeinstitucional de promover a defesa do interesse público na assistência suplementar à saúde,regulando as operadoras setoriais, inclusive quanto às suas relações com prestadores e consumidores,contribuindo para o desenvolvimento das ações de saúde no País. A criação da <strong>ANS</strong> resultou de umlongo processo e de um conjunto de ações do Governo Federal no sentido de regular o campoda assistência suplementar à saúde (VIANA et al., 2001).A Lei 9.961, de 28 de janeiro de 2000 (BRASIL, 2000), cria a <strong>ANS</strong> e define a sua área decompetência. Para cumprir com seus objetivos, a <strong>ANS</strong> necessita de uma série de dados einformações das operadoras. Os incisos XVIII e XXXI, e o parágrafo 1 o do artigo 4 o da referidalei, dá poderes à <strong>ANS</strong> de solicitar essas informações, conforme apresentado abaixo:Art. 4 o – Compete à <strong>ANS</strong>:XVIII – expedir normas e padrões para o envio de informações de natureza econômicofinanceirapelas operadoras, com vistas à homologação de reajustes e revisões;XXXI – requisitar o fornecimento de informações às operadoras de planos privados deassistência à saúde, bem como da rede prestadora de serviços a elas credenciadas;§ 1 o – A recusa, a omissão, a falsidade ou o retardamento injustificado de informações oudocumentos solicitados pela <strong>ANS</strong> constitui infração punível com multa diária de R$ 5.000,00(cinco mil reais), podendo ser aumentada em até vinte vezes, se necessário, para garantir asua eficácia em razão da situação econômica da operadora ou prestadora de serviços.Consoante às suas atribuições, a <strong>ANS</strong> vem emitindo uma série de resoluções que visanormalizar e padronizar o envio de informações das operadoras de planos de assistência à saúde.Dependendo da resolução ou da natureza das informações, o envio das mesmas por partedas operadoras pode ser através de meio magnético, pela internet, ou em papel, em caso dedocumentos. A <strong>ANS</strong> oferece uma área segura na BBS do DATASUS para a transmissão das


348 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3informações. A resolução n o 3 (<strong>ANS</strong>, 2000a) aprova normas de fornecimento de informaçõespara cadastros de beneficiários, os quais devem ser transferidos exclusivamente por meiomagnético. Este é compactado e criptografado com senha e é transmitido para a BBS doDATASUS em área reservada. A resolução n o 4 (<strong>ANS</strong>, 2000b) dispõe sobre alteração de rotinado registro provisório de produtos. A resolução n o 5 (<strong>ANS</strong>, 2000c) aprova normas sobre osprocedimentos administrativos para requerimento de concessão de registro provisório dasoperadoras de Planos Privados de Assistência à Saúde. A resolução n o 22 (<strong>ANS</strong>, 2000d) criainstrumento para acompanhamento econômico-financeiro das Operadoras. A resolução n o 23(<strong>ANS</strong>, 2000e) altera a Resolução RDC n o 10, de 3 de março de 2000, institui ficha de compensação,e estabelece padronização para o envio das informações mencionadas na resolução.A resolução n o 24 (<strong>ANS</strong>, 2000f) dispõe sobre a aplicação de penalidades às operadoras deplanos privados de assistência à saúde. As resoluções n o 29 (<strong>ANS</strong>, 2000g) e n o 66 (<strong>ANS</strong>, 2001b)estabelecem normas para reajuste das contraprestações pecuniárias dos planos e produtosprivados de assistência suplementar à saúde. A resolução n o 64 (<strong>ANS</strong>, 2001a) dispõe sobre adesignação de médico responsável pelo fluxo de informações relativas à assistência médicaprestada aos consumidores de planos privados de assistência à saúde.Acompanhando a tendência na utilização de sistemas de informação, a <strong>ANS</strong> emitiua resolução n o 85 (<strong>ANS</strong>, 2001c), que institui o Sistema de Informações de Produtos – SIP parao acompanhamento da assistência prestada aos beneficiários de planos privados de assistênciaà saúde.Finalmente a resolução normativa n o 21 (<strong>ANS</strong>, 2002) dispõe sobre o sigilo das informaçõesdos pacientes por parte das operadoras de planos privados de assistência à saúde:Art. 1 o – As operadoras de planos privados de assistência à saúde deverão manter protegidasas informações assistenciais fornecidas pelos seus consumidores ou por sua rede deprestadores, observado o disposto na Resolução – RDC 64, de 10 de abril de 2001, quandoacompanhadas de dados que possibilitem a sua individualização, não podendo as mesmasserem divulgadas ou fornecidas a terceiros, salvo em casos expressamente previstosna legislação:


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 349Art. 2 o – O art. 5 o da Resolução – RDC 24, de 13 de junho de 2000, passa a vigorar acrescidodos seguintes dispositivos:“XIV – divulgar ou fornecer a terceiros não envolvidos na prestação de serviços assistenciaisinformação sobre as condições de saúde dos consumidores, contendo dados de identificação,sem a anuência expressa dos mesmos, salvo em casos autorizados pela legislação”; e“XV – divulgar ou fornecer a terceiros não envolvidos na prestação de serviços assistenciaisas informações contidas na declaração de saúde preenchida pelo consumidor por ocasião dacontratação de plano de assistência à saúde.”O conjunto de resoluções da <strong>ANS</strong> demonstra um esforço no sentido de padronizar osprocedimentos e informações necessários ao processo de regulação e assegurar o sigilo dasinformações de pacientes.2.1.3. Resoluções do Conselho Federal de MedicinaO Conselho Federal de Medicina tem adotado diversas resoluções, que regulamentam,entre outras questões, o relacionamento médico-paciente, o relacionamento dos médicos comoperadoras de planos de saúde, participação de pacientes em pesquisas, divulgação de estudoscientíficos e o prontuário médico do paciente. Estas resoluções complementam as legislaçõesanteriores, principalmente em relação ao sigilo médico e avançam no reconhecimento e disciplinada utilização da tecnologia da informação na área de saúde, particularmente o prontuárioeletrônico e a telemedicina.O código de ética do Conselho Federal de Medicina (CFM, 1988), em diversos artigos,trata da questão do sigilo médico em relação aos dados de seus pacientes e à publicação detrabalhos científicos ou de outra natureza. Esses artigos estão transcritos abaixo, na íntegra:Art. 11 o – O médico deve manter sigilo quanto às informações confidenciais de que tiverconhecimento no desempenho de suas funções. O mesmo se aplica ao trabalho em empresas,exceto nos casos em que seu silêncio prejudique ou ponha em risco a saúde do trabalhadorou da comunidade.


350 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3É vedado ao médico:Art. 70 – Negar ao paciente acesso a seu prontuário médico, ficha clínica ou similar, bemcomo deixar de dar explicações necessárias à sua compreensão, salvo quando ocasionar riscospara o paciente ou para terceiros.Art. 102 – Revelar fato de que tenha conhecimento em virtude do exercício de sua profissão,salvo por justa causa, dever legal ou autorização expressa do paciente.Parágrafo único: Permanece essa proibição: a) Mesmo que o fato seja de conhecimentopúblico ou que o paciente tenha falecido. b) Quando do depoimento como testemunha. Nestahipótese, o médico comparecerá perante a autoridade e declarará seu impedimento.Art. 103 – Revelar segredo profissional referente a paciente menor de idade, inclusive a seuspais ou responsáveis legais, desde que o menor tenha capacidade de avaliar seu problema e deconduzir-se por seus próprios meios para solucioná-lo, salvo quando a não-revelação possaacarretar danos ao paciente.Art. 104 – Fazer referência a casos clínicos identificáveis, exibir pacientes ou seus retratosem anúncios profissionais ou na divulgação de assuntos médicos em programas de rádio,televisão ou cinema, e em artigos, entrevistas ou reportagens em jornais, revistas ou outraspublicações leigas.Art. 105 – Revelar informações confidenciais obtidas quando do exame médico detrabalhadores, inclusive por exigência dos dirigentes de empresas ou instituições, salvo se osilêncio puser em risco a saúde dos empregados ou da comunidade.Art. 106 – Prestar a empresas seguradoras qualquer informação sobre as circunstâncias damorte de paciente seu, além daquelas contidas no próprio atestado de óbito, salvo por expressaautorização do responsável legal ou sucessor.Art. 108 – Facilitar manuseio e conhecimento dos prontuários, papeletas e demais folhas deobservações médicas sujeitas ao segredo profissional, por pessoas não obrigadas ao mesmocompromisso.Art. 109 – Deixar de guardar o segredo profissional na cobrança de honorários por meiojudicial ou extrajudicial.


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 351A resolução 1.605/2000 (CFM, 2000) continua a garantir a privacidade do paciente,impedindo que o médico revele dados e informações do prontuário ou ficha do paciente semautorização do mesmo. Nos casos onde a comunicação de doença é compulsória, o dever domédico restringe-se exclusivamente a comunicar tal fato à autoridade competente, sendoproibida a remessa do prontuário médico do paciente.A resolução 1.642/2002 (CFM, 2002c) reforça a exigência do sigilo na relação entre osmédicos e operadoras de planos de saúde, já que no seu artigo 1 o estabelece que As empresas deseguro-saúde, de medicina de grupo, cooperativas de trabalho médico, empresas de autogestão ououtras que atuem sob a forma de prestação direta ou intermediação dos serviços médico-hospitalaresdevem respeitar o sigilo profissional, sendo vedado a essas empresas estabelecerem qualquer exigênciaque implique na revelação de diagnósticos e fatos de que o médico tenha conhecimento devido aoexercício profissional.A resolução 1.643/2002 (CFM, 2002d) disciplina a prestação de serviços de telemedicina.No artigo 2 o , esta resolução exige que Os serviços prestados através da Telemedicina deverão ter ainfra-estrutura tecnológica apropriada e obedecer às normas técnicas do CFM pertinentes à guarda,manuseio, transmissão de dados, confidencialidade, privacidade e garantia do sigilo profissional.A resolução 1.638/2002 (CFM, 2002a) define o prontuário médico do paciente comoinstrumento sigiloso, legal e científico, torna obrigatória a criação da comissão de revisão deprontuários em instituições que prestam assistência médica, define os itens que devem comporo prontuário, e assegura a responsabilidade do preenchimento, guarda e manuseio dosprontuários, que cabem ao médico assistente, à chefia da equipe, à chefia da clínica e à direçãotécnica da unidade.A resolução 1.639/2002 (CFM, 2002b) reconhece a validade técnica e jurídica doprontuário eletrônico, ao aprovar as “Normas Técnicas para o Uso de Sistemas Informatizadospara a Guarda e Manuseio do Prontuário Médico”, dispor sobre tempo de guarda dos prontuários,e estabelecer critérios para certificação dos sistemas de informação. O artigo 7 o destaresolução estabelece que “O Conselho Federal de Medicina e a Sociedade Brasileira de Informáticaem Saúde (SBIS), mediante convênio específico, expedirão, quando solicitados, a certificaçãodos sistemas para guarda e manuseio de prontuários eletrônicos que estejam de acordo com


352 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3as normas técnicas especificadas no anexo a esta resolução”. A SBIS (Sociedade Brasileira deInformática em Saúde) constituiu um grupo de trabalho para tratar desta questão e os trabalhosestão em andamento (SBIS, 2002).O artigo 123 do código de ética exige o consentimento informado do paciente paraparticipação em pesquisas:É vedado ao médico:Art. 123 – Realizar pesquisa em ser humano, sem que este tenha dado consentimento porescrito, após devidamente esclarecido sobre a natureza e conseqüências da pesquisa.Parágrafo único: Caso o paciente não tenha condições de dar seu livre consentimento, apesquisa somente poderá ser realizada, em seu próprio benefício, após expressa autorizaçãode seu responsável legal.As normas para realização de pesquisas clínicas são mais detalhadas na resolução 1.098(CFM, resolução 1.098), a qual adota o texto da declaração de Helsinque para a realização dessetipo de pesquisa.2.1.4. Outros TextosEm seu manual de padrões de acreditação hospitalar, o Consórcio Brasileiro deAcreditação (CBA, 2000) apresenta vários padrões a serem considerados durante o processo deacreditação hospitalar que se referem ao consentimento informado para participação empesquisas, à garantia do sigilo, da segurança e da integridade dos dados e das informações e desua transmissão para o ambiente externo. Esses padrões são apresentados abaixo (DE designaa função Direitos do Paciente e Familiares, Ética da Organização e Educação; GI designa a funçãoGerência da Informação):DE 2.4 – O hospital informa ao paciente sobre como participar de pesquisas clínicas.DE 2.4.1 – O paciente que escolhe participar de pesquisas clínicas é informado sobre osprocedimentos adotados pelo hospital para protegê-lo.DE 3 – O hospital adota políticas e procedimentos específicos para obter o consentimentoinformado do paciente.


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 353DE 3.3 – O paciente expressa seu consentimento informado com relação a sua participaçãoem pesquisa.GI 2 – O hospital garante o sigilo, a segurança e a integridade dos dados e das informações.GI 7.1.2 – O hospital garante a confidencialidade e a segurança dos dados sempre que utilizaou envia dados a banco de dados externos.O Ministério da Saúde tem emitido diversas portarias, disciplinando a transmissão deinformações das unidades prestadoras de saúde para os órgãos públicos de gestão, seja para ocaso de notificação compulsória de doenças, seja para fins de faturamento (SISAIH, SIASUS),seja padronizando informações, e constituindo bases de dados com estas informações. Nesseprocesso, dados provenientes do atendimento a pacientes, inclusive dados que permitem aidentificação do mesmo são transmitidos por meio magnético aos órgãos de gestão. Já as basessecundárias disponíveis no DATASUS garantem o anonimato dos pacientes.O Ministério da Saúde também tem se esforçado para construir as condições para aintegração de seus sistemas de informação. Por exemplo, a medida provisória 3.947/GM, de 25de novembro de 1998, estabelece atributos mínimos para a identificação do indivíduo assistido,do profissional, da instituição ou local de assistência, e do evento ou do atendimento realizado;estes atributos deveriam ser adotados, obrigatoriamente, por todos os sistemas e bases de dadosdo Ministério da Saúde, a partir de 1 o de janeiro de 1999. Outra iniciativa importante é o CartãoNacional de Saúde (MS, 1996). Um importante objetivo do projeto Cartão Nacional de Saúdeé promover a integração entre os sistemas de informação utilizados no âmbito do Sistema Únicode Saúde, sejam eles sistemas de base nacional ou sistemas de uso local. Para cada paciente, éatribuído um identificador único, o número do cartão nacional de saúde. Uma vez que o sistemapermite o armazenamento das informações de atendimento vinculadas aos usuários e o acompanhamentoda história clínica desse mesmo usuário ao longo dos anos, é possível estabelecerassociação e correlação entre diagnósticos, procedimentos, medicamentos prescritos, entreoutros, com impactos na elaboração de instrumentos de apoio à conduta dos profissionais desaúde. O sistema trabalha com padrões bem definidos, garantidos por tabelas corporativasresidentes, o que permite a comparação entre as diversas informações coletadas. Por exemplo,


354 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3para definir problemas de saúde é utilizada o CID 10 – Classificação Internacional de Doenças;para identificar os procedimentos executados ou solicitados são utilizadas as tabelas do Sistemade Informações Hospitalar e Ambulatorial (SIA-SUS e SIH-SUS), além de outras tabelaselaboradas especificamente para o Cartão Nacional de Saúde. Outra importante preocupaçãodo projeto refere-se aos aspectos de ética e privacidade. Nesse sentido, merecem destaque osseguintes princípios considerados pelo sistema, incorporados na tecnologia desenvolvida e napolítica de acesso às informações proposta pelo Ministério da Saúde:1. Os dados e informações registrados nos documentos e arquivos dos serviços de saúde,em qualquer meio, formato ou tecnologia, são propriedades da pessoa (paciente ou usuário) aquem se refere ou de quem descreve o estado de saúde e condição de vida.2. Devem ser garantidos a essa pessoa a privacidade, o sigilo profissional e o segredopessoal, em relação a seus dados e informações, por parte de todos os profissionais de saúdedireta e indiretamente envolvidos na atenção integral à sua saúde.3. São garantidas a confidencialidade, a integralidade e a segurança no registro, natransmissão, no armazenamento e na utilização dos dados e informações individuais existentesno serviço de saúde.A implantação do Cartão Nacional de Saúde está prevista desde a Norma OperacionalBásica do SUS, de 1996. No entanto, a complexidade e o ineditismo do projeto fizeram comque somente em 1999 ele fosse iniciado. O processo de implantação em curso, consideradoprojeto piloto, abrange 44 municípios brasileiros e atinge todas as regiões do País, alcançandocerca de 13 milhões de usuários do SUS.2.2. Legislação internacional e de outros paísesO objetivo desta seção não é o de realizar uma revisão ampla da legislação internacionalsobre o assunto em foco, mas apenas o de verificar as tendências que podem ser extraídas dessaslegislações. O texto que se segue foi baseado no trabalho do Canadian Institutes of HealthResearch (CIHR, 2001), que realizou uma revisão de normas para a proteção de informa-


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 355ções pessoais na pesquisa em saúde. As normas revisadas são normas e princípios emitidospor organismos internacionais (ONU, Conselho da Europa, Associação Médica Mundial,Organização para a Cooperação Econômica e Desenvolvimento, União Européia) e de algunspaíses: Austrália, Estados Unidos, França, Holanda e Reino Unido.Em parte, como resposta às atrocidades, excessos e abusos cometidos durante a SegundaGuerra Mundial, a comunidade internacional adotou a privacidade como um princípiofundamental da moderna legislação internacional sobre os direitos humanos.No julgamento por crimes contra a humanidade, em Nuremberg, a corte emitiu o queficou conhecido como Código de Nuremberg. Este código delineia princípios relativos aopropósito da pesquisa, os riscos e benefícios ao indivíduo, os deveres e qualificações dospesquisadores, mas o seu princípio fundamental é o que declara que o consentimento voluntáriodos participantes humanos é absolutamente essencial. O código não incluiu conceitos comoos de privacidade e confidencialidade.Após o julgamento de Nuremberg, alguns organismos e países adotaram um conjuntode declarações formais e instrumentos legais que tiveram como objetivo promover e preservara dignidade humana, exigindo o respeito à liberdade e autonomia humana, à privacidade e àconfidencialidade.Pelo menos três princípios da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948)delineiam elementos que seriam básicos para os princípios e leis de proteção dos dados queemergiram depois. O artigo 27 proclama que todos têm o direito de participar livremente no...desenvolvimento científico e seus benefícios. O artigo 12 identifica a privacidade como umdireito humano básico, declarando que ninguém deve ser sujeito a interferências arbitrárias nasua privacidade, de sua família, residência ou correspondência, nem a ataques à sua honra ereputação. Todos têm o direito de proteção das leis contra tais interferências ou ataques. Para assituações de potencial conflito entre interesses da sociedade e do indivíduo, o artigo 29proporciona um guia: No exercício de seus direitos e liberdades, todos devem ser sujeitos somentea limitações que sejam determinadas por lei, somente com o propósito de garantir o devidoreconhecimento e respeito pelos direitos de outros e para atender aos requisitos justos de moralidade,ordem pública e bem-estar geral em uma sociedade democrática.


356 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3Em 1950, o Conselho da Europa se apoiou na Declaração dos Direitos Humanos paradefinir a privacidade como um princípio fundamental na Convenção para a Proteção dosDireitos Humanos e Liberdades Fundamentais: Convenção Européia sobre os DireitosHumanos. Hoje, esta convenção está sendo aplicada em 40 países membros do Conselho daEuropa. O artigo 8 estabelece que, todos têm o direito ao respeito à sua vida privada e familiar...Não deverá haver nenhuma interferência de uma autoridade pública no exercício destedireito, exceto no que estiver de acordo com a lei e for necessário em uma sociedade democrática nointeresse na segurança nacional, segurança pública ou estabilidade econômica do país, para aprevenção da desordem ou crime, para a proteção da saúde ou moral, ou para a proteção dos direitose liberdades de outros. Apesar de manter a substância da declaração dos direitos humanos, aConvenção Européia sobre os Direitos Humanos explicitam que a violação da privacidadepode ser efetuada naqueles itens previstos em lei e para a proteção da saúde ou moral. Anecessidade de proteção à saúde seria adotada décadas depois na legislação e princípiosinternacionais de proteção de dados.Em 1966, a Assembléia Geral da ONU adotou e abriu para assinatura o PactoInternacional sobre os Direitos Civis e Políticos (PIDCP). No mesmo ano, a ONU tambémadotou o Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC).Estes pactos tiveram o objetivo de elaborar e proporcionar efeitos legais formaise a implementação dos princípios proclamados na Declaração Universal. Os pactos foramassinados e ratificados por mais de 140 nações e começou a ser aplicado em 1976.Pelo menos três artigos dos pactos dizem respeito à privacidade, consentimento, pesquisae saúde. O artigo 17, do PIDCP, segue os mesmos princípios do artigo 12 da DeclaraçãoUniversal. Porém, o PIDCP silencia em relação aos padrões que podem limitar o direito deprivacidade. O PIDCP fornece um efeito legal explícito ao código de Nuremberg. Em seu artigo7, ele declara que ninguém deve ser submetido, sem o seu consentimento livre, a experiênciasmédicas ou científicas. Os artigos 12 e 15 do PIDESC, respectivamente, incluem, na enumeraçãodos direitos sociais, o direito de todos usufruírem os benefícios do progresso científico esuas aplicações. O artigo 15 destaca que as nações que assinam o PIDESC devem respeitar aliberdade indispensável à pesquisa científica.


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 357A Associação Médica Mundial (AMM), fundada em 1947, tem emitido uma série deresoluções e declarações. Em 1948, a AMM adotou a Declaração de Genebra, que é um juramentodo médico que foi posteriormente adotado no Código Internacional de Ética da AMM. Essadeclaração lista diversas responsabilidades, incluindo o dever do respeito aos segredos que sãoconfiados a mim, mesmo após a morte do paciente. Em 1964, a AMM adotou uma declaraçãodetalhada de princípios éticos para a pesquisa médica que ficou conhecida comoDeclaração de Helsinque. Esta declaração sofreu revisões em 1975 e 2000. Nesta declaração,a privacidade e consentimento informado são considerados centrais para a preservação da integridadee dignidade de indivíduos humanos. Ao considerar os benefícios e ônus devido aouso de computadores na medicina, a AMM, em 1973, adotou resoluções que reafirmaram a importânciavital da manutenção do segredo médico… para a proteção da privacidade de indivíduoscomo base para a relação de confiança entre o médico e o paciente. Hoje, na sua versão revisada,a Declaração sobre o Uso de Computadores na Medicina busca harmonizar o dever de respeitara confidencialidade, como proclamada na Declaração de Genebra, com a pesquisa médicaque pode ser facilitada com o processamento eletrônico dos dados. A declaração estabeleceque não é uma quebra de confidencialidade liberar ou transferir informações confidenciaissobre a atenção à saúde necessárias para o propósito de se conduzir pesquisa científica…desdeque as informações liberadas não identifiquem, direta ou indiretamente, qualquer paciente individualem qualquer relatório de tal publicação…A partir de 1980, leis e princípios internacionais para a proteção de dados se seguiram,muitos dos quais se baseiam nos princípios gerais apresentados acima. Os países tendem,então, a refinar e aplicar essas leis a áreas particulares, tais como as envolvendo as informaçõesde saúde de indivíduos. Entre este conjunto de leis, podem ser citadas:Guias para a Proteção da Privacidade e o Fluxo Internacional de Dados Pessoais(1980), da Organização para a Cooperação Econômica e Desenvolvimento;Convenção para a Proteção de Indivíduos em relação ao Processamento Automáticode Dados Pessoais (1981), Recomendação R 97(5) sobre a Proteção de Dados Médicos(1997), Convenção para a Proteção dos Direitos Humanos e Dignidade do


358 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3Ser Humano em relação à Aplicação da Biologia e Medicina (1997), todas as trêsadotadas pelo Conselho da Europa;Diretiva da União Européia 95/46/EC sobre a Proteção dos Indivíduos em relaçãoao Processamento de Dados Pessoais e o Livre Movimento de tais dados (1995),Temas Éticos da Atenção à Saúde na Sociedade da Informação (1999), A Carta daUnião Européia dos Direitos Fundamentais (2000), todas as três adotadas pelaUnião Européia;Guia para a Regulamentação dos Arquivos Computadorizados de Dados Pessoais(1990), Declaração sobre a Promoção dos Direitos do Paciente na Europa (1994),Declaração Universal sobre o Genoma Humano e Direitos Humanos (1997), todasas três adotadas pela ONU.Não é objetivo deste trabalho realizar uma análise comparada das resoluções acima. Elaslevantam, entretanto, uma série de questões que devem ser abordadas por uma lei de proteçãoà privacidade. Estas questões são apresentadas, de maneira sucinta, a seguir:1. Abrangência: as resoluções variam em sua abrangência. Elas podem aplicar a dadospúblicos, a dados privados, ou a ambos; a dados processados e armazenados automaticamente,a dados não automatizados, ou a ambos; a dados identificáveis ou não;2. Definições: há variações sobre a definição do que sejam dados pessoais, identificaçãode indivíduos e dados médicos, processamento, e processamento automático;3. Proteções especiais, dados sensíveis: as resoluções variam na especificação de dadosque deveriam ser submetidos a proteção especial, padrões de proteção que deverão ser aplicadosa subgrupos específicos de dados, e na necessidade de consentimento para utilização dos dadossensíveis.4. Consentimento (padrões para a coleta, utilização e liberação de dados): as resoluções,em geral, exigem o uso do consentimento para o uso, processamento e liberação de dadospersonalizados, exceto em casos excepcionais previstos em lei. Os detalhes de como oconsentimento é estabelecido e como o paciente deve ser informado variam de uma resoluçãopara outra.


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 3595. Exceções e pesquisas: exceções quanto ao dever da manutenção de sigilo podem serapresentadas em caráter geral, ou serem mais detalhadas. Em alguns casos, padrões sãoestabelecidos para a utilização de dados em pesquisas e para a utilização de dados que identificamo indivíduo. O mesmo se aplica à utilização de dados secundários.6. Retenção de dados e segurança: freqüentemente, as normas estabelecem padrõesmínimos que devem ser respeitados para a garantia de segurança contra destruição, perda,acesso não autorizado, alteração ou liberação dos dados. A duração para a retenção dos dados,em geral, depende dos objetivos para os quais eles foram coletados, mas não devem ser retidosalém do necessário.Diversos países estabeleceram normas próprias, aplicando e aprofundando as resoluçõesdiscutidas acima dentro do contexto socioeconômico, político e cultural de suas respectivassociedades. Em geral, elas abrangem os itens listados acima e estabelecem regulamentose restrições para a transferência de dados confidenciais para outros países.3. SEGURANÇA EM SISTEMAS DE INFORMAÇÃOChadwick et al. (2000) desenvolveram um sistema de informação sobre diabetes quefornece uma conexão segura pela internet que permite a médicos e enfermeiras especializadasacesso ao sistema. A Tabela 1 apresenta um resumo dos problemas de segurança e a soluçãopara o acesso ao sistema via internet.Os objetivos de segurança das informações na atenção à saúde são (BARROWS eCLAYTON, 1996):1. Garantir a privacidade de pacientes e a confidencialidade dos dados de cuidadosem saúde (evitar a revelação não autorizada de informações);2. Garantir a integridade dos dados (evitar a modificação não autorizada de informações);3. Garantir a disponibilidade dos dados para pessoas autorizadas (evitar a indisponibilidadenão intencional ou não autorizada de informações ou recursos);4. Não-repúdio (capacidade de um sistema de provar que um usuário executoudeterminada ação no sistema).


360 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3Tabela 1 – RESUMO DE PROBLEMAS DE SEGURANÇA E SUASSOLUÇÕES PARA O SISTEMA DE INFORMAÇÃO SOBREDIABETES (CHADWICK et al., 2000)ProblemaAutenticaçãodo usuárioDescriçãoComo o sistema sabe que uma identidaderemota de usuário é genuína?SoluçãoAutenticação forte dousuárioEstabelecimento dedireitos de acessoQue porções do banco de dados umusuário tem acesso?Controle de acessoao banco de dadosCaptura nãoautorizada dosdadosComo garantimos que ninguém possaobter uma cópia dos dados que estãosendo transferidos pela internet dosistema para um usuário remoto?Criptografia dasmensagensEntrada na rede dainstituiçãoComo protegemos a intranet da entradade tráfico indesejado, ao mesmotempo em que permi-timos a passagemde tráfico desejado?Firewall entre aintranet e a internetInterface fácilde usarComo desenvolvermos uma interfacesimples, mas fácil de usar, que amaioria dos usuários estará familiarizadoe necessi-tará de treinamentomínimo para usar e que seja de baixocusto?Navegadores da webFonte dedados corretaComo os usuários remotos sabem queeles acessaram o sistema correto enão um sítio mascarado como sefosse o sistema?Autenticação forte dosistemaEm conformidade com os objetivos delineados acima, a Tabela 1 apresenta uma partedos aspectos de segurança que estão presentes na utilização de sistemas de informação. Outrosaspectos dizem respeito à segurança física das instalações, proteção contra destruição, educaçãodos usuários, penalidades etc. O Columbia-Presbyterian Medical Center levantou 14 itensque devem compor uma política de segurança para sistemas de informação (BARROWS eCLAYTON, 1996):


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 3611. autenticação do usuário;2. segurança física do centro de processamento de dados, cópias de segurança erecuperação de desastres;3. controle de acesso aos recursos do sistema;4. propriedade dos dados, deveres e responsabilidades dos proprietários dos dados;5. políticas de proteção dos dados – proteções consistentes e aceitáveis a serem proporcionadaspor sistemas que cruzem fronteiras organizacionais e funcionais, antecipaçãode barreiras à sua implementação e medidas de punição em caso de abuso de privilégios deacesso ao sistema;6. implementação de segurança nos sistemas;7. segurança de cópias impressas de documentos eletrônicos;8. integridade do sistema;9. perfis de usuários – definição de tipos de usuários e papéis que servem para distinguiras necessidades funcionais e níveis de segurança;10. temas legais – relacionados ao uso e mau uso do sistema e que podem resultar emprocessos ou preocupações legais para a organização;11. identificação e resolução de problemas – auditoria, detecção e notificação de invasões,mecanismo de detecção e notificação para outros tipos de problemas de segurança;12. segurança da rede de dados;13. consentimento informado por parte dos pacientes para o uso de dados relativosaos mesmos;14. educação dos usuários.Existem boas orientações para se estabelecer uma política de segurança em ambientesde informática e desenvolvimento de software (ALBUQUERQUE e RIBEIRO, 2002; CARUSOe STEFFEN, 1999). Muitas dessas orientações se baseiam em normas internacionais (NormasISO – International Organization for Standardization) e nacionais (ABNT – AssociaçãoBrasileira de Normas Técnicas).


362 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3O estado da arte da tecnologia de computadores, telecomunicações e de software permitea construção de sistemas de informação que minimizem o risco de quebra de segurança e, se elasocorrerem, ser possível de serem detectadas e verificar os responsáveis pela quebra. Entretanto,a questão da privacidade e confidencialidade de dados não é uma questão puramente técnica,pois exige o estabelecimento de uma política que defina que dados devem ser protegidos,em que nível, quem poderá ter acesso aos mesmos, quais as operações que cada usuário poderealizar sobre os dados, para onde eles podem ser transferidos, por quanto tempo eles estarãodisponíveis e quem determina quem pode ter acesso aos dados. Em referência ao prontuárioeletrônico, princípios freqüentemente citados para a sua implementação são: o consentimentodo paciente para o acesso ao prontuário; liberdade do paciente de verificar a lista dos acessosao seu prontuário e que operações foram efetuadas; permissão para o paciente realizar correçõesem seus prontuários e a exigência do consentimento do paciente para que seus dados sejamutilizados com propósitos outros que não a atenção direta à sua saúde (BARROWS E CLAYTON,1996; RIND et al., 1997; DICK et al., 1997; DENLEY E SMITH, 1999; MANDL et al., 2001). Princípiossemelhantes, respeitando as devidas características particulares, podem ser aplicados adados e informações de instituições como, por exemplo, as operadoras de planos e prestadoresde assistência à saúde.A legislação nacional incorporou diversos elementos de uma política de segurança desistemas de informação. O capítulo V, do Decreto 4.553 (BRASIL, 2002b), apresenta, entre outras,as seguintes normas:Art. 42. Ressalvado o disposto no parágrafo único do art. 44, os programas, aplicativos,sistemas e equipamentos de criptografia para uso oficial no âmbito da União são consideradossigilosos e deverão, antecipadamente, ser submetidos à certificação de conformidadeda Secretaria Executiva do Conselho de Defesa Nacional.Art. 43. Entende-se como oficial o uso de código, cifra ou sistema de criptografia no âmbitode órgãos e entidades públicos e instituições de caráter público.Parágrafo único. É vedada a utilização para outro fim que não seja em razão do serviço.Art. 44. Aplicam-se aos programas: aplicativos, sistemas e equipamentos de criptografia,


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 363todas as medidas de segurança previstas neste Decreto para os documentos sigilososcontrolados e os seguintes procedimentos:I – realização de vistorias periódicas, com a finalidade de assegurar uma perfeita execuçãodas operações criptográficas;II – manutenção de inventários completos e atualizados do material de criptografia existente;III – designação de sistemas criptográficos adequados a cada destinatário;IV – comunicação, ao superior hierárquico ou à autoridade competente, de qualqueranormalidade relativa ao sigilo, à inviolabilidade, à integridade, à autenticidade, àlegitimidade e à disponibilidade de dados ou informações criptografados; eV – identificação de indícios de violação ou interceptação ou de irregularidades natransmissão ou recebimento de dados e informações criptografados.Parágrafo único. Os dados e informações sigilosos, constantes de documento produzido emmeio eletrônico, serão assinados e criptografados mediante o uso de certificados digitaisemitidos pela Infra-Estrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil).Art. 46. A destruição de dados sigilosos deve ser feita por método que sobrescreva asinformações armazenadas. Se não estiver ao alcance do órgão a destruição lógica, deverá serprovidenciada a destruição física por incineração dos dispositivos de armazenamento.Art. 47. Os equipamentos e sistemas utilizados para a produção de documentos com grau desigilo secreto, confidencial e reservado só poderão integrar redes de computadores quepossuam sistemas de criptografia e segurança adequados à proteção dos documentos.Art. 48. O armazenamento de documentos sigilosos, sempre que possível, deve ser feito emmídias removíveis que podem ser guardadas com maior facilidade.As normas técnicas para o uso de sistemas informatizados para a guarda e manuseiodo prontuário médico, constantes na Resolução 1.639/2002 do Conselho Federal de Medicina(CFM, 2002b), são mais detalhadas nos requisitos de segurança de sistemas de informação.Esses requisitos são apresentados abaixo:Integridade da Informação e Qualidade do Serviço – O sistema de informações deverámanter a integridade da informação através do controle de vulnerabilidades, de métodos


364 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3fortes de autenticação, do controle de acesso e métodos de processamento dos sistemasoperacionais conforme a norma ISO/IEC 15408, para segurança dos processos de sistema.Cópia de Segurança – Deverá ser feita cópia de segurança dos dados do prontuário pelomenos a cada 24 horas. Recomenda-se que o sistema de informação utilizado possua afuncionalidade de forçar a realização do processo de cópia de segurança diariamente. Oprocedimento de backup deve seguir as recomendações da norma ISO/IEC 17799, atravésda adoção dos seguintes controles:. Documentação do processo de backup/restore;. As cópias devem ser mantidas em local distante o suficiente para livrá-las de danos quepossam ocorrer nas instalações principais;. Mínimo de três cópias para aplicações críticas;. Proteções físicas adequadas de modo a impedir acesso não autorizado;. Possibilitar a realização de testes periódicos de restauração.Bancos de Dados – Os dados do prontuário deverão ser armazenados em sistema queassegure, pelo menos, as seguintes características:. Compartilhamento dos dados;. Independência entre dados e programas;. Mecanismos para garantir a integridade, controle de conformidade e validação dos dados;. Controle da estrutura física e lógica;. Linguagem para a definição e manipulação de dados (SQL – Standard Query Language);. Funções de auditoria e recuperação dos dados.Privacidade e Confidencialidade – Com o objetivo de garantir a privacidade, confidencialidadedos dados do paciente e o sigilo profissional, faz-se necessário que o sistema deinformações possua mecanismos de acesso restrito e limitado a cada perfil de usuário, deacordo com a sua função no processo assistencial:. Recomenda-se que o profissional entre pessoalmente com os dados assistenciais doprontuário no sistema de informação;. A delegação da tarefa de digitação dos dados assistenciais coletados a um profissionaladministrativo não exime o médico, fornecedor das informações, da sua responsabilidade,


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 365desde que o profissional administrativo esteja inserindo estes dados por intermédio de suasenha de acesso;. A senha de acesso será delegada e controlada pela senha do médico a quem o profissionaladministrativo está subordinado;. Deve constar da trilha de auditoria quem entrou com a informação;. Todos os funcionários de áreas administrativas e técnicas que, de alguma forma, tiveremacesso aos dados do prontuário deverão assinar um termo de confidencialidade e nãodivulgação,em conformidade com a norma ISO/IEC 17.799.Autenticação – O sistema de informação deverá ser capaz de identificar cada usuárioatravés de algum método de autenticação. Em se tratando de sistemas de uso local, no qualnão haverá transmissão da informação para outra instituição, é obrigatória a utilização desenhas. As senhas deverão ser de no mínimo 5 caracteres, compostos por letras e números.Trocas periódicas das senhas deverão ser exigidas pelo sistema no período máximo de 60(sessenta) dias. Em hipótese alguma o profissional poderá fornecer a sua senha a outrousuário, conforme preconiza a norma ISO/IEC 17.799. O sistema de informações devepossibilitar a criação de perfis de usuários que permita o controle de processos do sistema.Auditoria – O sistema de informações deverá possuir registro (log) de eventos, conformeprevê a norma ISO/IEC 17.799. Estes registros devem conter:. A identificação dos usuários do sistema;. Datas e horários de entrada (log-on) e saída (log-off) no sistema;. Identidade do terminal e, quando possível, a sua localização;. Registro das tentativas de acesso ao sistema, aceitas e rejeitadas;. Registro das tentativas de acesso a outros recursos e dados, aceitas e rejeitadas.. Registro das exceções e de outros eventos de segurança relevantes devem ser mantidos porum período de tempo não inferior a 10 (dez) anos, para auxiliar em investigações futuras ena monitoração do controle de acesso.Transmissão de Dados – Para a transmissão remota de dados identificados do prontuário,os sistemas deverão possuir um certificado digital de aplicação única emitido por uma AC


366 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3(Autoridade Certificadora) credenciada pelo ITI responsável pela AC Raiz da estrutura doICP-Brasil, a fim de garantir a identidade do sistema.Certificação do software – A verificação do atendimento destas normas poderá ser feitaatravés de processo de certificação do software junto ao CFM, conforme especificado a seguir.Digitalização de prontuários – Os arquivos digitais oriundos da digitalização do prontuáriomédico deverão ser controlados por módulo do sistema especializado que possua asseguintes características:. Mecanismo próprio de captura de imagem em preto e branco e colorida, independente doequipamento scanner;. Base de dados própria para o armazenamento dos arquivos digitalizados;. Método de indexação que permita criar um arquivamento organizado, possibilitando apesquisa futura de maneira simples e eficiente;. Mecanismo de pesquisa utilizando informações sobre os documentos, incluindo os camposde indexação e o texto contido nos documentos digitalizados, para encontrar imagensarmazenadas na base de dados;. Mecanismos de controle de acesso que garantam o acesso a documentos digitalizadossomente por pessoas autorizadas.Um grupo de trabalho da Sociedade Brasileira de Informática em Saúde (SBIS, 2003) foicriado para definir a metodologia de certificação e detalhar os requisitos que serão analisadosnos sistemas informatizados de gerenciamento do prontuário médico. Diversos subgruposestão analisando aspectos específicos do processo:Subgrupo 1: Processo de certificação, com a missão de detalhar o processo decertificação a ser implantado pela SBIS;Subgrupo 2: Segurança, com a missão de detalhar os requisitos de segurança parafins de certificação;Subgrupo 3: Conteúdo e Funcionalidades, com a missão de detalhar os requisitos deconteúdo e funcionalidades que deverão estar presentes nos sistemas informatizadosde prontuário eletrônico.


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 367Essa iniciativa deve servir de inspiração para estender este processo de certificação aossistemas de informação em saúde em geral.4. DISCUSSÃOEste estudo não se propôs a uma análise exaustiva de toda a legislação brasileira einternacional sobre o assunto em foco. Por exemplo, apesar de diversas resoluções do ConselhoFederal de Medicina terem sido consultadas, o mesmo não ocorreu com os respectivos órgãosde outras associações profissionais. Entretanto, acreditamos que o material apresentado fornecesubsídios básicos para uma reflexão inicial e nos permite formular algumas recomendaçõespara o encaminhamento posterior da questão.O material analisado neste trabalho mostra que a legislação sobre o sigilo de dados einformações na área de saúde está dispersa em diversas resoluções, leis, decretos, códigos,constituição etc., adotadas por diversos órgãos. Conseqüentemente, o âmbito de aplicação dasnormas é variado: algumas se aplicam à administração pública, outras a associações profissionais,outras à assistência suplementar à saúde, outras à sociedade como um todo etc. Alegislação apresenta uma série de avanços na normalização, no Brasil, do tema em foco. Assim,diversos itens já são objeto de normalização: direito de acesso e correção de informações em bancosde dados, sigilo profissional, segurança de sistemas de informações, consentimento informadodos pacientes para a realização de pesquisas e para a divulgação de seus dados, entre outros. Énecessário, porém, consolidar todas essas conquistas em uma legislação única e abrangente que seaplique ao Sistema de Saúde como um todo, a partir da qual todos os atores no sistema se pautem.Por outro lado, alguns itens precisam ser aprofundados conforme a discussão que se segue.Em primeiro lugar, consideremos o sigilo de dados e informações de pacientes. Este sigiloé fundamental para garantir a confiança na relação médico-paciente, pois é em função do mesmoque o paciente revela detalhes de sua vida pessoal que podem ser essenciais para a definição damelhor conduta para a solução de seus problemas de saúde. Não é por outra razão que esteprincípio é consagrado em diversos princípios e normas nacionais e internacionais. Por outro lado,nos sistemas modernos de atenção à saúde, outras categorias profissionais também participam


368 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3da atenção aos pacientes: enfermeiros, psicólogos, psiquiatras, nutricionistas, fisioterapeutas eassistentes sociais. As resoluções das respectivas associações profissionais não foram aquianalisadas, mas o princípio do sigilo profissional deve ser aplicado também para essas categorias.Conforme ressaltado na introdução deste trabalho, outras questões de naturezafinanceira, administrativa, gerencial e científica demandam a coleta e análise de dados einformações obtidas a partir dos prontuários dos pacientes ou coletadas diretamente para umobjetivo específico. Por exemplo, nas instituições prestadoras de atenção à saúde, os funcionáriosda seção de faturamento freqüentemente têm que ter acesso ao prontuário dos pacientes paraextrair informações para a fatura, especialmente nas cobranças de AIH, que possuem um grandenúmero de regras. A legislação deve prever outros usos para o conteúdo registrado do contatodireto do paciente com o sistema de saúde, disciplinar este uso e restringir os dados que podemser acessados somente àqueles estritamente necessários ao objetivo em questão. Sempre quepossível, os dados utilizados não devem identificar o paciente, exceto naquelas exceçõesdevidamente justificadas, que precisam ser explicitadas.Diversas fontes recomendam a necessidade do consentimento informado para autilização dos dados de pacientes para fins de pesquisa de intervenções clínicas, pesquisas naárea de saúde pública e avaliação de serviços, incluindo a utilização de dados secundários. Esteconsentimento pode ser implícito, quando o indivíduo está ciente de que seus dados estarãodisponíveis para outra finalidade, além da atenção à saúde, e que ele(a) tem o direito de recusar,porém ele não faz nenhuma objeção. Embora o consentimento explícito e por escrito sejaessencial para a maior parte dos estudos de qualquer intervenção, ele é um requisito não realistaem estudos observacionais e auditorias, principalmente se eles se baseiam em uma quantidademuito grande de dados retrospectivos. Vieses sistemáticos poderiam invalidar os resultados deestudos observacionais se as pessoas fossem excluídas porque elas não consentiram na utilizaçãodos dados. Por exemplo, a obtenção de consentimento poderia ser viciado pela idade ou sexo, epelo fato de indivíduos estarem mortos, não serem encontrados, estarem impedidoscognitivamente etc. Informação anônima não é freqüentemente suficiente, porque dados queidentificam o paciente podem ser necessários para evitar duplicação de dados e permitir o


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 369seguimento longitudinal dos pacientes (AL-SHAHI e WARLOW, 2000; VERITY e NICOL, 2002).Assim, exceções talvez devam ser previstas em relação à necessidade do consentimento informado,embora existam evidências de que os pacientes tendem a fornecer o consentimentoquando são adequadamente informados sobre o objetivo dos estudos (MANNING, 2002;WILLISON, 2003). Deve-se prever que a legislação para a proteção de dados, em suas normasrelativas ao consentimento informado para a realização de pesquisas em saúde pública, podegerar incertezas e inconsistências na sua aplicação, dificultando a realização de estudos,particularmente os multicentros; isto acontece especialmente no início da aplicação de umalei (STROBL et al., 2000). A legislação deve regulamentar a utilização de bases de dados secundáriaspara a pesquisa em saúde, em particular quando estas bases identificam univocamenteo paciente.Outra questão freqüentemente abordada é o direito do paciente ser informado sobre oconteúdo dos bancos de dados sobre ele e solicitar correções quando julgar necessárias e dodireito do mesmo determinar o que pode ser acessado e por quem. Parece ser um princípiorazoável de que todas as instituições ou profissionais que detenham dados de terceiros informemaos mesmos a existência desses arquivos. Por outro lado, o acesso irrestrito de pacientesa bancos de dados, particularmente os do prontuário, deve ser visto com reservas.A legislação deve prever exceções a essa regra, sempre que o acesso possa resultar em prejuízoà saúde do paciente, ou a critério do profissional de saúde, quando o mesmo julgar que oacesso não deve ser liberado. O prontuário eletrônico e os sistemas de informação, em geral,podem oferecer facilidades para a implementação dessas regras: registro de todas as transaçõesno banco de dados, quem realizou as alterações, registro das razões por que o acesso nãoé liberado etc. Em condições normais, o direito do paciente determinar quem pode acessar oquê em seu prontuário é um princípio que deve ser considerado, respeitando as exceções queeventualmente possam ocorrer, conforme assinalado acima. Isto se aplica a prontuários, comotambém a outros arquivos de dados. Um exemplo concreto é o caso de sistemas de laboratóriosque divulgam os resultados de pacientes pela internet. Normas específicas para estes sistemasdevem existir no que se referem ao controle de acesso aos exames, segurança dos sistemas e


370 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3direitos do paciente de controlar a liberação dos exames. O mesmo se aplica, também, a outrossistemas de informação que lidam com dados de pacientes.A relação paciente-profissional de saúde é uma relação singular. A natureza desterelacionamento é diferente das outras relações existentes no sistema de saúde. A privacidade dosdados e informações de pacientes é protegida devido à natureza íntima das informações clínicase à necessidade de se preservar o relacionamento terapêutico entre o prestador e o recipiente daatenção. O paciente não possui escolha ao revelar informações pessoais para garantir umprocesso eficaz de diagnóstico e tratamento, e as regras de confidencialidade visam resguardaro relacionamento que aí se desenvolve (GOSTIN, 1997). O mesmo não se aplica aos dados deprestadores da atenção à saúde, operadoras de planos de saúde, agências reguladoras e outrasentidades do Sistema de Saúde. Todas essas entidades resultam de um processo social,econômico, político e cultural, cujo objetivo central é o de oferecer à população o acesso à saúde.As informações e dados dessas entidades, que permitem a avaliação de desempenho, auditorias,o planejamento e formulação de políticas de saúde não são da mesma natureza daquelasderivadas da relação paciente-profissional de saúde. As normas de privacidade e confidencialidadeque aí se aplicam devem ter como objetivo evitar o uso indevido de informaçõese preservar a ética e a concorrência leal no relacionamento entre as entidades.É claro que, para cumprir seus objetivos, os prestadores de assistência à saúde necessitamde informações dos pacientes, de seus profissionais e dos atendimentos realizados emsuas unidades; as operadoras necessitam de cadastros de beneficiários, dos prestadores a elascredenciados e dos atendimentos por elas ressarcidos; as agências reguladoras precisam obterinformações das operadoras de naturezas diversas; e os consumidores devem dispor de informaçõesdas operadoras de planos de saúde e prestadoras de assistência à saúde. Necessidades dedados e informações ocorrem em outras instâncias como órgãos governamentais, instituições deensino e pesquisa etc. A legislação que se aplica nesses casos deve considerar os seguintes pontos:1. restringir a coleta e a transferência de dados entre entidades ao mínimo necessáriopara cumprir os objetivos previstos. Sempre que possível, o conteúdo de dados deve ser especificadopara cada finalidade. Esses dados devem ser agrupados em níveis diferentes de sigilo,


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 371os dados identificadores devem ser separados dos outros conjuntos de dados e uma política decontrole de acesso deve ser estabelecida para cada nível;2. o uso dos dados deve se restringir aos objetivos para os quais eles foram coletados, ofluxo de dados entre entidades deve obedecer a normas de segurança unificadas;3. as instituições devem estabelecer políticas explícitas para o cumprimento dessasnormas e punições severas para quem viole as normas estabelecidas. A resolução RN 21, da<strong>ANS</strong>, é um avanço nesse sentido, mas ela tem que ser aprofundada e estendida para outrassituações;4. as entidades do Sistema de Saúde devem ter o direito de evitar a liberação indevidade suas informações e de acompanhar a coleta, o uso e disseminação de dados e informaçõesque possam afetar a sua reputação;5. a legislação deve ser desenvolvida paulatinamente, à medida que as propostassejam formuladas e acordadas.A sociedade está presenciando a disseminação do desenvolvimento e utilização desistemas de informações para a coleta, análise e divulgação de informações na área de saúde. Ovolume de dados e a complexidade do sistema de saúde não dá mais lugar ao processamentomanual de dados. Temores são despertados em relação aos riscos da possibilidade do acesso euso indevido a dados de pacientes e instituições proporcionados por tais sistemas. Entretanto,deve ser enfatizado que os sistemas tradicionais de arquivos não são isentos de riscos de violaçãode sigilo. O prontuário em papel, por exemplo, não permite se obter uma auditoria acurada dequem teve acesso a ele ou que porções do mesmo foram manuseadas, são facilmente alteradospela remoção ou substituição de documentos e não permite que se restrinja a certas classes deusuários o acesso somente a grupos específicos de dados e informações. Os controles acimadescritos são mais fáceis de serem implementados no prontuário eletrônico.A moderna tecnologia da informação permite o desenvolvimento de sistemas deinformações que minimizem o risco de quebra de sigilo: firewalls, controle de acesso definido emfunção da necessidade de conhecer, registro dos acessos (quem fez o quê a quem), proteção físicados ambientes, proteção dos dados contra a destruição e perdas, cópias de segurança, e outros.


372 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3Apesar de freqüentes notícias sobre quebras de segurança em sistemas de informação provocadapor crackers, hackers, vírus etc., deve ser lembrado que não existe segurança perfeita em nenhumtipo de sistema (eletrônico ou não), que diferentes sistemas apresentam diferentes níveis desegurança e que as exigências de segurança devem ser analisadas juntamente com os custos,riscos e necessidade de uso das informações. A ameaça mais comum à confidencialidade é oacesso inapropriado às informações por usuários autorizados. Tal risco é tão grande ou maiorquando os dados que estão armazenados em papel (SHORTLIFFE, 1998; RIND et al., 1997). Ummeio de reduzir esta ameaça é o de estabelecer punições severas para usuários que violem osdireitos de indivíduos ou instituições. Assim, uma legislação adequada, que defina políticas esanções, é tão importante para a proteção de informações quanto as técnicas para a criação defirewalls e garantir a identificação e autenticação de usuários.O Decreto 4.553 (BRASIL, 2002b), a resolução 1.639 do Conselho Federal de Medicina(CFM, 2002b), e o grupo de trabalho da SBIS para a certificação de softwares (SBIS, 2002)representam avanços importantes na área de segurança de sistemas de informação. Esse tipo detrabalho deve ser estimulado e estendido a outros sistemas de informação na área de saúde.A Agência Nacional de Saúde Suplementar, em diversas resoluções, busca padronizar osformulários para a coleta de informações. O uso de sistemas informatizados que padronizam eintegram as informações é a melhor solução para garantir a segurança dos dados, sem impediro acesso aos usuários autorizados. Planilhas eletrônicas e formulários em papel estão maispropensos a acessos não autorizados. A legislação deve incentivar o desenvolvimento eimplantação de sistemas de informação, respeitando os requisitos de segurança e controle deacesso, conforme previsto em parágrafo anterior.5. RECOMENDAÇÕESA legislação brasileira tem refletido, especialmente nos últimos anos, uma preocupação coma questão do sigilo das informações, que se reflete na adoção de diversas resoluções e decretos e nacriação de um grupo de trabalho para tratar da questão da certificação de software de prontuário


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 373eletrônico. Este trabalho deve ser complementado pelo estabelecimento de uma legislação queconsolide as diversas normas publicadas em uma legislação específica para a área da saúde e que leveem conta outros aspectos até então não contemplados ou não claramente definidos. Assim sendo,este trabalho oferece as recomendações a seguir para o encaminhamento dessa questão. Algumaspropostas apresentadas são baseadas em artigo de Gostin (1997):1. criação de uma comissão de segurança e proteção dos dados. Esta comissão faria umarevisão abrangente da legislação nacional e internacional e proporia padrões de segurança eprivacidade; monitorizaria e avaliaria a implementação de padrões estabelecidos por estatutos,regulamentos e protocolos, solicitaria ou conduziria pesquisas, estudos e investigações, etrabalharia para estimular o desenvolvimento de práticas de privacidade e segurança queresponderiam aos objetivos de prover a atenção à saúde e a segurança e a confidencialidade dosdados. A composição deste comitê deveria refletir os diversos componentes do Sistema de Saúdee as diversas competências necessárias para o cumprimento de sua missão;2. a legislação federal deve estabelecer uma proteção à privacidade da informação emsaúde que seja uniforme e abrangente. Ela deve englobar todos as informações em saúde, nãoimportando o meio (papel, microfilme, ou eletrônico), a localização (arquivos, armazéns,trânsito) ou usuário ou custodiante (governo, provedor, ou organização privada). Penalidadesefetivas por quebras de privacidade devem ser estabelecidas. Uma estrutura nacional deve serbaseada no seguinte código: indivíduos devem ter o direito de controlar o uso de dados pessoais,sistemas secretos de dados não devem ser permitidos, indivíduos devem ter o direito de revisare corrigir os dados pessoais, e os dados seriam coletados e usados somente para importantespropósitos da atenção à saúde. Os pacientes devem ser informados sobre a existência dedocumentos ou bancos de dados com informações a seu respeito;3. os pacientes devem poder consentir sobre a coleta e uso de informações pessoais. Ospacientes têm o direito de saber e consentir na coleta e uso de informações identificadoras, otempo que esta informação pode ser armazenada e as circunstâncias sob as quais ela pode serapagada, e o grau em que terceiros possam obter acesso. A aquisição, armazenamento, uso etransmissão de dados devem ser realizados com o consentimento dos pacientes. As exceções a


374 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3este princípio devem se restringir ao mínimo necessário e serem devidamente justificadas.Consideração especial deve ser dada à área de pesquisa (clínica e de saúde pública), e ao uso debases de dados secundários;4. as entidades do Sistema de Saúde (prestadores de atenção, operadoras de planos desaúde, agências reguladoras, órgãos públicos etc.) devem aderir ao princípio da revelação menosintrusiva. A liberação de informações pelos prestadores de saúde deve se restringir aos dadosque são menos prováveis de identificar o paciente e revelar fatos pessoais sensíveis e ao menornúmero de pessoas necessárias para atingir o propósito declarado para a liberação. Princípiosemelhante deve regular o uso e a liberação de informações das entidades que compõem osistema de saúde;5. as entidades do Sistema de Saúde devem ter o direito de evitar a liberação indevida desuas informações e de acompanhar a coleta, o uso e disseminação de dados e informações quepossam afetar a sua reputação;6. o uso de sistemas de informação deve ser estimulado. Uma infra-estrutura desegurança para sistemas de informação abrangendo toda a sociedade deve ser estabelecida,incluindo: autenticação de usuários, controle de acesso, trilhas de auditoria, recuperação dedesastres, proteção de pontos remotos de acesso, criptografia de todos os dados identificadoresantes da transmissão em redes públicas etc. O conteúdo de dados deve ser especificado paracada finalidade de uso. Os dados devem ser agrupados em níveis diferentes de sigilo, os dadosidentificadores devem ser separados dos outros conjuntos de dados e uma política de controlede acesso deve ser estabelecida para cada nível. Requisitos mínimos de segurança para os sistemasde informação que lidam com dados sigilosos devem ser especificados e os softwares que lidamcom esses dados devem respeitar os requisitos estabelecidos.REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS<strong>ANS</strong> – AGÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE SUPLEMENTAR. Resolução RDC 3, de 20 deJANEIRO de 2000a. Aprova normas de fornecimento de informações para cadastrosde beneficiários. Disponível em: http://www.ans.gov.br/portal/site/legislacao/


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 375y_legislacao_regulamentacoes_interna_751.asp?regulamentacao_titulo=Normativas.Acesso em: 24 jun. 2003.______. Resolução RDC 4, de 18 de fevereiro de 2000b. Dispõe sobre alteração de rotina do registroprovisório de produtos, e dá outras providências. Disponível em: http://www.ans.gov.br/portal/site/legislacao/y_legislacao_regulamentacoes_interna_751.asp?regulamentacao_titulo=Normativas. Acesso em: 24 jun. 2003.______. Resolução RDC 5, de 18 de fevereiro de 2000c. Aprova normas sobre os procedimentosadministrativos para requerimento e concessão de registro provisório das operadoras de PlanosPrivados de Assistência à Saúde. Disponível em: http://www.ans.gov.br/portal/site/legislacao/y_legislacao_regulamentacoes_interna_751.asp?regulamentacao_titulo=Normativas. Acessoem: 24 jun. 2003.______. Resolução RDC 22, de 30 de MAIO de 2000d. Cria instrumento para acompanhamentoeconômico-financeiro das Operadoras. Disponível em: http://www.ans.gov.br/portal/site/legislacao/y_legislacao_regulamentacoes_interna_751.asp?regulamentacao_titulo=Normativas. Acesso em: 24 jun. 2003.______. Resolução RDC 23, de 6 de JUNHO de 2000e. Altera a Resolução RDC 10, de 3 de março de2000, institui Ficha de Compensação, estabelece padronização para o envio de informações quemenciona e dá outras providências. Disponível em: http://www.ans.gov.br/portal/site/legislacao/y_legislacao_regulamentacoes_interna_751.asp?regulamentacao_titulo=Normativas. Acessoem: 24 jun. 2003.______. Resolução RDC 24, de 13 de JUNHO de 2000f. Dispõe sobre a aplicação de penalidades àsoperadoras de planos privados de assistência à saúde. Disponível em: http://www.ans.gov.br/portal/site/legislacao/y_legislacao_regulamentacoes_interna_751.asp?regulamentacao_titulo=Normativas. Acesso em: 24 jun. 2003.______. Resolução RDC 29, de 26 de JUNHO de 2000g. Estabelece normas para reajustedas contraprestações pecuniárias dos planos e produtos privados de assistência suplementarà saúde. Disponível em: http://www.ans.gov.br/portal/site/legislacaoy_legislacao_regulamentacoes_interna_751.asp?regulamentacao_titulo=Normativas.Acesso em: 24 jun. 2003.______. Resolução RDC 64, de 10 de abril de 2001a. Dispõe sobre a designação de médico responsávelpelo fluxo de informações relativas à assistência médica prestada aos consumidores de planosprivados de assistência à saúde. Disponível em: http://www.ans.gov.br/portal/site/legislacao/y_legislacao_regulamentacoes_interna_751.asp?regulamentacao_titulo=Normativas. Acessoem: 24 jun. 2003.______. Resolução RDC 66, de 03 de maio de 2001b. Estabelece normas para reajuste das contraprestaçõespecuniárias dos planos privados de assistência suplementar à saúde . Disponível em: http://www.ans.gov.br/portal/site/legislacao/y_legislacao_regulamentacoes_interna_751.asp?regulamentacao_titulo=Normativas. Acesso em: 24 jun. 2003.


376 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3______. Resolução RDC 85, de 21 de setembro de 2001c. Institui o Sistema de Informações deProdutos – SIP para acompanhamento da assistência prestada aos beneficiários de planos privadosde assistência à saúde. Disponível em: http://www.ans.gov.br/portal/site/legislacao/y_legislacao_regulamentacoes_interna_751.asp?regulamentacao_titulo=Normativas. Acessoem: 24 jun. 2003.______. Resolução Normativa RN 21, de 12 de dezembro de 2002. Dispõe sobre a proteção das informaçõesrelativas à condição de saúde dos consumidores de planos privados de assistência à saúde e altera aResolução RDC 24, de 13 de junho de 2000. Disponível em: http://www.ans.gov.br/portal/site/legislacao/y_legislacao_regulamentacoes_interna_751.asp?regulamentacao_titulo=Normativas. Acesso em: 24 jun. 2003.ALBUQUERQUE, R.; RIBEIRO, B. Segurança no Desenvolvimento de Software. Rio de Janeiro:Editora, 2002.AL-SHAHI, R.; WARLOW, C. Using patient-identifiable data for observational research and audit.Overprotection could damage the public interest. British Medical Journal, v. 321, p. 1031-1032,2000.BARROWS J R., R.C.; CLAYTON, P. D. Privacy, Confidentiality, and Electronic Medical Records.Journal of the American Medical Informatics Association, v. 3, n. 2, p. 139-148, 1996.BRASIL. Decreto-Lei n o 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Disponível em:https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/DEL2848.htm. Acesso em: 21 jul. 2003.______. Lei 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Institui o código de Processo Civil. Disponível em:https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L5869.htm. Acesso em: 21 jul. 2003.______. Constituição da República Federativa do Brasil. 1988. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/nova-constituicao/main.htm. Acesso em: 15 jul 2003.______. Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção ao consumidor e dáoutras providências. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8078.htm.Acesso em: 21 jul. 2003.______. Lei 9.961, de 28 de janeiro de 2000. Cria a Agência Nacional de Saúde Suplementar –<strong>ANS</strong> e dá outras providências. Disponível em: http://www.ans.gov.br/portal/site/legislacao/legislacao_lei_criacao.asp. Acesso em: 24 jun. 2003.______. Medida Provisória 2.200-2, de 24 de Agosto de 2001. Institui a Infra-Estrutura deChaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, e dá outras providências. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/MPV/2200-2.htm. Acesso em: 16 jul. 2003______. Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002a. Institui o Código Civil. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406.htm. Acesso em: 21 jul. 2003.______. Decreto 4.553, de 27 de dezembro de 2002b. Dispõe sobre a salvaguarda de dados,informações, documentos e materiais sigilosos de interesse da segurança da sociedade e do Estado, noâmbito da Administração Pública Federal, e dá outras providências. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2002/D4553.htm. Acesso em: 02 jul. 2003.


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 377CARUSO, C. A. A.; STEFFEN, F.D. Segurança em Informática e de Informações. 2 a edição, SãoPaulo: Editora SENAC, 1999.CBA – CONSÓRCIO BRASILEIRO DE ACREDITAÇÃO DE SISTEMAS E SERVIÇOS DE SAÚDE.Manual de Padrões de Acreditação Hospitalar. Primeira edição, Rio de Janeiro: UERJ, 2000, 236p.CHADWICK, D. W.; CROOK, P .J.; YOUNG, A. J.; MCDOWELL, D. M.; DORNAN, T.L.; NEW, J.P.Using the Internet to Access Confidential Patient Records: a Case Study. British Medical Journal,v. 321, p. 612-614, 2000.CFM – CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. Resolução 1.098, de 30 de junho de 1983.Adota o novo Texto da Declaração de Helsinque (Helsinque II) referente à pesquisa clínica. Disponívelem: http://www.portalmedico.org.br/resolucoes/cfm/1983/1098_1983.htm. Acesso em: 16 jul.2003.______. Resolução 1.246, de 08 de janeiro de 1988. Código de Ética Médica. Disponível em:http://www.portalmedico.org.br/codigo_etica/codigo_etica.asp?portal=. Acesso em: 16 jul. 2003.______. Resolução 1.605, de 15 de setembro de 2000. Dispõe sobre o sigilo médico. Disponívelem: http://www.portalmedico.org.br/resolucoes/cfm/2000/1605_2000.htm. Acesso em: 16 jul.2003.______. Resolução 1.638, de 10 de julho de 2002a. Define prontuário médico e torna obrigatóriaa criação da Comissão de Revisão de Prontuários nas instituições de saúde. http://www.portalmedico.org.br/resolucoes/cfm/2002/1638_2002.htm. Acesso em: 16 jul. 2003.______. Resolução 1.639, de 10 de julho de 2002b. Aprova as “Normas Técnicas para o Uso deSistemas Informatizados para a Guarda e Manuseio do Prontuário Médico”, dispõe sobre tempo deguarda dos prontuários, estabelece critérios para certificação dos sistemas de informação e dá outrasprovidências. Disponível em: http://www.portalmedico.org.br/resolucoes/cfm/2002/1639_2002.htm. Acesso em: 16 jul. 2003.______. Resolução 1.642, de 07 de agosto de 2002c. Disciplina o relacionamento entre osmédicos e empresas que atuam sob a forma de prestação direta ou intermediação de serviços médicos.Disponível em: http://www.portalmedico.org.br/resolucoes/cfm/2002/1642_2002.htm. Acessoem: 16 jul. 2003.______. Resolução 1.643, de 07 de agosto de 2002d. Define e disciplina a prestação de serviçosatravés da Telemedicina. Disponível em: http://www.portalmedico.org.br/resolucoes/cfm/2002/1643_2002.htm. Acesso em: 16 jul. 2003.CIHR – CANADIAN INSTITUTES OF HEALTH RESEARCH. Selected International Legal Normson the Protection of Personal Information in Health Research. Ottawa: Public Worksand Government Services Canada, 2001.DENLEY, I.; SMITH, S.W. Privacy in clinical information systems in secondary care. British MedicalJournal, v. 318, p. 1328-1331, 1999.DICK, R.S.; STEEN, E.B.; DETMER, D.E. (Ed.). The Computer-Based Patient Record. RevisedEdition, Washington, D.C.: National Academy Press, 1997.


378 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3GOSTIN, L. Health Care Information and the Protection of Personal Privacy: Ethical and LegalConsiderations. Annals of Internal Medicine, v. 127, p. 683-690, 1997.MANDL, K.D.; SZOLOVITS, P.; KOHANE, I.S. Public Standards and Patients’ Control: How to KeepElectronic Medical Records Accessible but Private. British Medical Journal, v. 322, p. 283-286,2001.MANNING, D. Commentary: Don’t waive consent lightly – involve the public. British MedicalJournal, v. 324, p. 1213, 2002.MS – MINISTÉRIO DA SAÚDE. Cartão Nacional de Saúde. [1996]. Disponível em http://dtr2001.saude.gov.br/cartao/. Acessado em: 16 jul 2003.______. Portaria 3.947/GM, de 25 de novembro de 1998. Diário Oficial da União, n o 9-E, 14jan 1999, Seção 1, pág. 8.RIND, D.M.; KOHANE, I.S.; SZOLOVITS, P.; SAFRAN, C.; CHUEH, H.C.; BARNETT, G.O.Maintaining the Confidentiality of Medical Records Shared over the Internet and the World WideWeb. Annals of Internal Medicine, v. 127, p. 138-141, 1997.SBIS – SOCIEDADE BRASILEIRA DE INFORMÁTICA EM SAÚDE, Grupo de Trabalho de Certificaçãode Software. 2002. Disponível em: http://www.sbis.org.br/certificacao.htm. Acesso em: 15 jul.2003.SHORTLIFFE, E.H. The Evolution of Health-Care Records in the Era of the Internet. Proceedings ofMEDINFO98, Semi-Plenary 2, Amsterdam: IOS Press, 1998.STROBL, J.; CAVE, E.; WALLEY, T. Data protection legislation: interpretation and barriers to research.British Medical Journal, v. 321, p. 890-892, 2000.VERITY, C.; NICOLL, A. Consent, Confidentiality, and the threat to public health surveillance. BritishMedical Journal, v. 324, p. 1210-1213, 2002.VIANA, A.L.D.; GERSCHMAN, S.; IBAÑEZ, N.; PARADA, R. A regulamentação da Assistência MédicaSuplementar no Brasil. Nota Técnica 3, em Modelos de Regulação e Análise doCaso Brasileiro. 2001. Disponível em: http://www.ans.gov.br/portal/site/forum_saude/forum_bibliografia_objeto_reg.asp. Acesso em: 02 jul. 2003WILLISON, D. J.; KESHAVJEE, K.; NAIR, K.; GOLDSMITH, C.; HOLBROOK, A.M. FOR THECOMPETE INVESTIGATORS. Patient consent preferences for research use of information inelectronic medical records: interview and survey data. British Medical Journal, v.326, p. 373-377, 2003.


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 379APÊNDICETermos técnicosACESSO A ATIVOS – uma organização ou indivíduos permite o acesso de terceiros a seus ativos deinformações para quem precisar fazer uso dos mesmos no desenvolvimento de suas atividades.AUDITORIA – capacidade de um sistema de auditar tudo o que foi realizado pelos usuários,detectando fraudes ou tentativas de ataque.AUTENTICAÇÃO – capacidade de garantir que um usuário, sistema ou informação é mesmo quemou o quê alegar ser.CRIPTOGRAFIA – processo pelo qual uma mensagem (o texto limpo) é transformada em umasegunda mensagem (o texto cifrado), usando uma função complexa (o algoritmo de criptografia)e uma chave criptográfica especial.CONFIDENCIALIDADE – capacidade de um sistema de impedir que usuários não autorizados vejamdeterminada informação, ao mesmo tempo em que usuários autorizados possam acessá-la.CONTROLE DE ACESSO – é exercido pela Administração de Segurança. As atribuições de controle deacesso podem ser delegadas para administradores setoriais e locais, para a administração dedeterminado domínio organizacional ou de recursos.CUSTÓDIA – define-se a custódia como a responsabilidade de se guardar um ativo para terceiros;entretanto, a custódia não permite automaticamente o acesso ao ativo, nem o direito de concederacesso a outros.DECIFRAGEM – o processo inverso, pelo qual o texto cifrado é transformado no texto limpo,usando-se uma segunda função complexa e uma chave de decifragem. Em alguns sistemascriptográficos, a chave criptográfica e a chave de decifragem são iguais; em outros, são diferentes.DIREITO DE ACESSO – somente o proprietário do ativo, ou pessoa por ele nomeada, pode autorizaracesso ao mesmo.DIREITO DE ACESSO EM FUNÇÃO DA POSIÇÃO FUNCIONAL – está ligado à posição ocupada pela pessoadentro da organização, e não à pessoa que a ocupa.DISPONIBILIDADE – indica a quantidade de vezes que o sistema cumpriu uma tarefa solicitada semfalhas internas sobre o número de vezes em que foi solicitado a fazer uma tarefa. A fração dotempo em que a página esteve no ar.


380 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3IDENTIFICAÇÃO – processo para se determinar quem está acessando uma dada informação ouoperando um dado sistema.INTEGRIDADE – atributo de uma informação que indica que esta não foi alterada ou, se foi, o foide forma autorizada; capacidade de um sistema de impedir que uma informação seja alteradasem autorização ou, ao menos, de detectar se isso ocorreu.NÃO-REPÚDIO – capacidade de um sistema de provar que um usuário executou determinada açãono sistema.NECESSIDADE DE CONHECER – condição pessoal, inerente ao efetivo exercício de cargo, função,emprego ou atividade, indispensável para que uma pessoa possuidora de credencial de segurançatenha acesso a dados ou informações sigilosos.OPERADORA DE PLANO DE ASSISTÊNCIA À SAÚDE – pessoa jurídica constituída sob a modalidadede sociedade civil ou comercial, cooperativa, ou entidade de autogestão, que opere produto,serviço ou contrato de que trata o plano privado de assistência à saúde.PLANO PRIVADO DE ASSISTÊNCIA À SAÚDE – prestação continuada de serviços ou cobertura de custosassistenciais a preço pré ou pós-estabelecido, por prazo indeterminado, com finalidade degarantir, sem limite financeiro, a assistência à saúde, pela faculdade de acesso e atendimentopor profissionais de serviços de saúde, livremente escolhidos, integrantes ou não de rede credenciada,contratada ou referenciada, visando à assistência médica, hospitalar e odontológica,a ser paga integral ou parcialmente às expensas da operadora contratada, mediantereembolso e pagamento direto ao prestador.POLÍTICA DE SEGURANÇA – conjunto de diretrizes destinadas a regulamentar o uso seguro dosativos de informações de uma organização.PROPRIEDADE DE ATIVOS – os ativos de informações da organização pertencem à mesma.VALIDADE DO DIREITO DE ACESSO – o direito de acesso somente é válido para os fins aos quais foisolicitado.


Sistemas de Informação emPlanos de Saúde: rede credenciada,usuários e <strong>ANS</strong>André Junqueira Xavier 1INTRODUÇÃOA complexidade atual dos aspectos relacionados ao financiamento da assistência à saúdeleva ao desenvolvimento de meios de coleta, transmissão, arquivamento e transformação dainformação (conhecimento) cada vez mais sofisticada.Clientes, prestadores e operadoras de saúde formam um sistema interdependente de trocasde bens, serviços e informações. As informações trocadas entre os atores desta rede são muitovariadas. Em relação à sua natureza, as informações podem ser quantitativas (relatórios contábeis;controles de estoques e folhas de pagamentos na área financeira e administrativa; movimentosdos usuários e freqüências de procedimentos e internações por parte dos planos de saúde eprestadores; demonstrativos para os clientes) ou qualitativas (pesquisas de opinião; qualidade deatendimento; serviços e relatórios médicos) ou podem, ainda, conter os dois aspectos.Quanto à forma, as informações podem ser altamente estruturadas, formatadas emquestionários fechados com alternativas pré-estabelecidas e, portanto, passíveis de generalizaçõese procedimentos automatizados; semi-estruturadas, com campos e registrosnuméricos e alfanuméricos das quais se pode obter algumas generalizações chegando até alinguagem natural; ou escrita à mão, como é encontrada em diversos prontuários de profissionaisde saúde e instituições.|1| Doutorando do Departamento de Informática em Saúde, da Escola Paulista de Medicina, Professor daUNISUL.


382 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3Os aspectos escolhidos para estudo foram duas pontas de um sistema de informaçãoautomatizado: Em primeiro lugar a interface entre a operadora e sua rede credenciada, e emsegundo lugar o contato entre o usuário e a operadora por meio da internet, em seguida sãodiscutidos aspectos éticos e de segurança inerentes a sistemas de informação em saúde. Custosdas redes de informação, acessibilidade aos usuários, ética e segurança na manipulação de dadosde saúde são importantes para que a <strong>ANS</strong> possa aprofundar seu papel de regulação dasoperadoras de saúde.JUSTIFICATIVASegundo Shortlife (2000) a informação emerge quando dados são agrupados eorganizados de forma a influenciar e modificar as decisões dos usuários do sistema. Surge apartir desta assertiva todo o esforço de coleta, processamento e distribuição dos dados para quepossam levar os diversos profissionais e usuários envolvidos no financiamento privado daassistência à saúde a um sistema ético, confiável, justo e cidadão.As tecnologias de informação e comunicação se constituem de vários tipos de hardwares,softwares e periféricos, bem como dispositivos de codificação e decodificação de dados que interagempor meio de protocolos padronizados. Estes vários equipamentos juntamente comindivíduos e instituições formam sistemas de informações na medida em que os dados coletados,transmitidos e processados influenciam as decisões e conseqüentemente a forma deviver de uma comunidade.O primeiro grande obstáculo que as tecnologias de informação precisam vencer são osvocabulários e os jargões técnicos de várias áreas da saúde com diferenças culturais, regionais etemporais que se misturam nas várias formas de coleta de dados. Há grande incidência desinonímias, neologismos, anglicanismos que quase inviabilizam uma tentativa de uniformizaçãodos significados. Há mais de 100 mil termos específicos do vocabulário médico cotidiano e cercade 60 mil possibilidades diagnósticas que precisam ser trocadas, compreendidas, traduzidas eformatadas para que possam ser processadas e transformadas em conhecimento partilhado.


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 383A padronização total da informação no sistema é inversamente proporcional ao cuidado,pois este tende a se tornar cada vez mais individualizado e o mesmo procedimento acaba tambémse tornando único cada vez que é realizado. A interação contínua entre o cliente e o seu terapeutaem determinado tratamento ou procedimento gera maior individualização do mesmo. Distoresultam conjuntos de procedimentos únicos para cada paciente a cada evento. Soma-se a estequadro a forma de apropriação da informação dentro de cada área e entre as partes envolvidasdentro do próprio sistema de informações, nos quais existem interesses e ideologias de trabalhoprofundamente diversas gerando relações de poder que influenciarão fluxos de informações.As operadoras de saúde no país são de tamanho muito variado, desde alguns milharesde usuários locais até grandes planos de abrangência nacional com milhões de vidas. Aindaem relação às operadoras, existem os planos de saúde, as autogestões, as cooperativas médicase as seguradoras.As seguradoras não possuem rede própria, se limitando ao financiamento da saúde. Osplanos de saúde possuem um maior relacionamento com o cliente, pois podem possuir redeprópria de atendimento e, conseqüentemente, informações mais aprofundadas e também, maiorcapacidade de intervenção no sentido de promoção da saúde. Autogestões podem também possuirserviços próprios e caracteristicamente têm um maior relacionamento com seus associadospor meio de conselhos de usuários.Por outro lado, a assistência pode se organizar em profissionais autônomos, empresasde pequeno, médio e grande porte (ambulatórios, clínicas, hospitais e laboratórios de análisesclínicas e de imagens).No Brasil as cooperativas formadas por prestadores tais como as Unimeds procuramaliar também os interesses dos profissionais de saúde e enfrentam diferentes visões de saúdeinternas, a saber, ideologias mais voltadas para a prevenção e generalistas e outras voltadas parao paradigma curativo e individual que caracteriza muitas especialidades médicas. Convivem,também, com a sofisticação progressiva e conseqüente encarecimento de procedimentos desaúde que precisam ser executados e financiados.


384 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3A compreensão da heterogeneidade destes sistemas para um melhor controle sobre asegurança e privacidade das informações bem como a sua distribuição para profissionais deassistência direta, especialistas, pesquisadores, administradores e instituições reguladorasvisando o bem-estar dos clientes é um desafio e uma necessidade.Sistemas de informação em planos de saúde e seguradoras devem procurar a integraçãoentre clientes, prestadoras de serviços credenciadas e serviços próprios. Cada ponta deste processopossui características e interesses diferentes, mas altamente interdependentes. Questõesatuaritárias, administrativas, gerenciamento de serviços e estoques, convivem com dadosepidemiológicos e indicadores de saúde.Ao se discutir a padronização da informação no mercado de saúde no Brasil se denotaque a sua principal característica é a extrema fragmentação, o que dificulta a integração deinformações e conseqüentemente contribui para a ineficácia geralmente percebida pelosparticipantes do processo (MOURA, 2002). A correta aplicação das tecnologias de informaçãopode contribuir decisivamente para reduzir custos e melhorar a qualidade do atendimento,promovendo, ao mesmo tempo, a utilização de padrões que estão em processo de certificaçãopelo Grupo de Trabalho coordenado pelo CFM e SBIS.Finalmente é discutido como as informações geradas por estes sistemas são apresentadasao usuário final, ele está realmente se beneficiando? Há um acesso real à informação para aquelescuja saúde depende disso? Com o rápido envelhecimento populacional há uma grandeproporção de pessoas dependentes física e/ou mentalmente, com dificuldades de deslocamentocrescentes e os sites de internet destas empresas podem representar grande economia de tempoe recursos ao prestarem informações e serviços on-line.OBJETIVOSEste trabalho tem como objetivo fornecer subsídios para a agência reguladora (<strong>ANS</strong>)nas suas decisões e competências. Pretende-se oferecer um panorama sobre Sistemas deInformação em Saúde (SIS) e Tecnologia da Informação (TI) que são aplicados na construçãoe organização de sistemas de informação em saúde informatizados.


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 385ASPECTOS FINANCEIROSO professor Lincoln de Assis Moura Jr. (2003), presidente da Sociedade Brasileira deInformática em Saúde – SBIS, nos apresenta, em suas estimativas, a diferença de custos entreuma estrutura na qual cada operadora possui rede informatizada própria (pontos de atendimentoeletrônicos) para relacionamento com os credenciados e por outro lado uma estruturacom amplo compartilhamento (usando um mesmo ponto de atendimento eletrônico) derede informatizada com os credenciados (Tabela 1).


386 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3Seguindo a mesma lógica de partilha ou não de estrutura de coleta e transmissão deinformação com a rede credenciada o professor realiza uma estimativa da diferença de custos desoftware (conta hospitalar) entre os dois modelos demonstrando o grande desperdício derecursos advindo de uma falta de integração e coordenação de recursos tecnológicos (Tabela 2).


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 387ASPECTOS TECNOLÓGICOSÉ necessária a compreensão das características especiais deste setor para que astecnologias de informação possam integrar clientes, consultórios, clínicas, hospitais,laboratórios e operadoras de saúde, bem como a agência de regulação do setor de saúdecomplementar (<strong>ANS</strong>).As teorias sobre planejamento em saúde, visando aprimorar as técnicas de reordenaçãodas instituições de saúde e racionalização de suas atividades, incorporam as noções sobresistemas de saúde e sistemas de informação, com base na “Teoria de Sistemas”. Segundo essateoria, a constituição de um sistema implica uma interação entre todos os componentes darealidade que deverá ser captada por ele. Busca-se, através do sistema, a recomposição de umtodo, que será possível mediante o conhecimento e a comunicação (fluxos) entre as partes.A construção dos Sistemas de Informação em anos anteriores era centralizadora everticalizada, gerando falta de acesso aos dados, pequena utilização para apoio à decisão e faltade integração. A necessidade de uma maior dinamização das ações de vigilância epidemiológica,por meio da utilização dos sistemas nacionais de informações são pré-requisitos para odesenvolvimento de uma política de informática para o SUS. O resultado foi a distribuição edisponibilização crescente de informações via internet. A rede privada deverá, na medida dopossível, adotar o partilhamento e disponibilização de forma ética e segura dos dados parabenefício da saúde de toda a população.Busca-se estabelecer padrões para compatibilizar os diferentes sistemas, possibilitandoo uso integrado de dados e transformar aqueles que anteriormente eram processados de modocentralizado e de utilização restrita ao âmbito federal, em sistemas de base municipal, através daalteração de fluxos e do uso de recursos de informática.A quebra do paradigma da computação centralizada, focalizada no processamento dedados, permitiu seu uso como componentes de informação de apoio ao processo de decisão. Oadvento dos microcomputadores, das redes, da computação distribuída, das ferramentasvoltadas para o usuário final, a redução global dos custos, quebrou o monopólio dos Centrosde Processamento de Dados (CPD) no acesso e manipulação dos dados.


388 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3Portanto, o ambiente propício à criação dos novos SI é grandemente favorecido pelosavanços tecnológicos que tornaram possível o desenvolvimento de aplicações para todos osresponsáveis pela construção do conhecimento em saúde.Os SI podem ser classificados de acordo com o tipo de decisão: estruturada, semi-estruturadae não-estruturada. Atividades estruturadas podem ser automatizadas e não dependem deintervenção direta. Atividades não estruturadas têm como ponto central o processo de julgamento edecisão e dificilmente podem ser automatizadas. As atividades intermediárias, semi-estruturadas,são o ambiente onde os sistemas de apoio à decisão encontram maior potencial de desenvolvimento.SEGURANÇA E PRIVACIDADESegundo o artigo 20, da Lei 9.656, de 3 de junho de 1998, “as operadoras de saúde sãoobrigadas a fornecer, periodicamente à <strong>ANS</strong> todas as informações e estatísticas relativas às suasatividades, incluídas as de natureza cadastral, especialmente aquelas que permitam a identificaçãodos consumidores e de seus dependentes, incluindo seus nomes, inscrições no cadastrode pessoas físicas dos titulares e municípios onde residem”. Esta transferência deverá se dar deforma ética e segura por meio de um sistema de informação informatizado.Na gerência de serviços de saúde, é básica a necessidade de cadastros de pacientes, cadastroda população, cadastros de estabelecimentos, produção das atividades de saúde, conhecimentodo perfil de doenças atendidas, da mortalidade, número de profissionais de saúde, número deconsultórios, leitos, medicamentos utilizados, gastos efetuados e tantas outras informações.Essas informações necessitam ser cruzadas e expressadas por meio de indicadores, que,dentro de metodologias apropriadas, informam sobre o desempenho da instituição ou de seusprogramas de saúde específicos e constituem as ferramentas de monitoração das atividades e doalcance dos objetivos e metas.Torna-se essencial conhecer a origem das informações para garantir sua fidedignidade,bem como sua relevância, isto é, a importância delas no processo decisório. Disponibilidade,acesso e recuperação, possibilitam uma resposta adequada, em tempo hábil.


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 389Bancos de dados em saúde devem suportar várias visões ou modelos de dados de acordocom o grupo de usuários que os acessa. Mas os dados em uma base de dados são armazenadosfisicamente de uma única forma. Para que cada usuário realize seu acesso, sem modificara base de dados ou gerar grande quantidade de arquivos redundantes, existem sistemas degerenciamento de bancos de dados que proporcionam estas perspectivas protegendo o bancoe abrindo caminho para uma ética na partilha da informação.Em termos de sistemas de informação, os aspectos éticos se concentram em como se dáo acesso aos registros do paciente. A informação em saúde precisa ser protegida para que se evitediscriminação, obstáculos para empregabilidade e acesso a seguros de saúde. Três conceitos sãoessenciais para que se obtenha um tratamento ético da informação: privacidade, confidencialidadee segurança.Privacidade, que está relacionada ao controle do paciente sobre o fornecimento de acessoao seu prontuário, por exemplo, o médico de um plano de saúde não pode disponibilizarinformações que prejudiquem seu paciente, logo esta informação não pode estar disponível parao empregador. Algumas informações podem ser consideradas sem importância, mas outraspodem influenciar diretamente na empregabilidade ou gerar discriminação. Uma pessoa comhistórico de depressão já tratada poderá ser preterida para aceder a um cargo mais importante.Por outro lado estas informações não podem ser perdidas. Dependeremos de prontuárioseletrônicos para um padrão ótimo de promoção da saúde e provavelmente se tornarão comunsnos próximos anos, tanto para o sistema privado quanto para o SUS. Estes prontuários deverãoestar acessíveis quando e onde necessários com informação precisa e atualizada.A confidencialidade engloba os limites nos quais a pessoa que está recebendo a informaçãopoderá usá-la, isto é, quem recebe certas informações a receba com objetivos específicose se comprometa a manter sigilo.A segurança: é um conjunto de políticas, normas, procedimentos e salvaguardas para agarantia da privacidade e confidencialidade. O estabelecimento e manutenção de uma política desegurança do sistema de informação se baseia em cinco conceitos principais:


390 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3A disponibilização: garantia da informação atualizada no local apropriado para o pessoalque a necessita, a informação deverá ser protegida de perda por meio de cópias feitasregularmente em dispositivos de arquivamento, disquetes, CD-ROM, outros computadores depreferência remotos como forma de proteção contra desastres. A integridade do hardware efontes de energia suplementares são essenciais para sistemas críticos. Cópias previnem que novossoftwares instalados possam danificar bancos de dados. Faz parte da disponibilidade a proteçãodo sistema contra mudanças não autorizadas como os vírus e invasão por hackers.Responsabilidade: o acesso e uso da informação realmente necessária, suficiente e livre deabusos é garantida tecnicamente por meio de dispositivos de autenticação e autorização. Aprimeira é obtida por meio de processo de combinação de nome de usuário e senha de acesso,este usuário autenticado passa a ser autorizado a acessar o sistema e realizar ações dentro doseu âmbito de tarefas. A autenticação e autorização permitem traçar o histórico de interaçõesdo usuário dentro do sistema assegurando a sua responsabilidade e ética no uso do mesmo.Sistemas de firewall (proteção do sistema) e de criptografia tanto com uso de chaves secretasquanto públicas são necessárias para um forte mecanismo de autenticação e autorização.Limite de acesso ao próprio sistema: tanto lógica, quanto fisicamente, depende doconhecimento de quem são os usuários do sistema e o que estão acessando e também onde, poisno acesso à distância se perde a noção de quais outras pessoas podem estar observando ainformação. O limite ideal gera acesso proporcional e legítimo às tarefas que cada profissionalvai executar dentro do seu trabalho.Acesso limitado à tarefa: é mais uma medida de controle de acesso a informaçõesespecíficas, se baseia em necessidades e direitos de cada participante do sistema: Aos pacientes oconteúdo dos seus próprios registros de prontuário (o prontuário médico é propriedade dopaciente, a instituição tem apenas a guarda), aos médicos assistentes o registro dos seus pacientes,aos especialistas o registros de referência e contra-referência, à vigilância epidemiológica os registrosde doenças de notificação obrigatória, aos pesquisadores registros anônimos e dadostabulados de grupos, à administração cabem contas, relatórios contábeis, registros do serviços


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 391prestados e a documentação clínica necessária para as operadoras de saúde, pagadores devemter acesso às justificativas das despesas.O conceito de entendimento e controle por parte dos usuários da informação, digitadorese pacientes dos aspectos pertinentes a cada um sobre confidencialidade e acesso é primordialpara a cidadania digital, isto é, a efetiva participação na sociedade do conhecimento.Apesar de preocupações crescentes nestas áreas ainda não há uma cultura de segurançae privacidade disseminada, os profissionais envolvidos não se sentem à vontade ao manipularsenhas e códigos. Muitas medidas acabam sendo tomadas após um episódio de violação e oscustos ainda estão além do que muitas instituições estão dispostas a pagar.No Anexo 1 se encontra o Código de Ética da International Medical InformaticsAssociation – IMIA, para Profissionais de Informática em Saúde.O USUÁRIO DO SISTEMA DE INFORMAÇÃO“A internet dá-nos a possibilidade de poder aceder a um ambientevivo, quase orgânico de milhões de inteligências quetrabalham constantemente, em tudo e em nada com umarelevância potencial para todos e para ninguém”.Derrick de KercknoveOutro aspecto fundamental dos sistemas de informação são os portais tanto de intranetquanto de internet que as operadoras mantém com seus usuários, prestadores, e funcionários.O site ou portal de um plano de saúde é a interface do Sistema de Informação (SI) com o usuárioe/ou com o prestador e a comunidade em geral pode encontrá-los na internet. Os sites destasempresas também podem ser apenas para seus funcionários servindo de apoio aos váriosprocedimentos administrativos da empresa e abrigando jornais internos e acesso a informaçõesmais usadas, normalmente são sites fechados em intranets.Para uma visão abrangente pretendida por este trabalho foram selecionados sites de grandesplanos de saúde para uma avaliação da interface, acessibilidade, objetivos, clareza e utilidade.


392 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3A interface utilizada é complexa, contém muitos elementos com menus suspensos, grandevariedade de cores e dificuldade de visualização, possui notícias, propagandas e chamadasdos eventos que a cooperativa patrocina. Há uma ferramenta interativa para votação. As letrassão pequenas e não há um direcionamento para as funcionalidades mais úteis para o usuário,por exemplo, um extrato da conta do mês pode ser acessado, mas é dificilmente encontrado nofinal de uma barra de menus, onde não faz parte do contexto.Não há nenhuma funcionalidade que contemple pessoas inexperientes ou portadores denecessidades especiais. Existem canais com vários textos de orientação em saúde e prevençãocomo um portal de saúde, o site se mantém atualizado, mas com pouca objetividade. Grandequantidade de links para vários assuntos de saúde, cultura e uma Universidade virtual paraeducação continuada. Há também áreas de acesso restrito para colaborador cooperado ecredenciado da Unimed. Há link para a <strong>ANS</strong>, sem explicação sobre o que é a <strong>ANS</strong>. As páginas sãomuito grandes e o usuário não expert poderá se perder e se sentir frustrado, pois precisa saberusar a barra de rolagem. Há uma área de política de privacidade detalhada. O portal não possuicertificação digital visível para o visitante.


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 393A interface utilizada é sóbria, porém, de difícil visualização, o tele-atendimento que éuma porta de entrada para a empresa, é de difícil discernimento. A presença de animações, emgeral com arquivos pesados, pode dificultar o usuário via telefone discado com modens e computadoresantigos.Há uma objetividade maior no que tange ao assunto que pode ter levado o usuário aosite e uma área de preços dos vários planos oferecidos, bem como serviços úteis: consultas,informações sobre o plano, carência, carência promocional, aditivos, reembolso, pagamento,cálculo de multas/juros, atendimentos realizados, medicamentos.Uma área de atendimento a solicitações que pode ir ao encontro das necessidades dousuário: orientador médico, boleto bancário, solicitação de cartão, reembolso, comprovante depagamento, demonstrativo de Imposto de renda e histórico das solicitações. Existe uma área denotícias, e link para a <strong>ANS</strong>, sem explicação sobre o que é a <strong>ANS</strong>.Não foi encontrada nenhuma funcionalidade ou preocupação de acessibilidade paraportadores de necessidades especiais. Não foram encontradas a política de privacidade ecertificação digital.


394 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3A interface é clara e simples com um telefone de atendimento visível, toda a interface cabena tela o que dispensa a rolagem para usuários pouco experientes ou portadores de necessidadesespeciais. As letras são grandes e os ícones estão bem destacados. Presença de link para<strong>ANS</strong> com uma explicação da sigla, uma barra de opções à esquerda com serviços e informações.O site possui uma certificação internacional de segurança (VERISIGN) que autentica o site paraconsumidores on-line. O VeriSign permite que se saiba detalhes sobre o site antes de submeterinformações confidenciais. Isto possibilita uma ferramenta para autorização de eventos médicos.Há um espaço médico de acesso restrito. Ainda na barra de opções os termos são claros e háuma área para várias opções de atendimento, outra coisa que chama a atenção é o destaquepara o Ombudsman (ouvidor) com uma ferramenta apropriada de comunicação. O glossáriode termos médicos, odontológicos e de seguros se propõe a orientar os usuários, mas se encontraincompleto. Não foi encontrada uma área explicitando a política de privacidade. Há algumapreocupação para COM OS usuários portadores de deficiências ou dificuldades visuais.


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 395Site simples com cores azuis boa visualização, com letras grandes alternando-se compalavras e frases de difícil visualização. Um frame vertical com serviços e notícias e outrohorizontal, mas sem clareza do por quê da separação já que ambos possuem produtos eserviços. Estão destacados no centro temas e notícias atuais sobre serviços, orientações eprestação de contas da empresa, uma vez que é uma autogestão sujeita a um conselho de usuários.A consulta da rede própria e conveniada é clara e amigável, mas os formulários para aobtenção de exames e internações são confusos e permitem ao usuário a alteração do textooriginal. Não foi encontrada certificação digital e política de privacidade.


396 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3A interface é limpa, mas com áreas de difícil visualização. Não há qualquer ferramenta oufuncionalidade que contemple portadores de necessidades especiais em termos de acessibilidade.Há uma política de privacidade detalhada e foi encontrada certificação digital (VERISIGN). Existemáreas restritas para os segurados, referenciados e corretores, com acesso mediante senha. Não sepode a partir de uma visita saber quais os serviços que a empresa pode prestar.


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 397Um site simples, mas com visualização difícil e pouca clareza sobre a empresa. Com umsímbolo centralizado e sem maiores explicações a barra de opções é pequena, assim como osícones, há uma barra horizontal de difícil visualização com tópicos pouco claros e possivelmenterepetitivos. Não há qualquer funcionalidade ou preocupação quanto ao acesso de pessoasinexperientes ou portadores de necessidades especiais. Não há acesso a dados sobre o própriosolicitante, últimas consultas, por exemplo.O desenvolvimento de sistemas de informação com boa usabilidade irá proporcionareficiência, eficácia e produtividade da interação. O usuário irá atingir plenamente seus objetivoscom menor esforço e mais satisfação. Eventualmente, uma interface poderá ter fins terapêuticose contribuir para aliviar as frustrações (especialmente entre aqueles em busca de orientações eserviços concernentes à saúde e o estresse do dia-a- dia, (PICARD, 2002). A usabilidade irá impactarpositivamente o retorno do investimento para a empresa. Ela será argumento de vendas,passará uma imagem de qualidade, evitará prejuízos para os clientes, ligados ao trabalhoadicional e ao retrabalho de correções freqüentes, por exemplo. A empresa desenvolvedora irácertamente economizar custos de manutenção e de revisões nos produtos, como mostra o textosobre Engenharia de Usabilidade (NIELSEN, 1993; LABÚTIL, 2003).DISCUSSÃONo transcorrer deste texto foram estudados três aspectos principais dos sistemas deinformação em saúde das operadoras: seu relacionamento com a rede credenciada de formafragmentada e custosa por meio de rede própria, a dificuldade de acesso em relação ao clienteque visita o sistema via internet e aspectos éticos e de segurança que precisam estar presentes emtodas as transferências de informação entre as operadoras de saúde e a <strong>ANS</strong>.Diante do quadro apresentado se pode perceber que a tecnologia disponível não é umimpedimento para a melhoria dos serviços. No processo de cobrança e regulação de consultas,internações e liberação de senhas para procedimentos, as redes estão sobrepostas com excessode terminais para cada prestador, gerando custos altos com subutilização do sistema.


398 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3A questão da acessibilidade se torna crucial no relacionamento com o usuário on-lineevitando-se o processo de exclusão digital e social.No âmbito das informações sobre os pacientes se faz necessário um prontuário eletrônicoético e seguro, os dados sobre os pacientes se encontram pulverizados em hospitais, clínicas,consultórios, planos de saúde, ambulatórios de empresas, organizados das mais diversasformas, desde pequenas fichas e prontuários de papel, passando por pequenos bancos de dadossem proteção, até hospitais e clínicas modernas com prontuários sofisticados, e laboratórios deanálises clínicas que disponibilizam seus resultados via internet.Nesta discussão se encontram listadas algumas dificuldades enfrentadas por aqueles quetrabalham com sistemas de informação em saúde: existência de muitas tabelas de procedimentos,assunto que pode ser minimizado a partir da implantação da nova lei de procedimentosmédicos (LPM) 2 . Os bancos de dados em saúde são complexos e caros, há sistemas implantadoshá mais de dez anos, sistemas adaptados de outras áreas o que pode gerar problemasde transição (compatibilidade) de sistemas antigos para novos.A automação do faturamento para grandes prestadores poderá poupar despesas, umprontuário eletrônico que possa prover um sistema eficaz de referência e contra-referência nosserviços próprios e credenciados poderá evitar consultas e procedimentos desnecessários.Está em desenvolvimento um sistema de certificação para o software em saúde por meiode um grupo de trabalho da Sociedade Brasileira de Informática em Saúde – SBIS, o primeirofoco é o prontuário eletrônico em seus vários aspectos tecnológicos, éticos e de segurança, estetrabalho está sendo realizado junto ao Conselho Federal de Medicina – CFM, segundo estasduas instituições:|2| A nova lista de procedimentos médicos, elaborada pela Associação Médica Brasileira, em conjunto comas sociedades de especialidade e o Conselho Federal de Medicina, tem valores referenciais hierarquizados eelimina a existência de diversas tabelas diferenciadas que vem sendo aplicadas em todo o país, além dedisciplinar códigos e nomenclaturas. A LPM é dividida em quatro capítulos. No primeiro, estarão agrupadosos procedimentos gerais; o capítulo dois reunirá os procedimentos clínicos ambulatoriais e hospitalares; osprocedimentos cirúrgicos e invasivos estarão reunidos no capítulo três, enquanto que o capítulo quatro foireservado para os procedimentos diagnósticos e terapêuticos.


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 399“Até o presente momento nenhuma empresa ou produto de software foi certificado ouavaliado. A metodologia está em fase final de definição. Trata-se de procedimento complexo queenvolve a participação de várias entidades e por este motivo estamos prosseguindo com a cautela eseriedade que o tema exige. Em meados de abril (2003) espera-se ter concluído a definição dametodologia. Podemos adiantar que o primeiro passo será o cadastro da instituição desenvolvedorano Panorama de Informática em Saúde da SBIS. Sugerimos as instituições que desejem ter seusprodutos certificados pelo CFM/SBIS que providenciem este cadastro através do site da SBIS:www.sbis.org.br. Algumas empresas desenvolvedoras de produtos para a área de consultório médicoestão informando nos seus sites que estão certificadas ou aderentes às normas técnicas da resolução1.639/2002. Esta declaração NÃO possui o aval quer do CFM ou da SBIS.”CONCLUSÃOEspera-se com este panorama uma contribuição para a solução de problemas de tratamentode informação nas operadoras de saúde, por meio da concepção, construção e manutençãode modelos informatizados de automação corporativa que contemplem orelacionamento com a rede credenciada, usuários on-line e <strong>ANS</strong>.Em relação à forma como se constrói a rede informatizada de atendimento à redecredenciada há uma grande necessidade de integração no sentido de se baixar custos, quantoaos usuários on-line deve haver preocupação com uma melhor acessibilidade para portadoresde necessidades especiais, idosos e usuários inexperientes. Alguns portais não possuem políticade privacidade e/ou certificação digital acessível. Alguns são mais objetivos no sentido de umainteração com o usuário proporcionando serviços úteis tais como rede conveniada, segunda viade contas e cartões.A internet é uma “Plataforma Universal”, possibilitando um conjunto de padrões queviabilizam a troca de informações (entre operadoras e <strong>ANS</strong>) independente de marca, fabricante,nacionalidade e linguagem. Os grandes sistemas de informação atuais se baseiam na construçãode hierarquias de hardware e software, são sistemas descentralizados, poderosos e complexosque emergem de métodos simples de armazenamento e manipulação de dados. A comunicação


400 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3e distribuição possibilitada pela internet representa mais um grau de complexidade sobre ahierarquia básica de hardware e software.Entre as perspectivas para o futuro estão o Sistema de Registro Eletrônico de Saúde(RES), a Formação de Comunidades de Informação Multi-Institucionais, o uso de softwarescompatíveis com as tecnologias de internet. As características mais importantes deste sistema:Não competir com os sistemas existentes, se integrar aos recursos locais disponíveis, à redeprópria e à de parceiros, bem como aos recursos públicos (CNS). Uso de padrões abertos euniversais com capacidade de incorporar “inteligência” e outras aplicações.REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICASBRASIL, 1998. Lei n o 9656 de 3 de junho de 1998. Dispõe sobre os planos e seguros privados deassistência à saúde.Fundação para Divulgação das Tecnologias de Informação, http://www.fdti.pt/ , acessado em julho de2003.http://www.amil.com.br/, acessado em julho de 2003.http://www.bradescosaude.com.br , acessado em julho de 2003.http://www.cassi.com.br/, acessado em julho de 2003.http://www.goldencross.com.br/, acessado em julho de 2003.http://www.intermedica.com.br , acessado em julho de 2003.http://www.labiutil.inf.ufsc.br/Apostila_nvVersao.pdf, acessado em julho de 2003.http://www.unimed.com.br/unimed/portal/, acessado em julho de 2003.MOURA, L.A.J., 2002. A Internet e os Sistemas de Informação em Saúde. Palestra proferida nodepartamento de Informática em Saúde DIS/EPM/UNIFESP, São Paulo.O Código de Ética da IMIA para Profissionais de Informática em Saúde, www.imia.org/pubdocs/Portuguese_Translation.pdf, acessado em julho de 2003.PAHO/WHO, 1999. Setting Up Healthcare Services Information Systems – A Guide for requirementanalysis, Application Specification, and Procurement. http://www.virtual.epm.br/material/healthcare, acessado em julho de 2003.SHORTLIFE, E.H., 2000. Medical Informatics: Computer Applications in Health Care.Sistemas de Informação em Saúde e a Vigilância Epidemiológica, capítulo 3, http://www.funasa.gov.br/pub/GVE/GVE0302.htm, acessado em julho de 2003.


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 401ANEXO 1:O CÓDIGO DE ÉTICA DA IMIA PARA PROFISSIONAISDE INFORMÁTICA EM SAÚDEPreâmbuloOs códigos de ética profissional servem para diversas finalidades:1. prover condutas éticas para os próprios profissionais;2. fornecer um conjunto de princípios com os quais as condutas profissionais possamser comparadas;3. prover ao público uma declaração clara das considerações éticas que devem reger ocomportamento destes profissionais.Este Código de Ética para Profissionais de Informação em Saúde deve, portanto, ser claro,inequívoco, e facilmente aplicável na prática. Considerando-se que a área de Informática seencontra em um estado constante de mudanças, este Código deve ser flexível o suficiente para seadaptar a estas mudanças sem, no entanto, sacrificar a aplicabilidade de seus princípios básicos.Torna-se, portanto inapropriado que este Código enfoque as especificidades de todas aspossíveis situações que possam surgir. Isto poderia tornar este Código pouco adaptável, muitorígido, e muito dependente do estado corrente da Informática. Ao invés disto, tal Código deveprivilegiar a abordagem de questões éticas do especialista em Informática em Saúde, e as relaçõesentre estes profissionais e os interlocutores com os quais interagem profissionalmente. Estesgrupos de interlocutores incluem (embora não se limitem a) pacientes, profissionais da Saúde,pessoal administrativo, instituições de Saúde, bem como operadoras de planos de saúde,agências governamentais etc.A razão para se elaborar um Código de Ética para Profissionais de Saúde, ao invés desimplesmente adotar algum dos outros códigos promulgados pelas várias associações deprofissionais de Informática, é que os profissionais de Informática em Saúde (PIS) desempenhamum papel único no planejamento e prestação de serviços em saúde, papel este distintodaquele dos profissionais de Informática que trabalham em outras áreas.


402 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3Parte desta especificidade reside no relacionamento especial entre o Prontuário Eletrônicodo Paciente (PEP) e o indivíduo a quem este se refere. O PEP não apenas revela muitos dadosprivativos dos pacientes que devem ser mantidos em sigilo, mas principalmente é a base dedecisões que terão um profundo impacto no seu bem-estar. O paciente está em uma posiçãovulnerável, e qualquer decisão relativa ao paciente e ao PEP deve reconhecer a supremanecessidade de um equilíbrio entre os fins eticamente justificáveis e os meios apropriados. Maisainda, os dados contidos no PEP também fornecem matéria-prima para processos de tomadade decisão por instituições de Saúde, governos e outras agências sem os quais os Sistemas deSaúde simplesmente não funcionariam. Portanto, os Profissionais de Informática em Saúde, aoinfluenciarem na construção, manutenção, armazenamento, acesso e manipulação de PEPs,desempenham um papel distinto dos de outros profissionais de Informática.Ao mesmo tempo, e precisamente por causa deste papel facilitador, os Profissionais deInformática em Saúde se tornam parte integrante de uma teia de relacionamentos sujeitos arestrições éticas especiais. Portanto, acima destas restrições éticas que surgem da relação entre oPEP e o próprio paciente, a conduta ética dos Profissionais de Informática em Saúde tambémestá sujeita às considerações que emergem das interações entre eles e outros profissionais desaúde, instituições de saúde e outras agências. Estas restrições atuam em diferentes direções.Torna-se, portanto imperativo que os Profissionais aos quais este Código se destina tenhamidéias claras de como resolver estes conflitos de forma apropriada. Neste sentido, este Código deÉtica se constitui numa ferramenta que pode ser usada em casos de colisão entre papéis erestrições conflitantes.Este Código também é diferente de uma relação dos direitos e deveres definidoslegalmente. Inquestionavelmente, são as leis que regulam as atividades dos Profissionais deInformática em Saúde. No entanto, a conduta ética freqüentemente vai além dos requisitoslegais. A razão é que os regulamentos legais possuem um significado puramente jurídico erepresentam, de certo modo, um padrão mínimo, segundo a visão dos legisladores, jurados ejuízes. Entretanto, estes padrões são formulados com base em circunstâncias obtidas aqui e


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 403agora; eles não possuem natureza previsória e, portanto, podem fornecer poucas diretrizes auma disciplina em rápido desenvolvimento, na qual novos tipos de situação surgemconstantemente. Profissionais de Informática em Saúde que se limitassem a seguir a lei, e queguiassem suas condutas apenas pelos precedentes legais, estariam mal preparados para lidarcom situações não previstas pelos legisladores e sujeitar-se-iam às incertezas de processosjudiciais futuros.Em contraste, este Código se fundamenta em princípios éticos básicos, aplicáveis aosdiferentes tipos de situações que caracterizam as atividades do especialista em Informática emSaúde. Conseqüentemente, tal Código, centrado na própria essência do que significa ser umProfissional de Informática em Saúde, independe dos caprichos de processos judiciais e, mais doque seguir a lei pode muito bem guiá-la; ao invés de se tornar ultrapassado pelas mudançastecnológicas ou modelos administrativos, pode perfeitamente indicar as direções que estesdesenvolvimentos devam seguir. Desta forma, embora em muitos casos as cláusulas desteCódigo venham a refletir injunções jurídicas ou normas administrativas, ele irá prover diretrizesem casos de incerteza legal ou administrativa ou em locais onde as leis e normas administrativascorrespondentes não existam. Num âmbito mais geral, este Código pode até mesmo ajudar aresolver problemas apresentados pelos imperativos tecnológicos. Nem tudo que pode ser feitodeve ser feito. Um Código de Ética auxilia na definição do panorama ético.O Código de Ética que se segue foi desenvolvido com base nestas considerações econvicções. Ele se divide em duas partes:1. Introdução.Esta parte se inicia com um conjunto de princípios éticos fundamentais que encontraramaceitação internacional geral. A seguir encontra-se uma breve lista de princípios gerais deética em Informática que seguem aqueles princípios fundamentais quando aplicados à coleta,processamento, armazenamento, comunicação, uso, manipulação e acesso de informações emSaúde em geral por meios eletrônicos. Estes princípios gerais de ética em Informática são de altonível e fornecem diretrizes gerais.


404 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 32. Regras de Conduta para os Profissionais de Informática em Saúde.Esta parte define um conjunto detalhado de regras éticas para o comportamento dosProfissionais de Informática em Saúde. Estas regras foram desenvolvidas através da aplicaçãodos princípios éticos gerais da Informática aos tipos de relacionamentos que caracterizam as vidasprofissionais dos Profissionais de Informática em Saúde. Elas são mais específicas do que osprincípios éticos gerais da Informática, e oferecem diretrizes também mais específicas.A linha exata de raciocínio que demonstra como os Princípios Éticos em Informáticaderivam dos Princípios Éticos Fundamentais, e que indica como os Princípios Éticos emInformática dão origem às Regras de Condutas Éticas para os Profissionais de Informática em Saúde,mais específicas, está contida em uma publicação separada que pode ser consultada para maioresesclarecimentos.Também se deve notar que o Código de Ética e as Regras de Condutas Éticas que oacompanham não incluem o que poderia ser chamado de procedimentos “técnicos”. Isto querdizer que eles não fazem referência a temas como padrões técnicos de comunicação segura dedados, ou a especificações que possam ser necessárias para assegurar uma alta qualidade nomanuseio, coleta, armazenamento, transmissão, manipulação, e processamento de dados deSaúde. Isto é proposital. Embora o desenvolvimento e a implementação de padrões técnicospossuam dimensões éticas, e apesar destas dimensões estarem refletidas no Código e nas Regrascomo deveres éticos, os detalhes de tais padrões não são em si mesmos uma questão de ética.Parte IIntroduçãoA. Princípios Fundamentais de ÉticaTodas as interações sociais estão sujeitas aos princípios éticos fundamentais. OsProfissionais de Informática em Saúde agem em um meio social. Conseqüentemente, suas açõestambém estão sujeitas a estes princípios. Os mais importantes destes princípios são:


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 4051. Princípio da AutonomiaTodas as pessoas têm o direito fundamental da autodeterminação.2. Princípio da Igualdade e JustiçaTodas as pessoas são iguais e têm o direito de ser tratadas desta forma.3. Princípio da BeneficênciaTodas as pessoas têm o dever de promover o bem dos outros, sempre que a naturezadeste bem esteja de acordo com os valores fundamentais e eticamente defensáveis das partesafetadas.4. Princípio da Prevenção de DanosTodas as pessoas têm o dever de prevenir danos a outras pessoas, tanto quanto estiver aoseu alcance fazê-lo sem causar danos a si próprios.5. Princípio da ImpossibilidadeTodos os direitos e deveres aplicam-se sujeitos à condição de que seja possível cumpri-losante as circunstâncias que se apresentem.6. Princípio da IntegridadeQuem quer que tenha uma obrigação, tem o dever de cumprir com esta obrigação nomelhor da sua habilidade.B. Princípios Gerais da Ética em InformáticaEstes princípios fundamentais de ética, quando aplicados aos tipos de situações que seenquadram no âmbito da Informática, dão origem aos princípios gerais da ética em informática.1. Princípio da Informação – Privacidade e DestinaçãoTodas as pessoas têm um direito fundamental à privacidade, e por extensão ao controlesobre a coleta, armazenagem, acesso, uso, comunicação, manipulação, processamento edestinação de dados sobre si mesmas.


406 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 32. Princípio da TransparênciaA coleta, armazenagem, acesso, uso, comunicação, manipulação, processamento edisposição de dados pessoais deve ser comunicada de forma apropriada e num temporazoavelmente curto à pessoa a quem se referem esses dados.3. Princípio da SegurançaDados que tenham sido legitimamente coletados a respeito de uma pessoa devem serprotegidos, por todos os meios razoáveis e apropriados, contra perda, degradação, destruição,acesso, uso, manipulação, modificação ou comunicação indevidos ou não-autorizados.4. Princípio do AcessoO indivíduo ao qual se refere um registro eletrônico ou não de dados tem o direito de teracesso àquele registro, e a corrigi-lo para torná-lo mais exato, completo e relevante.5. Princípio da Infração LegítimaO direito fundamental de controle sobre a coleta, armazenagem, acesso, uso, comunicação,manipulação e disposição de dados pessoais é condicionado somente pelas necessidadeslegítimas, apropriadas e relevantes de acesso a esses dados por uma sociedade livre,responsável e democrática, e pelos direitos iguais e concorrentes de outras pessoas.6. Princípio da Alternativa de Menor IntromissãoQualquer infração aos direitos de privacidade de um indivíduo e dos direitos deste decontrolar os dados relativos à sua pessoa, conforme determinados pelo Princípio 1, somentepoderá ocorrer com a menor intromissão possível, e com o mínimo de interferência nos direitosda pessoa em questão.7. Princípio da JustificativaQualquer infração aos direitos de privacidade de um indivíduo e dos direitos deste decontrolar os dados relativos à sua pessoa deve ser justificada perante a pessoa afetada numtempo razoável e de forma apropriada.Estes princípios gerais de ética em Informática, quando aplicados aos tipos de relaçõesdas quais os Profissionais de Informática em Saúde participam em suas vidas profissionais, e


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 407aos tipos de situações que eles encontram nessas atividades, dão origem a obrigações éticas maisespecíficas. As Regras de Conduta Ética para Profissionais de Informática em Saúde, a seguir,delineiam as mais importantes dessas obrigações éticas. Deve-se observar que, assim como emquaisquer regras éticas de conduta, as Regras não podem ser mais do que guias. A maneiraprecisa pela qual as Regras se aplicam em um determinado contexto e a natureza precisa de umdeterminado direito ou obrigação ética dependem da natureza específica da situação em questão.PARTE IIRegras de Conduta Ética para Profissionaisde Informática em SaúdeAs regras de conduta ética para Profissionais de Informática em Saúde podem serdivididas em seis rubricas gerais, cada uma das quais com várias subseções. As rubricas geraisdelimitam os diferentes domínios das relações éticas que aparecem entre PIS e interessadosespecíficos; as subseções detalham as especificidades dessas relações.A. Obrigações Referentes ao IndivíduoEstas são obrigações que derivam da relação dos Profissionais de Informática em Saúdecom os indivíduos (pacientes) aos quais se referem os registros eletrônicos de dados de saúde(prontuários), ou àqueles com quem são feitas comunicações eletrônicas facilitadas pelosProfissionais de Informática em Saúde através de suas atividades profissionais.1.Os Profissionais de Informática em Saúde têm a obrigação de assegurar que ospacientes sobre os quais potencialmente podem existir registros eletrônicos de dados tenhamconhecimento da existência de sistemas, programas ou dispositivos com a finalidade de coletarou comunicar dados desta natureza.2.Os Profissionais de Informática em Saúde têm a obrigação de assegurar queprocedimentos apropriados sejam tomados, de modo que:a.prontuários ou registros eletrônicos sejam estabelecidos ou transmitidos por meiosde comunicação somente com o consentimento voluntário, competente e informado dospacientes aos quais esses registros se referem;


408 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 3b.se um prontuário ou registro eletrônico for estabelecido ou comunicado emdesacordo com o disposto no item A.2.a, a necessidade de se estabelecê-lo ou transmiti-lo pormeios de comunicação possa ser demonstrada em bases éticas independentes ao paciente emquestão, em tempo hábil e de forma apropriada.3.Os Profissionais de Informática em Saúde têm a obrigação de assegurar que o pacienteao qual se refere um prontuário ou registro eletrônico tome conhecimento de:a.que um prontuário ou registro eletrônico foi estabelecido a respeito de sua pessoa;b.quem estabeleceu o registro ou prontuário, e quem continua a mantê-lo;c. que dados estão contidos no prontuário ou registro;d.a finalidade com a qual o prontuário ou registro foi estabelecido;e.os indivíduos, instituições ou agências que têm acesso ao prontuário ou registro,ou a quem este (assim como qualquer parte identificável deste) pode ser comunicado;f.onde o prontuário ou o registro eletrônico é mantido;g.a duração de tempo pela qual o prontuário ou registro será mantido;h.o destino final que o prontuário ou registro terá.4.Os Profissionais de Informática em Saúde têm a obrigação de assegurar que o pacienteao qual se refere um prontuário ou registro eletrônico tenha conhecimento da origem dos dadosnele contidos.5.Os Profissionais de Informática em Saúde têm a obrigação de assegurar que o pacienteao qual se refere um prontuário ou registro eletrônico tenha conhecimento de quaisquer direitosque possa ter, no que se refere:a.ao acesso, uso e armazenamento de seu prontuário ou registro eletrônico e dosdados nele contidos;b.à comunicação e manipulação do prontuário ou registro e de seus dados;c.à qualidade e exatidão do prontuário ou registro e dos dados;d.ao destino e tratamento final destes.6.Os Profissionais de Informática em Saúde têm o dever de assegurar que:a. prontuários ou registros eletrônicos sejam armazenados, acessados, utilizados,manipulados ou transmitidos somente para fins legítimos;


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 409b.existam protocolos apropriados e mecanismos operacionais para monitorar oarmazenamento, acesso, uso, manipulação ou transmissão de prontuários ou registroseletrônicos ou dos dados neles contidos, em consonância com o item A.6.a;c.existam protocolos apropriados e mecanismos operacionais para agir com basenas informações a que se refere o item A.6.b, sempre que a ocasião assim o exigir;d.a existência desses protocolos e mecanismos seja conhecida pelos indivíduos a quese referem os prontuários ou registros eletrônicos;e.haja meios apropriados para que os indivíduos aos quais se referem os prontuáriosou registros eletrônicos possam solicitar informações e acionar os protocolos e mecanismosde revisão relevantes.7.Os Profissionais de Informática em Saúde têm o dever de tratar os representantesdevidamente autorizados dos pacientes como se tais representantes tivessem os mesmos direitoscom relação aos prontuários eletrônicos que os próprios pacientes representados, e essesrepresentantes (e, quando apropriado, os próprios pacientes) devem estar cientes deste fato.8.Os Profissionais de Informática em Saúde têm a obrigação de assegurar que todos osprontuários ou registros eletrônicos sejam tratados de maneira justa e igualitária.9.Os Profissionais de Informática em Saúde têm o dever de assegurar que medidasapropriadas estejam disponíveis e possam ser razoavelmente esperadas para garantir:a.a segurança dos prontuários ou registros eletrônicos;b.a integridade destes;c.sua qualidade material;d.suas condições de uso;e.sua acessibilidade.10.Os Profissionais de Informática em Saúde têm o dever de assegurar, até onde estejaao seu alcance, que um prontuário ou registro eletrônico ou os dados nele contidos sejamutilizados somente:a.para as finalidades declaradas para as quais os dados foram coletados, oub.de outro modo, para finalidades que sejam eticamente defensáveis.


410 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 311. Os PIS têm a obrigação de assegurar que os pacientes aos quais se referem osprontuários ou registros eletrônicos, ou as transmissões eletrônicas destes, tomem ciência depossíveis não-cumprimentos das obrigações acima arroladas, e das razões para tanto.B. Obrigações para com os Profissionais de SaúdeOs profissionais de saúde dependem das habilidades tecnológicas dos Profissionais deInformática em Saúde para o cumprimento de suas obrigações centradas nos pacientes.Conseqüentemente, os Profissionais de Informática em Saúde têm a obrigação de assistir essesprofissionais, até onde isto seja compatível com a responsabilidade primária dos PIS com relaçãoaos indivíduos aos quais se referem os prontuários ou registros eletrônicos. Especificamente,isto significa que:1.Os Profissionais de Informática em Saúde têm a obrigação:a. de auxiliar os profissionais de saúde devidamente credenciados que estejamexercendo cuidados de saúde a terem acesso apropriado, num tempo razoável e com segurançaa prontuários ou registros eletrônicos, e de assegurar as condições de uso, a integridade e a maiorqualidade técnica possível desses registros;b. de fornecer os serviços de Informática que forem necessários para que os profissionaisde saúde possam desempenhar suas funções.2.Os Profissionais de Informática em Saúde devem manter os profissionais de saúdeinformados sobre as condições dos serviços de Informática dos quais estes últimos profissionaisdependem, e informá-los imediatamente de quaisquer problemas associados a esses serviços deInformática, ou que se possa razoavelmente esperar que apareçam com relação a eles.3.Os Profissionais de Informática em Saúde devem informar aos profissionais desaúde com os quais interagem profissionalmente, ou para quem prestam serviços profissionais,de quaisquer circunstâncias que possam prejudicar a objetividade da orientação que lhesoferecem, ou a natureza ou qualidade dos serviços que lhes prestam.4.Os Profissionais de Informática em Saúde têm a obrigação geral de manter umambiente que seja favorável à manutenção dos padrões éticos e materiais mais altos possíveis


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 411para a coleta, armazenagem, comunicação e utilização de dados pelos profissionais de saúde,dentro da instituição de saúde.5.Os profissionais de saúde que estejam diretamente envolvidos na elaboração deprontuários ou registros eletrônicos podem ter direitos de propriedade intelectual em certascaracterísticas formais dessas implementações. Por conseguinte, os Profissionais de Informáticaem Saúde têm a obrigação de resguardar:a.essas características formais dos registros, sobre as quais o profissional de saúdetenha direitos de propriedade intelectual ou possa ter uma expectativa razoável de tê-los, oub.as características formais do sistema de coleta, recuperação, armazenamento ouutilização ao qual os prontuários eletrônicos estejam incorporados, e às quais aqueles mesmosdireitos ou expectativas possam aplicar-se.C. Obrigações para com as Instituições e Empregadores1.Os Profissionais de Informática em Saúde têm, para com os seus empregadores e comas instituições onde trabalham, deveres de:a. competência;b. diligência;c. integridade;d. lealdade.2.Os Profissionais de Informática em Saúde têm o dever de:a. promover no ambiente onde exercem sua profissão uma cultura de segurança atentaaos aspectos éticos;b. facilitar o planejamento e a implementação das melhores e mais adequadas medidaspossíveis, no ambiente institucional onde trabalham;c. implementar e manter os padrões qualitativos mais altos possíveis para a coleta,armazenagem, recuperação, processamento, acesso, comunicação e utilização de dados em todasas áreas de seu exercício profissional.


412 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 33.Os Profissionais de Informática em Saúde têm o dever de assegurar, até o máximo desua capacidade, que existam estruturas apropriadas para avaliar se a coleta, armazenagem,recuperação, processamento, acesso, comunicação e utilização de dados são feitos de formaaceitável, sob os pontos de vista técnico, legal e ético, nas instalações onde desempenham suasfunções ou às quais se afiliam.4.Os Profissionais de Informática em Saúde têm o dever de alertar, em tempo hábil e demaneira apropriada, às pessoas com poder de decisão na instituição à qual se afiliam ou nosempregadores aos quais prestam serviços profissionais, a respeito das condições de segurançae qualidade dos sistemas, programas, dispositivos ou procedimentos de geração, armazenagem,acesso, manipulação e comunicação de dados.5.Os Profissionais de Informática em Saúde devem informar imediatamente àsinstituições às quais se afiliam ou aos empregadores aos quais prestam serviços profissionais arespeito de quaisquer problemas ou dificuldades que se possa razoavelmente esperar, comrelação ao desempenho de seus serviços contratualmente estipulados.6.Os Profissionais de Informática em Saúde devem informar imediatamente àsinstituições às quais se afiliam ou aos empregadores aos quais prestam serviços profissionais arespeito de circunstâncias que possam prejudicar a objetividade das orientações que prestam.7.Exceto no caso de emergências, os Profissionais de Informática em Saúde somentedevem prestar serviços em suas áreas de competência; entretanto, devem sempre ser honestos ediretos a respeito de sua educação, experiência e treinamento.8. Os Profissionais de Informática em Saúde somente devem utilizar ferramentas, técnicasou dispositivos adequados e adquiridos de forma ética no desempenho de suas atribuições.9. Os Profissionais de Informática em Saúde têm a obrigação de auxiliar nodesenvolvimento e oferecimento de serviços educacionais referentes à Informática nasinstituições às quais se afiliam ou nos empregadores para os quais trabalham.D. Obrigações para com a Sociedade1.Com relação aos dados necessários para o planejamento e a prestação de serviços desaúde em escala social, os Profissionais de Informática em Saúde têm a obrigação de facilitar suaapropriada:


DOCUMENTOS TÉCNICOS DE APOIO AO FÓRUM DE SAÚDE SUPLEMENTAR DE 2003 413a. coleta;b. armazenagem;c. comunicação;d. utilização;e. manipulação e processamento.2.Os PIS têm a obrigação de garantir que:a. somente dados relevantes para necessidades legítimas de planejamento sejam coletados;b. sempre que possível, a identificação pessoal dos dados coletados seja removida, ouestes sejam tornados anônimos, de acordo com os objetivos legítimos da coleta de dados;c. a interligação de bases de dados possa ocorrer somente por outras razões que sejamlegítimas e defensáveis, e que não violem os direitos fundamentais dos indivíduos aos quais osdados se referem;d. somente pessoas devidamente autorizadas tenham acesso aos dados relevantes.3.Os Profissionais de Informática em Saúde têm a obrigação de educar o público arespeito das várias questões relativas à natureza, coleta, armazenagem e utilização de dadoseletrônicos de saúde, e de conscientizar a sociedade de quaisquer problemas, perigos, implicaçõesou limitações que possam ser associadas num grau razoável à coleta, armazenagem, utilizaçãoe manipulação de dados de saúde socialmente relevantes.4.Os Profissionais de Informática em Saúde recusar-se-ão a participar ou apoiarpráticas que violem os direitos humanos.5.Os Profissionais de Informática em Saúde serão responsáveis por estabelecerem aremuneração por seus serviços e suas exigências de condições de trabalho e benefícios.E. Obrigações dos Profissionais de Informáticaem Saúde para com Si PrópriosOs Profissionais de Informática em Saúde têm a obrigação de:1.reconhecer os limites de sua competência;2.consultar outros profissionais quando necessário ou apropriado;3.manter atualizado seu nível de competência;


414 REGULAÇÃO & SAÚDE – VOLUME 34.assumir a responsabilidade por todos os atos por eles desempenhados, ou sob oseu controle;5.evitar conflitos de interesse;6.dar o crédito apropriado ao trabalho efetuado;7.agir com honestidade, integridade e diligência.F. Obrigações dos Profissionais de Informáticaem Saúde para com sua Profissão1.Os Profissionais de Informática em Saúde têm a obrigação de sempre agir de modo anão prejudicar a reputação de sua profissão.2.Os Profissionais de Informática em Saúde têm a obrigação de auxiliar no desenvolvimentodos padrões mais altos possíveis de competência profissional, de assegurar que essespadrões sejam do conhecimento público, e de se certificarem de que tais padrões sejam aplicadosde forma imparcial e transparente.3.Os Profissionais de Informática em Saúde deverão abster-se de impugnar a reputaçãode seus colegas, mas deverão relatar às autoridades apropriadas qualquer conduta nãoprofissionalpor parte de um colega.4.Os Profissionais de Informática em Saúde têm a obrigação de auxiliar seus colegas aatenderem aos mais altos padrões técnicos e éticos de sua profissão.5.Os Profissionais de Informática em Saúde têm a obrigação de promover a compreensãoe a utilização apropriada e ética das tecnologias da informação em saúde, e decontribuir para o avanço e difusão da disciplina de Informática em Saúde.


Este livro foi impresso pela Imprinta Express para a Agência Nacionalde Saúde Suplementar, em junho de 2004. Utilizaram-se asfontes Minion e Rotis na composição; papel pólen bold 90g/m 2para o miolo e cartão duo design 250g/m 2 para a capa.

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