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Eleição, aliança e sofrimento Haroldo Reimer A tradição do povo de ...

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Eleição, aliança e <strong>sofrimento</strong><strong>Harol<strong>do</strong></strong> <strong>Reimer</strong>A tradição <strong>do</strong> <strong>povo</strong> <strong>de</strong> Israel é fortemente marcada pelas idéias <strong>de</strong> eleição e aliança. O Livro <strong>de</strong>Oséias dá a sua contribuição na formação <strong>de</strong>ste conjunto traditivo.O texto <strong>de</strong> Os 11 põe em <strong>de</strong>staque a noção <strong>de</strong> uma relação especial <strong>do</strong> Deus Javé com este <strong>povo</strong>.Fala-se <strong>do</strong> amor <strong>de</strong> Javé por Israel quan<strong>do</strong> este ainda era menino e da sua vocação ou chama<strong>do</strong> <strong>de</strong>s<strong>de</strong> ostempos <strong>do</strong> Egito. Javé, em gratuida<strong>de</strong>, se mantém fiel a este <strong>povo</strong>, esperan<strong>do</strong> ansiosamente a resposta <strong>de</strong>compromisso da parte <strong>de</strong>ste, muitas vezes em vão.Na Bíblia, a idéia <strong>de</strong> aliança sempre tem <strong>do</strong>is la<strong>do</strong>s: gratuida<strong>de</strong> e compromisso. Nos gran<strong>de</strong>smomentos narrativos das tradições hebraicas registradas na Bíblia, é o próprio Deus que toma ainiciativa <strong>de</strong> relação com o <strong>povo</strong>. Isso está bem <strong>de</strong>senvolvi<strong>do</strong> no Livro <strong>do</strong> Êxo<strong>do</strong>. Deus se revela a Moisés,ouve o clamor <strong>do</strong> <strong>povo</strong> e <strong>de</strong>sce para libertar (Ex 3,7). Na tradição <strong>do</strong> Sinai, narra-se a celebração <strong>de</strong> umaaliança, que tem um conjunto <strong>de</strong> leis chama<strong>do</strong> ‘Código da Aliança’ como o sinal externo (Ex 20-24). Asleis são as letras <strong>do</strong> contrato da relação. Através <strong>de</strong> um media<strong>do</strong>r, o <strong>povo</strong> ouve as leis e respon<strong>de</strong>positivamente. Há outros relatos <strong>de</strong> alianças, como a aliança <strong>de</strong> Javé com Davi (2Sm 7) ou a celebraçãoda aliança <strong>de</strong>uteronômica através <strong>de</strong> Josias (2Rs 22-23).Len<strong>do</strong> os textos da Bíblia, temos a impressão <strong>de</strong> que tais cerimônias <strong>de</strong> aliança são muito antigas;que seriam <strong>do</strong>s tempos anteriores à entrada <strong>do</strong> <strong>povo</strong> na terra. Os estudiosos da Bíblia, porém, dizem quesomente no final <strong>do</strong> século 8 e durante o século 7 a .C. o tema ‘aliança’ passou a ser oficialmenteconstitutivo da tradição oficial <strong>do</strong> <strong>povo</strong>. O profeta Oséias já conhece e transmite uma idéia teológica <strong>de</strong>aliança entre Javé e Israel. Esta <strong>de</strong>ve estar enraizada na tradição popular, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> tempos antigos. Mas elenão cita um conjunto <strong>de</strong> leis como expressão externa <strong>de</strong> aliança, embora em uma passagem se fale <strong>de</strong>‘mandamentos’ que Deus <strong>de</strong>u ao <strong>povo</strong>, mas que este toma como sen<strong>do</strong> algo estranho (Os 8,12).Junto com a idéia <strong>de</strong> aliança e eleição vai se fortalecen<strong>do</strong> na tradição <strong>de</strong> Israel a idéia <strong>de</strong> que Javé éo único e o verda<strong>de</strong>iro Deus. É o tema <strong>do</strong> monoteísmo. Afirmar que Javé é o único é a síntese <strong>de</strong> umlongo processo <strong>de</strong> reflexão, conflitos, amadurecimento e afirmações oficiais. Nos inícios <strong>do</strong> <strong>povo</strong> <strong>de</strong> Israelhavia uma diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> grupos sociais e culturais que, aos poucos, foram se constituin<strong>do</strong> num sótronco. Cada grupo tinha também as suas tradições próprias sobre Deus e o mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> a<strong>do</strong>rá-lo. Noambiente <strong>de</strong> Canaã e mesmo entre o <strong>povo</strong> hebreu, cultuava-se uma diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>uses: El, El Shadai,Baal, Aserá, Neustã, Rainha <strong>do</strong>s Céus, etc. Havia até <strong>de</strong>usas como consortes <strong>de</strong> <strong>de</strong>uses!Como a Bíblia hebraica é o conjunto <strong>de</strong> textos que marca a <strong>do</strong>utrina <strong>de</strong> que Javé é o Deusverda<strong>de</strong>iro, há muitas polêmicas contra outros <strong>de</strong>uses. O profeta Elias, por exemplo, polemiza muitofortemente contra Baal. Ezequias retira <strong>do</strong> templo <strong>de</strong> Jerusalém a serpente <strong>de</strong> bronze chamada Neustã.Josias proíbe o culto a Aserá. Outros polemizam contra as imagens <strong>do</strong>s bezerros <strong>de</strong> ouro. Oséias marcauma polêmica contra Baal. No imaginário popular, Baal era consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong> o <strong>de</strong>us da fertilida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s solos e<strong>do</strong>s ventres. Assim, na hora da colheita <strong>do</strong>s frutos, na hora <strong>de</strong> ver os resulta<strong>do</strong>s <strong>do</strong> trabalho e dafertilida<strong>de</strong>, muitas vezes as ações <strong>de</strong> graça eram feitas para Baal e não para Javé. E isso se revertianegativamente para os santuários javistas e ocasionava uma raiva <strong>do</strong>s profetas e sacer<strong>do</strong>tes javistascontra outros.Oséias é <strong>de</strong>fensor <strong>de</strong> Javé. Ele afirma que é Javé quem verda<strong>de</strong>iramente dá a gran<strong>de</strong> dádiva daliberda<strong>de</strong> na terra e a abundância <strong>de</strong> frutos. Com isso, o profeta critica ações <strong>do</strong> <strong>povo</strong> e da elite,chaman<strong>do</strong> seu comportamento <strong>de</strong> i<strong>do</strong>latria e prostituição. Como <strong>de</strong>fensor <strong>de</strong> Javé e da tese <strong>de</strong> que Javé éo verda<strong>de</strong>iro prove<strong>do</strong>r da abundância <strong>do</strong>s frutos da terra, Oséias expressa um zelo teológico que chega adar margem à idéia <strong>de</strong> um <strong>de</strong>us masculino ciumento em relação a outros <strong>de</strong>uses.No texto <strong>de</strong> Os 11, é importante <strong>de</strong>stacar que o profeta se vale aqui <strong>de</strong> imagens e metáforas, que<strong>de</strong>screvem Javé com traços femininos. A imagem <strong>de</strong> Deus como aquele que carrega no colo e se inclinapara dar <strong>de</strong> comer indica atribuições femininas. Também as referências ao útero e à paciência <strong>de</strong> Javé


apontam nesta direção. São jeitos diferentes <strong>de</strong> falar <strong>de</strong> Deus. A própria tarefa <strong>do</strong> anúncio <strong>do</strong> juízo sobreIsrael é apresentada como um <strong>sofrimento</strong> para o próprio Javé. Tanto Javé quanto Oséias contorcem suasentranhas ao ter que anunciar a dureza <strong>do</strong> juízo divino sobre a nação e o <strong>povo</strong>.[Texto publica<strong>do</strong> em: REIMER, <strong>Harol<strong>do</strong></strong> (org.). Oséias. Juízo, misericórdia, conversão. Encontros sobreo livro <strong>de</strong> Oséias. São Leopol<strong>do</strong>: Cebi, 2005, p. 27-29]

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