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Numero 7 - uea - pós graduação

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ANO-4, N.º 7 – JULHO-DEZEMBRO/2006 – ISSN: 1679-932107


Governador do amazonasEduardo Bragavice-Governador do amazonasOmar Azizsecretário de estado da cUltUraRobério Bragasecretária de estado da ciência e tecnoloGiaJosé Aldemir de Oliveirareitora da Universidade do estado do amazonasMarilene Corrêa


ANO-4, N.º 7MANAUS, JULHO-DEZEMBRO, 2006


Copyright © 2006Governo do Estado do AmazonasSecretaria de Estado da CulturaUniversidade do Estado do Amazonas – UEAUniversidade do estado do amazonasReitor Lourenço dos Santos Pereira BragaVice-Reitor Carlos Eduardo GonçalvesPró-reitoria de Pós-GradUação e PesqUisaPró-Reitor Walmir de Albuquerque Barbosaescola sUPerior de ciências sociaisDiretor Randolpho de Souza BittencourtProGrama de Pós-GradUação em direito ambientalcoordenadores Fernando antonio de carvalho dantas(2003-2009) e sandro nahmias melo (2009-atUal)Solicita-se permutaSolicitase canjeExchange desiredOn demande l’échangeVogliamo cambioWir bitten um Austauschcoordenadores(as)Prof. Dr. Fernando Antonio de Carvalho DantasProfa. Dra. Cristiane Deranicoordenação editorialProf. Dr. Joaquim Shiraishi NetoProf. Dr. Serguei Aily Franco de Camargoconselho editorialProf. Dr. Sandro Nahmias MeloProfa. Dra. Cristiane DeraniProf. Dr. Serguei Aily Franco de CamargoProf. Dr. Fernando Antonio de Carvalho DantasProf. Dr. Walmir Albuquerque BarbosaProfa. Dra. Solange Teles da SilvaProf. Dr. Joaquim Shiraishi NetoProf. Dr. Ozorio José de Menezes FonsecaProf. Dr. Luiz Edson FachinProf. Dr. David Sánchez RubiocaPa e Projeto GráFicoKintaw DesignrevisãoEdições KintawFicha cataloGráFicaYcaro Verçosa dos Santos– CRB-11 287Hiléia: Revista de Direito Ambiental daAmazônia. ano 4, n.º 7. Manaus: EdiçõesGoverno do Estado do Amazonas / Secretariade Estado da Cultura / Universidade do Estadodo Amazonas, 2006.336 p.ISSN: 1679-9321 (Semestral)1. Direito Ambiental – Amazônia I.Universidade do Estado do AmazonasUNIVERSIDADE DO ESTADO DO AMAZONAS – UEAPrograma de Pós-Graduação em Direito AmbientalRua Leonardo Malcher, n.º 1728, 5.º andar,Centro, CEP: 69010-170Manaus – Amazonas – BrasilTel./Fax. 55 92 3627-2725E-mail: revistahileia@<strong>uea</strong>.edu.brSite: www.pos.<strong>uea</strong>.edu.br/direitoambiental/CDD: 344.046811CDU 344 (811)


SUMç RIOAPRESENTAÇÃO ....................................................9PARTE IPROTECCIÓN PENAL DEL MEDIO AMBIENTE EN LA UNIÓN EUROPEAÁlvaro A. Sánchez Bravo ..................................................13AS CIDADES AMAZôNICAS NOS 20 ANOS DA CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA DE 1988Robério Braga ..........................................................41PROGRAMAS DE PESqUISA EM MEIO AMBIENTE E A qUESTÃO URBANA: UM ENSAIOSOBRE A AUSêNCIATatiana Schor ...........................................................55O DIREITO AO LIVRE ACESSO AS áREAS DE BABAÇU: NOTAS SOBRE O PJ 747/ 03Luiz Edson FachinCarlos Eduardo Pianovski. .................................................79HERENCIA, RECREACIONES, CUIDADOS, ENTORNOS Y ESPACIOS COMUNES Y/OLOCALES PARA LA HUMANIDAD, PUEBLOS INDÍGENAS Y DERECHOS HUMANOS.David Sánchez Rubio .....................................................95LA DECONSTRUCCIÓN DEL CONCEPTO DE PROPIEDAD. UNA APROxIMACIÓNINTERCULTURAL A LOS DERECHOS TERRITORIALES INDÍGENASAsier Martínez de Bringas ................................................123PARTE IIMEIO AMBIENTE DO TRABALHO E GREVE AMBIENTALSandro Nahmias Melo ...................................................151SEGURANÇA AMBIENTAL NA REGIÃO AMAZôNICASolange Teles da SilvaJoão Leonardo Mele. ....................................................167


“IDEALISMO JURÍDICO” COMO OBSTáCULO AO “DIREITO à CIDADE”: A NOÇÃO DEPLANEJAMENTO URBANO E O DISCURSO JURÍDICO AMBIENTALJoaquim Shiraishi NetoRosirene Martins Lima ...................................................191DESENVOLVIMENTO SUSTENTáVEL EM UNIDADES DE CONSERVAÇÃO:Evelinn Flores de OliveiraSerguei Aily Franco de Camargo ...........................................203PROPOSTAS PARA O MONITORAMENTO DE ACORDOS DE PESCA NO MéDIO AMAZONASRegina Glória Pinheiro CerdeiraSerguei Aily Franco de Camargo ...........................................223PARTE IIIARMANDO DIAS MENDES: REFLExÕES SOBRE OS ECOS DO DESENVOLVIMENTOSUSTENTáVEL NA AMAZôNIAMoysés Alencar de CarvalhoRodrigo Barbosa de Castilho ..............................................243POSSE NAS COMUNIDADES DAS qUEBRADEIRAS DE COCO BABAÇULuane Lemos Felício Agostinho ............................................251FLORESTAS FAMILIARES: UMA ANáLISE DO MODELO DE PARCERIA ENTREAGRICULTORES FAMILIARES E INDúSTRIA MADEIREIRAJosinete Sousa LamarãoAntonio Edilson de Castro Sena ............................................273OS DIREITOS TERRITORIAIS INDÍGENAS NA LEGISLAÇÃO COLONIAL BRASILEIRAAlex Justus da Silveira ...................................................297DIREITO, GêNERO E MEIO AMBIENTECristiane da Silva Lima Reis ..............................................313PARTE IV – RESUMOSDISSERTAÇÕES DE MESTRADO (JULHO-DEZEMBRO/2006) .................... 329


COntentSPART ICRIMINAL PROTECTION OF THE ENVIRONMENT IN EUROPEAN UNIONÁlvaro A. Sánchez Bravo ..................................................13AMAZONIAN CITIES DURING THE LAST TWENTY YEARS OF BRAZILIANCONSTITUTION (1988)Robério Braga ..........................................................41ENVIRONMENTAL RESEARCH PROGRAMS AND THE URBAN qUESTION:AN ESSAY ABOUT THE ABSENCETatiana Schor ...........................................................55THE RIGHT OF OPEN ACCESS OVER BABAÇU AREAS: NOTES ABOUT THE PJ 747/03Luiz Edson FachinCarlos Eduardo Pianovski. .................................................79HERITAGE, RECREATION, CONCERNS AND COMMON AREAS AND/OR SITES FORMANKIND, INDIGENOUS PEOPLES AND HUMAN RIGHTS.David Sánchez Rubio .....................................................95UNBUILDING THE PROPERTY CONCEPT: AN INTERCULTURAL APPROACH OFTERRITORIAL INDIGENOUS RIGHTSAsier Martínez de Bringas ................................................123PART IILABOR ENVIRONMENT AND ENVIRONMENTAL STRIKESandro Nahmias Melo ...................................................151ENVIRONMENTAL SECURITY IN THE AMAZONIAN REGIONSolange Teles da SilvaJoão Leonardo Mele. ....................................................167


“JURIDICAL IDEALISM” AS AN OBSTACLE FOR THE “RIGHT TO THE CITY”:A NOTION OF URBAN PLANNING AND THE ENVIRONMENTAL LAW MAINSTREAMJoaquim Shiraishi NetoRosirene Martins Lima ...................................................191USTAINABLE DEVELOPMENT IN CONSERVATION UNITSEvelinn Flores de OliveiraSerguei Aily Franco de Camargo ...........................................203MONITORING PROPOSALS FOR THE FISHERY AGREEMENTS IN THEMEDIUM AMAZONAS REGIONRegina Glória Pinheiro CerdeiraSerguei Aily Franco de Camargo ...........................................223PART IIIARMANDO DIAS MENDES: REFLECTIONS ABOUT THE ECHOES OF SUSTAINABLEDEVELOPMENT OF AMAZONASMoysés Alencar de CarvalhoRodrigo Barbosa de Castilho ..............................................243LAND TENURE IN THE COMMUNITIES OF BABAÇU CRUSHERSLuane Lemos Felício Agostinho ............................................251FAMILY FORESTS: AN ANALISYS ABOUT THE PARTNERSHIP MODEL BETWEENTIMBER INDUSTRY AND FAMILY FARMERSJosinete Sousa LamarãoAntonio Edílson de Castro Sena ............................................273THE TERRITORIAL INDIGENOUS RIGHTS IN THE BRAZILIAN COLONIAL LAWAlex Justus da Silveira ...................................................297LAW, GENDER AND ENVIRONMENTCristiane da Silva Lima Reis ..............................................313PART IVMASTERS DEGREE DISSERTATIONS (JULY-DECEMBER/2006) .................. 329


APReSentA‚ Ì OHilŽ ia, Revista de Direito Ambiental da Amazni a configura espa• o paraA publica• ‹ o das reflex›e s constru’ das no ‰ mbito do Programa de P—s -Gradua• ‹ o em Direito Ambiental da Universidade do estado do Amazonas aopasso em que para si convergem as contribui• ›e s de pesquisadores externosem cujo pensar manifestam a imprescind’ vel rela• ‹ o do conhecimento com arealidade.O nœm ero sete que ora encaminhamos a comunidade cient’ fica congrega,como nas edi• › es anteriores, o esfor• o compartilhado de professores epesquisadores do direito, do direito ambiental e de ‡ reas afins em construir umconhecimento jur’ dico permeado pelo di‡ logo inter e transdisciplinar, para acompreens‹ o e explica• ‹ o do complexo espa• o amazni co.Agradecemos aos colaboradores, ˆ Magn’ fica Reitora da Universidadedo estado do Amazonas, Professora Doutora Marilene Corr• a da Silva Freitas,pelo incans‡ vel apoio ao PPGDA, ao Professor Doutor Joaquim Shiraishi netopela elabora• ‹ o e revis‹ o dos resumos em l’ ngua estrangeira e, finalmente, aosmestrandos que, com seus artigos, demonstraram compreender o significadodo espa• o acad• mico criado no PPGDA.Prof. Dr. Serguei Aily Franco de CamargoPrograma de P—s -Gradua• ‹o em DireitoAmbiental Ð Universidade do Estado doAmazonasHiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006 9


part Iparte IPROTECCIÓN PENAL DEL MEDIO AMBIENTE EN LA UNIÓN EUROPEAÁlvaro A. Sánchez Bravo. ...............................................................131. El diseño comunitario de la política medioambiental ...................................... 142. El marco normativo: el incumplimiento de los Estados. .................................... 153. La opción por la protección del medio ambiente mediante el Derecho Penal: laPropuesta de Directiva de 2001 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 184. La contraoferta de los Estados miembros: Decisión Marco el Consejo de laUnión Europea de 2003 ............................................................ 235. La Sentencia del Tribunal de Justicia de 13 de Septiembre de 2005 .......................... 286. Comunicación de la Comisión al Parlamento Europeo y al Consejo sobre las consecuenciasde la sentencia del Tribunal de 13.9.2005 dictada en el asunto C-176/03(Comisión contra Consejo). ......................................................... 297. Propuesta de Directiva, del Parlamento Europeo y del Consejo, relativa a la proteccióndel medio ambiente mediante el Derecho Penal .......................................... 358. A modo de conclusión: la necesaria concienciación y compromisoen la defensa de medio ambiente ..................................................... 36AS CIDADES AMAzôNICAS NOS 20 ANOS DA CONSTITUIçãO BRASILEIRA DE 1988Robério Braga. .......................................................................41Introdução ........................................................................ 421. As Amazônias. ................................................................... 432. Os vários desenhos das cidades amazônicas ............................................ 453. A organização legal das cidades amazônicas ............................................ 474. O novo papel das cidades na Constituição de 1988 ....................................... 485. A função social das cidades ......................................................... 496. As mudanças em marcha ........................................................... 51Referências. ....................................................................... 53PROgRAMAS DE PESqUISA EM MEIO AMBIENTE E A qUESTãO URBANA: UM ENSAIO SOBRE A AUSêNCIATatiana Schor ........................................................................55Introdução ........................................................................ 561. Instituições de pesquisa conformando novas espacialidades na Amazônia ...................... 612. questões científicas demarcando usos do território ....................................... 633. Filiação institucional do LBA ........................................................ 674. A questão geopolítica: o desmatamento ................................................ 685. Pesquisa de cooperação internacional e a soberania da Amazônia ............................ 71Referências. ....................................................................... 74O DIREITO AO LIvRE ACESSO AS áREAS DE BABAçU: NOTAS SOBRE O PJ 747/ 03Luiz Edson Fachin | Carlos Eduardo Pianovski ..............................................79Síntese dos atos e do objeto do parecer .................................................. 801. Dos quesitos formulados para a consulta ............................................... 812. Exame acerca do sentido e do alcance do disposto no art. 2.° do substitutivo aoProjeto de Lei 747/ 2003 ........................................................... 813. Do direito de propriedade e de sua função social ......................................... 844. Repostas aos quesitos formulados .................................................... 92


HERENCIA, RECREACIONES, CUIDADOS, ENTORNOS Y ESPACIOS COMUNES Y/O LOCALES PARA LA HUMANIDAD,PUEBLOS INDÍgENAS Y DERECHOS HUMANOS.David Sánchez Rubio ..................................................................95Introducción ....................................................................... 961. Sobre los conceptos de patrimonio o herencia común de humanidad y de bienes comunes. ........ 972. Problemas y obstáculos ........................................................... 1003. Las dos edades de la herencia común de la humanidad ................................... 1074. Hacia una propuesta emancipadora de recreaciones, cuidados y entornos comunespara la humanidad desde derechos humanos ........................................... 1095. Una propuesta específica: herencia, recreaciones y cuidados “locales” de la humanidada partir de la especificidad indígena y los derechos de los pueblos .......................... 118LA DECONSTRUCCIÓN DEL CONCEPTO DE PROPIEDAD. UNA APROxIMACIÓN INTERCULTURAL A LOS DERECHOSTERRITORIALES INDÍgENASAsier Martínez de Bringas .............................................................123Introducción ...................................................................... 1241. Precisiones terminológicas y pluralidades semánticas: el difícil consenso de los conceptos ....... 1262. Irrupción de los Acuerdos Ambientales Multilaterales en relación a los Pueblos Indígenas.Un mirada crítica ................................................................ 1283. El elemento discriminado por las políticas ambientales: la territorialidad indígena ............... 1324. Avances en el Sistema Interamericano de Derechos Humanos para la construcciónde una interculturalidad-normativa de la territorialidad indígena ............................. 143


CRIMINAL PROTECTION OF THE ENvIRONMENT IN EUROPEAN UNIONálvaro A. Sánchez BravoprOteCCIî N peNaL DeL MeDIOaMBIeNte eN La UNIî N eUrOpeaç lvaro A. S‡n chez Bravo *Sum‡r io: 1. el dise–o comunitario de la pol’tica medioambiental; 2. el marco normativo:el incumplimiento de los estados; 3. La opci—n por la protecci— n del medio ambientemediante el Derecho penal: la propuesta de Directiva de 2001; 4. La contraofertade los estados miembros: Decisi—n Marco el Consejo de la Uni—n europea de 2003;5. La Sentencia del tribunal de Justicia de 13 de Septiembre de 2005; 6. Comunicaci—n dela Comisi—n al parlamento europeo y al Consejo sobre las consecuencias de la sentenciadel tribunal de 13.9.2005 dictada en el asunto C-176/03 (Comisi— n contra Consejo);7. propuesta de Directiva, del parlamento europeo y del Consejo, relativa a la protecci—ndel medio ambiente mediante el Derecho penal; 8. a modo de conclusi—n: la necesariaconcienciaci—n y compromiso en la defensa de medio ambiente.Resumo: Nos tratados da Cee de 1957 n‹ o haviapreocupa• ‹ o em discutir o desenvolvimento deuma politica ambiental. No entanto, uma sŽ riede situa• › es fizeram com que se iniciasse umareflex‹ o sobre a necessidade de consideraros problemas ambientais no ‰ mbito da Uni‹ oeuropŽ ia. Se verificou que n‹ o bastava aslegisla• › es nacionais, sendo necess‡ riosmecanismos de coopera• ‹ o entre governos. apartir da dŽ cada de 1970 houve uma mudan• aradical no reconhecimento da necessidade deuma pol’tica comunit‡ ria relacionada ao meioambiente. O presente artigo objetiva analisaro processo de incorpora• ‹ o de uma pol’ticaambiental no ‰ mbito da Uni‹ o europŽ ia,que se conforma em construir çpadr› esm’nimosÈ como primeiro passo ao processode regulamenta• ‹ o mais pormenorizada. Nocaso, o artigo enfatiza o salto qualitativo quese verificou a possibilidade de prote• ‹ o domeio ambiente por meio do amparo do direitopenal.Palavras Ð chave : meio ambiente, tratadosinternacionais, direito penalAbstract: In the 1957 eeC`s treats therewas no discussion about the development ofan environmental policy. However, a seriesof events have caused the beginning of areflection about the needs of considering theenvironmental issues in the ambit of europeanUnion. It was verified that the national legalsystems were not enough to deal with thosematters, showing a demand for mechanismsof cooperation among governments. Since the70`s, there has been a radical change in therecognition of the need of a communitarianpolicy related to the environment. this articleaims analyzing the process of incorporationof an environmental policy in the europeanUnion, which shapes into building ç minimumstandards È as the first step towards theprocess of more detailed regulation. thisarticle focuses on the qualitative progresswhich was verified with the possibility ofprotection of the environment through thesupport of penal law.Keywords: environment, international treats,penal law* Doctor en Derecho. Profesor de Filosofía del Derecho. Profesor de Política Criminal del Instituto Andaluz Interuniversitariode Criminología. Director del Seminario “Criminología e Medio Ambiente” de la Universidad de Sevilla. Presidente de laAsociación Andaluza de Derecho, Medio Ambiente y Desarrollo Sostenible.Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006 13


1. EL DISEñO COMUNITARIO DE LA POLÍTICA MEDIOAMBIENTALLos tratados fundacionales de la Cee de 1957 no previeron la pol’ticaambiental como materia a desarrollar por las reciŽ n creadas institucionescomunitarias. No obstante, situaciones y circunstancias de diversa etiolog’apropiciaron que se iniciara una reflexi—n acerca de la necesaria consideraci—nde los problemas medioambientales para una correcta articulaci—n de esaeuropa unida que se pretend’a constituir.Las reticencias iniciales se amparaban en que las medidas de protecci—nambiental supondr’an un serio obst‡ culo al desarrollo empresarial, contrarias alprincipio de libre circulaci—n de bienes y mercanc’as, deviniendo una autŽ nticatraba al comercio.pero, simult‡ neamente, el aumento de los niveles de contaminaci—n, ysobre todo, la constataci—n de que los da–os ambientales no quedaban reducidosa las fronteras de un estado, evidenci— que las legislaciones nacionales nobastaban para solucionar un problema de tal calado, siendo necesario instituiralgunos mecanismos de cooperaci—n intergubernamental.as’ en la dŽ cada de los setenta se produjo un cambio sustancial con elreconocimiento de que una pol’tica comunitaria de medio ambiente era tantouna necesidad fundamental como leg’tima. 1La preocupación medioambiental dejó de ser un tema de interés parauna minoría de amantes de la naturaleza, para convertirse en un tema de interésgeneral.La labor de la Unión Europea en los últimos treinta años ha sidocapital en este sentido. Ha propiciado el acuerdo para el desarrollo de nuevaspolíticas ambientales, la aprobación de nuevos marcos legislativos y laadopción de medidas realistas para su aplicación. Ha colaborado igualmenteen la elaboración de programas globales para luchar contra la contaminación,desarrollando un programa de sensibilización de los ciudadanosacerca de laimportancia de este tema. 2En 1992, con la adopción del Tratado de Maastricht, se consideró queel medio ambiente no es un “departamento estanco” dentro de las políticascomunitarias, sino que las decisiones adoptadas en otros ámbitos les afectanbien o mal. Es por ello que desde entonces las políticas medioambientales1 Comisión Europea, Institut für Europäische Politik, Europa de la A a la z. guia de la integración, europea, Oficina dePublicaciones Oficiales de la Unión Europea, Luxemburgo, 1997, p. 99.2 Comisión Europea, Por un futuro más verde. La Unión Europea y el medio ambiente, Oficina de Publicaciones Oficiales dela Unión Europea, Luxemburgo, 2002, p. 3.14Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006


deberán ser consideradas para el desarrollo de cualquier iniciativa que puedanafectarles.A nivel global, la Unión ha favorecido e impulsado acuerdos paraluchar contra el cambio climático, apostando por compromisos prácticos eimpulsando un progreso sólido. 3 La labor desarrollada desde la Cumbre de laTierra (Rio de Janeiro, 1992) hasta la cumbre de Johannesburg, pasando porKioto (1997) son buena muestra de la apuesta decidida de la Unión por unalucha sin cuartel para la defensa y protección del medio ambiente desde unaperspectiva universal e integradora.Desde el año 1973, la Unión ha adoptado una serie de planes de acciónen materia medioambiental muy completos. En el 2001 lanzó su Sexto Plande Acción en Materia de Medio Ambiente. Con vigencia hasta el 2010 definesiete grandes ámbitos en los que es preciso seguir trabajando: contaminaciónatmosférica, reciclado de residuos, gestión de los recursos, protección delsuelo, medio ambiente urbano, uso sostenible de los pesticidas y medioambiente marítimo.El Programa de Acción no pretende solo elaborar iniciativas legislativas,sino que asumiendo una nueva perspectiva, pretende potenciar la cooperación,la información 4 y la actuación conjunta con todos los sectores interesados.2. EL MARCO NORMATIvO: EL INCUMPLIMIENTO DE LOSESTADOSel art. 174 tUe establece que la pol’tica comunitaria medioambientalresponder‡ a cuatro grandes objetivos:• conservación, protección y mejora de la calidad del medioambiente;• protección de la salud de las personas;• utilización prudente y racional de los recursos naturales;• fomento de las medidas a escala internacional destinadas a hacerfrente a los problemas regionales o mundiales del medio ambiente.3 WALLSTRÖM, M., “Obras son amores, que no buenas razones”, en Medio Ambiente para los Europeos, nº 12, noviembre de2002, pp. 3-6.4 Directiva 2003/4/CE del Parlamento Europeo y del Consejo de 28 de enero de 2003 relativa al acceso del público a lainformación medioambiental y por la que se deroga la Directiva 90/313/CEE del Consejo, DOCE L 41/26, 14.02.2003.Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006 15


por otra parte, la pol’tica de la Uni—n en materia medioambiental debebasarse en el principio de cautela. Como ha se–alado la propia Comisi—n,esto significa que en los casos de riesgo en los que no se cuente con pruebascient’ficas concluyentes, pero si con un estudio inicial que permita albergardudas razonables sobre los posibles efectos perversos sobre el medio ambientey la salud, se deber‡ considerar la adopci—n de medidas al respecto. 5Junto a él se formalizan, igualmente, los principios de prevención ypreservación, el de corrección de los atentados al medio ambiente en la fuente 6 ,y el ya clásico principio de “quien contamina paga”.Todo ello en el contexto del principio que rige todos los ámbitos deactividad comunitaria, y que no es otro que el de desarrollo sostenible. 7 Coneste se pretende conseguir un equilibrio entre el desarrollo económico ysocial y la defensa del medio ambiente. Que la explotación de los recursosnaturales se haga de tal forma que, propiciando el progreso de los pueblos, seproteja la propia naturaleza para que las próximas generaciones puedan seguirprosperando.Junto a estas mención en los Tratados, la legislación ambiental cuentacon una trayectoria de más de 25 años. 8 Desde entonces más de 200 directivasy reglamentos han intentado poner restricciones y limitaciones a las actividadeslesivas, centrándose fundamentalmente en la protección del medio acuático, elcontrol de la contaminación atmosférica, las sustancias químicas, la protecciónde la fauna y la flora, la contaminación acústica, la eliminación de residuos, yúltimamente, la biodiversidad y el desarrollo sostenible.Pero, junto al principio de desarrollo sostenible, el principio desubsidiariedad 9 juega un papel relevante que no debe obviarse. Como esconocido, este principio significa que el desarrollo de determinadas políticasno han de ser gestionadas y desarrolladas íntegramente por la Unión. Si losobjetivos pueden alcanzarse por los Estados , la Unión no actuará. A sensu5 Comisión Europea, Por un futuro más verde, cit., p. 7.6 Se trata de desarrollar medidas tendentes a eliminar las fuentes de producción de daños ambientales; es decir, eliminaraquellas actividades que son el origen de los atentados. Lo que se pretende es prevenir, antes que reparar los daños.7 Este principio se generalizó por primera vez a raíz de la Conferencia de Rio de 2002, en la que se fijó un doble objetivo:transformar los hábitos contaminantes del consumo en los países industrializados; y luchar contra la pobreza.8 La Primera Directiva de medio ambiente fue la relativa a la clasificación, embalaje y etiquetado de sustancias peligrosas de1967 (Directiva 67/548)9 El art. 5 TCE establece: “En los ámbitos que no sean de su competencia exclusiva, la Comunidad intervendrá, conforme alprincipio de subsidiariedad, sólo en la medida en que los objetivos de la acción pretendida no puedan ser alcanzados demanera suficiente por los Estados miembros, y , por consiguiente, puedan lograrse mejor, debido a la dimensión o a losefectos de la acción contemplada, a nivel comunitario”.16Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006


contrario cuando quede patente la inoperancia o la insuficiencia de la actuaciónestatal, el desarrollo será a nivel comunitario.Pero en el ámbito medioambiental, esta aparente claridad en el repartode competencias de actuación se ve seriamente condicionada, por cuanto,como señala Zilioli, 10 en este sector del Derecho se palpa una evidente tensiónentre la necesidad de políticas y soluciones globales, homogéneas y unificadaspara responder suficientemente a problemas transnacionales, y la necesidady reivindicación por los Estados de ámbitos de actuación para, a través denormas propias, satisfacer necesidades sentidas a nivel nacional.A este respecto Chicharro Lázaro, 11 ha se–alado como la acci—ncomunitaria en este ‡ mbito presenta, entre otras, una doble justificaci—n:• el problema presenta aspectos transnacionales: en el sectormedioambiental el car‡ cter transnacional o transfronterizo de losproblemas es patente en numerosos casos;• previene posibles distorsiones del mercado único: la ausencia depol’tica comunitaria de medio ambiente podr’a desembocar enla fragmentaci—n del mercado interior, gracias a la aparici—n omantenimiento de legislaciones nacionales que crean trabas a la librecirculaci—n de bienes entre los estados miembros.Desgraciadamente, la realidad es que en numerosas ocasiones losproblemas medioambientales presentan una dimensi—n transnacional querequieren soluciones coordinadas. pero frente a ello todav’a se alzan las vocesde los estados, celosos guardianes de una mal entendida autonom’a, y q<strong>uea</strong>dem‡ s se amparan en cuestiones tales como la protecci—n de sus interesesecon— micos o se determinados sectores empresariales para incumplir oabstenerse de aplicar la legislaci—n ambiental.ello ha motivado que la acci—n individual de cada uno de los estadossea insuficiente para preservar convenientemente el medio ambiente. adem‡ sla transici—n de las previsiones normativas comunitarias a la pr‡ ctica esun proceso proceloso, cuya eficacia depende en buena medida los estadoscumplan con su parte de responsabilidad incorporando las Directivas a suslegislaciones internas.10 zILIOLI, C., “L´applicazione del principio di sussidiarietà nel diritto comunitario dell´ambiente”, en Rivista giuridicadell´Ambiente, nº 10, 1995, pp. 533-534.11 CHICHARRO LázARO A., “La aplicación del principio de subsidiariedad al área del medio ambiente”, en Unión EuropeaAranzadi, año xxIx, nº 2, febrero 2002, p. 7.Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006 17


La situaci— n actual es muy insatisfactoria en este campo, produciŽ ndosenumerosos casos de incumplimiento grave de la legislaci— n ambiental. ello hallevado a la Comisi— n ha proponer una serie de medidas m‡ s dr‡ sticas, en cuyaconsideraci—n nos detendremos seguidamente.3. LA OPCIÓN POR LA PROTECCIÓN DEL MEDIO AMBIENTEMEDIANTE EL DERECHO PENAL:LA PROPUESTA DE DIRECTIvA DE 2001La constatación de los múltiples y graves incumplimientos de lalegislaci—n comunitaria ambiental, ha colmado la Ò pacienciaÓde la Comisi—nen su objetivo de dise–ar una pol’tica comunitaria medioambiental.Una de las causas fundamentales ha sido la laxitud de las sancionesestablecidas por los estados Miembros, que no se consideran suficientes,adecuadas y disuasorias para luchar contra los atentados al medio ambiente.adem‡ s no todos los estados miembros poseen en sus legislacionespenales, ni contemplan en sus pol’ticas criminales sanciones claramenterepresivas cuando de delitos medioambientales se trata. ello provoca un dŽ ficitde seguridad jur’dica 12 palpable.De todos es conocido como en los estados democráticos el derecho penalse considera la última frontera, la ultima ratio, a cuyo auxilio se recurre antesucesos (acciones y/u omisiones) de especial gravedad que requieren el máximoreproche por vulnerar los valores y derechos fundamentales, individuales ycolectivos, que nos definen como personas y ciudadanos.Resulta por ello muy relevante que la Comisión Europea en susiniciativas opte por la adopción de políticas protectoras tan contundentes. Larazón estriba, creemos que con acierto, en la constatación de que numerososatentados al medio ambiente, no son una cuestión menor, o una mera infracciónadministrativa sino verdaderos delitos medioambientales contra los que hayque luchar con la contundencia del derecho penal.12 Sobre la segurida jurídica vid. PEREz LUñO, A.E., La seguridad jurídica, 2ª edic. revisada y puesta al día, Ariel, Barcelona,1994.18Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006


A ese objetivo se dirige la Propuesta de Directiva relativa a la proteccióndel medio ambiente por medio del derecho penal, 13 y en cuyos contenidos nosdetendremos.La iniciativa se inscribe en la preocupaci—n por una pol’tica uniforme enal defensa del medio ambiente, y la opci—n por el derecho penal se contempla,pese a las reticencias de los estados, como veremos posteriormente, enatenci—n a dos variables.1. principio de la prevenci—n general. S—l o las acciones penales, a juiciode la Comisi—n, tienen un efecto suficientemente disuasor. por unlado, al representar el maximun de reproche social, se configurancomo un claro mensaje a los delincuentes. por otro, evitan que lamera satisfacci—n econ—m ica, sirva para compensar casos de enormeda–o medioambiental. el cl‡ sico principio de que Ò quien contaminapagaÓse ha revelado como insuficiente, por cuanto que no ha servidopara disminuir los niveles de incumplimiento de la legislaci—nambiental. Muchas empresas est‡ n dispuestas a satisfacer las multasy sanciones administrativas, pues los beneficios de su proceder lesivosiguen siendo cuantiosos.2. reforzamiento de las medidas de investigaci—n y de procesamiento.es indudable que las medidas de investigaci—n penal, y su efectosobre los implicados, gozan de un naturaleza mucho m‡ s contundenteque permite asegurar la eficacia de las investigaciones. adem‡ s, laComisi—n pretende atajar con ello una cuesti—n flagrante, y que poneen entredicho la eficacia y contundencia de las sanciones. este hechono es otro que las autoridades administrativas o civiles encargadas detramitar los expedientes sancionadores alas empresas contaminantesson, en numerosos estados, las mismas que concedieron los permisoso licencias para desarrollar dichas actividades.en el fondo se pretende dar cumplimiento a una vieja aspiraci—n de losdefensores del medio ambiente, y creo que de todos los ciudadanos, y es quela justicia cabalgue por su senda, sin interferencias espurias.13 Propuesta de Directiva del Parlamento Europeo y del Consejo relativa a la protección del medio ambiente por medio delderecho penal, COM (2001) 139 final. 2001/0076 (COD), Bruselas, 13.03.2001. Para seguir el iter legislativo de estapropuesta http://europa.eu.int/prelex/detail_dossier_real.cfm?CL=es&DosId=163001Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006 19


para la consecuci—n de tal objetivo, pueden establecerse tres reglasb‡ sicas que delimitan el ‡ mbito, la extensi—n y la vinculaci—n de la iniciativacomunitaria: a) ser‡ n los propios estados miembros los que decidir‡ n lassanciones penales conforme a su derecho interno; b) su ‡ mbito de aplicaci—nse concreta en los da–os intencionales al medio ambiente o al da–o causadopor negligencia grave (por tanto, no se considerara delito cualquier tipode contaminaci—n) ; y c) la Directiva incorporar‡ los actos que ya est‡ nexpresamente prohibidos por el derecho ambiental vigente en la Uni—n. 14Conforme a su art’culo 1 Ò el prop—s ito de la Directiva es aseguraruna aplicaci—n efectiva del Derecho comunitario relativo a la protecci—ndel medio ambiente estableciendo en la Comunidad un conjunto m’nimode delitosÓ. La cuesti—n por tanto no es establecer una nueva pol’tica, sinodentro de la misma l’nea de actuaci—n reforzar uno de sus elementos: laeficacia. Materialmente la actuaci—n queda delimitada por el propio Derechocomunitario, pues la iniciativa s—l o se extiende a las actividades que incumplenel Derecho comunitario, o las normas adoptadas por los estados en desarrollo ycumplimiento de la legislaci— n ambiental (como vemos, de nuevo el principiode subsidiariedad).La definici—n de que sea delito y de los elementos que la integranse contempla en el art. 3. Se determina como principio general que ser‡ ndelictivas las actividades (entendidas como comportamiento activo y laomisi—n, cuando haya un deber legal de actuar, como se–ala el art’culo 2.b) quese cometan intencionadamente (dolo) o con negligencia grave y que puedanser atribuidas a personas f’sicas o jur’dicas. Las actividades contaminantescubiertas son aquellas que generalmente causen o puedan causar deteriorosignificativo o da–o sustancial del medio ambiente. respecto a las actividadesÒ de peligroÓ, la Comisi—n se–ala como Ò se han prohibido per se en virtud delas legislaciones comunitarias, independientemente de si hay pruebas de unimpacto da–ino espec’fico al medio ambiente en un caso concreto e individual.el Derecho comunitario considera tales actividades da–inas o particularmentepeligrosas para el medio ambiente. por esta raz—n, estas actividades debentambiŽ n considerarse delitos, pues el riesgo para el medio ambiente radica enla actividad como tal, independientemente del da–o final que causeÓ.La enumeraci— n de las infracciones que merecen la calificaci—n de delitose han seleccionado en atenci—n a que su infracci—n provoca graves da–osal medio ambiente, y su inclusi—n evidencia que Ò el hecho de que las estas14 IP/01/358. Bruselas, 13 de marzo de 2001.20Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006


actividades continúen existiendo en partes de la Comunidad es un importanteindicador de que las sanciones existentes no surten siempre el necesario efectode disuasi—nÓ . 15Ser‡ n delitos, de acuerdo a la propuesta, las siguientes actividades:a) el vertido de hidrocarburos, aceites usados o lodos de aguasresiduales;b) el vertido, emisi—n o introducci—n no autorizados de una cantidadde materiales en el aire, el suelo o el agua y el tratamiento,vertido, almacenamiento, transporte, exportaci—n o importaci—n noautorizados de residuos peligrosos;c) el vertido no autorizado de residuos en o dentro de la tierra o en elagua, incluida la explotaci—n no autorizada de un vertedero;d) la posesi—n, apropiaci—n, da–o, matanza no autorizados o el comerciode especies protegidas de fauna y flora silvestres o de partes de lasmismas;e) el deterioro significativo de un h‡ bitat protegido;f) el comercio no autorizado de sustancias que agotan la capa deozono;g) la actividad no autorizada de una f‡ brica en la que se llevan a cabomanipulaciones peligrosas o en la que se almacenan o se utilizansustancias o preparaciones peligrosas;esta enumeraci—n debe completarse con el elenco de normas enumeradasen el anexo de la propuesta, y que colman materialmente la prohibici—n deactividades descritas.Como se–ala la propia Comisi—n, Ò a efectos de la presente Directiva,cualquier modificaci—n futura de las directivas enumeradas en el anexose aplicar‡ autom‡ ticamente a esta directivaÓ el objetivo no es otro q<strong>uea</strong>sumir una visi—n din‡ mica y de numerus apertus en la determinaci—n dela legislaci—n ambiental cuyo incumplimiento generar’a responsabilidadespenales. estableciendo esta cl‡ usula se garantiza que no se ver‡ menoscabadala seguridad jur’dica, pero tampoco los niveles de protecci—n ante los nuevosretos a que haya que hacer frente.De otra parte, esta propuesta, considerando el principio de subsidiariedad,no prevŽ la regulaci—n de las investigaciones, ni de los procesos y procedimientos15 Propuesta de Directiva..., cit., p. 4.Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006 21


penales y procesales. Corresponde a los estados miembros, establecidaslas conductas punibles, determinar las formas de imponer las sanciones, deacuerdo a sus especificidades normativas internas. S—l o se impone un requisitoinsalvable: las sanciones ser‡ n efectivas, proporcionadas y disuasorias, comoestablece su art’culo 4.en lo tocante a su dimensi—n subjetiva, se establece que la responsabilidadpor los hechos tipificados en el art. 3 se exigir‡ no s—l o a los autores sinotambiŽ n a los c—m plices (participantes e instigadores) .La naturaleza de las sanciones a imponer se bifurca, conforme al art’culo4, según los responsables sean personas físicas o personas jurídicas.en cuanto a las personas f’sicas, deben ser castigadas con sancionespenales, que supondr‡ n en los casos m‡ s graves la privaci—n de libertad.Igualmente se establece la imposici—n de multas, exclusi—n del derecho a losbeneficios públicos o ayudas, descalificación temporal o permanente, de lapr‡ ctica de actividades comerciales, colocando la actividad bajo supervisi—njudicial o liquidando la empresa del infractor.en lo tocante a las personas jur’dicas, la propia Comisi—n determina queÒ es esencial para la aplicaci—n efectiva del Derecho comunitario que protegeel medio ambiente, que pueden ser tenidas por responsables y que se tomen enla Comunidad sanciones contra las mismasÓ. 16 a tal efecto, debe considerarsela imposici—n de sanciones que no sean penales, siempre y cuando cumplanel Ò sacro principioÓ ya reiterado de que sean efectivas proporcionadas odisuasorias ( se piensa en multas, supervisi—n judicial, decisiones de liquidaci—no exclusión del derecho a beneficios o ayudas públicos).el art’culo 5 contempla la obligaci—n de los estados miembros deinformar a la Comisi—n de las medidas adoptadas para el cumplimiento dela directiva. 17 el art’culo 6 determina los plazos de transposici—n al derechointerno de los estados miembros. 1816 Propuesta de Directiva..., cit., p. 517 Cada tres años, los Estados miembros transmitirán a la Comisión un informe sobre la aplicación de esta Directiva. Basándoseen estos informes, la comisión presentará un informe comunitario al Parlamento Europeo y al Consejo.18 (1) Los Estados miembros adoptarán las disposiciones legales, reglamentarias y administrativas necesarias para cumplir lapresente Directiva más tardar el [el 1 de septiembre de 2003]. Informarán inmediatamente de ello a la Comisión.(2) Cuando los Estados miembros adopten esas disposiciones, incluirán una referencia a la presente Directiva o iránacompañadas por ella con motivo de su publicación oficial. Los Estados miembros establecerán las modalidades de lamencionada referencia.(3) Los Estados miembros comunicarán a la Comisión el texto de las disposiciones de Derecho interno que adopten en elámbito regulado por la presente Directiva.22Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006


La propuesta se cierra con la determinaci—n del plazo de entrada en vigor(art’culo 7) y con la cl‡ sica menci—n comunitaria de que los destinatarios de ladirectiva ser‡ n los estados miembros (art’culo 8).Observar‡ el lector como la propuesta de la Comisi—n es bastante exigua.pero no puede ser de otra manera. Su objetivo es articular una norma m’nimade protecci—n del medio ambiente mediante el derecho penal. La labor seantoja tit‡ nica por las reticencias que ya se han constatado, y que incluso hanpropiciado la elaboraci—n de otras alternativas legislativas que creo necesarioconsiderar.4. LA CONTRAOFERTA DE LOS ESTADOS MIEMBROS: DECISIÓNMARCO EL CONSEJO DE LA UNIÓN EUROPEA DE 2003Los estados miembros, agrupados en el Consejo, no han acogido conbuen agrado (por no decir con ninguno) la propuesta elaborada desde laComisi—n.ellos tambiŽ n manifiestan estar preocupados por el aumento delas infracciones al medio ambiente, su extensi—n transnacional, abogandoigualmente por la necesidad de actuar de modo concertado para proteger elmedio ambiente a travŽ s del derecho penal.ahora bien, lo que no est‡ n dispuestos a asumir es que por partede la Comisión se intente imponer una Directiva, que según manifiestan,tras ser estudiada Ò se lleg— a la conclusi—n de que no se puede alcanzar lamayor’a necesaria para su adopci—n debido a que la mayor’a considerabaque esta propuesta superaba las competencias que el tratado constitutivo dela Comunidad europea otorga a la Comunidad y que los objetivos puedenalcanzarse mediante la adopci—n de una Decisi—n Marco basada en el t’tulo VIdel tratado de la Uni—n europeaÓ.Las objeciones parecen ser al procedimiento y al instrumento jur’dicoadoptado por la Comisi—n para acometer esta pol’tica, pero realmente trasello se esconde una opci—n de los estados miembros por mecanismos menosintrusivos en sus competencias, m‡ s propios de la cooperaci—n pol’tica que dela obligatoriedad jur’dica.Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006 23


para ello la Decisi—n Marco 2003/80/JaI 19 se articula en un texto quefue la alternativa al presentado por la Comisi—n, matizando, ampliando oreduciendo, según el caso, las previsiones establecidas en la Propuesta deDirectiva.Su art’culo 2 determina el elenco de actividades que deben ser objeto deprosecuci—n y castigo penal, pues deber‡ n ser tipificadas como delito en cadauna de las legislaciones de los estados miembros. estas son:a) el vertido, la emisi—n o la introducci— n de una cantidad de sustanciaso de radiaciones ionizantes en la atm—s fera, el suelo o las aguas, quecausen la muerte o lesiones graves a las personas;b) el vertido, la emisi—n o la introducci— n de sustancias o de radiacionesionizantes en la atm—s fera, el suelo o las aguas, que causen o puedancausar su deterioro duradero o importante, la muerte o lesionesgraves a las personas, o da–os sustanciales a monumentos u otrosobjetos protegidos, a bienes, a animales o a plantas;c) la eliminaci—n, el tratamiento, el almacenamiento, el transporte,la exportaci—n o la importaci—n il’citos de residuos, incluidos lospeligrosos, que causen o puedan causar la muerte o lesiones graves alas personas, o da–os sustanciales a la calidad del aire, del suelo o delas aguas o a animales o plantas;d) la explotaci—n il’cita de instalaciones en donde se realice una actividadpeligrosa y que, fuera de dichas instalaciones, cause o pueda causarla muerte o lesiones graves a las personas, o da–os sustanciales a lacalidad del aire, del suelo o de las aguas o a animales o plantas;e) la fabricaci— n, el tratamiento, el almacenamiento, la utilizaci—n, eltransporte, la exportaci—n o la importaci—n de materiales nucleares uotras sustancias radioactivas peligrosas que causen o puedan causarla muerte o lesiones graves a las personas, o da–os sustanciales a lacalidad del aire, del suelo o de las aguas o a animales o plantas;f) la posesi—n, apropiaci—n, da–o o matanza il’citos o el comercio deespecies protegidas de la fauna y flora silvestres o de partes de lasmismas, al menos cuando estŽ n amenazadas de peligro de extinci—ncomo se define en la legislaci—n nacional;g) el comercio il’cito de sustancias que agotan la capa de ozono.19 Decisión Marco 2003/80/JAI del Consejo, de 27 de enero de 2003, relativa a la protección del medio ambiente a través delDerecho penal, DOCE L 29, 05.02.2003.24Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006


La referencia al agua deben entenderse conforme a lo conceptuado en elart’culo 1 de la Decisi—n: todas las clases de aguas subterr‡ne as y superficiales,incluidas el agua de lagos, r’ os, ocŽ anos y mares. asimismo, en actividadesil’citas cabe subsumir toda infracci—n a una ley, un reglamento administrativoo una decisi—n adoptada por una autoridad competente, incluida las quehagan efectivas disposiciones vinculantes de derecho comunitario, con objetode proteger el medio ambiente.Como se observar‡ las menciones son casi idŽ nticas a las rese–adas enla propuesta de Directiva, que han servido de base para la elaboraci—n de estaÒ alternativaÓ. 20Las actividades referidas ser‡ n sancionadas cuando fueren cometidasdolosamente, si bien el art’culo 3 establece que sean tipificadas comoinfracciones penales aquŽ llas cuando se cometan por imprudencia, o al menosque la imprudencia sea grave.al igual que la propuesta de Directiva se contempla el castigo no s—l o delos autores, sino de los part’cipes o instigadores.en cuanto a la naturaleza de las sanciones, se establece un rŽ gimen dualdependiendo de si la responsabilidad es imputable a una persona f’sica o a unapersona jur’dica.Conforme al art’culo 5 las sanciones deben ser efectivas, proporcionadasy efectivas, incluyŽ ndose en los casos m‡ s graves, penas de privaci—n delibertad. asimismo podr‡ n imponerse otras sanciones como prohibici—n deldesempe–o de actividades empresariales o la fundaci—n, gesti—n o direcci—n deempresas o fundaciones cuando los hechos causa de la condena evidencian unalto riesgo de que el condenado pueda volver a repetir los mismos hechos.Las personas jur’dicas, presentan una regulaci—n m‡ s detallada. tampocodebe causar sorpresa este extremo, pues respecto a las personas f’sicas es m‡ sf‡ cil determinar la responsabilidad, y constituye una regulaci—n normal en laslegislaciones nacionales. Donde si surgen discrepancias, y omisiones, es en ladeterminaci—n de los mecanismos de atribuci—n de responsabilidad a las personasjur’dicas. Si como se–ala la propia Decisi—n marco Ò estas infracciones puedengenerar la responsabilidad no s—l o de las personas f’ sicas, sino tambiŽ n de laspersonas jur’ dicasÓresulta evidente que una normativa que desde los estadosmiembros pretende unificar sus legislaciones no pod’a obviar una soluci—n20 Así lo manifiesta el Considerando (5) cuando expresa: El Consejo consideró oportuno incorporar a la presente Decisión marcoalgunas de las disposiciones de fondo incluidas en la propuesta de directiva, en particular las que definen lo que deben hacerlos Estados miembros para tipificar estas conductas como delito en su Derecho nacional.Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006 25


única y unificada, aunque sea de mínimos, de la responsabilidad penal de laspersonas jur’dicas cuando de delitos ambientales se trate.Siguiendo lo indicado en el art. 6.1 deber‡ n adoptarse las medidasnecesarias para garantizar que las personas jur’dicas puedan ser consideradasresponsables por hechos cometidos por cualquier persona, sea a t’tuloindividual, sea como representante de un consejo de administraci—n, que tengaun cargo directivo basado: a) en un poder de representaci— n; b) una autoridadpara adoptar decisiones en nombre de la empresa; o c) una autoridad paraejercer un control sobre la empresa.La responsabilidad no sólo se determina cuando se actúe en provechopropio de la empresa, extendiéndose a quien actúa como cómplice o comoinstigador de los delitos.pero no s—l o se castigan las conductas Ò activasÓ. Del mismo modo secontempla la responsabilidad por Ò omisi—nÓ . es decir, cuando como se–ala elpunto 2, del precepto que nos ocupa se determina que Ò cada Estado miembroadoptar‡ las medidas necesarias para garantizar que una persona jur’ dicapueda ser considerada responsable cuando la falta de vigilancia o controlpor parte de una de las personas jur’ dicas a que se refiere el apartado 1 hayahecho posible que una persona sometida a la autoridad de la persona jur’ dicade que se trate cometa las infracciones se–aladas en los art’ culos 2 y 3 enprovecho de dicha persona jur’ dicaÓ.todo ello, sin perjuicio de la responsabilidad en que pudieran incurrir laspersonas f’sicas que sean autoras, c—m plices o encubridoras de las conductasanteriormente descritas. Se pretende con ello que la responsabilidad de laempresa u organizaci—n no excluya o camufle la responsabilidad de quienrealiza o colabora en el delito.Las sanciones, al igual que para las personas f’sicas, deben serefectivas, proporcionadas y efectivas, adoptando, conforme al art’culo 7, laforma de multas penales o administrativas, que podr‡ n ir acompa–adas deotras sanciones, tales como exclusi—n del disfrute de beneficios y ayudas,prohibici—n del desempe–o de actividades, vigilancia y/o disoluci—n judicial,y de la obligaci—n de adoptar determinadas medidas para evitar las conductaspunibles.el aseguramiento de las medidas rese–adas supone que Ò los Estadosmiembros deber’ an establecer una jurisdicci— n amplia en materia de delitoscontra el medio ambiente de manera que se evite que las personas f’ sicas o26Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006


jur’ dicas puedan eludir el enjuiciamiento por el mero hecho de que el delito nose cometi— en su territorioÓ. 21Con ese objetivo el art’culo 8 establece que cada estado ser‡ competentecuando la infracci—n se cometa:a) total o parcialmente dentro de su territorio, incluso cuando los efectosse produzcan totalmente fuera;b) a bordo a de un barco o avi—n que enarbole su pabell—n;c) por cuenta de personas jur’dicas cuya sede central se encuentre en suterritorio;d) por uno de sus nacionales, siempre que la legislaci—n de ese estadomiembro disponga que la conducta sea sancionable tambiŽ n en elpa’s en que haya tenido lugar, o si el lugar donde se cometi— norecayera bajo ninguna jurisdicci—n territorial.No obstante, se contemplan excepciones a asumir la competencia,o a restringirla a casos concretos, cuando de los supuestos contempladosen los epígrafes c) y d) se trate. (¡sigue pesando mucho aún el principio deterritorialidad penal!).para evitar la impunidad de determinados nacionales de los estadosmiembros cuando Ž stos no prevean conceder la extradici— n se determina en elart’culo 9 la obligaci—n por parte del estado no extraditante de establecer supropia competencia para conocer de las infracciones cometidas por sus propiosnacionales fuera de su territorio.pero no basta con reconocer la competencia, sino que se obliga a losestados a someter los hechos a sus autoridades judiciales, pudiendo solicitarel auxilio y la cooperaci—n conforme a lo establecido en el Convenio europeode extradici—n.el 15 de abril de 2003 la Comisi—n europea present— un recurso 22 contrala Decisi—n Marco, bas‡ ndose fundamentalmente en que las medidas quepretende imponer la Decisi—n se inscriben claramente en las competenciascomunitarias, por que las mismas deben determinarse por el legisladorcomunitario, y no por los estados miembros reunidos en el seno del Consejo.21 Decisión Marco, cit., p. 3.22 Recurso interpuesto el 15 de abril de 2003 contra el Consejo de la Unión Europea por la Comisión de las ComunidadesEuropeas (Asunto C-176/03) (2003/C 135/34), DOCE C 135/21, 07.06.2003.Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006 27


el 26 de mayo de 2005, el abogado General del tribunal de Justicia dela Uni—n europea, Sr. ruiz-Jarabo Colomer, ha emitido ya sus Conclusiones 23en las que propone la estimaci—n del recurso presentado por la Comisi—n.5. LA SENTENCIA DEL TRIBUNAL DE JUSTICIA DE 13 DESEPTIEMBRE DE 2005en dicha Sentencia, 24 ya capital para la defensa de los valores ambientalesen la Uni—n europea, estableci— el tribunal de Justicia de la Uni—n europea ensu Fallo: Ò En virtud de todo lo expuesto, el Tribunal de Justicia (Gran Sala)decide:1) anular la Decisi—n marco 2003/80/JaI del Consejo, de 27 de enerode 2003, relativa a la protecci—n del medio ambiente a travŽ s delDerecho penal.2) Condenar en costas al Consejo de la Uni—n Europea.3) El Reino de Dinamarca, la Repœb lica Federal de Alemania, laRepœbl ica HelŽ nica, el Reino de Espa–a, la Repœbl ica Francesa,Irlanda, el Reino de los Pa’ ses Bajos, la Repœbl ica Portuguesa, laRepœbl ica de Finlandia, el Reino de Suecia, el Reino Unido de GranBreta–a e Irlanda del Norte y el Parlamento Europeo cargar‡n consus propias costas.Ótal anulaci—n, tuvo lugar, por cuanto se–ala el propio tribunal enel resumen de esta Sentencia: Ò La Decisi—n marco 2003/80, relativa a laprotecci—n del medio ambiente a travŽ s del Derecho penal, al estar basada enel t’tulo VI del tratado de la Uni—n europea, invade las competencias queel art’culo 175 Ce atribuye a la Comunidad e infringe pues en su conjunto,debido a su indivisibilidad, el art’culo 47 Ue. en efecto, los art’culos 1 a7 de dicha Decisi—n marco, que comportan una armonizaci—n parcial de lalegislaci—n penal de los estados miembros, especialmente por lo que se refierea los elementos constitutivos de diferentes infracciones penales contra el medio23 http://curia.eu.int/jurisp/cgi-bin/gettext.pl?lang=es&num= 79949473C19030176&doc= T&ouvert=T&seance=CONCL&where=()24 SENTENCIA DEL TRIBUNAL DE JUSTICIA (gran Sala) de 13 de septiembre de 2005. «Recurso de anulación – Artículos29 UE, 31 UE, letra e), 34 UE y 47 UE – Decisión marco 2003/80/JAI – Protección del medio ambiente – Sanciones penales– Competencia de la Comunidad – Base jurídica – Artículo 175 CE28Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006


ambiente, podr’an haber sido adoptados v‡ lidamente sobre la base del art’culo175 Ce puesto que, tanto por su finalidad como por su contenido, tienen comoobjetivo principal la protecci—n del medio ambiente, que constituye uno de losobjetivos esenciales de la Comunidad.a este respecto, si bien es cierto que, en principio, la Comunidad no escompetente en materia de Derecho penal ni en materia de Derecho procesalpenal, ello no es —bi ce para que el legislador comunitario adopte medidasrelacionadas con el Derecho penal de los estados miembros y que estimenecesarias para garantizar la plena efectividad de las normas que dicte enmateria de protecci—n medioambiental, cuando la aplicaci—n por las autoridadesnacionales competentes de sanciones penales efectivas, proporcionadas ydisuasorias constituye una medida indispensable para combatir los gravesatentados contra el medio ambiente. el hecho de que los art’culos 135 Cey 280 Ce, apartado 4, reserven a los estados miembros la aplicaci—n de lalegislaci—n penal nacional y la administraci—n de justicia en los ‡ mbitos dela cooperaci—n aduanera y de la lucha contra los perjuicios causados a losintereses financieros de la Comunidad, respectivamente, no permite poner enduda esta competencia del legislador comunitario en el marco de la aplicaci—nde la pol’tica medioambiental.6. COMUNICACIÓN DE LA COMISIÓN AL PARLAMENTOEUROPEO Y AL CONSEJO SOBRE LAS CONSECUENCIAS DELA SENTENCIA DEL TRIBUNAL DE 13.9.2005 DICTADA EN ELASUNTO C-176/03 (COMISIÓN CONTRA CONSEJO) 25La Comisi—n europea analiza en esta Comunicaci—n el alcance y lasconsecuencias de la sentencia de 13 de septiembre de 2005 del tribunal deJusticia de las Comunidades europeas (tJCe). en el asunto C-176/03, laComisi—n, respaldada por el parlamento europeo, solicita al tribunal que anulela Decisi—n marco 2003/80/JaI del Consejo, de 27 de enero de 2003, relativa ala protecci—n del medio ambiente a travŽ s del Derecho penal. el tJCe accede ala demanda. La sentencia aclara el reparto de competencias entre el primer y eltercer pilar en materia penal, aunque el Derecho penal como tal no constituyeuna pol’tica comunitaria.25 COM(2005) 583.Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006 29


6.1 Rechazo de la base jurídicaLa Comisi—n interpuso el 15 de abril de 2003 un recurso de anulaci—nante el tJCe con el fin de anular la Decisi—n 2003/80/JaI adoptada por elConsejo el 27 de enero de 2003. La Comisi—n considera que la base jur’dicaelegida por el Consejo, es decir, el art’culo 29 y siguientes del tratado de laUni—n europea (tratado Ue), para obligar a los estados miembros a imponersanciones penales a los autores de infracciones contra el medio ambiente, esincorrecta. La Comisi—n considera que la base jur’dica adecuada es el art’culo175, apartado 1, del tratado constitutivo de las Comunidades europeas(tratado Ce).por otra parte, la Comisi—n present—, sobre esta base, una propuestade directiva sobre la protecci—n del medio ambiente. as’ pues, las dos basesjur’dicas diferentes elegidas por el Consejo (tratado Ue) y la Comisi—n(tratado Ce) se inscriben en pilaresd iferentes, esto es, en el:• Tercer pilar. El artículo 29 y siguientes utilizados por el Consejo seinscriben en el t’tulo VI del tratado Ue que trata de las disposicionesrelativas a la cooperaci—n policial y judicial en materia penal. Lacooperaci—n entre los estados miembros en materia de justicia yasuntos de interior se lleva a cabo en el marco del çtercer pilarÈ enel que el nivel de integraci—n europea es menor que en el Derechocomunitario. en particular, los estados miembros tambiŽ n disponende un derecho de iniciativa conjuntamente con la Comisi—n. elConsejo toma las decisiones por unanimidad, el parlamento europeos—l o tiene una funci—n puramente consultiva, y el tribunal de Justiciaejerce un control limitado (no cabe, por ejemplo, el recurso porincumplimiento).• Primer pilar. El artículo 175 elegido por la Comisión se inscribe en elt’tulo XIX del tratado Ce, relativo al medio ambiente. en el primerpilar, la Comisi—n goza de un derecho de iniciativa exclusivo enmateria legislativa. en el ‡ mbito del medio ambiente, las normas seaprueban de acuerdo con el procedimiento de codecisi—n previsto enel art’culo 251 del tratado Ce.el tribunal de Justicia de las Comunidades europeas se refiere alcriterio cl‡ sico del objetivo y del contenido del acto con el fin de verificar si30Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006


la base jur’dica es correcta. DespuŽ s de comprobar los art’culos 1 a 7 de laDecisi—n marco relativa a la competencia otorgada a la Comunidad con arregloal art’culo 175, el tribunal declara adem‡ s que:• la protección del medio ambiente constituye uno de los objetivosesenciales de la Comunidad según el Tratado;• los artículos 174 a 176 CE constituyen, en principio, el marco en elque debe desarrollarse la pol’tica comunitaria en el ‡ mbito del medioambiente;• la elección del sostén jurídico de un acto comunitario debe basarse enelementos objetivos susceptibles de control jurisdiccional, entre losque figuran, en especial, la finalidad y el contenido del acto.• Tanto por su finalidad como por su contenido, los artículos 1 a 7 dela Decisi—n marco tienen como objetivo principal la protecci—n delmedio ambiente y podr’an haber sido adoptados v‡ lidamente sobrela base del art’culo 175 Ce. por lo tanto, el tJCe anula la Decisi—nmarco 2003/80/JaI tal como solicitaba la Comisi—n europea.• Alcance de la sentenciaLa aclaraci—n aportada por la sentencia del tribunal de Justicia sobreel reparto de competencias entre el primer y el tercer pilar suscita la siguientesituaci—n:• Las disposiciones de Derecho penal necesarias para la aplicaciónefectiva del Derecho comunitario se rigen por el tratado Ce(primer pilar): cuando es necesaria una disposici—n penal espec’ficapara la materia en cuesti—n para garantizar la eficacia del Derechocomunitario se adopta en el marco del primer pilar. por el contrario,cuando no resulta necesario recurrir al Derecho penal o cuandoya existen suficientes disposiciones horizontales, no se legisla demanera espec’fica a nivel europeo. ello pone fin al mecanismo dedoble texto legislativo (directiva o reglamento y decisi—n marco) alque se recurrió en diversas ocasiones en los últimos años.• Las disposiciones horizontales de Derecho penal destinadas afavorecer la cooperaci—n judicial y policial est‡ n incluidas en el t’tuloVI del tratado Ue (tercer pilar): estas disposiciones en sentido amplioincluyen las medidas de reconocimiento mutuo, las medidas basadasHiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006 31


en el principio de disponibilidad y las medidas de armonizaci—n delDerecho penal. Los aspectos de Derecho penal y procesal penal querequieren un tratamiento horizontal no se rigen en principio por elDerecho comunitario, como las cuestiones vinculadas a las normasgenerales de Derecho penal y procesal penal, y para la cooperaci—njudicial y policial en materia penal.esta sentencia, que sienta jurisprudencia, se refiere a la pol’ticamedioambiental comunitaria, pero su alcance sobrepasa ampliamente lamateria en cuesti—n. el mismo razonamiento puede aplicarse ’ntegramente a lasotras pol’ticas comunes y a las cuatro libertades (libre circulaci—n de personas,mercanc’as, servicios y capitales) en las cuales existen normas vinculantes quedeber’an ir acompa–adas de sanciones penales para garantizar su eficacia.el Derecho penal como tal no constituye una pol’tica comunitariay la acci—n de la Comunidad en materia penal s—l o puede basarse en unacompetencia impl’cita vinculada a una base jur’dica espec’fica. La aprobaci—nde medidas penales sobre una base comunitaria s—l o es posible de manerasectorial, y siempre que se demuestre la necesidad de luchar contra gravesincumplimientos de los objetivos de la Comunidad. Corresponde a la Comisi—napreciar esta necesidad caso por caso en sus propuestas, en funci—n de lasnecesidades espec’ficas de la pol’tica o la libertad comunitaria en cuesti—n queconstituye la base jur’dica del tratado Ce. Cuando en un sector determinadola Comisi—n considere que son necesarias medidas penales para garantizar laplena eficacia del Derecho comunitario, Ž stas pueden comprender:1) el principio mismo del recurso a sanciones penales;2) la definici— n del tipo, es decir, de los elementos constitutivos de lainfracci—n;3) la naturaleza e intensidad de las sanciones penales aplicables.4) Corresponde a la Comisi— n apreciar el grado de intervenci— ncomunitaria en el ‡ mbito penal, privilegiando lo m‡ s posible elrecurso a disposiciones horizontales no espec’ficas del sector de quese trate. as’, cuando la eficacia del Derecho comunitario lo exija,la libertad de los estados miembros en cuanto a la elecci—n de lassanciones aplicables podr‡ eventualmente ser encuadrada por ellegislador comunitario.5) Consecuencias de la sentencia32Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006


por consiguiente, la Comunidad puede utilizar el Derecho penalpara alcanzar sus objetivos. Sin embargo, un recurso al Derecho penal paragarantizar la eficacia del Derecho comunitario s—l o puede hacerse si secumplen dos condiciones, a saber:• Necesidad: las medidas de Derecho penal deben estar justificadas porla necesidad de hacer eficaz la pol’tica comunitaria en cuesti—n.• Coherencia: las medidas de Derecho penal adoptadas de manerasectorial sobre una base comunitaria deben respetar la coherenciageneral del dispositivo penal de la Uni—n, con independencia de quese haya adoptado sobre la base del primer o del tercer pilar.• Además de a la Decisión marco 2003/80/JAI, la sentencia deltribunal afecta a otros varios actos, puesto que la totalidad o parte desus disposiciones se adoptaron sobre una base jur’dica err—ne a. esosactos se recogen en el anexo de la presente Comunicaci—n. Se tratade:• Decisión marco 2000/383/JAI, sobre el fortalecimiento de laprotecci—n, por medio de sanciones penales y de otro tipo, contrala falsificaci—n de moneda con miras a la introducci—n del euro, yDecisi—n marco 2001/888/JaI, por la que se modifica la anteriorDecisi—n;• Decisión marco 2001/413/JAI, sobre la lucha contra el fraude y lafalsificaci—n de medios de pago distintos del efectivo;• Directiva 91/308/CEE, relativa a la prevención de la utilización delsistema financiero para el blanqueo de capitales, y Decisi—n marco2001/500/JaI, relativa al blanqueo de capitales, la identificaci—n,seguimiento, embargo, incautaci—n y decomiso de los instrumentos yproductos del delito;• Directiva destinada a definir la ayuda a la entrada, a la circulacióny a la estancia irregulares, y Decisi—n marco del Consejo, de 28de noviembre de 2002, destinada a reforzar el marco penal para larepresi—n de la ayuda a la entrada, a la circulaci—n y a la estanciairregulares;• Decisión marco 2003/568/JAI, relativa a la lucha contra la corrupciónen el sector privado;• Decisión marco 2005/222/JAI, relativa a los ataques contra lossistemas de informaci—n;Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006 33


• Directiva 2005/35/CE, relativa a la contaminación procedentede buques y la introducci—n de sanciones para las infracciones, yDecisi—n marco 2005/667/JaI, destinada a reforzar el marco penalpara la represi—n de la contaminaci—n procedente de buques;• Propuesta de Directiva relativa a la protección penal de los interesesfinancieros de la Comunidad;• Propuesta de Directiva del Parlamento Europeo y del Consejorelativa a las medidas penales destinadas a garantizar el respeto delos derechos de propiedad intelectual, y propuesta de Decisi—n marcodel Consejo destinada a reforzar el marco penal para la represi—n delas infracciones contra la propiedad intelectual• Además, el 23 de noviembre de 2005, la Comisión decidió presentaral tribunal de Justicia un recurso de anulaci—n de la Decisi—n marco2005/667/JaI del Consejo, de 12 de julio de 2005, destinada a reforzarel marco penal para la represi—n de la contaminaci—n procedente debuques.• Corrección del Derecho existente a la luz de la sentenciaSegún la Comisión, la corrección del Derecho existente a la luz de lasentencia puede adoptar varias formas. por una parte, podr’a procederse auna reconsideración de los textos existentes con el único objeto de ajustarlosal reparto de las competencias entre el primer y el tercer pilar. en ese caso,la Comisi—n no introducir’a en sus propuestas disposiciones que difieransustancialmente de las disposiciones adoptadas. esta opci—n ofrece una soluci—nsimple y r‡ pida, y permite preservar la esencia de la legislaci—n comunitaria yla seguridad jur’dica. ahora bien, esta opci—n requiere un acuerdo previo entrela Comisi— n, el Consejo y el parlamento europeo. en caso de que no pudieraalcanzarse ese acuerdo, la Comisi—n har’a uso de su facultad de proponer,a fin no s—l o de restituir las bases jur’dicas correctas a los actos adoptados,sino tambiŽ n de privilegiar soluciones de fondo conformes a su apreciaci—ndel interŽ s comunitario. por lo que se refiere a las propuestas pendientes,esta alternativa no resulta necesaria: la Comisi—n introducir‡ , en la medidarequerida, las necesarias modificaciones en sus propuestas, que seguir‡ n’ntegramente el procedimiento de decisi—n aplicable a su base jur’dica.34Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006


7. PROPUESTA DE DIRECTIvA, DEL PARLAMENTO EUROPEOY DEL CONSEJO, RELATIvA A LA PROTECCIÓN DEL MEDIOAMBIENTE MEDIANTE EL DERECHO PENAL 26el objeto de esta nueva propuesta de Directiva es obligar a los estadosmiembros a imponer sanciones penales para algunos comportamientos queperjudican gravemente al ambiente. este umbral m’nimo de armonizaci—npermite aplicar mejor el Derecho medioambiental, de conformidad con elobjetivo de protecci—n del medio ambiente que establece el art’culo 174 deltratado constitutivo de la Comunidad europea (tratado Ce).7.1 Comportamientos puniblesLos estados miembros deben condenar todo comportamiento deliberadoo debido al menos a una negligencia grave que constituya una infracci—n dela normativa comunitaria o nacional en el ‡ mbito de la protecci—n del medioambiente, as’ como la participaci—n, la falta de vigilancia o la instigaci—n acometer tales actos, entre los que figuran:• el vertido ilícito de materiales o de radiaciones ionizantes que causeo pueda causar la muerte o lesiones graves a personas o da–ossustanciales al medio ambiente;• el tratamiento ilícito, incluidos la eliminación, el almacenamiento,el transporte, la exportaci—n o la importaci—n il’citos de residuospeligrosos (entre otros, los hidrocarburos, los aceites usados, los lodosde depuradora, los metales o los residuos elŽ ctricos y electr—ni cos);• el traslado ilícito de residuos para la obtención de un beneficio y encantidad no desde–able;• la explotación ilícita de instalaciones en las que se realice unaactividad peligrosa, o en las que se almacenen o utilicen sustanciaso preparados peligrosos y que causen o puedan causar la muerte olesiones graves a personas, o da–os sustanciales al medio ambiente;• la fabricación, el tratamiento, el almacenamiento, la utilización, eltransporte, la exportaci—n o la importaci—n il’citos de materialesnucleares u otras sustancias radiactivas peligrosas que causen o26 COM (2007) 51. 2007/0022 (COD). Bruselas. 09.02.2007.Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006 35


puedan causar la muerte o lesiones graves a personas, o da–ossustanciales al medio ambiente;• la posesión, la apropiación o el comercio ilícitos de especies animalesy vegetales protegidas;• el deterioro ilícito de un hábitat protegido;• el comercio o la utilización ilícitos de sustancias destructoras delozono.7.2 SancionesLas sanciones penales deben ser eficaces, proporcionadas y disuasorias.Se aplican tanto a las personas f’sicas como a las jur’dicas.en los casos especialmente graves, cometidos en circunstanciasagravantes, los estados miembros deben prever penas de reclusi—n para laspersonas f’sicas (la propuesta establece umbrales m’nimos de pena m‡ xima) ymultas para las personas f’sicas o jur’dicas (la propuesta establece igualmenteumbrales m’nimos de pena m‡ xima). Las circunstancias agravantes propuestasson la comisi—n del delito por una organizaci—n delictiva o la comisi—n de unainfracci—n que cause la muerte o lesiones graves a las personas o un deteriorosustancial del medio ambiente.por otra parte, los estados miembros pueden prever otros tipos desanciones y medidas complementarias, entre ellas la obligaci—n de repararel perjuicio causado, la prohibición de acogerse a subvenciones públicas, lainhabilitaci—n temporal o permanente para ejercer determinadas actividades,una orden judicial de liquidaci—n, la publicaci— n de la decisi—n judicial, etc.Cada tres a–os, los estados miembros deben presentar a la Comisi—n uninforme sobre la aplicaci—n de la futura Directiva. a continuaci—n, la Comisi—nremitir‡ un informe al Consejo y al parlamento europeo.8. A MODO DE CONCLUSIÓN: LA NECESARIA CONCIENCIACIÓNY COMPROMISO EN LA DEFENSA DE MEDIO AMBIENTELas iniciativas expuestas tienen el enorme valor de constituir la punta delanza de una nueva estrategia en la lucha por la defensa del medio ambiente.Muchas objeciones, comentarios, censuras y cr’ticas podr‡ n realizarse respectoa su contenido. Lo que s’ parece claro es la diferencia, pese a la preocupaci—n36Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006


común, en el diseño de las estrategias a desarrollar y en la importancia de unosu otros mecanismos para llevarlas a buen puerto.pero es tambiŽ n la historia de un gran fracaso. DŽ cadas de luchas, denormativas, de esfuerzos parecen no haber servido para conseguir una eficaz,adecuada y unitaria defensa del medio ambiente en el ‡ mbito comunitario. Larealidad nos golpea casi a diario con sanciones, procedimientos de infracci—ny condenas a los estados por incumplimiento, desidia, o simple abstenci—nen la aplicaci— n de la normativa medioambiental. Los conceptos de soberan’ay territorialidad estatales siguen siendo enarbolados como prerrogativasintocables que impiden una autŽ ntica pol’tica comunitaria de defensa delmedio ambiente.Como hemos podido constatar las iniciativas consideradas no pretendenestablecer una regulaci—n cerrada y pormenorizada de todos los problemas aconsiderar, se conforma con dise–ar unos est‡ ndares m’nimos, como un primerpaso hacia una regulaci—n m‡ s pormenorizada.ahora bien, el salto cualitativo que supone recurrir al amparo del derechopenal merece algunas consideraciones que no deben obviarse.El derecho penal como última ratio hunde sus ra’ces en la consideraci—nde que s—l o los atentados m‡ s graves a los bienes e intereses individuales ycolectivos son susceptibles de someterse al reproche m‡ s contundente, a larestricci—n de derechos m‡ s palpable en la libertad y el patrimonio de losciudadanos culpables de determinados actos lesivos.La apelaci—n al derecho penal para la protecci—n del medio ambiente,supone considerarlo como uno de esos valores e intereses, como una realidad,sin la que no se entiende la sociedad, ni los estados, ni el propio ser humano.Si el derecho penal debe acudir en defensa del medio ambiente es por que estan importante, tan imprescindible, que un ataque contra el mismo resquebrajalos cimientos de nuestra propia existencia. Como ha se–alado pŽ rez Lu–o,Ò desde las etapas iniciales de la historia el hombre acude a la naturaleza parauna mejor comprensi—n de su propia dimensi—n socialÓ. 27as’, pues el derecho a un medio ambiente digno, y saludable, pasa aconsiderarse en una nueva dimensi—n, digno del mayor quantum de protecci—npor parte del ordenamiento jur’dico.Llegado a este punto debemos seguir inquiriŽ ndonos acerca de larelevancia de esta nueva percepci—n del medio ambiente. al igual que con27 PEREz LUñO, A.E., Derechos Humanos, Estado de Derecho y Constitución, 8ª edic., Tecnos, Madrid, 2003, p. 471.Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006 37


otros ‡ mbitos de la pol’tica criminal cabe cuestionarse: Àes, o sobre todo, ser‡suficiente con el Derecho penal?; ¿es la única vía que queda?Sin recaer de nuevo en la constataci—n del fracaso de las formulasprotectoras ensayadas, si conviene se–alar que la sola apelaci—n al Derechopenal no bastar‡ per se para erradicar los atentados al medio ambiente. enprimer lugar, por que el derecho penal tender‡ fundamentalmente a reprimir,a castigar una vez el da–o se haya inferido. al margen de los cl‡ sicos finesasignados al derecho penal (prevenci—n general y especial), la funci—n preventivarequiere de otros mecanismos y de otras implicaciones. respondemos as’ a lasegunda cuesti—n planteada: no basta s— lo con el derecho penal para protegeradecuadamente al medio ambiente.es evidente que el derecho penal puede jugar un papel muy importantepara articular un sistema sancionador frente a conductas que con anterioridadquedaban en la impunidad, o en una leve sanci—n (generalmente econ—m ica).pero junto a Ž l, para asegurar que se prevengan los atentados, deben aparecerotra variables a considerar: educaci—n y compromiso.Hay que informar a los ciudadanos de lo absolutamente imprescindibleque es la defensa del medio ambiente. No s—l o por lo obvio que supone quenuestro planeta es el que nos acoge, y que si enferma, enfermamos todos. Hayque recalcar la responsabilidad solidaria hacia el futuro, hacia las generacionesvenideras, para que puedan disfrutar de las bondades naturales, intentadocorregir y prevenir (si es posible ) los dislates por nosotros cometidos. aunqueparezca sorprendente, todav’a amplias capas de poblaci—n consideran lanaturaleza y sus recursos como algo inacabable, eterno, que siempre estar‡ah’, sin saber que antes hab’a mucho m‡ s que ver, y que, incluso lo quehoy contemplamos, no es m‡ s que la versi—n ajada de una naturaleza queolvidamos, pese a ser el soporte de todo. No quisiera caer en el pesimismo oen el drama, pero los datos son contundentes: desertizaci— n, agujero de la capade ozono, extinci—n de especies,...La informaci— n y educaci— n medioambiental se revela comoimprescindible, para concienciarnos todos de que no es un problema ajeno,que es un problema propio, sobre el que hay que ponerse a trabajar entre todos,para evitar que se produzca el da–o, y cuando esto no sea por desgracia posible,que no queden impunes los culpables.Junto a la educaci— n, la otra variable viene determinada por elcompromiso. pero no s—l o de los ciudadanos en los tŽ rminos expresados, sinotambiŽ n de los estados. tambiŽ n ellos deben sentir el problema como algo38Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006


global, no circunscrito a los hechos acaecidos dentro de los l’mites de susfronteras territoriales.Si no desarrollan pol’ticos solidarias entre los estados, sino no secomprende que el problema es global, sino se entiende de una vez que lacontaminaci—n o el da–o al medio ambiente no conoce de fronteras, noestaremos consiguiendo nada, salvo justificar lo injustificable o dando palosde ciego. Los responsables pol’ticos y econ—m icos deben comprender quesin un pacto universal para salvar a la naturaleza no vamos a poder salvarla.Las iniciativas desplegadas hasta ahora evidencian las reticencias que siguehabiendo por parte de algunos pa’ses, lo influyente de la industria, y lo pocoen serio que algunos se toman la defensa del medio ambiente.Las iniciativas desplegadas en el ‡ mbito comunitario, con las reservasexpresadas, tienen el valor de intentar aunar ambos elementos: el endurecimientode las sanciones para los criminales contra el medio ambiente, junto a lapotenciaci—n de la educaci—n y la formaci—n de los ciudadanos. Como hemosobservado en el propio seno de las instituciones surgen discrepancias, formasdiversas de atacar el problema, de plantear soluciones. pero en lo que s’existe acuerdo es la necesidad de reforzar la protecci—n del medio ambiente.La Sentencia del tribunal de Justicia de la Uni—n nos da la raz—n a los quevenimos defendiendo, hace ya mas de una dŽ cada, que construir europa noes s—l o compartir unas instituciones o unas pol’ticas m‡ s o menos coherentes,sino que europa debe ser ese espacio unido que, sobrevolando las soberan’asnacionales, apueste de una manera democr‡ tica, firme y contundente, por ladefensa de nuestro medio ambiente.Constatado y asumido claramente el fracaso de otras medidas protectoras,ha llegado el momento de intentar actuar con contundencia. esperemos que elprocedimiento de Codecisi—n sobre el texto de la nueva propuesta de Directiva,sea lo m‡ s r‡ pido y efectivo, y nos dotemos de un instrumento imprescindiblepara luchar contra esos “criminales ambientales”, y que aun actúan amparadosen una difusa impunidad de normas y procedimientos nacionales, m‡ s o menosdivergentes.ahora bien, no todo acaba aqu’. al contrario, desde ese momento hayque exigir que las medidas comunitarias adoptadas se cumplan diligente yeficazmente por los estados miembros. Ha allegado el momento de acabar conla impunidad.Manaus, amazonas. Verano, 2008.Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006 39


AMAzONIAN CITIES DURINg THE LAST TWENTY YEARS OF BRAzILIAN CONSTITUTION (1988)Robério BragaaS CIDaDeS aMazï NICaS NOS20 aNOS Da CONStItUI‚ Ì OBraSILeIra De 1988RobŽ rio Braga *Sum‡r io: Introdu• ‹ o; 1. as amazni as; 2. Os v‡ rios desenhos das cidades amazni cas 3. aorganiza• ‹ o legal das cidades amazni cas; 4. O novo papel das cidades na Constitui• ‹ o de 1988;5. a fun• ‹ o social das cidades; 6. as mudan• as em marcha; refer• ncias.Resumo: O presente artigo discute aimport‰ ncia da Constitui• ‹ o Federal de 1988para os munic’pios brasileiros, sobretudo osque se encontram na regi‹ o amazni ca. aConstitui• ‹ o provocou uma sŽ rie de mudan• asno ordenamento jur’dico dos munic’pios,com implica• ›e s direta na organiza• ‹ o dascidades, que s‹ o essenciais para forma• ‹ oe manuten• ‹ o do estado e o fortalecimentoda nacionalidade. Nesse sentido, apesar dasdiversas cidades amazni cas encravadas nasv‡ rias amazonias ainda n‹ o conseguiremcumprir a fun• ‹ o social que lhes foi outorgadapelos dispositivos legais, Ž poss’vel observarmudan• as em marchas.Palavras chaves: Constitui• ‹ o Federal,Cidades amazni cas, Mudan• asAbstract: the current article discusses theimportance of 1988 Federal Constitution forBrazilian cities, specially to the ones locatedin the amazon region. the Constitution hascaused a series of changes in the citiesÕjuridical ordainment, with direct implicationsin the organization of cities, which are essentialin the formation and maintenance of the Stateand growth of the nationality. In this sense,despite the fact that several amazonian citieshavenÕ t yet been able to fulfill the socialfunction which was assigned by the legalmeans, it is possible to realize changes incourse.Keywords: Federal Constitution, amazonianCities, Changes* Robério Braga, advogado. Mestre em Direito Ambiental, professor de Direito e escritor. É Secretário de Estado de Cultura doEstado do Amazonas desde 1997. Integrou o grupo de criação e fundação da Universidade do Estado do Amazonas, tendosido o primeiro diretor do Curso de Artes e Turismo e o Pró-Reitor de Assuntos Acadêmicos.Palestra proferida em 16 de novembro de 2008, em Manaus, na abertura do v Congresso do Instituto Brasileiro de DireitosUrbanístico, sob os auspícios do Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico – IBDU.Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 7 | jul-dez | 2008 41


Ò A Amazni a, sob qualquer ponto de vista em que se possaobservar, tem sido, atŽ hoje, uma grande v’ tima de suas pr—pr iasgrandezasÓ .(Alfredo Ladislau, Terra Imatura)Ò A Amazni a constitui um universo em siÓ .(Samuel Benchimol, Estrutura Geoeconm ica e Social da Amazni a)INTRODUçãONão há pensar que a Constituição da República de 1988 em que pese ot’tulo solene de constitui• ‹ o-cidad‹ , possa ter provocado, por si s—, uma novaimpregna• ‹ o na consci• ncia dos brasileiros. ainda a ser completada conformeprevis‹ o de origem dos constituintes, e j‡ amplamente modificada, a carta querege os nossos destinos pol’ticos e de cidadania foi desdobrada nos estados eMunic’pios com as constitui• ›e s estaduais e as leis org‰ nicas municipais, ˆvista da elevação destes últimos a entes da federação brasileira.V‡ rios desdobramentos foram efetivados no ordenamento jur’dicodos munic’pios, com implica• ‹ o direta na organiza• ‹ o das cidades. entre osmais expressivos se inclui o plano Diretor, conseqŸ• ncia ainda mais direta doestatuto da Cidade que, em forma de lei federal, fixou diretrizes fundamentaispara a organização dos núcleos urbanos essenciais à formação e manutençãodo estado brasileiro e do fortalecimento da nacionalidade.ƒ com esta vis‹ o que devem ser consideradas as cidades brasileirasencravadas nas v‡ rias amaz nias, quase sempre com desenhos urbanosdiferentes, e que, ainda com estrutura legal uniforme ou mais ou menosuniforme, todas elas est‹ o sujeitas ao novo papel que lhes foi configurado pelaConstitui• ‹ o de 1988. ainda sem conseguirem cumprir a fun• ‹ o social quelhes foi outorgada, em muitas delas as mudan• as est‹ o em marcha, mesmocom as contramarchas naturais de uma regi‹ o carente de massa cr’tica e debase acad• mica.N‹ o h‡ como cogitar de uma vara de cond‹ o que seja capaz de promoveras mudan• as de organiza• ‹ o urbana, respeito aos preceitos de cidadania econforma• ‹ o social conforme os primados constitucionais fixados em 1988,porque nos confins da amazni a brasileira, nos beirad›e s, igap— s, terras altas,42Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006


egi›e s urbanas do interior, todos, em verdade, s‹ o mundos muito particularesdentre os v‡ rios brasis de que ouvimos falar, alguns dos quais os meios decomunica• ‹ o de massa costumam escancarar e quase sempre ˆ s avessas.1. AS AMAzôNIASSe n‹ o mais se discute que s‹ o v‡ rios os brasis que conformam estepa’s continental, igualmente s‹ o diversas as amazni as, tomadas as vari‡ veisde soberania, autonomia pol’tica, ocupa• ‹ o e forma• ‹ o dos grupos humanos,cobertura florestal, proximidade de centros avan• ados, maior ou menor IDH -êndice de Desenvolvimento Humano, dentre outras.H‡ uma amazni a continental sul-americana tambŽ m designada deamazni a global, ou aquilo que alguns estudiosos chamam de universoamazni co, em rela• ‹ o ao qual devem ser observadas as diversas soberaniasque o submetem. No campo brasileiro, em s’ntese, se pode considerar aexist• ncia da amazni a oriental e da ocidental tomados os principais eixosurbanos que s‹ o BelŽ m e Manaus.a realidade indiscut’vel e cl‡ ssica, e que ainda persiste, corresponde aoque restou considerado h‡ mais de duas dŽ cadas, Ò os ’ ndices de crescimentoregional (....) na ‡r ea brasileira, n‹o s‹o harmni cos, nem pr—x imos em algunscasosÓ , 1 o que efetivamente continua a provocar crescentes disparidades entreas diversas realidades na vida amazônica.Tratando da parte brasileira deste quase continente particular, temos quecompreender que:Ò A Amazni a Ž um mundo que, n‹o sendo mais inteiramentea revelar, ainda Ž a compreender e a ocupar, e a tni ca deque esta compreens‹o e esta ocupa• ‹o devem ser feitas pelopr—pr io brasileiro tem servido para o crescimento desta pol’ ticade valoriza• ‹o da regi‹o, como foi a pedra basilar para o seusurgimentoÓ . 21 BRAgA, Robério, visão Intima da Amazônia. Conferência proferida na Fundação Atila Taborda, Bagé, Rio grande do Sul, emmaio de 1980., IgHA, Manaus, 1985, p. , 28.2 Idem, idem, p., 35Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006 43


O território amazonense, configurado no mundo amazônico brasileiroocidental, a respeito do qual se pode tomar como referência a Missãodos Tarumãs, fixada em 1657, não subverte o conhecido conceito de umcrescimento não harmônico, sendo de reconhecermos, verdadeiramente, emseu interior, regiões díspares a surpreender ainda agora os que as conhecem.O Estado do Amazonas, inserido em uma faixa amazônica industrial,ocupando a maior parte do território amazônico nacional, representando18,38 % da área total do Brasil, tem a seu favor condições especiais dedesenvolvimento em razão do Pólo Industrial de Manaus, nascido como portode livre comércio, anos mais tarde transformado em Zona Franca e, ao queparece a caminho de ser consolidado como pólo de desenvolvimento.Ao mesmo tempo em que esta característica, sob uma ótica e algumasvariáveis, tenha sido e continue a se caracterizar como responsável porcondições especiais de bom nível de vida há outra variável impactante e nãomenos expressiva, exatamente a de que o mesmo pólo responde em grandeparte pela desordem urbana da cidade de Manaus, o esvaziamento de muitasáreas do interior do Estado e por uma explosão demográfica sem precedentesna história do país, tudo isso a impor uma quase completa desconstrução dacidade advinda da fase final do período da economia gomífera e do períodorelativo à fase sobrevivente à débâcle.É nesse complexo que se insere o Amazonas, e particularmente a cidadede Manaus, principal centro urbano da região desde a conquista invasora dasterras indígenas que compunham os territórios pacíficos dos Manáos, Barés,Passes, Parintintin, Sateré-Maué, por exemplo. A Manaus de que tratei em1980, como “intraduzível, perdida em seus rumos, entre o passado que lhe foigeneroso e o presente que lhe tem retirado a beleza natural e ferido as suasentranhas”. 3 parece não ter chegado ao fim e ao que tudo indica renova-seconstantemente nas mesmas condições.3 Idem,idem, p.,7044Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006


2. OS váRIOS DESENHOS DAS CIDADES AMAzôNICASAs cidades amazônicas, regra geral, estão abertas para o rio. Explico:edificadas às margens dos rios que cortam e recortam toda a região, aorganização dos sítios urbanos mais ou menos desenvolvidos tem sido feita aolongo dos anos e desde tempos imemoriais, tomando o caudal como referência.Desta forma o desenho citadino tem correspondido a esta conformaçãogeográfica, em que o rio impõe um comando de vida, inclusive nos aspectosde organização social, de relação comercial, de lazer e entretenimento, deinfluência religiosa e mística, profana e folclórica.Para dizer de outra forma e ainda mais ampla: “a vida nas e das cidadesamazônicas está ligada ao rio e à floresta”, no dizer de José Aldemir deOliveira, 4 assim são quase todas as cidades locais como são as pequenascidades. Elas precisam, a nosso ver, resistir à fuga da história, das tradições emanter vivas as razões intrinsecamente próprias, enfim, fortalecer a identidadecultural de que se revestem nas quais o passado e o futuro se encontramna convivência presente, traduzidas não só pela estrutura urbana, masprincipalmente também pelo modo de ser, viver e conviver em que o homem,a paisagem original, a edificada e a natureza, se aliam a valores transcendentes,a compor aquilo que Aldemir define como realidade complexa e contraditóriaque ultrapassa as paisagens natural e artificial visíveis para se circunscrever emcultura e sóciodiversidade. 5Não se pode perder de vista a necessidade que se nos parece imperiosa,de uma redivisão da Amazônia e do Amazonas de per si, ou da aplicaçãodaquilo que tem sido denominado de renucleamento, ou seja, um novoestudo do espaço amazônico e amazonense em particular que possa facilitaro desenvolvimento da região assegurando melhor qualidade de vida a seushabitantes.É esta a região de que tratei alhures como a presa fácil dos salvamentosanunciados, 6 e que está a reclamar uma reorganização do seu espaço políticocom a emancipação de regiões internas, a fusão ou indexação de municípiose vilas, possibilitando a formação de outros núcleos urbanos de aglomeradosampliados. Em palavras mais claras:4 OLIvEIRA, José Aldemir. Cidades, Rios e Florestas: Raízes fincadas na cultura e na natureza, in Cultura Popular, PatrimônioImaterial e Cidades, EDUA, Manaus, 2007, p., 1715 OLIvEIRA, José Aldemir., ob.cit., p. 1806 BRAgA, Robério. Uma Reflexão Regional Para o Desenvolvimento do Turismo, Fundação Lourenço Braga, Manaus, 1999,fls., 14.Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006 45


Ò Ž preciso repensar atŽ as cidades e sua organiza• ‹o urbanae construtiva. Pequena, modulada, para fugirmos ŝ press›e sdas cidades que, encravadas na Amazni a surgem como merasclareiras ou esta• ‹o de mudaÓ7Tomando a variedade de desenhos da composição dos aglomeradoshumanos e as diversas implicações de ordem legal para a organização doespaço em que vivem, temos que considerar que na Amazônia muitas são aschamadas comunidades organizadas sob este feitio e que, para André Araújo,nada mais são do que agrupamento humano economicamente organizado sobuma base geográfica, 8 nas quais se entrechocam o folk urbano e o folk rural,com populações basicamente rurais, de alto índice de fecundidade, elevadonúmero de analfabetos e prontos a se submeterem a um processo de migração.As cidades nascem, crescem e mínguam quase que como a sazonalidade dalua na imensidão do azul amazônico, mas há sempre uma luta interna pelo seudesenvolvimento, mesmo que aos esforços empreendidos não seja possívelaplicar a pureza do conceito.podem estar traduzidas em quarteir‹ o, bairros, povoa• ›e s, distritos,par—qui as, munic’pios, prelazias, comarcas, termos ou por qualquer outradesigna• ‹ o formal ou informal institucionalmente aceita, mas t• m sempre umafisionomia social.este padr‹ o n‹ o raro se estende para as cidades com certa complexidadee nelas Ž poss’vel divisar com alguma clareza duas naturezas a que se reportade forma abalizada André Araújo: a natureza geográfica e a moral. 9 ƒ o q<strong>uea</strong>quele estudioso cl‡ ssico da amazni a referencia como a cidade subterr‰ neaque serve de fundamento para a cidade vis’vel, aquela que Ž representada peloslogradouros públicos, ao que acrescentamos ser, nos dias correntes, a cidadesobre a qual se imp›e a fun• ‹ o social que Ž de interesse coletivo, de obriga• ‹ oindividual e de obriga• ‹ o coletiva.N‹ o temos somente as cidades nascidas para a fun• ‹ o fundamental dedefesa e demarca• ‹ o do territ—r io, as que normalmente correspondem tambŽ ma um sentido geogr‡ fico destas posi• ›e s. Historicamente a grande maioria delascome• ou na condi• ‹ o de freguesia. a partir da’ o esp’rito greg‡ rio, coletivo e7 BRAgA, Robério. Algumas Reflexões Amazônicas. Palestra proferida no Seminário Regional do Partido da Frente Liberal, sob apresidência do senador Marco Maciel, em Manaus 10 de março de 1990. Fundação Lourenço Braga, Manaus, 1990, fl.s, 198 ARAUJO, André. Introdução à Sociologia da Amazônia, Editora Fênix, Manaus, 1956, p., 412.9 Idem, idem, p. 41946Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006


familiar do homem da regi‹ o prevaleceu em busca da concentra• ‹ o urbana quese conhece e reconhece pela express‹ o de sua cultura.A sociedade que se instala fundamenta-se verdadeiramente no latifúndioe neste universo f’sico tudo se mescla de forma profundamente heterog• nea eplural, no nosso caso, claramente a partir da aldeia s—c io-religiosa ou s—c iomilitar10 e mais recentemente, no caso de Manaus, especialmente, pelo quedenomino de visionismo econm ico.Qualquer que seja a forma ou raz‹ o de ser do aglomerado urbano, setomarmos a vis‹ o de um ge—gr afo a partir da opini‹ o de pierre Monbeig,a cidade Ž um ato de posse do solo por um grupo humano, 11 e, muito maisque isso, as cidades amazn icas particularmente, t• m claras caracter’sticasde cidades tropicais e seguem sofrendo as imposi• ›e s do clima, do quaseisolamento, das particularidades da organiza• ‹ o social, do compadrio, davizinhan• a especial’ssima que, constituindo um conjunto composto tambŽ mpor outras vari‡ veis, afastam as possibilidades de exist• ncia de uma urbesconforme os modelos mais comuns e conhecidos em outras regi›e s brasileirase mundo afora. Na amazni a vive-se constantemente a tipicidade.3. A ORgANIzAçãO LEgAL DAS CIDADES AMAzôNICASa organiza• ‹ o legal das cidades amazni cas n‹ o difere daquela impostaˆ s demais cidades brasileiras das mais distintas regi›e s, apesar de suassingularidades. Lugar, povoado, Vila, Cidade, Munic’pio, termo, Comarca,restam misturados como se fosse, ao final, uma s— coisa.Submissas ˆ Constitui• ‹ o brasileira desde o seu nascedouro, independentedo sistema e da forma de governo, muitas delas ultrapassaram do ImpŽ rio paraa República; outras se estabeleceram sob a égide da república federativa,algumas das quais antes das exig• ncias impostas pela Constitui• ‹ o de 1988que determinou a realiza• ‹ o de consulta popular capaz de definir o interesse dapopula• ‹ o local pela autonomia pol’tica e cria• ‹ o de Munic’pio.a cidade em si independe da conforma• ‹ o pol’tica. O predicamento n‹ oest‡ ligado ˆ conforma• ‹ o pol’tica, exclusivamente.10 ARAÚJO, André. Sociologia de Manaus – aspectos de sua aculturação, Edições Fundação Cultural do Amazonas, Manaus,1973, p., 103.11 Idem, idem, p., 106Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006 47


todas as cidades amazonenses, entretanto, nos dias correntes, devemsubmiss‹ o ˆ Constitui• ‹ o Federal, ˆ legisla• ‹ o infraconstitucional e ˆ simposi• ›e s do estatuto da Cidade, sem que o legislador federal tenha cogitadode forma consciente da possibilidade pr‡ tica e regular das exig• ncias legaisserem aplicadas em regi›e s particulares do pa’s. Como podem alguns munic’piosamazonenses construir o arcabou• o jur’dico imposto pela Constitui• ‹ o parareg• ncia da vida urbana e do cotidiano dos seus habitantes, mesmo que sejameles os relativos aos princ’pios de cidadania que s‹ o assegurados a cadabrasileiro, se em muitos destes lugares n‹ o o profissional do direito? Comofazer cumprir o que emana do mais elevado diploma jur’dico do Brasil diantedas dificuldades locais, em que muitas vezes n‹ o h‡ promotor de justi• a?preenchidas as formula• ›e s jur’dicas exigidas Ð e s‹ o v‡ rias as leis a seremelaboradas, nada assegura a adequa• ‹ o destas ˆ realidade local. Como elaborartantos e tais diplomas legais: c—di go de postura, c—di go de obras e edifica• ›e s,c—di go ambiental, c—di go de limpeza urbana, plano de prote• ‹ o das margensdos cursos dÕ ‡ gua, plano de alinhamento e passeio e o plano de parcelamentode edifica• ‹ o e uso do solo, leis do per’metro urbano e de ocupa• ‹ o do solourbano, dentre outras. Isto Ž tudo de que se deve valer o mun’cipe de lugarmais pr—s pero ou mais distante e pobre do pa’s, para fazer valer a pol’tica dedesenvolvimento urbano prevista no estatuto da Cidade em decorr• ncia daConstituição da República.4. O NOvO PAPEL DAS CIDADES NA CONSTITUIçãO DE 1988a partir da Constitui• ‹ o de 1988 os munic’pios foram elevados ˆcondi• ‹ o de entes federativos, portanto, componentes da federa• ‹ o brasileira,em n’vel equivalente ao dos estados-Membros e do Distrito Federal. a pardos aspectos positivos decorrentes desta condi• ‹ o, ao mesmo tempo imp›e -se a eles um conjunto de obriga• ›e s nem sempre suport‡ veis e, em algunscasos, completamente injustific‡ veis e realisticamente imposs’veis de seremefetivados pela organiza• ‹ o da pr—pr ia comunidade.Mais do que o papel das cidades na Constitui• ‹ o vinten‡ ria, o quedevemos observar Ž o direito ˆ cidade que aos cidad‹ os deve ser assegurado,primeiro, por cada um dos habitantes e a seguir pelo poder público em todasas esferas e formas de organiza• ‹ o. Ouso dizer que esta compreens‹ o deveexceder ao urbano, ou seja, ˆ quele que Ž caracterizado como tal a partir do48Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006


C—di go tribut‡ rio Nacional (art. 31, par‡ grafo primeiro). Deve ser tudo o queseja espa• o do interesse e para o uso coletivo.O que se deve promover n‹ o Ž mais a seguran• a ao direito de propriedadeindividual, embora este tenha que ser mantido e esteja devidamente consagradoem todas as soberanias democr‡ ticas; o que se deve promover e assegurar nocurso destes primeiros anos do sŽ culo 21 Ž o direito ao urbano como direitocomum, ainda que desta compreens‹ o possam decorrer conseqŸ• ncias para apropriedade individual.O que devemos perseguir Ž a observ‰ ncia da Carta de atenas ao trataro urbanismo como um meio de express‹ o de uma Ž poca, mas em outradimens‹ o, exatamente naquela que seja capaz de promover a expans‹ o doconceito para alŽ m das fun• ›e s b‡ sicas das cidades definidas naquela ocasi‹ o,incluindo higiene, estética, uso do solo, serviços públicos modernos, explosãodemogr‡ fica.Na vig• ncia da Constitui• ‹ o dita cidad‹ , n‹ o se pode cogitar deorganiza• ‹ o das cidades brasileiras sem considerarmos as regras do DireitoUrban’stico, compartidas na vincula• ‹ o de interesses nacionais, regionais elocais, e, em algumas regi›e s, de interesses metropolitanos.ƒ neste campo em particular que se deve compreender as cidades comoÒ um espa• o para todos, mesmo porque ela Ž constru’ da, na maioria das vezes,pelas intera• ›e s e diferen• as e cada um, independente da vontade, orienta• ‹oou do roteiro determinado pela autoridade ou por leisÓ . 125. A FUNçãO SOCIAL DAS CIDADESN‹ o e nova a orienta• ‹ o jur’dica relativa ˆ fun• ‹ o social da propriedade,aquilo que ˆ primeira vista pode ser considerado como a subordina• ‹ o dodireito individual ao interesse coletivo, de que trata Washington de BarrosMonteiro. 13O que explica a fun• ‹ o social da propriedade da qual podemos partirpara a compreens‹ o da fun• ‹ o social das cidadesÒ Ž o conteœdo social, coletivo, que a propriedade deve cumprirna rela• ‹o com o grupo social em que est‡ inserida, representada12 BRAgA Robério. O Instituto do Tombamento e Proteção do Bem Cultural, UEA, Manaus, 2007, p.,14413 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil: direito das coisas. 37. Ed. ver. E aum. São Paulo, Saraiva, 2003.Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006 49


por certo e definido nus que Ž imposto ao propriet‡r io com apreval• ncia do interesse comum de todos, sucedendo o que se temconvencionado chamarem de direito-garantia da sociedadeÓ . 14em s’ntese pode-se afirmar que a fun• ‹ o social est‡ embutida no bemde que Ž titular o propriet‡ rio, para atendimento a Ò outros interessesÓcomotratado pela primeira vez em texto mandamental com a Constitui• ‹ o de 1934.Na carta atual estes interesses acham-se claramente definidos como interessescoletivos ou naquilo que se convencionou chamar de supera• ‹ o dos direitos doindiv’duo em favor de uma perspectiva mais ampla, comunit‡ ria ou social.Surge como bastante apropriada a afirma• ‹ o de Barre (Barre, 2004),de que a cidade n‹ o Ž uma justaposi• ‹ o de gestos monumentais, nem soma dearquiteturas ou confronta• ‹ o de estilos, mas se constitui em um patrimni ovivo com tecido que lhe confere identidade pr—pr ia. 15O que se pretende obter nos dias correntes e deve se constituir ema• ‹ o comum a todos os cidad‹ os, neste particular, Ž a sustentabilidade dascidades com o equil’brio entre a produ• ‹ o, o consumo e o manejo dos recursosambientais. a estes creio que deva ser acrescentado o equil’brio do meioambiente seja ele natural, artificial, cultural e do trabalho.Vale acrescentar o que registra NŽ lson Saule Junior, a servir de s’nteseapertada para quem a cidade deve Ò atender os interesses da popula• ‹o de terum meio ambiente sadio e condi• ›e s dignas de vida (...) sendo seu objeto,indivis’ velÓ , resistindo ˆ quilo que tem sido chamado desde a Carta de atenas deÒ ritmo furioso que desorganiza as condi• ›e s de vidaÓ , e que alguns, apartadosde uma vis‹ o mais ampla, classificam como modernidade e progresso.a fun• ‹ o social das cidades, que no caso brasileiro Ž uma decorr• nciada Constituição da República foi assim tomada na carta magna pela imperiosanecessidade de organiza• ‹ o da vida urbana no pa’s, naquele tempo comoainda agora, em franca e agravante desordem. ela Ž , mesmo a contragosto dealguns estudiosos da matŽ ria, vinte anos depois da consagra• ‹ o constitucional,uma utopia porque sem repercuss‹ o pr‡ tica, objetiva e eficiente na vida doscidad‹ os.14 BRAgA, Robério. O Instituto do Tombamento e a Proteção do Bem Cultural, Universidade do Estado do Amazonas, Manaus,2004, p.,3315 In BRAgA, Robério, ob, cit., p.14750Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006


6. AS MUDANçAS EM MARCHAas cidades, tal como devem ser na conformidade dos anos primeirosdeste sŽ culo 21, t• m que exceder n‹ o s— ao que foi referenciado como urbespor volta de 15.000 anos, durante o per’odo mesol’tico, e em certa medidaao que foi conhecido na polis grega, no or‡ culo de apolo da GrŽ cia, com otra• ado romano e a harmoniza• ‹ o com a ordem c—s mica, mas, precipuamente ecada vez mais, tendo como base as transforma• ›e s advindas com a revolu• ‹ oFrancesa (1789). as cidades devem ser a afirma• ‹ o de esperan• a do homeme a express‹ o de suas necessidades imediatas e corriqueiras, e atŽ mesmodaquilo que vem sendo tomando como necessidades inconscientes, afirma• ›e sindividuais e de classe, e, uma verdadeira obra de arte humana, constituindo oconjunto din‰ mico e complexo de que nos fala Ferreira Gullar. 16N‹ o seria ousado dizermos, ao modo do festejado escritor brasileiro,que as cidades s‹ o organismos vivos a responderem por est’mulos os maisvariados, sejam de constru• ‹ o ou desconstru• ‹ o, cada vez mais vinculadasˆ compreens‹ o sociol—gi ca de sua forma• ‹ o, transforma• ‹ o, evolu• ‹ o ouinvolu• ‹ o.Com esta vis‹ o devemos tambŽ m compreender que as adequa• ›e s aserem efetivadas nas cidades brasileiras e em particular amazni cas n‹ o devemvisar unicamente a formula• ‹ o jur’dica, mas alcan• ar de forma profunda achamada administra• ‹ o do urbanismo para o que devem ser incorporadasreflex›e s acerca da ordem pol’tica que preside cada cidade. Neste particularŽ que os conflitos do direito de propriedade se inserem no campo do direitoadministrativo com alguns instrumentos de pol’tica urbana de h‡ muitoconhecidos e pouco ou mal aplicados.Na vertente urban’stica propriamente dita h‡ a necessidade de revis‹ oda condu• ‹ o ou pelo menos a aceita• ‹ o da forma de composi• ‹ o e expans‹ odas cidades na busca da defini• ‹ o de um modelo desejado. H‡ necessidadeda defini• ‹ o de meios e formas de acompanhamento e controle da vidadas cidades, os quais s‹ o instrumentos dos mais importantes e que, quandoutilizados, s‹ o cada vez com menor efici• ncia.N‹ o seria o caso de rompimento com o modelo urban’stico da escola deLe Corbusier ainda prevalente, rompendo e restabelecendo paradigmas de usodo solo, organiza• ‹ o e gest‹ o das cidades?16 gULLAR, Ferreira, In BRAgA, Robério. O Instituto do Tombamento e a Proteção do Bem Cultural, Universidade do Estado doAmazonas, Manaus, 2004, p. 177.Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006 51


H‡ cidades que sofrem n‹ o s— a expans‹ o urbana esperada, mas padecemda explos‹ o populacional desmesurada, agravando as demandas de habita• ‹ o,transporte, energia, saneamento, nem todas elas submissas ˆ compet• ncia legaldos munic’pios. Na sua esmagadora maioria est‹ o arraigadas a procedimentossuperados e inconsistentes diante do cŽ lere processo que as sufoca provocandoum gigantismo urbano.N‹ o basta ordenar legalmente. ƒ preciso agir no controle. Urgecompreender os fenm enos que se sucedem na amplia• ‹ o das cidades,flexibilizando os planos e as leis para enfrentamento da realidade que Žsempre mais dura e crua e, sobretudo nova diante dos arcabou• os burocr‡ ticos,estimulando a capacidade de organização do poder público para o enfrentamentoe satisfa• ‹ o das demandas sociais, muitas vezes com a devida antecipa• ‹ o,compreens‹ o e aplica• ‹ o pr‡ tica de que a cidade, sendo elemento vivo, reclamaintera• ‹ o permanente de todos os agentes na constru• ‹ o urbana.O que se pode ver ao contemplar a realidade brasileira de um modogeral Ž a necessidade de implanta• ‹ o de planos urbanos que considerem anova produ• ‹ o de bens e de presta• ‹ o de servi• os, de leis menos detalhistas emais din‰ micas, o abandono de metodologias que n‹ o t• m mostrado resultadospr‡ ticos e ‡ geis, o controle do territ—r io urbano, tudo a ser realizado de formaa n‹ o excluir camadas sociais nem desconhecer ocupa• ›e s consolidadas, sob acompreens‹ o maior de que as cidades s‹ o espa• os naturais e pontos geogr‡ ficosocupados e utilizados pelo homem e este Ž um ser inteligente.planejar em tempo que permita a execu• ‹ o do plano de urbanismo en‹ o temer ajust‡ -lo, ao mesmo tempo em que de forma clara e republicana,fa• a aplicar os mecanismos de tributa• ‹ o, de participa• ‹ o da sociedade e deautonomia do poder público local previstos em lei federal e decorrentes daConstituição da República.Fazer valer, afinal, o poder discricion‡ rio da administra• ‹ o tendo em vistao superior interesse público que não deve se revestir de arbitrariedade, mas decoragem e capacidade suficientes para decidir conforme as regras previamentefixadas e de todos conhecidas, confiando na inova• ‹ o e compreens‹ o dosprocessos de intera• ‹ o da vida social no espa• o f’sico das cidades. a partirdesta organiza• ‹ o, admitir e promover a descentraliza• ‹ o da gest‹ o urbanaconforme regras conhecidas do conjunto social.reconhecer e estimular a participa• ‹ o dos agentes sociais, utilizandotoda a capacidade de articula• ‹ o e negocia• ‹ o para a elabora• ‹ o e aplica• ‹ o depolíticas públicas que interessem aos cidadãos e a cidade.52Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006


Atuar de forma cirúrgica, quando necessário, mas não desconhecer ainteireza da cidade e a exist• ncia de v‡ rias cidades contidas em uma s—, dandoa todos o conhecimento uniforme e simplificado do linguajar jur’dico, tŽ cnico,ambiental, administrativo, utilizando-se o mais poss’vel de canais diretos coma sociedade.algumas dessas mudan• as est‹ o efetivamente em marcha, especialmenteaquelas que se reportam ˆ elabora• ‹ o dos instrumentos jur’dicos que, a tomara tradição nacional, tendem a caducar nas gavetas dos agentes públicos semserem levados de forma eficiente ao conhecimento do conjunto da popula• ‹ opara terem aplica• ‹ o pr‡ tica e efetiva.Outras mudan• as indispens‡ veis ainda n‹ o est‹ o em marcha, entre asquais aquelas que podem modificar o panorama atual das cidades amazni casem particular: a compreens‹ o mais alargada do que seja o espa• o urbano,impondo olhares variados sobre ele, mesmo aqueles que aparentementepossam ser considerados fora do eixo de evolu• ‹ o urbana; impondo o olhar querepresente a reflex‹ o mais singela de qualquer cidad‹ o, desde que baste paraconstatar a sua import‰ ncia para o processo de desenvolvimento e valoriza• ‹ oda urbes, e que leve em conta a necessidade de melhoria da qualidade de vidados cidad‹ os com resguardo da identidade da cidade como dos indiv’duos edos grupos humanos.ƒ olhar a cidade como a cada um.REFERêNCIASaraò JO, andrŽ Vidal de. Sociologia de Manaus Ð aspectos de suaacultura• ‹o, Funda• ‹ o Cultural do amazonas. Imprensa Oficial, Manaus,1973.________________________. Introdu• ‹o ˆ Sociologia da Amazni a. 1». ed.,ed Fenix. Manaus, 1956.BeNCHIMOL. Samuel. Estrutura Geoeconm ica e Social da Amazni a.edi• ›e s Governo do estado, ed SŽ rgio Cardoso, Manaus, 1966.BraGa, SŽ rgio Ivan Gil (org.). Cultura Popular, Patrimni o Imaterial eCidades. eDUa/Fapeam, Manaus, 2007Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006 53


BraGa, robŽ rio. O Instituto do Tombamento e Prote• ‹o do Bem Cultural.Universidade do estado do amazonas, Manaus, 2007_______________. Uma Reflex‹o Regional para o Desenvolvimento doTurismo. Funda• ‹ o Louren• o Braga, Manaus, 1999_______________. Algumas Reflex›e s Amazni cas. Confer• ncia proferida noSemin‡ rio regional do partido da Frente Liberal. Funda• ‹ o Louren• o Braga,Manaus, 1990._______________. A Preserva• ‹ o dos Centros Hist— ricos nos Pa’ sesAmazni cos Ð o desastre de Manaus. Funda• ‹ o Louren• o Braga, Manaus,1998._______________. Vis‹o êntima da Amaz nia. Confer• ncia proferida naFunda• ‹ o atila taborda, em BagŽ , rio Grande do Sul, IGHa, Manaus, 1985.LaDISLaU. alfredo. Terra Imatura. BelŽ m, par‡ , 1934.OLIVEIRA. Lúcia Lippi (org.). Cidade: Hist—r ia e Desafios. CNpq/FGV, riode Janeiro, 2002.XaVIer, HŽ lia Nacif. Gest‹o Urbana das cidades brasileiras: impasses ealternativas, in Cidade: Hist—r ia e Desafios, CNpq/ FGV, rio de Janeiro,2002.54Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006


ENvIRONMENTAL RESEARCH PROgRAMS AND THE URBAN qUESTION: AN ESSAY ABOUT THE ABSENCETatiana SchorprOGraMaS De peSQUISa eM MeIOaMBIeNte e a QUeStÌ O UrBaNa:UM eNSaIO SOBre a aUSæ NCIa 1Tatiana Schor *Sum‡ rio: Introdu• ‹ o; 1. Institui• › es de pesquisa conformando novas espacialidades naamazni a; 2. Quest›e s cient’ficas demarcando usos do territ—r io; 3. Filia• ‹ o institucional doLBa; 4. a quest‹ o geopol’tica: o desmatamento; 5. pesquisa de coopera• ‹ o internacional e asoberania da amaz nia; refer• ncias.Resumo: este trabalho procura refletir acercada aus• ncia de discuss‹ o, produ• ‹ o e fomentode temas ambientais nos centros urbanos naregi‹ o amazni ca. apesar da maior parte dapopula• ‹ o da regi‹ o amazni ca se encontrarresidindo nas cidades, caracterizando-a , nostermos de Bertha Becker, como uma Ò florestaurbanizadaÓ, os principais programas depesquisa em meio ambiente na regi‹ o (MCt,do ppBIO e do ppG7) n‹ o tratam da quest‹ ourbana.Palavras-chave: meio ambiente, programas depesquisa, centros urbanos, regi‹ o amaz nicaAbstract: this work aims reflecting aboutthe absence of discussion, production andincentives of environmental subjects in theurban centers of the amazon region. Despitethe fact that the largest part of the populationof the amazon region lives in cities,characterized, in Bertha BeckerÕ s words, asa Ò urbanized forestÓ, the main environmentalresearch programs in the region (MCt, ofppBIO and of pG7) do not deal with the urbanissue.Keywords: environment, research programs,urban centers, amazon region.1 Texto originalmente apresentado na mesa redonda “Meio ambiente e cidades: o desafio de planejar na Amazônia e estratégiasde sustentabilidade urbana” no I Colóquio Internacional Amazonas-Andaluzia: meio ambiente, políticas públicas e direitoambiental na Amazônia, realizado nos dias 25, 26 e 27 de julho de 2006, Manaus, Amazonas.* Professora da Universidade Federal do Amazonas, Departamento de geografia, Núcleo de Pesquisas e Estudos das Cidadesna Amazônia Brasileira – NuPECAB, tschor@ufam.edu.brHiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 7 | jul-dez | 2008 55


INTRODUçãOƒ fato de que atŽ o presente momento os principais programas de pesquisaem meio ambiente do MinistŽ rio de Ci• ncia e tecnologia - o LBa, o GeOMa(rede tem‡ tica de Modelagem ambiental da amazni a), o ppBIO (programade pesquisa em Biodiversidade), e o ppG-7 - n‹ o tratam da quest‹ o urbana.ƒ fato tambŽ m que a regi‹ o amazni ca tem entre 60-70% de sua popula• ‹ oresidente em cidades, caracterizando-a, nos termos de Bertha Becker, comouma Ò floresta urbanizadaÓ. a discuss‹ o, produ• ‹ o e fomento de ci• ncia etecnologia que tratam de temas ambientais ignoram os centros urbanos e, porconseguinte as cidades, os povoados e vilarejos em suas agendas de pesquisa.tratam estas espacialidades como Ò buracos negrosÓque devem ser evitados,como se este ambiente socioecol—gi co (Harvey, 1996) n‹ o fossem parte danatureza e n‹ o influenciassem o ecossistema. Como entender essa aus• ncia?A ideologia do Ò desenvolvimento sustent‡v elÓ na forma• ‹o deagendas de pesquisa e na cria• ‹o de territ—r ios de pesquisapara se compreender melhor a aus• ncia dos temas urbanos nos grandesprogramas de pesquisa na amazni a Ž necess‡ rio enveredar rapidamentepelo discurso ideol—gi co do desenvolvimento sustent‡ vel. este discurso Žimportante na conforma• ‹ o do caso analisado, pois Ž tema chave para osprincipais programas de pesquisa para a amazni a (veja os objetivos dosprincipais programas de pesquisa vinculados ao MCt Ð LBa, GeOMa,ppBIO, pp-G7 Ð todos tem o componente Ò fomentar o desenvolvimentosustent‡ vel da regi‹ oÓ).a discuss‹ o apresentada por Bertha Becker em seu texto A (des)ordem global: o desenvolvimento sustent‡ve l e a Amazn ia (2002) acercadas diferentes concep• ›e s e implica• ›e s que o conceito de desenvolvimentosustent‡ vel tem para a an‡ lise dos conflitos ambientais no Brasil, em especialna amazni a, oferece um interessante fio da meada para discutir a produ• ‹ ode ci• ncia e tecnologia na amazni a Brasileira.para Becker (2005) o discurso do desenvolvimento sustent‡ vel Ž ,mesmo que maquiada, uma tentativa de ordenar o uso do territ—r io. estatentativa de ordenar o uso do territ—r io Ž reconhec’vel, para a autora, por meiode tr• s defini• ›e s que s‹ o mais comumente utilizadas para explicar o termodesenvolvimento sustent‡ vel:56Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006


1. Como estratŽ gia de conserva• ‹ o do meio ambiente que encorajaa participa• ‹ o das comunidades locais, sobretudo os pequenosprodutores por meio de esquemas de uso da terra. esta interpreta• ‹ oŽ de forte viŽ s rural o que para o caso da amazni a desconsidera osintensos processos de urbaniza• ‹ o. a regi‹ o, muito heterog• nea,certamente não comporta soluções únicas.2. entendido como a regula• ‹ o da demanda por estoques de capitalnatural. Considera que os estoques em quest‹ o sejam mantidosconstantes para atender objetivos de equidade intertemporal.Desenvolvimento sustent‡ vel, nesta perspectiva, se d‡ a partir de umdesenvolvimento econm ico pautado na troca dos Ò bens e servi• osÓgerados pela floresta (regula• ‹ o do clima e bioprospec• ‹ o). porŽ ma dificuldade desta perspectiva reside no desenvolvimento dosinstrumentos da economia ambiental e ecol—gi ca que d• em pre• o aestes bens e servi• os que est‹ o fora do mercado. existe ainda a idŽ iade que o extrativismo gerar‡ renda para uma parcela significativa dapopula• ‹ o o que por si s— Ž um problema desde a quest‹ o da escalade produ• ‹ o e do acesso aos mercados.3. entendido como ecodesenvolvimento no qual a pesquisa em Ci• ncia& Tecnologia & Investimento via cooperação público-privado einternacional. reduz o papel do estado.em todas esses defini• ›e s a quest‹ o urbana, as cidades est‹ o ausentes.Como se n‹ o houvesse alternativa sustent‡ vel para as cidades estabelecidas, ouainda estas compreendidas como n‹ o pertencentes ˆ natureza.a mesma autora, no seu mais recente livro Amazn ia geopol’ tica navirada do III mil• nio (2005), analisa como sendo um importante fator demudan• as estruturais da regi‹ o amazni ca no final do sŽ culo XX e in’cio doXXI os vetores tecno-ecol—gi cos e tecno-industrial. para a autora os vetorestecno-ecol—gi cos congregam as for• as de coalesc• ncia de multiplos projetosque configura a amazni a como uma fronteira socioambiental; e os vetorestecno-industrial congregam projetos interessados na mobiliza• ‹ o dos recursosnaturais. ambos conformam um novo sentido para a idŽ ia de fronteira naamazni a. ƒ a fronteira da pesquisa para bioprospec• ‹ o, da gera• ‹ o de rendapara o privado e para o setor público e pela mercantilização da natureza.Considerando que a fronteira de ocupa• ‹ o territorial tanto em termosgeogr‡ ficos quanto econm icos Ž sempre composta por lugares de conflitoHiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006 57


pode-se dizer que a amazni a hoje Ž composta por diversas fronteiras queco-existem e que marcam temporalidades hist—r icas diferentes, mas mesmoassim atuantes e inter-relacionadas, sendo a fronteira de pesquisa a ponta delan• a da mais moderna tecnologia. e o papel da cidade, neste contexto, Ž o decongregar centros de desenvolvimento em ci• ncia e tecnologia que viabilizemuma renda para as comunidades de origem do conhecimento e uma riqueza paraa regi‹ o. a cidade Ž o ponto no qual a natureza se transforma em mercadoria esegue para outras partes do mundo, Ž um n—dul o na rede das cidades globais ecompetitivas (Sassen, S. 1994; Harvey, D. 2004).Claramente o discurso de desenvolvimento sustent‡ vel que organizaa ret—r ica de boa parte da agenda cientifica e pol’tica da amazni a n‹ o Žsimplesmente um novo processo econm ico mais harmni co com a natureza,mas sim, uma proposta de regula• ‹ o do territ—r io que inclui defini• ›e s de queme como determinados recortes territoriais podem ser utilizados. Ou ainda comonos diz Becker:Ò Assume-se que o desenvolvimento sustent‡v el n‹o se resume ˆharmoniza• ‹o da rela• ‹o economia/ecologia nem a uma quest‹otŽ cnica. Representa mecanismo de regula• ‹o do uso territorialque ˆ semelhan• a de outros, tenta ordenar a desordem global. E,como tal, Ž um instrumento pol’ ticoÓ .Nesta concep• ‹ o de Becker, o desenvolvimento sustent‡ vel comoinstrumento pol’tico, temos a chave de entrada para se analisar os conflitos,os usos do territ—r io e as novas espacialidades geradas por um discurso epr‡ tica de produ• ‹ o de ci• ncia e tecnologia com objetivos de se alcan• ar odesenvolvimento sustent‡ vel.esta nova forma de ordenar, usar o territ—r io modifica a espacialidadeda regi‹ o amazn ica introduzindo lugares privados, mesmo que juridicamentepertencentes a órgão públicos, que são os laboratórios na floresta e as áreas depesquisa de determinados grupos. a cidade, com obra coletiva, Ž dif’cil de serprivatizada, a n‹ o ser sob o discurso da seguran• a ou do comŽ rcio (Harvey,D. 2004), e dificilmente aceita tornar-se laborat—r io fechado, sua din‰ micaespa• o-temporal acelerada requer processos de entendimento complexos osquais laborat—r ios s‹ o incapazes abarcar.58Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006


Conjuntamente com a discuss‹ o de desenvolvimento sustent‡ vel,tr• s conceitos s‹ o importantes para esta discuss‹ o: territ—r io, geopol’tica esoberania. Gottman (1973) no texto The significance of territory relacionafortemente o termo territ—r io com o de estado nacional e, por conseguinte como de soberania. territ—r io nacional e a soberania do estado sobre o seu uso seconstituí, nesta visão, o eixo forte da análise geopolítica. Esta é sem dúvidauma abordagem que, mesmo que datada, Ž ainda corrente em muitas an‡ lisessobre a propriedade do uso do territ—r io. entretanto, a geografia cultural abrenovas possibilidades de abordagens que desvinculam a idŽ ia de territ—r io aode estado nacional e permite analisar as diferentes forma• ›e s s—c io-espaciaiscomo territ—r ios, tal como no estudo sobre os diversos territ—r ios (Souza, M.2005).Com a amplia• ‹ o do termo territ—r io e as implica• ›e s para seu usopode-se analisar o tema proposto de maneira diferenciada. Quando se pensaem conflitos na amazni a o que vem a mente Ž o da terra. Lutas sangrentase assassinatos tenebrosos s‹ o realidade da hist—r ia desta regi‹ o. posseiros,grileiros, sojeiros, madereiros, pecuaristas, garimpeiros s‹ o atores constantesna configura• ‹ o e disputa por territ—r io. Muitas monografias, disserta• ›e s eteses s‹ o elaboradas sobre os conflitos da terra. apesar de muito importanteeste n‹ o ser‡ o foco deste artigo. prop›e m-se uma outra entrada para entenderos conflitos, os usos do territ—r io e as novas espacialidades que conformama amazni a na virada do III mil• nio (Becker, B. 2005). esta entrada Ž doconflito da produ• ‹ o e difus‹ o da ci• ncia e tecnologia gerada na e sobre aamazni a, e os usos do territ—r io que elas implicam e as novas espacialidadespor ela gerada, e a incr’vel aus• ncia do urbano na agenda de pesquisa na regi‹ o,s— recentemente parcialmente preenchida por algumas linhas de financiamentoda Funda• ‹ o de apoio ˆ pesquisa do estado do amazonas - FapeaM.Discutir Ci• ncia e tecnologia Ž pol• mico e requer uma analise te—r icacuidadosa cotejada com exemplos, única forma de não cair no discursosuperficial da grande m’dia. analisar e aprofundar o conhecimento sobre aforma com a qual a ci• ncia e a tecnologia s‹ o produzidas Ž essencial n‹ o s—para o desenvolvimento dela mesma, mas, principalmente, para a inser• ‹ odesta problem‡ tica nas an‡ lises das contradi• ›e s que constituem a realidadeda regi‹ o. Com este objetivo este artigo analisa um programa de pesquisade coopera• ‹ o internacional Ð experimento de Grande escala de Intera• ‹ oBiosfera-atmosfera na amazni a, LBa - que tem como foco de estudo aHiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006 59


problem‡ tica das mudan• as globais e o papel que a floresta amazni ca exerceneste processo.O LBa Ž um programa de pesquisa de coopera• ‹ o internacional,liderado pelo Brasil, vinculado ao MinistŽ rio da Ci• ncia e tecnologia, que tem,como objetivo, analisar a intera• ‹ o biosfera-atmosfera de florestas tropicais,mais especificamente, da regi‹ o amazni ca, e seu papel na mudan• a clim‡ ticae conseqŸe nte mudan• a global. O LBa constitui, provavelmente, o maisimportante e controverso programa de pesquisa do governo brasileiro sobre aamazni a:Ò (...) a highly international experiment, but unusual in that theleadership and much of the intellectual impetus comes fromthe host nation, Brazil, with support from a wide range ofBrazilian and developed-nation science agencies. The LBA studyis pioneering science, methodology and new mode of internationalcollaboration.Ó (Schimel, 2004:S1)este programa Ž vinculado ˆ s principais agencias internacionais depesquisa tal como o International Geosphere-Biosphere program das Na• ›e sUnidas e congrega em seu corpo de pesquisadores representantes de diversasinstitui• ›e s de pesquisa do pa’s. O LBa Ž considerado um dos mais importantesprogramas de pesquisa em mudan• as globais no mundo e o principal programade coopera• ‹ o internacional sobre o tema no Brasil. transformou-se assim emuma importante institui• ‹ o de C&t na amazni a para as quest›e s de mudan• aglobal. Como importante programa de pesquisa, o LBa deve ser considerado,n‹ o simplesmente como um caso espec’fico, isolado, mas como um Ò casoilustrativoÓ, no sentido de que Ò n‹o est‹o a’ para provar e sim para explorara maneira pela qual descrevemos as situa• ›e sÓ(Stengers, 2002:p.29).60Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006


1. INSTITUIçõES DE PESqUISA CONFORMANDO NOvASESPACIALIDADES NA AMAzôNIAa relev‰ ncia do papel das institui• ›e s nos processos de mudan• a globalŽ consensual (King, 1997; Constanza, 2000;Young, 2000; Ostrom, 1998 e2002). ƒ neste contexto que se estabelece, no seio do International Geosphere-Biosphere program, dentro do Human Dimension of Global Change, oInstitutional Dimension of Global Change, visando ao fomento e ˆ pesquisaacerca da import‰ ncia das institui• ›e s no processo de mudan• a ambiental.porŽ m, em rela• ‹ o a como, em que medida e qual o significado das institui• ›e sna configura• ‹ o desse processo, h‡ controvŽ rsias, sobretudo, entre os autoresque adotam a abordagem institucional, como elemento central para o estudodas quest›e s ambientais (Sewell, G. et al. 2000). Young (2000) compreendeo conceito de institui• ‹ o como um conjunto de regras, procedimentos detomada de decis‹ o e programas, que definem as pr‡ ticas sociais ou as a• ›e scoletivas. este autor afirma que as diferentes abordagens t• m, em comum, ofato de considerarem que as institui• ›e s sociais constituem uma potente for• amotivadora, respons‡ vel por uma significativa propor• ‹ o da mudan• a nacondi• ‹ o dos sistemas biogeof’sicos.Definir e nomear o que Ž e o que n‹ o Ž uma institui• ‹ o Ž de fato umempreendimento dif’cil, pois o termo congrega estruturas sociais muitodiferenciadas. para o caso de se analisar as formas de produ• ‹ o de ci• nciae tecnologia n‹ o basta constatar a exist• ncia de institui• ›e s, ou realizarjulgamento sobre se uma determinada estrutura social Ž , ou n‹ o, uma institui• ‹ o.H‡ , de fato, a necessidade de aceitar aquilo que os pesquisadores chamam deinstitui• ›e s, como evid• ncia de suas a• ›e s, subjetividades, intencionalidadee moralidade (Latour, 1999b:p.18). Isto Ž , entender uma institui• ‹ o comoa media• ‹ o entre comportamento individual e as estruturas sociais permiteque a rela• ‹ o entre a pr‡ tica da vida e a conceitualiza• ‹ o te—r ica se misturee, por isso, configure contornos interessantes para a an‡ lise social. Cadapr‡ tica institucional historicamente e espacialmente determinada configura umconceito de institui• ‹ o, da’ sua multidimensionalidade.Da mesma forma que a economia dialoga com a teoria econm ica, evice versa (Granovetter, 1985; Callon, 1998), a pr‡ tica institucional vividadialoga com o arcabou• o te— rico institucionalista. a an‡ lise institucionalista,nas ci• ncias sociais, surge do reconhecimento do papel fundamental edeterminante que as institui• › es t• m na estrutura social. Da’ a conceitualiza• ‹ oHiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006 61


do termo institui• ‹ o variar de elementos t‹ o distintos, como a moeda e ocasamento. a defini• ‹ o de institui• ‹ o, de Young, Ž a que se encaixa melhor nocaso das institui• ›e s que lidam, explicitamente, com temas ambientais ou derecursos naturais, como regimes ambientais(Young, 2000:p.4). Na an‡ lise docaso ilustrativo, o LBa, a defini• ‹ o de Young Ž v‡ lida, pois reflete, de maneiraprecisa, o uso do termo que os pesquisadores em mudan• a global, agregadosno programa, fazem de institui• ‹ o. essa adequa• ‹ o n‹ o Ž por acaso, afinal,Young Ž coordenador e principal cientista social do Institutional Dimension ofGlobal Change.Castells (2003) considera que existe na contemporaneidade um novoformato de organiza• ‹ o social baseado no paradigma econm ico-tecnol—gi coda informa• ‹ o, que cria novas pr‡ ticas sociais e altera• ›e s da pr—pr ia viv• nciado espa• o e do tempo, como par‰ metros da experi• ncia social, tem-se, nessaperspectiva, espa• os de fluxos e o tempo intemporal (Castells, 2003:43,51;Cardoso, 2003:36). essa mudan• a na estrutura social cria a necessidadede flexibiliza• ‹ o dos v’nculos e faz parte da organiza• ‹ o atual a fluidez dediversos aspectos da organiza• ‹ o da sociedade, tal como das institui• ›e s.essa necessidade de fluidez e flexibilidade das institui• › es paraadequarem-se ˆ nova configura• ‹ o, cria institui• ›e s mais male‡ veis, tantoem termos de dura• ‹ o, quanto em atua• ‹ o nas rela• ›e s sociais. No casodas organiza• › es da sociedade civil, que participam do debate e produ• ‹ ode informa• ‹ o nas quest›e s ambientais, muitas se tornaram importantesinstitui• ›e s no novo contexto. Na regi‹ o amazni ca, este fato Ž muitoclaro quando se analisa o papel do terceiro setor. O material produzido,sistematizado e divulgado pelas organiza• ›e s n‹ o-governamentais, dentreelas, o Instituto S—c ioambiental, no munic’pio de S‹ o Gabriel da Cachoeira,a Fundação Vitória Amazônica, no Parque Nacional do Jaú, e o Instituto depesquisas ambientais da amazni a, no par‡ , s‹ o exemplos emblem‡ ticosda atua• ‹ o do terceiro setor, como institui• ›e s que produzem informa• ‹ o e,por isso, participam ativamente na formulação de políticas públicas para aregi‹ o, relacionando-se com os mais diversos setores da sociedade brasileirae internacional. estas organiza• ›e s sobrevivem tanto em termos pol’ticosquanto, e principalmente, financeiros devido a forte capacidade de se organizare permanecer conectados ˆ s diversas redes socioambientais. elas configurampontos espacialmente determinados que s‹ o importantes no conjunto delugares que conformam a rede socioambiental amazni ca tanto em termosregionais quanto internacionais. estas espacialidades delimitam formas de uso62Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006


do territ—r io. as possibilidades de uso desse territ—r io para pesquisa e atua• ‹ oficam ent‹ o subordinado ao conhecimento e aprova• ‹ o das institui• ›e s quedominam a produ• ‹ o de conhecimento e atua• ‹ o sobre o lugar.Nessa configura• ‹ o, alguns programas de pesquisa tambŽ m atuam comoinstitui• ›e s, como Ž o caso do LBa. O LBa Ž reconhecido como institui• ‹ oem v‡ rios momentos, pelo fato de viabilizar a media• ‹ o entre as estruturassociais (que neste caso v‹ o desde demandas da sociedade civil organizada porrespostas ˆ s Ò crises ambientaisÓ, das organiza• ›e s internacionais de prote• ‹ oao meio ambiente, das agendas internacionais de pesquisa, dos governos,das organiza• › es cient’ficas e, principalmente, os cientistas das ci• ncias danatureza, que esbarram em problemas sociais) e os comportamentos individuais(dos diferentes pesquisadores e das diferentes institui• ›e s de ensino). S‹ o essasmedia• ›e s que geram informa• ›e s que, por sua vez, motivam formas de a• ‹ ocoletiva, de import‰ ncia no processo din‰ mico de mudan• a dos ecossistemaslocais e globais. ƒ neste sentido que um programa de pesquisa que Ž o LBapode ser analisado como uma institui• ‹ o, pois de fato tem uma estrutura 2 eatua como tal.Compreendido como institui• ‹ o de papel fundamental na complexadin‰ mica de mudan• a s—c io-ambiental (Harvey, D. 1996), o LBa toma corpoe se territorializa, como uma organiza• ‹ o de pesquisa, com escrit—r io, pessoal,material e identidade jur’dica. Como institui• ‹ o, o LBa ganha autonomia comoprograma de pesquisa cient’fico, e passa a ser um objeto privilegiado, n‹ o s—para a an‡ lise institucional e organizacional, mas tambŽ m, para a discuss‹ odos usos do territ—r io e das novas espacialidades implicadas pela produ• ‹ o deci• ncia e tecnologia na regi‹ o amazni ca.2. qUESTõES CIENTÍFICAS DEMARCANDO USOS DOTERRITÓRIOQuando, no plano experimental Conciso do LBa (1996), se assumeque a necessidade do conhecimento do funcionamento do sistema naturalda amaz nia Ž um prŽ -requisito para se definir estratŽ gias — timas dedesenvolvimento (1996:11), pode-se dizer que configura uma determina• ‹ oexpl’cita do papel da ci• ncia. a ci• ncia, nesse contexto, deve servir, por meioda compreens‹ o do funcionamento do sistema natural, de guia para pol’ticas de2 O LBA tem 9 escritórios, 9 torres instrumentadas, 41 veículos, 123 projetos de pesquisa, 856 estudantes (2001-2005).Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006 63


desenvolvimento sustent‡ vel. Sendo o papel da ci• ncia produzir conhecimentosobre esse sistema natural, no caso, a amazn ia, buscando compreender suadin‰ mica interna e suas rela• › es regionais e globais e, o que Ž mais importanteno caso do LBa, o papel da floresta amazni ca no funcionamento do climaglobal, ou seja, compreender a rela• ‹ o biosfera (a floresta como um todo) e aatmosfera.pode-se tambŽ m compreender, nesta perspectiva, que gerarconhecimento para definir estratŽ gias para o desenvolvimento sustent‡ velda amazni a est‡ relacionada ao conhecimento do Ò sistema naturalÓ, isto Žda Ò floresta prim‡ riaÓ. Claramente desconsiderando a analise necess‡ ria dosecossistemas contempor‰ neos tal qual nos define Harvey (1996), dos quaisa cidade deve ser compreendida como o principal habitat socioecologico dacontemporaneidade.O papel de fomento às políticas públicas é reiterado, constantemente, porsuas lideran• as, n‹ o s— expl’cito no plano experimental Conciso de 1996, comotambém nas introduções de alguns números especiais de revistas científicasespecializadas (Global Change Biology, vol. 10 n¼ 5, maio 2004 Ð thematicIssues; ecological applications, vol. 14, n¼ 4, august 2004 Ð Supplement;Journal of Geophysical research, vol. 107, n¼ D20, 2002 Ð Special Issue):Ò The program is designed to address major issues raised byClimate Convention. It helps provide the basis for sustainableland use in Amazonia by using data and analysis to define thepresent state of perturbations, complemented by modeling toprovide insights into possible changes in the futureÓ . (Avissar, eNobre, 2002:1)em julho de 2004, em Bras’lia, realizou-se um painel: Ò O conhecimentocient’ fico e a formula• ‹o de pol’ ticas pœbl icas para a Amazni a: a experi• nciado LBAÓ, que teve, como objetivo, alcan• ar Ò os tomadores de decis‹ oÓ,com rela• ‹ o ˆ s pol’ticas publicas na amazni a. esse painel foi organizadopelo presidente do Comit• Cient’fico Internacional do LBa, e contou coma participa• ‹ o das principais lideran• as cient’ficas do programa e de algunssecret‡ rios do MinistŽ rio do Meio ambiente e de Ci• ncia e tecnologia. Foramapresentados resultados obtidos pelo LBa, principalmente, dos componentesque pesquisam a import‰ ncia da amazni a para a regula• ‹ o do clima regionale nacional e de uso e mudan• a da cobertura da terra na regi‹ o, e discutido como64Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006


esses resultados poderiam auxiliar o governo no planejamento estratŽ gico paraa amazni a (Schor, t. 2005).a partir dessa preocupa• ‹ o, em obter dados que pudesse ajudar nadiscuss‹ o de um desenvolvimento sustent‡ vel, o LBa organizado de in’cio(1996) em seis componentes: F’sica do Clima, armazenamento e trocas deCarbono, Biogeoqu’mica, Qu’mica da atmosfera, Hidrologia, Usos da terrae Cobertura Vegetal. Cada um desses componentes, com seus pr—pr ios temase quest›e s cient’ficas. Dos temas, percebe-se a exist• ncia de uma diversidadede disciplinas cient’ficas, incorporadas no programa, que o constitui comofortemente interdisciplinar (Schor, 2005).O Comit• Cient’fico Internacional (Science Steering Comitee Ð SSC)tem um papel importante na constru• ‹ o do di‡ logo interdisciplinar, tanto emtermos epistemol—gi cos (as apresenta• ›e s dos resultados das ‡ reas espec’ficas),quanto em termos de procedimento de pesquisa (como organizar a pesquisaem conjunto). existe, por parte da coordena• ‹ o do LBa, grande preocupa• ‹ ocom a constru• ‹ o de uma ôcoordena• ‹ o forteÕ , que significa, nas palavras deuma das lideran• as cient’ficas, Ò ser leg’ tima, ser exercida e principalmenteestar atenta ˆ dire• ‹o de cada sub-projeto, n‹o deixar o pesquisador ficar s—na pesquisa individualÓ(Schor, 2005). Com essa concep• ‹ o de coordena• ‹ oreuni›e s semestrais do Comit• Cient’fico foram organizadas, de maneiraa privilegiar a apresenta• ‹ o de cada ‡ rea, e viabilizar o espa• o e tempo dedebate. e Ž por essa preocupa• ‹ o Ð de ficar atento ao direcionamento de cadasub-projeto Ð que, no LBa, cada ‡ rea tem suas quest›e s orientadoras t‹ o bemdefinidas.a forma de organizar a pesquisa e a produ• ‹ o cient’fica no LBa est‡centrada na delimita• ‹ o precisa das quest›e s a serem respondidas:Ò De que modo a Amazni a funciona, atualmente, como entidaderegional?E de que modo as mudan• as dos usos da terra e do clima afetar‹oo funcionamento biol— gico, qu’ mico e f’ sico da Amaz nia,incluindo sua sustentabilidade e sua influ• ncia no clima global?Ó(Plano Conciso experimental, 1996:11).a op• ‹ o pela forma de organiza• ‹ o da pesquisa, baseada em quest›e schaves e espec’ficas, deu ao LBa uma coer• ncia cient’fica e organizacionalforte, pois essas quest›e s serviram como par‰ metro de demarca• ‹ o sobreHiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006 65


Ò o que Ž de interesse do LBaÓ (que s‹ o as pesquisas que est‹ o voltadas aresponder ˆ s quest›e s) e como ferramenta de organiza• ‹ o do desenvolvimentodo programa (desde a defini• ‹ o de prioridades, de experimentos integrados,atŽ defini• ‹ o e localiza• ‹ o espacial dos instrumentos de medida). Nestesentido, pode-se dizer que as quest›e s cient’ficas, formuladas de maneira clarae concisa, como no caso do LBa, viabilizam, n‹ o s— a coer• ncia cient’ficado programa, mas tambŽ m, a estrutura• ‹ o institucional e organizacional dapesquisa, por um per’odo prolongado em locais distantes. Como a pesquisado LBa visa analisar o funcionamento da floresta amazni ca como um todoos locais de pesquisa est‹ o dispersos pela regi‹ o amazni ca e s— foi poss’velmanter a unidade cient’fica devido a esta forma de organizar o programa.Desta maneira configurou-se locais de pesquisa distintos, porŽ minterligados ˆ rede LBa configurando um territ—r io n‹ o cont’guo, porŽ mbem articulado, de pesquisa. esse territ— rio se conecta com uma redeinternacionalizada de pesquisa devido ˆ filia• ‹ o institucional do LBa. No casodo LBa a quest‹ o Ò De que modo a Amazn ia funciona, atualmente, comoentidade regional?Ólimita a compreens‹ o de amazni a ˆ s ‡ reas consideradascomo sendo de floresta prim‡ ria o que claramente exclui as cidades, como seessas n‹ o fizessem parte da amazni a, afinal a amazni a Ž entendida comoum oceano verde com algumas ilhas que devem ser desconsideradas (apesarde duas delas terem mais de um milh‹ o de habitantes). a outra quest‹ ocentral, Ò de que modo as mudan• as dos usos da terra e do clima afetar‹oo funcionamento biol—gi co, qu’ mico e f’ sico da Amazni a, incluindo suasustentabilidade e sua influ• ncia no clima global?Ó possibilita inserir noprograma de pesquisa as mudan• as no campo, relacionadas ˆ transi• ‹ o dafloresta para pastagem e posterior planta• ‹ o de gr‹ os, e a sustentabilidade,neste contexto, Ž compreendida como a manuten• ‹ o da originalidade estanquedo processo. Os espa• os socioecologicos, em especial as cidades em nenhummomento foram considerados como tema Ò de interesseÓdo LBa. Mas esten‹ o Ž o caso espec’fico para o LBa, pois sua origem est‡ na pr—pr ia filia• ‹ oinstitucional deste programa.66Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006


3. FILIAçãO INSTITUCIONAL DO LBAO LBa ôŽ uma resposta direta ˆ Conven• ‹o- Quadro sobre Mudan• asClim‡t icasÕ (plano experimental Conciso, 1996:13), que, como programade pesquisa, surge de uma demanda por parte dos cientistas vinculados aoIGBp. Dada essa vincula• ‹ o, o LBa pode ser compreendido como produto doIGBp e sua rela• ‹ o institucional com esse esfor• o internacional de pesquisaem Mudan• a Global afeta, diretamente, as op• ›e s de formula• ‹ o e fomentoinstitucional.O IGBp, como esfor• o internacional voltado ˆ s quest›e s relacionadasˆ Mudan• a Global, foi estabelecido pelo International Council for Science(ICSU), em 1986. O IGBp orienta-se a partir de quest›e s de escala global, queperpassam as fronteiras nacionais e, para tal, requer arcabou• os de pesquisaacordados, n‹ o s— com rela• ‹ o aos procedimentos de pesquisa, mas tambŽ mcom institui• › es de pesquisa, que promovem e permitem experimentos decampo. a intera• ‹ o entre as diferentes institui• ›e s Ž essencial para que apesquisa em Mudan• a ambiental Global se estabele• a, legitimamente, emdiversos pa’ses. Os arcabou• os institucionais, que permitem aos programas depesquisa agirem, Ž um ponto chave 3 para o IGBp.assim, o LBa foi formulado, como um importante esfor• o internacionalpara integrar as pesquisas, em ci• ncias naturais, realizadas na amazni a. Desdea tentativa de cria• ‹ o do Instituto Internacional da HilŽ ia amazni ca, propostaem 1945, outras tentativas fracassaram (Lima, 1973: cap’tulo 2; Maio, 2005).ƒ nesse contexto hist—r ico que o LBa surge, como esfor• o da comunidadecient’fica internacional na localiza• ‹ o de dados, cole• ‹ o e articula• ‹ o deexperimentos de campo, que congregam um amplo escopo de pesquisas queestavam baseadas na amazni a, nos anos 80. pode-se, ent‹ o, compreender oLBa como mais uma tentativa de realizar uma pesquisa integrada na amazni a,que, desde as primeiras tentativas de integra• ‹ o cient’fica, geram conflitos, emtermos geopol’ticos. O hist—r ico desses conflitos geopol’ticos Ž importante paraa interpreta• ‹ o e compreens‹ o dos problemas, ainda, hoje, enfrentados peloLBa e para se compreender a aus• ncia da tem‡ tica urbana na sua agenda. Ointeressante Ž que, de in’cio, o LBa conseguiu superar as amarras geopol’ticas,pois, desde 1996, e durante toda a primeira fase do programa, conseguiu atuar3 Existe como programa de pesquisa do International Human Dimension Program on global Environmental Change do IPCC, oInstitutional Dimension of global Environmental Change, que analisa o papel das instituições no processo de conhecimento,risco e vulnerabilidade à Mudança global. vale ressaltar que, neste programa, os Programas de Pesquisa Internacional nãoaparecem em suas analises ou projetos de pesquisa.Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006 67


como programa de pesquisa na amazni a e, por isso, constitui uma importanteinstitui• ‹ o de pesquisa em mudan• a global, na regi‹ o e no pa’s.a heran• a institucional, somada ˆ conjuntura de pesquisa em meioambiente, p—s -1992, aos dados obtidos e ˆ s quest›e s cient’ficas geradaspelos diferentes experimentos de campo, na fase prŽ -LBa, indicaram ˆ slideran• as cientificas brasileiras e internacionais, vinculadas ˆ s quest›e s declima, a necessidade de elaborar-se um programa de pesquisa integrado. esseprograma, na vis‹ o dessa comunidade cient’fica, n‹ o s— agregaria os resultados,mas tambŽ m, formularia quest›e s, que integrassem os experimentos de climacom os estudos de biosfera. Foi a partir desses estudos que se percebeu arela• ‹ o entre a atmosfera e a biosfera na amazni a, como ponto-chave paraa compreens‹ o da Mudan• a Global e a amazni a que j‡ era consideradaimportante na regula• ‹ o do clima global passa a ser um lugar crucial parao debate ambiental mundial, n‹ o s— pela biodiversidade e conhecimentostradicionais mas agora tambŽ m pelo seu papel nas mudan• as globais.4. A qUESTãO gEOPOLÍTICA: O DESMATAMENTOO MinistŽ rio da Ci• ncia e tecnologia (MCt) vem promovendoum intenso esfor• o em fomentar pesquisa interdisciplinar na amazni a,pois considera prioridade integrar os estudos especializados em programasinterdisciplinares que consigam gerar modelos integrados que construamcen‡ rios que relacionem o meio ambiente com mudan• as socioeconm icas naregi‹ o (pacheco, 2001:127; Joels, e C‰ mara 2001:129).No caso do LBa, o componente de Mudan• as dos Usos da terra eda Cobertura Vegetal, tem, como objetivo, fazer previs›e s quantitativas (alinguagem do LBa) acerca das taxas de mudan• a e dos padr›e s espaciaisda cobertura vegetal atual e cen‡ rios futuros. para tanto, Ž indispens‡ vel oentendimento das pr‡ ticas de usos da terra, que causam essas mudan• as.para alcan• ar esse entendimento, este componente tem como quest› esorientadoras:Ò Quais s‹o as taxas e os mecanismos de convers‹o de florestapara ‡r eas agr’ colas e qual Ž sua import‰nc ia relativa?68Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006


Qual Ž a taxa de abandono de ‡r eas convertidas? Qual Ž o destinode ‡ reas abandonadas? Quais s‹o os padr›e s gerais da din‰m icade convers‹o e abandono?Qual Ž a ‡r ea de floresta afetada pela extra• ‹o seletiva a cadaano?Quais s‹o os cen‡r ios plaus’ veis de mudan• a futura da coberturavegetal na Amazni a?Ó (Plano Experimental Conciso, 1996:36).Como pode ser percebido o entendimento sobre mudan• as do uso dosolo em nenhum momento questiona a din‰ mica urbana na qual a amazni ase insere, suas causas, formas e conseqŸ• ncias. a expans‹ o da forma urbanae os conteúdos que esta forma implica para a configuração e transformaçãodas rela• ›e s sociais e ambientais n‹ o Ž tema deste componente, apesar delese propor a estudar as mudan• as do uso e da cobertura da terra. apesar destarecorrente aus• ncia, este componente, pelo fato de discutir a mudan• a dacobertura do solo pela a• ‹ o do homem, atua como a liga• ‹ o entre as ci• nciasnaturais e as ci• ncias humanas no LBa, pois se diagnostica o desmatamentoe a conseqŸe nte mudan• a do uso da terra como um dos principais vetores q<strong>uea</strong>fetam o bioma amazni co.tem-se ent‹ o com esses 7 componentes - F’sica do Clima, Qu’micaatmosfŽ rica, Biogeoqu’mica, armazenamento e troca de Carbono, Hidrologia,Usos da terra/Cobertura Vegetal e por fim Dimens‹ o Humana - uma estruturade pesquisa interdisciplinar que viabiliza a realiza• ‹ o dos objetivos do LBa.Os objetivos gerais da Fase I do LBa s‹ o:Ò Quantificar, compreender e modelar os processos f’ sicos,qu’ micos e biol—gi cos que controlam os ciclos de energia, ‡gua,carbono, gases-tra• o e nutrientes encontrados na Amazni a,e determinar como esses processos se associam ˆ atmosferaglobal.Quantificar, entender e modelar a resposta dos ciclos de energia,‡gu a, carbono, gases-tra• o e nutrientes ao desmatamento, ŝpr‡ ticas agr’ colas e as outras mudan• as dos usos da terra, ecomo essas respostas s‹o influenciadas pelo clima.Prever os impactos dessas respostas dentro e fora da Amazni asob futuros cen‡r ios de mudan• as dos usos da terra e do clima.Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006 69


Determinar as trocas entre a Amazni a e a atmosfera, dosprincipais gases-estufa, e gases-tra• o reguladores do potencialoxidante da atmosfera, e entender os processos reguladoresdessas trocas.Fornecer informa• › es qualitativas para apoiar pol’ ticas dedesenvolvimento sustent‡v el e prote• ‹o dos ecossistemas daAmazni a, no contexto de seu funcionamento regional e global.Ó(Plano Experimental Conciso, 1996:15).Os objetivos da Fase I do LBa o inserem dentro do que se conceituaprodu• ‹ o de ci• ncia e a tecnologia (Lacey, 1998). Mostra como o fato deas discuss›e s cient’ficas estarem amalgamadas em um contexto pol’tico esocial importante n‹ o implica em fraqueza da pesquisa, mas pelo contr‡ rio, Žexatamente pelo fato de o LBa conseguir ser ao mesmo tempo um programade produ• ‹ o do conhecimento altamente especializado em termos tecnol—gi cose um programa de pesquisa que visa fornecer ˆ sociedade Ò informa• ›e squalitativas para apoiar pol’ ticas de desenvolvimento sustent‡v elÓ (umademanda n‹ o s— da sociedade brasileira, mas tambŽ m internacional) que oconstitui como um importante programa de pesquisa global. Isto n‹ o significaque este imbricamento n‹ o traga ao programa cr’ticas, principalmente pelo fatode que a especializa• ‹ o tecnol—gi ca s— foi poss’vel por meio de coopera• ‹ ointernacional com uma ag• ncia de estado Norte-americana (a NaSa). estaparceria com a NaSa p›e em quest‹ o, para muitos agentes do governo, dasociedade civil e militar e da comunidade cient’fica brasileira, a neutralidade eimparcialidade dos dados produzidos ou mesmo a autonomia do programa.a comunidade brasileira, tanto cient’fica quanto pol’tica, v• com muitasuspeita os resultados obtidos pelo LBa dado essa parceria. ƒ desnecess‡ riolembrar que a regi‹ o amazni ca Ž considerada como local sens’vel em termosgeopol’ticos (Becker, 2004 e espach, 2002) e por isso existe muita resist• nciacom rela• ‹ o ˆ pesquisa de coopera• ‹ o estrangeira na regi‹ o. Inclusive o MCt,no qual o LBa est‡ diretamente vinculado, vem (na 15» e 16» SSC de 2004)discutindo mudan• as para a pr—xi ma fase do LBa na qual um das propostasseria a de excluir a participa• ‹ o de estrangeiros no Comit• Cient’fico, tornandoo LBa um programa de pesquisa brasileiro.70Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006


5. PESqUISA DE COOPERAçãO INTERNACIONAL E ASOBERANIA DA AMAzôNIAa discuss‹ o acerca da influencia estrangeira na pesquisa realizadana regi‹ o amazni ca assume recorrentemente um discurso de prote• ‹ o ˆsoberania nacional. a amazni a Ž vista tanto pelos militares (Becker, 2004;Bitencourt, 2002, entre outros) quanto pelos pol’ticos (Becker, 2004; Keck, M.2002) como um local no qual existe uma amea• a com rela• ‹ o ao dom’nio doterrit—r io, ˆ soberania. a geografia pol’tica tradicional considera a no• ‹ o deterrit—r io como um espa• o em si, concreto, nos quais as quest›e s referentes aopoder e domina• ‹ o est‡ fixado no dom’nio do estado nacional, no seu poderiomilitar e pol’tico (Souza 2005:p.84). assim sendo, quando se analisa o espa• ode pesquisa internacional, o termo soberania Ž recorrentemente utilizadopara justificar a• ›e s restritivas com rela• ‹ o ˆ possibilidade da pesquisa decoopera• ‹ o internacional. esquecendo-se sempre que um dos fundamentosda ci• ncia Ž a universalidade o que torna a idŽ ia de uma ci• ncia puramentebrasileira uma contradi• ‹ o nos termos.O conceito de soberania est‡ vinculado ao direito internacional que ocompreende como um princ’pio organizador do sistema internacional (arcanjo,F. 2004:p.45). para arcanjo, o termo soberania assume no plano pol’ticointerno ao estado um significado de identidade e lealdade das coletividadesque vivem no territ—r io. J‡ no plano externo a soberania representa o controleexclusivo sobre um territ—r io e tambŽ m o monop—l io absoluto do poder ordenar,regulamentar nesse territ—r io (2004:p.45). arcanjo considera ainda que:Ò A soberania se manifesta principalmente em termos depropriedade ou de poder regulamentar sobre atividades quese exercem majoritariamente como uso de recursos naturais,territoriais.Ó (2004:p. 56)a quest‹ o da soberania n‹ o Ž s— recorrentemente utilizada parajustificar a• ›e s restritivas com rela• ‹ o ˆ s possibilidades da pesquisa decoopera• ‹ o internacional no plano pol’tico-jur’dico-militar, mas Ž tambŽ muma chave interpretativa de um conjunto significativo de estudos cient’ficossobre a regi‹ o amazni ca. esses estudos consideram que a resist• ncia aosprogramas de pesquisa de coopera• ‹ o internacional na amazni a tem seusmotivos hist—r icos (Gama, W. 1997 e 2004, para citar um autor pesquisador daHiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006 71


egi‹ o), pois as pesquisas de coopera• ‹ o internacional realizadas na amazni aforam ambivalentes com rela• ‹ o ao uso e perman• ncia dos resultados ematerial coletado em territ— rio nacional. O forte ide‡ rio do conceito desoberania prevalece na discuss‹ o sobre coopera• ‹ o internacional na pesquisa,principalmente na regi‹ o amazni ca (Becker, B. 2004; Mello, N. 2002; Gama,W. 2004), inviabilizando formas alternativas de se pensar o ordenamento eregula• ‹ o do territ—r io, principalmente no contexto da produ• ‹ o de ci• ncia etecnologia.as preocupa• › es com rela• ‹ o ˆ s pesquisas de coopera• ‹ o internacionalrealizadas na regi‹ o amazni ca s‹ o de fato explic‡ veis, porŽ m se devemem grande parte n‹ o aos acordos de coopera• ‹ o internacional em si, mas ˆfragilidade das institui• ›e s de pesquisa localizadas na vasta regi‹ o (Schor,2005). essa fragilidade est‡ relacionada n‹ o s— ao pequeno corpo cient’ficol‡ presente, mas principalmente ˆ falta de verba para a pesquisa que fez comdeterminadas ‡ reas de pesquisa em institui• ›e s como INpa e o Museu Goeldidurante muitos anos dependessem dessas pesquisas de coopera• ‹ o internacionalpara financiar a pr— pria sobreviv• ncia. essa realidade est‡ se modificandorapidamente com o fortalecimento de institui• ›e s de fomento e financiamentoˆ pesquisa n‹ o s— federal mas principalmente regional. a mudan• a na estruturade financiamento de pesquisa que o estado do amazonas est‡ passando desdea criação da FAPEAM é sem dúvida um exemplo de como a autonomia dapesquisa regional est‡ muito mais vinculada ao fortalecimento das institui• ›e sdo que a simples proibi• ‹ o de pesquisa de coopera• ‹ o internacional.No caso do LBa, o MCt restringiu o financiamento de toda pesquisaem ci• ncias humanas ˆ s agencias financiadoras nacionais, justificando quepesquisas em ci• ncias humanas na amazni a requer cuidados com rela• ‹ oˆ soberania do pa’s. Como no caso do LBa a maior parte das verbas parapesquisa de campo veio das fontes financiadoras internacionais (a NaSa ea Uni‹ o europŽ ia) a restri• ‹ o ˆ utiliza• ‹ o destas fontes pelas pesquisas emci• ncias humanas inviabilizou quase que completamente as pesquisas docomponente de “dimensão humana” no LBA. Este foi sem dúvida um dosprincipais fatores do pouco sucesso desta ‡ rea dentro deste programa, mas n‹ ofoi o único.as quest›e s propostas pelo LBa e a forma com a qual estas restringiramo entendimento de sistema natural da amazni a afastou as pesquisas emci• ncias sociais, pois estas n‹ o s‹ o quest›e s nem escalas de interesse desta‡ rea no Brasil. as quest›e s relacionadas aos movimentos sociais urbanos e72Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006


urais; din‰ mica s—c io-econm ica e demogr‡ fica das cidades, movimentosmigrat—r ios n‹ o est‹ o contemplados. Nem tampouco, aspectos ambientaisurbanos tais como os fragmentos florestais urbanos, a polui• ‹ o das ‡ guas desuperf’cie e subterr‰ nea, a polui• ‹ o do ar e o desmatamento decorrente de umpadr‹ o de urbaniza• ‹ o voltado ˆ valoriza• ‹ o imobili‡ ria.Mas este n‹ o foi o caso s— para o LBa, os demais programas de pesquisado MCt voltados ˆ quest‹ o ambiental na amazni a recorrentemente p›e mde escanteio as cidades e toda problem‡ tica urbana da regi‹ o. pensar emformas de desenvolvimento sustent‡ vel sem levar em considera• ‹ o este habitatcontempor‰ neo Ž analisar parcialmente o sistema amazni co. a n‹ o tematiza• ‹ odestas quest›e s Ž a aus• ncia mais presente nos programas de pesquisa em meioambiente do país. Uma ausência sem dúvida nenhuma ideológica que deve serressaltada sempre, para que quem saiba um dia se transforme de uma aus• nciapresente para uma presen• a constante e central na analise da amazni a.Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006 73


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THE RIgHT OF OPEN ACCESS OvER BABAçU AREAS: NOTES ABOUT THE PJ 747/03Luiz Edson FachinCarlos Eduardo PianovskiO DIreItO aO LIVre aCeSSOaS ç reaS De BaBa‚ U:NOtaS SOBre O pJ 747/ 03 1Luiz Edson Fachin *Carlos Eduardo Pianovski **Sum‡r io: S’ntese dos atos e do objeto do parecer; 1. Dos quesitos formulados para a consulta;2. exame acerca do sentido e do alcance do disposto no art.2¡ do substitutivo ao projeto deLei 747/ 2003; 3. Do direito de propriedade e de sua fun• ‹ o social; 4. repostas aos quesitosformulados.Resumo: trata-se de um parecer elaboradopor solicita• ‹ o do Movimento Interestadualdas Quebradeiras de Coco Baba• u (MIQCB)a respeito da constitucionalidade do projetode lei n¡ 747/ 03, e, sobretudo do artigo 2¡ deseu substitutivo, que diz respeito ˆ garantia dodireito de livre acesso as ‡ reas de ocorr• nciade baba• u pelas chamadas quebradeiras decoco.Palavras-chave: quebradeiras de coco, livreacesso, palmeiras de baba• uAbstract: this article is about a legal opinionelaborated in answer to the MovimentoInterestadual das Quebradeiras de Coco Baba• uÐ MIQCB (Baba• u Coconut Breakers InterstateMovement), about the constitutionality of thelaw project # 747/03, and, especially aboutarticle 2 of its substitutive, which concernsthe guarantee of free access right to theareas where baba• u is found by the so-calledquebradeiras de coco.Keywords: quebradeiras de coco, coconutbreakers, free access, baba• u palm trees.1 Este artigo é um Parecer Jurídico que foi solicitado pelo Movimento Interestadual das quebradeiras de Coco Babaçu (MIqCB)ao professor Luiz Edson Fachin a respeito da constitucionalidade do PL 747/ 2003, que tramitou na Câmara dos Deputados.Para fins desta publicação, foi acrescido de um título.* Professor Titular de Direito Civil da UFPR e da PUC-PR.** Mestre em Direito. Professor de Direito Civil da PUC-PR e da UNIBRASIL.Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2008 79


SÍNTESE DOS ATOS E DO OBJETO DO PARECERO tema vem ˆ tona por meio de consulta apresentada pelo MovimentoInterestadual das Quebradeiras de Coco Baba• u, por meio de sua coordenadorageral Maria adelina de Sousa Chagas a respeito da constitucionalidade doprojeto de lei n¡ 747/ 03, e, sobretudo, do artigo 2¡ de seu substituto, propostopela deputada ann pontes.Versa o projeto a respeito da quest‹ o atinente ˆ preserva• ‹ o do coqueirode baba• u e ao seu racional aproveitamento econm ico por meio da atividadeextrativa.relata-nos que o projeto foi originalmente apresentado pela Deputadaterezinha Fernandes, tendo, ap— s an‡ lise na Comiss‹ o de Defesa doConsumidor, Meio ambiente e Minorias da C‰ mara dos Deputados, recebidosubstitutivo elaborado pela Deputada ann pontes.aprovado na comiss‹ o tem‡ tica, o projeto foi remetido ˆ Comiss‹ o deConstitui• ‹ o e Justi• a, onde recebeu parecer do relator Deputado WagnerLago, em que foi formulado um conjunto de pondera• ›e s e questionamentos,bem como nova proposta de substitutivo. a nova proposta de substitutivo aindan‹ o foi votada na Comiss‹ o de Constitui• ‹ o e justi• a.O presente parecer tem por escopo examinar diversos aspectos damatŽ ria, especialmente o substitutivo j‡ aprovado pela comiss‹ o tem‡ tica, ˆluz das pondera• › es formuladas pelo ilustre Deputado relator na Comiss‹ o deConstitui• ‹ o e Justi• a.tem relevo, nesse sentido, no ‰ mbito do projeto de lei, a proibi• ‹ odo corte do baba• u nativo e a autoriza• ‹ o legislativa para o Ò livre acesso ‡ spopula• ›e s agroextrativistasÓ, bem como de seu Ò livre uso por elas, desdeque as exploram em regime de economia familiar e comunit‡ ria, conforme oscostumes de cada regi‹ o, na forma de regulamentoÓ, nos termos do artigo 2¼do substitutivo da Deputada ann pontes.portanto, destina-se o presente parecer, sobretudo, ao exame espec’ficodesse artigo 2¼ do substitutivo Ð em especial, ˆ an‡ lise de sua constitucionalidade-, que, em parecer preliminar exarado pelo relator do projeto na C‰ maraFederal, Deputado Wagner Lago, foi exclu’do da reda• ‹ o do projeto.Desse modo, o fio condutor que informa a an‡ lise que ser‡ levada aefeito Ž a problematiza• ‹ o acerca da constitucionalidade ou n‹ o do referidoartigo 2¼ . para isso, itiner‡ rio indispens‡ vel parte de um trabalho de exegesedo pr—pr io artigo, de modo a dele extrair seu sentido e seu alcance para, em80Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006


momento posterior, analis‡ -lo sob princ’pios e regras constitucionais aplic‡ veisˆ matŽ ria.1. DOS qUESITOS FORMULADOS PARA A CONSULTApara a condu• ‹ o do exame da matŽ ria, foram formulados os seguintesquesitos, a partir das pondera• ›e s levadas a efeito pelo Deputado relator doprojeto na C‰ mara Federal:1) a lei pretende negar ao propriet‡ rio de im—ve l o exerc’cio deuma ou mais prerrogativas decorrentes da exist• ncia do direito depropriedade sobre os bens presentes no im—ve l sem que tal restri• ‹ ovise ao exerc’cio de um outro direito, de todos, considerado deinteresse público?2) a lei pretende impedir a explora• ‹ o (comercial ou n‹ o) do baba• upor outras pessoas (propriet‡ rios ou n‹ o de im—ve is) n‹ o integrantesdaqueles grupos tradicionais?3) a proibi• ‹ o ˆ extra• ‹ o predat—r ia se aplica tambŽ m ˆ s comunidadestradicionais?4) ƒ indispens‡ vel que a lei defina detalhadamente os critŽ rios paradetermina• ‹ o do grau de acerto na explora• ‹ o do baba• u, de modo adefini-la ou n‹ o como predat—r ia?registrando a honra pela defer• ncia do convite para examinarmos otema, impede partir, consoante o itiner‡ rio proposto, da an‡ lise atinente ˆcorreta hermen• utica que emerge do texto do projeto em tela, em especial doartigo 2¡ do substitutivo ao projeto de Lei 747/ 2003.2. ExAME ACERCA DO SENTIDO E DO ALCANCE DO DISPOSTONO ART. 2.° DO SUBSTITUTIvO AO PROJETO DE LEI 747/2003O exame da matŽ ria objeto do presente parecer parte da compreens‹ o dosentido e do alcance do disposto no artigo 2¡ do substitutivo apresentado pelaDeputada ann pontes ao projeto de Lei 747/ 2003, da C‰ mara Federal.Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006 81


a an‡ lise espec’fica desse dispositivo se apresenta como fulcral, umavez que, do exame do hist—r ico de tramita• ‹ o do projeto na C‰ mara Federal,se infere tratar o artigo e comento de aparente “nó górdio” a despertar dúvidassobre sua constitucionalidade. Cabe, pois, investigar se haveria efetivas raz›e sa suscitar dúvidas sobre a compatibilidade entre o artigo e a Constituiçãoou se, na verdade, o artigo estaria a contemplar adequadamente o textoconstitucional.para que seja poss’vel realizar uma correta an‡ lise do dispositivo,indispens‡ vel se mostra, como exposto, investigar a correta exegese da normaem comento.releva, assim, transcrever o dispositivo a que estamos a nos referir:Ò Art.2¡ - As matas nativas constitu’ das por palmeiras de cocobaba• u, em terras pœbl icas, devolutas ou privadas, s‹o delivre acesso ŝ popula• ›e s agroextrativistas e de livre uso porelas, desde que as explorem em regime de economia familiar ecomunit‡r io, conforme os costumes de cada regi‹o, na forma doregulamento.Ó2.1 Da possibilidade de terceiros não proprietários extraírem ococo de babaçu situado em áreas de domínio privadoUm primeiro exame dos artigos acima referidos permite, de plano, umaconclus‹ o, que emerge da sua literalidade: o projeto franqueia o ingresso daspopula• ›e s agroextrativistas em matas nativas constitu’das por palmeirasde coco babaçu em terras públicas, devolutas ou privadas, para o fim derealizarem atividade extrativista.por conseguinte, imp› e-se aos propriet‡ rios das ‡ reas, ainda que privadas,a toler‰ ncia quanto ˆ extra• ‹ o de coco de baba• u das ‡ rvores nativas.Isso significa, a toda evid• ncia, que somente no tocante ˆ s matas nativase, em especial, ˆ palmeira nativa, Ž que se apresentam o livre acesso e aextra• ‹ o.resta ponderar, nessa toada, se o acesso seria exclusivo das comunidadestradicionais agroextrativistas, ou se haveria a possibilidade de realiza• ‹ o daatividade de extrativismo por parte de terceiros ou, mesmo, do propriet‡ rio da‡ rea.82Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006


O artigo segundo do projeto em comento n‹ o estabelece qualquerrestri• ‹ o dessa natureza, pelo que, tratando-se de titularidade privada sobre aárea, parece não haver margem à dúvida de que não é vedada ao proprietário aextra• ‹ o do coco de baba• u nativo existente em suas pr—pr ias terras.essa conclus‹ o se refor• a quando se examina o artigo terceiro, normalimitativa de car‡ ter geral, aplic‡ vel tanto ao propriet‡ rio quanto a qualquerterceiro (comunidades tradicionais, inclusive) que explorarem o extrativismonas matas nativas de baba• u:Ò Art.3¼ Fica proibido o uso predat—r io das palmeiras de cocobaba• u, sendo para tanto vedadas as pr‡t icas que possamprejudicar a produtividade ou a vida das palmeiras, na forma doregulamento.Óao proibir , para qualquer pessoa, o uso predat—r io das palmeiras, est‡o projeto, simultaneamente, pressupondo algo: que a atividade extrativistapode ser realizada por qualquer pessoa, desde que n‹ o a exerce de formapredat—r ia.ƒ o que se examinar‡ seguir.2.2 Da vedação à extração predatória e da repercussão dessavedação na exegese do artigo 2º do projeto e de seusubstitutivoConforme exposto acima, o artigo segundo est‡ a franq<strong>uea</strong>r o acessoe a extra• ‹ o do coco da palmeira de baba• u tambŽ m por terceiros n‹ opropriet‡ rios, o que n‹ o exclui a possibilidade de frui• ‹ o pelo propriet‡ riodas ‡ reas particulares, desde que o fa• am de forma n‹ o predat—r ia. trata-sede norma de extens‹ o da possibilidade de frui• ‹ o, e n‹ o de restri• ‹ o ˆ frui• ‹ opelos propriet‡ rios.J‡ a norma do artigo terceiro esclarece o sentido da explora• ‹ o econm icaque pode ser levada a efeito, seja pelo propriet‡ rio, seja por terceiros n‹ opropriet‡ rios, consoante norma de extens‹ o que se extrai do artigo segundo.O referido artigo, ao proibir a explora• ‹ o predat—r ia, est‡ , simultaneamente,a afirmar a possibilidade de explora• ‹ o que n‹ o se qualifique como tal. Maisque isso, est‡ a deixar claro que mesmo ˆ s comunidades tradicionais est‡vedada a explora• ‹ o predat—r ia. Da’ ser poss’vel afirmar que os mŽ todosHiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006 83


tradicionais podem ser empregados na medida em que n‹ o violem a normaconstante do artigo terceiro.trata-se, pois, de obter o aproveitamento econm ico da ‡ rea, inclusivepor aqueles que, n‹ o sendo propriet‡ rios, dependem da coleta do baba• u parasua subsist• ncia.Identificados os limites e possibilidades hermen• uticos que defluemdo texto do projeto de lei, revela passar ˆ inst‰ ncia de an‡ lise acerca da suaconformidade constitucional. para isso, ˆ luz dos quesitos formulados e dapr—pr ia natureza da matŽ ria, essencial Ž a an‡ lise sobre o direito de propriedadee sua fun• ‹ o social.3. DO DIREITO DE PROPRIEDADE E DE SUA FUNçãO SOCIALJ‡ se indicou a adequada hermen• utica do projeto de lei em exame,segundo a qual n‹ o veda o artigo segundo do diploma projetado a extra• ‹ o dococo de baba• u pelos propriet‡ rios das ‡ reas em que as ‡ rvores se encontram,desde tal extra• ‹ o n‹ o se mostre predat— ria.Os balizamentos acerca do que se pode compreender como extra• ‹ opredat— ria podem ser definidos mediante regulamento, de modo quedesnecess‡ rio se mostra um detalhamento de natureza tŽ cnica no pr—pr io textolegal.assim, j‡ se tem por certo que o projeto n‹ o veda a explora• ‹ oeconm ica das ‡ rvores pelo propriet‡ rio, n‹ o eliminando o jus fruendi atinentea esses bens.Do mesmo modo, j‡ se concluiu que o artigo 2¼ do substitutivo autorizaˆ queles n‹ o propriet‡ rios que realizem a extra• ‹ o do baba• u por meio dastŽ cnicas tradicionais Ð desde que n‹ o predat—r ias, conforme se infere da corretaexegese da lei, nos balizamentos a serem definidos mediante regulamento -,seja em áreas de domínio público, seja em áreas de titularidade privada.a quest‹ o reside em examinar se a garantia constitucional do direitode propriedade seria compat’vel com a imposi• ‹ o, ao propriet‡ rio, de umatoler‰ ncia ao ingresso de n‹ o propriet‡ rios em seu im—ve l, bem como aextra• ‹ o do baba• u das ‡ rvores nativas que se situarem em sua propriedade.a chave para a compreens‹ o dessa quest‹ o pode residir na denominadafun• ‹ o social da propriedade.84Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006


3.1 Da inserção constitucional da função social como inerente aodireito de propriedadeO artigo 5º da Constituição da República define, no inciso XXII, comogarantia fundamental o direito de propriedade. O Inciso XXIII, a seu turno,imp›e ˆ propriedade o atendimento de sua fun• ‹ o social. 2O sentido e o alcance dessa opção constitucional nem sempre sãoadequadamente compreendidos, de modo a, não raro, negar-se efetividade aocomando constitucional.A função social consiste, simultaneamente, em limite ao direito depropriedade (como dado exterior, a impor restrições, como, por exemplo, noque toca a proibições de natureza ambiental) e, sobretudo, dado intrínseco aopróprio direito de propriedade.afirmar que a propriedade tem uma fun• ‹ o social Ž afirmar que essedireito somente pode ser compreendido conforme a finalidade que a eleatribuiu a ordem jur’dica, o que imp›e n‹ o apenas limites exteriores, proibi• ›e smas, sobretudo, um exerc’cio de direito (e, portanto, um aproveitamento dobem) conforme a fun• ‹ o social.a compreens‹ o da fun• ‹ o social como intr’nseca ˆ propriedade, e n‹ ocomo mero limite externo, d‡ sentido ˆ idŽ ia de que Ò a propriedade obrigaÓ,conforme a precisa constru• ‹ o normativa presente na Lei Fundamental alem‹ .Nesse sentido, ensina eduardo Novoa MONreaL:Ò No hay definici—n m‡s exacta y concisa que la que se contiene enlas tres palavras: Ò La propriedad obligaÓ (Eigentum verpflichtet).Con ellas se indica que la propriedad no es tenida œni camentecomo un derecho, sino que envuelve al mismo tiempo un deberpara el proprietario. Esto significa que el titular del dom’ nio tienesiempre una esfera en la cual puede imponer su voluntad, peroque est‡ en la necesidad de respetar determinadas limitaciones eninterŽ s de otros en cuyo favor la funci—n est‡ institu’ daÓ . 32 “Com efeito, a Constituição Federal de 1988 garante o direito de propriedade – o que não se pode desconhecer,especialmente para tratar da propriedade rural imobiliária. Dessa garantia duas realidades distintas não podem passardespercebidas. Uma, a que demonstra que tal garantia se refere, na esteira do deferimento, à propriedade do título de direitofundamental (Art.5º da CF 88), tanto à propriedade atual quanto ao direito de vir a ser proprietário, face ao paradigma abstratoconstante da norma constitucional. A outra realidade é que, segundo a Constituição, a propriedade constitucionalmentegarantida deve atender sua função social (art. 5º , xxIII)”. FACHIN, Luiz Edson. A função social da posse e a propriedadecontemporânea: uma perspectiva da usucapição imobiliária rural. Porto Alegre: Fabris, 1988, p.17.3 MONREAL, E. N. El derecho de propriedade privada. Bogotá – Colômbia: Temis, 1979, p.61.Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006 85


pode-se afirmar, assim, desde logo, que o exerc’cio do direito depropriedade garantido constitucionalmente Ž aquele que se coaduna com afun• ‹ o social inerente a esse direito.ƒ por isso que o Ministro eros roberto Grau, do Supremo tribunalFederal, afirma que Ò o princ’pio da fun• ‹ o social da propriedade, destasorte, passa a integrar o conceito jur’dido-positivo de propriedade (destaspropriedades), de modo a determinar profundas altera• ›e s estruturais na suainterioridadeÓ. 4Outra perspectiva de an‡ lise que confirma a conclus‹ o acima, ainda quesob compreens‹ o mais elastecida acerca da fun• ‹ o social, afirma que a fun• ‹ osocial diz respeito ao pr—pr io bem. 5 assim, trata-se de afirmar que, v. g., ocomando constitucional imp› e o atendimento da fun• ‹ o social da propriedaderural tomada como im—ve l rural, ou seja, ao objeto de direito, e n‹ o ao direitopropriamente dito. a fun• ‹ o social conduz a um aproveitamento do bem q<strong>uea</strong>tenda ˆ s finalidades previstas no texto constitucional, o que legitima a garantiaconstitucional oferecida ao propriet‡ rio.Seja por uma compreens‹ o de fun• ‹ o social que se refira ao direito depropriedade, seja por uma perspectiva que se vincule ao objeto do direito depropriedade (ou seja, ao bem propriamente dito), dúvida não há de que a análisedos atributos da propriedade deve ser vinculada aos limites e condicionamentosque se imp›e m por forma da garantia constitucional de atendimento da suafun• ‹ o social. Com efeito, a garantia constitucional n‹ o se refere apenas aodireito de propriedade, mas, tambŽ m, ao atendimento de sua fun• ‹ o social.algumas conseqŸ• ncias podem ser desde logo extra’das da exposi• ‹ oaqui realizada no tocante ao projeto de lei em exame:1) a an‡ lise tanto do direito de propriedade dos titulares das ‡ reas emque existem exemplares nativos de baba• u como do aproveitamentodo pr—pr io recurso natural n‹ o pode partir do pressuposto de que odireito de propriedade seria pleno, ou seja, de que todos os atributosa ele pertinentes (usar, fruir, dispor e reivindicar) seriam exercidosem sua absoluta plenitude;4 gRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na constituição de 1988: interpretação e crítica. 2. ed. São Paulo: Editora Revistados Tribunais, 1991, p.251.5 MARÉS DE SOUzA FILHO, Carlos Frederico. A Função Social da Terra. Porto Alegre: Fabris.86Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006


2) a restri• ‹ o a qualquer dos atributos da propriedade n‹ o se d‡ , t‹ oÐs —, como limite exterior, mas, sobretudo, como express‹ o intr’nsecado direito de propriedade. Dito em outras palavras: pretens‹ o de uso,frui• ‹ o ou disposi• ‹ o que contrarie a fun• ‹ o social n‹ o integra oconteúdo do direito de propriedade (e, portanto, de sua garantia), demodo que s— se pode compreender o direito de propriedade ˆ luz desua fun• ‹ o social. 6Ë luz desses pressupostos, cabe dar um passo adiante, examinandoseo conteúdo da função social da propriedade rural, de modo que se possaconcluir se o projeto de lei em comento viola ou n‹ o a garantia constitucionalˆ propriedade dotada de fun• ‹ o social.3.2 Dos requisitos constitucionais atinentes à função social dapropriedade ruralrealizada a an‡ lise acerca da rela• ‹ o ente propriedade e fun• ‹ osocial, e, a partir dela, tendo-se conclu’do que a fun• ‹ o social tomada comoinerente ˆ propriedade conduz, como corol‡ rio l—gi co, ˆ impossibilidade de sepretender a uma plenitude dos atributos pertinentes ˆ propriedade (usar, fruir,dispor e reivindicar), cabe perquirir quais seriam os requisitos m’nimos cujocumprimento se imp›e para atender ˆ garantia constitucional atinente ˆ fun• ‹ osocial da propriedade.Uma vez que o objeto em exame diz respeito ˆ propriedade rural, deveselevar a efeito a an‡ lise proposta ˆ luz do artigo 186 da Constitui• ‹ o daRepública, que dispõe:6 Nesse sentido, CORTIANO JUNIOR, Eroulths. O discurso jurídico da propriedade e suas rupturas: uma análise do ensinodo direito de propriedade. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p.142-143: “A visão da função social da propriedade passa peloredimensionamento do mesmo direito de propriedade, e não mais como um limite exposto aos poderes dos proprietários.A concepção de que a propriedade deve ser utilizada de forma solidarística incide sulla structura tradizionale della proprietádall´interno, a tal ponto que se pode sustentar que a função social é a razão mesma pela qual o direito de propriedade éatribuído a um certo sujeito. Com a função social, a idéia de condicionamento de um direito a uma finalidade, geralmenteadstrita ao direito público, ingressa no direito privado e conforma o direito de propriedade.”Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006 87


Ò art.186 - a fun• ‹ o social Ž cumprida quando a propriedade ruralatende, simultaneamente , segundo critŽ rios e graus de exig• ncia estabelecidosem lei, os seguintes requisitos:I aproveitamento racional e adequado;II Utiliza• ‹ o adequada dos recursos naturais dispon’veis e preserva• ‹ odo meio ambiente;III Observ‰ ncia das disposi• ›e s que regulam as rela• ›e s de trabalho;IV explora• ‹ o que forne• a o bem-estar dos propriet‡ rios e dostrabalhadores.ÓCada um dos incisos que integram o artigo acima transcrito merecedetida atenção, uma vez que eles definem um conteúdo para a função socialconstitutivo de uma dialŽ tica entre interesses propriet‡ rios e n‹ o propriet‡ rios,cuja adequa• ‹ o Ž o comando que emerge da op• ‹ o constitucional.O inciso I se refere ao aproveitamento racional e adequado dapropriedade. tal aproveitamento n‹ o se confunde, pura e simplesmente, comprodutividade. Na verdade, o aproveitamento racional e adequado, ainda queremeta a um conteúdo econômico, não se refere, necessariamente, a umaperspectiva centrada no lucro.O sentido econm ico que se infere da regra, em determinadas espŽ ciesde propriedade (como a pequena propriedade ou, ainda, em ‡ reas de utiliza• ‹ olimitada por normas ambientais, como Ž o caso do projeto) se refere a um usoque diz respeito ˆ satisfa• ‹ o de necessidades de subsist• ncia das pessoas quedependem da terra e de seus frutos, em comunh‹ o com o meio-ambiente.Com efeito, o sentido de Ò socialÓ n‹ o se confunde, necessariamente,com um coletivo abstrato nem com o benef’cio Ò de todosÓ. pode se referirˆ satisfa• ‹ o de necessidades de subsist• ncia Ð e, portanto, de direitosfundamentais que, como tais, são de ordem pública – de certos sujeitos ou degrupos, propriet‡ rios ou n‹ o.Da’ porque a extra• ‹ o das utilidades e frutos poss’veis, de uma ‡ reade frui• ‹ o limitada, que sirvam para assegurar a subsist• ncia de grupos Ðsobretudo aqueles que, tradicionalmente, vivem dessa atividade extrativa Ð est‡em harmonia com a idŽ ia de aproveitamento racional e adequado.Maximiza-se a utilidade do im—ve l propiciando tanto a propriet‡ rioscomo a n‹ o propriet‡ rios a frui• ‹ o de subsist• ncia, desde que n‹ o predat—r ia,das utilidades que a ‡ rea Ž capaz de produzir.88Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006


Conexo a esse aproveitamento adequado est‡ o respeito ˆ s leis ambientais,conforme o inciso II do artigo em comento. N‹ o Ž adequada qualquer formade aproveitamento que se apresente como predat—r ia e viole as normas deprote• ‹ o ao meioÐa mbiente, impondo-se, pois, a utiliza• ‹ o econm ica poss’velˆ luz das limita• ›e s impostas pelas caracter’sticas de cada ‡ rea, e as espec’ficasnecessidades de preserva• ‹ o. Da’ porque o projeto de lei, em seu substitutivoaprovado pela comiss‹ o tem‡ tica, atende tambŽ m ao disposto no inciso II.Remarque-se que a vedação à exploração predatória, por quem, quer queseja, complementa o artigo segundo do substitutivo, uma vez que contempla,simultaneamente, a preservação ambiental e o aproveitamento racional eadequado. Mais que isso, contempla tanto o bem-estar de proprietários (quepodem realizar a extração não predatória) como de trabalhadores (sobretudo ascomunidades que dependem do babaçu para sua subsistência).Trata-se, pois, do atendimento integral do artigo 186 da Constituição,uma vez que também os incisos III e IV estão contemplados.Note-se que o comando constitucional que impõe à propriedade oatendimento do bem-estar de trabalhadores e proprietários torna inequívocaa idéia de que a propriedade individual não se confunde com a propriedadeindividualista.Daí porque afirma Gustavo Tepedino:Ò A propriedade, portanto, n‹o seria mais aquela atribui• ‹ o de podertendencialmente plena, cujos confins s‹o definidos externamente,ou, de qualquer modo, em car‡t er predominantemente negativo,de tal modo que, atŽ uma certa demarca• ‹o, o propriet‡r ioteria espa• o livre para suas atividades e para a emana• ‹o desua senhoria sobre o bem. A determina• ‹o do conteœdo dapropriedade, ao contr‡r io, depender‡ de centros de interessesextrapropriet‡r ios, os quais v‹o ser regulados no ‰m bito darela• ‹o jur’ dica da propriedade [...] Tal conclus‹o oferecesuporte te—r ico para a correta compreens‹o da fun• ‹o social dapropriedade, que ter‡, necessariamente, uma configura• ‹o flex’ vel,mais uma vez devendo-se refutar os apriorismos ideol— gicos ehomenagear o dado normativo. A fun• ‹o social modificar-se-‡ deestatuto para estatuto, sempre em conformidade com os preceitosHiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006 89


constitucionais e com a concreta regulamenta• ‹o dos interessesem jogoÓ . 7Coaduna-se , pois, com a proteção constitucional de interesses nãoproprietários a possibilidade de o legislador, mediante sua legitimidadedemocrática, impor ao proprietário que tolere a extração do coco do babaçudas plantas nativas que se encontrarem em seu imóvel, uma vez que propicia,simultaneamente, o aproveitamento racional dos recursos naturais existentesna área, promovendo o bem-estar – e, mais do que isso a subsistência – dostrabalhadores integrantes das comunidades tradicionais, que há séculos vivemda coleta do babaçu.Trata-se, inequivocamente, de interesse social relevante, pois dizrespeito ao atendimento de direitos fundamentais de subsistência –e, mesmo,de manutenção da possibilidade de constituição de identidade – de indivíduose grupos sociais.Assim, tem-se a conclusão preliminar de que o artigo 2° do substitutivoatende aos ditames do artigo 186 da Constituição. Esse artigo oferece àeventual opção legislativa democrática um fundamento de validade à luz dotexto constitucional.Impede, porém, por à prova essa conclusão por meio de um derradeiropasso: trata-se de ponderar se o atendimento do artigo 186 da CF 88 nãoestá a aniquilar o que se pode denominar de conteúdo mínimo do direito depropriedade. É o que se examinará a seguir.3.3 Do conteúdo mínimo do direito de propriedadeA compreensão da função social como inerente à propriedade demandaa compreensão de que a garantia constitucional impõe, simultaneamente, oatendimento a interesses não proprietários e a interesses do(s) proprietário(s).Vale dizer: a propriedade dotada de função social tem de atender a umconteúdo mínimo, que não aniquile nem os atributos da propriedade nem osinteresses não proprietários.É necessário, assim, investigar se o desafiador equilíbrio imposto pelotexto constitucional é atendido pelo projeto em exame.7 TEPEDINO, gustavo. Temas de direito civil. 3. Ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. p.317. Por isso, o mesmo autor concluique “o preceito, como se vê, condiciona a fruição individual do proprietário ao atendimento de múltiplos interesses nãoproprietários.”90Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2008


Já se conclui mais acima que os interesses não proprietários sãoadequadamente atendidos pelo projeto, uma vez que este, sem atribuirtitularidade ou domínio sobre a terra a terceiros, a eles assegura a possibilidadede utilização de recursos naturais nativos existentes nos imóveis (nos limitesimpostos pela preservação ambiental) e, por esse meio, assegurando suasubsistência e sua dignidade.Deve-se ponderar, pois, se o atendimento a esses interesses nãoaniquilaria o conteúdo mínimo do direito de propriedade na perspectiva dodetentor do domínio.Conforme já se concluiu quando da exegese preliminar do projeto emcomento, inexiste proibição para que os proprietários, mediante procedimentose em volumes não predatórios , realizem a extração do babaçu. Assim, suapossibilidade de fruição dos recursos naturais é mantida.A possibilidade de extração por terceiros não proprietários não restringea áreas nativas, pelo que não se impõe ao proprietário partição gratuita doresultado do cultivo. Trata-se, ao contrário, de permitir o aproveitamentoeconômico de árvores – e das respectivas áreas em que elas se encontram –que, ante a restrição ambiental ao corte, não atenderiam às suas possibilidadessatisfação de necessidades humanas de subsistência (o que, conformeexplicitado, pode ocorrer, desde que de forma não predatória).Não se impede, por meio do projeto, a disposição das áreas por meio dealienação, seja gratuita, seja onerosa, já que não se atribui nem titularidade nemdomínio dos terceiros sobre os imóveis, franq<strong>uea</strong>ndo-lhes, apenas, a fruição deutilidades naturais (ou seja, que não são geradas pelo trabalho humano, umavez que se trata de mata nativa) essências à sua subsistência.O uso das matas pelo proprietário, desde que esse uso não impliquesua destruição, em nada é incompatível com a coleta de coco de babaçu porterceiros – uma vez que, remarque-se, não implica o projeto titularidade,domínio, nem, tampouco, posse sobre as áreas.Por conseguinte, o projeto de lei, no tocante à possibilidade de extraçãodo babaçu por terceiros não proprietários: a) não importa expropriação dasáreas – já que não há perda de posse ou titularidade sobre áreas, nem tampouco,imposição de partição de bens gerados por trabalho ou despesa do proprietário-; b) não impede o exercício do poder de disposição, mediante alienação, dosimóveis em que se encontram as matas nativas; c) não veda a fruição, peloproprietário, dos recursos naturais, desde que proceda de modo não predatório;d) em nada impede ou, mesmo, restringe por si só o uso da área para atividadesHiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 7 | jul-dez | 2008 91


que não impliquem a violação dos comandos de natureza ambiental previstosno projeto.Assim, é plena a compatibilidade do projeto de lei e de seu substitutivo,em especial do seu artigo segundo, com a garantia constitucional do direitode propriedade e de sua função social, uma vez que atende aos interessesnão proprietários contemplados pelo artigo 186 da Constituição preservandoamplamente, no tocante aos atributos do direito de propriedade, aquilo que sepode denominar de seu conteúdo mínimo.4. REPOSTAS AOS qUESITOS FORMULADOS1) a lei pretende negar ao propriet‡ rio de im—ve l o exerc’cio deuma ou mais prerrogativas decorrentes da exist• ncia do direito depropriedade sobre os bens presentes no im—ve l sem que tal restri• ‹ ovise ao exerc’cio de um outro direito, de todos, considerado deinteresse público?Resposta: a lei imp› e ao propriet‡ rio a toler‰ ncia quanto ˆperman• ncia de pessoas nas ‡ reas de mata nativa formada porcoqueiro de baba• u para a finalidade de permitir a essas mesmaspessoas, de modo racional e adequado, a extra• ‹ o do coco. tratasede interesse social relevante, em atendimento ˆ fun• ‹ o social dapropriedade, uma vez que esta n‹ o se confunde com o atendimento deum genŽ rico interesse de todos, mas adquire sentido no atendimentoa direitos fundamentais de subsist• ncia de pessoas ou grupos.2) a lei pretende impedir a explora• ‹ o (comercial ou n‹ o) do baba• upor outras pessoas (propriet‡ rios ou n‹ o de im—ve is) n‹ o integrantesdaqueles grupos tradicionais?Resposta: N‹ o. a lei permite a coleta do baba• u pelo propriet‡ rio,desde que n‹ o se trate de explora• ‹ o predat—r ia.3) a proibi• ‹ o ˆ extra• ‹ o predat—r ia se aplica tambŽ m ˆ s comunidadestradicionais?Resposta: Sim. Somente Ž poss’vel o exerc’cio de atividade extrativa,por quem quer que seja, que n‹ o se qualifique como predat—r ia.4) ƒ indispens‡ vel que a lei defina detalhadamente os critŽ rios paradetermina• ‹ o do grau de acerto na explora• ‹ o do baba• u, de modo adefini-la ou n‹ o como predat—r ia?92Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006


Resposta: N‹ o, uma vez que h‡ previs‹ o na pr—p ria lei de que oscritŽ rios ser‹ o definidos mediante regulamento. O regulamento, aseu turno, serviria para aclarar e instrumentalizar a proibi• ‹ o legalde extra• ‹ o predat—r ia, n‹ o trazendo inova• ‹ o propriamente dita aoordenamento jur’dico.ƒ o parecer.Curitiba, 30 de outubro de 2006.Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006 93


HERITAgE, RECREATION, CONCERNS AND COMMON AREAS AND/OR SITES FOR MANKIND, INDIgENOUS PEOPLES AND HUMANRIgHTS.David Sánchez RubioHereNCIa, reCreaCIONeS, CUIDaDOS,eNtOrNOS Y eSpaCIOS COMUNeSY/O LOCaLeS para La HUMaNIDaD,pUeBLOS INDêGeNaS Y DereCHOSHUMaNOSDavid S‡n chez Rubio *Sum‡r io: Introducción; 1. Sobre los conceptos de patrimonio o herencia común de humanidady de bienes comunes; 2. Problemas y obstáculos; 3. Las dos edades de la herencia común de lahumanidad; 4. Hacia una propuesta emancipadora de recreaciones, cuidados y entornos comunespara la humanidad desde derechos humanos; 5. Una propuesta espec’fica: herencia, recreacionesy cuidados Ò localesÓde la humanidad a partir de la especificidad ind’gena y los derechos de lospueblos.Resumo: Neste artigo iremos discutir umasŽ rie de quest›e s relacionadas ao denominadopatrimni o comum da humanidade, que n—spreferimos chamar de heran• a, recria• › es,cuidados, ambientes e espa• os comuns e / oulocais para a humanidade, ligada tambŽ m comoutras problem‡ ticas que t• m muito a ver como conceito de direitos humanos, a idŽ ia desoberania e do papel dos movimentos sociais,com especial aten• ‹ o aos povos ind’genas,em rela• ‹ o aos sistemas de propriedadeintelectual, a biodiversidade do planeta e dosconhecimentos tradicionais . Defendemos umano• ‹ o de patrim nio comum fundado em umcomplexo e relacional concep• ‹ o de direitoshumanos.Palavras-chave: patrim nio comum dahumanidade, direitos humanos, povosind’genas, conhecimentos tradicionaisAbstract: In this article, we are going todiscuss several issues related to the so calledpatrimony of humanity, which we wouldrather call heritage, reinvention, cares,environments and common spaces and/orplaces for humanity, connected to other issueswhich have a lot to do with the conception fhuman rights, the Idea of sovereignty and therole of social movements, with special focuson the indigenous peoples, when it concerns tointellectual property systems, biodiversity andtraditional knowledge. We support a notion ofpatrimony of humanity based on a complexand relational conception of human rights.Keywords: patrimony of humanity, humanrights, indigenous peoples, traditionalknowledge* Profesor Titular. Departamento de Filosofía del Derecho. Facultad de Derecho. Universidad de Sevilla.Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2008 95


INTRODUCCIÓNHoy en d’a, en el contexto de los procesos de globalizaci—n, donde,parafraseando a Franz Hinkelammert, el planeta tierra es tan redondo,tan redondo que si disparamos una bala, Ž sta da la vuelta r‡ pidamentegolpe‡ ndonos por detr‡ s, existen problemas y preocupaciones globales a losque hay que darles soluciones, al menos, con pretensiones tambiŽ n globales,dado el peligro de supervivencia en el que se encuentran tanto la humanidaden su conjunto, como la naturaleza.en este sentido, conocida es la anŽ cdota que le sucedi— al, entonces,Ministro de educaci—n de Brasil y ex-alcalde de la ciudad de Brasilia,Cristovao Buarque en su viaje a estados Unidos, cuando se le pregunt— sobrequŽ pensaba en relaci—n a la internacionalizaci—n del amazonas.Independientemente de la aguda e ir— nica respuesta que dio comoÒ humanista brasile–oÓ, con la que denunciaba la hip—c rita preocupaci—n dela comunidad internacional por ser solidaria con el ser humano en relaci—n aproblemas tales como la reserva del petr—l eo, el capital financiero, NacionesUnidas, los arsenales nucleares, las reservas forestales y los derechos de losni–os, lo que queremos destacar ahora es que tanto la pregunta que le hicieroncomo la respuesta que expres— alud’an a un tema b‡ sico para el mundo en elque vivimos y que gira en torno al llamado patrimonio (o herencia) común dela humanidad.a lo largo de estas p‡ ginas vamos a discutir sobre una serie de cuestionesrelacionadas con esta figura, vincul‡ ndolo, adem‡ s, con otras problem‡ ticasque tienen mucho que ver con el concepto de derechos humanos, la idea desoberan’a y la titularidad y gesti—n local de los bienes comunes a partir de laspr‡ cticas de los movimientos sociales.toda mediaci— n, instituci—n y creaci—n humana pueden ser dotadas deun car‡ cter emancipador y liberador o un car‡ cter dominador y de imperioen funci—n de las intenciones y las pr‡ cticas desarrolladas, junto con ladisposici—n y las posibilidades para que las personas tengan la capacidad deotorgar sentido y poseer control sobre todo aquello que generan. Según elcontexto socio-cultural y el momento espacio-temporal, nos podemos tratary se nos puede tratar como sujetos o como objetos. tanto con el mal llamadopatrimonio común de la humanidad como con los derechos humanos se puedenestablecer teor’as y acciones basadas en tramas sociales de dominaci—n o deemancipaci—n. Lo mismo sucede con el sistema de garant’as que se trate de96Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006


implementar como propuesta de protecci—n de ambas instituciones, entre losque cabe mencionar a los sistemas de propiedad intelectual.el debate actual sobre cu‡ l debe ser la titularidad (si local, nacionalo internacional; si pública o privada), cómo se debe gestionar (individual,comunitaria o colectivamente, o estatal o internacionalmente) y c— moproteger determinados bienes considerados esenciales para toda la humanidady la naturaleza (si pol’tica, jur’dica, cultural y/o econ— micamente), hay quesituarlo vislumbrando cu‡ les son las din‡ micas que empujan su defensa:si bajo l— gicas en las que el ser humano junto con la naturaleza no sonlos principales referentes, o bajo l— gicas en las que la biodiversidad y lapluralidad humana y sus condiciones de posibilidad de existencia y desarrolloson el objetivo central.a continuaci—n , este ser‡ el camino de orientaci—n que se intentaremosseguir con este trabajo.1. SOBRE LOS CONCEPTOS DE PATRIMONIO O HERENCIACOMÚN DE HUMANIDAD Y DE BIENES COMUNES 1El concepto de patrimonio o herencia común de la humanidad aludea una serie de bienes culturales y naturales que como consecuencia desu importancia para las condiciones de existencia de la Tierra y de lahumanidad, necesitan una protección y un tratamiento internacional y condimensiones globales.En concreto, expresa la aspiración a una forma de dominio de losrecursos naturales o culturales que, dada la extrema importancia que tienenpara la sostenibilidad y la calidad de vida sobre la tierra, debe ser consideradacomo propiedad global y manejada a favor de la humanidad, tanto presentecomo futura. Por ejemplo, bienes, entornos y espacios como la selva del1 Si bien es cierto que la terminología de bienes comunes es de origen anglosajón, son muchos los pueblos y comunidades(como los pueblos indígenas) que tienen bienes, espacios, usos y entornos con un sentido colectivo equivalente, pese a queno sea fácil su traducción. En este trabajo se defiende la expresión ¨recreaciones, cuidados, espacios y entornos comunes¨para quitarle la excesiva carga patrimonialista, economicista y eurocéntrica del concepto de ¨patrimonio común¨ y parasubrayar la dimensión socialmente producida tanto por los seres humanos como por colectivos que son los encargadosde construir las instituciones y las mediaciones, a través de las tramas sociales y relaciones desarrolladas entre ellos ycon la naturaleza. Incluso hablar de ¨bienes¨ conlleva cierta connotación muy influida por una cultura mercantilista. Paraprofundizar sobre el concepto de ´trama social¨ ver Helio gallardo, Política y transformación social. Discusión sobrederechos humanos, Editorial Tierra Nueva, quito, 2000; Siglo xxI: militar en la izquierda, Arlekín, San José, 2005; SigloxxI: producir un mundo, Arlekín, San José, 2006; y Derechos humanos como movimiento social, Ediciones desde abajo,Bogotá, 2006. También ver David Sánchez Rubio, Repensar derechos humanos. De la anestesia a la sinestesia, MAD, Sevilla,2007.Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006 97


Amazonas, la Antártida, los océanos, las Islas Galápagos, los mares, el agua,la biosfera, la biodiversidad, el aire… son discutidos en términos de si deben ono deben ser considerados como patrimonio o herencia común. 2El concepto de herencia común de la humanidad fue formulado porprimera vez en 1967 por el Embajador de Malta ante la ONU, Arvid Pardoen relación al problema de la regulación internacional de los océanos y dellecho submarino. El funcionario maltés propuso que el lecho, el suelo y elsubsuelo oceánicos debían tener un status especial como herencia común de lahumanidad y, para ello, debían reservarse en tal calidad sólo para que fueranadministrados con fines pacíficos, por una autoridad internacional para quetodos los pueblos fueran sus beneficiados. 3La idea que subyacía detrás de este concepto propuesto por Arvid Pardoera la de poner freno a las pretensiones hegemónicas que en ese momentoposeían las grandes potencias con Estados Unidos y la URSS a la cabeza, deapropiarse de todos los recursos naturales del planeta, a partir de una estrategiapolítica y económica ya tradicional estatalista, de corte bien liberal o de cortemás socialista.Tradicionalmente ha habido aspectos de la vida y determinados bienesque, desde tiempos remotos, se han aceptado como de propiedad colectiva, ocomo el patrimonio común de todos los pueblos y comunidades que existenpara que todos los compartan. Son bienes comunes de dos tipos y amboscoinciden en una característica clave: pertenecen a todos y nadie, en teoría,tiene un derecho exclusivo sobre ellos: 4a) Los llamados bienes Ò comunes de la comunidadÓ que aludena espacios públicos, tierras comunales, bosques, conocimientostradicionales y semillas de una comunidad desarrolladas desdetiempos ancestrales y que afectan a un colectivo de personas queviven dentro de un proyecto común de vida social, cultural y/o étnicoy que puede tener dimensiones locales, regionales y/o nacionales.b) Los bienes como la atm— sfera, los ocŽ anos, el espacio exterior, laLuna, la ant‡ rtica llamados Ò comunes globalesÓy cuyos destinatarioshacen referencia no a un colectivo determinado, sino a todos los sereshumanos.2 Para más detalle, ver José Manuel Pureza, El patrimonio común de la humanidad, Trotta, Madrid, 2002,3 ver Boaventura de Sousa Santos, La globalización del derecho, ILSA/Universidad Nacional de Colombia, 1998,4 ver vv.AA., Alternativas a la globalización económica, Foro Internacional sobre globalización, gedisa, Barcelona, 2003.98Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006


Los denominados bienes comunes (commons) ten’an una fuerte tradici—nen la edad Media en pa’ses o regiones como Gales o Inglaterra. Determinadassuperficies o terrenos eran considerados espacios abiertos sin cercas que pod’anser disponibles colectivamente, con base al derecho consuetudinario, paraactividades como por ejemplo el pastoreo, la pesca, el forraje o la recolecci—nde le–a. Se les llamaba Ò comunerosÓa quienes depend’an de su uso. 5No obstante, por lo general, las l— gicas de inclusi— n y de exclusi— n queen el disfrute de esos bienes se han proyectado sobre determinados colectivoshan dependido de diferentes circunstancias de tipo cultural, pol’tico,econ— mico, social y Ž tnico. La concretizaci— n de su uso no ha afectado porigual a todos los seres humanos, puesto que muchos han sido quienes hansufrido múltiples procesos de discriminación, marginación y exclusión,quedando fuera del ‡ mbito de reconocimiento por ser, por ejemplo, negro,ind’gena, mujer o no ciudadano.en el caso anglosaj—n , lamentablemente, los campos y terrenos comunesfueron poco a poco desmantelados, provocando lo que el estadounidenseGarret Hardin bautiz— en 1968 con el nombre de la Ò tragedia de los comunesÓ.La aristocracia inglesa se fue apoderando de esos espacios, cerr‡ ndolas conmuros y cercas, privatiz‡ ndolas y destin‡ ndolas para fines comerciales. Lapobreza provocada por esta desposesi—n fue muy grande, siendo muchas laspersonas afectadas y que, adem‡ s, tuvieron que sufrir un proceso tr‡ gicode transformaci— n, al oblig‡ rseles a convertirse en mano de obra asalariadabarata. 6 algo parecido est‡ sucediendo en la actualidad, pero en un contextomuy diferente dominado por los procesos de globalizaci—n . Como se expondr‡seguidamente, la l—gi ca del capital y del mercado absoluto devora todo lo quese encuentra y s—l o se preocupa por la obtenci—n del m‡ ximo beneficio, sinimportarle las condiciones de existencia diferenciadas de los seres humanos.5 ver Brewster Kneen y gRAIN, “El clamor por bienes y entornos comunes”, en Revista Biodiversidad, sustento y culturas, n.º52, www.biodiversidadla.org, 22 de mayo de 2007.6 Idem.Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006 99


2. PROBLEMAS Y OBSTáCULOSHoy en d’a, los bienes comunes est‡ n experimentando significadosy procesos dispares y contradictorios. Incluso se ven envueltos en l’mites yobst‡ culos diversos que dificultan su implementaci—n y conservaci—n. Variosson los problemas que se presentan a la hora de delimitar la titularidad, el uso,la administraci—n y los fines que deben establecerse con este tipo de bienes. Deellos solo vamos a destacar dos muy relacionados entre s’:a) Las consecuencias del proceso de mercantilizaci—n de todas lasparcelas de la vida.b) Los condicionantes del paradigma estatalista.2.1 La colonización-mercantilización de todas las parcelasde la vidaen siglos pasados, los bienes comunes fueron perdiendo su condici—ncomunitaria o colectiva y experimentaron un proceso de privatizaci—n confines comerciales. De esta manera se les fue quitando su dimensi—n solidariay, en cierta medida, pública e inclusiva. Ahora, ese proceso se acentúay se ven amenazados por el denominado proceso de mercantilizaci—n detodas las parcelas de la vida, que Karl polanyi vaticin— en su obra La grantransformaci—n , cuya din‡ mica provoca consecuencias excluyentes. 7À En quŽ consiste este proceso que intentaremos explicarbrevemente?7 K. Polanyi, La gran transformación, Ediciones de La Piqueta, Madrid, 1997.100Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006


Durante los dos últimos siglos (XIX-XX) hemos sido testigos de unatendencia en el que todas las facetas de la existencia social han ido quedandoreducidas al mecanismo de la oferta y la demanda, regulado por el sistema deprecios. Dicho mecanismo es considerado como un postulado, y se exige suaceptación, al estilo de los misterios de la fe religiosos. Tanto se ha extendidoesta dinámica del capitalismo en el ámbito de nuestras relaciones sociales, quepocos van siendo los espacios que se salvan del proceso tanto de subsunciónformal como material del capital. 8 Este proceso se ha realizado en diversasetapas, incluso hoy día continúa adelante. Incluso las consecuencias sobre losbienes comunes suelen ser perversas, puesto que bajo una lógica privatizadoray mercantil, se venden como si fueran para el disfrute de todos, invisibilizandosu dinámica excluyente.Poco a poco, el capitalismo, junto a la creación de un modo social ytécnico propio (el industrialismo), ha ido extendiendo las relaciones mercantilesmás allá de los productores y los insumos de la división social del trabajo de susinicios, hasta que ha ido llegando a abarcar las mismas condiciones generalesde producción y reproducción. Para ello necesita apropiarse de la naturalezay de la acción de los seres humanos. Requiere que todos los bienes funcionenen tanto mercancías y que los ingresos procedan de relaciones mercantiles. Deeste modo acaba transformando los medios de producción y de vida en capital,y la fuerza de trabajo en mercancía. Unos y otros podrán comprarse y venderselibremente en el mercado y tendrán un precio. Trabajo y tierra, en tiempos delcapital, se tornan objetos apropiables y vendibles. Los bienes comunes ya nosirven, solo si se privatizan o se gestionan desde una lógica capitalista.En este sentido, la propia Vandana Shiva denuncia que las tierras,los bosques, los ríos, los océanos y la atmósfera han sido ya colonizados,erosionados y contaminados. Por ello, el capital tiene ahora que buscar nuevascolonias que invadir y explotar para continuar con el proceso de acumulacióny privatización. 9 Por consiguiente, los espacios vitales de las especies vegetal,animal y humana son las nuevas colonias del capital, la terra nullius delpresente sobre la que los estados económicamente más fuertes, junto con elencadenado mercado libre, pueden morder con sus fauces.A través del paso, lento pero seguro, de la subsunción formal a lasubsunción real, el capital intenta no tener un afuera (exterioridad); es decir,8 En este sentido ver David Sánchez Rubio, Norman J. Solórzano Alfaro e Isabel Lucena Cid (orgs.), Nuevos colonialismos delcapital. Propiedad intelectual, biodiversidad y derechos de los pueblos, Icaria, Barcelona, 2004.9 vandana Shiva, Biopiratería, El saqueo de la naturaleza y del conocimiento, Icaria, Barcelona, 2001.Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006 101


no admite coexistir con otras concreciones socio-históricas, como pueden serotros modos culturales de producción, otras formas de entender las relacionessociales, otros sistemas de cuidar, usar y disfrutar los entornos y espaciosnaturales o distintos tipos de conocimiento. Todas éstas quedan proscritase invisibilizadas, pues el capital no admite competencia ni interpelación.Evidentemente, en este proceso nos encontramos con una manera particularde operar y, además, ocurren una serie de efectos sociales, culturales ymedioambientales característicos, cuya dirección va encaminada hacia elcontrol, hasta la eliminación, de la vida humana, la naturaleza y de toda ladiversidad que les son propios.Sobre esta dinámica Karl Polanyi llamaba la atención, siguiendolos avisos de Karl Marx, contenidos en su formulación de la ley de lapauperización. La denuncia de Polanyi evidenciaba la destrucción acumulativadel ser humano y la naturaleza por la mano invisible del mercado, en tantoefectos no intencionales. 10 Para el economista austro-húngaro, trabajo y tierrason realidades que constituyen la esencia misma de toda sociedad y que debenser ejercidas y disfrutadas por la totalidad de sus miembros. En el instanteen que se mercantilizan, es decir, se subordinan a las leyes del mercado, setermina por mercantilizar la sociedad entera. Ahora bien, resulta que ambasfuentes de riqueza son realidades sociales y no mercancías en sí mismas, puesninguna es objeto reproducible para la compra/venta en un mercado. Su razónde ser es más compleja y rica. Son, entonces, transformadas en mercancíasficticias. 11 Esta conversión, considerada obligada y necesaria por el sistemay sus defensores, se totaliza hasta niveles que llevan, directamente y por supropia dinámica, a la destrucción de la sociedad y de la naturaleza. 12De esta forma, los epígonos de la economía de mercado, partidarios deprivatizarlo todo, aspiran, estructural e ideológicamente, a la consecución de10 En este sentido véanse: Franz J. Hinkelammert, El mapa del emperador. Determinismo, caos, sujeto, DEI, San José, 1996;K. Polanyi, La gran transformación; y Kart Marx, El Capital, vol. I, FCE, México, 2ª edición, 1959.11 véase K. Polanyi, La gran transformación, especialmente p. 128; también en su obra El sustento del hombre, Mondadori,Barcelona, 1994.12 Dice el propio Polanyi: “Permitir que el mecanismo del mercado dirija por su cuenta y decida la suerte de los seres humanosy de su medio natural, e incluso que de hecho decida acerca del nivel y de la utilización del poder adquisitivo, conducenecesariamente a la destrucción de la sociedad. Y esto es así porque la pretendida mercancía denominada “fuerza de trabajo”no puede ser zarandeada, utilizada sin ton ni son, o incluso ser inutilizada, sin que se vean inevitablemente afectados losindividuos humanos portadores de esta mercancía peculiar. Al disponer de la fuerza de trabajo de un hombre, el sistemapretende disponer de la entidad física, psicológica y moral “humana” que está ligada a esta fuerza. (...). La naturaleza severía reducida a sus elementos, el entorno natural y los paisajes serían saq<strong>uea</strong>dos, los ríos polucionados...” (cfr. La grantransformación). Asimismo, Karl Marx señala: “Por tanto, la producción capitalista sólo sabe desarrollar la técnica y lacombinación del proceso social de producción socavando al mismo tiempo las dos fuentes originales de toda riqueza: latierra y el hombre” (El Capital).102Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006


una economía de mercado total. Desde esta perspectiva, ya no hay realidadesajenas al mercado, que se supone, garantiza el bien común. Todo se miraa través del filtro de sus instituciones y comportamientos. Se aspira a unaaproximación asintótica hacia una sociedad exclusivamente regulada por lasleyes mercantiles. En el camino se rechaza cualquier intento de disminuir ocorregir este trayecto de perfección, que conlleva consecuencias entrópicas. Noobstante, llegados a ese momento surgen las paradojas, porque no se admiterectificación alguna, ninguna referencia diferente o alternativa. 13 Ese marcoteórico y la proyección estructural del libre comercio y la competencia perfectareducen toda la racionalidad económica a racionalidad instrumental mediofin.Se subvierte, así, la importancia crucial de la racionalidad reproductivaentendida como aquella que alude y atiende a las condiciones de existenciade nuestra especie y con la que los bienes comunes tienen más sentido. Desdeeste prisma excluyente del libre mercado, se califica de “externalidad”, de“distorsión” al mismo, cualquier acción que pretende paliar la destrucción de lanaturaleza o de la vida en general. De ahí que la lógica implícita en los bienescomunes basada en la solidaridad colectiva y en los reconocimientos mutuosno tenga cabida. La carrera por la eficiencia y la competitividad se convierte enamenaza contra la misma continuidad y supervivencia del planeta. La sociedadmercado-céntrica realiza una abstracción del circuito natural, que permite lavida humana a partir de sus necesidades satisfechas individual y colectivamente(en común), y termina expandiendo un orden destructivo, basado en la primacíade las relaciones mercantiles sobre el conjunto del espacio social. El orden dela economía de mercado socava los conjuntos reales, sociales, naturales ycomunes dentro de los cuales acontece. 14En concreto, con respecto a los bienes comunes, nos encontramos conque están siendo afectados por ese mismo proceso de mercantilización. Si bienexisten organizaciones sociales y colectivos que, por lo general, entienden porbienes o entornos comunes como una instancia de salvación que se levanta comoarma de protección y de defensa frente al debilitamiento de las institucionespúblicas con motivo de las privatizaciones, y así garantizar derechos de accesocolectivo y derechos para compartir esos bienes en nombre del interés detodos, lo cierto es que los bienes comunes se están resignificando a partir dela lógica del capital, en el sentido de que si todos tienen acceso a su uso ydisfrute, estos pueden canalizarse a través de un discurso que defienda que el13 Cfr. F.J. Hinkelammert y H. Mora, op. cit.14 Cfr. Ídem; véase también de ambos autores, Una economía para la vida, DEI, San José, 2005.Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006 103


mercado es la mejor manera de democratizar su gestión, uso y disfrute, cuandolo que realmente sucede es un proceso de consolidación de separación entrelos más fuertes y los más débiles económicamente. Esta es una de las razonesde que Cristovao Buarque respondiera desde una postura anti-internacionalistadominada por el capital.Según Brewster Kneen y GRAIN, los bienes o entornos comunes sino son definidos adecuadamente pueden representar un cheque en blancopara los agentes privatizadores que pueden acceder a territorios, espacios yentornos que serían de acceso libre o abierto para todo el mundo, incluidalas multinacionales. Desde esta lógica, nos encontraríamos con la situaciónparadójica de que si la Amazonia brasileña y latinoamericana fuese declaradacomo ¨patrimonio común de la humanidad¨, la empresa Monsanto sedienta depatentes tendría los mismos derechos a sus riquezas que los kayapó. 152.2 Los condicionantes del paradigma estatalista: lo público y locomúnpor otro lado, junto con este proceso de mercantilizaci—n del mundopor parte del capital, los bienes comunes tambiŽ n se han encontrado con otrolimitante u obst‡ culo: el paradigma estatalista. pese a que en un principio lainstitución del Estado ha sido un instrumento útil de protección frente al controlprivado al tener una responsabilidad de velar por el bienestar de la poblaci—n ensu conjunto, al final, en el contexto actual est‡ pasando a ser un aliado m‡ s delcapital. Asimismo, pese a representar internamente el ámbito de lo público, ensu proceso de expansi—n externa, ha sido tambiŽ n un arma de exclusi—n frentea otras culturas y colectividades.tradicionalmente, el acceso a los recursos naturales, ha estado vinculadocon la acci—n expansionista de los estados. Las relaciones internacionales,dentro de la trayectoria hist—r ica occidental, se han movido condicionadas porla instituci—n del estado y a travŽ s del propio sistema interestatal. Sobre estabase se ha constituido, por ejemplo, el Derecho internacional tradicional, quese ha basado en los estados como unidades aut—nom as y soberanas separadaspol’tica, econ—m ica y territorialmente. Desde este referente, la tendenciadominante de los pa’ses respecto a los recursos y a los espacios comunes, hasido la de proyectar sus pretensiones soberanas a partir de una concepci—nabsoluta del principio de territorialidad, con el prop—s ito de atribuirse derechos15 ver Brewster Kneen y gRAIN, “El clamor por bienes y entornos comunes”, op. cit.104Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006


sobre los recursos naturales. 16 Las consecuencias han sido claras: la poblacióny dentro de ella, quienes eran considerados ciudadanos se vieron beneficiadosde las actuaciones públicas de los estados. En cambio, quienes no eranconsiderados ciudadanos junto con los no nacionales, quedaron fuera de laparticipación, uso y disfrute de los bienes y cosas públicas.Asimismo, a partir del siglo XVI, el acceso a los recursos se hacedepender completamente del juego de fuerzas entre los estados-individuos. Setrata de un modelo que crea muchas asimetrías entre los más fuertes y los másdébiles. A ello se le une la fusión del capitalismo con la modernidad. La lógicadel first come, first served se basaba en el presupuesto del carácter inagotablede los recursos y en una perspectiva limitada de su utilización. Quien llegabaprimero a tierra de nadie y realizaba una ocupación efectiva, se convertía enpropietario de los bienes recién descubiertos y adquiridos. Sobre una filosofíabasada en la libre apropiación individual (procedente de la concepción romanade res nullius) y la libre utilización desregulada de territorios sin dueño (rescommunis), se construían las condiciones de mercado bajo un régimen depropiedad pública individualizada y privatizada para cada Estado escoltado porsus compañías y empresas.Curiosamente, no resulta sorprendente, que los principales actores dela ocupación efectiva, conquista y colonización fueran los sacerdotes, losmilitares y los comerciantes. Religión, ejército y mercado han sido la puntade lanza de la apropiación de los recursos y espacios naturales. Por esta razón,Vandana Shiva ha llegado a identificar al GATT y a la Organización Mundialdel Comercio como una versión secular de la Bula Papal de Alejandro VI, en lacual el Pontífice autorizaba a las potencias cristianas a apropiarse de las tierrasamericanas “descubiertas”, que no estuvieran ocupadas por rey o príncipecristiano. Si los títulos territoriales concedidos por el Papa constituyen el primerantecedente de los títulos de patente, el ADPIC realiza una versión actualizaday perfeccionada de ellos. En ese sentido, el ADPIC es la autorización actualpara el pillaje que en el pasado fuera realizado por los colonizadores y que estádestrozando todo bien y recreación común y/o comunal. 17De esta forma, hasta la estrategia discursiva que pretende legitimar esteestado de cosas es una edición actualizada del antiguo argumento con el quese justificaban las acciones de conquista y colonización. En aquel momentola conquista y colonización de los nuevos territorios se hacían presuntamente16 ver José Manuel Pureza, El patrimonio común de la humanidad, op. cit.17 ver vandana Shiva, Biopiratería, op. cit.Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006 105


para liberar a aquellos pueblos conquistados de sus condiciones primitivas y debarbarie. Asimismo, eran asumidas como un “derecho natural” del colonizador,argumentación que termina siendo perfeccionada por John Locke 18 y es laque informa las tendencias del capitalismo moderno el cual, a través de labiopiratería y del proceso de mercantilización de todas las parcelas de la vida,pretende establecer un “derecho natural” de las empresas transnacionales y losestados más poderosos, so pretexto de que sus acciones y privilegios están enorden al desarrollo de los países y comunidades pobres del Tercer Mundo.A pesar de esta política expansionista, el desarrollo tecnológico y elcrecimiento demográfico han ido poniendo de manifiesto la limitación de losrecursos disponibles en el planeta en términos absolutos. Arvid Pardo, ante laconciencia de esta finitud, representa en los años setenta del siglo XX, a quienesson conscientes de que es necesario un reparto equitativo de los recursosjunto con un consumo responsable. Por ello, el problema y la contradicciónentre la supuesta titularidad común de los recursos y su la libre utilización,provocó la propuesta de que existiera una autoridad suprema internacional querepresentara el interés colectivo de todas las naciones. Se debía elaborar unrégimen jurídico internacional bajo una autoridad encargada de hacer efectivoprincipios y valores que potencien el bien común global. 19Además, Arvid Pardo ofreció un principio cualificado de no apropiacióndel espacio común, resaltando la participación equitativa en los resultados dela exploración y explotación de los recursos. Ahora, entidades naturales devital importancia como los océanos, la selva amazónica, el agua…, se intentaque pertenezcan a la humanidad entera, y que todos los pueblos, no solo losestados más poderosos, tengan derecho a opinar y participar en el manejo y ladistribución de los recursos y los bienes comunes, enfrentando en unos casossu mercantilización y en otros basándose en su misma lógica.por otra parte, tampoco resulta extra–o que bajo estas tendencias ydin‡ micas mercantilistas, se haya producido una confusi—n e ntre los conceptosde lo público y lo común. Históricamente, lo público ha representado aquellogestionado bajo la jurisdicci—n del estado y que ha sido preservado fuera delcontrol privado para el disfrute o al servicio de todos. pero el neoliberalismo18 En su Segundo Ensayo sobre el gobierno civil, Locke señala que en el estado natural, la tierra es común a los hombres,pero solo quien la cultiva es quien la tiene, La tierra no pertenece en común a todos, sino que pertenece al género humano.De ello deduce que los pueblos de América del Norte no tienen la propiedad de sus tierras. Como es común y pertenece algénero humano, los europeos pueden tomarla. véase el artículo de Franz Hinkelammert sobre la inversión ideológica de losderechos humanos en John Lock, en Joaquín Herrera Flores (ed.), El vuelo de Anteo. Derechos humanos y crítica de la razónliberal, Desclée de Briuwer, Bilbao, 2000.19 ver José Manuel Pureza, El patrimonio común de la humanidad, op. cit.106Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006


está destruyendo esta responsabilidad. Son muchos los estados que actúancomo agentes activos de este proceso de privatizaci—n. por ello, el controlestatal puede ser un factor clave en el mantenimiento o agravamiento de lainequidad y la injusticia. asimismo, no se debe olvidar que muchos de losrecursos naturales que los estados consideran “públicos”, fueron arrebatadosviolentamente de las manos de muchas culturas, pueblos y colectivos, comolos pueblos ind’genas.en cambio, los bienes o entornos comunes, tal como se ha visto m‡ sarriba con los dos tipos o clases existentes, o bien han sido creados o construidospor y para comunidades espec’ficas o bien est‡ n siendo resignificados comoobjetos que deben ser disfrutados universalmente por toda la humanidad.Desde nuestro punto de vista, ambas dimensiones pueden ser articuladasconjuntamente, no siendo incompatibles.3. LAS DOS EDADES DE LA HERENCIA COMÚN DE LAHUMANIDADasimismo, desde este doble condicionante del paradigma estatalista ydel proceso de privatizaci—n -mercantilista de todas las parcelas de la vida,tambiŽ n resultan curiosas las dos etapas por las que ha pasado en concepto deherencia común de la humanidad. Se habla de dos edades: 20a) La primera establecida a partir de la intuici—n de arvid pardo y quecomprende las manifestaciones de positivaci—n del rŽ gimen de lahumanidad respecto a espacios comunes donde antes no se hab’ahecho sentir, como los espacios oce‡ nicos, marinos y ultraterrestre.Son espacios de pretensiones territoriales de los estados que ahora secontestan desde fuera del espacio de esa misma territorializaci—n.b) La segunda edad es la aplicaci—n del rŽ gimen anterior a bienes yrecursos situados dentro de la jurisdicci—n territorial de los estados yque afecta a los ‡ mbitos medioambiental y cultural. ahora se quiererealizar una gesti—n racional de los bienes pero guiada por la noci—nde funci—n social planetaria. JosŽ Manuel pureza se–ala que se pasa20 ver José Manuel Pureza, El patrimonio común de la humanidad, op. cit.Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006 107


de una idea de soberan’a-dominio a otra m‡ s solidaria de soberan’aservicio.Entre ambas fases existe una contradicción significativa: mientras quelos países partidarios de un sentido del patrimonio o herencia común de lahumanidad propio de la primera fase y que era más afín a los intereses de lospaíses del Tercer Mundo por contrarrestar los intereses egoístas y soberanistasde las grandes potencias, se oponen ahora al sentido que se le otorga a lasegunda etapa, porque consideran que atenta contra la soberanía nacionalde los estados del Sur sobre los recursos naturales, la biodiversidad y losrecursos biológicos, en cambio los países del Norte reivindican y apadrinanla consagración de un patrimonio común de la humanidad internacionalizado,pese a haberse negado al sentido universalista de la primera etapa. A estosles resulta mejor enfrentar las pretensiones soberanistas de los países del Surcon esta institución resignificada, porque, además de fortalecer sus propiosintereses nacionales bajo un barniz universalista, consideran que negarse aun patrimonio común de la humanidad gestionado internacionalmente, va encontra del desarrollo comercial y del libre mercado.Por ello resulta paradójico que la figura de patrimonio común de lahumanidad sea utilizada como estrategia de los países industrializados, alatribuir el estatuto de res communis a bienes como el patrimonio genético o labiodiversidad. El pro<strong>pós</strong>ito no es otro que hacerlos susceptibles de libre accesoy utilización, para que de esta manera puedan ser libremente apropiados,como res nullius, y así obtener el monopolio de su uso. 21 Al respecto, elForo Internacional sobre Globalización señala: “las corporaciones globalesinsisten en que las pequeñas comunidades no deben reservarse este valiosomaterial genético, sino que todo el mundo debe tener acceso a él. En efecto,las empresas emplean el lenguaje de los comunes globales hasta el momentoen que confirman su patente monopolista sobre el material. En este punto, seabandonan todos los argumentos en defensa de los comunes. En su lugar, lasgrandes empresas dicen que se les debe permitir reservarse esos materialesgenéticos mediante las patentes, con el fin de tener la posibilidad de recuperarla inversión hecha en investigaciones, en beneficio de toda la humanidad”. 2221 Ídem. En esta misma dinámica mercantilista podemos situar la pretensión de mucha gente para que sean reconocidos comobienes o entornos comunes, el mundo de Internet. Se habla de las “comunidades digitales”, o del “entorno digital común”o “ciberespacio común”, por ejemplo, como un espacio de libre flujo y sin barreras. También se reivindica al agua o lasmismas bases de la vida con el ADN o patrimonio genético.22 Cfr. vv.AA., Alternativas a la globalización económica..., p. 112.108Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006


4. HACIA UNA PROPUESTA EMANCIPADORA DERECREACIONES, CUIDADOS Y ENTORNOS COMUNES PARALA HUMANIDAD DESDE DERECHOS HUMANOS¿De qué manera y cómo se puede enfrentar este sentido mercantilista,egoístamente privatizador y depredador de los bienes o recreaciones comunesde la humanidad?No es igual defender un uso común o global de un bien reduciéndolo asu simple libre acceso, que se hace excluyente cuando se administra y utilizaprivativamente, que exigir la regulación de ese uso común del bien en beneficiode todos, con la preocupación de preservarlo también globalmente. Para alejara estos “comunes” de una dimensión patrimonialista y posesiva, hay querealizar múltiples estrategias. Nosotros vamos a destacar algunas propuestas apartir de tres ejes básicos interrelacionados:a) Un principio b‡ sico de no comercializar desde la l—gi ca del capitalcon recreaciones, espacios, entornos y bienes de vital importanciapara la vida del planeta.b) La delimitaci— n colectiva de la titularidad y la gesti—n de los bienescomunes a partir de los movimientos sociales.c) La vinculaci—n de la herencia y las recreaciones, cuidados y espacioscomunes con un concepto socio-hist— rico de derechos humanosbasado en las experiencias y pr‡ cticas concretas de los movimientossociales. Como ejemplo, en el último apartado expondremos el casoespec’fico de los pueblos ind’genas.De todas maneras, todas las propuestas deben partir de una reformulacióndel principio de libre utilización de bienes o espacios comunes, articulándolosdesde la aceptación de usos confluentes y administración compartida, y elrechazo de usos excluyentes y no distributivos de los mismos.4.1 La no comercialización de los bienes comunesConseguir que la humanidad tenga sus condiciones de existenciagarantizadas y lograr una sociedad en la que todos quepamos, no pasapor mercantilizarlo todo, ya que provoca situaciones de exclusi— n ymarginaci— n social.Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006 109


Vivimos tiempos en donde los bienes comunes guardan mucha relaci— ncon el medioambiente, los recursos naturales y la biodiversidad del planeta.No es de extra–ar que la OMC estŽ utilizando como punta de lanza lossistemas de protecci— n de derechos de propiedad intelectual (trIp o aDpIC),como la mejor manera de apropiarse de nuevos mercados con los que obtenergrandes beneficios.Desde nuestro punto de vista, resulta de vital importancia que todosactuemos para que continúen existiendo espacios de la vida humana ynatural que no sean comerciables bajo la actual l—gi ca del capitalismoneoliberal. entre ellos se encuentran muchos bienes, recreaciones y entornoscomunes que permiten la producci—n, la reproducci—n y el desarrollo de lavida humana, animal y vegetal. por esta raz—n, detener el proceso de invasi—nde la globalizaci— n neoliberal, en todos los aspectos de la vida y la naturaleza,implica defender que muchas dimensiones del mundo social, cultural yecon—m ico deben estar fuera del alcance depredador del mercado, sobre todoaquellos aspectos que permiten el mantenimiento y el desarrollo de nuestrascondiciones de existencia: el aire, el agua, las variedades de plantas y especiesanimales, los genes de todas las criaturas, las reservas de conocimientohumano, semillas para el cultivo sostenible y tradicional, etcŽ tera.para impedir la capitalizaci—n de todas las parcelas humanas, animales,vegetales y terrestres, al menos, proponemos dos principios b‡ sicos, que amodo de imperativos categ—r icos deben ser defendidos a nivel global:1) el primero, m‡ s general, expresa que nada que sea b‡ sicopara la supervivencia humana puede ser objeto de monopolio,mercantilizaci—n y de privatizaci—n bajo la l—gi ca del capital.2) asimismo, independientemente del grado de intensidad de lasdiversas actuaciones de lucha y resistencia que puedan desplegarsecontra la mercantilizaci—n de todas las parcelas de la vida, existe unsegundo principio que concretamente tiene como prop—s ito detenery rechazar los actuales sistemas de protecci—n de derechos depropiedad intelectual, movidos tambiŽ n por una cultura capitalista yprivatizadora que niega otras posibles formas de entender el mercado,la cultura, las relaciones humanas y las relaciones con la naturaleza.este segundo principio y pilar axiol—gi co debe servir de inspiraci—npara poner freno y detener la expansi—n del capital a travŽ s de laspatentes, y se expresa con una prohibici—n de la patentabilidad de110Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006


la vida, mucho menos en aquella faceta vinculada con la salud, laalimentaci—n y la biodiversidad.por este motivo, insistimos en que, entre otras cosas, hay que rechazarel actual sistema de protecci—n de los derechos de propiedad intelectual, con elaDpIC a la cabeza, ya que, entre otras situaciones conflictivas, por ejemplo,con su art’culo 27,3b permite expresamente la patentabilidad con finesexclusivamente comerciales de determinados organismos y la manipulaci—ngenŽ tica sobre bienes como el c—di go genŽ tico humano, animal y vegetal quedeben ser calificados de herencia común para la humanidad.Como contrapartida, se deben crear otras normas y actuaciones quefavorezcan el reconocimiento y la protecci—n de espacios no susceptiblesde ser comercializados en los tŽ rminos de la l—gi ca del capitalismo, comopor ejemplo, las recreaciones, cuidados, bienes y entornos comunes, entrelos que cabe destacar los derechos de los pueblos (campesinos, comunidadesde pescadores e ind’genas) en su relaci—n con el h‡ bitat natural, el aDN,conocimientos tradicionales, los recursos naturales, etcŽ tera.4.2 Titularidad y gestión de la herencia y las recreacionescomunespor otro lado, entre las caracter’sticas que se suelen otorgar a laherencia común de la humanidad, están las siguientes: su inapropiabilidad; elmanejo por parte de todos los pueblos; la participaci—n internacional en losbeneficios obtenidos por la explotaci—n de los recursos naturales comunes;su uso pacífico; y su conservación para las generaciones futuras. Esta últimacaracterística le dota a la herencia común de una dimensión trans-temporalya que se exige una responsabilidad intergeneracional entre la humanidad delpresenta y la futura. 23Asimismo se habla de otra dimensión, la de la trans-espacialidad, ya quese considera que la humanidad no hay que entenderla como una comunidad depropietarios, sino como una comunidad universal de participación. La herenciacomún tendría un efecto panorámico e iría más allá de la especialidad local,nacional e internacional en su titularidad y en su gestión, en donde todos tienenel compromiso de gestionar el espacio-común y sus recursos. Para ello se debe23 ver José Manuel Pureza, El patrimonio común de la humanidad, op. cit.; y Boaventura de Sousa Santos, La globalización delderecho, op. cit.Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006 111


establecer una yuxtaposición de jurisdicciones tanto de carácter internacionalcomo nacional.En este sentido, el jurista lusitano Boaventura de Sousa Santos hablaincluso de un derecho de la humanidad (jus humanitatis) referido a entidadesnaturales y materiales que pertenecen a toda la humanidad, respecto de loscuales todos los pueblos tienen derecho a opinar y participar en el manejoy la distribución de los recursos. En concreto, expresa la aspiración a unaforma de dominio de los recursos naturales o culturales que, dada la extremaimportancia de estos para la sostenibilidad y la calidad de vida sobre latierra, debe ser considerada como propiedad global y manejada a favor de lahumanidad como un todo, tanto presente como futura. 24No obstante, pese a que la titularidad de la herencia común de lahumanidad es la humanidad como un todo, la administración y gestiónsuele adjudicarse a un organismo internacional que tenga la capacidadde representar a todos los seres humanos. Junto, a este organismo que seencargaría de supervisar y cuidar para que todos aquellos bienes, espacios yentornos calificados de herencia común de la humanidad, tengan un destinorealmente beneficioso para los seres humanos y el planeta, los estados seríanlas principales instituciones que a nivel nacional también se encargarían deejecutar los requerimientos propios de los bienes comunes o globales.Para ello, desde nuestro punto de vista, existen muchos bienes yrecreaciones comunes que pueden y deben tener tanto una titularidad comogestión local, sin necesidad de que únicamente sea un organismo internacionaljunto los estados, los responsables, ya que los colectivos y los grupos humanosque recrean, cuidan y utilizan esos bienes, desde tiempo ancestrales lo hacen detal manera que toda la humanidad sale beneficiada y gana en calidad de vida yen condiciones dignas de existencia. Asumen una responsabilidad de cuidadoy recreación de los bienes de la Tierra que sobrepasa la pobre preocupación delos países occidentales por nuestro planeta. Por tanto, no solo se realizará suadministración a nivel internacional y/o nacional, sino principalmente a nivellocal. En todo caso, resultará crucial saber si la gestión de esos bienes se haceen el marco de la lógica de mercantilizar la totalidad de las parcelas de la vidao fuera de ella.Aunque referido exclusivamente a la gestión de la biodiversidad, acontinuación utilizaremos las cuatro posiciones dinámicas, heterogéneas ycambiantes, sobre la manera de entender la gestión de la biodiversidad y24 Boaventura de Sousa Santos, La globalización del derecho, op. cit.112Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006


su articulación en red, establecidas por los colombianos Arturo Escobar yMauricio Pardo. Dado que la biodiversidad es uno de los principales bienesque forman parte de la herencia común de la humanidad, consideramos muyútil esta clasificación para entender diversas formas de entender el ejercicio yla administración de bienes que son vitales para la supervivencia del planeta.Son las siguientes: 251) en primer lugar est‡ la visi—n globalocŽ ntrica, posici—n defendidaprincipalmente por instituciones globales como la OMC, el BancoMundial, el G8 y ONGs como World Life Fund o Word ConservationUnion. aunque reacciona frente a lo que entiende son amenazasa la biodiversidad, lo hace dentro de la din‡ mica del capitalismo.Sobresale un claro predominio del capital, del mercado y de laciencia en su gesti—n y administraci—n, siendo la bioprospecci—n laactuaci—n de avanzadilla para colonizar la biodiversidad. 262) En segundo lugar, está la perspectiva nacional y soberanista,defendida por gobiernos de países del Tercer Mundo. Apuesta,sin cuestionar el contexto global y globalocéntrico del capital, poruna gestión nacional de los recursos. Es partidaria de negociarestratégicamente los términos de los tratados sobre biodiversidad, envirtud del interés nacional, pero sin prevenir la su mercantilización.3) En tercer lugar, está la posición denominada biodemocrática.Defendida por ONGs progresistas del Sur, que reinterpretan lasamenazas a la biodiversidad subrayando la destrucción provocadapor el capitalismo, sus megaproyectos de desarrollo, la monoculturadel saber impuesta y el empuje del capital (ciencia, consumismo…)bajo modelos economicistas. Desde esta perspectiva se considera quela visión globalocéntrica equivale a una forma de bioimperialismo.Frente a ello apoyan prácticas basadas en la lógica de la pluralidad,la diversidad y la diferencia. También se cuestiona, redefiniéndolos,los conceptos de eficiencia y productividad. Asimismo, se consideraprioritario el reconocimiento de lo cultural en el tema de la diversidadbiológica, además del control local de los recursos. No se creeque la biotecnología sea un medio que mantenga la diversidad, ni25 Arturo Escobar y Mauricio Pardo, “Movimentos sociais e biodiversidades no Pacífico colombiano”, en Boaventura de SousaSantos (org.), op. cit., pp. 293 y ss.26 En este sentido ver gian Carlo Delgado, La amenaza biológica. Mitos y falsas promesas de la biotecnología, Planeta y Janés,México, 2002.Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006 113


que el ADPIC y el actual sistema de propiedad intelectual sean uninstrumento adecuado de garantía.4) Finalmente está la perspectiva de autonomía cultural que cuestionay critica el concepto de biodiversidad porque lo interpreta como unaconstrucción hegemónica de los países del Norte. Suele estar formadopor movimientos sociales que construyen estrategias políticas para ladefensa del territorio, la cultura y la identidad. Asimismo, siemprese vinculan con los lugares y los territorios concretos, ademásde generar espacios y proyectos de vida que van más allá de ladimensión exclusivamente ecológica. Esta visión se opone confuerza al etnocentrismo extractivista de la diversidad biológica delglobalocentrismo.Desde nuestra posición, de entre estas cuatro formas de gestión, laherencia común de la humanidad deberá tener una titularidad eminentementelocal a partir de las perspectivas biodemocrática y de la autonomía culturalque enfrentan directamente al capitalismo. Su marco de socialización eimplementación será modulado, es decir, se construirá desde la diversidadde espacios sociales y culturales para su gestión. No obstante, es ciertoque habrá momentos en los que la administración de determinados bienesserá principalmente local (p.e. conocimientos tradicionales sobre productosmedicinales o alimentarios), y en otros se administrará desde el ámbito nacionalo por toda la comunidad internacional, pero como apoyo a las prácticasconcretas realizadas por los movimientos sociales, colectivos y comunidadessiempre vinculados a territorios y lugares concretos.En todos los casos, siempre se deberá mantener la intención panorámicay redistributiva en el reparto equitativo de los recursos y los beneficios que seobtengan con esos bienes, recreaciones o cuidados, entendidos los beneficios nosolo desde un punto de vista económico, sino cultural, medioambiental, social,etc. Se trata de establecer una especie de régimen de condominio que beneficia atoda la humanidad, pero controlado no sólo por los estados sino, principalmente,por las propias comunidades locales y los propios movimientos sociales,destacando entre ellos los pueblos indígenas. Por ejemplo, si existencolectivos que históricamente y por tradición han desarrollado un uso y unconocimiento respetuoso con el medio ambiente, ellos seguirán siendo lostitulares y los gestores de los entornos y bienes que han tenido a su cargo y quepueden ser calificados de comunes para toda la humanidad.114Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006


4.3 Herencia común y derechos humanosPor último, la internacionalización de los bienes comunes a partir de lasprácticas concretas de los movimientos sociales guarda mucha relación conel concepto de derechos humanos. Aquí solo vamos a establecer una pequeñaaproximación, sin entrar en profundidad en las posibles y ricas conexiones.Al principio señalamos que el debate actual sobre cuál debe ser latitularidad, cómo debe gestionarse y cómo proteger la herencia común dela humanidad había que situarlo vislumbrando cuáles eran las dinámicasque empujan su defensa, es decir, si las condiciones de existencia del serhumano en su pluralidad y la naturaleza eran el referente principal. Asimismo,comentamos que el concepto de herencia y de bien común o global podíaser significado desde lógicas de emancipación o de dominación. Bueno,pues lo mismo sucede con el concepto de derechos humanos, que pueden serentendidos y ser practicados tanto en un sentido excluyente y de imperio comoen un sentido de liberación. Además, incluso para implementar prácticas desolidaridad y de reconocimientos entre las personas en tanto que sujetos, son losderechos humanos las mediaciones que permiten establecer el reconocimientode las recreaciones, los cuidados y los bienes comunes para la humanidad,pero hay que entenderlos de una manera concreta y diferente a la concepciónoficialmente establecida.Por tanto, la idea de derechos humanos que debe acompañar a la herenciacomún de la humanidad, dista mucho de la establecida por la cultura jurídicaoccidental. Cuando se habla de derechos humanos se suele hacer, errónea yreductivamente, desde marcos categoriales, concepciones y líneas ideológicasque les dotan de un significado supeditado a la lógica del capital y al paradigmaestatal (muy propias de las perspectivas globalocéntricas y soberanistasarriba señaladas). Veamos de qué manera:En primer lugar, se suele establecer una perspectiva positivista yestatalista de derechos humanos, con la que se reduce y supedita sus virtualidadesúnicamente a lo dicho por las normas jurídicas y a lo establecido y acordadopor los estados con respecto a sus contenidos y a sus sistemas de garantías. Setiende a darle un formato que solo se reduce a lo decidido por los gobiernosa través de las normas jurídicas, las resoluciones, los tratados y los conveniosinternacionales. De esta manera, se delega su proceso de significación y dedotación de sentido a lo que ordenan los poderes estatales (legislativo, ejecutivoy judicial). Asimismo, suele recaer en una única autoridad jurídica la capacidadHiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006 115


de dar contenido a los derechos humanos, quitándoles esa posibilidad a losciudadanos. Se ignora que son las tramas sociales diarias construidas por laspersonas las que los construyen o los destruyen permanentemente en todas lasesferas sociales. 27en segundo lugar, lo peor de todo es que parece que los derechos soloexisten una vez que son violados y pueden ser reclamados judicialmente. Segenera con ello una cultura pos-violatoria de los mismos, sin tenerse en cuentalas pr‡ cticas diarias que todas las personas ejercen todos los d’as en todos loslugares sociales en los que se mueven. 28Asimismo, en tercer lugar, la cultura occidental ha dado mayorimportancia a los derechos individuales y a los derechos de propiedad,ignorando muchos derechos colectivos. Incluso, tal como hemos dicho, lasoberanía de los estados ha condicionado su reconocimiento universal efectivo.Sólo habla de derechos humanos en el ámbito de lo público, no en el ámbitode lo privado.Por estas y otras razones, y en lo que respecta a derechos humanos,en el marco de las sociedades capitalistas es válido apuntar que son,preponderantemente, derechos del individuo propietario, del poseedor deriqueza, es decir, de bienes jurídicos que se ubican dentro de un mundopensado a partir del mercado, siendo la relación mercantil su centro. De ahí queresulte imposible o sumamente difícil reclamar derechos humanos para sereshumanos concretos y vivos y a partir de sus acciones, frente a las actuacionesde las instituciones del mercado capitalista y de los estados más poderosos, quelo asumen como mercado total.Si esto es lo que sucede con derechos humanos, no queda muy lejosde esta manera de entenderlos la figura de herencia común de la humanidad.Parece que los bienes comunes aluden a piezas de museo que hay q<strong>uea</strong>dmirar pasivamente porque solo son determinadas autoridades (estatalese internacionales) las encargadas de esculpirlas y darles forma. Incluso esadelegación provoca una cultura turística de los mismos ya que se concibencomo algo ajeno a nuestra actividad diaria, que es la que realmente va haciendorealidad si son bienes que se utilizan y usan para favorecer a toda la humanidady a las generaciones futuras. El modo como consumimos y producimos los27 Para una crítica a la concepción liberal y positivista de derechos humanos, ver David Sánchez Rubio, Repensar derechoshumanos. De la anestesia a la sinestesia, op. cit.28 Ídem.116Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006


ecursos naturales y los bienes que nos ofrece la biodiversidad del planeta danla justa medida de su mayor o menor dimensión panorámica y trans-espacial.Como contrapartida, frente a un ordenamiento y una cultura jurídicaque ¨desempodera¨ a los seres humanos y que se conciben dentro delcontexto del mercado y en función del mercado, hay que apostar por laarticulación de una concepción compleja, integral y solidaria de los derechoshumanos que no sea mercado-céntrica, formal, abstracta e individualista,sino abierta y vinculada con los procesos de lucha (sociales, económicos,culturales, políticos y jurídicos), mediante los cuales los seres humanos y lascolectividades reivindican su particular concepción de dignidad. 29 En concretopueden definirse como el conjunto de tramas y prácticas sociales, culturales,simbólicas e institucionales, tanto jurídicas como no jurídicas que reaccionancontra los excesos de cualquier tipo de poder y en todo lugar y momento endonde se les impide a los seres humanos instituirse como sujetos. 30De la misma manera, los bienes comunes son recreaciones construidasrelacionalmente, a través de las prácticas concretas que los seres humanosrealizamos con respecto a entornos, espacios y bienes a los que les damosuna dimensión solidaria y de disfrute real para todos. Y los movimientossociales tienen mucho que decir sobre esto en su lucha por la supervivencia yel desarrollo de su humanidad. De ahí, por ejemplo, la importancia que tiene laapertura de espacios de confluencia intercultural a partir de las tramas socialesque los mismos pueblos y los movimientos sociales realizan diariamente en surelación con la naturaleza, el medioambiente y la biodiversidad, para que losderechos colectivos de las comunidades y de los pueblos indígenas (derechosde los pueblos), también sean reconocidos como derechos humanos y comobienes comunes para la humanidad, a partir de sus propios imaginarios y suspropias acciones. 3129 Al respecto véase también Joaquín Herrera Flores, “Hacia una concepción compleja de los derechos humanos”, en JoaquínHerrera Flores (ed.), El vuelo de Anteo. Derechos humanos y crítica de la razón liberal, Desclée de Briuwer, Bilbao, 2000, yen general, los textos contenidos en ese volumen.30 ver David Sánchez Rubio, Contra una cultura anestesiada de derechos humanos, Facultad de Derecho, Universidad de SanLuis Potosí, 2007.31 Para una concepción del derecho internacional y de los derechos humanos a partir de los movimientos sociales, verBalakrishnan Rajagopal, El derecho internacional desde abajo. El desarrollo, los movimientos sociales y la resistencia delTercer Mundo, ILSA, Bogotá, 2005.Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006 117


Incluso en esta línea, sería muy importante reconocer como bieneslocales para la humanidad, la existencia de derechos intelectuales colectivosque protejan los modos de conocimiento tradicionales que muchas comunidadesposeen en relación a la conservación de la biodiversidad y a elementosesenciales para la salud y la supervivencia humana.5. UNA PROPUESTA ESPECÍFICA: HERENCIA, RECREACIONESY CUIDADOS “LOCALES” DE LA HUMANIDAD A PARTIR DELA ESPECIFICIDAD INDÍgENA Y LOS DERECHOS DE LOSPUEBLOSFinalmente y para terminar, expondremos un ejemplo de cómo localmentese puede tener la titularidad y la gestión local de bienes globales o recreacionesconsideradas comunes para toda la humanidad a partir del reconocimiento delos derechos colectivos de los pueblos indígenas.No es por casualidad que la mayor parte de la biodiversidad y delos bienes, los entornos y los espacios comunes y globales de la Tierra seencuentren en los países del Sur. Tampoco resulta extraño que, además, unalto porcentaje de esa riqueza biológica se sitúe en los territorios indígenas:en concreto, un 70 % de la biodiversidad del mundo. 32 Históricamente, suimportancia estratégica desde el punto de vista económico y político esevidente. Por esta y otras razones, junto a la indignante impunidad de lasacciones tanto de las grandes corporaciones como de una gran cantidad deestados contra los pueblos indígenas, hay que destacar los límites del sistemageneral de protección internacional de los derechos humanos porque, aparte desu debilidad institucional, está concebido por filosofías e imaginarios distintosa los de los pueblos indígenas. 33 Asimismo, visibiliza las deficiencias y lascarencias de las mayorías de las constituciones y las legislaciones nacionalescon respecto a esos pueblos y sus formas de vida ancestrales. Mientras que losderechos indígenas se estructuran sobre la idea de comunidad, los derechosoccidentales se asocian más a un individualismo atomístico y fragmentario.32 ver en este sentido Mikel Berraondo, “ El caso Awas Tingni: la esperanza ambiental indígena”, en vv.AA., El caso Awas Tingnicontra Nicaragua, Universidad de Deusto, Bilbao, 2003.33 Entre otras excepciones están: la Convención 168 de la OIT; y los proyecto de Declaración de derechos de los pueblosindígenas de Naciones Unidas y del Sistema Interamericano de Derechos Humanos. ver Mikel Barraondo, “Pueblosindígenas no contactados ante los derechos humanos”, en Mikel Berraondo y Miguel Angel Cabodevilla (coords,), Pueblosno contactados ante el reto de los derechos humanos. Un camino de esperanza para los Tagaeri y Taromenani, EdicionesCiCAME-CDES, quito, 2005.


Además, los derechos colectivos no suelen ser reconocidos como derechoshumanos dentro del prisma occidental. 1No obstante, una de las múltiples actuaciones y medidas de carácterparamétrico para enfrentar la lógica del gran capital y su ritmo de socavaciónde los conjuntos sociales y naturales, pasa por el reconocimiento y laefectividad de los derechos de los pueblos indígenas, ya sea como derechoshumanos diferenciados o como derechos colectivos con un equivalente gradode contenido axiológico. Más aún si queremos luchar por un concepto deherencia común de la humanidad que encierre un nuevo patrón de desarrollo yde sociabilidad, incluyendo un nuevo contrato social con la tierra, la naturalezay las generaciones futuras. 2 A pesar de que es uno de los grupos humanosque más ha sufrido y continúa sufriendo una vulneración sistemática de susderechos en forma de genocidio y epistemicidio, 3 a lo largo del tiempo hademostrado, pese a este drama, una aleccionadora capacidad de supervivencia,en donde el respeto y la conservación de la biodiversidad aparecen comogarantía de la sobrevivencia de todo el planeta. Para ellos, la naturaleza nuncaha sido un recurso natural, y siempre han tenido que enfrentar las tentativasde destrucción propias del colonialismo capitalista para preservar su mundo.La naturaleza es indisociable de la sociedad, la tierra es la fuente y la raíz desus culturas y sus cosmologías generalmente interpretan la realidad a partir deuna interrelación de no superioridad del ser humano con la tierra y los seresque la habitan.No ser’a descabellado ni tampoco osado defender que sean ellos lostitulares y gestores de la biodiversidad y de los bienes comunes que forma partede lo que hemos definido como recreaciones, entornos o espacios comunesde la humanidad. Incluso mejor ser’a hablar de una herencia local (de loscuidados, las obras y las recreaciones que los pueblos ind’genas desarrollan ensus relaciones con la naturaleza) que nos beneficia a todos (para la totalidadde la humanidad).Los derechos espec’ficos de los pueblos ind’genas y su rŽ gimen jur’dicoespecial, giran en torno al eje autodeterminaci—n, territorio y cultura. Junto1 ver Mikel Berraondo, “Nuevos retos para los pueblos indígenas. Propiedad intelectual y corporaciones transnacionales”, enDavid Sánchez Rubio et al., Nuevos colonialismos del capital, op. cit.2 ver Boaventura de Sousa Santos, La globalización del derechos, op. cit.3 En este sentido, ver Asier Martínez de Bringas, “Pueblos indígenas no-contactados. Una identidad emergente entre lamemoria pisoteada y los derechos perdidos”, en Mikel Berraondo y Miguel Angel Cabodevilla (coords,), Pueblos nocontactados ante el reto de los derechos humanos; asimismo, Fernando Antonio de Carvalho Dantas, “Los pueblos indígenasbrasileños y los derechos de propiedad intelectual”, en David Sánchez Rubio, et. al., Nuevos colonialismos del capital, op.cit.Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n.o 7 | jul-dez | 2008 119


a ellos, el principio de consentimiento previo, libre e informado obliga alos estados y a otros actores, a contar siempre con el consentimiento de loscolectivos ind’genas antes de realizar cualquier tipo de acci—n en sus lugaresde vida. 4La autodeterminaci—n permite a los pueblos ind’genas, mediante susinstituciones, desarrollar aut—nom amente tanto el control pol’tico como laadministraci—n de sus territorios y recursos, sin interferencias externas. ImplicatambiŽ n el reconocimiento de sus propios sistemas normativos (pluralismojur’dico).asimismo, el derecho al territorio y a la tierra, incluidos los recursosnaturales, se articula en funci—n del derecho al medio ambiente que es unaespecie de derecho s’ntesis y tambiŽ n un derecho-condici—n o generador delresto, pues establece las condiciones de posibilidad para el ejercicio y disfrutedel resto de derechos. Incluso, el derecho al medio ambiente es concebidocomo el pilar fundamental alrededor del cual gira toda la vida pol’ tica,social, econ—m ica y espiritual y podemos describir como interdependiente,intergeneracional, sostenible y transversal a los diferentes ‡m bitos de la vidade los pueblos ind’ genas. 5por medio de estos derechos colectivos, podr‡ n decidir sobre su destinoy sobre el destino de los recursos situados en sus territorios, estableciendo ellosmismos los criterios que deben regir en las relaciones econ—m icas en las queson parte, y de esta manera, no dejarlos en manos de los criterios del capital.Finalmente, los derechos culturales integran todos aquellos derechosque son necesarios para asegurar el mantenimiento de las propias culturas.el conocimiento ind’gena sobre la naturaleza forma parte de ellos,independientemente del beneficio medicinal, farmacŽ utico y/o alimentario quede dicho consentimiento se pueda obtener. 6Lo que parece claro es que es, a travŽ s de estos derechos originarios, seposibilita que las culturas ind’genas transformen los sistemas de producci—ny de explotaci—n de los recursos naturales para que sean menos agresivoscon el medio ambiente y con resultados beneficiosos y comunes para todala humanidad. asimismo funcionan como mecanismo de contenci—n de4 ver Mikel Barraondo, “Pueblos indígenas no contactados ante los derechos humanos”, en Mikel Berraondo y Miguel AngelCabodevilla (coords,), Pueblos no contactados ante el reto de los derechos humanos, op. cit.5 Ídem.6 Dentro de estos derechos estarían los derechos intelectuales colectivos, que tal como hemos comentado, hacen referenciaa aquellos conocimientos tradicionales que guardan relación con propiedades beneficiosas para la salud y las condicionesde existencia humanas y terrestres.120Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006


los efectos perversos y de degradaci—n del capitalismo, permitiendo laconservación y la recuperación de una biodiversidad común, en la que todosparticipamos, claro est‡ , mientras Ž sta siga existiendo. La mejor manera de q<strong>uea</strong>s’ sea es permitiendo y poniendo en manos de los pueblos ind’genas su gesti—ny el reconocimiento integral de sus derechos originarios.Si por un lado, la herencia común de la humanidad expresa la aspiracióna una forma de dominio de los recursos naturales y culturales que, por suimportancia extrema para nuestra calidad de vida y para la supervivencia detodo el planeta, debe ser considerada de propiedad global y manejada a favorde la humanidad como un todo, por otro lado, nos encontramos con casos endonde tanto la propiedad local como la gesti—n de los recursos demuestranque en ese nivel hay una notable conservaci—n de la biodiversidad y delmedioambiente. por esta raz—n, sin dudarlo hay que defender y mantener esatitularidad y esa gesti—n particular a cargo de estos grupos. 7Los pueblos ind’genas con sus derechos colectivos son un dignoexponente. Protegerlos y permitir que ellos mismos doten de sentido asus realidades, implica correlativamente nuestra propia protecci— n. Deah’ que sea mejor hablar de recreaciones, espacios, entornos y cuidadoslocales (desarrollados din‡m icamente por ellos mismos en sus relacionesintersubjetivas y con el medio o h‡b itat natural) para la humanidad.No obstante, hay que tener en cuenta que esta demanda y estareivindicación cultural y diferenciada, es una de las múltiples luchas que hayque desplegar contra aquellas acciones humanas que van en contra de nuestraspropias condiciones de existencia. tal como el capitalismo va caminando, locierto es que desde Ž l surge una gran cantidad de actuaciones con consecuenciasadversas que continuamente hay que enfrentar.7 Lo mismo sucede con otros colectivos como campesinos, quilombos, comunidades de pescadores, etc., que construyen susderechos en y desde sus lugares, territorios y localidades.Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006 121


UNBUILDINg THE PROPERTY CONCEPT: AN INTERCULTURAL APPROACH OF TERRITORIAL INDIgENOUS RIgHTSAsier Martínez de BringasLa DeCONStrUCCIî N DeL CONCeptODe prOpIeDaD. UNa aprOXIMaCIî NINterCULtUraL a LOS DereCHOSterrItOrIaLeS INDêGeNaSAsier Mart’ nez de Bringas *Sum‡r io: Introducci—n; 1. precisiones terminol—gi cas y pluralidades sem‡ nticas: el dif’cilconsenso de los conceptos; 2. Irrupci—n de los acuerdos ambientales Multilaterales en relaci—na los pueblos Ind’genas. Un mirada cr’tica; 3. el elemento discriminado por las pol’ticasambientales: la territorialidad ind’gena; 4. avances en el Sistema Interamericano de DerechosHumanos para la construcci—n de una interculturalidad-normativa de la territorialidad ind’gena.Resumo: O objetivo deste trabalho Ž dedesenhar os contornos e atiçar o conteúdos datr’ade povos ind’genas-habitat-territ—r io que,desde uma perspectiva descolonial, irrompecomo uma unidade inscind’vel arraigada aoseu sentido cosmovisional . tem-se a dif’ciltarefa de submeter essa discuss‹ o ao di‡ logointercultural. para pretens‹ o, o artigo foiestruturado em quatro partes: a) aclara• ›e sterminol—gi cas em torno do objeto; b) balan• ocr’tico entre as exigencias ind’genas e os acordosmultilaterais do meio ambiente; c) discuss‹ odos elementos mais pol• micos desse di‡ logointercultural; d) decis›e s jurisprudenciais quevêm se desenvolvendo nos últimos anos naCorte da Comiss‹ o Interamericada de DireitosHumanos (IDH), chamando aten• ‹ o para aimportancia da mesma.Palavras-chave: povos ind’genas, di‡ logointercultural, direitos humanos, Corteda Comiss‹ o Interamericana de DireitosHumanosAbstract: this paperwork`s objective is todraw the outlines and incite the contents ofthe triad territory-habitat-indigenous peopleswhich, since an unsettlement perspective,bursts in as an inseparable unity attached toits cosmovisional sense. the hard task ofsubmitting this debate to the interculturaldialog presents itself. For this purpose, thearticle has been structured in four parts: a)clarifying terminologies about the object;b) critical balance between the indigenousdemands and the multilateral agreements ofthe environment; c) discussion of the mostpolemic elements of this intercultural dialog;d) jurisprudential decisions which have beendeveloped during the last years in the InteramericanCourt of Human rights (I/a CourtH.r.), highlighting the importance it has.Keywords: indigenous peoples, interculturaldialog, human rights, Inter-american Court ofHuman rights* Profesor de Derecho Constitucional de la Universidad de Barcelona y de girona.Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2008 123


Ò Emplear el aparato coercitivo del Estadocon el objeto de mantener instituciones manifiestamenteinjustas, constituye, de por s’ , un uso ileg’ timode la fuerza que las personas en su debido cursotienen el derecho de resistirÓJ. Rawls Teor’ a de la JusticiaINTRODUCCIÓNLos tiempos globales resultan propicios para solazarse en el vitral de lasrecreaciones Ò post o transÓ, como el postesctructuralismo, la postmodernidad,la postcolonialidad, la transmodernidad, o incluso lo que se viene denominandoel giro decolonial. 1 Estos enclaves de fractura, de liquidez 2 y de nomadismoconstituyen normalmente armazones teóricos con una contextura rígidamenteabstracta; una especie de paradoja respecto a aquello que pretenden criticar:el trascendentalismo huero y el universalismo sin atributos. Sin embargo,en nombre de la concreción y especificación, irrumpen con una plétora dearticulaciones retóricas, conceptuales y categoriales que encuentran pocamaterialidad e identificación en la vida concreta. El sujeto real de los pueblosindígenas constituye una de las dramáticas encarnaciones de eso que se vienedenominando desde la exquisitez teórica como sujeto epistémico. Los pueblosindígenas no sólo inauguraron la temporalidad moderna con la “conquista deAmérica”, sino que instituyeron la espacialidad no reconocida del capital queposibilita y alimenta su expansión exponencial en otras geografías, parajes ycartografías.Como bien estableció Schmitt, no existe derecho sin tierra (la iustissimatellus), ya que todo derecho se apoya sin excepción sobre presupuestosfundamentosde adquisición territorial y de ordenamiento espacial. Lafundación de la Modernidad y, por tanto, del derecho moderno, vieneconfigurado por la “conquista de América” en cuanto nuevo territorio queexige ser domeñado física, psíquica y normativamente. La víctima implícita yexplícita, ayer y hoy, de la colonialidad del poder, son los pueblos indígenas.El desorden americano resulta disciplinado desde la potencialidad del término1 CASTRO-gÓMEz, Santiago y gROSFOgUEL, Ramón (eds.) (2007): El giro decolonial. Reflexiones para una diversidadepistémica más allá del capitalismo global, Siglo del Hombre Editores, Bogota.2 BAUMAN, zigmunt (2001): Modernidad líquida, Fondo de Cultura Económica, México.124Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006


nomos, que en la acepción schmittiana viene configurado como tomar/conquistar, repartir/dividir, cultivar/producir 3 . La política de la espacialidad esimportante para el Derecho ya que a través de ella, y de manera soterrada, sefagocitan territorios y sujetos a partir del patrón de la racialidad; se delimitanfronteras en la edad de la proterva modernidad como mecanismo privilegiadopara demarcar jurisdicciones y comunidades políticas nacionales diferentes; 4y se configuran ciudadanías en la globalización a partir de unos patrones deinclusión/exclusión fundados originariamente en la conquista, evento fundadorde la colonialidad.El objetivo de este trabajo va a ser diseñar los contornos y asomar loscontenidos de la tríada pueblos indígenas-hábitat-territorio que, desde unaperspectiva decolonial, irrumpe como una unidad inescindible arraigada asu sentido cosmovisional y, desde este lugar de enunciación y aparición, searroja y se somete al difícil reto del diálogo intercultural. Para dar medidade nuestra pretensión, estructuraremos el escrito en cuatro momentos: unprimer momento, donde procederemos a establecer una serie de aclaracionesterminológicas entorno al objeto de la discusión, es decir, qué se entiendepor territorialidad, recursos naturales, biodiversidad, en el marco de sentidode los pueblos indígenas, y cómo estos mismos tropos son divergentementeasumidos por el derecho occidental; un segundo momento, propulsado desdela provocación conflictiva de otorgar luz sobre los conceptos, en dondeprocederemos a desarrollar un balance crítico de la irrupción de las exigenciasindígenas en los acuerdos medioambientales multilaterales, pero desde el vectormetodológico de los derechos de los pueblos indígenas, lo que nos lleva abrazaruna pretensión descolonizante, descentrada y desterritorializada en la manerade entender la universalidad y los derechos humanos; un tercer momento,apoyado en los basamentos anteriores que aupan la voz de las conclusionesde este escrito, en donde abordaremos los elementos centrales y polémicos deeste excitante diálogo intercultural, como es el de Territorialidad indígena; uncuarto momento, en donde trataremos de condensar muchas de las hipótesisanticipadas en la jurisprudencia que ha venido desarrollando los últimos añosla Corte y la Comisión Interamericana de Derechos Humanos (IDH), llamandola atención sobre la importancia de la misma, ya que nos encontramos en la3 SCHMITT, Carl (1979): El nomos de la tierra en el Derecho de gentes del Jus Publicum Europaeum, Centro de EstudiosConstitucionales, Madrid.4 Cf. El interesante ensayo de KYMLICKA, Will (2006): Fronteras territoriales, Trotta, Madrid.Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006 125


antesala de lo que pueda ser un Derecho Intercultural, latente en los informesy sentencias de estas dos instituciones jurídicas.1. PRECISIONES TERMINOLÓgICAS Y PLURALIDADESSEMáNTICAS: EL DIFÍCIL CONSENSO DE LOS CONCEPTOSLa primera clarificación importante en materia de categorías y conceptoses asumir como axioma la imposibilidad de la universalidad real. En esteámbito de consideraciones no se puede aspirar al consenso liberal deensoñaciones trascendentales, sino al polémico y antagónico encuentro depluralidad de bienes y valores, alérgicos a la conformidad uniformizante.Sólo cabe, por tanto, el solapamiento de antagonismos, de cuya conectividady dimensión secante, es posible acceder a acuerdos políticos. La irrupciónde los pueblos indígenas en la arena internacional-global, exhibiendo eldiscurso de derechos humanos, constituye el ejemplo más paradigmáticode este debate. No es posible, por tanto hablar de derechos humanos ni deDerecho Internacional del Medio Ambiente como universalidad abstractasancionada por el consenso y la aceptación. Hablaremos por tanto de visionesantagónicas de derechos –derechos humanos versus derechos de los pueblosindígenas-, así como de visiones antagónicas de Medio Ambiente –DerechoInternacional Medioambiental versus Territorialidad indígena-. El conjuntoinescindible trabado como pueblos indígenas-hábitat-territorio ubica en elcentro de la discusión y de nuestras reflexiones la idea de Territorio, escorandoconsideraciones ambientalistas occidentales apasionadas por y focalizadasen los recursos naturales, genéticos o la biodiversidad. La táctica indígenaenarbolada en el discurso de los derechos humanos pretende pergeñar unconjunto de medidas especiales que reconozcan sus vínculos fundamentalescon el hábitat y el territorio, así como los derechos específicos derivadosde esta matriz de imbricaciones. Dando un paso más, la dimensión tácticapretende depositar esas garantías especiales en el Derecho Internacional delos Derechos Humanos, así como en el Derecho Internacional Ambientalista,complementando así la clausurada universalidad occidental. Se trata, por tanto,de reformar, completar y aderezar textos internacionales de derechos humanosa partir de la irrupción de la diferencia indígena, mediante la metodologíarelacional de la interculturalidad que no conoce de clausuras, de textoscanónicos o de universalismos construidos. El resultado final será una nueva126Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006


síntesis: los derechos de los pueblos indígenas orientados prioritariamente aldisfrute del medio natural como condición para poder reproducir la cultura, yla vida individual y colectiva de estos pueblos.La importancia del Territorio para los pueblos indígenas esmultidimensional. De los territorios se derivan conocimientos tradicionales-conocimientos, innovaciones y prácticas orientadas a la conservación yutilización sostenible del medio ambiente, la biodiversidad y las generacionesfuturas-. Los conocimientos tradicionales, son, sin embargo, ese residuo, eseresto que no es tenido en cuenta por las políticas ambientalistas al olvidar ensu diseño, proyección y ejecución, las cuestiones sociales y culturales de lospueblos indígenas como si fuesen elementos accidentales. Aquí reside uno delos puntos nodales en que instituir el diálogo intercultural, evitando que seproceda, como hasta ahora, a la construcción del “medio ambiente” de acuerdocon las exigencias las sociedades postindustriales del Norte.La ausencia de metodologías interculturales ha conllevado la construcciónde un eco-capitalismo que pivotaba sobre la idea de desarrollo, primero, y dedesarrollo sostenible, después. Con ello se pretendía hacer conciliar la dinámicadel crecimiento económico del capital, con los límites de los sistemas biofísicos,construyendo el desarrollo sostenible para la conciliación taumatúrgica detal imposibilidad (ese fue el supuesto de Estocolmo 1972, o la ComisiónBrundtland). Por tanto, el “medio ambiente” resulta conceptualizado a partirde la representación propia de los contextos sociales de opulencia en que semaneja y vive el Norte. La degradación ambiental en el Sur resultaba justificadacomo una deficiencia en el crecimiento económico de esta región; como laausencia de educación y avance tecnológico; o como falta de planificaciónsocial suficientemente disciplinada para poder disciplinar tales sociedades.En este sentido, superar la escasez pasaba por la combinación sincronizada deestas deficiencias de indicación, cuya activación, se esgrimía, no conllevaríadegradación ambiental. Los grados de complejificación en la construcción yjustificación de una naturaleza ambientalizada se han ido complejificando consoportes ideológicos más espectaculares y mediáticos, pasando por Kyoto hastallegar a los Objetivos de Desarrollo del Milenio (ODM), en donde lo ambientalaparece como una cláusula retórica de difícil factibilidad por ausencia devoluntades políticas. 5 El ODM nº 7, que hace referencia a la sostenibilidad delmedio ambiente, pone excesivo énfasis en la adopción de medidas cuantitativas5 AgENCIA ESPAñOLA DE COOOPERACIÓN INTERNACIONAL (2005): visiones indígenas sobre desarrollo y cooperación,Madrid; Integrar la biodiversidad en la Cooperación europea para el desarrollo. Adoptado por los participantes de laConferencia de Biodiversidad en la Cooperación europea al desarrollo, París, 19 a 21 de septiembre de 2006.Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006 127


–como el establecimiento de áreas protegidas y cubierta forestal- en lugar deorientar su interés hacia los mecanismos necesarios para poder implementardichas medidas. Una vez más se enfatizan criterios socio-culturales del Nortecomo patrones a universalizar, lo que se traduce en suerte de taxonomía deespecies y lugares a proteger, obviando las dimensiones de interés estratégicode acuerdo con los patrones socio-culturales de las comunidades localesdel Sur. En este sentido se olvida la existencia de sociedades comunitariasentreveradas por prácticas tradicionales que se expresan en formas propias devida, alimentación, caza, pesca, reproducción cultural, etc.Por contraposición a estas consideraciones semánticas y a la construcciónde conceptos ambientales en la órbita occidental de poder, vamos a partir,como hipótesis fundamental, de una consideración de la biodiversidad tal ycomo esta es concebida, a modo de proposición, por los pueblos indígenas:“Biodiversidad es armonía entre el hombre y la naturaleza de maneraespiritual. Es el manejo que se da por el pensamiento, la palabra y la obra. Elpensamiento es el anciano que es la fuerza espiritual de la palabra. La palabraes la autoridad. Lo que obra es la fuerza que es la juventud. Hay que conservarlo que no se puede tocar. Hay que preservar lo que se puede tocar”. 62. IRRUPCIÓN DE LOS ACUERDOS AMBIENTALESMULTILATERALES EN RELACIÓN A LOS PUEBLOS INDÍgENAS.UN MIRADA CRÍTICALa inserción disruptiva de los pueblos indígenas en los marcos dediscusión de los Acuerdos Ambientales Multilaterales se produce a partir de laCumbre de Río sobre Medio Ambiente y Desarrollo. Esta inserción controladay regulada supone un avance respecto a la situación de insignificancia y faltade representación que los pueblos indígenas venían ocupando en la esferainternacional, en relación a los Acuerdos Medioambientales. La Cumbre deRío constituye un activador del significado y consideración de los pueblosindígenas en cuestiones ambientales de vital importancia para la producción,reproducción y desarrollo de su identidad individual y colectiva. Su presenciaresulta pertinentemente aludida y concitada en textos como La Declaración6 Testimonio de Claudino Pérez, vocero de la mesa indígena en la Agenda Regional de Biodiversidad llevado a cabo en Leticia(Colombia), junio de 2005.128Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006


de Principios de Río, La Agenda 21 (en su capítulo 24), El Convenio Marcode Naciones Unidas para prevenir el cambio climático, La Declaraciónde Principios sobre Bosques o el Convenido de Diversidad Biológica. Lospueblos indígenas, en cuanto nuevos actores, son aludidos de manera genéricacomo “guardianes de la tierra”, haciendo referencias constantes a sus “sistemaspropios de sostenibilidad”.Sin embargo, entre las limitaciones fundacionales hay que hay considerarestá el hecho de que los pueblos indígenas no fueron convocados como sujetosprotagónicos a la Cumbre de Río, lo que forzó a la creación de una reunión ydeclaración paralela, como la Declaración de Kari Oka. La Cumbre de Río sísupuso la apertura de nuevas vías de negociación y participación por parte delos pueblos indígenas, lo que se tradujo en diálogos de carácter multilateral. Enun sentido optimista, supuso la instauración en el ámbito internacional de unanueva manera de comprender la relación a tres bandas entre pueblos indígenas,derechos humanos y derechos ambientales, lo que implicaba construir undiscurso de derechos cargado de exigencias y reivindicaciones indígenas,modulado por demandas medio-ambientales, cuyo corazón de significaciónera la territorialidad indígena. Es decir, supuso el primer peldaño para avanzarhacia una lógica intercultural para la re-construcción de los derechos humanosy los derechos medio-ambientales.Ello se concretaría en la constitución de pequeños y tímidos espacios derepresentación indígena, como fue la Comisión de Desarrollo Sostenible, orientadaa la negociación de cuestiones tan fundamentales para los pueblos indígenascomo: el cambio climático, la diversidad biológica, el Foro intergubernamentalde Bosques, la Cumbre Mundial de Desarrollo Sostenible, etc.Tres serían, sin embargo, los espacios normativos que resultaron máspermeables y receptivos para recoger y ubicar las demandas de la emergenciaindígena: El Convenio Marco para prevenir el Cambio Climático; ConvenioMarco para prevenir el Cambio Climático, especialmente a través del ForoIntergubernamental sobre Bosques; y el Convenio de diversidad Biológica.En relación al Convenio Marco para prevenir el Cambio Climático,se empieza a producir una tímida participación de los pueblos indígenas enlas reuniones preparatorias. Esto desde luego, aunque evidente desde nuestracontemporaneidad, constituía un gran avance teniendo en cuenta el tratamientopolítico y normativo que los pueblos indígenas estaban teniendo en la esferainternacional.Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006 129


En lo que respecta al Foro Intergubernamental sobre Bosques, lapresencia indígena empezó teniendo un bajo perfil negociador y una escuetaparticipación, además que no se consiguió que fuera un instrumento vinculantepara los Estados. Para avanzar en las negociaciones y poder tener en cuenta lapresencia de los pueblos indígenas en todas estas cuestiones, se constituyó laAlianza Mundial de Pueblos Indígenas y Tribales de los Bosques Tropicales.Lamentablemente no se ha podido conseguir que estos encuentros fueran másallá de meras reuniones de expertos. 7El Convenio de Diversidad Biológica, que entra en vigor en 1993,constituye, sin embargo, el instrumento donde mayor repercusión ha tenidola presencia, participación y lobby indígena. Supone un paso adelante en lainserción dignificada de los pueblos indígenas en la negociación y participaciónde los acuerdos ambientales multilaterales. 8 Los objetivos que enmarcaban esteConvenio eran la conservación de la diversidad biológica, el uso sostenible dela misma, así como el reparto equitativo de los beneficios, lo que suponía unaspecto de especial relevancia para los pueblos indígenas. El Convenio ha dadopasos importantes de cara al reconocimiento de los pueblos indígenas comoactores privilegiados y fundamentales para la conservación de la diversidadbiológica, al reconocerles como poseedores de conocimiento tradicional.También ha facilitado su participación informal a través de mecanismoscomo el Fondo Internacional Indígena sobre Biodiversidad, que constituyeun espacio paralelo a las sesiones oficiales para discutir los derechos de lospueblos indígenas y poder presionar para adoptar una perspectiva indígena enel seno oficial de las negociaciones. Sin duda, uno de sus grandes logros hasido la creación de un Grupo de Trabajo ad hoc para la discusión del artículo 8j,que reconoce el carácter protagónico de los pueblos indígenas en cuestiones debiodiversidad. Sin embargo, este tipo de afirmaciones quedan contrapuntadasy oscurecidas con el principio de soberanía de los Estados sobre los recursosbiológicos (art. 3), en lugar de haber procedido a reconocer a la Humanidad7 Cf. Lola gARCÍA, Lola y BORRAz, Patricia (2006): “La participación indígena en los Foros internacionales: Lobby políticoindígena” en BERRAONDO, Mikel (ed.), (2006): Pueblos indígenas y derechos humanos, Universidad de Deusto, Bilbao, pp.236 y ss.8 Cf., entre otros, BORRAz, Patricia (Coord.) (2000): La participación indígena en el Convenio sobre Diversidad Biológica, Watu,Madrid; “El Convenio sobre Diversidad Biológica y el conocimiento tradicional de los pueblos indígenas” mímeo; ITUARTELIMA, Claudia (2003): Derechos indígenas y medio ambienta a la luz del Derecho Internacional, Tesis de licenciatura de Derecho,Universidad Iberoamericana; ITUARTE LIMA, Claudia: “Conocimientos tradicionales de la biodiversidad y derechos de lospueblos indígenas” en versión electrónica, Instituto Nacional de Ecología, México; DARREL, P. y DUTFIELD, g. (1996): BeyondIntellectual Property: towards traditional resource rights for indegenous peoples and local communities, Internacional DeveloptmentResearch Center, Ottawa; LOA LOzA, Eleazar y DURAND SMITH, Leticia: “Hacia la Estrategia Mexicana de Biodiversidad”en México y el Convenio de Diversidad Biológica: http://www.ciepac.org/biodiversity/Biodiversidad%20Estudio/CAP9.PDF130Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006


como depositaria de este patrimonio. La primacía absoluta de los Estados sobrelos recursos biológicos constituye una merma importante de las posibilidadesque conllevaba reconocer a los pueblos indígenas como poseedores yportadores de conocimiento tradicional. Ello ha supuesto, en última instancia,una imposición de los intereses de los Estados sobre los recursos biológicosy genéticos existentes en los territorios indígenas. El avance que suponíainicialmente el CDB en todas estas cuestiones, queda todavía más mermado sise tiene en cuenta la inexistencia de mecanismo de obligatoriedad y sanciónque obligue a las partes a cumplir con los compromisos asumidos. A ellohabría que añadir la falta de reconocimiento del derecho territorial indígena,o las reticencias a reconocer del derecho de autodeterminación de los pueblosindígenas para la implementación de las exigencias del CDB.De manera sumaria se podría hacer un balance de elementos positivosy negativos como consecuencia de la irrupción de los pueblos indígenasfacilitada por estos instrumentos normativos. Entre las cuestiones positivasestarían: el reconocimiento del valor del conocimiento tradicional; la creaciónde un Grupo de Trabajo específico para las discusiones del artículo 8 j; elreconocimiento del consentimiento previo, libre e informado en cuestionesde biodiversidad; el reconocimiento de derechos indígenas para la creacióny gestión de áreas protegidas; o el vínculo del CDB con organismosespecializados de Naciones Unidas en relación con temáticas indígenas, comoel Grupo de Trabajo sobre Poblaciones Indígenas o el Foro Permanente sobrelas Cuestiones Indígenas. Sin embargo, también se puede hacer un acopio deelementos negativos como: el no reconocimiento de unos principios básicospara la participación real de los pueblos indígenas en la esfera internacional,lo que viene adjetivado por una participación condicionada a la financiaciónexistente y aderezada por barreras idiomáticas, o la exigencia de curriculasacadémicas para poder garantizar la participación indígena; el principio desoberanía estatal, máxima que atraviesa y permea todo el sistema internacionalde derechos humanos y, muy especialmente, el Sistema de Naciones Unidas;la fuerte tecnificación y burocratización con la que se construyen y desarrollanestos espacios internacionales de carácter multilateral; la desviación decuestiones claves sobre materias de biodiversidad a organismos que abrazan laideología neoliberal del capitalismo global, como es el caso de la OrganizaciónMundial del Comercia (OMC) o la Organización Mundial de la PropiedadIntelectual (OMPI).Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006 131


3. EL ELEMENTO DISCRIMINADO POR LAS POLÍTICASAMBIENTALES: LA TERRITORIALIDAD INDÍgENALa discriminaci—n de la perspectiva ind’gena en la consideraci—n de lascuestiones ambientales y de biodiversidad, tiene su localizaci—n originaria enla centralidad con la que se impone el concepto de propiedad occidental. Lal—g ica de este derecho patrimonial tiene su arraigo y proyecci—n sobre todala pr‡ ctica discursiva y dogm‡ tica del Derecho Internacional de los DerechosHumanos. es, por tanto, este elemento el que ocluye un debate intercultural enmateria de derechos humanos, cuando tanto a un lado como a otro del di‡ logo,poseemos concepciones antag—ni cas y bien pertrechadas de c—m o entendereste derecho: por un lado, la propiedad privada, en su concepci—n lockeana;por otro lado, la territorialidad ind’ gena, en cuanto concepto estructural queencierra una dimensi—n trans-propietaria.el derecho de propiedad occidental se fundamenta en dos ideas clavesque lo sustentan: por un lado, la libertad de acceso a la propiedad; por otrolado, la individualizaci—n del trabajo en la tierra en que arraiga esta instituci—njur’dica. 9 Estas dos ideas marco coloran el sentido y contenido de la propiedad,por lo que, cualquier interposición en la libre proyección de sus fundamentos,incurre en vulneración de este derecho. A su vez, los basamentos de estainstitución jurídica permiten desgranar analítica y prácticamente una serie deefectos, como son: la divisibilidad de la tierra; la alienabilidad; la circulaciónmercantil y la seguridad crediticia. Estos fundamentos, junto con los efectosaditivos a los mismos, totalizan y clausuran el sentido en la manera y las formasde entender la propiedad en cuanto categoría expuesta al debate intercultural.El otro lado del pacto cultural, el indígena, procede a una interpretaciónintercultural de las potencialidades que se derivan de esos fundamentos y9 Entre algunas de las referencias bibliográficas de la que nos hemos nutrido, proponemos las siguientes lecturas: gARCÍAHIERRO, Pedro (2004): “Territorios indígenas: tocando a las puertas del Derecho” en SURALLÉS, A. y gARCÍA HIERRO,P. (eds.), Tierra adentro. Territorio indígena y percepción del entorno, IWgIA, Documento nº 39, Copenhague; TOLEDOLLANCAqUEO, víctor (2004): “Políticas indígenas y derechos territoriales en América Latina 1990-2004, ¿las fronterasindígenas de la globalización?, mimeo; (1997): “Todas las aguas. Notas sobre la (des)protección de los derechos indígenassobre las aguas, el subsuelo, las riberas, las tierras” en Anuario Liwen, nº 3, Temuco, CEDM LIWEN; ROLDáN, R. (2002):“Territorios colectivos de indígenas y Afroamericanos en América del Sur y Central. Su incidencia en el desarrollo” enBanco Interamericano de Desarrollo, Washington; zÚñIgA, gerardo (2000): “La dimensión discursiva de las luchas étnicas.Acerca de un artículo de Maria Teresa Sierra” en Alteridades, 10 (19), pp. 55-67; (1998): “Los procesos de constituciónde territorios indígenas en América Latina” en Nueva Sociedad, n º 153, enero-febrero, pp. 141-155; (1998): “Territoriosindígenas: lugares de la etnicidad y la política en América Latina” en Cuadernos de Trabajo sobre América Latina, nº 1,París, Ecole des Hautes Etudes en Sciencies Sociales, pp. 60-104; COICA (2000): “El territorio y la vida indígena comoestrategia de defensa de la Amazonía” en Primer Encuentro Cumbre entre Pueblos Indígenas y ambientalistas, Coordinadorade Organizaciones Indígenas de la Cuenca Amazonía, Iquitos; BERRAONDO, Mikel (2007): El derecho indígena al medioambiente, Tesis Doctoral, 2007, mímeo.132Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006


de sus efectos. Dicha hermenéutica permite rescatar tácticamente ciertasposibilidades para la construcción de una concepción propia de territorialidade insertarlo, de esta manera, en el discurso del Derecho Internacional de losDerechos Humanos. 10 Entre las posibilidades que se destilan de la concepciónoccidental de propiedad están: el carácter absoluto, exclusivo y permanentede la propiedad, lo que trasmuta en una consideración absoluta, exclusiva ypermanente de la territorialidad como mecanismo de protección.El problema que se plantea de fondo es que la propiedad dispone deun régimen legal propio que expresa determinados valores culturales; elfundamento y las consecuencias que se derivan del mismo, responden a unpatrón cultural determinado. Por ello, la propiedad privada es una instituciónjurídica que a priori presenta serios problemas de compenetración con elsentido indígena de hábitat. Existe una disfuncionalidad de raíz en estedebate intercultural puesto que la apropiación táctica de ciertos sentidos yconsecuencias de la propiedad por parte de los pueblos indígenas, suponeforzar los sentidos de una institución hasta su desvirtuación y deformación,lo que invierte y hace problemático el pacto intercultural. Así, mientrasel derecho occidental construye el concepto de propiedad a partir de lasposibilidades que otorga el derecho civil, los sistemas normativos indígenasconstruyen el concepto de territorio intrínsecamente adosado al concepto10 No desdeñamos, desde estas afirmaciones, el ingente esfuerzo intercultural que el Sistema Interamericano de derechoshumanos viene realizando en la protección de los derechos territoriales indígenas. Es más que evidente una prácticaintercultural del Derecho en estas cuestiones. Ejemplos recientes de protección y preservación de los derechos de lospueblos indígenas a sus territorios ancestrales son, por ejemplo: la Resolución nº 12/85, caso de los Yanomami, nº 7615,Brasil, 5 de marzo de 1985; el Informe de Fondo nº 75/02, caso 11.140, Mary y Carrie Dann, Estados Unidos, 27 de diciembrede 2002; las Medidas Cautelares, De verenining van Saramakaanse (Suriname), 8 de agosto de 2002. En lo que respectaa la cuestión que venimos tratando, la Comisión Interamericana de Derechos Humanos, en el Informe sobre la Situaciónde los derechos humanos en guatemala del año 1993, ya expresaba: “Desde el punto de vista de los derechos humanosen tanto propiedad de una persona, un pequeño plantío de maíz merece el mismo respeto que una cuenta bancaria o unafábrica moderna”. Con esta afirmación la Comisión quería apercibir que una perspectiva de derechos exige otorgar la mismarelevancia a la territorialidad indígena que a la propiedad no-indígena. Sin embargo, los matices aquí son importantes paracomprender y construir qué se entiende por territorialidad indígena. Por ello, es interesante ubicar cuál es el locus jurídicodel que se parte: si este es originario o derivado; si negociamos desde un corpus jurídico propio y constitutivo, o arrastradoy derivado de otro; si se considera los sistemas normativas indígenas como constituyentes, originarios y autónomos, ono. Por ello el objeto de debate no es sólo que se reconozcan derechos territoriales a los pueblos indígenas, sino que seabra un debate intercultural-normativo sobre qué entiende cada pueblo por derechos territoriales, y cómo dialoga desde elantagonismo con el derecho estatal. Como veremos posteriormente, en este aspecto también el Sistema Interamericanoha caminado hacia una compresión e interpretación evolutiva del derecho de propiedad, al reconocer dentro de éste “losderechos de los miembros de las comunidades indígenas en el marco de la propiedad comunal”, tal y como se recoge enel artículo 21 de la Convención Americana de Derechos humanos. Cf. Corte Interamericana de Derechos Humanos, Caso dela Comunidad Mayagna (Sumo) Awas Tingni, vs. Nicaragua, Sentencia de 31 de agosto de 2001, serie c nº 79, párrafo 148.En el caso de las hermanas Carrie y Mary Dann vs. Estados Unidos, la Comisión establece el sugerente y prolífico término,ya en una lógica intercultural, de un “cuerpo más amplio de derecho internacional [que] incluye la evolución de las normasy principios que rigen los derechos humanos de los pueblos indígenas”, en Informe de Fondo nº 75/02, de 27 de diciembrede 2002, párrafo 124.Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006 133


de pueblo (indígena), pero desde las posibilidades que otorgan derechospolíticos públicos, como la autonomía, condición de posibilidad para gestionarsoberanamente los territorios indígenas.Las consecuencias de todo ello, como ya se ha anticipado, son constantescorrecciones y adulteraciones de una institución jurídica –la propiedadprivada, tal como es construida en occidente- para poder encajar, aunquesea a contrapelo, la concepción indígena de territorialidad. Este ejercicio demanierismo jurídico constituye una adulteración del diálogo intercultural alsustraer los fundamentos más radicales de una institución jurídica, con unarraigue socio-cultural concreto, para implantarlos en otra cosmovisión bajo laadjetivación de diálogo intercultural. Sin embargo, en este proceso se olvidacómo se entiende originariamente la cuestión territorial indígena y, a partirde ahí, como se podría concitar un pacto transcultural entre dos institucionesantagónicas, más que adaptarse deformando un sistema normativo conraigambres culturales propias y poco porosa a la flexibilidad. Un pacto así,está condenado al fracaso ya que siempre se aducirá por una de las partes–occidental liberal- que el resultado altera molecularmente la composiciónoriginaria de una institución jurídica como la propiedad, limitando, por tanto,un derecho fundamental. Con ello, el diálogo intercultural quedará condenadoa una práctica de recortes e implantes, más que a un difícil contraste de puntosde vista y cosmovisiones.Así, del concepto liberal occidental de “disponer libremente” de lapropiedad, se infiere por deformación, la inalienabilidad, lo que en sí mismoes incompatible con la institución de la propiedad. Del concepto de “seguridadjurídica”, se deduce la inembargabilidad. De las relaciones individuales quese producen entre el sujeto y el objeto de apropiación, se destila espuriamenteel concepto de comunidad. Todo este compendio de asimétricas y violentasadaptaciones lleva a concebir un concepto de propiedad colectiva indígena comouna institución que se desprende, por derivación, del concepto de propiedadoccidental, instituyendo la territorialidad indígena con las cualidades de lasubordinación, la jerarquía y la complementariedad. Sin embargo, la propiedadcolectiva indígena, tal y como se está manejando en el ideario del SistemaInteramericano de Derechos Humanos, no supone co-propiedad, en cuantotraslación analógica del concepto de propiedad liberal. Supone, de manerasimultánea, una consideración individual, comunitaria y supracomunitaria.Implica espacios de todas las personas y a su vez de ninguna. Comprendederechos de las antiguas y de las futuras generaciones. La propiedad indígena134Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006


nunca es estrictamente absoluta o exclusiva; existen siempre un conjunto demediaciones que actúan como restricciones o limitaciones a esa absolutez ototalidad, como son las familiares, las comunitarias, las supra-comunitarias,etc. La determinación de exclusividad, absolutez e inalienabilidad no son másque derivaciones otorgadas a partir de los fundamentos de una instituciónjurídica como la propiedad. Estas adjetivaciones resultan alérgicas y ajenas ala cosmovisión indígena, mucho más si son utilizadas con carácter instrumentalpara mediatizar un diálogo intercultural. Ello nos pone frente a la verdaderacomplejidad que el antagonismo intercultural encierra y supone.Una vez ubicado lo que consideramos el núcleo de la conflictividadintercultural en la cuestión tierra versus territorio, presente en toda suintensidad en el Convenio 169 de la OIT 11 , pasaremos a desarrollar cómo escomprendido y construido el concepto de territorio desde la perspectiva delos pueblos indígenas. Se trata no sólo de reconocer los derechos territorialesindígenas, desde un plano normativo, sino de expresar qué se entiende porterritorialidad indígena, cómo es construida, imaginada, asumida y proyectadadesde la cosmovisión indígena, para, desde ese momento, poder acceder a unpacto intercultural. Para ello transitaremos por tres momentos que guardanunidad en la explicación: en primer lugar, estableceremos cuál es el alcance dela territorialidad indígena; en segundo lugar, sugeriremos cuál es el contenidosimbólico de la misma (en su dimensión abstracta, ya que la concreciónespecífica deberá hacerse desde cada imaginario indígena); en tercer lugar,desarrollaremos cuáles son los atributos que caracterizan jurídicamente alterritorio indígena.11 El Convenio 169 de la OIT, titulado sobre Pueblos indígenas y tribales en países independientes, constituye, a día dehoy, el principal instrumento, en materia de derechos y obligaciones normativas para los Estados, teniendo en cuenta losderechos de los pueblos indígenas. En su artículo 14, atendemos a la siguiente formulación de tierras y territorios: 1. Deberáreconocerse a los pueblos interesados el derecho de propiedad y de posesión sobre las tierras que tradicionalmente ocupan.Además, en los casos apropiados, deberán tomarse medidas para salvaguardar el derecho de los pueblos interesados autilizar tierras que no estén exclusivamente ocupadas por ellos, pero a las que hayan tenido tradicionalmente acceso parasus actividades tradicionales y de subsistencia. A este respecto, deberá prestarse particular atención a la situación delos pueblos nómadas y de los agricultores itinerantes; 2. Los gobiernos deberán tomar las medidas que sean necesariaspara determinar las tierras que los pueblos interesados ocupan tradicionalmente y garantizar la protección efectiva de susderechos de propiedad y posesión; 3. Deberán instituirse procedimientos adecuados en el marco del sistema jurídiconacional para solucionar las reivindicaciones de tierras formuladas por los pueblos interesados. Como se ve, hay claramenteuna transposición del concepto y del contenido de tierras sobre el de territorio. Es decir, se procede a definir el concepto deterritorio indígena a partir de una consideración civilista de tierra, produciéndose un reconocimiento formal de las categoríasde tierras y territorios en el artículo 13, pero no material ni de contenidos de la territorialidad indígena. En el artículo 14, sinembargo, la referencia a los territorios indígenas desaparece, proyectando ya sobre éstos una comprensión deducida delconcepto de propiedad privada occidental. En este artículo, por tanto, no hay si quiera un reconocimiento formal normativodel concepto de territorialidad indígena.Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006 135


a) en relaci—n al alcance de la territorialidad ind’gena es necesarioacercarse a c—m o Ž sta queda recogido en el ‡ mbito constitucional dealgunos estados-naci—n latinoamericanos. a ese respecto es interesanteconsiderar cómo fluctúa entre diferentes acepciones, como TierrasComunitarias de Origen (tCO), Municipios, territorios Ž tnicos,resguardos, etc. La propiedad comunal ind’gena es el resultadodel reconocimiento legal de las variadas y espec’ficas formas decontrol, propiedad, uso y usufructo de los territorios y los bienesconcomitantes a ellos. 12 en ese sentido, para definir su alcance,se han venido usando diferentes criterios y registros como: 1)territorialidad originaria, que referencia a los derechos previamenteexistentes a la creaci—n de los estados-naci—n en que quedaba inscritala territorialidad ind’gena, lo que conferir’a a estos pueblos t’tulospermanentes e inalienables; 2) ocupaci—n tradicional, tal y c—m oviene recogido en el art’culo 27 del Proyecto de Declaraci—n deNaciones Unidas sobre los Derechos de las Poblaciones Ind’ genas; 133) Ocupaci—n actual, como el caso de Chile; 14 4) Territorio comoespacio de vida, es decir como lugar para la producci—n, reproducci—ny desarrollo de los procesos vitales, individual y colectivamenteconsiderados; 5) Territorio como h‡bi tat; 15 6) o la utilizaci—n decriterios integradores, fusionando muchos de los ya mencionados,como es el caso del Convenio 169 de la OIt, en donde se utilizaindistintamente territorios tradicionales, Ò ocupaci—n o utilizaci—nÓ ,Ò h‡ bitat de regiones que habitanÓ, Ò necesidadesÓen relaci—n a lasrelaciones espirituales, etc.12 Comisión Interamericana de Derechos Humanos, Caso Mary y Carrie Dann vs. Estados Unidos de Norteamérica, Informe deFondo nº 75/02 de 27 de diciembre de 2002, párrafo 130.13 E/CN.4/SUB.2/1994/2/Add.1 (1994). Art. 27: “Los pueblos indígenas tienen derecho a la restitución de las tierras, losterritorios y los recursos que tradicionalmente han poseído u ocupado o utilizado de otra forma y que les hayan sidoconfiscados, ocupados, utilizados o dañados sin su consentimiento expresado con libertad y pleno conocimiento. Cuandoesto no sea posible, tendrán derecho a una indemnización justa y equitativa. Salvo que los pueblos interesados hayanconvenido libremente en otra cosa, la indemnización consistirá en tierras, territorios y recursos de igual cantidad, extensióny condición jurídica”.14 AYLWIN, José (2004): “Pueblos indígenas de Chile: antecedentes históricos y situación actual”, en Instituto de EstudiosIndígenas. Universidad de la Frontera, Documento nº 1, http://www.xs4all.nl/~rehue/art/ayl1a.html; TOLEDO, víctor (2005):“Las tierras que consideran como suyas. Reclamaciones mapuches en la transición democrática chilena” en AsuntosIndígenas, IWgIA nº4.15 La Ley Orgánica de Pueblos y Comunidades Indígenas de la República Bolivariana de venezuela define el hábitat indígenacomo: “el conjunto de elementos físicos, químicos, biológicos y socioculturales, que constituyen el entorno en el cual lospueblos y comunidades indígenas se desenvuelven y permiten el desarrollo de sus formas tradicionales de vida. Comprendeel suelo, el agua, el aire, la flora, la fauna y en general todos aquellos recursos materiales e inmateriales necesarios paragarantizar la vida y desarrollo de los pueblos y comunidades indígenas”.136Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006


B) en relaci—n a los contenidos de la territorialidad ind’gena 16 esimportante -para poder acercarnos desde una perspectiva interculturaly normativa- tener en cuenta la existencia de tres dimensiones: a)una base material de la territorialidad, que constituir’a su sustento yarraigo biof’sico, en donde quedar’a simb—l icamente ubicado todolo que hace referencia a cuestiones de h‡ bitat, recursos naturales,medio ambiente, biodiversidad, etc., es decir, las entra–as ecof’sicasde la territorialidad; b) un espacio socio-cultural, en donde sematerializa la influencia hist—r ica de cada pueblo ind’gena y desdedonde se construyen unas especiales relaciones de estos pueblos conla base material de la territorialidad. Desde esta especial relaci—nsocial y cultural de los pueblos ind’genas con sus territorios sederiva la existencia de conocimientos tradicionales y patrimoniospropios; c) un espacio pol’tico y geogr‡ fico que hace referenciaa las posibilidades de control y gesti—n pol’tica del territorio apartir de la utilizaci—n de derechos pol’ticos como la autonom’a.es propiamente el ‡ mbito y el nivel de la jurisdicci—n ind’gena,en donde se confabulan, como una unidad inescindible, un buclede derechos que completan la dimensi—n hol’stica y estructural dela territorialidad en la cosmovisi—n ind’gena. entre Ž stos estar’anla territorialidad, la autonom’a y la jurisdicci—n. Solo un territorioaut—nom amente gestionado y con capacidad jurisdiccional sobre susrecursos biof’sicos y sobre sus habitantes, puede dar medida de laterritorialidad ind’gena como una unidad de vida completa. 17 Cuandohablamos de integralidad territorial ind’gena, este concepto equ’vocoy polisŽ mico refiere a funciones econ—m icas que estos pueblosrealizan y desarrollan en el territorio; a las condiciones ecol—gi cas enque la vida se desarrolla; a la percepci—n subjetiva que los sujetos q<strong>uea</strong>ll’ habitan tienen del propio territorio; a la naturaleza f’sica del bienreferido: elementos biof’sicos, espirituales, culturales, simb—l icos;es decir, a la fusi—n fŽ rtil y de dif’cil catalogaci—n jur’dica por elDerecho occidental, de naturaleza y pueblo.16 Un enfoque interesante en estas cuestiones puede verse en TOLEDO, víctor (2006): Pueblo Mapuche, derechos colectivos yterritorio. Desafíos para la sustentabilidad democrática, LOM Ediciones, Chile.17 MARTÍNEz DE BRINgAS, Asier (2007): “El reto de hacer efectivo los derechos de los pueblos indígenas: la difícil construcciónde una política intercultural”, en Pueblos indígenas y política en América Latina, Salvador Martí (ed.), Barcelona, CIDOB.Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006 137


Todo este nivel abstracto que funciona como propedéutica para poderejercer un pacto intercultural normativo en la manera de construir y considerarla territorialidad indígena, queda reflejado en las referencias y comentariosque la Comisión Interamericana de Derechos Humanos realizó al artículoXVIII del Proyecto de Declaración Americana sobre Derechos de los PueblosIndígenas, en el caso Mary y Carrie Dann. Allí se habla de “principios jurídicosinternacionales generales que han evolucionado en el sistema interamericano yson aplicables dentro y fuera del mismo” (…) “….la Comisión considera quelos principios jurídicos internacionales generales aplicables en el contexto delos derechos humanos de los indígenas incluyen: a) el derecho de los pueblosindígenas al reconocimiento legal de sus formas y modalidades variadas yespecíficas de control, propiedad, uso y usufructo de los territorios y bienes; b)el reconocimiento de su derecho de propiedad y posesión con respecto a tierras,territorios y recursos que han ocupado históricamente; c) en los casos en quelos derechos de propiedad y uso de los pueblos indígenas deriven de derechospreviamente existentes a la creación de sus Estados, el reconocimiento por losEstados de los títulos permanentes e inalienables de los pueblos indígenas y aque ese título sea modificado únicamente por consentimiento mutuo entre elEstado y el pueblo indígena respectivo cuando tengan pleno conocimiento yapreciación de la naturaleza o los atributos de ese bien. Esto también implica elderecho a una justa indemnización en caso de que esos derechos de propiedady uso sean perdidos irrevocablemente”. 18Sin embargo, todo ello plantea, como venimos viendo, serios conflictos ala construcción de un derecho internacional medioambiental capaz de integrar,desde una perspectiva de derechos, la dimensión de los pueblos indígenas. Paraello el Derecho Medioambiental internacional debería ser capaz de introduciren su corazón normativo valores socio-culturales de los pueblos indígenas,que deberían ser interpretados de manera específica, adaptada a la realidadcosmovisonal de cada pueblo, en cada realidad estatal. Ello tendría que veniracompañado, también, de principios de eficiencia para una correcta regulaciónde las relaciones humanas desde una perspectiva intercultural. Entre esosprincipios de regulación intercultural estarían todos aquellos necesarios paraevitar una consideración estrecha y reductiva del territorio indígena, limitada,exclusivamente, a dimensiones occidentales centradas en espacios agrícolas18 CIDH, caso Mary and Carrie Dann vs. EE.UU. de Norteamérica, Informe de Fondo nº 75/02, diciembre de 2002, párrafos 129y 130.138Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006


y pecuarios. 19 También conllevaría la introducción de criterios interculturalesque faciliten una comprensión territorial que exprese la riqueza de laalianza territorio-pueblos. En definitiva, una comprensión intercultural de losderechos humanos nucleada en torno a una consideración holística, procesual,polifacética y progrediente del Derecho a la Vida 20 en los territorios indígenas.Ello implica que toda consideración de la territorialidad indígena no podránunca limitar lo que son funciones económicas de estos pueblos, interpretaciónque tiene que ser de nuevo trasportada desde una concepción solidificada dela relación territorio-pueblos. Por ello, la aplicación intercultural del derechoa la vida trasciende una mirada agro-pecuaria del territorio. La introducciónde la dimensión socio-cultural en la comprensión de la territorialidad indígenadevalúa una mera consideración productivista de la misma, tan intrínsecamentevinculado, por otro lado, a la institución jurídica de la propiedad. La lógica dela divisibilidad del territorio vuelve a ser una perspectiva impuesta desde unainterpretación cultural-occidental del territorio. En la amazonía indígena, elbosque tiene valor no por su suelo fértil –lógica productiva- sino por su estratoecológico y su vuelo forestal, es decir, por toda la riqueza simbólica, espiritualy cultural que encierra el territorio, todo ello interpretado, necesariamente,desde una lógica consuetudinaria. 2119 De nuevo la Corte Interamericana de Derechos Humanos vuelva a exhibir una lógica intercultural en la comprensión delterritorio indígena cuando afirma: “Para las comunidades indígenas la relación con la tierra no es meramente una cuestiónde posesión y producción sino un elemento material y espiritual del que gozan plenamente, inclusive para preservar sulegado cultural y trasmitirlo a las generaciones futuras”, Corte IDH, caso de la Comunidad Mayagna (Sumo) Awas Tingni vs.Nicaragua, Sentencia de31 de agosto de 2001, serie C nº 79, párrafo 149.20 Resulta pertinente la siguiente afirmación de la Corte IDH en relación al derecho a la vida, sentencia sobre el fondo, casoNiños de la calle, del 19.11.1999, Serie C, n. 63, Párr. 144: “El derecho a la vida es un derecho humano fundamental, cuyo gocees un prerrequisito para el disfrute de todos los demás derechos humanos. De no ser respetado, todos los derechos carecen desentido. En razón del carácter fundamental del derecho a la vida, no son admisibles enfoques restrictivos del mismo. En esencia,el derecho fundamental a la vida comprende, no sólo el derecho de todo ser humano de no ser privado de la vida arbitrariamente,sino también el derecho a que no se le impida el acceso a las condiciones que le garanticen una existencia digna. Los Estadostienen la obligación de garantizar la creación de las condiciones que se requieran para que no se produzcan violaciones de esederecho básico y, en particular, el deber de impedir que sus agentes atenten contra él” . .21 “El derecho consuetudinario de los pueblos indígenas debe ser tenido especialmente en cuenta, para los efectos de quese trata. Como producto de la costumbre, la posesión de la tierra debería bastar para que las comunidades indígenasque carecen de un título real sobre la propiedad de la tierra obtengan el reconocimiento oficial de dicha propiedad y elconsiguiente registro”, Corte IDH, caso de la Comunidad Mayagna (Sumo) Awas Tingni vs. Nicaragua, Sentencia de 31 deagosto de 2001, serie C nº 79, párrafo 151.Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006 139


C) Finalmente, abordaremos los atributos que podr’an caracterizarjur’dicamente, desde una l— gica intercultural, la territorialidadind’gena. para lograrlo, nos apoyaremos, en primer lugar, enlas consideraciones previamente aludidas para caracterizar losderechos territoriales ind’genas como derechos absolutos, exclusivosy perpetuos, para, de manera instrumental, establecer matizacionesy restricciones al car‡ cter positivo y occidental que encierranesas expresiones, y poder acceder, as’, al campo allanado de losimaginarios desde los que proceder a construir la interculturalidad.Hablar de derechos territoriales indígenas absolutos y exclusivos suponecontrapuntarlo con la necesidad de pacto y colaboración con otras lógicas,necesidades y derechos, como son derechos comunitarios, supracomunitarioso deberes colectivos, estos últimos escapan también a la lógica en que éstosson comprendidos en la cosmovisión occidental. Desde esta fina síntesisentrecruzada, podemos acercarnos al terreno condicionado para poder dialogarcon las concepciones occidentales de propiedad. Sin embargo, el carácterhermético, positivo y totalizante que denotan términos como “absoluto yexclusivos”, resultan poco útiles para dar medida de la perspectiva y dimensiónde los derechos territoriales indígenas.Respecto al término “permanente” éste debe ser entendido desde unaperspectiva histórica y socio-cultural, trascendiendo la consideración temporalde los derechos tal y como son comprendidos por el Derecho occidental; portanto, no vinculados a la duración de la vida humana o del portador del derechoreferido. Es aquí donde la territorialidad muestra su doble rostro, individualy colectivo; así como su doble dimensión, trans-temporal (más allá de latemporalidad de la vida humana) y trans-espacial (más allá de la geografíaoccidental). 22 La perpetuidad, como condici—n para acceder a la negociaci—nintercultural, debe ser aderezada con el car‡ cter originario de los sistemasnormativos ind’genas, lo que nos inserta, de nuevo, en otra l—gi ca tempoespacialy nos lleva a la abdicación de los títulos de propiedad como únicamanera de reivindicar y garantizar estos derechos.22 Corte IDH, caso de la Comunidad Mayagna (Sumo) Awas Tingni vs. Nicaragua, Sentencia de 31 de agosto de 2001, serieC, nº 79. voto Razonado Conjunto de los Jueces A.A. Cançado Trindade, M. Pacheco gómez y A. Abreu Burelli, párrfos 9-10:“La preocupación por el elemento de la conservación refleja una manifestación cultural de la integración del ser humanocon la naturaleza y el mundo en que vive. Esta integración, creemos, se proyecta tanto en el espacio como en el tiempo, porcuanto nos relacionamos, en el espacio, con el sistema natural de que somos parte y que debemos tratar con cuidado, y, enel tiempo, con otras generaciones (las pasadas y las futuras), en relación con las cuales tenemos obligaciones”.140Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006


todo ello deber’a ser complementado, en segundo lugar, con laradicalidad que implica la concesi—n de derechos territoriales a un sujetocolectivo como el de los Ò pueblos ind’genasÓ. esa radicalidad supone situarsem‡ s all‡ de los est‡ ndares del derecho civil y privado en la manera de establecery garantizar los derechos de propiedad. 23 La dimensión colectiva supone unaelucidación prolífica de dimensiones y prismas jurídicos. De esta manera, laterritorialidad tiene una dimensión trans-generacional (generaciones pasadas,presentes y futuras); trans-fronteriza, más allá de los estrechos marcos con losque se entienden los derechos de la ciudadanía en el ámbito del Estado-nacióndelimitado por fronteras; y trans-personal, implicando la dimensión públicadel Derecho en la manera de fundamentar titularidades y ofertar garantías. Endefinitiva, derivar las consecuencias de la territorialidad indígena a partir delhemistiquio inescindible de pueblo-territorio.En tercer lugar, deberá poder convalidarse toda forma y modalidad decontrol, propiedad, uso y usufructo que define la relación socio-económica delbinomio pueblo-hábitat. Ello pasa por admitir la regulación de toda forma decontrol territorial indígena, abarcando en dicho control jurisdiccional la totalidadde hábitat: superficie, subsuelo, vuelo forestal, aguas, recursos genéticos, etc.Como se desprende de la lógica de territorialidad y de la jurisdicción, ellono podrá realizarse sin la concesión de derechos de autonomía que permitanun ejercicio real de la territorialidad y de la jurisdicción. La autonomía, encuanto derecho político público, 24 incluye: control político y jurisdiccional dela territorialidad; autonomía de uso y explotación; control social y espiritualdel territorio y sus recursos; libertad interna para una distribución de derechosintra-territorial; control económico del territorio; seguridad jurídica en elterritorio. Todo ello implica un juego de tensiones, síntesis, solapamientosy negociaciones entre los sistemas normativos indígenas, desde una lógicaconsuetudinaria, y los sistemas normativos estatales, desde una lógica positivay escriturística.23 Corte IDH, caso de la Comunidad Mayagna (Sumo) Awas Tingni vs. Nicaragua, Sentencia de 31 de agosto de 2001, serieC, nº 79. voto Razonado Conjunto de los Jueces A.A. Cançado Trindade, M. Pacheco gómez y A. Abreu Burelli, párrafo 9: “…alelemento de la conservación sobre la simple explotación de los recursos naturales. Su forma comunal de propiedad, muchomás amplia que la concepción civilista (jusprivatista), debe, a nuestro juicio, ser apreciada desde este prisma, inclusive bajoel artículo 21 de la Convención Americana sobre Derechos Humanos, a la luz de los hechos del cas d’espèce”.24 Acuñamos esta expresión puesto que el ejercicio de la autonomía indígena tendrá consecuencias estructurales en la futuracomposición y distribución territorial del Estado. Es toda la compleja cuestión de la integración de la territorialidad indígenaal Estado y la adaptación de éste a la lógica de la territorialidad indígena, pero desde una perspectiva intercultural, y nocolonial-estatal, como hasta ahora. Cf. Carlos ROMERO BONIFAz, Carlos (2005): El proceso constituyente boliviano. El hitode la cuarta marcha de tierras bajas, CEJIS, Bolivia; LÓPEz BáRCENAS, Francisco (2006): Autonomía y derechos indígenasen México, Cuadernos Deusto de Derechos humanos, nº 39, Bilbao.Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006 141


Como es bien sabido, esta danza intercultural se encuentra con losconflictos propios que la colonialidad del poder ha ido trazando sobre laidentidad de los pueblos indígenas, como son: la tiranía de la soberaníaestatal, tanto en el ámbito regional, internacional y global, en la manera decomprender y construir una dogmática de derechos humanos; las constantesreservas de dominio estatal sobre los territorios indígenas como proyecciónde la larga sombra del monopolio de la soberanía estatal; la exclusiva visióneconómica del territorio indígena, lo que ha supuesto arredrar la perspectivasocio-cultural 25 de los pueblos indígenas en su consideración, y la imposiciónde una dimensión exclusivamente productivista del territorio, en su diseño; eldespliegue de políticas públicas multiculturales, con pretensiones integradorasy asimilacionistas, pivotadas sobre la vanidad estatal que se pavonea conscientede que una gran parte del movimiento indígena se plagará indefectiblemente ysin resistencia a los intereses estatales inherentes a las propuestas territorialesque éstos proponen en sus diseños de políticas multiculturales (territoriales),y que otra gran parte del movimiento quedará fragmentado por el disensogenerado como consecuencia de la implementación de estas políticas.25 Son más que fundamentadotas de todo un derecho intercultural las palabras del juez A. Cançado Trindade en el voto razonadode la sentencia de la comunidad indígenas Sawhoyamaxa vs. Paraguay, sentencia de 29 de marzo de 2006, párrafos 28, 30y 32: “El derecho a la vida es, en el presente caso de la Comunidad Sawhoyamaxa, abordado en su vinculación estrecha eineludible con la identidad cultural. Dicha identidad se forma con el pasar del tiempo, con la trayectoria histórica de la vida encomunidad. La identidad cultural es un componente o agregado del derecho fundamental a la vida en su amplia dimensión.En lo que concierne a los miembros de comunidades indígenas, la identidad cultural se encuentra estrechamente vinculadaa sus tierras ancestrales. Si se les privan de estas últimas, mediante su desplazamiento forzado, se afecta seriamente suidentidad cultural y, en última instancia, su propio derecho a la vida lato sensu, o sea, el derecho a la vida de cada uno y detodos los miembros de cada comunidad”. (…) “El vivir en sus tierras ancestrales es esencial para el cultivo y la preservación desus valores, inclusive para su comunicación con sus antepasados”. (…) “En mi voto Razonado subsiguiente (del 08.02.2006) enel (mismo) caso de la Comunidad Moiwana (Interpretación de Sentencia), insistí en la necesidad de reconstrucción y preservaciónde la identidad cultural (párrs. 17-24), de la cual el proyecto de vida y de <strong>pós</strong>-vida de cada miembro de la comunidad muchodepende”.142Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006


4. AvANCES EN EL SISTEMA INTERAMERICANO DEDERECHOS HUMANOS PARA LA CONSTRUCCIÓN DE UNAINTERCULTURALIDAD-NORMATIvA DE LA TERRITORIALIDADINDÍgENALa reciente jurisprudencia de la Corte y de la Comisi— n Interamericanade Derechos Humanos (IDH) ha venido creando un cuerpo jur’dico garantistapara la construcci— n, desarrollo y protecci— n de los derechos de los pueblosind’genas, con una punzante proyecci— n y potencialidad intercultural. 26 Delanálisis de este novedoso compendio jurisprudencial pueden inferirse unaserie de principios jurídicos interculturales que otorgan un marco políticoy normativo suficiente para obtener, por derivación, derechos indígenas:aquellos que de alguna manera ya quedan reflejados en el Proyecto deDeclaración de Naciones Unidas sobre los Derechos de las Poblacionesindígenas, en el Proyecto de Declaración Americana sobre Derechos delos Pueblos Indígenas y, de manera mucho más suavizada y recortada, en elConvenio 169 de la OIT. 27Así, entre los principios que fundamentarían derechos indígenas y quedarían materialidad y coloración intercultural a los mismos estarían: 2826 Nos referimos principalmente a la sentencia de la Corte IDH, caso de la Comunidad Mayagna (Sumo) Awas Tingni vs.Nicaragua, de 31 de agosto de 2001, serie C, nº 79; informe de fondo de la Comisión IDH, caso Mary y Carrie Dann vs.Estados Unidos de Norteamérica, nº 75/02, de 27 de diciembre de 2002; sentencia de la Corte IDH, caso Masacre de Plande Sánchez, vs. guatemala (reparaciones), de 19 de noviembre de 2004, serie C, nº 116; sentencia de la Corte IDH, casocomunidad Moiwana vs. Suriname, de 15 de junio de 2005; sentencia de la Corte IDH, caso comunidad indígena Yakye Axavs. Paraguay, de 17 de junio de 2005; resolución de la Corte IDH, caso pueblo indígena de Sarayaku, medidas provisionales,de 17 de junio de 2005; sentencia de la Corte IDH, caso comunidad indígena Sawhoyamaxa vs. Paraguay, de 29 de marzode 2006; sentencia de la Corte IDH, caso Yatama vs. Nicaragua, de 23 de junio de 2005.27 En relación con la consolidación de una perspectiva de derechos, objetivo para el cual esta jurisprudencia ha resultadode inestimable valor, es de vital importancia tener en cuenta la reciente Estrategia Sectorial de la Cooperación Españolacon los Pueblos Indígenas (ECEPI), desarrollado por la Agencia Española de Cooperación Internacional (AECI). El marconormativo internacional que sirve de inspiración para el desarrollo de este documento de política pública, son, entrealgunos de ellos, los Proyectos y el Convenio arriba referidos. La ECEPI pretende ser un proyecto de cooperación públicaimpulsado desde una interpretación de derechos: la de los pueblos indígenas. Como hemos venido señalando a lo largo deeste trabajo, no basta con el mero reconocimiento formal y programático de una herramienta de derechos redactada en losgabinetes gubernamentales de la política pública, pero con poca voluntad política de factibilidad; es necesario un enfoqueintercultural, en donde el contenido de los conceptos, su materialidad y radicalidad, y la posibilidad de negociación en elámbito internacional con otros actores (estados, organismos multilaterales, etc.), resultan fundamentales. Este es el granreto de la ECEPI para poder aproximarse a un diálogo intercultural.28 Cf. El magnífico artículo de Luis RODRÍgUEz-PIñEIRO, Luis (2006): “El sistema interamericano de derechos humanos ylos pueblos indígenas” en BERRAONDO, Mikel (coord.), Pueblos indígenas y derechos humanos, Universidad de Deusto,Bilbao, 2006, pp. 153-203; Isabel Madariaga, “Sistema Interamericano de derechos humanos, pueblos indígenas y derechode propiedad. Breves antecedentes” en Ch. COURTIS, Ch., HAUSER, D., RODRÍgUEz, g. (comps.) (2005): ProtecciónInternacional de Derechos Humanos. Nuevos desafíos, Ed. Porrúa, México, pp. 209-228.Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006 143


• El carácter colectivo de la propiedad indígena, que constituye eleje de interpretaci— n y vector de sentido de la sentencia de la CorteIDH en el caso de la Comunidad Mayagna (Sumo) awas tingni vs.Nicaragua. 29 La dimensión colectiva de los derechos irrumpe, desdela particularidad indígena, en la sentencia de un Tribunal Regionalde derechos humanos, como es el caso de la Corte IDH. Una finahermenéutica jurídica-intercultural en relación a este supuesto, loque se ha venido expresando como una interpretación evolutivadel derecho de propiedad, 30 permite inferir una dimensión colectivaen la manera de fundamentar y construir los derechos humanos,perspectiva que complementa la raquítica perspectiva individualistasazonada con los aromas y especias de la manera occidental deentender el mundo y la vida. Esta dimensión colectiva, en cuantoprincipio hermenéutico para comprender el código internacionalde los derechos humanos, otorga enormes pistas para la concreciónde esta dimensión –la colectividad de los derechos- en parajesculturales diferenciados, con sujetos distintos, y en situacionesgeopolíticas muy variadas. De esta sentencia se deriva toda unaontología colectiva de los derechos humanos que exige ser teorizadapor especialistas del derecho y de las ciencias socio-jur’dicas, parapoder deducir contenidos normativos concretos para situacionesespec’ficas, pero cambiantes.• La especial relación de los pueblos indígenas con sus tierras yterritorios, siendo esta ’ntima anudaci—n la que otorga sustantividadpropia a la identidad ind’gena. este principio arroja un instrumentalinteresant’simo para construir una dogm‡ tica intercultural de losderechos humanos. Inextricablemente asociado al principio anteriorÐl a dimensi—n colectiva de los derechos-, aqu’ se introduce elelemento de la territorialidad en un sentido corporal-colectivo,es decir, trascendiendo una dimensi—n patrimonialista, civilista y29 Sentencia de 31 de agosto 2001, serie C, nº 79.30 Esta interpretación evolutiva constituye uno de los saltos cualitativos en la creación de una nueva manera de comprender elDerecho, cuestión en la que venimos insistiendo, enconadamente, en todo el trabajo. Cf. Ibid., párrafo 148: “Mediante unainterpretación evolutiva de los instrumentos internacionales de protección de derechos humanos, tomando en cuenta lasnormas de interpretación aplicables y, de conformidad con el artículo 29.b de la Convención –que prohíbe una interpretaciónrestrictiva de los derechos-, esta Corte considera que el artículo 21 de la Convención protege el derecho a la propiedaden un sentido que comprende, entre otros, los derechos de los miembros de las comunidades indígenas en el marco de lapropiedad comunal, la cual también está reconocida en la Constitución política de Nicaragua”.144Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006


eductiva de la propiedad. Constituye, por tanto, el fundamentojur’dico de todas las ideas que hemos venido relatando en estetrabajo. territorialidad en cuanto corporalidad identitaria de lospueblos ind’genas, contenido inherente, a su vez, del derecho a lavida de los pueblos ind’genas. 31• El origen consuetudinario del derecho de propiedad comunalind’ gena, por contraste conflictivo con la intransigencia del derechopositivo occidental cuya carta de identidad viene precedida por laexigencia de formas escritur’sticas para poder considerar un derechocomo v‡ lido y leg’timo. Como la propia Corte IDH vuelve a recalcarÒ El derecho consuetudinario de los pueblos ind’ genas debe sertenido especialmente en cuenta, para los efectos que se trata. Comoproducto de la costumbre, la posesi—n de tierra deber’ a bastar paraque las comunidades ind’ genas que carezcan de un t’ tulo real sobrela propiedad de la tierra obtengan el reconocimiento oficial de dichapropiedad y el consiguiente registroÓ . 32• Los deberes del Estado en relación a la propiedad comunal indígena.el caso awas tingni vuelve a ser el rotor que distribuye el aguafresca para la creaci—n de nuevos derechos y deberes. en ese sentidoinsiste en la necesidad de garant’as efectivas para poder implementary llevar a buen tŽ rmino las radicales disposiciones que incorporala sentencia. para ello, apela a la necesidad de titulaci—n de lastierras indígenas, que aún siendo una exigencia propia del derechooccidental derivado de la instituci— n de la propiedad, constitu’a, ensu momento, una mediaci—n instrumental para poder otorgar carne,tendones y huesos al derecho de propiedad comunal ind’gena. Sinembargo, este principio, aunque ortodoxamente utilizado todav’aen esta sentencia, es decir, sin claras codas interculturales, exhibe31 Corte IDH, caso Yakya Axa, Op. Cit, párrafo 135. Como bien ha insistido Agamben, la corporlidad (individual o colectiva),la nuda vida o vida desnuda y desamparada, es lo que constituye el fundamento de la soberanía política en la Modernidad:“sólo la nuda vida es auténticamente política desde el punto de vista de la soberanía”. Considérese y profundícese estaperspectiva teniendo en cuenta todo el aplomo específico de la Colonialidad del Poder, no considerada por Agamben,pero que sin duda su análisis resulta valiosísimo para construir un pensamiento crítico compacto que tenga en cuenta lasrelaciones geopolíticas Norte-Sur, desde la perspectiva de la colonialidad. Homo Sacer. El poder soberano y la nuda vida,Pre-textos, valencia, 2003, p. 138. Un intento de profundización en lo previamente sugerido puede verse en Asier Martínezde Bringas, “Pueblos indígenas no contactados. una realidad emergente entre la memoria pisoteada y los derechos perdidos”en BERRAONDO, Mikel (Coord.) (2005): Pueblos no contactados ante el reto de los derechos humanos. Un camino deesperanza para los Tagaeri y Taromenani, Cicame & Cdes, Ecuador.32 Corte IDH, caso de la comunidad Mayagna (Sumo) Awas Tingni vs. Nicaragua, op. Cit, párrafo 151.Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006 145


una potencialidad que permite abrir corredores de vida en la angostamorfolog’a del derecho cl‡ sico. el hecho de incidir expresamente en laespecial responsabilidad del Estado, nos sitúa ante un nuevo plano degarant’as para los derechos, trascendiendo una comprensi—n estrechade las mismas que las reduce a garant’as jur’dicas, institucionaleso legales. 33 Permite además asirnos a una dimensión descentraday desubicada de las garantías sociales en el Derecho, como lasque puedan enunciarse desde la perspectiva de las comunidades ymovimientos indígenas. Es toda la cuestión de nuevas estrategiasde protección frente a nuevos derechos. Ello implica instaurar unanueva comprensión de la relación derechos-deberes, remitiéndonos,sincrónicamente, a una nueva consideración de las subjetividadesvíctimas(en este caso, los pueblos indígenas, pero deducible a otroscontextos y situaciones), así como a una nueva reformulación delos deberes públicos del Estado en la protección de los derechoshumanos. Este principio supone una revisión integral de las garantíasdel derecho desde nuevos fundamentos reformulados a partir delas consecuencias que se derivan de la revisión de las relacionesderechos-deberes.• El conflicto entre propiedad comunal indígena y derechos de terceros.esta es una cuesti—n complementaria del principio anterior, pero quedada su conflictividad real, exige un tratamiento espec’fico. es decir,el replanteamiento de la l—g ica de los derechos-deberes, a partirde la irrupci—n en escena de derechos ind’genas emergentes, exigere-pensar los diagramas en que Ž stos se expresan como consecuenciade la entrada en escena de nuevos actores. No s—l o es necesariopensar la relaci—n v’ctima-estado, desde un plano garantista, sino lapotencialidad que terceros tienen en el coraz—n de la globalizaci—nneoliberal de vulnerar derechos ind’genas en el epicentro de suspropios territorios. De nuevo, la territorialidad irrumpe como elalma de toda la corporalidad ind’gena. No s—l o otorga ontolog’a ala identidad, sino que constituye el elemento nuclear en la espinosacuesti—n de las multi-garant’as, en un ‡ mbito de confrontaci—n33 Para una profundización de los diferentes prismas y posibilidades que ofertan las garantías del Derecho, puede consultarse,PISARELLO, gerardo (2007): Los Derechos sociales y sus garantías. Elementos para una reconstrucción, Madrid, Trota;COURTIS, Christian (2007): Derechos sociales, ambientales y relaciones entre particulares. Nuevos horizontes, CuadernosDeusto de Derechos Humanos, nº 42, pp. 31-47.146Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006


intercultural tan polŽ mica como es la territorialidad ind’gena. Denuevo la Corte IDH vuelve a hacer una exhibici—n de creatividadjur’dica al llamar la atenci—n sobre la importancia que la territorialidadind’gena tiene en la conformaci—n, reproducci—n y desarrollo de lasubjetividad ind’gena. este especial bien, que es la territorialidad, sinel cual la identidad queda destazada, exige una protecci— n jur’dicacualificada. La Corte desarrolla una hermenŽ utica intercultural dela que se deduce la primac’a absoluta de la territorialidad en elcorpus de valores ind’genas. ello supone el desplazamiento de otrosbienes que puedan entrar en conflicto con la territorialidad ind’gena;con m‡ s motivo, si se trata de un bien como la propiedad privadade terceros. en este caso, la interpretaci—n intercultural no puedeigualar, otorgando el mismo estatus a la territorialidad ind’gena ya la propiedad (tierra) de terceros 34 . Lo que es consustancial paragarantizar el derecho a la vida de los pueblos indígenas, no guardael mismo grado de cualidad cuando se trata de terceros no-indígenas.Por tanto, lo que constituye un bien fundamental en uno de los ladosdel proceso cultural, no puede ser evaluado con el mismo grado eimportancia en el otro lado. Una analogía intercultural tal resultaríaprofundamente asimétrica, produciendo una quiebra importante entrelos diferentes procesos culturales en diálogo que se traduciría enviolación de derechos. Por ello, la Corte permite un desplazamientode los derechos de terceros cuando éstos entran en colisión conderechos fundamentales indígenas. a–ade, adem‡ s, que correspondeal estado establecer las garant’as pertinentes para proceder a unademarcaci—n titulada de los territorios ind’genas con el fin de ubicard—nde se produce la vulneraci—n, respecto a quŽ bienes, y cu‡ l esconcretamente el conflicto que se plantea. por tanto, la sentenciaincrementa la responsabilidad del estado, desplegada a partir dela l— gica de derechos-deberes, para poder garantizar derechosfundamentales ind’genas.• Extinción de los derechos de propiedad indígena. en este supuestose trata de proceder a una interpretaci— n intercultural de laprescriptibilidad de los derechos territoriales ind’genas, teniendo34 Cf. Caso Comunidad indígena Yakye Axa vs. Paraguay, op. Cit., párrafos 65 y ss, y 146-149; caso comunidad indígenaSawhoyamaxa vs. Paraguay, párrafos 153 y 164.Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006 147


en cuenta la existencia de múltiples actores en conflicto: pueblos,estados, terceros, personas jur’dicas, etc. De nuevo la Corte establececomo criterio matriz para interpretar la duraci—n de los derechosfundamentales (territoriales) ind’genas, todo el tiempo en queperdure y se mantenga su relación íntima y única con los territoriosque ocupan o hayan ocupado 35 . Este criterio fundante se despoja desu abstracción y considera que esa relación se mantiene siempre quese pueda fundamentar o alegar una praxis u usos ind’genas con finesculturales y espirituales. en estos supuestos, se da una prioridad de ladimensi—n socio-cultural de los pueblos ind’genas, que se materializaen el territorio y en todas las posibilidades que Ž ste abre. ello est‡s—l idamente ligado a nuevos derechos, puesto que la territorialidad,para ser esgrimida y ejercida, exige de un derecho político públicocomo es la autonom’a, que incluye la jurisdicci—n ind’gena sobrela territorialidad y el reconocimiento de los sistemas normativosind’genas. por ello, en caso de producirse una conculcaci—n delderecho a la territorialidad, Ž ste tiene prioridad incluso frente a lasdisposiciones de derecho interno que deber‡ n ceder en el supuestode conflicto de jurisdicciones, teniendo en cuenta el car‡ cterfundamental’simo que la territorialidad tiene para los pueblosind’genas. ello tambiŽ n es predicable si la desposesi—n ind’gena desus territorios se ha producido como consecuencia de la utilizaci—nde la fuerza por parte de terceros.35 Cf, Caso Comunidad Sawhoyamaxa vs. Paraguay, párrafo 131, entre otros.148Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006


part IIparte IIMEIO AMBIENTE DO TRABALHO E GREVE AMBIENTALSandro Nahmias Melo ................................................................151Considerações iniciais . ............................................................. 1521. Antropocentrismo e ciência jurídica .................................................. 1542. Greve ambiental ................................................................. 1603. Greves atípicas realizadas por trabalhadores. Constitucionalidade dos atos .................... 161SEGuRANçA AMBIENTAL NA REGIãO AMAzôNICASolange Teles da Silva | João Leonardo Mele. .............................................167Introdução ....................................................................... 1691. Região Amazônica e Segurança Ambiental ............................................. 1702. Espécies ameaçadas de extinção e resíduos perigosos. ................................... 1743. A polícia brasileira e sua atuação na Região Amazônica .................................. 1764. Programas de Segurança Ambiental: Guarda Ambiental Nacional e Corpo de Guarda-Parques . ..... 185Conclusões ...................................................................... 187Referências. ...................................................................... 189“IDEALISMO JuRíDICO” COMO OBSTáCuLO AO “DIREITO à CIDADE”: A NOçãO DE PLANEJAMENTOuRBANO E O DISCuRSO JuRíDICO AMBIENTALJoaquim Shiraishi Neto | Rosirene Martins Lima ...........................................191Introdução ....................................................................... 1921. O Planejamento urbano . .......................................................... 1942. O Direito Ambiental . ............................................................. 196Considerações Finais . .............................................................. 198Referências. ...................................................................... 199DESENVOLVIMENTO SuSTENTáVEL EM uNIDADES DE CONSERVAçãO:Evelinn Flores de Oliveira | Serguei Aily Franco de Camargo ..................................203Introdução ....................................................................... 2051. Material e métodos .............................................................. 2062. Resultados e discussão . .......................................................... 210Conclusões. ...................................................................... 219Referências. ...................................................................... 220PROPOSTAS PARA O MONITORAMENTO DE ACORDOS DE PESCA NO MéDIO AMAzONASRegina Glória Pinheiro Cerdeira | Serguei Aily Franco de Camargo .............................223Introdução ....................................................................... 2251. Acordos de pesca: uma aproximação do conceito ....................................... 2262. A propriedade dos recursos pesqueiros e ambientes de pesca .............................. 2273. Conflitos de pesca ............................................................... 2294. Gestão Participativa da Pesca ...................................................... 2325. Monitoramento dos Acordos de Pesca ................................................ 2346. Medidas para monitorar os acordos de pesca. .......................................... 2357. Medidas para aperfeiçoar os acordos de pesca. ......................................... 236Referências. ...................................................................... 237


LABOR ENVIRONMENT AND ENVIRONMENTAL STRIKESandro Nahmias MeloMeIO aMBIeNte DO traBaLHO eGreVe aMBIeNtaLSandro Nahmias Melo *Sum‡r io: Considera• ›e s iniciais; 1. antropocentrismo e ci• ncia jur’dica; 2. Greve ambiental;3. Greves at’picas realizadas por trabalhadores.Resumo: Neste artigo, pretende-se apresentare discutir a tem‡ tica saœde no ambiente dotrabalho com • nfase na rela• ‹ o entre capital,meio ambiente e saœ de. O objetivo Ž evidenciara import‰ ncia da prote• ‹ o do meio ambientedo trabalho, como direito fundamental dequalquer trabalhador, buscando garantira saœde ocupacional. Se o referido direitofundamental n‹ o for observado, no caso desitua• ›e s ambientais potencialmente perigosasˆ saœ de ocupacional, qualquer trabalhadorpode legalmente recusar a trabalhar nestascondi• ›e s: uma greve ambiental.Palavras-chave: Saœ de ambiental; meioambiente, meio ambiente do trabalho saud‡ vel;greve ambiental.Abstract: this paper presents and discussesthe subject of environmental labor with specialemphasis to the relation between production,environment and health.the objetive isclarify the importance of protectig the laborenvironment, considered as human right ofany worker, seeking to respect and guaranteethe occupational health. If this human rightis not respected, in case of environmentalsituations potencially harmful to occupationalhealth, any worker can legaly refuse to workin such conditions: an environmental strike.Keywords: environmental Health;environment; environmental labor health;environmental strike.* Doutor em Direito pela PuC-SP. Professor do Programa de Pós-Graduação em Direito Ambiental da universidade do Estadodo Amazonas - uEA. Juiz do Trabalho Titular (11ª. Região).Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006 151


CONSIDERAçõES INICIAISInstigado pelo oportuno tema do XIV CONaMat Ò O homem, otrabalho e o meio Ð uma vis‹o jur’ dica e sociol—gi caÓ, bem como pelos ricosdebates empreendidos ao longo dos anos em que tenho atuado como professordo programa de p—s -gradua• ‹ o em Direito ambiental da Universidade doestado do amazonas (Uea), decidi, alŽ m de discorrer sobre greve ambiental,enfrentar algumas quest›e s controvertidas no estudo do que, atualmente, seconvencionou denominar Direito ambiental do trabalho. 1Apesar de superada a aridez inicial de trabalhos jurídicos que discorressemsobre o tema meio ambiente do trabalho, o significativo número de obrashoje existentes sobre o assunto, 2 em sua maioria, não enfrenta uma questãocomplexa: O meio ambiente do trabalho está vinculado, em sua essência,ao Direito do Trabalho ou ao Direito Ambiental? A tendência de algumasabordagens é limitar o tratamento da matéria como subtema do Direito doTrabalho. A questão, todavia, não me parece tão simples.Paulo de Bessa Antunes, a<strong>pós</strong> suscitar o mesmo questionamento supra,afirma que “não é possível o enquadramento do direito ambiental dentro deum modelo ‘quadrado’ que reparte o direito em diferentes departamentosestanques e que, a partir de tal compartimentarização, define campos para aincidência desta ou daquela norma”. 31 Cf. Guilherme José Purvin de Figueiredo. Direito ambiental e a saúde dos trabalhadores, LTr, 2ª., 2007 e Júlio César Sá daRocha. Direito ambiental do trabalho, LTr, 2002.2 Além da obra Meio Ambiente do Trabalho: Direito Fundamental, LTr, 2001, de minha autoria, cito as obras de: Julio Cesarde Sá da Rocha, Direito ambiental e meio ambiente do trabalho, LTr, 1997 e, do mesmo autor, Direito ambiental do trabalho,LTr, 2002; Guilherme José Purvin de Figueiredo, Direito ambiental e a saúde dos trabalhadores, LTr, 2000, (já na 2ª. ed.2007); João José Sady, Direito do meio ambiente do trabalho, LTr, 2000; Liliana Allodi Rossit. O meio ambiente de trabalhono direito ambiental brasileiro; LTr, 2001; Sidnei Machado. O direito à proteção ao meio ambiente de trabalho no Brasil, LTr,2001; Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho. Meio ambiente do trabalho, LTr, 2002; Norma Sueli Padilha. Domeio ambiente do trabalho, LTr, 2002; Raimundo Simão de Melo. Direito ambiental do trabalho e a saúde do trabalhador,LTr, 2004.3 Meio ambiente do trabalho. Revista de Direitos Difusos set/out 2002, p. 1977.152Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006


A relevância desta discussão sobreleva-se quando considerado querenomados ambientalistas sequer entendem como cientificamente adequadoo estudo do meio ambiente em “aspectos”, notadamente: o meio ambientenatural, o artificial, cultural e do trabalho, conforme pontificado por JoséAfonso da Silva. 4Neste sentido Cristiane Derani observa que “na medida em que ohomem integra a natureza e, dentro do seu meio social, transforma-a, nãohá como referir-se à atividade humana sem englobar a natureza, cultura,conseqüentemente sociedade. Toda relação humana é uma relação natural, todarelação com a natureza é uma relação social”. 5Guilherme José Purvin de Figueiredo, por seu turno, defende que nãofaz sentido a dicotomia meio ambiente natural x artificial quando tratamos demeio ambiente do trabalho. “É necessário realizar a conjunção do elementoespacial (local de trabalho) com o fator ato de trabalhar. Dentro dos estreitoslimites daquela dicotomia, este novo elemento diferenciador não encontraexclusividade em qualquer das duas áreas”. 6Ressalta-se que o meio ambiente, em todas as suas nuanças, é uno eindivisível, não admitindo compartimentação. Não se sustenta, portanto, adivisão do meio ambiente em subespécies ou classes, sob pena de admitir-seque as ações humanas, de qualquer natureza, incidentes sobre determinadoASPECTO do meio ambiente, não tenham, necessariamente, qualquerrepercussão sobre os demais aspectos do mesmo.Cumpre evidenciar que o estudo do meio ambiente em aspectos temfinalidade meramente didática, como reconhecido por Guilherme Purvin 7 eCelso Antonio Fiorillo. 8O estudo do meio ambiente em aspectos facilita a visualização dobem imediatamente tutelado, tal como acontece com uma parte do corpohumano (membros, ossos, órgãos...) sob um microscópio. O estudo daquela4 “I – meio ambiente artificial, constituído pelo espaço urbano construído, consubstanciado no conjunto de edificações(espaço urbano fechado) e dos equipamentos públicos (ruas, praças, áreas verdes, espaços livres em geral: espaço urbanoaberto); II – meio ambiente cultural, integrado pelo patrimônio histórico, artístico, arqueológico, paisagístico, turístico, que,embora artificial, em regra, como obra do homem, difere do anterior (que também é cultural) pelo sentido de valor especialque adquiriu ou se impregnou; III – meio ambiente natural, ou físico, constituído pelo solo, a água, o ar atmosférico, a flora,enfim, pela interação dos seres vivos e seu meio, onde se dá a correlação recíproca entre as espécies e as relações destascom o ambiente físico que ocupam”. José A. da Silva, Direito ambiental constitucional, p. 3.5 Direito ambiental econômico. Max Limonad, 1997, pp. 149-50.6 Direito ambiental e saúde dos trabalhadores. LTr, 2007, p.42.7 Op. cit, p. 39.8 Celso Antonio Pacheco Fiorillo e Marcelo Abelha Rodrigues, Manual de direito ambiental e legislação aplicável , MaxLimonad, 1999, p.26Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006 153


parte integrante de um todo, como se faz na medicina, torna-se-á mais claroe didático. Os problemas daquela área em estudo ficarão evidenciados, o quenão quer dizer que a mesma deixou de ter ligação direta com as demais áreasdo corpo, em uma verdadeira e contínua troca de energias.Feitas estas considerações, entendo que o direito do trabalho e o direitoambiental não só se interceptam, quando tratamos de meio ambiente dotrabalho, como comportam, com relação ao seu destinatário final – o homem–, objetivos símiles. Buscam ambos a melhoria do bem-estar do homemtrabalhadore a estabilidade do processo produtivo. O que os diferencia é aabordagem dos diferentes textos normativos que os integram.Assim, admitido o Direito Ambiental – sem excluir o Direito do Trabalho– como referência para análise de questões atinentes ao meio ambiente dotrabalho, cabe uma indagação. A quem se destinam as normas ambientais? Atutela legal do meio ambiente destina-se a proteger o homem ou a natureza?As respostas a estas indagações podem variar segundo a visão ou teoriaescolhida para estudar o tema, com destaque para as teorias antropocentrista eecocentrista.1. ANTROPOCENTRISMO E CIêNCIA JuRíDICAComo adverte, com propriedade, Julio Cesar Sá da Rocha “a discussãosobre a gênese do direito ambiental pode ser mais bem compreendida, quandose nota que concepções e pensamentos filosóficos fundam essa disciplinajurírica”. 9Se adotada a corrente filosófica denominada ecocentrismo como linhamestra do Direito Ambiental, torna-se, ao meu ver, insólito e infértil o estudo,ainda que meramente didático, do meio ambiente do trabalho. Note-se que, nomeio ambiente do trabalho, os interesses do homem (trabalhador) prevalecemsobre o ecológico e o econômico.No ecocentrismo, os “partidários de um fundamentalismo ecológico”, naexpressão de Miguel Reale, entendem que “o homem deve ser encarado ‘comoum ser vivo como outro qualquer’ sendo o ecológico o ‘valor absoluto’ ”. 10Julio Cesar de Sá da Rocha esclarece que “o ecocentrismo consubstanciase,dentre outros parâmetros filosóficos, pela ecologia profunda. Note-se que9 Direito ambiental do trabalho. LTr, 2002, p. 77.10 Miguel Reale. Em defesa dos valores humanísticos. Estado de S. Paulo de 13.03.04. Seção Espaço aberto.154Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006


se entende que o ser humano constitui parte integrante do mundo natural. Oselementos da natureza (mundo não-humano), como, por exemplo, animais,plantas, possuem igual importância e direitos”. 11Como já exposto, não me parece razoável a adoção do ecocentrismo noDireito Ambiental. Note-se que os seres não humanos são incapazes de exercerdeveres ou de reivindicar direitos de forma direta. Embora ordenamentojurídico brasileiro lhes atribua uma série de “direitos”. O ordenamento jurídicoé fruto de criação humana tendo como destinatário principal o homem.Como afirma Julio César Sá da Rocha “tutelam-se, juridicamente, afauna, a flora as florestas e os demais recursos naturais em razão do próprioser humano por diferenciadas razões e justificativas”. 12 Em síntese, o meioambiente deve ser preservado na medida em que o ser humano depende dosrecursos naturais. Quando o homem passa a ser prioridade na questão ambientaltemos em aplicação o antropocentrismo.Miguel Reale defende que há necessidade “de se reconhecer que oecológico não é um valor absoluto, porquanto a preservação do meio ambienteé exercida em função da vida humana, ou por outras palavras, da ‘pessoahumana’, a qual representa o valor-fonte de todos os valores. A ecologiasubordina-se assim, à Antropologia, o que o Ministério Público não raroesquece, perpetrando erros que bloqueiam iniciativas do maior alcance sociale existencial”. 13Registre-se que o legislador constituinte, no caput do art. 225, ao usara expressão sadia qualidade de vida, optou por estabelecer dois sujeitos detutela ambiental: “um imediato, que é a qualidade do meio ambiente, e outromediato, que é a saúde, o bem-estar e a segurança da população, que se vêmsintetizando na expressão da qualidade de vida”. 14 A saúde mencionada é a doser humano.Cristiane Derani, com fineza de pensamento, conclui que “isto significaque o tratamento legal destinado ao meio ambiente permanece necessariamentenuma visão antropocêntrica porque esta visão está no cerne do conceitode meio ambiente” e arremata asseverando que “as normas ambientais são11 Op. cit., p.7912 Direito ambiental do trabalho, LTr, 2004, p. 79.13 Primado dos valores antropológicos. Estado de S. Paulo de 28.02.2004, Seção Espaço Aberto.14 Celso Antonio Pacheco Fiorillo e Marcelo Abelha Rodrigues, Manual de direito ambiental e legislação aplicável , MaxLimonad, 1999, p. 54.Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006 155


essencialmente voltadas a uma relação social e não a uma ‘assistência’ ànatureza”. 15Assim sendo, se o meio ambiente que a Constituição Federal quer verpreservado é aquele ecologicamente equilibrado, bem como de uso comum dopovo e essencial à sadia qualidade de vida (art. 225, caput), então o homem,a natureza que o cerca, a localidade em que vive, o local onde trabalha, nãopodem ser considerados como compartimentos fechados, senão como “átomosde vida”, integrados na grande molécula que se pode denominar de “existênciadigna”. Rodolfo Mancuso esclarece que:1.1 Conceito“o ‘conceito holístico de meio ambiente’ não se compadece comsituações em que os recursos naturais venham (muito justamente)preservados, mas sem que o ser humano ali radicado seja objetode iguais cuidados, como quando se vê constrangido a trabalharem condições subumanas, perigosas, insalubres, degradantes,excessivamente estressantes ou ainda percebendo remuneraçãoirrisória, contrariando a sabedoria popular de que ‘o trabalho émeio de vida e não de morte...”. 16repito aqui as observa• ›e s feitas, sobre o tema, na obra Ò Meio ambientedo trabalho: direito fundamentalÓ.Inicio com a li• ‹ o de amauri Mascaro Nascimento, ao asseverar que:Ò O meio ambiente do trabalho Ž , exatamente, o complexo m‡qui natrabalho:as edifica• ›e s do estabelecimento, equipamentos de15 Cristiane Derani. Direito ambiental econômico. Max Limonad, 1997, p.71. A idéia antropocêntrica, ressalte-se, não édefendida apenas por pesquisadores da ciência jurídica. Neste sentido, o Diretor do INPA (Instituto Nacional de Pesquisasda Amazônia), Pesquisador Adalberto Luiz Val, PhD em Biologia de água doce e pesca interior, entende que o meio ambienteprecisa ser trabalhado como meio de garantir o desenvolvimento do país, o que não pode ocorrer sem projetos ambientaisvoltados à inclusão social. «O objetivo final da ciência é viabilizar a inclusão social. Não adianta ter essa floresta lindíssima,ter essa diversidade de peixes e ficar protegendo, com o nosso povo passando fome, vivendo mal, não tendo acesso à energiaelétrica e a outras benesses da tecnologia. Todo mundo quer ver uma bela televisão, todo mundo quer ter um processo decomunicação rápido. Agora, a gente só pode viabilizar isso por meio da inclusão social, a partir da disponibilidade paraessa sociedade de meios produtivos. Se o caboclo não tiver uma forma de se envolver com a questão, ele vai continuardesmatando, destruindo e poluindo. é preciso ampliar as informações utilizando áreas que já estão degradadas no sistemapara gerar novos produtos na região, em vez de desmatar novas áreas. ». Revista Amazônia Viva, nov/dez 2007, ano I, n. 0,Editora Vinte um, p. 816 Rodolfo de Camargo Mancuso, Ação civil pública trabalhista: análise de alguns pontos controvertidos, In Revista doMinistério Público do Trabalho. Ano VI. Brasília: LTr, setembro/1996 p.57.156Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006


prote• ‹o individual, ilumina• ‹o , conforto tŽ rmico, instala• ›e selŽ tricas, condi• › es de salubridade ou insalubridade, depericulosidade ou n‹o, meios de preven• ‹o ˆ fadiga, outrasmedidas de prote• ‹ o ao trabalhador, jornadas de trabalhoe horas extras, intervalos, descansos, fŽ rias, movimenta• ‹o,armazenagem e manuseio de materiais que formam o conjunto decondi• ›e s de trabalho etc.Ó . 17O conceito supratranscrito, entretanto, privilegia uma expressão queculmina por nublar a verdadeira extensão do sentido do meio ambiente dotrabalho, notadamente: “as edificações do estabelecimento”.Acompanhando-se o sentido do conceito apresentado, imperiosa sefaz uma indagação: Será que o meio ambiente de trabalho só é caracterizáveldentro das instalações de uma empresa, estando limitados a esta os prováveisdanos à saúde do trabalhador e ao meio ambiente como um todo? Parece-nosser negativa a resposta.Cumpre ressaltar, desde logo, que o meio ambiente de trabalho n‹ oest‡ adstrito ˆ s Ò edifica• ›e s do estabelecimentoÓ, como aponta, inicialmente,amauri Mascaro. Muitos trabalhadores exercem suas atividades em localdistinto das edifica• ›e s da empresa. tomemos o exemplo dos condutores detransportes coletivos urbanos (ni bus, metr, trem), dos pilotos de aeronavese dos eletricit‡ rios que atuam, em vias pœ blicas, na manuten• ‹ o de redeselŽ tricas, apenas para referirmos alguns.Neste mesmo sentido observa, com acuidade, Julio Cesar S‡ da rocha:Ò ƒ poss’vel conceituar o meio ambiente do trabalho como aambi• ncia na qual se desenvolvem as atividades do trabalhohumano. N‹o se limita ao empregado; todo o trabalhador quecede a sua m‹o- de-obra exerce sua atividade em um ambientede trabalho. Diante das modifica• ›e s por que passa o trabalho,o meio ambiente laboral n‹o se restringe ao espa• o internoda f‡b rica ou da empresa, mas se estende ao pr—pr io local demoradia ou ambiente urbanoÓ18(grifamos).17 Amauri Mascaro Nascimento. A defesa processual do meio ambiente do trabalho, In Revista LTr. Vol 63, nº 5, maio de 1999,p.584.18 Júlio César de Sá da Rocha. Direito ambiental e meio Ambiente do trabalho, LTr, 1997, p. 30.Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006 157


Em uma análise ampla podem ser destacados vários fatores queinterferem no bem-estar do empregado. Não só o posto de trabalho, mas tudoque está a sua volta: o ambiente de trabalho. “E não é só o ambiente físico,mas todo o complexo de relações humanas na empresa, a forma de organizaçãodo trabalho, sua duração, os ritmos os turnos, os critérios de remuneração, aspossibilidades de progresso, a satisfação dos trabalhadores etc.”. 19Franco Giampietro que, inclusive, tem definição endossada por JoséAfonso da Silva, 20 declara que:Ò LÕ ambiente di lavoro come complesso di beni immobili e mobilidi pertinenza di unÔ impresa o di una societˆ, eppertanto comeoggeto di diritti soggettivi privati, nonchŽ i diritti inviolabili dellasalute e dellÕ integritˆ fisica dei lavoratori, che lo frenquentano,possono, peraltro, essere aggrediti e lesi da attivitˆ inquinante,proveniente da altra azienda o da insediamento civile di terziÓ . 21Destaque-se que este “complexo”, citado por Giampietro, pode seragredido e lesado tanto por fontes poluidoras externas como internas,provenientes de outras empresas ou de outros estabelecimentos civis deterceiros, trazendo à tona a questão da responsabilidade pelo dano, 22 que nãoserá abordada no presente trabalho dada à limitação temática proposta para omesmo e imprescindível para um estudo que se propõe científico. 23Dando corpo à defesa da tese de interligação entre os aspectos do meioambiente, temos a abalizada lição de José Afonso da Silva:19 Sebastião Geraldo de Oliveira. Proteção jurídica à saúde do trabalhador, LTr, 1998, p. 82.20 Direito ambiental constitucional. Malheiros, 1995, p. 5.21 “O meio ambiente do trabalho é o complexo de bens imóveis e móveis pertencentes a uma empresa ou de uma sociedade,objeto de direitos subjetivos privados, e de direitos invioláveis da saúde e da integridade física dos trabalhadores, que ofreqüentam” Franco Giampietro, La responsabilità per danno all‘ambiente – profili amministrativi, civili e penali, p. 113.22 A responsabilidade pelo dano ambiental é norteada pela Teoria da Responsabilidade Objetiva. A Lei de Política Nacional deMeio Ambiente (Lei n. 6.938/81) estabeleceu a responsabilidade objetiva ao poluidor que prescinde da existência de culpapara reparar o dano ambiental. Segundo Júlio Cesar de Sá da Rocha – Direito ambiental e meio ambiente do trabalho, p. 66– “da mesma forma, é irrelevante a licitude da atividade e não há que se falar em qualquer excludente de responsabilidade.O poluidor deve assumir o risco integral de sua atividade. Ademais, a própria Constituição Federal (art. 225, § 3º) não exigeconduta alguma para a responsabilidade do dano ambiental. Ocorrendo o dano, é necessário que se repare a lesão ao bemambiental tutelado”.23 Luiz Antonio Rizzato Nunes, em seu Manual da monografia jurídica, Saraiva, 1997, (pp. 5-14), elenca sete regras emque se deve pautar a escolha do tema de uma obra jurídica, dentre as quais destaca-se a necessidade de limitação dotema, esclarecendo o autor que “o tema levado ao máximo de redução permite uma concentração da pesquisa e umaprofundamento de seu conteúdo” (p.8).158Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006


“A proteção de segurança do meio ambiente de trabalho significaproteção do meio ambiente e da saúde das populações externasaos estabelecimentos industriais, já que um meio ambiente internopoluído e inseguro expele poluição e insegurança externa”. 24Completa e, por isso, parece-nos mais adequada, Ž a defini• ‹ o dada porrodolfo de Camargo Mancuso ao apontar o meio ambiente do trabalho comoÒ habitat laboral, isto Ž , tudo que envolve e condiciona, direta e indiretamente,o local onde o homem obtŽ m os meios para prover o quanto necess‡ rio paraa sua sobreviv• ncia e desenvolvimento, em equil’brio com o ecossistemaÓ.e arremata o autor, declarando que Ò a ôcontrario sensuÕ , portanto, quandoaquele ôhabitatÕ se revele inidne o a assegurar as condi• ›e s m’nimas parauma razo‡ vel qualidade de vida do trabalhador, a’ se ter‡ uma les‹ o ao meioambiente do trabalhoÓ. 25Por todo o exposto, em nível doutrinário, já parece estar assegurada aautonomia conceitual do meio ambiente do trabalho, ou seja, o “habitat laboral”no qual o trabalhador deve encontrar meios com os quais há de prover a suaexistência digna, proclamada por nossa Carta Magna (art. 1º, III). Cumpreressaltar, todavia, uma vez mais, utilizando as palavras de Simone Louro, que“a concepção de meio ambiente do trabalho não pode ficar restrita a relaçãoobrigacional, nem ao limite físico da fábrica, já que saúde é tópico de direitode massa e o meio ambiente equilibrado, essencial à sadia qualidade de vida, édireito constitucionalmente garantido”. 2624 José Afonso da Silva, Direito ambiental constitucional, Malheiros, 1995, p.5.25 A ação civil pública trabalhista: análise de alguns pontos controvertidos, In Revista do Ministério Público do Trabalho. AnoVI. Brasília: LTr, setembro/1996, p. 59. Nesta mesma página, o autor obtempera que o meio ambiente do trabalho há deser assegurado de três maneiras: “a) numa instância primária, pelo próprio obreiro, quando ele mesmo obtém e manejaos instrumentos adequados à sua atividade, organiza seu local de trabalho, enfim, provê por conta própria os meios pelosquais pretende levar a bom termo seu empreendimento: trabalhador autônomo, o profissional liberal, o hoje chamado‘microempresário’, o homem de negócios; b) num outro plano, a implementação do adequado ‘meio ambiente do trabalho’passa a depender de atividade alheia, seja o dono da obra, o empresário que, auferindo a vantagem do negócio deve arcarcom o ônus correspondente (os chamados ‘custos sociais’ da mão-de-obra), seja o próprio Sindicato, enquanto entidadeencarregada da defesa e representação institucional de uma certa categoria laboral; seja, enfim, o Estado-fiscalizador, atravésde seus órgãos voltados à segurança e higiene do trabalho; c) numa instância substitutiva ou supletiva, o meio ambientelaboral haverá de ser assegurado, impositivamente, pela Justiça do Trabalho, quando no exercício da jurisdição coletiva emsentido largo, ou ainda no âmbito de seu poder normativo (dissídios coletivos, ‘ações de cumprimento’), estabelece novascondições para o exercício do trabalho de certas ‘categorias’”.26 Simone Fritschy Louro. Mandado de segurança coletivo e o meio ambiente do trabalho. Monografia do Curso de direitoambiental II, PuC-SP, 1995, p. 31 apud Celso Antonio Pacheco Fiorillo, Manual de direito ambiental e legislação aplicável,pp. 66-67.Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006 159


2. GREVE AMBIENTALComo lembra Orlando teixeira da Costa, Ò o mundo jur’dico vive emdescompasso com a realidade social: ou porque h‡ situa• ›e s que ainda n‹ os‹ o regulamentadas pelo direito escrito ou porque, havendo a Lei dispostoa respeito de certas rela• ›e s, n‹ o chegou ela, ainda, a se impor a todos osquadrantes da sociedadeÓ. 27A manutenção do equilíbrio do meio ambiente de trabalho é um direitofundamental de todo trabalhador – não apenas dos empregados – e, só através desua efetivação, pode ser alcançada a “sadia qualidade de vida” mencionada nocaput do art. 225 da Constituição Federal. Tal direito é tutelado expressamenteno inciso VIII, art. 200, de nossa Carta Magna, em seção que trata do direito àsaúde (Título VIII, Capítulo II). São inúmeras as normas infraconstitucionaisem nosso ordenamento jurídico que visam proteger a saúde do trabalhador emseu “habitat laboral”.Mas o que fazer se o direito à sadia qualidade de vida não é observado nomeio ambiente do trabalho? Mais, o que fazer quando há grave risco iminenteà incolumidade física e psíquica dos obreiros? É claro que há uma série deações individuais e coletivas à disposição de legitimados ativos específicos quebuscam fazer valer o referido direito fundamental, vg. a ação civil pública.Todavia, determinadas situações, pela iminência e gravidade do risco,demandam uma ação mais célere. É a aplicação do princípio ambiental daprecaução. Note-se que os danos infligidos ao meio ambiente, aí incluído omeio ambiente do trabalho, são, em sua grande maioria, de difícil ou impossívelreparação.Nestas situações o jus resistentiae pode se materializar em leg’timaabsten• ‹ o ao trabalho enquanto perdurarem as condi• ›e s nocivas ao trabalho:uma greve ambiental.2.1 Conceitos e CaracterísticasN‹ o h‡ previs‹ o legal espec’fica para o conceito de greve ambiental.todavia o direito formalmente fundamental ˆ greve, previsto na Constitui• ‹ oda repœbl ica n‹ o pode, segundo princ’pios de hermen• utica b‡ sica, serinterpretado de forma restritiva.27 O direito do trabalho na sociedade moderna, LTr, 1998, p.28.160Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006


Neste sentido, o Enunciado n. 6 aprovado Na 1» JOrNaDa DeDIreItO MaterIaL e prOCeSSUaL Na JUStI‚ a DO traBaLHO(tSt, Bras’lia, 23/11/2007) conclui, verbis:3. GREVES ATíPICAS REALIzADAS POR TRABALHADORES.CONSTITuCIONALIDADE DOS ATOSN‹ o h‡ , no texto constitucional, previs‹ o reducionista do direito degreve, de modo que todo e qualquer ato dela decorrente est‡ garantido, salvoos abusos. a Constitui• ‹ o da repœbl ica contempla a greve at’pica, ao fazerrefer• ncia ˆ liberdade conferida aos trabalhadores para deliberarem acerca daoportunidade da manifesta• ‹ o e dos interesses a serem defendidos.a greve n‹ o se esgota com a paralisa• ‹ o das atividades, eis que envolvea organiza• ‹ o do evento, os piquetes, bem como a defesa de bandeiras maisamplas ligadas ˆ democracia e ˆ justi• a social.encontramos, na doutrina p‡ tria, o conceito, lapidado por Celso antni opacheco Fiorillo, definindo a greve como instrumento constitucional deautodefesa conferido ao empregado, a fim de que possa reclamar a salubridadedo seu meio ambiente do trabalho e, portanto, garantir o direito ˆ saœde . 28Guilherme José Purvin de Figueiredo esclarece, ainda, que “essaparalisação tem uma íntima relação com a vida do trabalhador, mas nãonecessariamente com o Direito Privado. Mais uma vez, vislumbra-se aqui amaior amplitude dos horizontes do Direito ambiental, que dispõe sobre a tutelada vida do ser humano e não sobre a natureza jurídica das relações entre partesenvolvidas no processo econômico de produção de bens e serviços”. 29Merece registro, ainda, o conceito cunhado por Raimundo Simãode Melo, ao indicar a greve ambiental como “a paralisação coletiva ouindividual, temporária, parcial ou total da prestação de trabalho a um tomadorde serviços, qualquer que seja a relação de trabalho, com finalidade depreservar e defender o meio ambiente do trabalho de quaisquer agressões quepossam prejudicar a segurança, a saúde e a integridade física e psíquica dotrabalhador” 30 (grifou-se).28 Curso de direito ambiental brasileiro, Saraiva. 2000, p.213.29 Direito ambiental e saúde dos trabalhadores, LTr, 2007, pp.191-192.30 Direito ambiental do trabalho e a saúde do trabalhador, LTr. 2004, p. 99.Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006 161


Cumpre aqui destacar que o direito à “sadia qualidade de vida” insculpidono art. 225 da Constituição da República não está limitado, como bem observadopor Simão de Melo, ao aspecto da saúde física. A saúde constitucionalmentetutelada refere-se a “um estado completo de bem-estar físico, mental esocial, e não somente a ausência de doença ou enfermidade”. 31Ante o exposto, a mera observância de normas de ergonomia,luminosidade, duração de jornada de trabalho, previstas em lei, não autoriza– por si só – a conclusão por higidez no meio ambiente do trabalho. Umtrabalho realizado em condições extremas, estressantes poderá ser tão ou maisdanoso ao meio ambiente do trabalho que o labor realizado em condições depotencial perigo físico. O dano à saúde psíquica – por suas peculiaridades –dificilmente tem seu perigo imediato identificado o que, todavia, não subtraio direito do empregado a se insurgir contra práticas que sejam danosas à suasaúde psíquica.Temos inúmeros casos de assédio moral que, hodiernamente, tornaramsede freqüente análise pelo Judiciário Trabalhista. O problema maior,todavia, reside no fato de que – como é comum – o Poder Judiciário sótoma conhecimento da agressão quando o dano de difícil ou impossívelreversibilidade já foi perpetrado.A título de exemplo, seria legítima a paralisação de um grupo detrabalhadores, buscando melhorias nas condições de trabalho, de uma empresaestrangeira – instalada no Brasil - que aplica aos seus empregados as técnicasde “incentivo ao trabalho” habituais do seu país de origem, tais como:humilhação pública dos empregados que não atingem metas; truculência verbalpor parte de todos os chefes com seus subordinados; discriminação dos chefesde setor brasileiros em detrimento dos chefes estrangeiros de igual hierarquia?A resposta a esta questão me parece positiva.3.1 Tutela JurídicaA lacuna de norma infraconstitucional específica não pode constituiróbice ao exercício do direito de greve ambiental. Note-se que o próprio art. 8ºda CLT dispõe que as lacunas normativas poderão ser integradas, conformeo caso, pela jurisprudência, por analogia, por eqüidade e outros princípios e31 Conceito de Saúde estabelecido pela Organização Mundial de Saúde – OMS. Cf. Comissão Nacional de Reforma Sanitária.Relatório final da 8ª. Conferência Nacional de Saúde de 1986. Documento I, p. 13.162Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006


normas gerais de direito, principalmente do direito do trabalho, e, ainda, deacordo com os usos e costumes, o direito comparado.Apesar da consideração supra, o exercício do direito de greveambiental encontra guarida no ordenamento jurídico pátrio. Além da próprianorma constitucional (art. 225), outras normas infraconstitucionais tutelamjuridicamente a greve ambiental.A Convenção n. 155 da OIT foi aprovada no Brasil pelo DecretoLegislativo nº 2/92 e ratificada em 18 de maio de 1992, entrando em vigorum ano a<strong>pós</strong>, em 18 de maio de 1993. A Convenção 155 foi promulgada peloDecreto nº 1.254/94. Assim, a<strong>pós</strong> a ratificação a referida convenção passou aintegrar o direito positivo do Estado brasileiro.É o art. 13 da Convenção n. 155 da OIT que confere ao empregado odireito de interromper uma situação de trabalho por considerar, por motivosrazoáveis, que ela envolva um perigo iminente e grave para a sua vida ou suasaúde. Note-se que o exercício de tal direito não pode sofrer qualquer puniçãopor parte do trabalhador. Enfatiza ainda a Convenção, em seu art. 21, quenenhuma providência na área de segurança ou higiene do trabalho poderáimplicar ônus financeiro para os trabalhadores.O art. 19, f, da Convenção 155 estabelece também a obrigação dostrabalhadores de cooperar no cumprimento das normas de segurança e saúdeestabelecidas pelos empregadores, devendo comunicar ao superior hierárquicoqualquer situação que envolva um perigo iminente e grave.A Constituição do Estado de Rondônia, de 29 de setembro de 1989, (art.236, inciso I) declara que “o direito à saúde implica em condições dignas detrabalho, saneamento, moradia, alimentação, transporte e lazer”.Todavia a grande inovação desta Constituição encontra-se em seuart. 244, inciso III, que assegura aos trabalhadores o direito de “recusa aotrabalho em ambiente insalubre ou perigoso, ou que represente graves eiminentes riscos à saúde quando não adotadas medidas de eliminação ouproteção contra eles, assegurada a permanência no emprego”.O Código de Saúde Paulista (LC 791/95), repetindo a Constituição doEstado de São Paulo, prevê a paralisação das atividades em razão de graverisco ambiental (parágrafo primeiro, art. 35), verbis:Ò Em condi• ›e s de risco grave e iminente no local de trabalho,ser‡ l’cito ao empregado interromper suas atividades, sempreju’zo de quaisquer direitos, atŽ a elimina• ‹o do riscoÓ.Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006 163


O exercício do direito à greve ambiental, por derradeiro, tem obtido,inclusive, reconhecimento judicial:RESUMO DO ACÓRDÃO: Não podemos acolher as alegações dasuscitante, no sentido de declarar a greve abusiva, ainda que a normaque disciplina o exercício do direito de greve não tivesse sido cumpridaliteralmente. Ocorre que a paralisação coletiva do trabalho é um fenômenotipicamente social, e a sua deflagração pode decorrer de circunstâncias tais que,sob o aspecto formal, o descumprimento da norma não implica em sua violaçãoa ponto de permitir que se declare abusivo o movimento. A farta documentaçãoapresentada pelo suscitado torna evidente que qualquer negociação préviafoi frustrada pela suscitante, o que tornou impossível qualquer diálogoconciliatório, dada à gravidade dos fatos ali documentados... Além de nãocumprir as normas convencionais e as do estatuto consolidado, a suscitanteresistiu às determinações do Ministério do Trabalho, não esboçando qualqueratitude no sentido de adequar o local de trabalho para que as atividades fossemexercidas com dignidade e segurança. Os documentos de fls.243/249, tornaramevidente que a empresa não tinha instalações elétricas adequadas, proteçãoem máquinas e equipamentos, armazenando produtos inflamáveis em localimpróprio, além de outras, pondo em risco os seus trabalhadores, em profundodesrespeito ao ser humano... Assim sendo, consideradas todas as circunstânciasque envolveram a deflagração do movimento paredista, não podendo declaráloabusivo com fundamento no descumprimento de normas legais. Tal é agravidade dos fatos noticiados em relação ao suscitante, que a exigência doexato cumprimento da norma é suplantada pela necessidade imperiosa demedidas urgentes, eis que não se trata na hipótese dos autos de discutir merasreivindicações de ordem econômica e social, mas sim, da eliminação de riscode vida. Trata-se de cumprir o disposto no art. 5º., da Constituição Federal.Afasto, portanto, a abusividade da greve sob o aspecto formal”. 323.2 à Guisa De ConclusãoDiante de todo o exposto, parece-nos autorizado concluir que o meioambiente de trabalho, parte indissoci‡ vel do meio ambiente geral, imp›ean‡ lise sob a — tica do Direito ambiental. e, dentro desta — tica, dada ˆ natureza32 Processo TRT 15ª. Região DC- 153/96. DO de 5.06.96, Rel. Juiz Carlos Roberto do Amaral Barros, apud Raimundo Simãode Melo, op. cit. p. 106.164Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006


multidisciplinar do Direito ambiental - considerado o objeto imediatamentetutelado (homem-trabalhador) - torna-se imprescind’vel a intercess‹ o com asnormas de Direito do trabalho.a aplica• ‹ o do princ’pio ambiental da preven• ‹ o, quando em vogao meio ambiente do trabalho, demanda a ado• ‹ o de pr‡ ticas mais cŽ leres eefetivas destinadas ˆ conten• ‹ o de a• ›e s potencialmente danosas ˆ saœde dotrabalhador. Nem sempre a propositura de a• › es cab’veis ˆ espŽ cie Ð por maiscŽ lere que seja a tramita• ‹ o das mesmas Ð poder‡ garantir que o risco gravee iminente ˆ saœde de trabalhadores n‹ o evolua para um dano de naturezairrevers’vel. ao trabalhador Ž garantido o direito Ð com previs‹ o legal Ð dese abster do trabalho em condi• ›e s que impliquem em grave risco ˆ suaincolumidade f’sica e mental: a greve ambiental.Cumpre ressaltar, entretanto, que o exerc’cio do direito de greve -ambiental ou n‹ o - n‹ o pode constituir abuso. a paralisa• ‹ o do trabalho,em busca de melhores condi• ›e s laborais, n‹ o pode ser leviana ou motivadapor capricho. O risco deve ser grave e iminente, sendo, ainda, obrigat—r iaa coopera• ‹ o dos trabalhadores no cumprimento das normas de seguran• a esaœde estabelecidas pelos empregadores, devendo estes receber comunica• ‹ osobre qualquer situa• ‹ o que envolva um perigo iminente e grave ˆ saœde dosobreiros.por fim, o exerc’cio do direito de greve ambiental n‹ o pode resultarem puni• ‹ o ao trabalhador. enfatiza, ainda, a Conven• ‹ o 155 da OIt, em seuart. 21, que nenhuma provid• ncia na ‡ rea de seguran• a ou higiene do trabalhopoder‡ implicar nus financeiro para os trabalhadores.Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006 165


ENVIRONMENTAL SECuRITY IN THE AMAzONIAN REGIONSolange Teles da SilvaJoão Leonardo MeleSeGUraN‚ a aMBIeNtaL NareGIÌ O aMazï NICaSolange Teles da Silva *Jo‹o Leonardo Mele **Sum‡r io: Introdu• ‹ o; 1. regi‹ o amazni ca e Seguran• a ambiental; 2. espŽ cies amea• adasde extin• ‹ o e res’duos perigosos; 3. a pol’cia brasileira e sua atua• ‹ o na regi‹ o amazni ca;4. programas de Seguran• a ambiental: Guarda ambiental Nacional e Corpo de Guarda-parques;Conclus›e s; refer• ncias.Resumo: O direito penal ambiental ofereceuma resposta para a• ›e s ou omiss›e s gravesque degradem o meio ambiente e a saœdepœ blica. assim, a utiliza• ‹ o do direito penalna ‡ rea ambiental tem o cond‹ o de funcionarcomo uma arma dissuasiva ao cometimentode a• ›e s ou omiss›e s que causem preju’zosirrepar‡ veis ao meio ambiente, quer dizer, ˆ scondi• ›e s de manuten• ‹ o e conserva• ‹ o davida. em um mundo globalizado, os crimesambientais e seus efeitos ultrapassam muitasvezes as fronteiras dos estados exigindoalŽ m da implementa• ‹ o da cl‡ ssica idŽ iade coopera• ‹ o internacional, a adapta• ‹ o dodireito a este fenm eno atravŽ s de um processode harmoniza• ‹ o das legisla• ›e s nacionaisnesta seara. O objetivo desse trabalho Žestudar a quest‹ o da seguran• a ambiental naregi‹ o amazni ca, atravŽ s do levantamentodas conven• ›e s internacionais aplic‡ veis emmatŽ ria de movimentos de res’duos perigosose espŽ cies amea• adas de extin• ‹ o, verificandose todos os pa’ses do tratado de Coopera• ‹ oamazni ca s‹ o signat‡ rios dessas conven• ›e sinternacionais. a seguran• a ambiental nessetrabalho ser‡ analisada, sobretudo em seuaspecto relacionado ˆ salvaguarda individualAbstract: environmental penal Lawoffers an answer to the serious actions oromissions which degrade the environmentand public sanitation. So, the usage of penallaw in the environmental area is intendedto work as dissuading tool against theperformance of actions or omissions whichcause irreversible harm to the environment,hence, to the conditions of maintenance andconservation of life. In a globalized planet, theenvironmental crimes and their effects surpassmany times the boundaries of the nationsdemanding not only the classical internationalcooperation, but also the adaptation of Lawto this phenomenon through a process ofharmonizing the national legislations inthis field. this work`s objective is studyingthe matter of environmental security in theamazon region, through the research of theinternational conventions applicable whendealing with dangerous debris movement andextinction endangered species, verifying IF allthe countries part of the tratado de Coopera• ‹ oamazni ca (amazonian Cooperation treat)have signed those international conventions.the environmental security is going to beanalyzed in this paperwork especially in its* Doutora em Direito Ambiental pela universidade Paris I – Panthéon-Sorbonne. Professora do Mestrado em Direito Ambientalna universidade do Estado do Amazonas e da universidade Católica de Santos. Coordenadora do Projeto de Pesquisa“Direito, Recursos Naturais e Conflitos Ambientais: o Tratado de Cooperação Amazônica”, MCT/CNPq** Mestre em Direito pela universidade Católica de Santos, pesquisador do Projeto de Pesquisa “Direito, Recursos Naturais eConflitos Ambientais: o Tratado de Cooperação Amazônica”, MCT/CNPq.Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006 167


e coletiva da preserva• ‹ o e conserva• ‹ oda vida na regi‹ o amazni ca. a t’tulo deilustra• ‹ o, da atua• ‹ o repressiva e preventivade condutas lesivas ao meio ambiente,tipificadas como crime ambiental nos pa’sesdessa regi‹ o, em particular no Brasil, ser‡ressaltado o papel da pol’cia federal e de suasopera• ›e s, voltadas para garantir a seguran• aambiental envolvendo particularmente otr‡ fico e contrabando de recursos naturais ede res’duos perigosos.Palavras chave: seguran• a ambiental; direitoambiental; crimes ambientaisaspects which are related to the individualand collective safeguard and life conservationin the amazon region. as an illustrationof the preventive and repressive acting ofharmful actions to the environment, typifiedas environmental crimes in the countries ofthis region, especially in Brazil, the role offederal police agency and its operations whichaim guaranteeing the environmental securityconcerning more specifically drug traffic andcontraband of natural resources and dangerousdebris will be highlighted.Keywords: environmental security,environmental law, environmental crimes168Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006


INTRODuçãOa globaliza• ‹ o dos fluxos de capitais, bens e servi• os, como tambŽ m dosfluxos migrat—r ios, culturais e cient’ficos intensifica a globaliza• ‹ o dos riscose em particular, dos riscos ambientais. 1 Como destaca BeCK, a produ• ‹ osocial das riquezas Ž acompanhada, da produ• ‹ o social dos riscos, que s‹ ocaracterizados por uma tend• ncia ˆ globaliza• ‹ o. 2 Se por um lado h‡ umaumento destes fluxos transfronteiri• os, por outro lado, as infra• ›e s na esferada delinqŸ • ncia econm ica e financeira tambŽ m se multiplicam, e com estas adelinqŸ• ncia ambiental. trata-se de um fluxo matŽ rias e subst‰ ncias perigosasproibidas, descarga il’cita de res’duos perigosos, contrabando de recursosnaturais, muitas vezes, espŽ cies da fauna e da flora amea• adas de extin• ‹ o.para enfrentar ent‹ o esse tipo de delinqŸ• ncia, cada vez mais oslegisladores interv• m e definem determinadas condutas comissivas e omissivascomo crimes ambientais, com o intuito de proteger o valor social meio ambiente,ou seja, o valor fundamental da vida. 3 Na realidade, o direito penal pode sercompreendido como um sistema dissuassivo utilizado para coibir determinadascondutas. a sua utiliza• ‹ o na ‡ rea ambiental deve funcionar portanto comouma arma que conduza a nao prosseguir com o prop—s ito de cometer a• ›e s ouomiss›e s danosas ao meio ambiente, quer dizer, prejudiciais ˆ s condi• ›e s demanuten• ‹ o e conserva• ‹ o da vida. Muitas vezes, as respostas simplesmenteadministrativas ˆ s viola• ›e s das leis Ð como por exemplo, a suspens‹ o dalicen• a ou autoriza• ‹ o Ð ou os procedimentos cl‡ ssicos da jurisdi• ‹ o civil, n‹ ogarantem uma real prote• ‹ o jur’dica de natureza preventiva. Objetiva-se assim,que as san• ›e s penais aplicadas a condutas il’citas de pessoas f’sicas e jur’dicasconstituam uma arma eficaz na preven• ‹ o de riscos de danos e de danos epreju’zos ao meio ambiente.ƒ certo que os crimes ambientais e, notadamente seus efeitos podemultrapassar n‹ o apenas as fronteiras pol’tico-administrativas no interior deum estado, mas tambŽ m as pr—pr ias fronteiras pol’ticas dos estados. Issoexige, em um mundo globalizado, alŽ m da implementa• ‹ o da cl‡ ssica idŽ ia decoopera• ‹ o internacional, tal qual Ž preconizada pelo projeto GreenCustoms(alf‰ ndegas Verdes) do programa das Na• ›e s Unidas para o Meio ambiente1 SILVA, Solange Teles da. Crime Ambiental. In Dicionário da Globalização. ARNAuD, André-Jean; JuNQuEIRA, Eliane Botelho(orgs.). Rio de Janeiro, Lúmen Júris, 2006, p. 103.2 BECK, ulrich Risikogesellschaft. Suhrkamp Verlag, Frankfurt am Main, 1986 – La societé du risque : sur la voie d’une autremodernité (traduit par Laure BERNARDI). Paris: Flammarion, 2001.3 Cf. Lei n. 9.605/98, Lei de Crimes Ambientais que sistematizou as sanções penais e administrativas em matéria ambiental.Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006 169


(pNUMa) 4 e da coopera• ‹ o policial, a adapta• ‹ o do direito a este fenm enoatravŽ s de um processo de harmoniza• ‹ o das legisla• ›e s nacionais tanto naesfera regional como global 5 possibilitando assim uma a• ‹ o coordenada naesfera penal ambiental.O objetivo desse trabalho Ž estudar a quest‹ o da seguran• a ambiental naregi‹ o amazni ca. para tanto ser‡ realizado, por um lado, um levantamentodas conven• ›e s internacionais que buscam regular o comŽ rcio de subst‰ nciase res’duos perigosos, bem como o comŽ rcio de espŽ cies amea• adas deextin• ‹ o, verificando se todos os pa’ses do tratado de Coopera• ‹ o amazni cas‹ o signat‡ rios destas conven• ›e s. por outro lado, a t’tulo de ilustra• ‹ o dasa• ›e s na regi‹ o amazni ca, voltadas para garantir a seguran• a ambiental,ser‡ ressaltado o papel da pol’cia federal brasileira e de suas opera• ›e s paracoibir a viol• ncia e crimes ambientais na regi‹ o. Complementando esse estudoser‹ o destacados os programas de Seguran• a ambiental denominados Guardaambiental Nacional e Corpo de Guarda-parques.1. REGIãO AMAzôNICA E SEGuRANçA AMBIENTAL1.1. Regiao Amazônica, patrimônio ambientala regi‹ o amazni ca definida pela Bacia do rio amazonas e pelaFloresta tropical se estende por nove pa’ses Ð Brasil, Bol’via, Colm bia,equador, Guiana, Guiana Francesa (departamento ultramarino da Fran• a), 6peru, Venezuela, Suriname Ð e reœne diversos povos e culturas. No Brasil, aamazni a Legal, institu’da pela lei n. 1.806 de 06 de janeiro de 1953, para efeitode planejamento econm ico, abrange a regi‹ o compreendida pelos estados damacro regi‹ o Norte (acre, amazonas, amap‡ , par‡ , rondni a, roraima etocantins), e mais o estado do Mato Grosso (macrorregi‹ o Centro-Oeste), eparte do Maranh‹ o, a oeste do meridiano de 44¼ (macrorregi‹ o Nordeste). ela4 Cf. Site do GreenCustoms [http://www.greencustoms.org/], acesso em 11.11.2006.5 SILVA, Solange Teles da. Crime Ambiental. In Dicionário da Globalização. ARNAuD, André-Jean; JuNQuEIRA, Eliane Botelho(orgs.). Rio de Janeiro, Lúmen Júris, 2006, p. 103. Sobre harmonização da legislação ambiental penal: a) no continenteeuropeu cf. Convenção sobre a proteção do meio ambiente pelo direito penal – Conselho da Europa, 4 novembro 1998– STE 172; b) no continente americano cf. documento técnico do Programa de Desenvolvimento de Leis ambientais edesenvolvimento sustentável nas Américas da Organização dos Estados Americanos (13/setembro/1996).6 Destaque-se que a França não é Parte do Tratado de Cooperação Amazônica, mas tem apenas o papel de Observador naOrganização do Tratado de Cooperação Amazônica.170Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006


engloba uma ‡ rea que corresponde a cerca de 61% do territ—r io brasileiro, nosquais est‹ o mais de 2/3 das fronteiras geogr‡ ficas do pa’s.Como assinala BeCKer, a amazni a constitui um imenso Ò patrimni ode terras e de capital naturalÓ. 7 estima-se que a ‡ rea total da Floresta amazni cana amŽ rica do Sul seja de cerca de 6 milh›e s de km2, dos quais um total de cercade 60% est‹ o em territ—r io brasileiro. 8 ali‡ s, a Constitui• ‹ o Federal brasileirade 1988 qualificou a Floresta amazni ca como patrimni o nacional (art. 225,¤ 4¼ ), o que significa que sua utiliza• ‹ o dever‡ ser realizada de forma pac’fica en‹ o deve comprometer a sua utiliza• ‹ o pelas gera• ›e s futuras. H‡ registros decerca de mil espŽ cies de aves, 1.300 peixes, 21 espŽ cies de plantas superiores e311 espŽ cies de mam’feros, sendo que 62% dessas espŽ cies ocorrem no Brasil. 9Isso sem contar nos recursos do subsolo (minŽ rio, petr—l eo o g‡ s). as disputaspelo uso do territ—r io e pela apropria• ‹ o dos recursos naturais de acordo comdiferentes interesses dos atores envolvidos impulsionam as fronteiras da regi‹ o.ƒ necess‡ rio, portanto, buscar a compatibiliza• ‹ o do desenvolvimento daregi‹ o, do uso sustent‡ vel dos recursos naturais e do bem-estar das popula• ›e slocais e regionais. a manuten• ‹ o da ordem ambiental Ž uma responsabilidadede todos, quer dizer, do poder pœbl ico e da coletividade, que tem o dever dedefender e preservar o meio ambiente para as gera• ›e s presentes e futuras.1.2 Segurança ambientalO conceito de seguran• a ambiental, como afirma Le preStre, podeser analisado a partir dos seguintes prismas: 10 a) a segurança do meio ambiente,entendida como a proteção da integridade do meio ambiente a longo termo; b)a segurança dos indivíduos face aos danos ambientais e à saúde humana; c) asegurança dos Estados, quer dizer, a capacidade dos Estados de realizarem suasescolhas e assegurarem a estabilidade das instituições econômicas, políticase sociais nacionais, destacando-se nesse sentido as questões relacionadas aoacesso aos recursos naturais e impactos ambientais globais; d) a segurançado sistema internacional, que compreende quatro hipóteses: acesso ao recurso7 BECKER, Bertha. Amazônia: geopolítica na virada do III milênio. Rio de Janeiro: Garamond, 2004, p. 125.8 CAPOBIANCO, João Paulo. Artigo-base sobre os biomas brasileiros. In CAMARGO, Aspásia, CAPOBIANCO, João Paulo;OLIVEIRA, José Antonio Puppim de (orgs.) Meio ambiente Brasil: avanços e obstaculos <strong>pós</strong>-Rio 92. São Paulo: EstaçãoLiverdade; Instituto Socioambiental; Rio de Janeiro: FGV, 2002, p. 121.9 Idem.10 LE PRESTRE, Philippe. “Sécurité environnementale et insécurités internationales” Revue québécoise de droit international,1998, 11, 1 : 271-291. Disponível em http://www.er.uqam.ca/nobel/oei/CentreRess/travaux/1998-Sec_env_insec_intles.pdf, acesso em 10.12.2008.Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006 171


natural (poluição transfronteiriça e recurso natural compartilhado), difusãoe expansão de conflitos internos (refugiados ambientais), instrumento depolítica estrangeira, instrumento de política interna. Nesse sentido buscar-se-ádestacar as nuances desses quatro angulos a abordar a questão da segurançaambiental na Região Amazônica. Na realidade, tratar da questão da segurançana Região Amazônica e em suas fronteiras, não é apenas tratar da “ocupação”do território, da questão da segurança nacional, enquanto defesa dos Estados daregião, mas analisar a criminalidade e a violência que envolvem disputas pelouso do território e pela apropriação de recursos, as conexões existentes entre oscrimes ambientais e as organizações criminosas em fronteiras permeáveis.Em relação aos três primeiros enfoques da segurança ambiental,observe-se que no Brasil, a Lei de Política Nacional do Meio Ambiente, Leinº 6.938, de 31 agosto de 1981, já previa, em seu artigo 2º, entre os objetivosda política nacional de meio ambiente a preservação da qualidade ambientalpara assegurar ao país condições ao desenvolvimento sócio-econômico, aosinteresses da segurança nacional e à proteção da dignidade da vida humana.A essa época, a questão de segurança nacional voltada a ações em matéria depreservação e conservação ambientais reforçava a noção de soberania. Como restabelecimento do regime democrático no Brasil, a visão de segurançanacional também se modificou e ganhou um novo espectro, e passou a levarem conta um enorme conjunto de fatores sociais, econômicos, e outros, queterminaram por trazer reflexos à segurança do país. Um desses fatores derelevância envolveu, certamente, o meio ambiente e a gestão dos recursosnaturais. Todavia, o aspecto da segurança da Amazônia, enquanto segurançaambiental, ultrapassa as fronteiras do Estado brasileiro e é portanto necessárioanalisar as ações de preservação e proteção ambiental da Região Amazônicaou da Amazônia Continental, a Pan-Amazônia.a preserva• ‹ o e a conserva• ‹ o do imenso patrimni o ambiental ecultural da regi‹ o demandam a ado• ‹ o de medidas preventivas, corretivas erepressivas, enfim, medidas de controle e seguran• a para salvaguardar os bensambientais, sociais e culturais existentes nessa regi‹ o e permitir assim que atodos seja assegurado o direito ao meio ambiente - a seguran• a dos indiv’duosface aos danos ambientais e ˆ saœde humana. a seguran• a ambiental, enquantoespŽ cie da seguran• a pœbl ica, portanto relacionada a capacidade estatal deassegurar a estabilidade das institui• ›e s, pode ser definida como a atividadeexercida para a preserva• ‹ o da ordem pœbl ica ambiental e da incolumidade172Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006


das pessoas e do patrimni o ambiental. a t’tulo de ilustra• ‹ o, Ž poss’vel citarinvestiga• ›e s da pol’cia Federal que levaram em julho de 2004 ˆ apreens‹ o nointerior do amap‡ de 18 sacas de um composto de ur‰ nio e t—r io, identificandoÒ uma das mais obscuras m‡ fias em atua• ‹ o no pa’s, com bra• os internacionaise especializada na extra• ‹ o clandestina e na comercializa• ‹ o ilegal do ur‰ nioÓ 11(que conduz a uma an‡ lise mais ampla da pr—pr ia seguran• a ambiental dosistema internacional). a maior concentra• ‹ o das minas encontra-se na regi‹ ocentral do amap‡ e, esses dois minŽ rios, ur‰ nio e t—r io, podem ser utilizados nafabrica• ‹ o de armas nucleares (seguran• a do meio ambiente a longo termo) esua manipula• ‹ o, normalmente realizada por pessoas que n‹ o tem consci• nciado material que est‹ o manuseando, oferece sŽ rios riscos ˆ saœde humana (aseguran• a dos indiv’duos face aos danos ambientais e ˆ saœde humana).a seguran• a ambiental compreende, portanto as medidas tanto preventivascomo repressivas, adotadas pelo poder pœbl ico, para buscar estabelecer umasitua• ‹ o de conviv• ncia harmoniosa dos seres humanos com e no meioambiente em que se encontram. em outras palavras, pode-se afirmar que aseguran• a ambiental, enquanto atividade estatal est‡ voltada ˆ preserva• ‹ o daordem pœbl ica ambiental. e, a ruptura dessa ordem provoca impactos negativosna vida em suas mais diversas formas. Cabe ˆ pol’cia assegurar a seguran• aambiental e combater a viol• ncia e criminalidade ambiental na amazni a, nointerior de cada pa’s como tambŽ m realizar opera• ›e s conjuntas para enfrentaresse problema nas fronteiras entre os estados amazni cos. antes, contudo deanalisar o papel da pol’cia, cabe destacar as perspectivas de uma a• ‹ o conjuntano seio da Organiza• ‹ o do tratado de Coopera• ‹ o amazni ca ou de a• ›e s quedecorram de tratados internacionais na ‡ rea ambiental.1.3 O Tratado de Cooperação AmazônicaO tratado de Coopera• ‹ o amazni ca (tCa) firmado aos 03 de julhode 1978 pelas repœbl icas da Bol’via, do Brasil, da Colm bia, do equador, daGuiana, do peru, do Suriname e da Venezuela proclamou o direito soberanode cada estado de uso e aproveitamento de seus recursos naturais no interiorde suas fronteiras e estabeleceu que as partes Ò conv• m em realizar esfor• ose a• ›e s conjuntas a fim de promover o desenvolvimento harmni co de seusrespectivos territ—r ios amazni cos, de modo a que essas a• ›e s conjuntasproduzam resultados eqŸi tativos e mutuamente proveitosos, assim como para11 RANGEL, Rodrigo. O contrabando do urânio brasileiro. In Revista ISTO é n. 1908, 17.05.2006, p.37 e segts.Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006 173


a preserva• ‹o do meio ambiente e a conserva• ‹o e utiliza• ‹o racional dosrecursos naturais desses territ—r iosÓ(art. 1¼ ).trata-se, portanto de definir a• ›e s no interior de cada estado parapromover o desenvolvimento harmni co da amazni a e fomentar a troca deinforma• ›e s. para aperfei• oar e fortalecer, institucionalmente, o processo decoopera• ‹ o, o protocolo de emenda ao tCa, de 14 de dezembro de 1998,criou a Organiza• ‹ o do tratado de Coopera• ‹ o amazni ca (OCta). Umdos grandes desafios da OtCa ser‡ , portanto de incrementar a coopera• ‹ otŽ cnica em matŽ ria policial e buscar a• ›e s que co’bam os crimes ambientais ea devasta• ‹ o do patrimni o ambiental da regi‹ o amazni ca. para tanto, umareflex‹ o deve ser realizada sobre a possibilidade de harmoniza• ‹ o das normaspenais ambientais de cada pa’s da regi‹ o e devem ser fixados os marcos parauma coopera• ‹ o em matŽ ria policial e judicial.2. ESPéCIES AMEAçADAS DE ExTINçãO E RESíDuOSPERIGOSOSao tomar como exemplo duas conven• ›e s internacionais em matŽ riaambiental, a Conven• ‹ o sobre o ComŽ rcio Internacional das espŽ cies da Faunae Flora Selvagens em perigo de extin• ‹ o (CIteS), tambŽ m conhecida comoConven• ‹ o de Washington e, da Conven• ‹ o sobre o Controle de Movimentostransfronteiri• os de res’duos perigosos e seu Dep—s ito (Conven• ‹ o daBasilŽ ia), Ž poss’vel observar que todos os pa’ses da regi‹ o amazni ca s‹ opartes dessas conven• ›e s. 12 De um lado, a l—gi ca do que se quer proteger, deum vasto patrimni o ambiental que se busca salvaguardar, e de outro lado, oque n‹ o se deseja, quer dizer, o que n‹ o se quer que seja enviado aos pa’sesem vias de desenvolvimento para ser descartado e que possa colocar as suasrespectivas popula• ›e s e meio ambiente em perigo: os res’duos perigosos.essas duas conven• ›e s, que regulam a movimenta• ‹ o do luxo e do lixo,do comŽ rcio internacional de espŽ cies amea• adas de extin• ‹ o ao movimentotransfronteiri• o de res’duos perigosos, utilizam a sistem‡ tica de listas. aConven• ‹ o CIteS estabelece tr• s tipos de listas: a) no anexo I est‹ o inclu’dastodas as espŽ cies amea• adas de extin• ‹ o que s‹ o ou possam ser afetadaspelo comŽ rcio; b) no anexo II encontram-se todas as espŽ cies que, emboraatualmente n‹ o se encontrem necessariamente em perigo de extin• ‹ o, poder‹ o12 Cf. infra Paises da Região Amazônica – CITES e Basiléia.174Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006


chegar a esta situa• ‹ o, a menos que o comŽ rcio de espŽ cimes de tais espŽ ciesesteja sujeito a regulamenta• ‹ o rigorosa a fim de evitar explora• ‹ o incompat’velcom sua sobreviv• ncia, como tambŽ m as outras espŽ cies que devam serobjeto de regulamenta• ‹ o, a fim de permitir um controle eficaz do comŽ rciodos espŽ cimes de certas espŽ cies; c) no anexo III est‹ o todas as espŽ ciesque qualquer das partes declare sujeitas, nos limites de sua compet• ncia, aregulamenta• ‹ o para impedir ou restringir sua explora• ‹ o e que necessitamda coopera• ‹ o das outras partes para o controle do comŽ rcio. J‡ a Conven• ‹ oda BasilŽ ia no anexo I fixa as categorias de res’duos a serem controlados; noanexo II as categorias de res’duos que merecem aten• ‹ o especial e, finalmenteno anexo III a lista das caracter’sticas perigosas.ambas as conven• ›e s tambŽ m adotam uma l—gi ca de controle prŽ vio. aConven• ‹ o da BasilŽ ia ao estabelecer mecanismos de controle do movimentotransfronteiri• o de res’duos perigosos, fundamenta-se no consentimento prŽ vioe expl’cito para a importa• ‹ o e o tr‰ nsito desses res’duos, e procura coibir otrafico il’cito e fomentar a coopera• ‹ o internacional para a gest‹ o adequadadesses res’duos. a Conven• ‹ o de Washington prev• um procedimento geral deapresenta• ‹ o prŽ via de licen• a de exporta• ‹ o.Dentre as obriga• ›e s gerais previstas no artigo 4¼ da Conven• ‹ o daBasilŽ ia est‡ a obriga• ‹ o para as partes de tomarem as medidas adequadas paracooperar, inclusive divulgado informa• ›e s sobre o movimento transfronteiri• ode res’duos perigosos e outros para aprimorar a gest‹ o sustent‡ vel dessesres’duos e coibir o tr‡ fico ilegal. ali‡ s, as partes consideram que o tr‡ fico ilegaldesses res’duos Ž uma atividade criminosa, incumbindo a cada parte tomar asmedidas legais, administrativas ou de outra natureza para impedir e punir ascondutas que representem viola• ‹ o a essa conven• ‹ o. No que diz respeito ˆConven• ‹ o de Washington, as partes dever‹ o tomar as medidas apropriadaspara velar pelo cumprimento dessa conven• ‹ o e proibir o comŽ rcio deespŽ cimes em viola• ‹ o a mesma, dentre as quais est‹ o san• ›e s pelo comŽ rcioou posse de tais espŽ cimes.ƒ certo que tais conven• ›e s representam o in’cio de um processo defomento a coopera• ‹ o internacional e a repress‹ o e preven• ‹ o do tr‡ ficode espŽ cies amea• adas de extin• ‹ o, como tambŽ m de res’duos perigososdependem de uma a• ‹ o de —r g‹ os especializados para garantirem a seguran• aambiental. Dentre tais —r g‹ os Ž poss’vel ressaltar o papel da pol’cia federalbrasileira na manuten• ‹ o da ordem ambiental.Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006 175


QuADRO 1 PAíSES DA REGIãO AMAzôNICA – CITES E BASILéIAPaíses CITes BasIléIaa * R ** a *** R ***Bolívia 06/07/79 06/07/79 22/03/89 15/11/96Brasil 06/08/75 06/08/75 -- 01/10/92Colômbia 31/08/81 29/11/81 22/03/89 31/12/96equador 11/02/75 11/07/75 22/03/89 23/02/93Guiana 27/05/77 25/08/77 -- 04/04/02Peru 27/06/75 25/09/75 -- 23/11/93suriname 17/11/80 15/02/71 -- 31/01/90Venezuela 24/10/77 22/01/78 22/03/89 03/03/98A – Assinaram; R – Ratificaram.3. A POLíCIA BRASILEIRA E SuA ATuAçãO NA REGIãOAMAzôNICAa abordagem da seguran• a ambiental como salvaguarda dos bensambientais e tratamento das quest›e s transfronteiri• as que envolvem tais bensna regi‹ o amazni ca conduzem os —r g‹ os pœbl icos com compet• ncia legala exercerem as atividades de pol’cia para adotarem medidas de fiscaliza• ‹ o,e apoio ˆ s entidades respons‡ veis pela gest‹ o ambiental. assim, a seguran• apœbl ica tal qual ela Ž definida pelo texto constitucional brasileiro Ò parapreserva• ‹o da ordem pœbl ica e da incolumidade das pessoas e do patrimni oatravŽ s da pol’cia federal, da pol’cia rodovi‡r ia federal, da pol’cia ferrovi‡r iafederal, das pol’cias civis, das pol’cias militares e corpos de bombeirosmilitaresÓ(art. 144) Ž tambŽ m uma atividade de seguran• a ambiental, namedida em que se volta a assegurar a dignidade da vida e a preserva• ‹ o daordem ambiental. e, nesse sentido cabe ressaltar o papel da pol’cia Federalbrasileira que tem entre suas compet• ncias constitucionais a apura• ‹ o deinfra• ›e s penais contra a ordem pœbl ica ambiental assim como infra• ›e s cujapr‡ tica tenha repercuss‹ o interestadual ou internacional e exija repress‹ ouniforme, como Ž o caso, por exemplo, de infra• ›e s penais envolvendo osbiomas amazni cos, o rio amazonas ou ainda o comŽ rcio ilegal de minŽ riose res’duos perigosos. 1313 art. 144, § 1º, I da Constituição Federal de 1988.176Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006


No caso de infrações interestaduais e internacionais, destaque-se oaspecto da indivisibilidade do meio ambiente, que não se fraciona fisicamentepor fronteiras políticas, divisões meramente territoriais estabelecidas pelaconveniência política ou determinada pela norma jurídica, encontrando, noterritório brasileiro, vasto campo de intervenção nos fatos que transcendem asunidades federativas e os países vizinhos, particularmente no que se refere àsquestões amazônicas. Ainda atua a polícia federal para prevenir e reprimir otráfico ilícito de entorpecentes e drogas, o contrabando e o descaminho, semprejuízo da ação de outros órgãos em suas respectivas áreas de competência. 14Desta forma, a polícia federal combate o contrabando, indica ação sobre osprodutos oriundos de recursos naturais, dentre eles plantas e animais de valorgenético, difícil até mesmo de ser avaliado. Possui assim um importante papelno exercício das funções de policia marítima, aeroportuária e de fronteiras. 15No que diz respeito ao exercício de suas funções policiais, inclusive de políciajudiciária, 16 também é possível constatar a sua atuação em matéria de segurançaambiental, buscando preservar a integridade dos bens ambientais.Torna-se evidente que uma gama tão vasta de interfaces de segurançado meio ambiente, ligadas à polícia da União, propiciasse uma estratégiadiferenciada de sua atuação. Assim, através da Portaria nº 1.300, de 04 desetembro de 2003, foram criadas as Delegacias de Repressão a Crimes contra oMeio Ambiente e Patrimônio Histórico e, por meio da Instrução Normativa nº13, de 15 de junho de 2005, estabelecidas competências à Divisão de Repressãoaos Crimes Contra o Meio Ambiente e o Patrimônio Histórico, dentre as quaisas operações policiais, visando crimes contra o meio ambiente, tráfico econtrabando de material genético e espécimes da flora e fauna silvestres, alémde biopirataria.Aliás, a criminalidade ambiental levou a Polícia Federal a produzir, noano de 2005, o chamado “Mapa da Delinqüência Ambiental” 17 e, para o focoda regi‹ o amaz nica foram destacados os seguintes delitos ambientais, sob ot’tulo Ò DelinqŸ• ncia assinaladaÓ:14 art. 144, § 1º, II da Constituição Federal de 1988.15 art. 144, § 1º, III da Constituição Federal de 1988.16 art. 144, § 1º, IV da Constituição Federal de 1988.17 BRASIL. Mapa da Delinqüência Ambiental. Ministério da Justiça. Departamento de Polícia Federal. Divisão de Crimes Contrao Meio Ambiente e Patrimônio Histórico. Brasília, 2004. Publicado em CD.Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006 177


a) Acre:- extra• ‹ o ilegal de madeira e desmatamento, em diversas e vastas‡ reas do estado Ð arts. 38 e 39 Ð Lei 9.605/98.- extra• ‹ o de mogno na ‡ rea de fronteira com o peru (‡ rea ind’gena)na regi‹ o da Serra do Divisor - art. 40, ¤2¼ Ð Lei 9.605/98.- atua• ‹ o de grupos compostos por peruanos que se dedicam ˆextra• ‹ o ilegal de madeira em territ—r io brasileiro Ð arts. 38 e 39 daLei 9.605/98 c/c art. 29, incisos e art. 62 e ¤ do C—di go penal.- Desmatamento e queimadas ilegais, transporte e explora• ‹ o ilegal demadeira.- Captura e comŽ rcio de p‡ ssaros psitac’deos e primatas em Cruzeirodo Sul, assis Brasil, BrasilŽ ia, Xapuri, Marechal, Sena Madureira,thaumaturgo e rio Branco.b) Amap‡:- Desmatamento e queimada nas regi›e s: reserva Biol—gi ca do Lagopiratuba, esta• ‹ o ecol—gi ca do Marac‡ -Jipioca Ð art. 38 e 41 Ð Lei9.605/98.- extra• ‹ o e transporte ilegal de madeira, cip—- titica (vime), carv‹ ovegetal e palmito. - arts. 38 e 39 da Lei 9.605/98.- Ca• a ilegal no arquipŽ lago do Bailique, rio araguari, preto, Marac‡ ,Vila Nova, Bacaba, IgarapŽ Novo e Ipixuna Miranda.- apanha ilegal de pirarucu, gurijuba (costa do amap‡ ) e camar‹ orosa no defeso, prejudicando a piracema - art. 29 Ð.L ei 9.605/98.Munic’pios de Cal• oene e Oiapoque, no trecho entre o rio araguari eo Oiapoque.- Contamina• ‹ o de res’duos s—l idos por ars• nio no munic’pio deSantana, quando da explora• ‹ o de mangan• s.- Degrada• ‹ o ambiental nos garimpos de Mazag‹ o, porto Grande,Cal• oene, tartarugalzinho e nos rios Oiapoque e CassiporŽ , Munic’piode Oiapoque.- extra• ‹ o ilegal de minŽ rios na esta• ‹ o ecol—gi ca de Laranjaldo Jar’ (ouro), na ‡ rea do entorno do parque Nacional do CaboOrange, no parque Nacional Montanhas do tumucumaque (minŽ riosradioativos), no munic’pio de pedra Branca do amapari (ouro),regi‹ o norte do amap‡ (tantalita).178Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006


- Carregamento de madeira pelo IBaMa; caminh‹ o com atpFvencida.- Carregamento de carv‹ o pelo IBaMa; inexist• ncia de licen• a paratransporte.- apanha ilegal de quelni os na reserva Biol—gi ca do Lago piratuba eadjac• ncias.- aus• ncia de documenta• ‹ o para porte de motoserra.- Falsifica• ‹ o de atpF.c) Amazonas:- extra• ‹ o de madeira em ‡ reas ind’genas e na regi‹ o dos rios purus eJuru‡ Ð arts. 38 e 39 Ð Lei 9.605/98. a descida da madeira pelos riosocorre nos per’odos onde existe ‡ gua suficiente para isso: de janeiroa julho.- assinala• ‹ o de ca• a e apanha ilegal, ocorrida principalmente emdesfavor de popula• ›e s de jacarŽ s e tartarugas, as œl timas na regi‹ o,sobretudo na reserva Biol—gi ca do abufari, ao longo do rio purus eseus afluentes Ð art. 29 Ð Lei 9.605/98.- em rela• ‹ o aos quelni os, de julho a setembro ocorre a capturapelo mŽ todo do Ò capa-sacoÓ(rede de arrast‹ o que fecha o igarapŽcomo um grande saco ); de setembro a outubro a captura se d‡por Ò malhadeirasÓ ao longo das praias, pois Ž a Ž poca em que osquelni os saem para a desova; de outubro a dezembro a capturaocorre por Ò arrast›e sÓ, nas praias; de dezembro a fevereiro, Ž pocaem que ocorre o retorno dos animais aos lagos e igarapŽ s, a rede Žcolocada tanto ao longo do rio principal (purus), como nos igarapŽ s.para os Ò capa-sacosÓfuncionarem, Ž necess‡ rio que haja vaz‹ o de‡ gua para que os Ò sacosÓse armem.- Ocorr• ncia de bioprospec• ‹ o ilegal (biopirataria) acentuada emtoda a regi‹ o. exist• ncia de inœm eros hotŽ is e lodges na selva que,como fachadas do ecoturismo, s‹ o utilizados de base pra cidad‹ osestrangeiros que praticam bioprospec• ‹ o ilegal, pilhando riquezas dafauna e flora brasileiras Ð art. 29 e/ou 44 da Lei 9.605/98 c/c art. 334do CpB.- assinala• ‹ o de ca• a e apanha de animais silvestres em geral, comfluxo em dire• ‹ o a Manaus e, ap— s, ao Sudeste Ð art. 29 Ð da Lei9.605/98.Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006 179


- Ocorr• ncia de pesca ilegal, sobretudo de pirarucu (que tem proibi• ‹ opermanente no estado), tambaqui e tucunarŽ com tamanho inferiorao permitido em lei, com fechamento dos lagos com grandesarrast›e s, tambŽ m Ž utilizado o timb— , um extrato retirado de plantasque, quando lan• ado ˆ s ‡ guas, promove grande mortandade depeixes, levando-os a superf’cie. a pesca do pirarucu tem proibi• ‹ opermanente no estado. Sua captura Ž mais intensa de outubro ajaneiro.- apanha e comŽ rcio de animais silvestres, para turistas, por meio de’ndios e caboclos da regi‹ o.- extra• ‹ o ilegal de madeira em terras ind’genas e particulares, pormadeireiras, no Munic’pio de Boca do acre/aM.- tr‡ fico internacional de animais silvestres (art. 29 da 9.605/98 c/cart. 334 do CpB).- Coleta, transporte e comercializa• ‹ o de peixes ornamentais nasproximidades do munic’pio de Barcelos/aM. as ‡ guas escuras dorio Negro s‹ o o habitat de 1.800 espŽ cies de peixes ornamentais,mas s— 214 podem ser exportadas. a principal delas Ž o cardinal,que representa 80% de toda a exporta• ‹ o.O peixinho Ž cobi• adoporque ninguŽ m conseguiu reproduzi-lo em cativeiro. Nos meses dejaneiro e fevereiro Ž que se acentua a apanha destes peixes, tendoem vista a Festa do peixe Ornamental naquele munic’pio, que contacom a presen• a de inœm eros turistas estrangeiros (art. 34, inc. III da9.605/98 c/c art. 334 do CpB).- No tocante aos crimes contra o ordenamento urbano e ao patrimni ohist—r ico e cultural, cumpre mencionar algumas tentativas de comprade material arqueol—gi co ao longo dos rios Negro e amazonas,bem como relatos de artefatos ind’genas encontrados em um s’tioarqueol—gi co no munic’pio de Novo air‹ o, em meio ˆ denominadaterra preta, e que estariam sendo contrabandeados para a alemanha(62 e 63 da 9.605/98, art. 5¼ da Lei 3.924/61 e art. 334 do CpB).d) Par‡:- Confronto entre a pesca artesanal x industrial e ocorr• ncia de pescamar’tima e no interior do estado Ð art. 34 Ð Lei 9.605/98- extra• ‹ o de palmito no estado, com principal atua• ‹ o na Ilha deMaraj— - art. 46 Ð Lei 9.605/98.180Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006


- Grande ocorr• ncia de desmatamento ilegal de mogno e outrasmadeiras de lei em terras ind’genas, no sul do par‡ Ð art. 38 Ð Lei9.605/98.- apanha ilegal de insetos e plantas diversas, a exemplo do jaborandi,a fim de serem utilizados em pesquisas laboratoriais (biopirataria),principalmente no munic’pio de SantarŽ m Ð art. 29 Ð Lei 9.605/98.- Queimadas excessivas para fins de pecu‡ ria.- Destrui• ‹ o de s’tios arqueol—gi cos, principalmente no Maraj—.- polui• ‹ o do parque aqu‡ tico pelo uso indevido de mercœr io nagarimpagem, sobretudo no Baixo-amazonas.- Utiliza• ‹ o do timb— (um tipo de cip—) na pesca predat—r ia.- assoreamento dos rios pela devasta• ‹ o ambiental, transformandograndes ‡ reas em deserto.- total descontrole da pesca, tendo em vista que o par‡ abastece hojetodo o mercado do Nordeste e do Sudeste (em 15 dias de opera• ‹ o, apol’cia Federal apreendeu a sa’da ilegal de 60 toneladas).- extra• ‹ o de mogno a regi‹ o de altamira e S‹ o FŽ lix do Xingu.- Intensa garimpagem na regi‹ o de Itaituba, com uso de cianeto,elemento qu’mico mais danoso que o mercœr io.- H‡ grandes problemas de explora• ‹ o irregular de madeira nomunic’pio de porto de M—z , na regi‹ o do rio Xingu, uma ‡ rea de 1,7milh‹ o de hectares que vem sendo utilizada por madeireiros, cujaatua• ‹ o se contrap›e ˆ s 15 mil fam’lias que ocupam a ‡ rea. a maiorparte das terras pertence ao governo do estado, mas uma parcela Ž depropriedade da Uni‹ o.e) Rond nia:- extra• ‹ o ilegal de madeira ocorrida em unidades de conserva• ‹ o eem reservas ind’genas (Uru-eu-Wau-Wau, na r.ex. rio Ouro preto,F.N. Bom Futuro e R.B. do Jarú Ð arts. 38 e 39 Ð Lei 9.605/98.- assinala• ‹ o de atividades de extra• ‹ o mineral Ð garimpo de ouroe cassiterita Ð ocorrida em unidades de conserva• ‹ o e reservasind’genas (Serra Morena, aripuan‹ , roosevelt, parque Ind’genaaripuan‹ ) Ð arts. 44 e 55 Ð Lei 9.605/98.- pesca ilegal no Vale do GuaporŽ - art. 34 Ð Lei 9.605/98.- Larga utiliza• ‹ o de pesticidas Ð art. 56 Ð Lei 9.605/98.Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006 181


- a madeira Ž retirada do local com utiliza• ‹ o de caminh›e s, pelosÒ varadourosÓ, com Ò picadasÓfeitas no interior da selva.- Um grande problema enfrentado pela pol’cia Federal est‡ localizadona terra ind’gena roosevelt, onde h‡ o maior garimpo de diamantesdo Brasil, uma riqueza estimada em US$ 2.000.000.000,00.f) Roraima:- Utiliza• ‹ o ilegal de fogo, para limpeza de pasto Ð art. 41 Ð Lei9.605/98.- tr‡ fico de madeira de lei Ð extra• ‹ o, industrializa• ‹ o e exporta• ‹ oÐ na regi‹ o da Confian• a I, II e III e no Munic’pio do Cant‡ , altoalegre e Mucaja’, bem como nas vicinais do sul do estado, nosmunic’pios de Caroebe, S‹ o Luiz do anau‡ e S‹ o Jo‹ o da Baliza,com presen• a de serrarias clandestinas no Distrito Industrial daCapital e no munic’pio de rorain—pol is, como tambŽ m na fronteirada Venezuela - arts. 38 e 39 Ð. Lei 9.605/98.- extra• ‹ o mineral sem registro de licenciamento mineral ou autoriza• ‹ ode pesquisa. Garimpo de ouro, com invas‹ o da reserva Ind’genaYanomani, contribuindo para fomento do contrabando de ouro,diamante e tantalita (local Ð sul do estado: Caroebe, S‹ o Luiz, S‹ oJo‹ o da Baliza e rorain—pol is) e outros minerais nobres Ð art. 55 ÐLei 9.605/98.- Invas‹ o de ‡ reas preservadas para explora• ‹ o do ecoturismo, pescadesportiva e biopirataria no Baixo rio Branco, e nos munic’pios derorain—pol is e Caracara’, ao sul do estado Ð arts. 38 e 40 Ð da Lei9.605/98.- Incid• ncia de tr‡ fico de animais silvestres (exemplo: galo da serra),no norte do amazonas, na divisa com a Venezuela - art. 29 Ð. Lei9.605/98.- Devasta• ‹ o de uma ‡ rea de floresta nativa, para loteamento e ocupa• ‹ o,inclusive com abertura de ruas, com suspeita de participa• ‹ o depol’ticos. pacaraima.- transporte irregular de tartarugas, ocasionando a mortandade degrande nœm ero de animais, por parte dos funcion‡ rios do IBaMa.Boa Vista.- apreens‹ o de can‡ rios da terra na ponte do CauamŽ . Br 147.- pesca ilegal na terra ind’gena S‹ o Marcos.182Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006


- Desmatamento ilegal e comŽ rcio de carne de animais silvestres emCant‡ .- extra• ‹ o irregular de madeira nos s’tios S‹ o Manuel e palmeiraComprada, no interior da terra ind’gena Moscou.- apreens‹ o de tantalita na regi‹ o do assentamento S‹ o Luiz‹ o(Br-210), em ‡ rea ind’gena no munic’pio de S‹ o Jo‹ o da Baliza.- Invas‹ o e desmatamento de ‡ rea de preserva• ‹ o permanente localizadana ilha S‹ o Bento do Surr‹ o, em Boa Vista.- Garimpagem irregular de tantalita em rorain—pol is.- transporte de madeira em toras, em desacordo com a legisla• ‹ oespec’fica, em Boa Vista.g) Tocantins:- Ocorr• ncia de extra• ‹ o ilegal de madeira Ð art. 39 Ð Lei 9.605/98.- pesca ilegal, sendo a atividade de maior impacto ambiental - art. 34Ð Lei 9.605/98.- Desmatamento em pequena escala Ð art. 38 da Lei 9.605/98.- apanha de animais nos munic’pios de Santa rosa do tocantins,Natividade, Dian—pol is, almas e Mateiros, sendo depois transportadospara Bras’lia e Goi‰ nia.- Desmatamento para forma• ‹ o de pasto e para o cultivo de gr‹ os.- explora• ‹ o ilegal de material f—s sil em FiladŽ lfia, que faz parte daGrande Floresta petrificada permiana do Brasil Central (estados dotocantins, Maranh‹ o, piau’ e sul do par‡ ), onde h‡ imensa jazida demadeira petrificada, datada de mais de 250 milh›e s de anos, segundoge—l ogos.- explora• ‹ o irregular de madeira, com licen• a vencida.Os dados coletados demonstram um precioso trabalho a partir do qual Žposs’vel estabelecer uma estratŽ gia de seguran• a ambiental para a amazni aLegal e para a regi‹ o amazni ca. ƒ certo que outros —r g‹ os da Uni‹ o compoder de pol’cia atuam na prote• ‹ o ambiental, aplicando medidas de car‡ teradministrativo, como por exemplo, o Instituto Brasileiro de Meio ambienteÐ IBaMa Ð e o Instituto Chico Mendes de Conserva• ‹ o da BiodiversidadeÐ Instituto Chico Mendes. ainda, na esfera estadual, Ž necess‡ rio assinalar oimportante papel das pol’cias ambientais das pol’cias Militares, e os —r g‹ osde fiscaliza• ‹ o das Secretarias de Meio ambiente, que atuam exercendo umHiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006 183


papel relevante na implementa• ‹ o da seguran• a ambiental. Cabe, portanto, aos—r g‹ os federais o relevante papel de coordena• ‹ o e de macro-gerenciamentopara o adequado funcionamento do Sistema Nacional de Meio ambiente.ao tratar de uma macro-estratŽ gia de seguran• a ambiental para a regi‹ oamazni ca, n‹ o Ž poss’vel dissociar crimes ambientais de crimes praticadospor organiza• ›e s criminosas, 18 pois eles estão associados na maior parte aoutros crimes. O desmatamento pode estar associado ao trabalho escravo eassassinatos, como é o caso de São Felix do Xingu, na região denominada“arco do desmatamento” da Amazônia, região de fronteira agrícola, 19 principalfoco do trabalho escravo, esse município figura também como área desmatadae de assassinatos de trabalhadores rurais da Amazônia. O tráfico de animaispode, por exemplo, estar associado ao tráfico de entorpecentes ou de mulheres,pelo uso de mesmas rotas, acessos e mesmas pessoas. As entradas clandestinasde armas, de igual forma, podem apresentar uma correlação com a retiradailegal de plantas, animais e minérios como o tório e o urânio.Situações que envolvem crimes de repercussão internacional, acompetência de atuação da Polícia Federal fica muito clara e um dosmecanismos por ela amplamente utilizado é o de desencadear operaçõespoliciais a fim de coibir tais práticas. Tais operações se justificam, pelo fatode que há necessidade de planejamento, alocação de meios e preparação depessoal, para atuar em região tão vasta e com tantas particularidades. Assim,no ano de 2005, a Polícia Federal realizou vinte operações específicas desegurança ambiental em todo o Brasil. Na Região Amazônica concentrouatividades no Amapá onde apreendeu em 05 de maio de 2005, 03 jacaréstinga,02 pacas, 07 cotias, 08 quelônios e 12 kg de pirarucu. Ainda no Amapáem 04 de julho de 2005 apreendeu no rio Cassiporé, 09 balsas que extraiamouro irregularmente. Em uma primeira análise os números podem não serexpressivos, porém, há que se considerar que não contam desses registros, asatividades que a Polícia Federal desenvolve com o IBAMA, prestando apoiopolicial às intervenções administrativas que redundam na aplicação de multas18 Convenção das Nações unidas contra o Crime Organizado Transnacional, Convenção de Palermo define “Grupo criminosoorganizado” como grupo estruturado de três ou mais pessoas, existente há algum tempo e atuando concertadamente com opro<strong>pós</strong>ito de cometer uma ou mais infrações graves ou enunciadas na presente Convenção, com a intenção de obter, diretaou indiretamente, um benefício econômico ou outro benefício material. Cf. Decreto federal n. 5.015/2004.19 “De acordo com dados da Campanha Nacional de Combate ao Trabalho Escravo, coordenada pela CPT, nos últimos cincoanos, mais de 300 fazendas foram denunciadas pela prática do crime de trabalho escravo, envolvendo mais de 10 miltrabalhadores. Em resposta a essas denúncias, a fiscalização móvel do Ministério do Trabalho conseguiu libertar em tornode 50% desses trabalhadores.” SAuER, Sérgio. Violação dos direitos humanos na Amazônia : conflito e violência na fronteiraparaense . Goiânia : CPT ; Rio de Janeiro : Justiça Global ; Curitiba : Terra de Direitos, 2005, p. 37 [On line] disponível em[http://www.global.org.br/docs/relatorioparaportugues.pdf], acesso em 05 out 2006.184Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006


e apreensão de produtos oriundos dos recursos naturais e também as operaçõesem matéria de organizações criminosas.4. PROGRAMAS DE SEGuRANçA AMBIENTAL: GuARDAAMBIENTAL NACIONAL E CORPO DE GuARDA-PARQuESOs programas de Seguran• a ambiental visam, prioritariamente,atividades de preven• ‹ o e defesa contra crimes e infra• ›e s ambientais,bem como para a preserva• ‹ o do meio ambiente, da fauna e da flora, eforam adotados pelo decreto federal n. 6.515 de 22 de julho de 2008. taisprogramas orientam-se pelos seguintes princ’pios e diretrizes: coopera• ‹ oambiental; solidariedade federativa; planejamento e fiscaliza• ‹ o do uso dosrecursos ambientais; prote• ‹ o de ‡ reas amea• adas de degrada• ‹ o e de espa• osterritoriais a serem protegidos e seus componentes; preven• ‹ o contra crimes einfra• ›e s ambientais; emprego de tŽ cnicas adequadas ˆ preserva• ‹ o ambiental;e qualifica• ‹ o especial para gest‹ o de conflitos. esse decreto instituiu assim aGuarda ambiental Nacional e o Corpo de Guarda-parques, com o objetivo dedesenvolver a• ›e s de coopera• ‹ o federativa na ‡ rea ambiental. Caber‡ ˆ Uni‹ o,por meio dos MinistŽ rios do Meio ambiente e da Justi• a, celebrar conv• nioscom os estados e o Distrito Federal, inclusive com a previs‹ o de repasse derecursos para execu• ‹ o dos programas de seguran• a ambiental. Interessantedestacar que inicialmente a idŽ ia defendida pelo ministro do Meio ambiente,Carlos Minc, previa a cria• ‹ o de uma Guarda Nacional ambiental, nos moldesda For• a Nacional de Seguran• a (FNS), entretanto, n‹ o foi nesses moldes q<strong>uea</strong> mesma foi criada.Na realidade, de acordo com o art. 3¼ do decreto federal n. 6.515/2008,as a• ›e s Guarda ambiental Nacional dever‹ o ser executadas por integrantesdas unidades especializadas em policiamento ambiental dos entes federativosconveniados. Sua atua• ‹ o dever‡ ser dirigida ˆ prote• ‹ o e ao apoio deatividades desenvolvidas por servidores do IBaMa ou do Instituto ChicoMendes. para tanto, tais servidores dever‹ o ter recebido treinamento especialpara realizarem a• ›e s conjuntas com integrantes das pol’cias federais e dos—r g‹ os de seguran• a pœbl ica e de preserva• ‹ o do meio ambiente dos estados edo Distrito Federal. Observe-se que o emprego da Guarda ambiental Nacional,segundo o decreto federal n. 6.515/2008 ser‡ epis—di co e planejado e o atoque determinar o seu emprego dever‡ conter: a) a delimita• ‹ o da ‡ rea deHiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006 185


atua• ‹ o e limita• ‹ o do prazo nos quais suas atividades ser‹ o desempenhadas;b) a indica• ‹ o das medidas de prote• ‹ o ambiental a serem implementadas; ec) as diretrizes que nortear‹ o o desenvolvimento das opera• ›e s. apenas porautoriza• ‹ o do Ministro de estado da Justi• a, a For• a Nacional de Seguran• apœb lica (FNS) poder‡ oferecer instala• ›e s, recursos de intelig• ncia, transporte,log’stica, treinamento e sua tropa especializada de pronto emprego, de modo acontribuir com as atividades da Guarda ambiental Nacional.No que diz respeito ao Corpo de Guarda-parques, esse ser‡ formadopor integrantes do Corpo de Bombeiros e da pol’cia Militar, e seus Batalh›e sFlorestais e ambientais, cuja atua• ‹ o ser‡ dirigida ˆ prote• ‹ o ambientaldas unidades de conserva• ‹ o federais situadas no territ—r io do respectivoente federativo. entre suas atribui• ›e s encontram-se aquelas relacionadas ˆ sunidades de conserva• ‹ o: preven• ‹ o, fiscaliza• ‹ o e combate de inc• ndiosflorestais e queimadas em seu interior e entorno imediato; a garantia daseguran• a de seus visitantes e funcion‡ rios, inclusive com atua• ‹ o em a• ›e sde busca e salvamento; o zelo pelo seu patrimni o f’sico; a promo• ‹ o deatividades e presta• ‹ o de apoio operacional bem como de seguran• a aosservidores competentes para exercer o poder de pol’cia ambiental nas unidadesde conserva• ‹ o federais.186Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006


CONCLuSõESO direito penal ambiental pode ser definido Ò como o conjunto dedispositivos repressivos, concebidos para proteger os diferentes elementosque comp›e m o meio ambiente, sancionando as atividades humanas que lhesamea• am e/ou lhes degradamÓ. 20 Na verdade, é certo que há a necessidadeda cooperação internacional para coibir o tráfico de resíduos, substâncias eespécies ameaças de extinção, mas também é necessário que todos os Estadosafirmem “(...) alto e forte, que a pilhagem dos recursos naturais, a transformaçãodos mares em de<strong>pós</strong>itos, dos cursos de água em cloacas, a comercializaçãodas espécies ameaçadas de extinção, são ações moralmente condenáveis,um pecado contra a ética que requer uma gestão respeitosa do patrimôniocoletivo”. 21 Este processo constitui assim o reflexo de um movimento mundialde adoção de legislações de âmbito penal na proteção do meio ambientecomo um dos instrumentos preventivos à proteção e conservação de um meioambiente sadio e equilibrado.alŽ m das normas penais ambientais, uma estratŽ gia de desenvolvimentoregional deve ser adotada para assegurar a todos o direito ao meio ambiente.Nesse sentido, BeCKer aponta tr• s caminhos a) revolu• ‹ o tecnol—gi ca parao uso sustent‡ vel e rent‡ vel dos ecossistemas florestais; b) negocia• ›e s ecompensa• ›e s para atores, produtos e territ—r io, equacionando-se a quest‹ ofundi‡ ria; c) reconhecimento da diversidade regional orientando a• › esespec’ficas e diferenciadas. 22 Isso s— ser‡ poss’vel se tambŽ m forem coibidaspr‡ ticas ilegais de apropria• ‹ o dos recursos na regi‹ o, como tambŽ m a• ›e scriminosas envolvendo o patrimni o ambiental da regi‹ o.ƒ poss’vel concluir que se o processo para um aperfei• oamento daseguran• a ambiental est‡ em curso na regi‹ o amazni ca, Ž necess‡ rio, alŽ mda capacita• ‹ o da pol’cia federal e das pol’cias militares, investimento empessoal e equipamentos para que o Sistema de prote• ‹ o da amazni a (SIpaM)possa auxiliar ˆ s a• ›e s da pol’cia federal para a efetiva prote• ‹ o ambiental.ali‡ s, se, desde o in’cio da coloniza• ‹ o Ž poss’vel afirmar que a amazni atem sido alvo de uma sistem‡ tica extra• ‹ o de riquezas, 23 a preserva• ‹ o e20 Marie-José LITTMANN-MARTIN : « Le droit pénal français de l’environnement et la prise en compte de la notiond’irreversibilité » Revue Juridique de l’Environnement, nº especial/ 1988, p.143.21 Idem, p.144.22 BECKER, Bertha. Amazônia: geopolítica na virada do III milênio. Rio de Janeiro: Garamond, 2004, p, 142.23 SAYAGO, Doris; TOuRRAND, Jean-François ; BuRzTYN, Marcelo. um olhar sobre a Amazônia : das cenas aos cenários. In SAYAGO,Doris; TOuRRAND, Jean-François ; BuRzTYN, Marcelo (orgs.) Amazônia : das cenas aos cenários. Brasília: uNB, 2004, p. 17.Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006 187


conserva• ‹ o do patrimni o ambiental da regi‹ o e, a instaura• ‹ o de uma ordempœb lica ambiental demanda a• ›e s coordenadas dos —r g‹ os que atuam emmatŽ ria de seguran• a ambiental de todos os pa’ses do tratado de Coopera• ‹ oamazni ca e a participa• ‹ o da coletividade na formula• ‹ o e execu• ‹ o daspol’ticas pœbl icas de seguran• a ambiental.ƒ certo que um primeiro e grande passo foi dado no Brasil com a cria• ‹ odos programas de Seguran• a ambiental (Guarda ambiental Nacional e Corpode Guarda-parques), mas n‹ o basta apenas a institui• ‹ o de tais programas.Sua cria• ‹ o s— trar‡ resultados concretos se forem efetivamente destinadosrecursos financeiros e realizada capacita• ‹ o de profissionais para a realiza• ‹ ode tais a• ›e s coordenadas entre servidores dos entes federados. alŽ m disso, asa• › es de seguran• a ambiental dever‹ o estar associadas ˆ l—gi ca da prote• ‹ o n‹ oapenas da biodiversidade amazni ca, mas tambŽ m de sua sociodiversidade,e isso demanda certamente uma reflex‹ o sobre alternativas de resolu• ‹ o deconflitos socioambientais.188Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006


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“JuRIDICAL IDEALISM” AS AN OBSTACLE FOR THE “RIGHT TO THE CITY”: A NOTION OF uRBAN PLANNING AND THE ENVIRONMENTAL LAWMAINSTREAMJoaquim Shiraishi Netosirene Martins LimaÒ IDeaLISMO JUrêDICOÓCOMOOBStç CULO aO Ò DIreItO Ë CIDaDeÓ:a NO‚ Ì O De pLaNeJaMeNtO UrBaNOe O DISCUrSO JUrêDICO aMBIeNtaL 1Joaquim Shiraishi Neto *Rosirene Martins Lima **Sum‡r io: Introdu• ‹ o; 1. O planejamento Urbano; 2. O Direito ambiental; Considera• ›e sFinais; refer• ncias.Resumo: a observa• ‹ o emp’rica das situa• ›e srelativas aos processos de reconhecimentodos direitos dos povos e das comunidadestradicionais nos chamados espa• os urbanostem evidenciado enormes dificuldadesjur’dicas operacionais. tais dificuldadesencontram-se referidas aos dispositivoslegais de pretens‹ o universal, bem como amaneira de como Ž produzido e difundidoo debate jur’dico urbano, carregado de umforte Ò idealismo jur’dicoÓ. Verifica-se que asdiscuss›e s jur’dicas enfatizam a necessidadedo planejamento urbano por meio do planoDiretor e a incorpora• ‹ o do direito ambientalenquanto instrumentos estratŽ gicos paragarantir de forma efetiva o direito de todosˆ cidade. Nesse sentido, o texto em quest‹ opretende refletir sobre a produ• ‹ o e difus‹ odesse discurso e suas implica• › es para opr—pr io direito urbano.Palavras Ð chave: planejamento urbano,direito ambiental e Ò idealismo jur’dicoÓ.Abstract: the empirical observationof the situations relative to the processesof recognizing the peoples and traditionalcommunitiesÕ rights in the so-called urbanspaces has demonstrated great operationaljuridical difficulties. Such difficulties arerelated to the legal dispositive of universalpretension, as well as to the way how theurban juridical debate is produced and spread,filled with a powerful Ò juridical idealismÓ. Itis seen that the juridical discussions emphasizethe need of urban planning through the Masterplan and the addition of environmental Lawas strategical tools to effectively guaranteeeveryone`s right to the city. In this sense,the current text aims reflecting about theproduction and spreading of such discuss andits implications for the urban law itself.Keywords: Urban planning, environmentallaw and Ò juridical idealismÓ.1 Projeto de Pesquisa “Direito, Recursos Naturais e Conflitos Ambientais: o Tratado de Cooperação Amazônica”, MCT/CNPq.* Joaquim Shiraishi Neto, advogado. Professor do Programa de Pós-<strong>graduação</strong> em Direito Ambiental da universidade doEstado do Amazonas (PPGDA/ uEA). Pesquisador do Projeto “Nova Cartografia Social da Amazônia” (PNCSA-uFAM). Email:jshiraishi@<strong>uea</strong>.edu.br.** Rosirene Martins Lima, geógrafa. Professora da universidade Estadual do Maranhão (uEMA-CESI). Email: rosirenelima@uol.com.brHiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006 191


INTRODuçãONas œl timas dŽ cadas, observa-se uma profus‹ o de reflex›e s jur’dicasa respeito do Ò direito ˆ cidadeÓ. O Ò direito ˆ cidadeÓtransformou-se em umdireito fundamental para integrar a categoria de direitos coletivos e difusos. 2a Constitui• ‹ o Federal de 1988 permitiu edificar todo um conjunto dedispositivos legais, considerados mais adequados ˆ resolu• ‹ o dos Ò problemasurbanosÓ, notadamente aqueles relacionados aos processos de Ò segrega• ‹ oterritorialÓe de Ò exclus‹ o socialÓ. a combina• ‹ o desses dois elementos temsido determinante para a pouca qualidade de vida dos indiv’duos na maioriadas cidades brasileiras.para essa leitura, a CF e o estatuto da Cidade (Lei n.10.257, de 10 dejulho de 2001), 3 enquanto marco legal permitiu uma ruptura com os esquemasde pensamento atŽ ent‹ o dominantes e uma mudan• a de Ò paradigmaÓconceitual, 4 que se encontra alicer• ado no princ’pio da Ò fun• ‹ o social dapropriedadeÓ. a propriedade Ž garantida desde que cumprida ˆ fun• ‹ o social,aquela determinada pela legisla• ‹ o urban’stica municipal. Foi quando seatribuiu ao poder pœbl ico municipal a responsabilidade pela condu• ‹ o doprocesso de ordenamento territorial e desenvolvimento urbano.a intensa discuss‹ o que se verificou ap—s a edi• ‹ o da CF de 1988,foi marcada pela necessidade de constru• ‹ o e consolida• ‹ o de dispositivoslegais apropriados ˆ quest‹ o urbana, o que permitiu avan• o nos processos deinterpreta• ‹ o da ordem jur’dica urbana. a exist• ncia de um enorme dŽ ficit emrela• ‹ o aos direitos dos indiv’duos que viviam nas cidades, talvez tenha sidoum fator determinante para que as discuss›e s jur’dicas ficassem restritas ˆaplica• ‹ o dos direitos. Importa relembrar, ainda, que a maioria dos Ò operadoresdo direitoÓera oriunda das assessorias dos movimentos de Ò luta pela moradiaÓe estavam empenhados na garantia e aplica• ‹ o desses direitos, que sempreforam negados pelo estado brasileiro.N‹ o obstante aos avan• os, que foram bastante significativos, Fernandest• m chamado aten• ‹ o para o fato de que Ò pesquisa acad• micaÓrelacionadaˆ problem‡ tica urbana Ž bastante Ò limitadaÓ. as reflex›e s t• m enfatizadoa dimens‹ o instrumental dos dispositivos e sua aplica• ‹ o. 5 alŽ m disso, o2 Saule Jr. (2007, p.165 e ss.).3 O denominado Estatuto da Cidade representa um marco legal importante no processo de luta e de conquista dos movimentossociais urbanos. A pro<strong>pós</strong>ito da longa história desse dispositivo, consultar Grazia (2002, pp.15-37).4 Fernandes (2002, p.9).5 Fernandes (2000, p.18).192Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006


cap’tulo da CF referente ˆ pol’tica urbana n‹ o foi devidamente compreendido. 6para esse autor, h‡ necessidade de se realizar o Ò enfrentamento adequadoÓda quest‹ o urbana. 7 trata-se de repensar o marco te—r ico jur’dico, incluindoa rela• ‹ o entre o direito urban’stico e o direito ambiental, 8 que tem sidonegligenciado nos diversos estudos da problem‡ tica urbana.a partir dessa constata• ‹ o de Fernandes, gostar’amos de propor areflex‹ o em torno da no• ‹ o de planejamento e da rela• ‹ o do direito urban’sticocom o direito ambiental, pois esse direito vem sendo incorporado pelo discursodo direito urbano. Distante de qualquer pretens‹ o, as reflex›e s aqui expostast• m por objetivo contribuir com o debate, na medida em que se preocupa emtrazer as discuss›e s ambientadas no ‰ mbito do programa de Mestrado emDireito ambiental da Universidade do estado do amazonas 9 e de pesquisasdesenvolvidas na regi‹ o amazni ca 10 , que necessariamente n‹ o est‹ o referidasdiretamente ao direito urbano, mas que remetem a esse direito. as observa• ›e semp’ricas envolvendo os grupos sociais portadores de identidade Ž tnica, 11 queemergiram de forma organizada em diversos espa• os nos obrigam a um esfor• ote—r ico e uma reflex‹ o permanente a respeito da necessidade de se pensaras especificidades das cidades da regi‹ o amazni ca 12 ˆ luz das discuss›e ste—r icas.6 Ibid., p.21.7 Ibid., p.18.8 Ibid., p.19.9 No âmbito do Programa há um conjunto de trabalhos que procuram refletir a problemática da realidade urbana na regiãoAmazônica. A especificidade da realidade urbana da região vem obrigando a um esforço teórico, que busca articular asdiscussões do direito urbanístico e ambiental em face da realidade Amazônica, que se apresenta de forma múltipla ecomplexa. Entre as pesquisas em andamento no Programa, ver: Povos Indígenas e Cidade. As concluídas: Conflitos Sócioambientaisurbanos: o caso da revitalização dos igarapés da cidade de Manaus-AM; e A Cidade Real na Cidade Formal: umestudo sobre a construção da territorialidade do Quilombo do Maicá em Santarém – Pará. Dentre as pesquisas que procurafocalizar a problemática urbana na região, ver, também, a dissertação de mestrado: “O Rural no urbano: uma análise doprocesso de produção do espaço urbano de Imperatriz-MA.”, defendida junto ao Programa de Pós-<strong>graduação</strong> em Geografiada universidade Federal do Paraná.10 No âmbito do Projeto Nova Cartografia Social da Amazônia (PNCSA-PPGSCA-uFAM), consultar, dentre tantos, os Fascículos:“Quebradeiras de Coco do Quilombo de Enseada da Mata, Maranhão.”; e “Ribeirinhos e Quilombolas: ex-moradores doParque Nacional do Jaú, Novo Airão, Amazonas”. Ainda, a respeito dos quilombolas, ex-moradores do Parque Nacional doJaú, ver também a dissertação: Tambor urbano: identidade quilombola e deslocamento compulsório, defendida no Programade Pós-<strong>graduação</strong> Sociedade e Cultura na Amazônia.11 Almeida enfatiza o fato de que os movimentos sociais na região Amazônica vêm se consolidando fora dos marcos tradicionaisdos Sindicatos, incorporando critérios étnicos, que expressam a diversidade de formas de existência coletiva (Almeida,2006, pp. 21-26).12 Sobre a urbanização da região Amazônica, há um conjunto de pesquisas que objetivam analisar a especificidade desseprocesso, a exemplo de Trindade Jr.; Rocha (2002).Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006 193


1. O PLANEJAMENTO uRBANOas reflex›e s jur’dicas em torno da quest‹ o urbana t• m enfatizado q<strong>uea</strong> CF de 1988 tornou o direito ˆ cidade um direito fundamental, integrandoas categorias de direitos coletivos e difusos. Mais do que isso, a CF criou umdireito coletivo novo, o direito ao planejamento urbano. 13 este marco legalresultou na obrigatoriedade dos munic’pios, com mais de 20 mil habitantes, derealizar o planejamento, a ordena• ‹ o e o desenvolvimento de seus territ—r ios,por meio do plano Diretor.para esse entendimento, a import‰ ncia do plano Diretor Ž ressaltada,muito embora possa representar um problema para a an‡ lise jur’dica, j‡ q<strong>uea</strong> import‰ ncia a ele atribu’da Ž muito maior do que o pr—pr io plano Diretor. 14ao aplicar as categorias jur’dicas para pensar o ordenamento do territ—r io eo desenvolvimento das cidades, incorre-se no risco de n‹ o compreender averdade mais fundamental. 15 , que se encontra referida a esses esquemas depensamento e a pr—pr ia idŽ ia de cidade. ali‡ s, Ž farta a literatura que se atŽ mao papel das cidades desde os tempos mais remotos. a cidade enquanto espa• opara garantia da circula• ‹ o das pessoas e dos bens.Os espa• os urbanos resultantes das pr‡ ticas de planejamento, pouco temsido submetidos ˆ reflex‹ o, embora diversas pesquisas tenham se ocupado comos problemas decorrentes da utiliza• ‹ o inadequada desse instrumento que, aocontr‡ rio, tem promovido o processo de Ò segrega• ‹ oÓe de Ò exclus‹ o socialÓ 16nas cidades brasileiras. N‹ o se trata de alinhavar argumentos contr‡ rios ˆ no• ‹ ode planejamento, mas de tentar refletir sobre esse instrumento, apropriado pelo13 Fernandes (2000, p.22).14 No período da pesquisa que originou o fascículo “Quebradeiras de Coco do Quilombo de Enseada da Mata”, foi possívelouvir o relato de que no Estado do Maranhão, “os Planos Diretores em muito se assemelham. Pelo visto, algum ‘espertinho’percorreu os municípios elaborando os diversos planos.” é possível admitir a veracidade desse relato a partir da experiênciae do Plano Diretor do município de Penalva (Lei Complementar n.002/ 2006). A exceção das situações, alguns municípiosdo Estado se ocuparam em cumprir as determinações legais, elaboraram um Plano Diretor envolvendo a participação dapopulação. Dentre os municípios, destaca-se o Plano Diretor de Alcântara (Lei n.310/ 2006), que tem entre as diretrizes:“Reconhecimento e identificação das áreas legitimadas de proteção do patrimônio cultural das comunidades tradicionais,direcionando um processo de ordenamento e desenvolvimento territorial que respeite as características culturais eproporcione a solução dos conflitos existentes.” [cf. item i) do artigo 50).No Estado do Amazonas, o Plano Diretor do município de São Gabriel da Cachoeira tem sido referência, já que incorporou osdebates, garantido o reconhecimento dos vários grupos indígenas. Sobre o Plano Diretor de São Gabriel da Cachoeira, verSaule Jr. (,2007).15 A pro<strong>pós</strong>ito, consultar Bourdieu (1996, pp.91-135).16 A respeito do planejamento enquanto instrumento que promove o processo de “segregação” e “exclusão social”, ver Moura(2001). Para Rosa Moura, o planejamento urbano de Curitiba foi extremamente eficaz, pois manteve a pobreza afastada dacidade. O planejamento de Curitiba hierarquizou os espaços urbanos, funcionando como indutor de uma política seletiva esegregadora dos espaços.194Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006


discurso jur’dico urbano, sem a devida cautela. a leitura formal ou mesmoinstrumental do planejamento explicitam as dificuldades de an‡ lise. ademais,n‹ o se pode ignorar que o planejamento sabiamente manejado pelo poderpœbl ico municipal se encontra vinculado a um espa• o de luta, onde diferentesindiv’duos se posicionam numa tentativa de expressar e de impor sua idŽ ia decidade. em outras palavras, h‡ v‡ rias cidades em uma s—, na medida em q<strong>uea</strong> cidade Ž fragmentada e que cada fragmento expressa as diferen• as espaciaise os interesses em jogo. a forma• ‹ o e organiza• ‹ o do territ—r io revelam umacontinua luta de domina• ‹ o e de insubordina• ‹ o. 17 Nessa perspectiva, o espa• ourbano aparece como um verdadeiro campo de for• as diversas e antagni cas,que a todo instante se encontra em conflito.O planejamento tem sido interpretado como um dado extremamentepositivo e por esse motivo h‡ insist• ncia em ser incorporado nas pol’ticaspœbl icas pelo poder pœbl ico municipal. enquanto instrumento urban’sticoŽ tomado como se fosse uma ferramenta Ò naturalÓ, desprovido de qualquertipo de interesse que possa macul‡ -lo; 18 esconde na sua pr‡ tica pretensamentetŽ cnica- cient’fica, o seu profundo car‡ ter ideol—gi co e pol’tico. 19 Seu conceitotraz embutido a idŽ ia de que Ž poss’vel transformar a realidade social emprol de todos os cidad‹ os indistintamente, desde que projetada e dirigida. 20O fato de associar ˆ capacidade tŽ cnica cient’fica ˆ idŽ ia de desenvolvimentourbano para todos os cidad‹ os faz com que n‹ o seja colocado em quest‹ o.O planejamento enquanto pr‡ tica institucional d‡ a impress‹ o de que o seuresultado Ž fruto de atos racionais e n‹ o como um processo conflituoso, ondeinteresses contradit— rios se colocam.Nesse sentido, o planejamento se apresenta como instrumento idealpara assegurar os direitos de todos os cidad‹ os. O car‡ ter universal dessapretens‹ o nos remete a outra reflex‹ o, que se encontra em oposi• ‹ o ˆ s tesesque objetivam reconhecer a diversidade cultural. as discuss› es assinalama pr— pria dificuldade dos planos Diretores incorporarem as dimens› esparticularizadas, que se relacionam as diferentes formas de Ò fazerÓ, deÒ criarÓ e de Ò viverÓ dos grupos sociais portadores de identidade Ž tnica17 Guattari (1985).18 Para Grau, é impossível afirmar a neutralidade do planejamento: “O que define um pressuposto de não neutralidade noplanejamento é justamente o compromisso prévio de preservação do mercado, instituição fundamental do sistema (Grau,1978, p.41).19 Escobar (2005, pp.140-142).20 Ibid., p.132.Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006 195


nas cidades 21 , sobretudo quando se verifica que a atualiza• ‹ o do discursojur’dico urbano tem sinalizado para a apropria• ‹ o acr’tica do discursojur’dico ambiental. Observa-se que o Ò idealismoÓ 22 do planejamento urbano,tambŽ m se faz presente na idŽ ia das Ò cidades sustent‡ veisÓ.2. O DIREITO AMBIENTALSegundo eric Hobsbawm, as profundas transforma• ›e s da sociedadeocorridas nas œl timas dŽ cadas serviu para colocar em quest‹ o as formaspol’ticas tradicionais, que se organizavam em torno de bandeiras universais,as quais julgavam capazes de atender todas as demandas, inclusive as deordem individual. Contudo, esse Ò universalismo de esquerdaÓ, foi incapazde incorporar as demandas mais espec’ficas, fazendo com que os indiv’duospassassem a se agregar de acordo com os seus interesses comuns.a despeito desse intenso processo que fez com que emergissem o quefoi designado como sendo Ò novos movimentos sociaisÓ, Hobsbawm chamaaten• ‹ o para o fato de que a œni ca bandeira capaz de ainda aglutinar essesmovimentos seria a ecol—gi ca, 23 apesar de ressaltar a sua pequena capacidadetransformadora.esse esfor• o te—r ico do autor em compreender as din‰ micas sociais,nos conduz a uma reflex‹ o sobre a for• a da bandeira ecol—gi ca, que tem sedemonstrado um Ò eficienteÓinstrumento de coes‹ o social, sobretudo, pelo fatode que as quest›e s relacionadas ao meio ambiente serem tratadas como umelemento Ò naturalÓ, afinal, ninguŽ m seria capaz de se opor a sua preserva• ‹ o,prote• ‹ o e defesa.a quest‹ o ambiental pode se inscrever nesse processo hist— rico de constru• ‹ ode novos fen menos sociais, isto Ž , de uma Ò nova quest‹ o pœbl icaÓ, 24 que Žapropriada e usada de forma indistinta pelas diversas pessoas e grupos sociais.21 A emergência dos grupos sociais, portadores de identidade étnica nas cidades tem obrigado a adoção de medidasespecíficas para atender as “práticas sociais” diferenciadas. No geral, as medidas tomadas têm sido pontuais e se referem àgarantia de direitos igualmente pontuais. Em Curitiba, os ciganos da Associação de Preservação da Cultura Cigana (APRECI)conseguiram da Prefeitura Municipal a outorga de permissão e uso de uma área para a implementação do Memorial daCultura Cigana, segundo o Decreto n.889/ 2004. é interessante observar que o art.6 do referido Decreto determina a vigênciado contrato por um período de 90 (noventa) dias, período exíguo se levado em consideração os objetivos contidos noDecreto.22 A noção de “idealismo jurídico” é tomada no sentido de Miaille, como “obstáculo” a compreensão do próprio direito(Miaille, 1994).23 Hobsbawm (1996, p.45).24 Lopes (2004, p.17).196Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006


eles incorporam nos discursos e nas pr‡ ticas, a preocupa• ‹ o ambiental. Lopes seutiliza do termo Ò ambientaliza• ‹ oÓpara explicitar esses novos fen menos.O processo hist— rico de constru• ‹ o e incorpora• ‹ o do Ò problema ambientalÓenquanto Ò problema socialÓ, implica na transforma• ‹ o das pessoas e do pr— prioestado que passam a atentar para quest›e s que antes n‹ o eram consideradasrelevantes. a sociedade elabora um conjunto de problemas sociais tidos comoleg’timos e dignos de serem discutidos e, portanto, pœb licos; Fuks salientaque a defini• ‹ o do Ò problema ambientalÓse d‡ num espa• o pœbl ico por meiodo debate e da a• ‹ o, 25 sendo que o autor faz essa reflexão a partir do espaçodo judiciário. É nesse espaço de disputas que se observa uma pluralidade devisões, embora o autor ressalte as condições diferenciadas de participação, queimplicam em resultados também diferenciados, 26 especialmente nas questõesdo direito que envolvem o próprio direito.No caso específico da definição do “problema ambiental” enquanto“problema público”, é importante ressaltar o papel da legislação ambiental,bem como do próprio direito ambiental, que produz e difunde um discurso“oficial” do meio ambiente que se apresenta como incontestável. O discursodo direito ambiental tem se demonstrado extremamente eficaz para organizaras relações sociais. Ele tem sido acionado por diversos sujeitos, inclusive, peloPoder Público para justificar suas políticas públicas e intervenções.Assim a eficácia simbólica da legislação ambiental se dá em função daforma de como se organiza e se faz funcionar a idéia do direito ambiental, ouseja, veicula-se a idéia da natureza como um bem comum, afastando qualquerpossibilidade de que possa haver interesses diversos, inclusive antagônicos.A idéia de “interesse difuso”, que não tem nenhum fundamento na realidadesocial, é disseminada como verdade e tomada como dogma pelos intérpretes.Difunde-se a idéia de que o meio ambiente pertence a todos de forma indistinta.Nesse sentido, o discurso ambiental tem sido um poderoso instrumento emfavor do Poder Público, sobretudo quando pretende impor determinadasmedidas que envolve a retirada de determinados moradores dos espaçosurbanos mais centrais para áreas mais periféricas. 27 Na verdade, o discursojurídico ambiental tem servido para intensificar os processos de “segregaçãosocial” e de “exclusão social” nas cidades brasileiras.25 Fuks (2001, p.47).26 Id.27 Várias pesquisas procuram refletir essa problemática. No Rio de Janeiro, além dos trabalhos de Fuks, Compans (2007). EmCuritiba, Lima ( 2007). Na cidade de Manaus, Azevedo (2008).Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006 197


CONSIDERAçõES FINAISAs reflexões aqui apresentadas além de apresentar um viés teórico, nosentido de problematizar a forma de como o planejamento urbano e o direitoambiental são concebidos, comporta também um posicionamento político, namedida em que para se pensar a cidade é necessário considerar os diferentesindivíduos e grupos sociais que produzem e reproduzem esse espaço.É importante chamar atenção para o fato de que as reflexões que têmnorteado a discussão trazem no seu bojo a idéia de que esses instrumentosrepresentam os interesses de toda sociedade, diluindo a política sob o conceitode direito; sendo que esse procedimento acaba por destituir a sociedade dodireito de ser atendida na sua diversidade. Torna-se necessário problematizaresse esquema interpretativo. A cidade fragmentada evidencia os diferentesinteresses os quais se confrontam com a idéia do difuso.Nesse sentido, a emergência dos grupos sociais portadores de identidadeétnica nas cidades, que reivindicam o seu reconhecimento enquanto gruposocial distinto propicia outros elementos para a reflexão teórica. Ao mesmotempo, se colocam como uma espécie de freio a toda e qualquer tentativa dehomogeneizar o direito urbanístico e o direito ambiental. Os esquemas depensamento e as práticas de pesquisa que se encontram datados, devem seratualizados, sob pena de desconhecimento do próprio “direito à cidade”, quese apresenta de forma múltipla e complexa.198Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006


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uSTAINABLE DEVELOPMENT IN CONSERVATION uNITSEvelinn Flores de OliveiraSerguei Aily Franco de CamargoDeSeNVOLVIMeNtO SUSteNtç VeL eMUNIDaDeS De CONSerVa‚ Ì O:O CaSO Da reDeS DO tUpƒEvelinn Flores de Oliveira *Serguei Aily Franco de Camargo **Sum‡ rio: Introdu• ‹ o; 1. Material e mŽ todos; 2. resultados e discuss‹ o; Conclus› es;refer• ncias.Resumo: O presente artigo comparou osobjetivos dispostos no artigo 20, ¤ 1¼ daLei n¼ 9.985/2000, que institui o SistemaNacional de Unidades de Conserva• ‹ o(SNUC), com os objetivos do art. 1¼ doDecreto estadual n¼ 8.044/2005, que crioua reserva de Desenvolvimento Sustent‡ veldo tupŽ (reDeS do tupŽ ). a reDeS dotupŽ Ž a segunda maior unidade de prote• ‹ odo Munic’pio de Manaus e abriga em seuinterior seis comunidades: S‹ o Jo‹ o do Lagodo tupŽ , Livramento, Juli‹ o, tatul‰ ndia,agrovila amazonino Mendes e Col niaCentral. No seu entorno, h‡ outras setecomunidades: comunidade Bela Vista, Costado arara, Baixote e CaioŽ , S‹ o Sebasti‹ o,Nossa Senhora de F‡ tima, ebenezer e tarum‹a• u. estas comunidades est‹ o dispersase o acesso entre elas e a ‡ rea urbana domunic’pio Ž feito exclusivamente por viafluvial. Neste contexto, buscou-se com basena literatura e observa• ›e s diretas, verificar aefic‡ cia social da norma de cria• ‹ o da reserva,combinada com os preceitos do SNUC, a fimde se delinear a forma com que a UnidadeAbstract: this paper compares the objectivesof the article 20, ¤1¼ of the Federal Law9.985/2000 that determined the creation ofthe National System of Conservation Units(SNUC), with the objectives of the article 1¼of the State of amazonas Decree 8.044/2005,that determined the creation of the SustainableDevelopment Unit of tupŽ (reDeS do tupŽ ).the reDeS of tupŽ is the second largestprotection unit of Manaus municipality andcontains in its area six traditional communities:S‹ o Jo‹ o do Lago do tupŽ , Livramento, Juli‹ o,tatul‰ ndia, agrovila amazonino Mendes eCol nia Central. there are another sevencommunities located outside its limits: BelaVista community, Costa do arara, Baixotee CaioŽ , S‹ o Sebasti‹ o, Nossa Senhora deF‡ tima, ebenezer e tarum‹ a• u. thesecommunities are dispersed and, the transitamong these areas and Manaus is accomplishedthrough the main channel of Negro river. Inthis context, it was intended, based in theliterature and personal observations, to verifythe social effectiveness of the mentionedState Decree 8.044/2005 and the Federal Law* Advogada. Mestranda em Direito Ambiental pela universidade do Estado do Amazonas – uEA e bolsista da Fundação deAmparo à Pesquisa do Amazonas – FAPEAM, evelinnflores@hotmail.com** Professor e Pesquisador do Programa de Pós-Graduação em Direito Ambiental da uEA. Doutor em Aqüicultura em águasContinentais e Pesquisador do Fisheries and Food Institute, safc@<strong>uea</strong>.edu.brHiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006 203


Gestora da reDeS do tupŽ e os comunit‡ riosvivenciam, na pr‡ tica, cada um daquelesobjetivos e, de que forma os mesmos s‹ oestimulados e desenvolvidos na ComunidadeS‹ o Jo‹ o do tupŽ .Palavras-chave: SNUC, reDeS do tupŽ ,Comunidade, amazonas.9.985/2000 (SNUC), aiming at to delineatethe relation between the communities and theManagement Group of reDeS of tupŽ at thelocal level. that context description was basedin the practice of the legal statements and theway that it is stimulated and accomplished inthe Ò Comunidade S‹ o Jo‹ o do tupŽ Ó.Keywords: SNUC, reDeS do tUpƒ ,Community, amazonas.204Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006


INTRODuçãOas unidades de conserva• ‹ o s‹ o imprescind’veis na luta em favor daprote• ‹ o da biodiversidade. Nos œl timos cinco anos, o Munic’pio de Manaustem recorrido aos institutos da pol’tica Nacional do Meio ambiente, paracriar unidades de conserva• ‹ o de uso sustent‡ vel. Neste aspecto, destacamseas reservas de Desenvolvimento Sustent‡ vel, que a lei n.¼ 9.985/2000define como sendo uma ‡ rea natural que abriga popula• ›e s tradicionais, cujaexist• ncia baseia-se em sistemas sustent‡ veis de explora• ‹ o dos recursosnaturais, desenvolvidos ao longo de gera• ›e s e adaptados ˆ s condi• ›e secol—gi cas locais e que desempenham um papel fundamental na prote• ‹ oda natureza e na manuten• ‹ o da diversidade biol—gi ca e t• m como objetivopreservar a natureza e, ao mesmo tempo, assegurar as condi• ›e s e os meiosnecess‡ rios para reprodu• ‹ o e a melhoria dos modos e da qualidade de vidae explora• ‹ o dos recursos naturais das popula• ›e s tradicionais, bem comovalorizar, conservar e aperfei• oar o conhecimento e as tŽ cnicas de manejodo ambiente, desenvolvidas por estas popula• ›e s. esta categoria de unidadede conserva• ‹ o Ž um dos modelos mais adequados ˆ realidade amazni ca,em virtude da presen• a de popula• ›e s tradicionais. entretanto, garantir meiosde subsist• ncia para estas popula• ›e s locais, garantir sua participa• ‹ o emtodos os processos de cria• ‹ o e elabora• ‹ o dos planos de manejo, s‹ o a• ›e sque precisam ser adequadamente desenvolvidas e integradas em n’vel local,envolvendo todas as comunidades residentes nas ‡ reas em foco.a cria• ‹ o do Sistema Nacional de Unidades de Conserva• ‹ o da Naturezaaconteceu em 2000, por meio da Lei 9.985, de 18 de julho de 2000. atŽ ent‹ o,o marco regulat—r io pertinente ao assunto encontrava-se em leis esparsas cujosobjetivos de conserva• ‹ o ficavam ao arb’trio dos —r g‹ os respons‡ veis pela suacria• ‹ o (DeUS, 2002), gerando injusti• as e arbitrariedades.Conforme o SNUC, unidade de conserva• ‹ o Ž o espa• o territorial comcaracter’sticas naturais relevantes e seus recursos ambientais, incluindo as‡ guas jurisdicionais, legalmente institu’dos pelo poder pœbl ico com objetivosde conserva• ‹ o in situ e de desenvolvimento sustent‡ vel das comunidadestradicionais, com limites definidos, sob regime especial de administra• ‹ o, aoqual se aplicam garantias adequadas de prote• ‹ o, segundo a Lei 9985/2000. Deacordo com a mesma lei (9.985/2000), as unidades de conserva• ‹ o integrantesdo SNUC dividem-se em dois grupos com caracter’sticas espec’ficas: asunidades de prote• ‹ o integral e as unidades de uso sustent‡ vel. as unidadesHiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006 205


de uso sustent‡ vel s‹ o formadas pela ‡ rea de prote• ‹ o ambiental, ‡ rea derelevante interesse ecol—gi co, floresta nacional, reserva extrativista, reservade fauna, reserva de desenvolvimento sustent‡ vel e pela reserva particular dopatrimni o natural, e buscam compatibilizar a conserva• ‹ o da natureza com ouso sustent‡ vel de parte dos seus recursos naturais.estas ‡ reas protegidas proporcionam meios para preservar econservar grandes ‡ reas florestais que sofrem press‹ o antr—pi ca. No aspectoconservacionista, uma importante quest‹ o a ser discutida Ž como conciliar aconserva• ‹ o da biodiversidade, com a ocupa• ‹ o humana no seu interior.assim, o presente artigo compara os objetivos dispostos no artigo 20,¤1¼ da Lei do SNUC com os objetivos do art. 1¼ do Decreto estadual n¼ 8.044,de 25 de agosto de 2005, que criou a reserva de Desenvolvimento Sustent‡ veldo tupŽ , como forma de medir a efic‡ cia social da norma, com • nfase sobre acomunidade S‹ o Jo‹ o do tupŽ .1. MATERIAL E MéTODOS1.1 Caracterização e Localização do Sítio de ColetaTupŽ , do tupi, significa entran• ado, tecido tran• ado com talas dapalmeira arum‹ Ischnosiphon spp. em cores ou n‹ o, usado como objeto dearte, principalmente pelos ind’genas, tapete, esteira, toldo de barcos, dentremuitas outras utilidades. este termo identifica uma localidade da ‡ rea rural doMunic’pio de Manaus, freqŸe ntada por visitantes locais e estrangeiros. estadenomina• ‹ o surgiu em raz‹ o do lago do mesmo nome que des‡ gua no rioNegro. ƒ tradicionalmente ocupada por comunidades ribeirinhas, dispersasentre si e isoladas da ‡ rea urbana de Manaus (SILVa, 2005).O tupŽ Ž uma regi‹ o lacustre, composta por cinco igarapŽ s ligados aorio Negro por um canal. Ë s margens do lago do tupŽ h‡ popula• ›e s recentes,etnias remanejadas e povos origin‡ rios da regi‹ o do alto rio Negro. O tupŽŽ tambŽ m um povoamento recente de novos ribeirinhos, migrantes de v‡ riosoutros recantos da amazni a e do Brasil, que utilizam as margens do rio comofoco tur’stico e de laser (SILVa, 2005). amazni das e migrantes partilhamde um modo de vida ligado ˆ agricultura familiar, extra• ‹ o de produtos dafloresta, ca• a e pesca.206Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006


a reserva de Desenvolvimento Sustent‡ vel do tupŽ abriga seiscomunidades em seu interior: S‹ o Jo‹ o do Lago do tupŽ , Livramento, Juli‹ o,tatul‰ ndia, agrovila amazonino Mendes e Colni a Central e outras setecomunidades no seu entorno: comunidade Bela Vista, Costa do arara, Baixotee CaioŽ , S‹ o Sebasti‹ o, Nossa Senhora de F‡ tima, ebenezer e tarum‹ a• u.estas est‹ o dispersas entre si e o acesso entre elas e com a ‡ rea urbana domunic’pio, Ž feito exclusivamente por via fluvial.De acordo com plano de Uso pœbl ico (pUp), elaborado pelo Instituto depesquisas ecol—gi cas - Ipæ (Ipæ , 2008), as fam’lias est‹ o divididas na reDeSdo tupŽ da seguinte forma: na comunidade da agrovila residem 80 fam’lias,na Colni a Central 20, no Juli‹ o 80, no Livramento 120, na tatul‰ ndia 20 e naComunidade de S‹ o Jo‹ o 80, podendo ser descritas como povoados ou gruposde unidades residenciais compostas de v‡ rias fam’lias, distribu’das de formairregular, organizadas em associa• ›e s criadas para cooperar sobre decis›e srelacionadas ˆ educa• ‹ o, saœde , economia, cursos e melhorias de vida. estesmoradores garantem sua sobreviv• ncia, sobretudo atravŽ s da agricultura, dapesca de subsist• ncia, o turismo e da visita• ‹ o.a reDeS do tupŽ Ž a segunda maior unidade de prote• ‹ o do Munic’piode Manaus e tem seus limites e objetivos definidos no artigo 1 o . do Decretoestadual n.¼ 8.044, de 25 de agosto de 2005, que menciona que a ‡ rea total dareDeS Ž de 11.973ha e o per’metro Ž de 47.056m. O objetivo b‡ sico dessaunidade de conserva• ‹ o Ž preservar a natureza e assegurar as condi• ›e s e osmeios necess‡ rios para a reprodu• ‹ o e a melhoria dos modos e da qualidade devida e explora• ‹ o dos recursos naturais das popula• ›e s tradicionais, valorizar,conservar e aperfei• oar o conhecimento e as tŽ cnicas de manejo do ambiente,desenvolvidas pelas popula• ›e s residentes.O artigo 2¼ do mesmo decreto estadual define que a reDeS do tupŽcome• a na conflu• ncia do rio Negro com a margem direita do igarapŽ tatu,seguindo do igarapŽ ac‡ cia atŽ a conflu• ncia com o igarapŽ tarum‹ -Mirim.Depois, segue pela margem direita do igarapŽ tarum‹ -Mirim, atŽ sua foz como rio Negro, para encontrar, na sua margem esquerda, seu ponto inicial noigarapŽ tatu.a ‡ rea da reDeS do tupŽ possui vegeta• ‹ o relativamente ’ntegra. H‡ ,entretanto, pequenas ‡ reas degradadas pr—xi mas aos nœc leos comunit‡ riose na margem direita do igarapŽ tarum‹ -Mirim, onde est‹ o localizadas tr• scomunidade do entorno da reserva, Nossa Senhora de F‡ tima, ebnezer e S‹ oSebasti‹ o, conforme ilustra a Figura 1, abaixo:Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006 207


FIGuRA-1 A REDES DO TuPé, SuAS COMuNIDADES E áREAS DEGRADADAS (SEMMA, 2008).a reserva situa-se h‡ aproximadamente 25km do centro da cidade deManaus. Sua ‡ rea Ž formada por diferentes tipologias vegetais, que formam ummosaico que reflete a influ• ncia do ciclo de subida e descida das ‡ guas do rioNegro. apresenta uma diversidade muito grande de mam’feros e aves, alŽ m demuitas espŽ cies de peixes de valor comercial e ornamental, como o matrinx‹Brycon cephalus, os aracœs anostomidae, o tucunarŽ Cichla monoculus, oacar‡ -a• u Astronotus crassipinis, dentre outras espŽ cies (SeMMa, 2008).1.2 Aspectos legais Concernentes à criação da Reservaa regi‹ o onde hoje se encontra a reDeS do tupŽ sempre foi uma ‡ reaque demandou prote• ‹ o especial do estado e do Munic’pio em fun• ‹ o dabeleza de seu cen‡ rio natural, da diversidade da fauna, da exist• ncia de tribosind’genas (Des‹ na, tukano e tuyuka) e da visita• ‹ o recreativa desenvolvidana praia.208Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006


Diante desse cen‡ rio, o poder pœbl ico Municipal, buscando controlaro processo de degrada• ‹ o ambiental causado pelas atividades dos visitantese dos moradores, instituiu alguns instrumentos legais de prote• ‹ o, dentre osquais se enumera: i) em 1990, a praia do tupŽ foi declarada como ç rea derelevante Interesse ecol—gi co pela Lei Org‰ nica do Munic’pio de Manaus; ii)em 1995, pela Lei Municipal n¼ 321, foi criada a Unidade ambiental do tupŽ(UNa-tupŽ ), definindo-se tambŽ m os limites territoriais dessa ‡ rea, integrantedo Sistema Municipal de Unidades de Conserva• ‹ o; iii) em 1999 o DecretoMunicipal n¼ 4.581 instituiu aquela ‡ rea como Ò espa• o territorial de relevanteinteresse ecol— gicoÓ, e atribuiu ˆ Secretaria Municipal de Desenvolvimentoe Meio ambiente (SeDeMa atual SeMMa) a gest‹ o ambiental daquelalocalidade; iv) ainda em 1999, por meio da portaria n¼ 18/99, a ent‹ oSeDeMa instituiu o regulamento da ç rea de relevante Interesse ecol—gi codo tupŽ (arIe -tupŽ ), definindo os limites espaciais da mesma, bem como,estabelecendo diretrizes e estratŽ gias para a implanta• ‹ o e o funcionamentodessa unidade ambiental; v) em 2002, a Lei Municipal n¼ 671/02 reenquadroua UNatupŽ como reserva de Desenvolvimento Sustent‡ vel e: vi) em 2005,atravŽ s do Decreto n¼ 8.044, foi criada a reserva de DesenvolvimentoSustent‡ vel do tupŽ (nesse documento denominada reDeS do tupŽ ).Desde o seu enquadramento como arIe em 1990 atŽ sua recategoriza• ‹ ocomo reDeS em 2005, a participa• ‹ o das comunidades nas decis›e s tornou-sefundamental e obrigat—r ia, como determina o ¤ 4¼ do artigo 20 da Lei do SNUC,ao afirmar que as reservas de Desenvolvimento Sustent‡ vel ser‹ o geridaspor um conselho deliberativo formado por representantes das popula• ›e stradicionais residentes na ‡ rea. Segundo o depoimento de alguns moradores, aslegisla• ›e s e os projetos antigamente Ò vinham de cima pra baixoÓ, mas a partirde 2005, eles foram envolvidos em todas as decis›e s concernentes ˆ reserva.1.3 Metodologia de coletaa pesquisa se desenvolveu na reserva de Desenvolvimento Sustent‡ veldo tupŽ , especificamente na Comunidade S‹ o Jo‹ o do tupŽ . escolheu-se a‡ rea do tupŽ por ser uma reserva criada recentemente, pela aus• ncia do planode Manejo, por sua proximidade com o Munic’pio de Manaus e pela fortepress‹ o humana nas comunidades do interior e do entorno da reserva. Os dadosforam coletados em 2 fases. a primeira consistiu em revis‹ o bibliogr‡ fica, coma sele• ‹ o da documenta• ‹ o sobre o SNUC e de documentos oficiais sobre a suaHiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006 209


cria• ‹ o e implementa• ‹ o, pesquisas e estudos realizados na reDeS do tupŽ ,visando o aprofundamento te—r ico-conceitual. Na segunda, desenvolveu-se apesquisa de campo e as entrevistas divididas em 2 per’odos. O primeiro per’odocompreendeu visita ‡ comunidade de S‹ o Jo‹ o nos dias 02, 03, 04, 05 e 06 defevereiro. O segundo per’odo compreendeu os dias 04 e 05 de mar• o de 2008.Os instrumentos b‡ sicos adotados foram as entrevistas semi-estruturadas e aobserva• ‹ o direta. as entrevistas foram direcionadas por roteiros de quest›e spreviamente elaborados. pretendeu-se com estas atividades a apreens‹ o deopini›e s, entendimento e grau de conhecimento que os moradores det• m sobreessa categoria de Unidade de Conserva• ‹ o e suas condi• ›e s de vida.2. RESuLTADOS E DISCuSSãO2.1 Potencialidades econômicasO lago, a praia, os igarapŽ s, o canal de liga• ‹ o com o rio Negro s‹ omais que ‰ ngulos privilegiados de acesso ˆ frui• ‹ o est‡ tica da paisagem. S‹ oambientes produtores de vida no tr—pi co œm ido e, portanto, s‹ o unidades dereprodu• ‹ o da vida f’sica, social e cultural, muito alŽ m de simples recursospara os usos da sobreviv• ncia econm ica (SILVa, 2005).N‹ o houve grandes mudan• as nas atividades econm icas realizadaspelos moradores antes da transforma• ‹ o da ‡ rea em uma reserva. em virtudedas limita• ›e s impostas pela lei do SNUC e no pr—pr io decreto de cria• ‹ o dareDeS, s‹ o proibidas as atividades que causem a degrada• ‹ o da qualidadeambiental, as obras de terraplanagem e abertura de canais, as atividades capazesde provocar eros‹ o do solo e assoreamento dos recursos h’dricos, as atividadesindustriais poluidoras, a pesca irracional, que utilize arrast‹ o, bombas, timb—e malhadeira, a ca• a profissional e amadora, a extra• ‹ o de recursos minerais eoutras atividade que, de certa forma, puderem causar qualquer tipo de altera• ‹ ona qualidade do meio ambiente, direta ou indiretamente. 1Por outro lado, são permitidas e incentivadas a pesquisa científica voltadaà conservação da natureza, à melhor relação das populações residentes comseu meio e à educação ambiental, sujeitando-se à prévia autorização do órgãoresponsável pela administração da unidade, a caça e pesca de subsistência, omanejo dos recursos naturais, visitação pública desde que compatível com os1 Observação pessoal resultante de visita técnica realizada em fevereiro de 2008.210Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006


interesses locais, o turismo nas tribos indígenas. As atividades produtivas desubsistência realizadas pelas comunidades da REDES do Tupé variam desde afruticultura, o roçado, a avicultura, o artesanato, a fabricação de remédios porplantas medicinais, a fabricação de doces e geléias, a apicultura e a venda dealimentos e bebidas nas barracas da praia do Tupé (SILVA, 2005).Mesmo com a presença de fontes permanentes de água para o cultivo,o solo na reserva, em especial na comunidade de São João, é consideradofraco para a agricultura pelos moradores, além da presença indesejada dassaúvas que destroem o curto roçado. Soma-se a isso a dificuldade de acessoe de transporte que representam os maiores empecilhos para o escoamentoadequado da produção, havendo alto índice de perda, principalmente decupuaçu, pois no período de safra, esses problemas se impõem e a falta decondições para transportar a produção ou ainda de transformá-la localmente empolpa ou em outros derivados acabam causando seguidos prejuízos e desânimonos pequenos produtores. Também não há energia elétrica, o que impede oarmazenamento e o beneficiamento da produção, obrigando a comercializaçãoin natura das frutas. 2Na comunidade de S‹ o Jo‹ o, a disponibilidade da praia durante grandeparte do ano, o crescimento da comunidade em torno da recente Ò infra-estruturatur’sticaÓcombinados com a facilidade de acesso da popula• ‹ o de Manaus,contribu’ram para a concentra• ‹ o dos moradores em atividades relacionadasao comŽ rcio informal. 32.2 Confronto entre os objetivos da lei do snuc e os objetivos dodecreto de criação da redes do tupéO artigo primeiro do decreto de cria• ‹ o da reDeS do tupŽ defineas finalidades e os objetivos que dever‹ o nortear as pol’ticas pœbl icaselaboradas para o desenvolvimento da comunidade local e para a preserva• ‹ oda natureza, bem como, dever‹ o servir de fundamento para toda e qualquerlegisla• ‹ o pertinente ˆ quela ‡ rea. este artigo traduz a ess• ncia de uma rDSe principalmente, enfatiza o cuidado no processo de elabora• ‹ o do plano demanejo, nas pesquisas, nas visita• ›e s e nos projetos desenvolvidos.O artigo 1¼ da mencionada Lei Municipal trata dos objetivos gerais dareDeS do tupŽ e sua aplica• ‹ o pr‡ tica na comunidade de S‹ o Jo‹ o. ao se2 Observação pessoal resultante de visita técnica realizada em fevereiro de 2008.3 Observação pessoal resultante de visita técnica realizada em fevereiro de 2008.Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006 211


eferir ˆ preserva• ‹ o da natureza, a Lei traz em si uma limita• ‹ o conceitual,relacionada ao termo preserva• ‹ o, que n‹ o Ž adequada aos prop—s itos deuma rDS. estas ‡ reas devem oferecer condi• ›e s e meios necess‡ rios parareprodu• ‹ o e melhoria da qualidade de vida e explora• ‹ o dos recursos naturaisdas popula• ›e s tradicionais, bem como valorizar, conservar e aperfei• oar oconhecimento e as tŽ cnicas de manejo do ambiente, desenvolvidos por aquelaspopula• ›e s. De acordo com rios (2005), preserva• ‹ o significa a Ò manuten• ‹ odas caracter’sticas pr—pr ias de um ambiente e as intera• ›e s entre seuscomponentes. ƒ a a• ‹ o de proteger, contra a destrui• ‹ o e qualquer forma dedano ou degrada• ‹ o, um ecossistema, uma ‡ rea geogr‡ fica definida ou espŽ ciesanimais e vegetais, adotando-se medidas preventivas legalmente necess‡ rias eas medidas de vigil‰ ncia adequadasÓ, ou seja, traz a idŽ ia de intocabilidade.a inser• ‹ o desta express‹ o na lei vem dificultando o modo de vida dosmoradores da comunidade de S‹ o Jo‹ o, pois limita a utiliza• ‹ o de recursosnaturais tradicionalmente aproveitados. este quadro Ž agravado pela aus• nciado plano de manejo e pelo zoneamento da reDeS. atŽ um simples ro• ado paraplanta• ‹ o de mandioca requer um procedimento burocr‡ tico, onde ao final, Žconcedida uma licen• a de autoriza• ‹ o para o in’cio do ro• ado ecol—gi co, queŽ limitado a uma ‡ rea de 50m 2 , permitindo apenas a planta• ‹ o de produtos desubsist• ncia. em casos especiais, s‹ o concedidas licen• as com uma ‡ rea maiordo que 50m 2 , desde que, o morador apresente um projeto de utiliza• ‹ o da ‡ reapara planta• ‹ o visando ˆ produ• ‹ o para comercializa• ‹ o de determinadosfrutos, como o cupua• u. porŽ m, na comunidade de S‹ o Jo‹ o os moradores n‹ odisp›e m de recursos financeiros para aquisi• ‹ o de fertilizantes. 4Ciente destas dificuldades, a SeMMa vem procurando viabilizaroutras alternativas de sustento, como o incentivo e o treinamento para ameliponilcultura e o cultivo de plantas medicinais, alŽ m da capacita• ‹ o demoradores para trabalhar nas barracas da praia do tupŽ durante os finais desemana.assim, o objetivo legal de conservar a natureza Ž garantido conformedisposto na Lei do SNUC. No tupŽ , apesar do manejo do solo e do turismo,a floresta continua intocada, entretanto, grande parte dos moradores vivemnuma situa• ‹ o de pobreza. De acordo com Crespo (2005), n‹ o h‡ preserva• ‹ oem meio ˆ pobreza e ao subdesenvolvimento. O desenvolvimento sustent‡ velacontece quando a dimens‹ o social Ž contemplada tanto quanto a dimens‹ o4 Observação pessoal resultante de visita técnica realizada em fevereiro de 2008.212Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006


ambiental. Neste caso, Ž evidente a Lei Municipal de cria• ‹ o da reDeS n‹ oatinge seu objetivo.a Lei Municipal tambŽ m fala em assegurar as condi• ›e s e os meiosnecess‡ rios para a reprodu• ‹ o e a melhoria dos modos e da qualidade de vidae explora• ‹ o dos recursos naturais das popula• ›e s tradicionais. Nesse sentido,a SeMMa nos œl timos tr• s anos v• m desenvolvendo na reDeS, em parceiracom institui• › es como a UFaM, UNINOrte e ULBra e Ipæ , campanhasambientais e de saœde , workshops sobre educa• ‹ o ambiental, cursos de ingl• sb‡ sico para atendimento ao turista, manipula• ‹ o e conserva• ‹ o de alimentos, deempreendedorismo, de capacita• ‹ o ambiental visando a melhoria na qualidadede vida dos moradores, contribuindo para estudos, propostas e a• ›e s quepromovam a forma• ‹ o, a integra• ‹ o e a coopera• ‹ o na comunidade. porŽ m,observou-se que a comunidade pouco se envolve nestas atividades. 5Segundo o gestor da reDeS do tupŽ , o Sr. Marco antni o Vaz deLima, a SeMMa, na medida do poss’vel, procura direcionar as atividades eos cursos de capacita• ‹ o nas comunidades da reDeS do tupŽ considerandoas potencialidades de cada uma das seis comunidades. por exemplo, nacomunidade de S‹ o Jo‹ o, s‹ o estimulados o turismo e a visita• ‹ o, a cria• ‹ ode abelhas para fabrica• ‹ o de mel e a manipula• ‹ o de plantas medicinais. Nacomunidade do Juli‹ o Ž estimulado o plantio do cupua• u para a fabrica• ‹ o dedoces. tudo isso Ž feito pela Cooperativa das Mulheres Doceiras do Juli‹ o,que aprenderam as tŽ cnicas e formas de comercializa• ‹ o do cupua• u atravŽ sda polpa (SeMMa, 2008).J‡ na opini‹ o dos moradores, na Comunidade de S‹ o Jo‹ o, 6 os projetosdesenvolvidos incentivam atividades ligadas ao turismo. Ocorre, que poucosexploram as atividades comerciais nas barracas da praia do Tupé e o turismo natribo indígena Dessana (são apenas 12 das 80 famílias residentes). Na opiniãodos moradores, grande parte de suas idéias são descartadas pela SEMMA, quejá vem com propostas prontas e apenas repassam para a comunidade.2.3 A comunidade de são joãoDe acordo com Silva (2005), a comunidade de S‹ o Jo‹ o do Lago dotupŽ est‡ limitada pela praia, pela mata de igap— e pela terra firme. Suas5 Observação pessoal resultante de visita técnica realizada em fevereiro de 2008.6 Observação pessoal resultante de visita técnica realizada em fevereiro de 2008.Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006 213


esid• ncias est‹ o ˆ beira do lago e agrupadas na pequena vila estruturada nasproximidades da praia do tupŽSegundo o levantamento socioecon mico preliminar de 2002, acomunidade de S‹ o Jo‹ o do tupŽ compreendia 31 fam’lias (SILVa, 2005),mas, de acordo com informa• ›e s fornecidas no pUp, atualmente a comunidadede S‹ o Jo‹ o conta com 80 fam’lias. Deste total, 57% desenvolvem algumaatividade produtiva, como a fruticultura, ro• a, avicultura, plantas medicinais,apicultura, explora• ‹ o das barracas na praia do tupŽ e o restante vive dasbolsas escola, fam’lia e bolsa floresta, da aposentadoria ou s‹ o empregados daSeMMa ou da Secretaria Municipal de educa• ‹ o (Ipæ , 2005).a comunidade possui acesso f‡ cil para a praia do tupŽ , que passou pormelhorias para melhor atender os visitantes vindos de Manaus. em fevereirode 2008 a prefeitura inaugurou 12 barracas padronizadas para a venda decomidas e bebidas as entregou para dez moradores, atravŽ s de termo deconcess‹ o de uso. Na praia tambŽ m est‡ localizado o Centro de atendimento eDesenvolvimento Sustent‡ vel e a base da SeMMa. a comunidade de S‹ o Jo‹ oconta com um posto mŽ dico, com uma r‡ dio comunit‡ ria, uma igreja cat—l icae uma evangŽ lica, uma escola municipal, duas pequenas tabernas e um chapŽ ude palha onde futuramente funcionar‡ o clube de m‹ es. 7O principal problema da comunidade Ž a limita• ‹ o no uso dos recursosnaturais decorrentes das proibi• ›e s impostas na Lei do SNUC. Na pr‡ tica,observa-se que a conserva• ‹ o da natureza Ž prioridade, restringindo quasetodas as atividades econm icas dos moradores, que tiveram que adequar seumodo de vida ˆ s novas limita• ›e s legais.2.3.1 Atuação do órgão gestor da reserva na comunidadede são joãoas a• ›e s do poder pœbl ico na reDeS do tupŽ foram intensificadasa partir de 1999, impulsionadas pela crescente participa• ‹ o social e pelanecessidade de cumprimento da legisla• ‹ o ambiental, que vem exigindouma atua• ‹ o planejada dos —r g‹ os pœbl icos integrantes do SISNaMa, quepodem ser responsabilizados pela gest‹ o das unidades de conserva• ‹ o q<strong>uea</strong>dministram.Visando melhorar o modo de vida da popula• ‹ o local, a SeMMa,desde 2005, tambŽ m vem desenvolvendo a forma• ‹ o de agentes ambientais7 Observação pessoal realizada em fevereiro de 2008 na comunidade de São João.214Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006


volunt‡ rios, no qual s‹ o ministradas palestras sobre a preven• ‹ o da ocorr• nciade danos ambientais e o incentivo a programas de educa• ‹ o ambiental junto ˆcomunidade. a SeMMa tambŽ m vem promovendo a revis‹ o o plano de Usopœbl ico da praia do tupŽ , em parceria com o Ipæ .2.4 O plano de manejopela Lei do SNUC, em seu artigo 2¼ , XVII, o plano de manejo Ž umdocumento tŽ cnico mediante o qual, com fundamento nos objetivos geraisde uma unidade de conserva• ‹ o, se estabelece o seu zoneamento e as normasque devem presidir o uso da ‡ rea e o manejo dos recursos naturais, inclusive aimplanta• ‹ o das estruturas f’sicas necess‡ rias ˆ gest‹ o da unidade, devendo serelaborado no prazo de cinco anos a partir da data de sua cria• ‹ o.Na reDeS do tupŽ o plano de manejo est‡ na segunda fase deelabora• ‹ o. Define-se no momento, o zoneamento da reserva junto com osrepresentantes do conselho deliberativo das 06 comunidades da reDeS,com algumas ONGÕ s envolvidas e com institui• ›e s de ensino. S‹ o realizadasreuni›e s mensais, nas quais s‹ o avaliadas as zonas destinadas a cada tipo deatividade, por exemplo, ser‹ o delimitadas zonas para o ro• ado ecol—gi co, zonasde recrea• ‹ o, trilhas tur’sticas, ‡ reas destinadas ˆ visita• ‹ o pœbl ica e etc.Mais adiantado est‡ o pUp, que trata das atividades de uso pœbl ico,definindo as atividades a serem desenvolvidas na ‡ rea e estabelecendo asnormas e diretrizes para sua execu• ‹ o. em reuni‹ o realizada em mar• o de2008, nas comunidades do Juli‹ o e em S‹ o Jo‹ o, foi apresentada a minutano pUp para todos os interessados. Na ocasi‹ o, ressaltou-se a import‰ ncia doenvolvimento das comunidades nas reuni›e s para o sucesso do pUp.por œl timo, fortaleceu-se o discurso de que as popula• ›e s tradicionaisdevem retirar seu sustento da floresta. entretanto, em especial na comunidade deS‹ o Jo‹ o, esta idŽ ia Ž impratic‡ vel, conforme exposto acima. O que se observa,Ž que s‹ o realizados diversos cursos de capacita• ‹ o, mas implicitamente, elesn‹ o contemplam nenhuma atividade que envolva o manejo da floresta.2.5 Gestão e conflitosDevido ˆ facilidade de acesso, a comunidade de S‹ o Jo‹ o do tupŽpassou a sofrer forte press‹ o humana.. por este motivo, o est’mulo ˆ visita• ‹ oHiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006 215


ˆ praia, e o turismo, v• m surgindo como alternativas para o desenvolvimentoeconm ico sustent‡ vel das pessoas envolvidas.assim como ocorre em outras reservas de Desenvolvimento Sustent‡ vel,na rDS do tupŽ existem conflitos oriundos da pesca, da ca• a e da extra• ‹ oilegal da madeira. em not’cia recente publicada no Jornal do CommŽ rcio,mostrou a apreens‹ o de 650 troncos de madeira ilegal extra’da da reDeSdo tupŽ , no momento em que o barco passava pelo lago com a mercadoria.esta apreens‹ o repercute n‹ o s— na m’dia, mas nos moradores da reserva.De acordo com a matŽ ria, os extratores levaram um m• s para reunir aquelaquantidade de madeira (JOrNaL DO COMMƒ rCIO, 2008).Na opini‹ o dos moradores, 8 eles s‹ o os maiores prejudicados comas atividades proibidas. H‡ um consenso, quanto as suas fragilidades e aburocracia enfrentada quando pretendem transformar as ‡ reas de capoeira em‡ reas de ro• ado, ou sugerir alguma alternativa que possa melhorar de algumaforma seus modos de vida. Naturalmente, devido ao tamanho da reDeS dotupŽ e aos poucos funcion‡ rios da SeMMa dispon’veis para fiscaliza• ‹ o,terceiros conseguem entrar na reDeS e extrair madeira por longos per’odossem que ninguŽ m perceba.Contudo, a SeMMa sugere e instiga nas reuni› es uma gest‹ ocompartilhada com os moradores da comunidade de S‹ o Jo‹ o, no sentindode fiscalizarem as atividades um dos outros e de terceiros, de ajudarem nalimpeza na praia e de comunicar as autoridades caso presenciem ou suspeitemde alguma atividade ilegal.Os moradores t• m sido v’timas de agress›e s verbais por parte dosinfratores ao tentar inibir comportamentos/atividades ilegais. preferem deixara cargo da SeMMa a responsabilidade pelo monitoramento da reDeS e n‹ oatuarem como agentes ambientais Volunt‡ rios (SeMMa, 2008).2.6 Conselho Deliberativo do TupéConsoante o artigo 20, ¤4¼ da Lei do SNUC, a reserva de DesenvolvimentoSustent‡ vel ser‡ gerida por um Conselho Deliberativo, presidido pelo —r g‹ orespons‡ vel por sua administra• ‹ o e constitu’do por representantes de —r g‹ ospœbl icos, de organiza• ›e s da sociedade civil e das popula• ›e s tradicionaisresidentes na ‡ rea, conforme se dispuser em regulamento e no ato de cria• ‹ oda unidade.8 Observação pessoal realizada em fevereiro de 2008 na comunidade de São João.216Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006


por meio da resolu• ‹ o n.¼ 040/2006, do Conselho Municipal deDesenvolvimento e Meio ambiente (COMDeMa), que aprovou o regulamentointerno da reDeS do tupŽ , o Conselho Deliberativo do tupŽ foi institu’dopara auxiliar na gest‹ o da reserva e na elabora• ‹ o e implanta• ‹ o do plano deUso e Ordenamento da praia do tupŽ , visando adequar o nœm ero de visitantesˆ capacidade de suporte do meio ambiente local e do plano de Manejo.O grupo Ž formado pelo COMDeMa (presid• ncia), por um representantede cada comunidade que integra a reDeS e, dois representantes escolhidosentre as sete comunidades do entorno, por representantes de institui• ›e sde ensino e pesquisa, como Universidade Federal do amazonas e InstitutoNacional de pesquisas da amazni a, alŽ m de representantes da sociedade civile entes governamentais, como as Secretarias Municipais de educa• ‹ o, Saœde ,Cultura e turismo, agricultura e de produ• ‹ o e a Manaustur.2.7 Aplicabilidade social dos preceitos legaisNo in’cio, no processo de cria• ‹ o das unidades de conserva• ‹ o no Brasil,foi adotado o conceito de ‡ reas naturais protegidas criado nos estados Unidosno final do sŽ culo XIX, com uma vis‹ o preservacionista, baseada na idŽ ia deque o homem Ž necessariamente destruidor da natureza. portanto, impedindo edesconsiderando a exist• ncia de qualquer rela• ‹ o natural entre o homem e osrecursos naturais, ressalvadas as de finalidade cient’fica e de turismo ecol—gi co(DIeGUeS, 2004).No caso em quest‹ o, observam-se problemas decorrentes da posturados gestores, que tratam uma rDS como se fosse ‡ rea de prote• ‹ o integral,estabelecendo no zoneamento da reserva uma ‡ rea desproporcional de prote• ‹ ointegral em rela• ‹ o ˆ s de uso direto. Questiona-se o aspecto Ž tico de se criaruma unidade de conserva• ‹ o com presen• a humana em seu interior, proibindoestas comunidades de utilizarem recursos naturais dos quais tradicionalmentedependem. pelo exemplo da reDeS do tupŽ , v• -se que na maioria dos casos,que os infratores ambientais s‹ o pessoas n‹ o residentes na reDeS. 9a literatura alerta para o risco de comunit‡ rios residentes em UCs agiremde forma irracional, prejudicando aos demais. Um dos poss’veis motivos paraestas pr‡ ticas baseiam-se no fato de n‹ o ser poss’vel proteger a natureza semprovidenciar condi• ›e s de vida e oportunidades de crescimento econm ico9 Observação pessoal resultante de visita técnica realizada em fevereiro de 2008.Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006 217


ˆ s comunidades do interior e do entorno das unidades de conserva• ‹ o(DOUrOJeaNNI & pç DUa, 2001).Corroborando o pensamento acima, a literatura reconhece a necessidadede se incorporar as popula• ›e s tradicionais no manejo das ‡ reas protegidas.No entanto, essa dimens‹ o da conserva• ‹ o tem sido negligenciada na nossapr—pr ia tradi• ‹ o de manejo de recursos naturais (DIeGUeS, 2004).Na reDeS do tupŽ , os inimigos da conserva• ‹ o n‹ o t• m sido aspopula• › es tradicionais, mas sim madeireiros e pescadores comerciais.Diegues (2004) tambŽ m destaca a import‰ ncia das comunidades tradicionaisna conserva• ‹ o da biodiversidade na floresta tropical brasileira e afirmam q<strong>uea</strong> destrui• ‹ o destas florestas Ž conseqŸ• ncia das a• ›e s de grandes fazendeirose grupos econm icos. Os mesmo autores ainda destacam que o modelo deuso de baixa intensidade dos recursos naturais pelas popula• ›e s extrativistase ind’genas freqŸe ntemente resulta num m’nimo de eros‹ o genŽ tica e numm‡ ximo de conserva• ‹ o.No mesmo sentido, Diegues (2004) afirma que se excluirmos os sereshumanos do uso de grandes ‡ reas de florestas, n‹ o estaremos protegendoa biodiversidade, mas a alteraremos significativamente e provavelmente adiminuiremos ao longo do tempo.entretanto, um fator determinante para o agravamento das condi• ›e sde vida e da n‹ o utiliza• ‹ o adequada dos recursos naturais nas comunidadesda reDeS Ž a constata• ‹ o de que n‹ o h‡ organiza• ‹ o comunit‡ ria. 10 Existena Comunidade de São João três grupos distintos, o primeiro, formado peloscatólicos, o segundo, formando pelos evangélicos e o terceiro, formadopela comunidade indígena. Nas reuniões presenciadas na comunidade háconstantes divergências entre os representantes dos grupos dos católicos e dosevangélicos Os indígenas não participam das reuniões. Portanto, vê-se que areligião e a cultura são fatores de separação na comunidade, apenas para citarum dos exemplos. Isto impede o desenvolvimento de uma consciência de vidacoletiva (ANDRADE, 2004). Iniciar o processo de construção de convivênciacomunitária, a partir dos próprios atores sociais envolvidos, é um desafio e umanecessidade para proporcionar perspectivas de melhoria na qualidade de vidana região. Finalizar a idéia com mais dados de sua coleta e deixar um ganchopra conclusão.10 Observação pessoal resultante de visita técnica realizada em fevereiro de 2008.218Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006


CONCLuSõESConclui-se portanto, que a exclus‹ o das popula• › es tradicionais(usu‡ rios locais dos recursos naturais) da forma• ‹ o e gest‹ o das unidades deconserva• ‹ o Ž prejudicial para o meio ambiente natural e para a efetiva• ‹ odo desenvolvimento sustent‡ vel. esta exclus‹ o (baseada em uma ideologiapreservacionista) prejudica a intera• ‹ o do homem com o meio que o circundae gera problemas sociais, ensejando a pobreza.O modelo de rDS revelou-se como um instrumento importante para aconserva• ‹ o ambiental, mas no caso examinado ineficaz, se depender apenasda prote• ‹ o e fiscaliza• ‹ o dos —r g‹ os ambientais respons‡ veis. a popula• ‹ oresidente exerce um papel fundamental neste sentido, pois ela vivencia asinterven• ›e s humanas no meio ambiente diariamente.Neste contexto destaca-se a import‰ ncia dos agentes ambientaisVolunt‡ rios Ð aaV. este programa foi criado pelo IBaMa e regulamentadopela Instru• ‹ o Normativa n¼ 66/2005, com a finalidade propiciar a todapessoa f’sica ou jur’dica, a participa• ‹ o volunt‡ ria em atividades de educa• ‹ oambiental, conserva• ‹ o, preserva• ‹ o e prote• ‹ o dos recursos naturais emunidades de conserva• ‹ o e demais ‡ reas protegidas, habitadas por popula• ›e sind’genas, rurais, quilombolas, extrativistas e de pesca. 11No munic’pio de Manaus, o programa agente ambiental Volunt‡ riofoi criado por meio da resolu• ‹ o N¼ . 03/2002 do Conselho Municipal deDesenvolvimento e Meio ambiente (COMDeMa). entre as atividades doagente, est‹ o o incentivo e participa• ‹ o de programas de educa• ‹ o ambiental,a preven• ‹ o da ocorr• ncia de danos ambientais e o uso sustent‡ vel dos recursosnaturais. O Munic’pio de Manaus possui 23 agentes que atuam nas comunidadesrurais do tarum‹ -Mirim, tarum‹ -a• u, Nossa Senhora de F‡ tima, S‹ o Jo‹ o dotupŽ , Colni a Central, tatu, CaioŽ e Bela Vista (SeMMa, 2008).a proposta Ž despertar no aaV a reflex‹ o cr’tica dos problemassocioambientais, capaz de orient‡ -lo a atuar de forma individual e coletiva nabusca de alternativas vi‡ veis para a conserva• ‹ o da natureza e uso sustent‡ veldos recursos naturais. Mas, sem capacita• ‹ o constante e incentivos o projeton‹ o tem condi• ›e s como prosperar. Na reDeS do tupŽ o programa n‹ oultrapassou a fase te—r ica. Um dos problemas apontados pelos moradores Ža aus• ncia de uma cartilha contendo a parte procedimental de atua• ‹ o dos11 Artigo 1º, caput, da Instrução Normativa IBAMA nº. 66/2005.Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006 219


aaV e ainda legisla• ‹ o ambiental, para facilitar a abordagem no momento daconstata• ‹ o dos crimes ambientais. 12analisando a lei do SNUC em conjunto com o decreto n.¼ 8.044/05,percebe-se que as duas legisla• ›e s t• m um conteœdo social significativo,pois em ambas, visa-se conservar a natureza e promover meios de vidasustent‡ veis para as comunidades envolvidas. porŽ m, v‡ rios fatores contribuemnegativamente para a inefic‡ cia, pelo menos em parte, destes dois preceitos,o primeiro Ž o modelo de gest‹ o preservacionista praticado pela SeMMa nareDeS e, o segundo, Ž a falta de uni‹ o e organiza• ‹ o da comunidade em tornode um objetivo visando ˆ concretiza• ‹ o de modos de vida sustent‡ veis.REFERêNCIASaNDraDe, ellen Barbosa de. et.al. tecendo o tupŽ : extens‹ o Universit‡ riana constru• ‹ o da gest‹ o ambiental de uma reserva de DesenvolvimentoSustent‡ vel amazni ca. In: CONGreSSO BraSILeIrO De eXteNSÌ OUNIVerSItç rIa, 2, 2004, Belo Horizonte. anaisBraSIL. Lei n. 9.985, de 18 de julho de 2000. Institui o Sistema Nacional deUnidades de Conserva• ‹ o da natureza. Senado Federal. Dispon’vel em: acesso em: 15 de mar• o de 2008.DeUS, Cl‡ udia pereira de (org.) et. al. Piaga• u-Purus: bases cient’ficas paraa cria• ‹o de uma Reserva de Desenvolvimento Sustent‡v el.Manaus : IDSM,2002.DIeGUeS, antni o Carlos. O mito moderno da natureza intocada. 4» ed. S‹ opaulo: Hucitec, 2004.DOUrOJeaNNI, M.J,; pç DUa, M. t. J. Biodiversidade. A hora decisiva.Curitiba: UFpr, 2001.LeFF, enrique. ecologia, Capital e Cultura: racionalidade ambiental,democracia participativa, e desenvolvimento sustent‡ vel. Blumenau: Furb,2000. 381 p. Col. Sociedade e ambiente 5.12 Observação pessoal resultante de visita técnica realizada em fevereiro de 2008.220Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006


IOS, aurŽ lio Virg’lio Veiga (org). et al. O Direito e o DesenvolvimentoSustent‡v el: Curso de Direito Ambiental. S‹ o paulo : Instituto Internacionalde educa• ‹ o do Brasil, 2005.SaNtILLI, Juliana. Socioambientalismo e novos direitos. editora Funda• ‹ opeir—pol is Ltda. S‹ o paulo. 2005, p‡ g. 51.SeMMa, 2008. Informa• ‹ o retirada da Secretaria Municipal de Meioambiente Ð SeMMa. Manaus/am. Dispon’vel em œl timo acesso em: 02 de junho de 2008.SILVa, edinaldo Nelson dos Santos (org). et al. BioTupŽ : meio f’sico,diversidade biol—gi ca e s—c io-cultural. Manaus : INpa, 2005.Ipæ . plano de Uso pœbl ico da reDeS do tupŽ . 138 p. 2008.VIaNa, V. M. Desenvolvimento Sustent‡ vel e ç reas protegidas na amazonas.revista eco 21, ano XIV, edi• ‹ o 86, janeiro.2004.< http://www.manaus.am.gov.br>. ò ltimo acesso em: 02 de maio de 2008.Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006 221


MONITORING PROPOSALS FOR THE FISHERY AGREEMENTS IN THE MEDIuM AMAzONAS REGIONRegina Glória Pinheiro CerdeiraSerguei Aily Franco de CamargoprOpOStaS para O MONItOraMeNtODe aCOrDOS De peSCa NOMƒ DIO aMazONaS 1Regina Gl—r ia Pinheiro Cerdeira *Serguei Aily Franco de Camargo **Sum‡r io: Introdu• ‹ o; 1. acordos de pesca: uma aproxima• ‹ o do conceito; 2. a propriedadedos recursos pesqueiros e ambientes de pesca; 3. Conflitos de pesca; 4. Gest‹ o participativa dapesca; 5. Monitoramento dos acordos de pesca; 6. Medidas para monitorar os acordos de pesca;7. Medidas para aperfei• oar os acordos de pesca; refer• ncias.Resumo: Desde 1997, o governo vemdesenvolvendo a co-gest‹ o pesqueira atravŽ sdos acordos comunit‡ rios de pesca. Cerca dedez anos depois, n‹ o existe monitoramentosistem‡ tico dos efeitos destes acordos sobreo recurso pesqueiro, e sobre as pr— priasestratŽ gias adotadas pelo governo para aimplementa• ‹ o desta co-gest‹ o, estabelecidasna Instru• ‹ o Normativa 29/2002. as portariasresultantes destes acordos estabelecemregras, a partir do conhecimento tradicionaldo pescador, que integram o ordenamentopesqueiro. estas regras s‹ o pensadas a partirdas peculiaridades de cada regi‹ o pesqueira,determinando-se proibi• › es referentes aper’odos de captura de determinada espŽ cie,ou limitando nœ mero de artes ou tipo deembarca• › es, mas sempre com o objetivoprincipal de diminuir a sobrepesca praticadapela pesca comercial. Na gest‹ o participativa,os acordos comunit‡ rios de pesca s‹ oconstru’dos dentro dos limites da legisla• ‹ oAbstract: Since 1997, Brazilian governmenthas developing participatory managementof fisheries through local based fisheriesagreements. about ten years later, there is nosystematic monitoring of the effects of theseagreements related to the fish stocks andthe strategies adopted by the government toimplement these participatory managementtools, as established in the IN-IBaMa29/2002. the regulation originated of theseagreements defines rules related to traditionalknowledge of fishermen, integrating fisheriesregulation. these rules are proposed based onthe regional reality, determining prohibitionsas periods of fishing ban related to specificfish species, limiting the number of fishingboats/vessels or certain gear aiming at toreduce commercial fleet overfishing. Inthe participatory management procedures,fisheries agreements are building inside thelimits of the pre-existent regulation and itsrules are applicable to the users without1 Trabalho apresentado em seminário de consolidação de resultados do Projeto de Pesquisa “Direito, Recursos Naturais eConflitos Ambientais: o Tratado de Cooperação Amazônica”, MCT/CNPq.* Advogada e aluna do Programa de Pós-Graduação em Direito Ambiental da uEA, reginacerdeira@yahoo.com.br** Professor e Pesquisador do Programa de Pós-Graduação em Direito Ambiental da uEA. Doutor em Aqüicultura em águasContinentais e Pesquisador do Fisheries and Food Institute, safc@<strong>uea</strong>.edu.brHiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006 223


vigente, e suas regras aplic‡ veis a todos osusu‡ rios sem distin• ‹ o. este artigo pretendediscutir e propor medidas de monitoramentodos acordos de pesca de forma integrada einterativa.Palavras-chave: acordo de pesca;monitoramento; gest‹ o participativa, conflitosde pesca.distinction. this paper discusses and presentsfisheries agreements integrated monitoringmeasures.Keywords: fishery agreement; monitoring;participatoru management, fisheriesconflicts.224Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006


INTRODuçãOpor ser a principal fonte econm ica e de prote’na para a popula• ‹ olocal, os estoques pesqueiros da amazni a v• m sofrendo, nas œl timas dŽ cadas,uma redu• ‹ o causada pela intensifica• ‹ o da captura de algumas espŽ ciestais como o tambaqui Colossoma macropomum (Isaac & ruffino, 1996); oMapar‡ Hypophthalmus marginatus e o camar‹ o de ‡ gua doce Macrobrachiumamazonicum (Isaac & Barthem, 1995), gerando conflitos entre os usu‡ rios dorecurso. No MŽ dio e Baixo amazonas 2 os conflitos de pesca concentram-se,principalmente, nos lagos das comunidades que, quase sempre, não aceitampassivamente o acesso de pescadores “de fora”. 3Nas últimas décadas a pesca comercial aumentou sua produtividadedevido a melhorias tecnológicas nos petrechos, meios de transporte earmazenamento do pescado (Smith 1979, McGrath 1993, Furtado, 1993). Aproliferação de pescadores comerciais de Santarém e de vários outros centrostem acirrado muitos conflitos na região. Em decorrência destes conflitos, ascomunidades vêm realizando os acordos de pesca como forma de controlar oacesso aos lagos, buscando diminuir a pressão sobre os estoques com medidasque restringem o poder de captura do pescador comercial, principalmente asgrandes geleiras. 4Apesar dos acordos comunitários de pesca serem utilizados desde a décadade 70, somente a partir de 1997 o IBAMA passa a admitir a possibilidade destesacordos serem transformados em portarias normativas. Com a formulação dodocumento “Administração Participativa: um desafio à gestão ambiental”, 5 oIBAMA definiu critérios para a elaboração de acordos de pesca passíveis detransformarem-se em portaria de pesca. Desde então, com base nestes critérios,até 2006, foram publicadas cerca de 18 portarias inseridas no sistema de gestãoparticipativa dos Estados do Acre, Pará, e Amazonas (D’arrigo et al., 2006).Estas portarias visam o ordenamento da pesca considerando as peculiaridadesregionais, através da participação dos usuários.2 Baixo e Médio Amazonas, trecho do rio Amazonas compreendido desde a foz do rio Madeira até a foz do rio xingu.3 Pescador de “de fora” é uma designação comum dada por moradores ribeirinhos aos pescadores de outros centros, queutilizam lagos das comunidades.4 Geleira é designação dada aos barcos pesqueiros que armazenam peixe em urnas com gelo.5 “Administração Participativa: um desafio à gestão ambiental” editado pelo IBAMA em 1997, para orientar a gestãoparticipativa com base em experiências comunitárias sobre manejo de pesca. Este documento deu origem à InstruçãoNormativa IBAMA 29/2002.Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006 225


Dentro desta perspectiva, os acordos de pesca transformados em portariasde pesca visam gerar condições reais de manejo para os lagos e possibilitar umgerenciamento participativo com co-responsabilidades. Faz-se necessário,portanto, desenvolver instrumentos que possibilitem seu monitoramento eavaliação de sua eficácia em vários níveis. Aqui são propostos alguns deles.1. ACORDOS DE PESCA: uMA APROxIMAçãO DO CONCEITOAcordos de pesca são consensos resultantes das discussões entreusuários representados em assembléias regionais e, onde se faz presente,também, técnicos do Governo como parte do processo. Esta composição é umapermissão do Poder Público ao usuário do recurso visando ordenar a pesca apartir das estratégias de uso desenvolvidas pelos pescadores. Nestas discussõesse dispõe sobre um recurso que é de uso comum, estabelecendo-se regras quesão legitimadas através do processo de regulamentação do Governo e passam,então, a ter validade para todos os usuários.A representatividade dos usuários nas assembléias que decidem sobre asregras é discutível, visto que os vários interesses coletivos a cerca do recursopesqueiro não tem representação eqüitativa. Quantitativamente, a maiorrepresentatividade é das comunidades que participam de forma individual,enquanto a Colônia de Pescadores representa todos os pescadores comerciais.Os acordos de pesca regulamentados por meio de portarias integram alegislação pesqueira vigente aplicável aos administrados.Até recentemente, através do PróVárzea, o IBAMA vinha desenvolvendoatividades com o objetivo de conciliar os interesses dos vários atores envolvidosna gestão da pesca, tais como: Colônias de Pesca, associações comunitárias,Poder Público e organizações não governamentais que atuam na organizaçãocomunitária e no apoio técnico às discussões dos acordos.Nas regiões onde não se tem portaria de pesca proveniente dos acordos,ou em comunidades que não os aceitam, as regras são sempre voltadas àrestrição de acesso aos lagos por pescadores que não sejam os locais. Nestesacordos, a principal preocupação é com a ação intensiva das geleiras que, acada viagem de pesca, capturam várias toneladas de pescado, quase semprepor meio de arrasto. Assim, as medidas adotadas visam a limitação da captura,como forma de desestimular a entrada dos grandes barcos pesqueiros nestesambientes.226Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006


Os acordos comunitários de pesca, contemplados como instrumentoda gestão participativa, têm suas regras elaboradas nos limites da legislaçãovigente, considerando tanto o acesso como as regras de uso iguais pra todos osusuários, sejam pescadores locais ou itinerantes. E os meios punitivos são osdeterminados pelo Poder Público.2. A PROPRIEDADE DOS RECuRSOS PESQuEIROS E AMBIENTESDE PESCAOs recursos pesqueiros no Brasil são considerados bens de domíniopúblico e uso comum. Sua utilização ocorre mediante licença da autoridadecompetente. As modalidades de pesca reconhecidas no Decreto lei 221/1967são: esportiva, científica e profissional. A pesca de subsistência, apesarde importante fonte de proteína para as populações locais, também, causaimpactos sobre os estoques pesqueiros. Dentre as regras de pesca vigentes naAmazônia, a Lei 6.713, de 25 de janeiro de 2005 do Estado do Pará prevê apesca de subsistência como uma das categorias de pesca nos arts. 10 e 11; e noAmazonas, a Lei 2.713, de 28 de dezembro de 2001 em seu art. 6 o , V.Bayley & Petrere (1989) revisaram o status das pescarias na Amazôniae identificaram dois tipos: difusas e comercial de larga escala. As pescariasdifusas são praticadas por populações rurais ou por habitantes de vilas ecomunidades, localizadas à beira de rios e lagos, vivendo em terra firme ouem palafitas. Muitos desses ribeirinhos são pescadores de tempo parcial ou àsvezes trabalham como pescadores embarcados, praticando na época da vazantea agricultura de várzea. O pescado de baixo valor comercial é consumido e asespécies mais valiosas, como tambaqui, tucunarés e pescadas Plagioscion sp.,são vendidas ou trocadas por gêneros de primeira necessidade. O consumode pescado deste segmento social é comparativamente alto: 194g de pescadofresco por dia (Smith, 1979). Tendo como base o ano de 1980, Bayley &Petrere (1989) estimaram em 110.130t a captura proveniente dessas pescarias,73% do total estimado (151.505t), demonstrando a importância das pescariasdifusas para a região.As pescarias comerciais estão centralizadas nas maiores cidades. Essaspescarias são mais orientadas para o mercado atacadista e compreendem os27% restantes. O desembarque em Manaus em 1980 foi estimado por Bayley &Petrere (1989) em 24.750t. O total desembarcado em Belém ainda era ignorado,Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006 227


mas no caso da piramutaba (Brachyplatystoma vaillantii) o desembarquemédio anual de 1972 a 1984 foi 18.136t. Em Letícia o total desembarcado é daordem de 10.000t anuais.De acordo com (Raseira et al. 2007), no ano de 2004 foram desembarcadosem Manaus, aproximadamente, 25.959t de pescado, em Tabatinga 1.025t e emBelém 8.006t. Observa-se, também, em (IBAMA 2008) uma curva crescentenos desembarques provenientes da pesca continental no Brasil. Em 1997, asestimativas do órgão indicaram um total de 178.871t de pescado e em 2006este valor subiu para 251.241t.Essa crescente pressão sobre os estoques pesqueiros, reforça a necessidadeda implementação de mecanismos de gestão participativa. Ao nível local, umdos aspectos notados no manejo pesqueiro proposto pelas comunidades é ocontrole dos ambientes pelos usuários, que consideram estas áreas como sendode seu domínio, reservando o direito exclusivo de uso. Para que se possadiscutir mais amplamente esta questão, faz-se necessário considerar algunsaspectos sobre a propriedade relativa aos ambientes de pesca.No entendimento de José Afonso da Silva 6 o meio ambiente deve serentendido como patrimônio de interesse público sujeito a regimes jurídicosreferentes ao seu gozo e disponibilidade, e de intervenção da tutela pública.Portanto, para serem apropriados de forma privativa, com fins econômicos, háa necessidade de autorização do Poder Público.Na Amazônia, a navegação (como a principal atividade e/ou meio detransporte praticado em águas interiores), enseja uma forma diferenciada deuso dos corpos d’água e dos recursos hídricos em si. De acordo com a Lei9.433, de 08 de janeiro de 1997 que institui a Política Nacional de RecursosHídricos, toda a água passa a ser de domínio público, inalienável, dispondo-sesomente o direito de uso do recurso. As águas mesmo localizadas em áreasprivadas continuam de domínio público, necessitando de outorga de direitode uso sempre que não se tratar de utilização insignificante, podendo ser estaoutorga suspensa se houver necessidade de se manter a navegabilidade docorpo d’água. Esta condição de navegabilidade é confundida, muitas vezes,nas atividades de pesca na Amazônia, com o acesso aos lagos localizados empropriedades privadas, mesmo aquelas em condição de posse, para a prática daspescarias. Esta situação tem sido motivo de muitos conflitos entre proprietáriose pescadores. O entendimento destes pescadores é que as águas são públicase por isso se pode pescar; em contrapartida, os proprietários entendem que6 Silva, J. A. Direito Ambiental Constitucional (1994).228Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006


os ambientes de pesca (corpos d’água) localizados dentro dos limites desuas propriedades lhes pertencem, e impedem a entrada dos pescadores. AInstrução Normativa IBAMA 29/2000 refere-se apenas ao acesso ao recursopesqueiro, mas não aos corpos d’água enquanto ambiente de pesca. A ausênciade regulamentação específica neste sentido dificulta o entendimento entre osusuários do recurso pesqueiro, e o controle dos conflitos.O manejo comunitário de pesca, do ponto de vista das comunidades,pressupõe a idéia de restringir o acesso um recurso que é de uso comum. Noentendimento destas comunidades, os lagos de pesca são áreas de domínioprivado dos moradores do entorno. Esta posição é o maior entrave nasdiscussões sobre acordos de pesca. A avaliação de viabilidade técnica e práticade um acordo, realizada pelo IBAMA durante o processo administrativopara sua regulamentação, baseia-se nos critérios estabelecidos na InstruçãoNormativa 29/2002 e na legislação de pesca vigente.Diante deste contexto, faz-se necessário, portanto, ao se instituirprogramas de monitoramento de acordos de pesca, considerar o nível dedependência das comunidades de usuários em relação aos recursos pesqueiros,de acordo com metodologia de Rapid Rural Appraisal adaptada a cada casoconcreto e, os níveis de conflitos ocasionados pela necessidade de navegaçãoem ambientes de pesca encravados em propriedades privadas.3. CONFLITOS DE PESCAOs conflitos de pesca não são restritos apenas aos pescadores, sejameles monovalentes ou polivalentes. 7 Furtado (1993), em seu estudo sobreos pescadores do rio Amazonas, lista vários atores nos conflitos de pescaentre fazendeiros e pescadores, em questões onde o motivo do conflito éa apropriação de lagos de pesca em áreas destinadas à pecuária ou aindacomo simples latifúndio; pescadores polivalentes e pescadores urbanos oumonovalentes que utilizam os lagos de pesca das comunidades ribeirinhas, coma alegação de que o peixe é somente para o consumo dos moradores locais.Outra categoria de conflito seria entre os compradores de peixe (marreteiros)e pescadores, a questão é em torno do preço do peixe que, quase sempre, éimposto pelo comprador que não o valoriza.7 Furtado (1993), define os pescadores monovalentes ou citadinos como aqueles pecadores tradicionais que vivem atualmentenas cidades, em contraposição aos pescadores polivalentes ou varjeiros que habitam as várzeas, embora ambos sejampescadores artesanais.Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006 229


Na região do Médio e Baixo Amazonas, os atores envolvidos emconflitos de pesca mais comuns são os pescadores ribeirinhos, os pescadorescomerciais dos centros urbanos e os fazendeiros que utilizam as áreas de várzea.Dentre as várias causas dos conflitos, está a reivindicação de uso exclusivodos lagos pelos pescadores ribeirinhos, em detrimento dos pescadores “defora”. Situação semelhante ocorre em relação aos lagos localizados em terrasparticulares, seus proprietários, muitas vezes, limitam ou proíbem o acesso depescadores locais ou de outros centros. Nos lagos comunitários os embatesocorrem, principalmente, com as grandes geleiras que possuem maior poderde captura. Nos conflitos envolvendo os fazendeiros e ribeirinhos, a causaestá no uso das áreas de pasto, plantios e dos lagos de pesca com a destruiçãodestes ambientes, principalmente, por búfalos (Isaac & Barthem, 1995, Castroe McGrath, 2001). As consequências destes conflitos envolvem agressõesverbais, danos materiais, protestos e, em algumas regiões, desestruturação deorganizações locais.O não cumprimento das regras dos acordos pelos próprios ribeirinhos,também tem sido causa de sérios conflitos entre as comunidades. O desrespeitode algumas regras como a quantidade máxima de pescado que se podecapturar, a quantidade de malhadeiras e seu período de uso entre os pescadoreslocais tem ocorrido, também, devido às dívidas contraídas por estes pescadoresque precisam pagar o financiamento de apetrechos e embarcações ao banco.Como exemplo, tem-se o caso do acordo de pesca do Lago Grande do Curuai,importante região pesqueira que abrange os municípios de Santarém, Óbidose Juruti. Em 2002, durante as discussões para um novo acordo de pesca nestaregião houve debates acirrados a cerca da proposta de proibir o uso de bajaras 8na captura do peixe, ficando somente como embarcação coletora. A Colôniade Pescadores Z-19 de Óbidos alegava que seus pescadores teriam dificuldadesem pagar o empréstimo concedido pelo Banco da Amazônia – BASA, noâmbito do FNO, 9 para financiamento das bajaras e petrechos de pesca caso seaprovasse tal proibição. A bajara, enquanto embarcação motorizada permite arealização de várias viagens em um dia de pescaria o que, no caso deste acordo,8 Bajara, denominação utilizada na região do Médio e Baixo Amazonas para pequenas embarcações de madeira com o motorlocalizado no centro. Este tipo de embarcação é muito utilizado pelas comunidades como transporte, e nas pescarias comoembarcação coletora e pescadora.9 FNO, Fundo Constitucional do Norte criado pela Lei A Lei nº 7.827/1989 que regulamenta o Art. 159,I,c da CF/1988,objetiva o desenvolvimento econômico e social da Região, através de programas de financiamento aos setores produtivosprivados. As atividades de pesca são passíveis de financiamento no âmbito do FNO/Pronaf, (ver FuNDO CONSTITuCIONALDE FINANCIAMENTO DO NORTE (LEIS Nº 7.827/1989, Nº 9.126/1995 e Nº 10.177/2001) PLANO DE APLICAçãO DOSRECuRSOS PARA 2004 A 2006. Banco da Amazônia, Belém, 2004).230Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006


inviabilizaria a limitação da captura em até uma tonelada de pescado porviagem utilizando-se canoas a remo e à vela como embarcações pescadoras.Apesar dos discursos de preocupação com a conservação dos ambientesde pesca o que se observa nos acordos de pesca, em algumas regiões, é ocontrole de uso dos lagos através da exclusão de pescadores “de fora”, asalvaguarda de interesses locais. No exemplo acima nota-se, também, a faltade integração das políticas do Governo voltadas ao ordenamento dos recursospesqueiros. Enquanto se implementa o acordo de pesca comunitário como uminstrumento de manejo do recurso e de limite à sobrepesca, ao mesmo tempo,se desenvolve uma política de estímulo ao aumento da produção de pescadosem nenhuma preocupação com o trabalho de conservação das comunidadesnos ambientes de pesca. Esta situação é uma das causas de conflitos entrecomunidades ribeirinhas, e os pescadores comerciais itinerantes que têm comometa aumentar a produção a cada viagem, sem nenhuma responsabilidade emrelação à conservação do recurso pesqueiro.Os conflitos de pesca são um indicador importante da deficiênciado Poder Público na gestão do recurso. O ordenamento atual, apesar demedidas progressistas como a gestão participativa, ainda não proporcionou aminimização da carência de organização dos órgãos gestores no trato com osprocedimentos administrativos que conduzem à regulamentação dos acordos.Existem regras de pesca na legislação voltadas à conservação dos lagos edos estoques, como as que determinam o tamanho máximo e as limitaçõesde uso admitido às malhadeiras, e as modalidades proibidas como o arrasto,porém, sem grande aplicabilidade prática, provavelmente por limitarem aprodutividade se cumpridas integralmente. Com a falta de fiscalização, estasmedidas acabam se tornando letra morta.Neste caso, os programas de monitoramento dos acordos de pescapoderiam obter indicadores numéricos importantes através de metodologiasde Stakeholder Analysis, conforme pratica usual em projetos de cooperaçãotécnica internacional. Entretanto, ressalte-se que o simples número de conflitosnão indica necessariamente ineficiência do poder público e/ou a falência dosacordos, uma vez que durante o processo de formação e implementação dosmesmos estes podem se acirrar.Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006 231


4. GESTãO PARTICIPATIVA DA PESCAO atual processo de formaliza• ‹ o da gest‹ o participativa na pesca,previsto na IN/IBaMa 29/02, inicia-se com a elabora• ‹ o dos acordos de pescaatravŽ s de discuss›e s em assemblŽ ias regionais onde participam representantesde comunidades locais e dos pescadores profissionais atravŽ s das Colni as depesca. ap—s v‡ rias reuni›e s e a formula• ‹ o final do acordo, h‡ a solicita• ‹ o aoIBaMa de transforma• ‹ o deste em portaria normativa. Neste processo, notasealguns pontos de estrangulamento que dificultam a elabora• ‹ o dos acordose sua transforma• ‹ o em portaria normativa.O entendimento sobre gest‹ o participativa da pesca entre as ONGÕ s queparticipam do processo de co-gest‹ o com a formula• ‹ o dos acordos de pescaem SantarŽ m/pa, pelo menos durante a elabora• ‹ o dos primeiros acordos depesca com as regras de co-gest‹ o, n‹ o foi homog• neo. por ocasi‹ o da tomadade decis‹ o, o entendimento de algumas destas institui• ›e s foi que somente ousu‡ rio Ž ator leg’timo no processo de determina• ‹ o das regras de pesca, dianteda indefini• ‹ o do papel do governo no mesmo processo.H‡ de se considerar, ainda, a organiza• ‹ o fragilizada das comunidadesribeirinhas para comandar o processo de gest‹ o da pesca. elas t• m semostrado bastante inst‡ veis no que se refere ˆ continuidade do processo dedesenvolvimento de suas organiza• ›e s, e isto tem gerado um reflexo negativona gest‹ o participativa que ora vem se desenvolvendo. Contudo, tambŽ m, temprovocado pontos de reflex‹ o e aprendizado sobre o processo.Muitas vezes, a falta de envolvimento da comunidade na escolha deseu representante e nas decis›e s tomadas nos acordos de pesca, causa an‹ o aceita• ‹ o destas decis›e s e, consequentemente, o n‹ o cumprimento dasregras. Durante as discuss›e s de alguns acordos em regi›e s de v‡ rzea deSantarŽ m, tornou-se expl’cito a hegemonia de interesses n‹ o coletivos, comode fazendeiros e propriet‡ rios.Considerando, tambŽ m, outras regi›e s da amazni a onde se realizamacordos de pesca no ‰ mbito da co-gest‹ o, a organiza• ‹ o atual de muitascomunidades reflete a falta de capacidade de gerenciamento e de informa• ‹ o,importantes na condu• ‹ o do processo. Neste cen‡ rio, destaca-se a organiza• ‹ oem Conselhos regionais de pesca que vem sendo desenvolvida nas regi›e spesqueiras de SantarŽ m. azevedo & apel (2004) relatam a atua• ‹ o destesConselhos com objetivo de organizar os trabalhos comunit‡ rios voltados ˆconserva• ‹ o dos recursos naturais, principalmente, o pesqueiro, enfatizando a232Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006


fragilidade da organiza• ‹ o comunit‡ ria na constitui• ‹ o do pr—pr io Conselho.a gest‹ o participativa da pesca pressup›e co-responsabilidade entre usu‡ riose governo, onde deve haver um envolvimento em todas as fases do processode manejo participativo, de forma eqŸi tativa. 10 Considerando a região doMédio Amazonas, onde a gestão participativa da pesca vem ocorrendodesde 1997, a tomada de decisão sobre as regras dos acordos inicia-se nascomunidades, que se organizam em assembléias regionais para a discussão eaprovação desses acordos. A participação do IBAMA nesta fase do processoestá na determinação dos critérios de formulação das propostas e assessoria àsdiscussões. A participação das Colônias de Pescadores, pelo menos na regiãodo Médio Amazonas, nos processos de formulação dos acordos de pesca,tem sido fundamental para legitimar a representatividade dos pescadorescomerciais, prevista no Art. 1 o . da IN/IBAMA 29/2002. Há outro grupo depescadores comerciais, usuários do recurso nas áreas dos acordos de pesca, quenão participam dos processos de discussão, são as grandes geleiras registradasem colônias que não têm jurisdição na área do acordo e que muitas vezes, têminteresses não contemplados pela Colônia de Pescadores local. Em relaçãoao processo administrativo para a legalização dos acordos de pesca, não háprocedimentos específicos e sistematizados voltados à gestão participativa.Todos os processos formados a partir das solicitações das comunidades sãoencaminhados pelas vias burocráticas ordinárias internas do IBAMA. Alémdos acordos de pesca, o IBAMA implementa as ações dos Agentes AmbientaisVoluntários como apoio ao seu trabalho da fiscalização, através do treinamentoe credenciamento de comunitários. Em Novembro de 2001, com a publicaçãoda IN/IBAMA 19/2001, o IBAMA subsidiado por ações do PróVárzea definiuas regras para a atuação destes Agentes que focam seu trabalho na educaçãoambiental, atuando secundariamente na constatação do delito ambiental.Neste caso, os programas de monitoramento poderiam servir-se darazão entre solicitações realizadas e atendidas (convertidas em normasadministrativas do IBAMA), similar ao método utilizado pelo IBGE naelaboração de indicadores de desenvolvimento institucional (IBGE, 2002).10 Sen & Nielsen (1996) classificam o manejo participativo da pesca em 5 tipos, considerando o nível de tomada de decisãoentre usuários e Governo: Instrutivo – apesar de existir mecanismo de diálogo, o Governo informa aos usuários sobre asdecisões que devem ser implementadas; Consultivo – há um mecanismo de consulta entre as partes, mas a decisão é doGoverno; Cooperativo – as partes tomam as decisões, equitativamente; Indicativo – os usuários indicam as decisões a seremtomadas e o Governo as endossa; e Informativo – os usuários têm poder pleno de decisão delegado pelo Governo que éapenas informado.Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006 233


5. MONITORAMENTO DOS ACORDOS DE PESCATem-se pouco conhecimento dos impactos dos acordos de pesca sobre oambiente, o desenvolvimento econômico, e o controle de conflitos nas regiõesonde estão implementados. Os estudos divulgados até agora estão concentradosna região de Santarém, onde a co-gestão está mais consolidada. Neste sentido,na região do Maicá/Ituqui em Santarém, os estudos de Isaac & Cerdeira(2004) considerando dados no período de 1995 a 2001, apresentam comoimpactos positivos dos acordos de pesca o fortalecimento das comunidades eda organização social e institucional da região pesqueira, enfatizando a criaçãodos Conselhos Regionais de Pesca como órgãos mediadores de conflitos,embora em relação aos estoques pesqueiros ainda seja cedo para se afirmaralguma melhora ou recuperação, a partir das regras que visam diminuir acaptura. Porém, a diminuição da intensidade de pesca na região produziuimpactos negativos na redução da rentabilidade dos pescadores e sobre areceita e produção total da região. Esta avaliação confirma um dos objetivosdos acordos relativos à diminuição da sobrepesca.Outras análises relevantes são feitas por Almeida et al. (2006), também,sobre algumas regiões de pesca de Santarém. Os autores afirmam que osbenefícios da produtividade e conservação conseguidos no âmbito dos acordosde pesca, são resultados das regras de restrições que afetam mais a pescacomercial, proporcionando benefícios às comunidades locais.Em estudos 11 de avaliação da eficácia, englobando o cumprimento ea aceitação das portarias provenientes dos acordos de pesca nas regiões doUrucurituba e Maicá, Santarém (PA) em 2002, constatou-se que no primeiroano de vigência da portaria do Maicá, tanto as comunidades como ospescadores urbanos acataram as limitações impostas. Neste caso, o principalfator que contribuiu para o cumprimento da portaria foi o trabalho de educaçãoambiental e de apoio à fiscalização, realizado pelos Agentes AmbientaisVoluntários credenciados pelo IBAMA.Apesar dos estudos já realizados, ainda, há necessidade de monitoramentossistemáticos sobre a eficácia dos acordos de pesca, considerando-se os níveisde organização das partes envolvidas, e de avaliação dos efeitos que asmedidas de manejo estabelecidas possam causar sobre os estoques e ambientes11 Estudos sobre “Acordos de Pesca, alternativa para manejo de recursos pesqueiros” desenvolvido pelo Instituto Amazônicode Manejo Sustentável dos Recursos Ambientais – I.A.R.A. no âmbito do Projeto Conflicto y Colaboración en el Manejo deRecursos Naturales en America Latina y Caribe – CyC pela universidad para La Paz, Costa Rica, 2002.234Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006


de pesca e, sobretudo nas relações que se estabelecem entre os ribeirinhose os pescadores “de fora”. O monitoramento dos fenômenos resultantes éimportante para o aprimoramento dos acordos de pesca enquanto instrumentode conservação dos recursos pesqueiros.6. MEDIDAS PARA MONITORAR OS ACORDOS DE PESCAa vig• ncia das portarias resultantes dos acordos de pesca gera uma sŽ riede informa• ›e s importantes para avaliar seu n’vel de efic‡ cia. a formalidadedo processo e a obrigatoriedade do cumprimento das normas impostas pelaportaria, teoricamente, levam ˆ gera• ‹ o de fenm enos que indicam o grau deefic‡ cia dos acordos de pesca enquanto instrumento de manejo. a sistematiza• ‹ odestas informa• ›e s proporcionar‡ a compreens‹ o destes fenm enos interrelacionados,possibilitando a implementa• ‹ o de estratŽ gias mais adequadaspara monitorar e operacionalizar o processo de gest‹ o integrada.para um monitoramento sistem‡ tico e amplo, sugerimos algumasa• ›e s que podem e devem ser tomadas em planos estratŽ gicos de conjunto einterativos, de forma simult‰ nea, entre gestores e parceiros:acompanhar os conflitos que ocorrem nas regi› es das portariasregistrando-os, identificando os atores envolvidos, e suas causas;levantar as atividades de fiscaliza• ‹ o, tanto as a• ›e s do poder pœbl icocomo as comunit‡ rias. este levantamento deve considerar as estratŽ giasadotadas, as ‡ reas de incid• ncia das a• ›e s, e as ocorr• ncias;avaliar o grau de aceita• ‹ o e/ou concord‰ ncia dos v‡ rios grupos deusu‡ rios, atravŽ s da aplica• ‹ o de question‡ rio fechado. espera-se obter um bomindicativo do n’vel de interatividade entre os representantes nas assemblŽ ias dediscuss‹ o dos acordos de pesca e suas respectivas bases;estimar a captura de pescado realizada nas ‡ reas de incid• ncia dasportarias, tanto por pescadores locais como os de outros centros. a coleta dasinforma• ›e s pode ser de base interativa, ou seja, a partir dos pr—pr ios usu‡ riosem sistema de amostragem;levantar informa• ›e s sobre a ecologia e biologia dos principais estoquesde peixes da ‡ rea do acordo. Isto permitir‡ avaliar a efici• ncia deste modelode gest‹ o na recomposi• ‹ o do estoque pesqueiro, ou seja, se h‡ manejo real dorecurso a partir das regras de uso estabelecidas;Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006 235


estas medidas devem ser implementadas simultaneamente, considerandoque a sistematiza• ‹ o conjunta das informa• ›e s permitir‡ uma compreens‹ oampla da evolu• ‹ o dos acordos atravŽ s da gest‹ o participativa. para isso, faz-senecess‡ rio a sustentabilidade das medidas, pelo menos, a mŽ dio prazo para quese consolidem as informa• ›e s sobre este modelo de manejo.7. MEDIDAS PARA APERFEIçOAR OS ACORDOS DE PESCAembora n‹ o se tenha uma avalia• ‹ o ampla do processo de gest‹ oparticipativa que vem sendo implementado, baseado em estudos consolidados,pode-se sugerir algumas medidas que visam possibilitar a gest‹ o voltadaˆ responsabilidade compartilhada, assim como alternativas econm icas ˆ sfam’lias ribeirinhas, com objetivo de diversifica• ‹ o de renda e diminui• ‹ o dadepend• ncia do recurso pesqueiro, s‹ o elas:a capacita• ‹ o do usu‡ rio ˆ gest‹ o. H‡ a necessidade de sensibilizar ecapacitar o usu‡ rio para a condu• ‹ o do processo de discuss‹ o dos acordosde pesca. Isto implica em responsabilidade pelo uso do recurso, assim comodas medidas tomadas. Considera-se, tambŽ m, a necessidade de organiza• ‹ oao n’vel da comunidade e das entidades representativas. Contudo, paraque haja a sensibiliza• ‹ o e a capacita• ‹ o dos usu‡ rios voltadas ˆ gest‹ o dapesca e ˆ co-responsabilidade, faz-se imperativo que os capacitores tenhamo mesmo entendimento sobre a defini• ‹ o de gest‹ o participativa, ou que sedefina qual o conceito a seguir. Faz-se necess‡ rio a realiza• ‹ o de eventos cominiciativa do poder pœbl ico para promover a interatividade entre as institui• ›e stŽ cnicas parceiras sobre o modelo de gest‹ o participativa a ser implementado.Isto permitir‡ uma aproxima• ‹ o do entendimento dos conceitos tŽ cnicos,diminuindo eventuais disputas a cerca da condu• ‹ o do processo;a defini• ‹ o de procedimentos espec’ficos que permitam agilizar osprocessos de avalia• ‹ o tŽ cnica e publica• ‹ o dos acordos em portarias, assimcomo do n’vel de participa• ‹ o do poder pœbl ico nos processos de discuss‹ o dosacordos de pesca; a defini• ‹ o dos critŽ rios de representatividade dos usu‡ riosem documento formal, ou seja, atravŽ s de regras claras sobre quem poderepresentar e o nœm ero de representantes. em regi›e s onde a representa• ‹ odos pescadores comerciais compartilha dos anseios das comunidades n‹ o sepercebe entraves ˆ s discuss›e s relacionados ao sistema. em outras regi›e s, aColni a de pescadores mostra-se claramente contr‡ ria ˆ s limita• ›e s impostas236Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006


ao uso do recurso, quando definidas pela representa• ‹ o comunit‡ ria, q<strong>uea</strong>caba sendo desproporcional aos interesses dos pescadores locais e pescadoresitinerantes; adapta• ‹ o da atual legisla• ‹ o referente ao uso do recurso pesqueiro.Deve-se alterar a legisla• ‹ o no sentido de se incluir exce• ›e s ˆ regra de livreacesso ao uso do recurso, considerando-se os casos de relev‰ ncia ˆ conserva• ‹ oe preserva• ‹ o do recurso explotado;a cria• ‹ o de reservas extrativistas pesqueiras em ‡ reas de v‡ rzea, como objetivo de viabilizar a• ›e s de preserva• ‹ o de ‡ reas de criadouros, comocontrapartida obrigat—r ia em contratos de concess‹ o de uso ˆ popula• ‹ o local.apesar da condi• ‹ o de livre acesso ao recurso pesqueiro por qualquer cidad‹ o,a atual lei que disp›e sobre unidades de conserva• ‹ o (Lei 9.985/2000), emseu artigo 18 ratifica a cria• ‹ o de reservas extrativistas que garantem o usoexclusivo de seus recursos naturais ˆ popula• ‹ o tradicional local.REFERêNCIASaLMeIDa, O.; LOreNzeN, k.; McGrath, David. Pescadores rurais depequena escala e o co-manejo no Baixo-Amazonas. pp: 51-72. In: Manejo depesca na amaz nia brasileira. aLMeIDa. O. t. de (Org.). ed. peir—pol is. S‹ opaulo. 2006.azeVeDO, C. r. de; apeL, M. Co-gest‹ o: Um processo em constru• ‹ o nav‡ rzea amazni ca. Documentos tŽ cnicos, IBaMa/proV‡ rzea, 95 p. 2004.BaYLeY, p. B.; petrere, M. amazon fisheries: assessment methods,current status and management options. Can. Sp. Publ. Fish. Aquatic Sci., 106:385-398. 1989CaStrO, F.; MCGratH, D. G. O manejo Comunit‡r io de Lagos naAmazni a. Parcerias EstratŽ gicas. N¼ 12. 112-126 pp. 2001.CerDeIra, r. G. p.; rUFFINO, M. L.; ISaaC, V. J. Fich Catches amongriverside communities around Lago Grande de Monte alegre, Lower amazon,Brasil. Fisheries Management and ecology. In: I. G. Cowx & K. t. OÕ Grady(eds.). Oxford: Blackwell Science. Vol. 7, N¼ 4, pp 355-373. 2000.DÕ arrIGO, r. C. p.; MOta, S.; Cå Mara, e. O Processo participativo nagest‹o dos recursos pesqueiros na bacia amazni ca Ð Casos de pactos sociaisHiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006 237


formalizados no contexto da Amazni a legal brasileira Ð Acordos de Pesca. IISemin‡ rio ç reas protegidas e Inclus‹ o Social. eICOS-Ip/UFrJ Ð 06/r/ 06 a18/12/06. 2006. Dispon’vel em: WWW.ivt-rj.net/sapis/2006/relatoriotecnico_IISapIS.pdfFUrtaDO, L. G. Pescadores do Rio Amazonas: um estudo antropol—gi co dapesca ribeirinha numa ‡r ea amazni ca. Museu paraense em’lio Goeldi. 486p. 1993.GOULDING, M. pescarias amazni cas, prote• ‹ o de habitats e fazendasnas v‡ rzeas:uma vis‹ o ecol— gica e econm ica. relat—r io tŽ cnico. Bras’lia.IBaMa/BIrD. 35 pp. 1996.IBaMa (1997). Administra• ‹o Participativa: um desafio ˆ gest‹o ambiental.Mimeo.IBaMa (2008). estat’stica da pesca 2006 Brasil: grandes regi›e s e unidadesda federa• ‹ o. IBaMa/DBFLO/CGFap. Bras’lia, IBaMa: 174.IBGe (2002). Indicadores de Desenvolvimento Sustent‡ vel: Brasil 2002. riode Janeiro, IBGe.ISaaC, V. J.; BartHeM, r. B. Os Recursos Pesqueiros da Amazni aBrasileira. Museu paraense em’lio Goeldi. 11 (2). pp 295-399. 1995.ISaaC, V. J.; CerDeIra, r. G. p. avalia• ‹ o e monitoramento dos impactosdos acordos de pesca. regi‹ o do MŽ dio amazonas. proV‡ rzea/IBaMa.Documentos tŽ cnicos. 61 p. 2004.MaCGratH, D. G.; Castro, F.; Futemma, CŽ lia.; amaral, Benedito D.;Calabria, J. Fisheries and the evolution fo resource Mangement on the Loweramazon Floodplain. Human ecology. 21 (2) : 167-195 p. 1993.raSeIra, M. et al. estat’stica pesqueira do amazonas e par‡ - 2004. IBaMa/pr—V ‡ rzea. Manaus, IBaMa/pr—V ‡ rzea: 74, 2007rUFFINO, M. L. Biologia pesqueira do tambaqui, Colossoma macropomum,no Baixo amazonas. In: IBaMa. recursos pesqueiros do MŽ dio amazonas:Biologia e estat’stica pesqueira. Cole• ‹ o Meio ambiente. SŽ rie estudos pesca22. Bras’lia. 65-88 (p). 2000.238Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006


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part IIIparte IIIARMANDO DIAS MENDES: REFLEXÕES SOBRE OS ECOS DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL NA AMAZÔNIAMoysés Alencar de Carvalho | Rodrigo Barbosa de Castilho. ..................................2431. Introdução ..................................................................... 2442. Ecomenia e amazonidades ......................................................... 2443. A ampliação do homem amazônico e sua ecopoiesis ..................................... 248Considerações finais. ............................................................... 250Referências. ...................................................................... 250POSSE NAS COMUNIDADES DAS QUEBRADEIRAS DE COCO BABAçULuane Lemos Felício Agostinho .........................................................2511. Introdução ..................................................................... 2522. Da (necessária) inversão metodológica ............................................... 2533. Das diversas concepções de posse .................................................. 2564. A posse das quebradeiras de coco babaçu ............................................. 2625. Novas perspectivas .............................................................. 270Referências. ...................................................................... 271FLORESTAS FAMILIARES: UMA ANÁLISE DO MODELO DE PARCERIA ENTRE AgRICULTORESFAMILIARES E INDúSTRIA MADEIREIRAJosinete Sousa Lamarão | Antonio Edilson de Castro Sena ...................................273Introdução ....................................................................... 2752. Considerações a respeito de Agricultura familiar ........................................ 2783. A proposta de parceria entre atividade madeireira e agricultura familiar na Amazônia ............. 2794. Experiências de relações entre atividade madeireira e agricultura familiar na Amazônia ........... 2824. Comunidade de Quindeua ......................................................... 2825. O caso dos assentamentos do INCRA no Oeste do Pará ................................... 286Considerações finais. ............................................................... 291Referências ...................................................................... 294OS DIREITOS TERRITORIAIS INDÍgENAS NA LEgISLAçÃO COLONIAL BRASILEIRAAlex Justus da Silveira ................................................................297Introdução ....................................................................... 2981. Os direitos territoriais indígenas no Brasil-Colônia ....................................... 298Conclusão ....................................................................... 310Referências. ...................................................................... 311DIREITO, gÊNERO E MEIO AMBIENTECristiane da Silva Lima Reis. ...........................................................313Introdução ....................................................................... 3141. O papel de direito no processo de construção das relações de gênero ........................ 3152. Mulher e meio ambiente: a proposta do ecofeminismo. ................................... 3183. A naturalização da discriminação sob a perspectiva de gênero .............................. 319Referências. ...................................................................... 325


ARMANDO DIAS MENDES: REFLECTIONS ABOUT THE ECHOES OF SUSTAINABLE DEVELOPMENT OFAMAZONASMoysés Alencar de CarvalhoRodrigo Barbosa de CastilhoarMaNDO DIaS MeNDeS:reFLeXÍ eS SOBre OS eCOS DODeSeNVOLVIMeNtO SUSteNtç VeLNa aMaZï NIa 1 MoysŽ s Alencar de Carvalho *Rodrigo Barbosa de Castilho **Sum‡r io: 1. Introdu• ‹ o; 2. ecomenia e amazonidades; 3. a amplia• ‹ o do homem amazni co esua ecopoiesis; Considera• ›e s finais; refer• ncias.Resumo: Na presente resenha procura-setecer algumas reflex›e s acerca da obra dearmando Dia Mendes, paraense com dedicadae produtiva vida acad• mica, cujo tema centraldas idŽ ias e discuss› es sempre orbitou aamazni a, seus habitantes e seus enigmas.N‹ o pretende este trabalho, contudo, exaurirtoda a obra do autor e nem fazer uma an‡ liseminuciosa de seus principais aspectos emotiva• ›e s subjetivas. O que se prop› e aquiŽ apontar as principais caracter’sticas quetangenciam larga parcela da obra do autor,alŽ m de (re)pensar as quest›e s voltadas ˆamazni a, fazendo uma (re)leitura hist—r icade temas relevantes que envolvem a regi‹ o aolongo de quase quatro dŽ cadas.Palavras-Chave: armando Dias Mendes,amazni a, Desenvolvimento Sustent‡ vel.Abstract: this review`s objective is todevelop some reflections about the work ofarmando Dias Mendes, natural of par‡ , whohas dedicated his productive academic lifeconcentrating the main topic of ideas anddiscussions on the amazon, its inhabitantsand its enigmas. However, this piece of workdoes not intend covering all of the author`slifework, nor making a detailed analyzes ofhis main subjective aspects and motivations.What is proposed here is to point out themain characteristics which are common to alarge part of his work, besides (re)thinkingthe issues about the amazon and (re)readingthe history of relevant topics which have beenaround the region trough nearly four decades.Keywords: armando Dias Mendes, amazon,Sustainable Development.1 Projeto de Pesquisa “Direito, Recursos Naturais e Conflitos Ambientais: o Tratado de Cooperação Amazônica”, MCT/CNPq.* Mestrando do Programa de Pós-<strong>graduação</strong> em Direito Ambiental da Universidade do Estado do Amazonas (PPgDA-UEA).Bolsista FAPEAM.** Mestrando do Programa de Pós-<strong>graduação</strong> em Direito Ambiental da Universidade do Estado do Amazonas (PPgDA-UEA).Procurador do Trabalho no Amazonas.Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006 243


1. INTRODUçÃOarmando Dias Mendes est‡ certamente entre os autores que mais sedebru• aram sobre a ‡ rdua tarefa de compreender e escrever sobre o enigmaamazni co. Contudo, seu trabalho n‹ o se limita ao simples entendimento darealidade amazni ca (se Ž que se pode utilizar este adjetivo para tal empreitada),pois nota-se claramente desde a Ò Inven• ‹ o da amazni aÓ , livro publicado em1974, e em seus trabalhos posteriores, a ’ntima conex‹ o entre seus estudos ereflex›e s sobre a regi‹ o e o homem da regi‹ o, e apontamentos de caminhos quepoderiam ser trilhados a fim de garantir a comunh‹ o entre o desenvolvimentosustent‡ vel, a utiliza• ‹ o racional dos recursos naturais e um relacionamentomais frut’fero e interdependente da regi‹ o com o resto da na• ‹ o.ao tratar do tema amazni a, o autor refere-se constantemente em suasobras a tr• s esferas, a partir das quais se faria essa mudan• a de paradigma. Osautores entendem ser um bom caminho iniciar esta resenha explicitando estesconceitos e fazendo uma abordagem sobre seus conteœdo s para, no momentoseguinte, partirmos para a discuss‹ o acerca das poss’veis ferramentas para sealcan• ar um n’vel satisfat—r io de desenvolvimento sustent‡ vel e utiliza• ‹ o dosrecursos da regi‹ o.2. ECOMENIA E AMAZONIDADESNa obra Ò a Casa e suas ra’zes: ensaios sobre ecologia, economia eÔecomeniaÕÓ , Mendes explicita no subt’tulo os tr• s aspectos ou esferas a partirdas quais o autor, ao longo de dŽ cadas de trabalho, constr—i os sustent‡ culos desuas teorias a respeito dos processos a serem implantados na regi‹ o amazni cana busca de todo seu potencial enquanto espa• o habitado pelo homem.Importante salientar que o livro citado no par‡ grafo anterior foi lan• adoem 1996, e j‡ representa um momento de maior matura• ‹ o e consolida• ‹ odas idŽ ias debatidas pelo autor ao longo de sua vida acad• mica. Naqueleespec’fico momento, parecia ele ter encontrado os signos sem‰ nticos que maisperfeitamente se encaixavam aos significados que h‡ tempos utilizava. Os tr• stermos t• m em comum o sufixo ÔecoÕ, que deriva de oikos, palavra grega paracasa. No livro Ò a inven• ‹ o da amazni aÓ , por exemplo, o autor n‹ o se utilizado termo ÔecomeniaÕ, contudo, ao tratar, em diversos momentos, do homemque vive e tem uma rela• ‹ o ’ntima com o ambiente amazni co, sua casa,244Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006


j‡ estava presente ali o conteœdo que o termo recepcionado anos ap—s viriarepresentar t‹ o bem.Feita essa explica• ‹ o, cabe partir ao estudo dos termos propriamente.O primeiro deles, sempre presente ao se tratar da amazni a, Ž ÔecologiaÕ,ou seja, o estudo da casa. e Ž a partir dessa concep• ‹ o do ambiente, doespa• o amazn ico como casa que armando Dias Mendes faz sua abordagemsobre ecologia. O ambiente enquanto espa• o da vida, um biocentrismoantropom—r fico que clama a necessidade urgente e absoluta de manuten• ‹ odesse espa• o sob pena de perder o homem, e em œl tima inst‰ ncia toda a vida,a base essencial de sua exist• ncia.Grande a preocupa• ‹ o do autor com a casa, n‹ o pelo ambiente persi, vazio e infecundo, mas sim pela casa habitada pelo homem. Da’ o termoÔecomeniaÕ, a ‡ rea habit‡ vel da superf’cie terrestre. Ou, nas palavras do autoro oikomŽ n• : Ò o meio ocupado, o ambiente povoado, o territ—r io em uso, oh‡ bitat... habitado.Ó (MeNDeS, 1996, p. 37). Fora disso, o ambiente Ž denatureza morta, bela em reprodu• ›e s art’sticas, mas sem valor para a vidahumana em constante transforma• ‹ o e varia• ‹ o. O autor chega a utilizar otermo biocentrismo antropom—r fico (Ibidem, 1996) para enfatizar o ponto deequil’brio entre as correntes extremas de pensamento ecol—gi co.essa forma de pensar o ambiente, sempre em fun• ‹ o do homem que ohabita, transforma e o conhece Ž uma das caracter’sticas distintivas do trabalhodo professor. O foco no homem que ocupa o espa• o como o centro dosesfor• os de manuten• ‹ o do ambiente, e ainda mais, transformando-o no agentedefinidor capaz e autnom o dos rumos de sua rela• ‹ o sustent‡ vel com o meio,sendo este um objetivo-meio na caminhada rumo ao desenvolvimento do serhumano, como ver-se-‡ mais adiante.O homem, para Mendes, Ž aquele ser individualizado, concreto,determinado e determinante, com necessidades biol—gi cas e culturais, situadoem um ambiente espec’fico, realizando complexas inter-rela• ›e s subjetivascom seus pares e em harmonia com o meio circundante. O habitante, emsintonia com o habitat.assim sendo, tem-se a casa (ecologia), cuja relev‰ ncia maior faz-sepresente no momento em que esta Ž habitada pelo homem (ecomenia). estefar‡ uso dos recursos dispon’veis no primeiro, e Ž justamente do gerenciamentodestes recursos que trata o terceiro componente da f—r mula de Mendes: aeconomia. e por que a economia teria um papel importante nessa rela• ‹ ohomem-casa? porque os recursos dos quais dispomos s‹ o finitos e ao mesmoHiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006 245


tempo o ser humano Ò parece poder expandir, quase irrestritamente, as suasnecessidades criadas, culturais, salvo quando exposto a imperativos externosˆ ecologia e ˆ economia, morais.Ó (Ibidem, p. 51)Desta forma, essa economia deveria guiar-se por uma nova Ž tica,que baseada no Ò desenvolvimento do homem, e n‹o da riqueza do homemÓ(Ibidem, p. 50-51). esse princ’pio ecopoŽ tico deve ser Ò capaz de condenar umprocesso de enriquecimento sem fim, e j‡ agora tambŽ m sem finsÓ (Ibidem,p. 52), limitando a utiliza• ‹ o dos recursos pelos ricos e permitindo aos pobresacesso a condi• ›e s dignas de vida, e que lhes possibilitem alcan• ar um n’vel dedesenvolvimento essencial e existencial mais alto (Idem, 1997, p. 82-84), semcausar press›e s ainda maiores, ou atŽ mesmo insustent‡ veis, ˆ nossa casa.No caso espec’fico da amazni a, Mendes vislumbra a implementa• ‹ o deuma pol’tica individualizada voltada para a regi‹ o, pensada preferencialmentede dentro para fora, de modo a valorizar suas potencialidades f’sicas e humanas,com a promo• ‹ o do desenvolvimento s—c io-econm ico dos amazni das.Concluindo em suas pr—pr ias palavras, Ò converter possibilidades virtuais emriquezas reaisÓ . (Idem, 2001, p. 86)esse conjunto integrado de pol’ticas interdependentes deve se orientare sustentar em dois pilares distintos: investimentos e desenvolvimento.Investimentos encarados como um desafio para o poder pœbl ico de promovero crescimento dos fatores sociais e econm icos em uma regi‹ o esquecida atŽent‹ o e preterida pelas pol’ticas pœbl icas de desenvolvimento nacional. Umfator que merece aten• ‹ o, o geogr‡ fico, na —t ica do autor demanda ser atenuadocom investimentos maci• os em infra-estrutura (estradas, portos, comunica• ‹ o)e, em um primeiro momento, incentivos fiscais para atra• ‹ o de capital, quedevem perpetuar-se e ser reinvestidos dentro da pr—pr ia regi‹ o. Sem embargo,Ž imperativo a forma• ‹ o e qualifica• ‹ o de capital intelectual de forma apossibilitar o desenvolvimento de tecnologia local. Outro ponto de destaque naeconomia regional diz com a circula• ‹ o do capital na regi‹ o. Certo o autor emseus estudos ao revelar a aus• ncia de poupan• a interna devido ˆ remessa dosexcedentes da produ• ‹ o para pra• as diversas.tal desequil’brio deve ser combatido com a valoriza• ‹ o do mercadointerno. Nesse passo, Ž necess‡ ria a gera• ‹ o de emprego e renda, situa• ‹ oem parte solucionada com os investimentos pœbl icos se orientados paratanto. Contudo, o principal ponto de converg• ncia do autor reside em umamudan• a radical. em primeiro lugar, a economia local deve aproveitar adiversidade de recursos naturais potenciais para produzir bens relacionados ˆ246Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006


egi‹ o amazn ica. trata-se daquilo que se convencionou chamar de Ò marcaamazni aÓ . Fala-se aqui da maior concentra• ‹ o de biomassa da orbe.Segundo, aproveitando-se dessas potencialidades intr’nsecas ao locus,por ele autor alcunhado de Ò amazonidadesÓ , a oferta de produtos com o seloamazni co, em situa• ‹ o —t ima de concorr• ncia com similares ex—ge nos, criariauma demanda de mercado. tudo relacionado com as vantagens competitivassingulares ˆ regi‹ o em compara• ‹ o com as demais. Quer-se com isso valorizara cultura, o saber e o modo de viver do amazni da, suas virtudes e virtualidades,com desenvolvimento social e econm ico.alŽ m disso, em contrapartida aos investimentos pœbl icos iniciais, oprojeto de desenvolvimento estreita-se com a promo• ‹ o da regi‹ o amazni cae sua contribui• ‹ o para as outras regi›e s do Brasil e do mundo. percebeseem textos do autor de diversas Ž pocas, esparsos em 40 anos atŽ , a vivapreocupa• ‹ o com o destino da HilŽ ia e seus habitantes, tradicionais emigrantes. e transparece clara a permanente invoca• ‹ o para o desenvolvimentodo homem amazni co.esse ideal, Ž bom que se renove, encontra eco em diversas institui• ›e sde poder e autores da atualidade. Basta verificar a envergadura que o conceitode desenvolvimento sustent‡ vel encontra nos programas, projetos e pol’ticaspœbl icas atuais. e, sobretudo, no meio acad• mico. em pensamento muitopr—xi mo ao autor, antni o JosŽ Botelho (2006, p. 47) tambŽ m entendeo desenvolvimento em Ò fun• ‹o da soma de dois grandes vetores, isto Ž ,crescimento econm ico mais incremento da qualidade de vida.Ó e prossegueem sua redefini• ‹ o, Ž uma das conseqŸ • ncias desej‡ veis do desenvolvimentoeconm ico trazer Ò para a popula• ‹o- alvo, ao longo do tempo, diminui• ‹o dosn’veis de pobreza, desemprego, desigualdade e eleva• ‹o das condi• ›e s desaœde , nutri• ‹o, educa• ‹o e moradiaÓ (Ibidem, p. 61). e em releitura ao termoamazonidades, diz ainda, tratar-se de Ò produtos e processos criados a partirde insumos e saberes da floresta para realiza• ‹o no mercado local, regional,nacional e internacional.Ó (Ibidem, p. 312)retornando ˆ quest‹ o da casa, mesmo em se buscando o desenvolvimento,a responsabilidade de cuidar do planeta Ž n‹ o s— necess‡ ria, mas vital.esquecemo-nos de que todo o espa• o que temos para habitar e retirar osrecursos de que precisamos para saciar nossas necessidades vitais e culturais Ž ,em œl tima inst‰ ncia, uma pequena rocha flutuando no vazio do espa• o, e casocheguemos a exauri-la, n‹ o nos restar‡ outra op• ‹ o sen‹ o contemplar nossofim. assim, Ò Ž preciso cuidar dela sem parar, para dela seguir (usu)fruindo.Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006 247


Essa Ž a nossa responsabilidade ambiental. Responsabilidade ecum• nica, j‡que n‹o dispomos de muitas, mas de uma œni ca casa natural.Ó (MeNDeS,1996, p. 54)3. A AMPLIAçÃO DO HOMEM AMAZÔNICO E SUA ECOPOIESISJ‡ na dŽ cada de 1970, armando Dias Mendes em Ò a Inven• ‹ oda amazni aÓ , ao tratar do desenvolvimento da regi‹ o, insistia que paraque tal marco fosse alcan• ado, necessariamente dever-se-ia passar pelodesenvolvimento do homem. Inicialmente com a melhoria de suas condi• ›e sessenciais, relacionadas especialmente ˆ sua sobrevida, e em um segundomomento, ampliando suas condi• ›e s existenciais em um sentido muito maisvalorativo e filos—f ico, que o armaria das condi• ›e s de enxergar seu papel e apartir da’ sua rela• ‹ o com o ambiente a seu redor, e assim poder (re)definir osrumos de sua jornada de maneira Ž tica.ainda hoje, sentimos a necessidade de capacitar o ser humano comesse desenvolvimento pessoal, que eventualmente acaba por transbordarao coletivo. e alŽ m da tŽ cnica, da raz‹ o, da l—gi ca, arm‡ -lo tambŽ m dessaecopoiesis (Ibidem), a fim de que aqueles que j‡ alcan• aram a satisfa• ‹ o desuas necessidades m’nimas n‹ o extrapolem a ‰ nsia de saciar os infind‡ veisdesejos que as seguem. Isso porque n‹ o s— o extrato ecol—gi co, nossa casa,encontra-se em risco, mas assim tambŽ m a economia come• a a ver e mesmoa civiliza• ‹ o pode ter de deparar-se com um fim causado pelo pr—pr io sucessode um desenvolvimento sem fins. afinal, Ò Ž a pr—pr ia cidade do homem queest‡ a perigo.Ó (Ibidem, p. 66)Nesse contexto, o autor alerta para o grave problema da desigualdistribui• ‹ o de riqueza na sociedade contempor‰ nea, fato amplificado naamazni a em rela• ‹ o ˆ s demais regi›e s do Brasil. entende que a quest‹ oambiental gira em torno do uso racional e criterioso dos recursos naturaisdispon’veis, de modo a beneficiar a todos em igualdade. portanto, o problemasitua-se na tens‹ o entre o abuso e opul• ncia das na• ›e s ricas do hemisfŽ rioNorte e a escassez e penœr ia dos pa’ses sub-desenvolvidos do Sul.Com efeito, o equil’brio ecol— gico significa, em œl tima an‡ lise, naspr—pr ias palavras de Mendes (Ibidem, p. 90) a Ò redu• ‹ o de disparidades,justi• a distributiva e equidadeÓ . Nessa linha de pensamento, o autor prossegueindicando como o sistema econm ico atual Ž pernicioso aos pa’ses exportadores248Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006


de matŽ ria-prima. trata-se, como bem salientado, de um c’rculo vicioso depobreza e exclus‹ o, pois os pa’ses fornecedores de insumos para a produ• ‹ on‹ o alcan• am o grau m’nimo de capacita• ‹ o para o desenvolvimento detecnologia pr—pr ia capaz de transformar e agregar valor aos seus produtosprim‡ rios. a esse quadro computa-se uma economia voltada exclusivamentepara a demanda externa de bens e servi• os.Sem desvios o autor radica em favor da inclus‹ o de todos e cada um(Idem, 2001, p. 32). e por uma raz‹ o simpl—r ia. a exeqŸi bilidade do projetode vida humana depende da co-exist• ncia pac’fica entre os homens. O presentequadro de opress‹ o e exclus‹ o pode ser o condutor da ruptura do pacto socialde conviv• ncia harmni ca entre os homens. Um estado da natureza onde a leido mais forte imperar‡ .este tipo de previs‹ o feita por Mendes h‡ menos de uma dŽ cada assustae deveria ser escutada com aten• ‹ o, vinda de um autor de vis‹ o que no come• oanos 1970 j‡ tratava de assuntos que ainda hoje, infelizmente, continuam sendoproblemas sem uma resolu• ‹ o pr‡ tica. Dentre eles, pode-se citar o fato de q<strong>uea</strong>inda n‹ o foi implementada na amazni a uma pol’tica econm ica que fossecapaz de criar demandas a partir de produtos nativos da regi‹ o (Idem, 1997, p.80), por exemplo, ou mesmo o fato da regi‹ o ainda ser submetida a pol’ticaspensadas de fora para dentro.Outro ponto interessante que consta das observa• ›e s de Mendes em Ò aInven• ‹ o da amazni aÓ , que lida hoje pode parecer uma idŽ ia —bvi a, mas queent‹ o n‹ o parecia t‹ o evidente, dizia respeito ˆ futura import‰ ncia estratŽ gicada amazni a para o Brasil. Import‰ ncia essa ineg‡ vel hoje, e que tende a seampliar quanto mais sabiamente conseguirmos utiliz‡ -la. Fica aqui a pergunta:quais as vantagens intra e internacionais que essa regi‹ o de riquezas poderiater fornecido ao Brasil caso a rela• ‹ o de interdepend• ncia entre a amazni a eo resto do Brasil proposta por Mendes tivesse sido alcan• ada?Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006 249


CONSIDERAçÕES FINAISpor fim, ao ler as obras de Mendes, Ž not—r io que algumas quest›e sque hoje se apresentam no primeiro plano dos debates a respeito daamazni a, na verdade, j‡ se mostravam como pontos centrais nas discuss›e sde pesquisadores mais atentos aos detalhes ou, nas palavras do autor, aosenigmas desta regi‹ o j‡ na dŽ cada de 1970. e capaz de trazer perplexidade Žperceber que apesar das previs›e s e da apresenta• ‹ o de propostas objetivaspara se contornar os problemas aqui encontrados e preparar o terreno para umfuturo mais equ‰ nime, poucas ou nenhuma das medidas foram adotadas e nosencontramos hoje numa situa• ‹ o muito pr—xi ma ˆ apontada pelo pesquisadorarmando Mendes h‡ quase 40 anos atr‡ s. Qui• ‡ tenhamos atŽ retrocedido emalguns aspectos encontramos.em coro un’ssono, o autor pretende a afirma• ‹ o da amazni a e,para concretizar esse desiderato, inventa um modo de usar, de inovar e deimaginar direcionado para o futuro. Sem esquecer os erros do passado e aspossibilidades do presente, o autor ensaia uma concep• ‹ o prospectiva depensar e sentir a amazni a. Uma concep• ‹ o hol’stica, reunindo o homem, anatureza e a economia visando uma finalidade œni ca: o pleno desenvolvimentosustent‡ vel do homem.REFERÊNCIASBOteLHO, antni o JosŽ . Redesenhando o projeto ZFM Ð um estado de alerta(uma dŽ cada depois). Manaus: editora Valer, 2006.MeNDeS, armando Dias. A casa e suas ra’zes. BelŽ m: CeJUp, 1996.______. A inven• ‹o da Amazni a. 2. ed. rev. Manaus: editora da Universidadedo amazonas, 1997.______. Amazni a: modos de (o)usar. Manaus: editora Valer, 2001.250Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006


LAND TENURE IN THE COMMUNITIES OF BABAçU CRUSHERSLuane Lemos Felício AgostinhopOSSe NaS COMUNIDaDeS DaSQUeBraDeIraS De COCO BaBa‚ ULuane Lemos Fel’ cio Agostinho *Sum‡r io: 1. Introdu• ‹ o; 2. Da (necess‡ ria) invers‹ o metodol—gi ca; 3. Das diversas concep• ›e sde posse; 4. a posse das quebradeiras de coco baba• u; 5. Novas perspectivas; refer• ncias.Resumo: O presente artigo tem como objetivorefletir sobre o instituto da posse aplicado aschamadas quebradeiras de coco baba• u. Nocaso, a posse Ž representada pelo acesso euso dos recursos naturais, em especial, daspalmeiras de baba• u, que s‹ o imprescind’veispara a reprodu• ‹ o f’sica e cultural dasquebradeiras. trata-se de garantir o que podeser considerado Ò patrimni o m’nimoÓ paraessas mulheres e suas fam’lias, a fim de queo princ’pio da dignidade da pessoa humanapossa ser concretizado.Palavras-chave: posse, quebradeiras de coco,patrimni o m’nimo.Abstract: the current article aims reflectingabout the institute of possession applied to theones known as Ò quebradeiras de coco baba• uÓ .In this case, the possession is representedby the access and use of natural resources,especially of the baba• u palm trees, whichare imprescindible for the Ò quebradeirasÓcultural and physical reproduction. It isabout guaranteeing what may be consideredÒ minimum patrimonyÓ for these women andtheir families, in order to make it possible torealize the human person dignity.Keywords: possession, quebradeiras de coco,minimum patrimony.* Advogada. Mestranda em Direito do Programa de Pós-<strong>graduação</strong> em Direito Ambiental da Universidade do Estado doAmazonas (PPgDA-UEA). Bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa no Maranhão (FAPEMA). Projeto de Pesquisa “Direito,Recursos Naturais e Conflitos Ambientais: o Tratado de Cooperação Amazônica”, MCT/CNPq.Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006 251


1. INTRODUçÃOa posse, n‹ o s— na forma como Ž pensada, mas tambŽ m no modo peloqual foi prevista no ordenamento, evidencia o aspecto secund‡ rio ao qualfoi criada em rela• ‹ o ao direito de propriedade. porŽ m, como acontece emdiferentes e variados pontos do nosso ordenamento, certa realidade social, ouainda melhor, certa necessidade social chama a posse a assumir um papel chaveno que tange ˆ efetiva• ‹ o do direito ˆ dignidade (e sobreviv• ncia) humana apartir do uso racional do patrimni o e, conseqŸe ntemente, do livre acesso aosrecursos naturais.a diversidade de rela• › es do homem com o meio possibilita osurgimento de um sem nœm ero de novas situa• ›e s jur’dicas na maioria dasvezes n‹ o previstas no ordenamento jur’dico. No caso das quebradeiras de cocobaba• u, a forma de acesso e uso comum das palmeiras de coco por parte dessascomunidades faz-se de forma totalmente diferenciada do que Ž juridicamenteprevisto como posse e propriedade. O instituto possess—r io incorporado emuma œni ca e hermŽ tica concep• ‹ o jur’dica Ž incapaz de abranger a diversidadede fenm enos pelos quais Ž invocado. Como, ent‹ o, aplicar a tais realidadessociais os estreitos limites do ordenamento posto?a supera• ‹ o destes limites s— Ž poss’vel atravŽ s de uma Ò hermen• uticaconstrutivaÓ (FaCHIN, 2001, p.09) aplicada ao direito civil com o intuito deharmoniz‡ -lo ˆ ordem constitucional, por sua vez, superior, alargando assim oconteœ do desses institutos a fim de adequ‡ -los ˆ diversidade da realidade social.Desta forma, a tni ca do Direito deixa de ser a propriedade e passa a sero indiv’duo possuidor de dignidade e merecedor dela. N‹ o Ž mais a import‰ nciada manuten• ‹ o da propriedade que determina o desfecho dos conflitos e sim,a utiliza• ‹ o social do bem com o fim espec’fico de atender ˆ s necessidadesb‡ sicas do ser humano e de sua comunidade.a jun• ‹ o da quest‹ o fundi‡ ria ˆ quest‹ o ambiental prop›e novos critŽ riosde apossamento da terra, centrados no uso sustent‡ vel dos recursos naturais.ƒ nesse contexto que encontramos a posse exercida pelas comunidadesde quebradeiras de coco baba• u, que se constitui na forma coletiva deapossamento e uso dos recursos naturais, atravŽ s de pr‡ ticas de trabalhofamiliar e comunit‡ rio, com base na agricultura e no extrativismo, a qual findapor conferir ao acess—r io (a palmeira) relev‰ ncia maior do que ao bem principal(a terra).252Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006


alŽ m de ser o modo especial de Ò criar, fazer e viverÓ dessas comunidadese de reprodu• ‹ o do grupo, esta Ž tambŽ m a forma de atividade econm icautilizada para garantia do seu sustento. tanto a agricultura como a quebra dococo s‹ o respons‡ veis pela composi• ‹ o da renda familiar.ƒ a partir do livre acesso ˆ s palmeiras que se tem a possibilidade demanuten• ‹ o do sistema econm ico agroextrativista destas comunidades. aspalmeiras representam um Ò patrimni o m’nimoÓ necess‡ rio para a garantia dareprodu• ‹ o f’sica e social dessas mulheres e suas fam’lias.procuramos, assim, evidenciar as problem‡ ticas acerca da colis‹ o dedireitos ocasionada pela angœs tia incessante de se tentar aplicar os estreitoslimites da codifica• ‹ o ao rico emaranhado de rela• ‹ o sociais existentes no bojoda sociedade. tal enfrentamento, longe de caracterizar apenas as atividadesdas quebradeiras de coco baba• u, representa o corrente conflito entre o direitoposto e a salvaguarda jur’dica do modo de vida e sobreviv• ncia de muitosoutros povos e comunidades tradicionais, tais como ribeirinhos, seringueiros,castanheiros e outros, em toda a extens‹ o da amazni a brasileira.2. DA (NECESSÁRIA) INVERSÃO METODOLógICAÒ Um estudo, ainda que notoriamente modesto, requer, antes deperquirir seu objeto, a investiga• ‹o sobre o modo de desenvolveresse procedimento. Como se faz Ž t‹o relevante quanto o quese faz, da’ porque antes de resolver o problema Ž precisocompreend• -loÓ (FACHIN, 1988, p. 09).Um tema como o proposto requer uma vis‹ o mais abrangente sobrea realidade social. ƒ necess‡ rio perceber as rela• ›e s sociais tais como elasacontecem, sem tentar encaixot‡ -las em algum conceito j‡ existente, maspreservar a sua ess• ncia axiol—gi ca.Da mesma forma, no campo do direito, Ž necess‡ rio conceber os velhosinstitutos de forma a combin‡ -los ˆ realidade dos fatos e aos princ’piosregentes da ordem jur’dica contempor‰ nea, a fim de que estes acompanhem aevolu• ‹ o hist— rica e social. por esses motivos, faz-se necess‡ rio invertermoso foco da pesquisa e concentramos as aten• ›e s no ser em detrimento do ter(FaCHIN, 2001).Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006 253


a partir da constitucionaliza• ‹ o do direito civil 1 surgem as tesesjur’dicas acerca do privilŽ gio do indiv’duo possuidor de dignidade humanaem contraposi• ‹ o ˆ soberania do patrimni o, desafiando o quase sŽ culo deprimazia da propriedade sobre os interesses do Ôbem socialÕ.a invers‹ o da metodologia normalmente aplicada aos estudos acerca dodireito privado se faz necess‡ ria uma vez que procuramos aqui encontrar novasformas de aplicar o direito em rela• ‹ o aos fatos sociais existentes e latentes emnossa realidade, principalmente da regi‹ o prŽ -amazni ca, onde o mosaico derela• ›e s entre grupos e etnias se adensa com o passar do tempo.2.1 A constitucionalização do Direito CivilQuando tentamos aplicar os institutos do direito privado aos casosconcretos que ocorrem ˆ margem do ordenamento, evidenciamos uma clarainŽ pcia desses instrumentos, incapazes de solucionar os conflitos sociais.Isto ocorre porque a l—gi ca que rege o direito privado Ž a mesma h‡ quaseum sŽ culo. Desde a promulga• ‹ o do antigo C—di go Civil, em 1916, atŽ hoje,milhares de mudan• as e transforma• ›e s sociais j‡ aconteceram e modificaramas rela• ›e s interpessoais e as normas de direito privado, com raras exce• ›e s,continuam com a mesma ess• ncia.a codifica• ‹ o, principalmente a civil, Ž atributo do estado liberal. Osprimeiros c—di gos civis, assim como as constitui• ›e s, tiveram suas basesfundadas na garantia da pol’tica liberal: enquanto aquele se prestava a garantiros direitos individuais, esta era instrumento de limita• ‹ o do poder estatal.Ë Ž poca do liberalismo, a tni ca pol’tico-jur’dica era a garantia de amploespa• o aos indiv’duos, principalmente econm ico, a fim de que estes exercessemsua liberdade t‹ o duramente conquistada e formassem seus patrimni os sem ainterven• ‹ o rigorosa do estado, heran• a dos regimes pol’ticos anteriores.Formalmente, todos tinham a mesma liberdade e, teoricamente, eram iguais emdireitos e deveres. tudo devendo ser resguardado pelo Direito.assim, as codifica• ›e s existentes ao tempo eram totalmente voltadasˆ garantia e manuten• ‹ o do patrimni o dos Ônovos cidad‹ osÕ, pequenosburgueses.Com a decad• ncia do liberalismo e o advento do estado Social, a atua• ‹ oestatal passou a ser mais efetiva. tudo isso ocasionado pela pr—pr ia fal• ncia do1 Sobre a ‘constitucionalização do direito civil’ ver Pietro Perlingiere, gustavo Tepedino, Paulo Netto Lobo e Luiz EdsonFachin.254Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006


modelo liberal. O estado teve que intervir econ mico, pol’tico e socialmentepara possibilitar a sobreviv• ncia frente ao caos social instalado pela economialiberal. a meta era reduzir o espa• o de autonomia privada para garantir a tutelajur’dica dos que foram atropelados pela pol’tica anterior.Mudam-se as Constitui• ›e s, que passam a enumerar princ’pios e regrasem todos os n’veis das rela• ›e s sociais: educa• ‹ o, cultura, desporto, pol’tica,meio ambiente, ordem econm ica e social, direitos e garantias do indiv’duo,entre outros. Surgem as novas eras de garantia dos direitos humanos, tomandoo indiv’duo como parte de uma coletividade e existente em prol dela.porŽ m, Ò enquanto o estado e a sociedade mudaram, alterandosubstancialmente a Constitui• ‹ o, os c—di gos civis continuaram ideologicamenteancorados no estado liberal, persistindo na hegemonia ultrapassada dos valorespatrimoniais e do individualismo jur’dicoÓ (LOBO, 1997, p.03).tal situa• ‹ o persiste atŽ hoje. as regulamenta• ›e s e institutos presentesna legisla• ‹ o civil, em sua maioria, n‹ o s‹ o capazes de acompanhar, porsi s—, a evolu• ‹ o hist—r ica e social dos princ’pios e regras constitucionais,uma vez que permanecerem est‡ ticos ˆ s mudan• as ocorridas. por isso aincompatibilidade das rela• › es patrimoniais do c—di go civil em rela• ‹ o aospreceitos constitucionais de valoriza• ‹ o do indiv’duo e da sociedade.enquanto a Constitui• ‹ o garante valores de ordem social, o c—di go civildetermina que quase a totalidade da solu• ‹ o dos conflitos por ele abarcada sejaresolvida atravŽ s do patrimn io ou em prol dele. assim ocorre em rela• ‹ o ˆ ssucess›e s, aos contratos, aos direitos reais (principalmente) e atŽ para se definira imputabilidade civil de uma pessoa se usa a capacidade de administra• ‹ o dopatrimni o como base.Uma vez que o patrimni o guia quase todas as rela• ›e s civis, n‹ o h‡como se vislumbrar a garantia da valoriza• ‹ o do indiv’duo adstrito ˆ legisla• ‹ oprivatista, liberal, de quase um sŽ culo atr‡ s.Com as mudan• as sociais, o ‰ ngulo de vis‹ o do Direito deixa de sero ter para recair sobre as nuan• as do ser (FaCHIN, 2001). Desta forma,a aplica• ‹ o das normas de direito civil passam a exigir o fundamentoconstitucional para poder ter validade. O contr‡ rio resultaria em suainexist• ncia, ou seja, sua revoga• ‹ o.N‹ o se trata, portanto, de Ò se observarÓ os princ’pios constitucionaisquando da aplica• ‹ o do direito civil. ƒ , sim, uma quest‹ o de se ter essesprinc’pios como fundamentos capazes de validar ou n‹ o a exist• ncia de taisnormas. Ò a restaura• ‹ o da primazia da pessoa humana, nas rela• ›e s civis, ŽHiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006 255


a condi• ‹ o primeira de adequa• ‹ o do direito ˆ realidade e aos fundamentosconstitucionaisÓ (LOBO, 1997, p.05).assim Ž que invocamos ao direito civil, com o intuito de dar preenchimentoe conteœdo ao instituto possess—r io, os princ’pios da dignidade humana e daigualdade, respaldados na manuten• ‹ o e na preserva• ‹ o da exist• ncia dascomunidades tradicionais, levando-nos a pensar estes instrumentos jur’dicos apartir da realidade e da necessidade desses grupos.3. DAS DIVERSAS CONCEPçÕES DE POSSEWashington de Barros Monteiro certa vez afirmou que Ò o estudo da posse,conquanto atraente, Ž dos mais ‡ rduos de todo o direito civilÓ (1994, p.17).a sinceridade desta frase Ž calcada no sem nœm ero de teorias queprocuram explicar o fenm eno possess— rio. atŽ (e inclusive) em rela• ‹ o ˆ suanatureza h‡ controvŽ rsia: uns acham que a posse Ž direito, outros, fato.H‡ ainda, para enlinhar o tran• ado, as concep• ›e s diferenciadas atribu’dasˆ posse quando da sua aplica• ‹ o ˆ s realidades marginais que n‹ o est‹ o previstassequer no ordenamento, quanto mais nas discuss›e s doutrin‡ rias.para adentrarmos na concep• ‹ o de posse idealizada neste estudo, temosque fazer um breve passeio por caminhos que nos levam a entender melhor asconcep• ›e s jur’dica e antropol—gi ca de posse, apossamento coletivo e formasde uso comum da terra.3.1 A posse nos manuais de Direitoa posse Ž assunto pol• mico desde os prim—r dios do direito romano.Nunca foi encontrada uma uniformidade com que se pudesse denominar talfenm eno. Diz-se fenm eno porque nem mesmo se chegou ao consenso dese a posse Ž um fato ou um direito. Dessa forma, inœm eras s‹ o teorias quet• m a pretens‹ o de delimitar o tema possess—r io, atribuindo-lhe conceito,caracter’sticas, princ’pios e efeitos os mais variados poss’veis, no campo f‡ ticoe jur’dico.Um dos primeiros bravos que tentou Ò domarÓ o instituto possess—r iofoi Federico Carlos Savigny. a despeito de sua pouca idade, Savigny deu oprimeiro grande passo para o estudo moderno da posse, juntando inestim‡ velcolabora• ‹ o inclusive ao Direito romano.256Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006


para Savigny, posse Ž a jun• ‹ o de dois elementos por ele denominadoscorpus e animus. Corpus seria a influ• ncia direita do homem sobre o bem,n‹ o significando, necessariamente, a apreens‹ o material da coisa. ƒ o poderde fato exercido pelo sujeito. O animus possiendi, por sua vez, se configurariaenquanto o desejo ou a inten• ‹ o de exercer a propriedade sobre a coisa, comose sua fosse.Inexistindo um desses elementos, n‹ o h‡ como se configurar a posse:sem o corpus n‹ o h‡ dom’nio efetivo, nem rela• ‹ o com o bem; sem animus h‡a mera deten• ‹ o da coisa.Desse modo, seria necess‡ rio n‹ o s— ter o poder de atuar sobre a coisa,mas a vontade de possu’-la a ponto de promover sua defesa contra todo equalquer meio que possa ofender o seu dom’nio.Seria, ent‹ o, ponto chave da teoria subjetiva, o animus com o qual opossuidor detŽ m a coisa, de forma que este se sinta verdadeiro propriet‡ rio dobem e haja enquanto tal, ou seja, aquele que est‡ decidido a exercer, de fato,seu senhorio sobre a coisa.em revis‹ o ˆ sua obra, entretanto, Savigny explicitou o verdadeiro sentidoda Ôvontade de donoÕatribu’da ˆ posse: n‹ o que isto significasse dizer que opossuidor devesse ter por raz‹ o ou objetivo o Ôconteœdo jur’dicoÕexpresso dodireito de propriedade, mas apenas que o animus domini se constitu’a enquantoo conteœdo da vontade necess‡ ria para que se desse a posse.atribuiu, ent‹ o, duas conseqŸ• ncias ˆ posse: a possibilidade de utiliza• ‹ odos interditos em sua defesa e da usucapi‹ o para a aquisi• ‹ o da propriedadesobre a coisa possu’da.H‡ possibilidade de uso dos interditos Ð mesmo que para Savigny aposse n‹ o seja direito, mas um fato Ð por causa da utiliza• ‹ o da viol• nciacontra o possuidor e, sendo a viol• ncia ato in’quo, Ž suscet’vel de combatevia interditos.O problema enfrentado pela teoria subjetiva foi o de que, a despeito deSavigny ter elencado como elemento essencial desta o animus domini, o direitoromano atribu’a posse a situa• ›e s diversas dessa realidade (como o credorpignorat’cio, por exemplo).alŽ m disso, era grande a dificuldade encontrada no campo f‡ tico parademonstrar o animus domini atribu’do ao possuidor, principalmente em rela• ‹ oao sistema probat—r io. essa cr’tica fora formulada especialmente por Iheringquando da elabora• ‹ o da sua teoria objetiva da posse.Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006 257


udolf Von Ihering, por sua vez, teceu sŽ rios coment‡ rios e cr’ticasacerca da teoria possess—r ia de Savigny. apesar de muito ter aproveitadodaquela tese, como as idŽ ias do corpus e do affectio tenendi, Iheringacrescentou alguns conceitos e rejeitou outros. porŽ m, na realidade, a diferen• aentre as duas teorias n‹ o Ž t‹ o substancial assim.alŽ m da critica sobre a forma pragm‡ tica de se comprovar a exist• nciada Ôvontade de propriet‡ rioÕatribu’da ao possuidor da coisa, como j‡ foi citado,a teoria objetiva se difere no que diz respeito ˆ prote• ‹ o e defesa da posse.para Ihering, a posse tem mais profundamente um v’nculo de liga• ‹ ocom o direito de propriedade. Na verdade, o que realmente Ž tutelado, para ateoria objetiva, Ž este direito. a posse seria, ent‹ o, apenas uma exterioriza• ‹ opragm‡ tica do direto de propriedade.Quando a lei protege a posse, na verdade o est‡ fazendo em rela• ‹ oˆ propriedade, uma vez que se considera aquela uma manifesta• ‹ o desta.a prote• ‹ o, portanto, independente da fundamenta• ‹ o de exist• ncia deviol• ncia ou il’cito, se daria, ainda que indiretamente, em fun• ‹ o da tutelaˆ propriedade.Uma vez conferido o direito de prote• ‹ o ˆ propriedade, este se estenderiaao n‹ o propriet‡ rio/possuidor, j‡ que est‡ verdadeiramente vinculado ˆ coisaprotegida. D‡ -se como se esse fosse um Ò aparente propriet‡ rioÓ .a diferen• a das teses aprofunda-se, porŽ m, em rela• ‹ o ao animus. asreservas de Ihering em rela• ‹ o ao animus domini de Savigny, fez com queeste afastasse de sua teoria este elemento caracterizador da posse, de tal formaque o pr—pr io corpus a configuraria, em combina• ‹ o com o affectio tenendi,desde que n‹ o houvesse disposi• ‹ o expressa que negasse ˆ situa• ‹ o o statusde posse.Verificamos, pois, afinal, que Ihering n‹ o descartou de pronto o animusda posse. apenas n‹ o o aceitou na condi• ‹ o de elemento caracterizadoressencial a ela. O corpus, por si s—, j‡ denuncia de alguma forma a ÔvontadeÕdo possuidor sobre a coisa. Desse modo, a denominada affectio tenendi est‡indissociavelmente ligada ao dom’nio de fato sobre o bem.Outro ponto de extrema relev‰ ncia para Ihering seria a exist• nciade norma que permitisse, ou que pelo menos n‹ o proibisse o fato de serconfigurado enquanto posse. em outras palavras, a posse seria a combina• ‹ ode corpus mais affectio tenendi mais a aus• ncia de impossibilidade legal, ouseja, de texto legal impeditivo da caracteriza• ‹ o da posse.258Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006


Diferente das outras duas teorias e, talvez, um pouco mais objetivoque aquelas, Saleilles explicou o fenm eno da posse a partir da apropria• ‹ oeconm ica. ƒ bem certo que para Ihering a posse tivesse certa aproxima• ‹ ocom a finalidade econm ica, mas Saleilles fez dela a pr—pr ia configura• ‹ o daidŽ ia de corpus.apesar de ter seguido a linha da teoria objetiva, Saleilles apresentoualgumas altera• › es aos seus fundamentos, conforme explica Getœl io Lima(1992, p. 37):assim, ao invŽ s de ver na posse apenas a exterioriza• ‹ o da propriedade,Saleilles a entendia como um conjunto de fatos que revelam entre aqueles aquem eles se ligam e a coisa que eles t• m por objeto, uma rela• ‹ o dur‡ velde apropria• ‹ o econm ica, uma rela• ‹ o de explora• ‹ o da coisa a servi• o doindiv’duo.Desta mesma forma, o animus na teoria econm ica de Saleilles n‹ o seconfigura enquanto express‹ o da vontade de senhor, mas na vontade de realizara apropria• ‹ o econm ica do bem e utiliz‡ -lo com este intuito.O conceito de posse para Saleilles estaria, ent‹ o, intimamente ligadoˆ consci• ncia social, apresentando-se, este, como verdadeiro fundamentoda apropria• ‹ o exercida sobre o bem, se concretizando, a posse, a partir daconfigura• ‹ o da independ• ncia econm ica do possuidor pela rela• ‹ o de fatocom a coisa.O ponto relevante da teoria econm ica seria, ent‹ o, o fato de que aposse adquire certa autonomia em rela• ‹ o ao direito de propriedade, sendo elapr—pr ia fato gerador da independ• ncia econm ica do indiv’duo.Fazendo uma breve an‡ lise das teorias aqui trazidas e relacionando-ascom o nosso objeto de pesquisa para que enfim se objetive o motivo pelo qualtrouxemos ˆ baila essa discuss‹ o hist—r ica, podemos finalmente tra• ar algumasconsidera• ›e s acerca das concep• ›e s de posse atingidas por essas teorias.S‹ o raros os posicionamentos doutrin‡ rios e legislativos que n‹ o d‹ ovaz‹ o a uma das teorias cl‡ ssicas de Savigny e Ihering. Contudo, Ž relevante oestudo de seu significado e contribui• ‹ o para a constru• ‹ o do conceito jur’dicode posse.a despeito das desgastadas discuss›e s acerca da eterna pol• mica queenvolve as teorias cl‡ ssicas, n‹ o tentaremos determinar os pontos de acerto deuma ou de outra (v‹ tarefa), mas antes nos importa a relev‰ ncia dessas teoriaspara o tema em quest‹ o.Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006 259


O nosso ordenamento Ž calcado na teoria objetiva de Ihering. esta teoriaalcan• ou sua fase ‡ urea e seu reconhecimento quando da passagem do mŽ todohist—r ico-natural para o positivo. por isso a teoria objetiva, concretizadora dodom’nio privado, fez festa junto aos interesses individualistas da Ž poca, poisvislumbra a posse enquanto exterioriza• ‹ o da propriedade.em contrapartida temos a teoria subjetiva de Savigny. para ele, o centrodo fenm eno possess—r io Ž a pessoa e o animus domini por ela revelado. Ò Oponto alto da concep• ‹ o de Savigny Ž a redu• ‹ o da posse a um m’nimo b‡ sicode autonomia frente ˆ propriedade.Ó (FaCHIN, 1988, p.25)Do ponto de vista pr‡ tico, a posi• ‹ o de Ihering assume vantagem porenlarguecer o direito possess—r io (e o conseqŸ ente uso dos interditos) ˆ quelesque, segundo ele, det• m a posse por estarem tutelados por norma jur’dica. poroutro lado, a teoria Savignista Ž a base da vis‹ o de Ôposse enquanto fenm enosocialÕdo espanhol Hernandez Gil (FaCHIN, 1988, p.25).O conflito entre as duas teorias est‡ na concep• ‹ o diferenciada daaplica• ‹ o do animus e do corpus ao conceito de posse. para Savigny, o animusŽ a inten• ‹ o de possuir a coisa e de dispor desta como dono. em Ihering aposse independe do querer do indiv’duo, mas antes Ž atribu’da a este atravŽ sde uma regra legal. Desta forma, n‹ o possui autonomia de vontade, mas est‡intrinsecamente ligada ao dom’nio da coisa, de onde emana e do qual Ž a meravisualiza• ‹ o. assim, tanto o indiv’duo que tem a posse direta (por exemplo, olocat‡ rio) quanto o que tem a posse indireta (o locador, propriet‡ rio do bem)possuem direito de dom’nio sobre a coisa, porque assim lhes Ž garantido porlei. acarreta que tendo a posse, ambos podem utilizar os instrumentos legaispara a defesa desta (os interditos).Savigny alega que a aplica• ‹ o dos interditos ˆ posse, ainda que esta n‹ oseja um direito e sim um fato, se d‡ pela prote• ‹ o do indiv’duo mediante aviol• ncia utilizada contra si. por outro lado, a despeito da tutela do indiv’duo,o animus domini como fator essencial ˆ caracteriza• ‹ o da posse acaba porprejudicar aqueles que det• m o dom’nio do bem sem, contudo, ter a devidainten• ‹ o ou vontade de ser propriet‡ rio do mesmo.em outras palavras, aquele que se utiliza do bem enquanto possuidor,mas que n‹ o apresenta a n’tida vontade de exercer sobre este o dom’nio privadoou que n‹ o tenha o animus de dono da coisa, na concep• ‹ o de Savigny n‹ o seconfigura como possuidor, mas apenas como detentor.De outro modo, ao que se refere ˆ teoria objetiva de Ihering, a afirma• ‹ oda posse ser exterioriza• ‹ o da propriedade pode ser bem contrariada pelos260Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006


argumentos de Hernandez Gil pelo que Ž perfeitamente poss’vel a exist• nciade sistemas comunit‡ rios nos quais n‹ o exista a propriedade privada, porŽ ma mesma harmonia n‹ o aconteceria caso houvesse um sistema possess—r ioconflituoso. (FaCHIN, 1988). N‹ o h‡ , desta forma, uma necess‡ ria rela• ‹ oentre posse e propriedade, na qual uma depende da outra, sendo institutos edireitos autnom os.a prefer• ncia, todavia, por uma dessas teorias para embasar o fenm enoda posse no nosso ordenamento jur’dico, n‹ o exclui a possibilidade deocorr• ncia da outra como base de alguns preceitos e institutos. Ou seja, adoutrina considera que a posse no C—di go Civil brasileiro est‡ pautada nateoria objetiva de Ihering. porŽ m, FaCHIN em linhas gerais de um estudocomparado, demonstrou que n‹ o h‡ nenhum ordenamento que tenha Ò apegodemasiadoÓ a uma das teorias e afirma: Ò No fulcro do direito legislado e najurisprud• ncia emerge uma solu• ‹ o intermedi‡ ria que, embora distinguindoa posse com animus domini daquela sem animus domini confere prote• ‹ opossess—r ia a ambasÓ (1998, p.31).Da mesma forma a teoria de Saleilles, apesar de aproveitar-se a veiaeconm ica que atribui valor e fun• ‹ o ˆ posse, necess‡ ria ˆ concep• ‹ o de posseagr‡ ria, de vincula• ‹ o do homem ˆ terra com fins de produ• ‹ o, limita-se pordemais a essa caracter’stica, retirando a possibilidade de se adotar a coisatambŽ m como bem a ser preservado e garantido e n‹ o s— explorado.a chamada utiliza• ‹ o econm ica da coisa, estado evolutivo a quechegou o entendimento mais atual da posse civil, ainda assim n‹ o se revelasuficiente para abarcar e explicar o fenm eno possess—r io agr‡ rio que, entreoutras finalidades, inegavelmente se dirige ˆ fixa• ‹ o do homem ˆ s atividadesagr‡ rias e ˆ terra onde as exer• a, o respeito aos recursos naturais renov‡ veis,e conscientiza• ‹ o das finalidades naturais para as quais o bem foi criado e aagrariedade, para falar apenas nestes, o que bem mostra que o Direito agr‡ rion‹ o pode, pura e simplesmente, apropriar-se dos conceitos de posse comumpara definir o que seria posse agr‡ ria. (LIMa, 1992, p.49)ƒ dessa forma que nos aproveitamos das contribui• ›e s dadas por cadateoria, na medida do poss’vel, para que possamos construir a concep• ‹ o do queviria a ser a posse para as comunidades tradicionais de quebradeiras de cocobaba• u. e, ao mesmo tempo, constatamos a impossibilidade de nos utilizarmosde uma delas como base absoluta dessas concep• ›e s, uma vez que nenhumacontempla as formas pelas quais se d‹ o as rela• ›e s com os recursos naturaisnos sistemas de uso comum.Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006 261


as peculiaridades desses sistemas exigem tambŽ m um tratamentoparticularizado no que diz respeito ao seu estudo e regulamenta• ‹ o. a solu• ‹ oseria o apelo a uma hermen• utica construtiva que compusesse estes conceitos,em uma combina• ‹ o de constru• ›e s te—r icas e realidade aplicada.4. A POSSE DAS QUEBRADEIRAS DE COCO BABAçUas concep• ›e s legais de posse (seja no direito agr‡ rio ou civil), aindaque sejam os conceitos mais modernos, que se auto-intitulam como Ò sociaisÓ ,n‹ o s‹ o bastante para preencher o vazio existente entre Ôvis‹ o oficialÕ eÔrealidade postaÕ.O grande problema apresentado Ž : como satisfazer as necessidadeshumanas essenciais de comunidades tradicionais (de manuten• ‹ o de umpatrimni o m’nimo capaz de garantir uma vida digna) frente a um sistemade defesa incondicional da propriedade privada, territ—r io soberano de umpossuidor que dela pode usar, gozar, dispor (e abusar) da forma que lheconvier.a come• ar da pr—pr ia idŽ ia de posse feita pelas fam’lias de quebradeirasde coco baba• u, encontramos diferen• as significativas em rela• ‹ o ao direitooficial. para as chamadas quebradeiras, o direito de propriedade e o direitosobre a cobertura vegetal s‹ o direitos distintos e dissociados, sendo que n‹ o h‡donos de palmeiras, posto ser frutos da pr—pr ia natureza.Maior relev‰ ncia tem o fato quando paramos para analisar que, navis‹ o dos —r g‹ os oficiais, o extrativismo Ž considerado como uma atividadeinexpressiva, quase inexistente. essa mesma idŽ ia ronda o imagin‡ rio populare jur’dico do nosso pa’s, de forma que Ž comum encontrarmos operadores dodireito que desconhecem os conflitos gerados nessas realidades.a atribui• ‹ o de um conteœdo a esses institutos que possa ser capaz dese aplicar ˆ realidade s—c io-econm ica e jur’dica desses segmentos se faz deextrema relev‰ ncia e urg• ncia, uma vez que abre as portas para uma melhorcompreens‹ o dessas situa• ›e s.a regulariza• ‹ o desses dom’nios redunda em garantir a essas comunidadeso livre acesso aos recursos naturais dos quais necessitam para manter aeconomia de suas fam’lias e garantir o referido Ò patrimni o m’nimoÓ paraefetiva• ‹ o da sua dignidade humana.262Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006


4.1 Quebradeiras de coco babaçu: a formação de uma identidadea paisagem natural maranhense, recheada de palmeiras de coco baba• u,Ž historicamente a fonte de renda a milhares de fam’lias que sobrevivem dacoleta e quebra de seus frutos.a vasta cobertura vegetal desse estado j‡ foi morada de inœm erasfam’lias que viviam e sobreviviam em fun• ‹ o dela. N‹ o havia ÔdonosÕnemÔpropriedadesÕ, mas costumes familiares de utiliza• ‹ o coletiva dos recursos ebens. Os costumes formados pela combina• ‹ o de culturas (ind’genas, negras,nordestinas), ˆ moda da casa brasileira, davam as linhas sobre as quais seformavam as regras de conviv• ncia.Contudo, as formas familiares pelas quais eram coletados e quebradosos frutos do baba• u n‹ o eram suficientes para a manuten• ‹ o de um Ò mercadoextrativoÓ . a grande parte das extra• ›e s era destinada ao pr—pr io uso dasfam’lias de quebradeiras ou, no m‡ ximo, produzida em car‡ ter complementara outra atividade, geralmente agr’cola. Os n’veis reduzidos da produ• ‹ o debaba• u e de seu aproveitamento integral dispunham-se em flagrante contrastecom as imensas possibilidades naturais da regi‹ o. (aLMeIDa, 1995)a pr—pr ia cultura ind’gena incorporada aos costumes dessas comunidadesn‹ o exigia que se realizasse uma atividade produtiva com o intuito de seacumular riquezas. a cultura dessas comunidades Ž muito mais de reprodu• ‹ odos meios de subsist• ncia das suas fam’lias do que de acœm ulo.em 1942 foram editados os acordos de Washington sobre o Baba• u,que comprometeu o ÔBrazilÕa exportar am• ndoas e —l eo de baba• u aos estadosUnidos, originando a pol’tica de terras que permitiu a explora• ‹ o dos baba• uais,a t’tulo gratuito, Ò a empresas ou firmas nacionais que se comprometessem ainstalar, no territ—r io maranhense, usinas para a industrializa• ‹ o integral dococoÓ (SHIraISHI NetO, 1998, p. 36). Nasce, portanto, uma grande angœs tiaacerca da garantia de matŽ ria prima que abastecesse essas indœs trias.Como as castanhas de baba• u posta no mercado n‹ o eram capazes desuprir a demanda das indœs trias de —l eo, gera-se um claro entendimento de quen‹ o havia, no estado, Ò catadores profissionais de cocoÓ . Surge, ent‹ o, a idŽ iacorrente de que a economia extrativista e a economia do baba• u, em especial,se apresentavam em clima de Ò catastrofismoÓ e necessitava de organiza• ‹ o(aLMeIDa, 1995).Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006 263


Haveria, portanto, suposi• ›e s de que os trabalhadores inclinados ˆrealiza• ‹ o do extrativismo do baba• u o faziam de forma irregular por motivode que essas fam’lias viviam em um sistema nm ade, errante.O cotidiano desses segmentos foi totalmente desvirtuado por uma sŽ riede Ò pesquisas tŽ cnico-empresariaisÓ sem um m’nimo de aproxima• ‹ o com arealidade, chegando-se inclusive a afirmar que a rela• ‹ o familiar era agravadae dissolvida pela Ò promiscuidade dos adolescentes na quebra do baba• uÓ(LeaL e SaINt CYr apud aLMeIDa, 1995, p. 22).N‹ o h‡ um m’nimo de preocupa• ‹ o em se captar a verdadeira l—gi caorganizativa dessas comunidades, uma vez que estes eram obrigados a mudarde local de coleta devido ˆ s v‡ rias apropria• ›e s ilegais das ‡ reas vizinhas dassuas comunidades, cada vez mais freqŸe ntes.ƒ justamente nessa Ž poca e, a partir desses Ò estudos tŽ cnicosÓ , que v‹ osurgir as legisla• ›e s de fixa• ‹ o do homem ao campo, buscando combater essepseudo vil‹ o, que era o nomadismo. S‹ o iniciadas as tentativas oficiais decoloniza• ‹ o das ‡ reas devolutas e improdutivas do estado.S‹ o Ôdistribu’dosÕmilhares de lotes de 10 hectares, no intuito produtivistasde aumentar a produ• ‹ o de matŽ ria prima. Contudo, os conflitos pela posse daterra estavam sendo travados em outras ‡ reas. Os grandes latifœndi os, obtidosprincipalmente atravŽ s da grilagem, onde reinavam os riscos iminentes degraves conflitos entre propriet‡ rios e camponeses, n‹ o foram alvo das pol’ticasde coloniza• ‹ o.essas eram as extens›e s de terra onde se concentravam a maioria daspalmeiras e onde estavam localizadas as comunidades de quebradeiras de coco,antes de serem colocadas nas Ò pontas de ruaÓ . as terras colocadas ˆ disposi• ‹ odas comunidades eram fora dos limites territoriais nos quais essas fam’lias j‡tinham se estabelecido. alŽ m do mais, como ressaltou alfredo Wagner, Ò aindaque os baba• uais sejam nativos e se distribuam por ‡ reas pœbl icas e privadas,tem-se que os propriet‡ rios, os pretensos propriet‡ rios e os grileiros limitaramo direito da coletaÓ (1995, p. 25).a pol’tica de terras do Maranh‹ o, portanto, teve efeito inverso: ocasionoua ocupa• ‹ o dessas terras por outros segmentos que n‹ o os quilombolas, asquebradeiras, os ’ndios e os pequenos produtores, dando chance ˆ regulariza• ‹ odos grandes dom’nios.a expuls‹ o de milhares de fam’lia dos seus locais habituais de cultivo emorada gerou um exŽ rcito de camponeses sem terra, ou ainda pior, com terra,264Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006


mas desprovidos do acesso aos recursos naturais, meios habituais pelos quaisretiravam sua subsist• ncia.O extrativismo clandestino nos campos cercados, ou mesmo com aanu• ncia dos propriet‡ rios, se tornou cada vez mais comum e freqŸ entenessas comunidades. Mais dif’cil ainda se tornou a pr‡ tica da agricultura,meio principal de manuten• ‹ o das fam’lias. Nesse contexto, a atividade deextra• ‹ o do baba• u foi tomando import‰ ncia fundamental na composi• ‹ o darenda familiar.pipocaram conflitos fundi‡ rios nos quatro cantos do estado e essesconflitos foram diretamente respons‡ veis pelo in’cio da organiza• ‹ o pol’ticados camponeses em prol da garantia de seus direitos e da manuten• ‹ o dosseus dom’nios.a reivindica• ‹ o de reforma agr‡ ria tem sido colocada pelos trabalhadoresrurais do Maranh‹ o desde o in’cio dos anos 50, nas lutas que convergiram paraa cria• ‹ o das primeiras associa• ›e s de defesa de seus interesses em 1955(almeida, 1995).Foi entre conflitos e mobiliza• ›e s que emergiu a nova identidade dessesegmento campon• s denominado de quebradeiras de coco baba• u. Da mesmaforma que os trabalhadores rurais se organizaram em um sem nœm ero deSindicatos (StrÕs) encontrados, hoje, na grande maioria dos munic’pios doMaranh‹ o, as mulheres extrativistas, acostumadas a viver a sombra de seusmaridos, tomaram a frente da economia familiar e atŽ da pr—pr ia organiza• ‹ olocal dos seus munic’pios (ocupando cargos pœbl icos).essa organiza• ‹ o ultrapassou os limites do estado com a cria• ‹ o doMovimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Baba• u, na segundametade da dŽ cada de 80, abrangendo as ‡ reas de baba• u do Maranh‹ o, piau’,tocantins e par‡ . Cada estado com suas representantes, a fim de defender osinteresses e peculiaridades de suas comunidades.a constru• ‹ o desse n’vel organizacional s— foi poss’vel a partirdo auto-reconhecimento desse segmento enquanto tal. a identifica• ‹ o(por parte das pr— prias quebradeiras e de terceiros) Ž prŽ -requisito para amobiliza• ‹ o e a realiza• ‹ o da atividade extrativa, por si s— , n‹ o Ž capaz depossibilitar essa identifica• ‹ o.a identidade Ž tnica e de comunidades tradicionais Ž dada a partir domomento em que esses segmentos incorporem a si essa denomina• ‹ o e seorganize de acordo com as heran• as culturais pr—pr ias desses grupos e que osdenominam enquanto tal.Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006 265


esse reconhecimento, quando parte dos —r g‹ os do poder, emprestaum significado pol’tico a uma categoria historicamente de uso cotidiano.Foi justamente essa auto-identifica• ‹ o que fortaleceu as lutas e conquistasdesse grupo que, por sua vez, solidificaram essa auto-identifica• ‹ o e assimsucessivamente, num efeito progressivo.O resultado pr‡ tico dessa mobiliza• ‹ o Ž uma organiza• ‹ o de n’veissurpreendentes que almeja, inclusive, a qualifica• ‹ o dos l’deres dessascomunidades a partir do oferecimento de cursos de aperfei• oamento e aproposi• ‹ o de debates de grande riqueza pr‡ tica.No campo jur’dico, o MIQCB, com aux’lio de outras entidades comoa aSSeMa, desenvolveu o baba• u livre, conjunto de atividades pol’ticas,jur’dicas, sociais e ambientais que visam garantir o livre acesso aos baba• uais,mesmo em ‡ reas privadas, e a proibi• ‹ o da derrubada e depreda• ‹ o daspalmeiras.Surgiram, ent‹ o, para realiza• ‹ o dessas pol’ticas os projetos de Leido Baba• u Livre que, dentre outras coisas, tornava livre a atividade do cocobaba• u nos munic’pios e proibia o uso predat—r io das palmeiras.as leis iniciaram com apenas um artigo (Lei Municipal n¡ 05/97 de Lagodo Junco) e posteriormente foram tomando corpo, inclusive com a previs‹ o desan• ›e s para aqueles que a infringirem.Mas o fato mais relevante na cria• ‹ o das Leis do Baba• u Livre Ž a defesairrestrita que fazem as mulheres sobre ela. a participa• ‹ o efetiva das mulheresnas discuss›e s da lei nos plen‡ rios das c‰ maras de vereadores Ž significativapara a concretiza• ‹ o e aprova• ‹ o desses projetos. as mulheres chegam ˆ sC‰ maras nos lombos dos caminh›e s e adentram as plen‡ rias, preenchendo oambiente com seus c‰ nticos.a fundamenta• ‹ o f‡ tica que fazem essas mulheres acerca do direito aolivre acesso Ž muito mais importante e eficaz do que qualquer fundamenta• ‹ ojur’dica dos maiores constitucionalistas de nosso pa’s.Dessa forma, a constru• ‹ o de conceitos e instrumentos jur’dicos quepossibilitem uma Ò hermen• utica construtivaÓ e a orienta• ‹ o de pol’ticaspœbl icas direcionadas para a garantia do dom’nio dos recursos naturaispor parte dessas comunidades de quebradeiras de coco, passa pelo direito,atravessa o —bvi o e ancora em um quase dever/obriga• ‹ o de se possibilitar aessas mulheres o reconhecimento de seus modos de vida.4.2 Apossamento coletivo: as formas de uso e manejo dosrecursos naturais266Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006


a atividade extrativa do baba• u, no seio das comunidades de quebradeirasde coco, representa um complemento, uma atividade acess—r ia em rela• ‹ oˆ economia agr’cola desenvolvida por essas fam’lias, seja a agricultura desubsist• ncia, seja de mercado.a coleta do coco iniciou-se como uma pr‡ tica paralela das fam’lias:enquanto os maridos e filhos maiores iam trabalhar na Ôro• aÕ, as mulheres efilhos pequenos ficavam com os afazeres domŽ sticos e a coleta do coco. Desdecedo as crian• as eram levadas aos baba• uais para aprenderem o of’cio e iremse acostumando em meio aos cocos.ao contr‡ rio das comunidades de seringueiros, as quebradeiras n‹ opossuem dom’nio espec’fico sobre esta ou aquela palmeira. Contudo, apr‡ tica da coleta envolve uma sŽ rie de regras t‡ citas, dentre elas a de osfrutos amontoados aos pŽ s das ‡ rvores s‹ o o sinal de que outra fam’lia osjuntou e coletou, ficando assim impossibilitados de serem catados por outraquebradeira.as quebradeiras geralmente formam grupos para a quebra, principalmentequando a ‡ rea a ser explorada Ž de fazenda. elas passeiam por entre aspalmeiras, catando os cocos ca’dos no ch‹ o (o corte ou a derrubada do cacho Žfalta grave nessas comunidades). Ë s vezes elas coletam os frutos numa espŽ ciede Ò cofoÓ e, dependendo do local, levam para quebrar nas suas casas ou ofazem nos barrac›e s que os fazendeiros disponibilizam para a quebra em trocoda Ò meiaÓ (metade do produto quebrado fica para o propriet‡ rio da terra). Ë svezes a quebra do coco se d‡ no pr—pr io local e, em outras, as mulheres deixamos montes para que os seus filhos menores, auxiliados por pequenos animaisde carga, os coletem depois.Do coco se aproveita, alŽ m da am• ndoa de onde se tira o —l eo utilizadopara cozinhar, atŽ a casca para fazer carv‹ o. Usa-se, ainda, a palha para fazerutens’lios como abanos e cestos; o tronco para a constru• ‹ o das casas; e atŽ daspindobas (palmeiras pequenas) se retira o palmito.a extra• ‹ o do baba• u tem seu ‡ pice na entressafra da ro• a, principalmentedo arroz, quando essa atividade Ž respons‡ vel pela aquisi• ‹ o dos recursosb‡ sicos da fam’lia, passando a ser uma fonte importante de renda.a coleta e quebra do baba• u Ž feita tanto em ‡ rea das pr—pr iascomunidades como em ‡ reas de terceiros. Os projetos de assentamentoimplantados nessas comunidades n‹ o conseguiram atender ˆ s necessidadesdessas fam’lias. a ‡ rea sobre a qual incide o assentamento Ž muito pequena emHiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006 267


ela• ‹ o ao nœm ero de fam’lias que coletam e quebram, gerando a Ò migra• ‹ oÓdessas mulheres em busca de ‡ reas, ainda que cercadas (na maioria das vezes)que tenham um maior nœm ero de palmeiras.essa sŽ rie de pr‡ ticas constr— i, dentro dessas comunidades umordenamento costumeiro, paralelo ao ordenamento vigente, onde a prevalecemconcep• ›e s diferenciadas acerca da realidade dos fatos e da realidade jur’dica.Como j‡ dissemos em oportunidade anterior, para as chamadas quebradeirasa posse sobre a palmeira Ž totalmente distinta da propriedade do im—ve l rural,n‹ o se confundindo um com o outro. algumas delas chegam a afirmar, nosdebates acalorados acerca do livre acesso, que ao contr‡ rio do que tememos propriet‡ rios, elas n‹ o querem tomar-lhes a sua propriedade rural, apenasquerem o direito de poder coletar os frutos, porque terra elas j‡ t• m. a palmeirapassa a ser bem principal e n‹ o acess—r io.por isso, nas pr‡ ticas extrativas das quebradeiras n‹ o encontramos apropriedade sobre um determinado recurso natural. tudo Ž usado de formacoletiva, desde as ‡ rvores atŽ os igarapŽ s. ƒ posse comum, indistinta eindivis’vel.em algumas ‡ reas de fazenda, as quebradeiras s‹ o sujeitas a Ôcontratosde meiaÕ. para ter permiss‹ o de acesso ˆ s palmeiras, as mulheres devem ÔpagarÕmetade das am• ndoas coletadas ao propriet‡ rio e mais as cascas do coco. O quesobra s‹ o quantias irris—r ias por um dia inteiro de trabalho.em outras fazendas n‹ o h‡ qualquer tipo de acordo e as mulheres t• m quese sujeitar a entrar na espreita para coletar os frutos. Caso sejam pegas sofremagress›e s verbais e f’sicas, algumas vezes de grave potencial ofensivo.porŽ m, a pr—pr ia atividade extrativa no ‰ mbito das popula• ›e s dequebradeiras de coco baba• u se difere de regi‹ o para regi‹ o. as dificuldadesencontradas em um determinado estado (ou em uma regi‹ o dele) n‹ os‹ o exatamente as mesmas enfrentadas pelas outras comunidades. Masalguns problemas s‹ o un‰ nimes, como o do impedimento do livre acessopelo cercamento cada vez mais progressivo das matas e a devasta• ‹ o doscoqueirais.268Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006


S‹ o caracter’sticas gerais da posse dessas comunidades a forma coletivade apossamento dos recursos naturais e a pr‡ tica de trabalho familiar ecomunit‡ rio. 2a forma de uso dos recursos naturais, tanto das palmeiras, quanto dosdemais (igarapŽ s, riachos e ca• as) se d‡ de forma compartilhada entre o grupo,n‹ o existindo possuidores espec’ficos deste ou daquele bem, ao contr‡ rio dosseringueiros que em sua Ò coloca• ‹ oÓ cada fam’lia tem seu pr—pr io nœm erode ‡ rvores. alŽ m desse uso comum, se identificam as ‡ reas de uso familiarque s‹ o as moradas e as ro• as. a extra• ‹ o e demais atividades de ro• a s‹ odesenvolvidas pelas fam’lias com fun• ›e s definidas de acordo com a faixaet‡ ria e o sexo de cada um.existem, porŽ m, algumas diferen• as de ordem pr‡ tica, no que tange ˆefetiva• ‹ o dessas formas de manejo e uso dos recursos naturais. essas pr‡ ticasdiferenciam o extrativismo das quebradeiras do extrativismo dos seringueirose quilombolas.apesar das semelhan• as, o apossamento nas comunidades de quebradeirastoma ares muito mais preservacionistas do que os demais apossamentos. ƒincessante a luta pela preserva• ‹ o das palmeiras de baba• u, uma vez que todasas fam’lias se preocupam com os baba• uais como um todo, j‡ que n‹ o t• m aposse discriminada desta ou daquela palmeira.assim, apesar de n’tida a liga• ‹ o das mulheres aos recursos naturaiscomo forma de manuten• ‹ o dos seus meios de vida, n‹ o se nota uma aten• ‹ oexclusivamente econm ica em rela• ‹ o a esses recursos. atŽ porque devemosnos recordar que a cultura desse segmento Ž a de reprodu• ‹ o familiar,predominantemente. O mote ambiental, assim, Ž t‹ o forte quanto o econm ico.ao mesmo que se reivindica o livre acesso aos baba• uais, se luta pela n‹ oderrubada das palmeiras.a posse exercida por estas comunidades nem sempre se faz sobre osbens que est‹ o sob seu dom’nio (mesmo que elas se utilizem deles diariamente,a t’tulo oneroso ou gratuito), mas sobre bens muitas vezes de propriedade edom’nio de terceiros.alŽ m disso, a posse recai sobre os recursos naturais, de modo novo einusitado em que apenas os frutos e as ‡ rvores s‹ o fru’dos, e n‹ o o im—ve l emsi. O animus de senhorio est‡ representado na preocupa• ‹ o ambiental de segarantir a Ò floresta em pŽ Ó e obstar de todos os modos os cortes das ‡ rvores.2 Quanto às formas de apossamento coletivo BENATTI desenvolve a tese da ‘posse agroecológica’, a qual possui muitassimilitudes com o tema aqui abordado.Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006 269


Quanto ao fruto (o coco), a guerra Ž travada por seu aproveitamento racional,abominando-se a queima do Ò coco inteiroÓ (sinni mo de desperd’cio).essa forma nova e inusitada de apossamento s— pode ser encarada a partirda constru• ‹ o dos Ônovos direitosÕ, oriundos do reconhecimento das pr‡ ticasdas comunidades e povos tradicionais, os quais tem sido alvo da discuss‹ o n‹ os— antropol—gi ca e pol’tica, mas tambŽ m jur’dica em todo o mundo.5. NOVAS PERSPECTIVASNas œl timas dŽ cadas tem emergido diversos movimentos sociais noBrasil, e em especial na regi‹ o amazni ca, que s‹ o autodefinidos por critŽ riosde identidade Ž tnica, e reivindicam a manuten• ‹ o e garantia de seus direitos,frente ˆ s situa• ›e s que lhes apresentam adversas.O avan• o da explora• ‹ o econm ica sobre as terras e os recursos naturaiscoloca em risco as formas de reprodu• ‹ o f’sica e cultural dos mais variadosgrupos na regi‹ o. em meio a esse intenso processo de disputas, os povos e ascomunidades tradicionais desenham seus territ— rios (almeida, 2006) e buscamo reconhecimento de seus interesses.Mas longe de significar uma tend• ncia regionalizada, o processo delutas pelo reconhecimento desses grupos portadores de identidade coletiva temachado espa• o nos c’rculos de debate de todo o mundo. Inœm eros pa’ses t• mempreendido pol’ticas e a• ›e s com o intuito de resguardar a diversidade culturalde sua sociedade e evitar o agravamento de conflitos gerados historicamentepela tentativa de homogeneiza• ‹ o das culturas.No Brasil, esta tend• ncia Ž Ò protagonizada pelos povos ind’genas,povos quilombolas, seringueiros, castanheiros, quebradeiras de coco baba• u,ribeirinhos, faxinalenses e comunidades de fundo de pasto dentre outrosÓ(SHIraISHI NetO, 2007, p.26).ap—s dŽ cadas de enfrentamento finalmente surge no fim do tœne l aluz do debate da diversidade e do pluralismo, a qual lentamente vai tomandoconta do direito oficial. Segundo Shiraishi Neto (2007), esses debates acercada pluralidade Ž tnica t• m favorecido o surgimento de novas formas deinterpreta• ‹ o do direito, que v‹ o alŽ m dos esquemas jur’dicos cristalizados, eque tomam a realidade dessas comunidades como o a priori para a compreens‹ oe aplica• ‹ o do ordenamento.270Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006


tais concep• › es surgiram exatamente da inefic‡ cia do direito frente asitua• ›e s plurais. passou-se, assim, a inverter o ponto de partida: ao invŽ s de separtir das formas jur’dicas tradicionais e ir de encontro ˆ s pr‡ ticas sociais dosgrupos Ž tnicos (o que nunca conseguia proporcionar uma solu• ‹ o satisfat—r ia),passou-se a aceitar e reconhecer as pr‡ ticas desses grupos para ent‹ o se pensare interpretar o direito.Surgem ent‹ o as conven• ›e s e tratados internacionais de prote• ‹ oe promo• ‹ o da diversidade cultural, alŽ m das normas espec’ficas sobrecomunidades tradicionais. No Brasil, em 2007 entrou em vigor o Decreto n.6.040, o qual instituiu a pol’tica Nacional de Desenvolvimento Sustent‡ vel dospovos e Comunidades tradicionais.todas estas medidas anunciam uma mudan• a (ainda que t’mida) nomodo de pensar da Ò comunidade globalÓ , no que tange ao reconhecimento dadiversidade. Isto nos leva a acreditar que novos institutos ser‹ o pensados paracontemplar os mais variados modos de vida das comunidades tradicionais eque os velhos institutos ganhar‹ o novo conteœdo como intuito de alcan• aremeste mesmo fim.S— assim podemos esperar que fen menos como o da posse nascomunidades das quebradeiras de coco baba• u sejam compreendidos dentro doseu conteœdo cultural e n‹ o dissociado deste.REFERÊNCIASaLMeIDa, alfredo Wagner Berno de. Quebradeiras de Coco Baba• u:identidade e mobiliza• ‹ o: legisla• ‹ o espec’fica e fontes documentais earquiv’sticas (1915-1995). S‹ o Lu’s: MIQCB, 1995.____. Terras de quilombos, Terras Ind’genas, Ò Baba• uais LivresÓ , Ò Castanhaisdo PovoÓ , Faxinais e Fundos de Pasto: Terras tradicionalmente ocupadas.Manaus: ppGSCa-UFaM/Funda• ‹ o Ford, 2006.aLMeIDa, alfredo Wagner Berno de; SHIraISHI NetO, Joaquim;MeSQUIta, Benjamin alvino de (orgs.). Economia do Baba• u: levantamentopreliminar de dados. S‹ o Lu’s: MIQCB e Balaios typographia, 2000.Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006 271


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Florestas Familiares: uma análise do modelo de parceria entre agricultores familiares e indústria madeireiraJosinete Sousa LamarãoAntonio Edílson de Castro SenaFLOreStaS FaMILIareS:UMa aNç LISe DO MODeLO De parCerIa eNtreaGrICULtOreS FaMILIareS e INDò StrIa MaDeIreIraJosinete Sousa Lamar‹o *Antonio Edilson de Castro Sena **Sum‡r io: Introdu• ‹ o; 2. Considera• ›e s a respeito de agricultura familiar; 3. a proposta deparceria entre atividade madeireira e agricultura familiar na amazni a; 4. experi• ncias derela• ›e s entre atividade madeireira e agricultura familiar na amazni a; 4. Comunidade deQuindeua; 5. O caso dos assentamentos do INCra no Oeste do par‡ ; Considera• ›e s finais;refer• ncias.Resumo: Diante da disputa pela defini• ‹ o dodesenvolvimento que se quer para a amazni aa atividade madeireira busca garantir seusinteresses apresentando-se em diferentespropostas de atua• ‹ o. em especial aos gruposŽ tnicos e de agricultores familiares, quereivindicam o reconhecimento e demarca• ‹ ode territ— rios para desenvolver suas atividades,a indœs tria madeireira prop›e uma parceriaem que se garantiria uma rela• ‹ o justa nadistribui• ‹ o de benef’cios e a sustentabilidadeambiental. Neste contexto este artigo buscaanalisar a proposta das Ò Florestas FamiliaresÓcriada pelo Instituto de pesquisa da amazni aque visa ˆ constru• ‹ o de parceria entremadeireiros e agricultores sob a supervis‹ odo poder pœbl ico. para isto tomou-se doisestudos de caso: a rela• ‹ o entre madeireirose agricultores familiares na Comunidade deQuindeua, no alto rio Capim em Ipixuna dopar‡ e a experi• ncia dos assentamentos ruraiscriados pelo INCra, no Oeste do par‡ , apartir de 2005. as duas experi• ncias revelamresultados distantes dos objetivos da propostaespecialmente pela diferen• a no poder deAbstract: Due to the dispute on the definitionof development which is either to the amazonto logging activity seeks to ensure their interestsare presented in different proposals for action.In particular ethnic groups and family farmers,claiming the recognition and demarcation ofterritory to develop its activities, the timberindustry proposes a partnership in which theyguarantee a fair relationship in the distributionof benefits and environmental sustainability.In this context this article aims to analyze theproposal of the Ò Family ForestÓ created bythe Institute of amazon research that aims tobuild partnership between loggers and farmersunder the supervision of the government. Ittook up to two case studies: the relationshipbetween farmers and loggers in the Communityof Quindeua in high Capim river in par‡Ipixuna and experience of rural settlementscreated by INCra, in the west of par‡ , from2005. the two experiments show results farfrom the objectives of the proposal especiallythe difference in bargaining power betweenloggers and farmers at the time of establishingthe price of timber resources located on the* Mestranda do Programa de Pós-<strong>graduação</strong> em Direito Ambiental da Universidade do Estado do Amazonas – UEA e bolsistada Fudação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas, FAPEAM.** Mestrando do Programa de Pós-<strong>graduação</strong> em Direito Ambiental da Universidade do Estado do Amazonas - UEA e bolsistada CAPES.Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006 273


negocia• ‹ o entre madeireiros e agricultores nomomento de estabelecer o pre• o dos recursosmadeireiros localizados na propriedadedeste œ ltimo, pela incapacidade do poderpœbl ico em garantir uma rela• ‹ o justa entreos dois sujeitos, seja pela inefici• ncia ou pelaconiv• ncia com o setor madeireiro e pela faltade garantias de sustentabilidade ambiental naatua• ‹ o do setor madeireiro.Palavras-chave: atividade madeireira;agricultura familiar; parceria; sustentabilidadeambiental.property of the latter, the inability of thegovernment to guarantee a fair relationshipbetween the two subjects , is the inefficiencyor by collusion with the timber industryand the lack of guarantees of environmentalsustainability in the performance of the timberindustry.Keywords: activity logging, farming,partnership, environmental sustainability.


INTRODUçÃOa amaz nia, hoje, Ž um espa• o de disputa entre tr• s frentes. De umlado pode-se apontar pa’ses e ag• ncias multilaterais que reconhecem e buscammedidas para lidar com os efeitos das mudan• as clim‡ ticas, promovidaspela intensifica• ‹ o do efeito estufa, e buscam nas terras amazni cas umagrande reserva a ser explorada como crŽ dito de carbono. De outro lado, omercado global de commodities agr’colas olha para a amazni a como terrasagricult‡ veis a serem apropriadas pelos empres‡ rios do agroneg—c io, a fim denela expandirem o cultivo de soja, milho, algod‹ o, cana-de-a• œc ar, etc. porfim, por outra frente, os povos da amazni a buscam garantir suas terras erecursos naturais atravŽ s do reconhecimento, pelo estado, de suas organiza• ›e senquanto grupos Ž tnicos. (aLMeIDa, 2008)Neste contexto, a reflex‹ o sobre o que representa a atividade madeireira naamazni a vai muito alŽ m da discrimina• ‹ o de dados econm icos relacionadosˆ participa• ‹ o na pauta de exporta• ›e s ou na composi• ‹ o do produto InternoBruto (pIB), tal como as abordagens neoliberais costumam elaborar. trata-sede analisar como ela se apresenta como proposta de viabilizar os projetos dedesenvolvimento da amazni a atualmente em disputa.para as ag• ncias internacionais, e seus interesses em consolidar ummercado de crŽ dito de carbono, o setor madeireiro oferece a proposta deatividade madeireira certificada. a certifica• ‹ o florestal consiste na realiza• ‹ oda extra• ‹ o de produto florestal madeireiro atravŽ s de um modelo queresponderia positivamente aos seguintes pontos:1) Considera• ‹ o das pessoas que moram nas florestas ou que dependemdela para seu sustento;2) extra• ‹ o de produtos florestais n‹ o-madeireiros tais como l‡ tex,—l eos e castanhas;3) Manuten• ‹ o dos servi• os ambientais de origem florestal;4) a manuten• ‹ o da biodiversidade. (VOGt, 2008)Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006 275


a explora• ‹ o madeireira na amazni a, realizada com base em exig• nciasde protocolos de certifica• ‹ o florestal Ž ainda muito rara e apresenta comoprincipal dificuldade, a incapacidade de concorrer com a extra• ‹ o (atividademadeireira) ilegal, que responde por 60% a 80% da realizada na amazni a. 1Além disso, existem ainda muitos problemas relacionados à avaliação desustentabilidade das florestas certificadas como, por exemplo, a garantia depreservação dos processos ecológicos que estejam além da área certificada oufora do controle do gestor da área manejada (VOGT, 2008).Em relação às pretensões do Estado brasileiro em responder àspressões ambientalistas internacionais, a proposta de atividade madeireira estádelineada pela Lei de Gestão de Florestas Públicas (Lei nº 11.284/06). Tratasede instrumento jurídico-econômico de recente implantação e que, em linhasgerais, propõe a realizar um modelo de exploração madeireira que respondaaos mesmos pontos propostos pela certificação florestal.A concessão de florestas públicas, apesar de estar em um estágioinicial de implementação, pode ser apontada como um instrumento que visadisponibilizar os recursos madeireiros da Amazônia ao mercado. Para issoela propõe superar um obstáculo ao setor madeireiro na região: a falta deregularização fundiária das áreas a que se destinam os pedidos de aprovaçãodos planos de manejo aos órgãos ambientais (AZEVEDO & TOCANTINS,2006).Assim, garante-se o direito de apropriação dos recursos naturais aosetor madeireiro sem que este necessite adquirir o direito de propriedade paraexplorar as áreas florestais, de forma semelhante ao que se passou com a Leinº 9433/97 (Lei dos Recursos Hídricos) que afirmou domínio público sobre aságuas, mas garantiu ao setor privado a possibilidade de sua apropriação paraexploração econômica na medida em que atribuiu a este recurso um “valoreconômico” (SHIRAISHI NETO, 2007).Duas questões relevantes vêm sendo levantadas com relação à Lei deConcessão de Florestas Públicas (TORRES, 2008):1) a concess‹ o de florestas promover‡ a privatiza• ‹ o do acesso aosprodutos florestais madeireiros e n‹ o madeireiros;1 Segundo Joberto Veloso, em dado fornecido em 2006, estimativas conservadoras do Ministério do Meio Ambiente apontamque pelo menos 63% do total de madeira comercializada no país são ilegais. No mesmo sentido, Niro Higuchi, em dadopublicado em 2007, informa: “Hoje, menos de 20% da madeira comercializada na Amazônia tem origem de plano de MFS,aprovados pelo Ibama (ou órgão estadual).”276Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006


2) O aumento da disponibiliza• ‹ o de ‡ reas florestais ˆ explora• ‹ o pelosetor madeireiro n‹ o ser‡ acompanhado, na mesma medida, peloaumento da capacidade dos —r g‹ os ambientais realizarem a devidafiscaliza• ‹ o destas ‡ reas;em rela• ‹ o aos interesses de disponibiliza• ‹ o de terras agricult‡ veispara a expans‹ o da fronteira agr’cola promovida pelo agroneg—c io, a atividademadeireira se apresenta como a forma mais conhecida na regi‹ o, cujasprincipais caracter’sticas s‹ o: depend• ncia de florestas nativas, setor itinerante,pequenos investimentos em pesquisa, explora• ‹ o florestal n‹ o sustentada esem reposi• ‹ o florestal (MarQUeS. 1999). Some-se a estas caracter’sticaso aumento dos registros de trabalho escravo ou em situa• ‹ o degradante nasempresas madeireiras, principalmente ˆ quelas que fazem explora• ‹ o paraprodu• ‹ o de carv‹ o vegetal (COMISSÌ O paStOraL Da terra, 2007).para o agroneg—c io a atividade madeireira cumpre a fun• ‹ o de abrirnovas ‡ reas a serem apropriadas por pastos e para produ• ‹ o de commoditiesagr’colas. ƒ irrelevante o fato de como o empreendimento madeireiro vai atuar,se atravŽ s de grilagem de terras ou n‹ o, com ou sem plano de manejo, com ouso ou n‹ o de trabalho escravo. O que importa Ž que ao final do seu ciclo a‡ rea esteja apta a ser comercializada como terra a ser utilizada para o pasto oupara a produ• ‹ o das j‡ referenciadas commodities agr’colas.a compreens‹ o deste processo explica porque tantos fazendeiros (donosde gado) e latifundi‡ rios produtores de gr‹ os alegam que n‹ o desmatam en‹ o precisam desmatar, pois aos seus interesses bastaria o uso das ‡ reas j‡degradadas da amazni a. trata-se, na verdade, de um mercado de ‡ reasdegradadas em que o fazendeiro ou produtor de gr‹ os se comprometeria a n‹ odesmatar novas ‡ reas para seus usos, mas n‹ o estaria impedido da compradaquelas j‡ desmatadas, independente da origem do desmatamento e dasimplica• ›e s da reprodu• ‹ o de tal ciclo.para a terceira proposta de desenvolvimento para a amazni a, ˆ quelapromovida pelos povos tradicionais e, tambŽ m, semelhante ˆ s pretens›e s dosagricultores familiares que buscam garantir sua inclus‹ o nas pol’ticas de reformaagr‡ ria e adquirirem lotes nos assentamentos rurais, a atividade madeireira, emproposta constru’da em parceria com Organiza• ›e s n‹ o-Governamentais ÐONGÕs, apresenta-se como oportunidade de parceria com pequenos produtoresrurais para explora• ‹ o madeireira de suas ‡ reas. esta rela• ‹ o ser‡ o enfoquedeste trabalho e, por isso, ser‡ tratado mais detalhadamente a seguir.Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006 277


2. CONSIDERAçÕES A RESPEITO DE AgRICULTURA FAMILIARInicialmente cabe explicar que o termo agricultura familiar Ž poucoapropriado ou, ao menos, n‹ o deixa claro o alcance dos sujeitos a que se prop›eincorporar nesta proposta de rela• ‹ o com a atividade madeireira. Sem adentrarna complexidade das discuss›e s acerca de defini• ›e s sobre o que v• m a seragricultores familiares e povos tradicionais, Ž importante ter clareza que ossujeitos representados por estes dois termos s‹ o os destinat‡ rios da proposta deparceria entre agricultores e empresas madeireiras que se prop›e analisar.em geral entende-se agricultura familiar como uma modalidade praticadapor trabalhadores rurais com pequeno capital, pequena por• ‹ o de terra e queempregam basicamente a m‹ o-de-obra familiar. 2 Durante muito tempo,erroneamente, se pensou que ela produzia apenas o mínimo necessário paraa subsistência do produtor e de sua família, o que fora desmitificado porresultados de pesquisas como o Censo Agropecuário de 1996, como será vistoadiante (SABOURIN, 2007).Normalmente se faz ligação de agricultura familiar e pobreza o quepode e tem ocasionado a implantação de políticas públicas destinadas aresgatar os pequenos produtores desta situação de miséria. No entanto, portrás dessas “ajudas” (programas assistenciais), o que se vê é o favorecimentoda agricultura patronal. Exemplo disso é o Fome Zero, que em sua fase inicialentregara em forma de cartão de crédito utilizável em supermercados, aimportância de cinqüenta reais às famílias de agricultores levando-os a preteriralimentos oriundos da produção local e forçando-os à inserção no comérciocomo consumidores. (SABOURIN, 2007).Outro forte indício do protecionismo à agricultura patronal está no fatode a mesma ser a destinatária de 74,7% dos financiamentos agrícolas, enquantoque à agricultura familiar restam ínfimos 25,3%. Apesar disso, contrariando asleis da lógica, aproximadamente 85% dos estabelecimentos rurais pertencema agricultores familiares, assim como são estes os principais geradores deempregos no campo (BUAINAIN, ROMEIRO, GUANZIROLI, 2003).2 De acordo com Resolução do BACEN nº 3.559, de 28.03.2008, Título: Crédito Rural, Capítulo: Programa Nacional deFortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), Seção: Beneficiários, são traduzidos como agricultores familiares e fazemjus aos benefícios oriundos do Pronaf, os trabalhadores ou entidades familiares que não disponham, a qualquer título, deárea superior a 4 (quatro) módulos fiscais; tenham o trabalho familiar como base na exploração do estabelecimento e tenhamobtido renda bruta familiar nos últimos 12 (doze) meses que antecedem a solicitação da Declaração de Aptidão ao Pronaf -DAP até R$110.000,00 (cento e dez mil reais), excluídos os benefícios sociais e os proventos previdenciários decorrentesde atividades rurais.278Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006


As contradições não param. É do mesmo censo a informação de que5,9% dos agricultores familiares possuem áreas de terras maiores que 100ha. A maior parte, ou seja, 39,8% detêm menos de 5 ha para trabalhar eproduzir (BUAINAIN et al. 2003). Além da pequena porção de terra, essestrabalhadores, que nem sempre são proprietários, ainda enfrentam dificuldadesrelativas à regularização fundiária e convivem com o eminente risco de seremforçados a se retirarem de seus estabelecimentos por atos de grileiros e outrosfraudadores.Também é falsa, a idéia de que a tecnologia não faz parte da agriculturafamiliar. Estudos revelaram que mesmo com o resultado do censo demonstrandoo baixo acesso dos agricultores familiares às linhas de crédito oferecidas pelogoverno, isto não é o suficiente para privá-los de investir em tecnologia. Taldado desmente a impressão de que a agricultura familiar vive alheia aos meiosmodernos de produção (BUAINAIN et al. 2003).A definição do que vem a ser a agricultura familiar, enfim, estádiretamente relacionado à disputa que se trava com aquilo que se entende poragricultura patronal ou agronegócio, pois características como produtividade,maior distribuição de renda, menor impacto ambiental e outros, são argumentosusados para reivindicar uma maior atenção das políticas públicas voltadas aosetor.3. A PROPOSTA DE PARCERIA ENTRE ATIVIDADE MADEIREIRA EAgRICULTURA FAMILIAR NA AMAZÔNIAA construção de uma proposta de parceria entre as empresas madeireirase agricultores familiares tem por base dois pressupostos fundamentais: a) ade que os dois sujeitos não disputam, necessariamente, territórios e recursosnaturais, mas podem conciliar e satisfazer interesses através da exploraçãoflorestal de produtos madeireiros; b) a de que é possível estabelecer umarelação justa entre madeireiros e pequenos agricultores.A referência tomada aqui é a proposta construída pelo Instituto dePesquisa da Amazônia (IPAM) denominada “Florestas Familiares” e publicadano relatório Florestas Familiares: Um pacto sócio-ambiental entre a indústriamadeireira e a agricultura familiar na Amazônia. O contexto sócio-econômicoque justifica a implantação da referida proposta descreve o pequeno agricultorfamiliar em estado de profundo abandono do poder público e sobrevivendo emHiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006 279


uma situação de subsistência através de fortes vínculos de dependência com osrecursos naturais de sua propriedade ou posse.Reconhece, também, que a relação entre empresas madeireiras eagricultores familiares em precárias condições de vida já ocorre, principalmentenas situações em que este agricultor familiar tem título de propriedade(como nos assentamentos), pois a situação fundiária regular é requisito paraaprovação de plano de manejo florestal ou autorização de corte raso. Nestecaso respeitando o limite de 20% da propriedade conforme preceito do CódigoFlorestal. No entanto, tal relação é marcada por profunda desigualdade nadistribuição dos benefícios.O ponto central proposto pelas “Florestas Familiares” é regulamentaresta relação de forma a torná-la justa, beneficiando a atividade madeireirae o agricultor familiar, bem como garantir uma exploração sustentável dosprodutos florestais madeireiros.Assim, ao setor madeireiro é oferecida a situação fundiária regular doagricultor familiar (requisito para aprovação de plano de manejo sustentável ecorte raso para agricultura) e o acesso legal aos recursos madeireiros existentesnas terras do agricultor familiar.Ao agricultor familiar é oferecida a oportunidade de obter uma rendacom a venda da madeira existente em suas terras, bem como de usufruirda infra-estrutura construída pela empresa madeireira para realizar suasatividades, tais como estrada, maquinários em geral, construção de barracãocomunitário, escola, etc.A sustentabilidade da produção florestal madeireira realizada nestaproposta de Florestas Familiares seria garantida pelo Plano de Manejo FlorestalSustentável. A oferta de grande quantidade de terras em situação fundiáriaregular, pela agricultura familiar, possibilitaria a atividade legal do setormadeireiro que, pressupõe-se, só estaria trabalhando de forma irregular porfalta deste requisito elementar. Tendo em vista a oferta de terras em situaçãofundiária regular, a proposta do IPAM sugere, explicitamente, a aplicação dasFlorestas Familiares aos assentamentos de trabalhadores rurais.Da mesma forma que a proposta de Florestas Familiares explora ocontexto de abandono do agricultor familiar pelas políticas públicas, utilizaa situação de um Estado com “pouca capacidade instalada para, de fato,assegurar a governança da indústria madeireira” (IPAM, 2003, 86). Isto reforçaa adoção da proposta de parceria com o setor madeireiro, como bem explica:“essa situação indica que o governo poderia aproveitar a estrutura das relações280Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006


existentes para delegar as responsabilidades que tem dificuldades em executarpor deficiência técnica ou financeira”. (IPAM, 2003, p. 86).A busca de “governança” para o setor madeireiro pode ser interpretadacomo a superação do quadro de ilegalidade na atuação deste setor, comomencionado anteriormente. As Florestas Familiares propõem a superação desteproblema, isto é, a busca de governança da indústria madeireira, tornandoas empresas madeireiras sujeitos vitais na promoção de uma exploraçãomadeireira sustentável, ao lado dos agricultores familiares.Transformar um setor que trabalha de 60% a 80% de forma ilegal emum setor capaz de alcançar um estágio de “governança” ou ao menos tornarsustentável a exploração florestal de produtos madeireiros na Amazôniatem, na proposta do IPAM, dois elementos essenciais para sua realização:a) a pressuposição de que a atuação ilegal do setor madeireiro decorre dafalta de regularização fundiária das áreas a serem exploradas e que isso serásolucionado pelos assentamentos; b) a delegação aos agricultores familiares dopapel de fiscalizadores da atuação responsável das empresas madeireiras, o queseria possível com uma atuação eficiente (pelo Estado) no combate ao crime ena proteção ao informante.Apesar de falar em delegar responsabilidades ao setor privado nas áreasem que o governo não consegue atuar de forma a garantir o bem-estar social, oIPAM nega o caráter de privatização que perpassa toda a proposta de FlorestasFamiliares. Neste ponto, sem fazer considerações sobre a polêmica, valetranscrever a explicação dos autores:O lado positivo de aumentar a dependência do estado em terceirospara executar atividades públicas é que o governo ganha aliados importantesno uso sustentável dos recursos florestais. Contudo, perde a habilidadede controlar as operações dos seus próprios programas. Nesse caso, aspreocupações tradicionais da administração pública – recursos humanos,orçamentos, estrutura organizacional e dinâmica institucional – tornam-semenos importantes para o sucesso do programa. Assim, as relações externasdas instituições públicas com os subcontratados – associações comunitárias,sindicatos rurais, madeireiros, organizações não governamentais, universidades,e outros – ganham importância especial no desenvolvimento de um programagovernamental.Ao contrário das privatizações, nas quais o setor privado assume osobjetivos do setor público, os atores subcontratados são incorporados nosprogramas governamentais para realizar atividades especificas. No entanto,Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006 281


os objetivos, estilo operacional, habilidades, incentivos, e prioridades dossubcontratados são divergentes. Como conseqüência, a tarefa de “orquestrar”esses diferentes interesses e ações tornam-se um grande desafio administrativo.(IPAM, 2003, p. 88)a proposta de Florestas Familiares elaborada pelo IpaM Ž , portanto,promover um setor caracterizado pelas degrada• ›e s ambientais na amazni a,diga-se, a indœs tria madeireira, ao sujeito respons‡ vel pela execu• ‹ o de ummodelo de explora• ‹ o florestal sustent‡ vel de produtos madeireiros em conjuntocom a agricultura familiar, caracterizada pelo baixo poder de influ• ncia nadefini• ‹ o das pol’ticas pœbl icas da regi‹ o e detentora de elementos vitais parao setor madeireiro: florestas e terras com situa• ‹ o fundi‡ ria regular.4. EXPERIÊNCIAS DE RELAçÕES ENTRE ATIVIDADE MADEIREIRAE AgRICULTURA FAMILIAR NA AMAZÔNIApara aprofundar a reflex‹ o sobre a rela• ‹ o entre agricultores familiarese empresas madeireiras ser‹ o tomados dois estudos de caso. O primeiro sedesenvolve fora do contexto das pol’ticas pœbl icas, fugindo, portanto, aoque prop›e as Florestas Familiares, mas apresentando aspectos interessantesna garantia da rela• ‹ o estabelecida entre madeireiros e agricultores, mesmonuma situa• ‹ o de completa ilegalidade e degrada• ‹ o do ambiente dos pr—pr iosagricultores.O segundo estudo de caso trata da aplica• ‹ o da parceria entre indœs triamadeireira e agricultura familiar no ‰ mbito das pol’ticas pœbl icas voltadaspara os assentamentos rurais do INCra no Oeste do par‡ . Neste contextoforam tomadas as no• ›e s e premissas presentes na constru• ‹ o da proposta dasFlorestas Familiares.4. COMUNIDADE DE QUINDEUAO estudo sobre as rela• ›e s entre indœs tria madeireira e agricultoresda comunidade de Quindeua, localizada no munic’pio de Ipixuna, estado dopar‡ , tem por base o artigo Ò Ocupa• ‹ o cabocla e extrativismo madeireiro noalto capim: uma estratŽ gia de reprodu• ‹ o camponesaÓ , de autoria de GabrielMedina, que inicia seu trabalho a partir da seguinte constata• ‹ o: Ò O r‡ pido282Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006


crescimento da indœs tria madeireira tem sido garantido, em parte, pelo sucessodos madeireiros em convencer pequenas comunidades a vender os direitos deexplora• ‹ o de sua floresta para a extra• ‹ o de madeiraÓ . (MeDINa, 2004, p.310)a comunidade de Quindeua surgiu na dŽ cada de 20 do sŽ culo passado edesde o in’cio teve fortes rela• ›e s com a explora• ‹ o madeireira. ao longo desua hist—r ia a explora• ‹ o de madeira foi se intensificando na medida em quese tornava vi‡ vel o transporte das toras, maior a demanda do mercado e maiseficiente os equipamentos e tŽ cnicas de extra• ‹ o da madeira.toda atividade de explora• ‹ o florestal madeireira na comunidade deQuindeua foi realizada de forma ilegal. Nunca houve regulariza• ‹ o fundi‡ riadas ‡ reas exploradas nem plano de manejo sustent‡ vel para a atividade.a ilegalidade na atividade madeireira serve-se da l—gi ca de otimiza• ‹ o daexplora• ‹ o em detrimento de qualquer critŽ rio de sustentabilidade do meioem que Ž realizado. alŽ m disso, as negocia• ›e s entre agricultores e empresasmadeireiras sempre resultaram desvantajosas para os primeiros.Nesse contexto, se faz importante entender o que faz uma comunidadeaceitar tal situa• ‹ o. Nas palavras de Medina o problema se p›e da seguinteforma:por que comunidades com ‡r eas de floresta optam pela explora• ‹oda madeira com ganhos limitados ao momento da venda, enquantoque o aproveitamento dos Produtos Florestais N‹o Madeireiros(PFNM) poderia se dar por tempo indeterminado? (MeDINa,2004, p. 310).Com o desenvolvimento do seu trabalho Medina conclui, em resposta aoproblema acima colocado, nos seguintes termos:Pode-se afirmar que, ao longo da hist—r ia, a floresta representoupara a comunidade do Quindeua uma heran• a com valor detroca de uso n‹o conflituoso. Heran• a porque utilizada aolongo do tempo conforme as necessidades e oportunidades demodo a garantir a manuten• ‹o e desenvolvimento do grupo quese estabelecia. Em compara• ‹o com outros produtos da mata,a madeira foi o œni co que sempre apresentou valor de trocarelativamente alto. AlŽ m disso, n‹o cabe, pelo menos atŽ o anoHiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006 283


de 1997, a idŽ ia de conflito de uso entre extra• ‹o madeireirae a coleta de outros produtos para uso local ou para venda.Representada desta forma, a venda da madeira aparece comouma possibilidade estratŽ gica de melhoria das condi• ›e s de vidadas fam’lias da comunidade. (MEDINA, 2004, p. 314).O fato de n‹ o haver incompatibilidade imediata entre explora• ‹ o florestalde produtos madeireiros e de produtos n‹ o madeireiros representa um alerta amais na condu• ‹ o de uma parceria nos termos das Florestas Familiares, poisrelativizaria o peso da explora• ‹ o de produtos n‹ o madeireiros da floresta pelosagricultores como indicador de sustentabilidade da atividade madeireira.alŽ m disso, outro sentido do termo Ò n‹ o conflituosoÓ aplicado ao uso dafloresta pela comunidade de Quindeua fica expresso quando o autor aborda asrela• ›e s paternalistas entre agricultores e empres‡ rios. trata-se de meio peloqual o agricultor evita o conflito com a empresa madeireira, o que representariaum alto risco de perda das suas terras. esta forma de estabelecer uma rela• ‹ on‹ o conflituosa com o madeireiro Ž melhor compreendida se for considerado ohist—r ico de expropria• ‹ o de pequenos agricultores na amazni a por empresasde grande poder econm ico quando o conflito de interesses entre ambos tornaincompat’vel a perman• ncia num mesmo espa• o.alŽ m da conclus‹ o acima descrita, o autor aponta fatores contextuaisrelevantes para a manuten• ‹ o da rela• ‹ o entre madeireiros e agricultores,mesmo ap—s o conflito entre explora• ‹ o de produtos florestais madeireiros en‹ o madeireiros tornar-se evidente. S‹ o eles: a) as rela• › es paternalistas; b)dificuldades na gest‹ o comum dos recursos; c) especializa• ‹ o e depend• nciado mercado; e d) o fetiche do mercado.as rela• ›e s paternalistas configuram uma estratŽ gia dos agricultores quecom pouco poder de barganha, frente aos madeireiros, buscavam condi• ›e svantajosas atravŽ s de outros meios como uso dos meios de transporte daempresa madeireira, de seus maquin‡ rios para servi• os comunit‡ rios, etc. estecar‡ ter de estratŽ gia descrito pelo autor seria algo um tanto inconsciente e, nasdeclara• ›e s dos agricultores da comunidade de Quindeua, prevaleceu semprea descri• ‹ o do empres‡ rio madeireiro como um sujeito de boas inten• ›e s eprestativo aos comunit‡ rios.a dificuldade na gest‹ o comum dos recursos refere-se a um per’odoem que a floresta, j‡ n‹ o t‹ o abundante em recursos, passou a ser consideradacomo propriedade coletiva dos comunit‡ rios. apesar de haver um consenso284Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006


de que as negocia• ›e s das ‡ rvores com valor comercial restantes na florestadeveriam ter aprova• ‹ o de todos os comunit‡ rios, o que se verificou foi avenda destas ‡ rvores de forma paralela e particular por alguns comunit‡ rios ea inefici• ncia da comunidade como um todo em coibir tais atos.essa inclina• ‹ o ao interesse pr—pr io vislumbrada na situa• ‹ o apresentadapela comunidade de Quindea retrata muito bem a tragŽ dia dos comuns descritapor Hardin (1968) e o resultado deste comportamento na gest‹ o comum derecursos naturais Ž a ru’na e a exaust‹ o dos bens naturais em quest‹ o.a especializa• ‹ o e a depend• ncia do mercado est‹ o relacionadas ˆado• ‹ o da atividade madeireira como œni co meio de renda dos agricultoresfamiliares, de tal forma que estes cheguem a menosprezar, ou mesmoabandonar, a produ• ‹ o agr’cola e passem a adquirir, no mercado, todos os bensnecess‡ rios ˆ vida familiar atravŽ s, exclusivamente, da renda proveniente dasvendas de madeira.Fruto desta depend• ncia, Medina traz o fetiche do mercado no sentidode compreender o atrativo que os produtos modernos exercem sobre osagricultores a ponto de impor nestes um esfor• o para que se consiga dinheironecess‡ rio para sua aquisi• ‹ o.O estudo de caso da comunidade de Quindeua, em Ipixuna do par‡ , trazimportantes contribui• ›e s para visualizar a rela• ‹ o que se d‡ entre empresasmadeireiras e agricultores familiares, independente desta ocorrer no ‰ mbito depol’ticas pœbl icas ou fora delas. Destacamos tr• s:a desigualdade entre o poder de negocia• ‹ o de agricultores e madeireirosno momento de estabelecer o pre• o a ser pago pelo recurso madeireiro. aosagricultores aceitar o pre• o imposto pelo madeireiro representa n‹ o apenasuma Ò negocia• ‹ oÓ , mas um meio de evitar um conflito com um sujeito degrande poder econm ico capaz de lhes expropriar todos os bens naturais doqual fazem uso.O car‡ ter n‹ o conflituoso, num momento imediato, entre as explora• ›e sflorestais madeireiras e as explora• ›e s de produtos florestais n‹ o madeireiros,estas œl timas feitas pelos agricultores. este fato pode levar a uma equivocadapercep• ‹ o de sustentabilidade de uma explora• ‹ o madeireira que, apenastardiamente, mostrar‡ seu real car‡ ter degradador do meio.a presen• a de fatores contextuais que, independente do car‡ ter sustent‡ velou n‹ o, favorecem a explora• ‹ o madeireira em ‡ reas ocupadas por agricultoresfamiliares, tais como as rela• ›e s paternalistas, a dificuldade de gest‹ o comumHiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006 285


dos recursos naturais pelos agricultores e a especializa• ‹ o em um œni coproduto e conseqŸe nte depend• ncia do mercado.5. O CASO DOS ASSENTAMENTOS DO INCRA NO OESTE DOPARÁO estudo de caso sobre a aplica• ‹ o da idŽ ia de Florestas Familiares aosassentamentos rurais no Oeste do par‡ ter‡ por base o relat—r io Ò assentamentode papel, Madeira de LeiÓ elaborado pela Organiza• ‹ o N‹ o GovernamentalGreenpeace e publicado em 2007.Neste caso, a ado• ‹ o da idŽ ia proposta pelo IpaM (Florestas Familiares)se apresentou mais efetiva, principalmente no que diz respeito ˆ participa• ‹ odo poder pœbl ico em sua implementa• ‹ o. em linhas gerais, a parceria entreempresas madeireiras e agricultores familiares sob supervis‹ o do INCraenvolvia os seguintes atores e, respectivamente, apresentava as seguintesvantagens:1) empresas madeireiras: ganhariam acesso ˆ s ‡ reas com situa• ‹ ofundi‡ ria regular e acesso aos recursos florestais madeireiros dosassentamentos;2) Governo federal (INCra): cumpria (formalmente) as metas dareforma agr‡ ria, especificamente no que diz respeito aos nœm erosde fam’lias assentadas, e repassava ao setor madeireiro os custosde infra-estrutura nos assentamentos (estradas, escolas, po• os paracapta• ‹ o de ‡ gua, etc.)3) agricultores familiares: seriam inclu’dos nas listas de benefici‡ riosda reforma agr‡ ria, recebendo lotes nos assentamentos. teriam infraestruturanos assentamentos garantida pelas empresas madeireiras euma renda proveniente da venda da madeira dos seus lotes a estas.a promo• ‹ o da idŽ ia de parceria entre empresas madeireiras e agricultoresfamiliares assentados pelo INCra, na regi‹ o Oeste do par‡ , est‡ intimamenteligada ˆ crise pela qual passava o setor madeireiro no ano de 2005. esta crisediz respeito ao fim do procedimento formal e prec‡ rio pelo qual se aprovavaplanos de manejo para explora• ‹ o madeireira na regi‹ o.286Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006


atŽ dezembro de 2004 os planos de manejo para explora• ‹ o florestal deprodutos madeireiros aceitavam como comprovante de regulariza• ‹ o fundi‡ riada ‡ rea objeto de extra• ‹ o madeireira a conhecida Ò Declara• ›e s de posseÓfeitas pelos interessados na explora• ‹ o madeireira ˆ s quais seguiam anexoprotocolo de requerimento de t’tulo de propriedade junto ao INCra.esse protocolo apenas iniciava o procedimento administrativo deregulariza• ‹ o fundi‡ ria da terra, portanto, insuficiente para garantir provade posse mansa e pacifica e boa-fŽ , a ponto de o requerente poder explorarregularmente a ‡ rea objeto do processo.para regulamentar tais procedimentos, o MinistŽ rio do Desenvolvimentoagr‡ rio e o INCra expediram a portaria Conjunta n¼ 10, publicada no Di‡ rioOficial em 10 de dezembro de 2004 e que trazia em seu artigo 7¼ a disposi• ‹ ode que: Ò os documentos cadastrais ou outros expedidos pelo INCra,referentes a im—ve is localizados em terras pœbl icas federais n‹ o fazem prova depropriedade, posse de boa fŽ ou de direitos a elas relativosÓ (GreeNpeaCe,2007, p. 6).a determina• ‹ o da portaria Conjunta n¼ 10 Ð MDa/INCra foi adotadapela ger• ncia do IBaMa em SantarŽ m, respons‡ vel, ˆ Ž poca, pela aprova• ‹ odos planos de manejo florestal sustent‡ vel e, iniciou uma verdadeira crise dosetor madeireiro no Oeste do par‡ , que n‹ o dispunha de terras com situa• ‹ ofundi‡ ria regular para explora• ‹ o.ƒ neste contexto que a idŽ ia trazida pelas Florestas Familiares passa aser adotada pelo setor madeireiro como reivindica• ‹ o junto ao poder pœbl ico,exaltando, para isso, um tom de atividade ambiental e socialmente respons‡ vel.as negocia• ›e s entre poder pœbl ico e setor madeireiro chegam a um consensoao final de 2005 e no ano seguinte, na ‡ rea de atua• ‹ o da Superintend• ncia doINCra em SantarŽ m foram criados 97 assentamentos para 33.700 fam’lias,num total de 2,2 milh›e s de hectares. (GreeNpeaCe, 2007).para o setor madeireiro, mais do que conseguir ‡ reas com situa• ‹ ofundi‡ ria regular para explora• ‹ o madeireira, a Ò parceriaÓ com o INCrarepresentou a oportunidade de explorar os recursos madeireiros de ‡ reas sobseu controle (muito provavelmente ‡ reas griladas) atravŽ s de Ò doa• ‹ oÓ paraque nelas fossem criados assentamentos.O assentamento que melhor respondia aos interesses das empresasmadeireiras foi o projeto de Desenvolvimento Sustent‡ vel, por ser umamodalidade que destina maior parte de ‡ rea cont’nua para atividades demanejo sustent‡ vel. alŽ m disso, este modelo prev• a gest‹ o coletiva dosHiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006 287


ecursos atravŽ s de uma associa• ‹ o de assentados, o que facilitava aÒ negocia• ‹ oÓ dos madeireiros sobre toda a ‡ rea, ao invŽ s de negociar com cadafam’lia individualmente como fazem nos assentamentos com lotes individuais(GreeNpeaCe, 2007).O setor madeireiro tinha tanta influ• ncia nas decis›e s sobre a cria• ‹ ode assentamentos no Oeste do par‡ que chegava a definir as coordenadas eo tamanho dos assentamentos a serem criados, o que se pode notar conformedeclara• ‹ o de Luiz Carlos tremonte, presidente do Sindicato da Indœs triaMadeireira do Oeste do para (SIMaSpa) ao Jornal de SantarŽ m e Baixoamazonas:Os pr—pr ios empres‡r ios do setor fizeram a proposta de criar osPDS em ‡r eas que atualmente s‹o ocupadas por madeireiros.S‹o ‡r eas sob posse mansa e pac’fica, diz Tremonte, afirmandoque o setor props ao Incra doar mais de 500 mil hectares paraa instala• ‹o de projetos na regi‹o, tendo inclusive enviado ascoordenadas de uma ‡r ea de 30 mil hectares para implanta• ‹oimediata dos PDS. (LeaL, 2005, p. 07)aos agricultores assentados restava arcar com o nus de toda transa• ‹ oentre poder pœbl ico e empresas madeireiras. Segundo o relat—r io do Greenpeace,a situa• ‹ o dos agricultores assentados variava entre os seguintes casos:1) agricultores que n‹ o sabiam que haviam sido assentados: este fatopode ser compreendido ao considerar que o INCra, no intuito maiorde cumprir metas de reforma agr‡ ria e de ofertar ‡ reas regularizadasao setor madeireiro, criou assentamentos numa celeridade fora donormal, chegando mesmo a descumprir etapas do procedimentoadministrativo para tal fim, como se ver‡ mais adiante. esta situa• ‹ otambŽ m est‡ ligada com o que ficou conhecido na regi‹ o comoÒ assentamento fantasmaÓ , nos quais n‹ o havia agricultores, masunicamente madeireira;2) agricultores que sabiam que estavam assentados, mas n‹ o sabiam alocaliza• ‹ o dos lotes: seguindo a mesma l—gi ca de atua• ‹ o do INCraacima descrita. estes casos foram fruto da falta de demarca• ‹ o doslotes para os assentados;288Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006


3) agricultores que ao chegarem ao assentamento foram informados deque estavam endividados com as empresas madeireiras em raz‹ o dosservi• os de infra-estrutura do assentamento prestados por estas. Umareprodu• ‹ o do sistema de aviamento t‹ o comum na Ž poca do cicloda borracha. Numa vers‹ o moderna e supervisionada pelo poderpœbl ico. a d’vida imposta aos agricultores deveria ser paga com avenda da madeira do assentamento e sob o pre• o estipulado pelamadeireira Ò prestadora dos servi• osÓ ;4) agricultores que foram assentados em ‡ reas incompat’veis com apresen• a humana: refere-se ao caso do assentamento que foi criadosobre a ‡ rea do parque Nacional da amazni a, no munic’pio deItaituba. O parque Nacional Ž uma unidade de conserva• ‹ o deprote• ‹ o integral, isto Ž , n‹ o admite ocupa• ‹ o antr—pi ca.5) agricultores que aceitavam ser assentados nas condi• ›e s impostaspela parceria INCra-madeireiras. Dentre estes agricultores, muitomais do que aqueles que simplesmente acharam v‡ lidas as condi• ›e simpostas para serem assentados, grande parte apoiaram a Ò parceriaÓe mostraram-se muito agradecidos ˆ s empresas madeireiras,reproduzindo rela• ›e s paternalistas nos mesmos moldes descrito porGabriel Medina.em levantamento feito pela Organiza• ‹ o N‹ o Governamental Greenpeace,os 97 assentamentos criados pela Superintend• ncia do INCra em SantarŽ m,no ano de 2006, apresentaram os seguintes problemas:• 59% Não possui planta de localização do imóvel onde foi criado oassentamento;• 41% Faltam o mapa do assentamento e do memorial descritivo, ouseja, sabe-se apenas que h‡ , por exemplo, um pDS Liberdade I,com a dimens‹ o de 450 mil hectares e com capacidade para 3.500fam’lias, em algum lugar do munic’pio de pacaj‡ . Nem a defini• ‹ onem o per’metro da ‡ rea ou um croqui do acesso ao local est‹ o noprocesso de cria• ‹ o do pDS;• 94% Não consta a imagem de satélite com a plotagem do traçado doassentamento. O pr—pr io setor de cartografia da Sr30, ˆ Ž poca dacria• ‹ o dos assentamentos n‹ o dispunha de imagens atualizadas;• 90% não têm o mapa de prioridade de preservação biológica;Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006 289


• 98% falta o mapa temático de classes de capacidade de uso da terra;• 72% falta o laudo agronômico, uma peça técnica preliminar eelementar, a partir da qual se avalia, em primeiro lugar, a adequa• ‹ oda ‡ rea a um projeto de assentamento. Satisfeito isso, o laudo buscaresponder qual modalidade de assentamento Ž mais adequada, quais asvoca• ›e s da terra, suas condi• ›e s ambientais, log’sticas, informa• ›e ssocioecon micas da regi‹ o etc. Com base nessas informa• › esdetermina-se o tamanho e o tra• ado da ‡ rea e, principalmente, acapacidade de fam’lias suportadas;• 72% Tiveram suas portarias de criação publicadas (e milhares defam’lias homologadas e computadas nos ’ndices de cumprimento demetas da reforma agr‡ ria) sem avalia• ‹ o tŽ cnica da adequa• ‹ o da‡ rea para um projeto de assentamento. alguns tŽ cnicos encarregadosde realizar esses laudos foram Ò atropeladosÓ pela portaria de cria• ‹ odo assentamento antes que finalizassem o estudo de viabilidade(GreeNpeaCe, 2007, p. 14-15).a experi• ncia de parceria entre agricultores familiares e empresasmadeireiras ocorrida no ‰ mbito dos assentamentos do Oeste do par‡ revelousedesanimadora para o que prop›e as Florestas Familiares. O fato de haverparticipa• ‹ o do poder pœbl ico (INCra) n‹ o garantiu o car‡ ter sustent‡ vel daexplora• ‹ o madeireira, nem a rela• ‹ o justa entre madeireiros e agricultores.ao contr‡ rio do que se idealizou, a atua• ‹ o do poder pœbl ico foi marcadapor fortes ind’cios de corrup• ‹ o, de forma a garantir o favorecimento ao setormadeireiro e a constru• ‹ o meramente estat’stica de nœm eros que apontavam ocumprimento das metas de reforma agr‡ ria do governo federal, o que ensejoumedida judicial pelo MinistŽ rio pœbl ico Federal pleiteando a interdi• ‹ o dosassentamentos criados e o afastamento de funcion‡ rios da Superintend• nciaregional do INCra em SantarŽ m (incluindo o superintendente) e foi acatadoem liminar pela Justi• a Federal do par‡ (a• ‹ o Civil pœbl ica, processo n¼20073902000887-7).290Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006


CONSIDERAçÕES FINAISConsiderando os estudos de caso sobre a comunidade de Quindeua esobre os assentamentos no oeste do par‡ , acima analisados, a proposta deparceria entre atividade madeireira e agricultura familiar, desenvolvida peloIpaM atravŽ s das Florestas Familiares, apresenta sŽ rias limita• ›e s que ainviabilizam na regi‹ o amazni ca. S‹ o elas:O pressuposto de uma relação justa entre madeireiros eagricultores familiaresa realiza• ‹ o do ideal proposto pelas Florestas Familiares parte dapremissa de que haver‡ uma rela• ‹ o justa entre empresas madeireiras eagricultores familiares que se expressaria na divis‹ o igual dos custos e dosganhos com a venda de madeira explorada nas ‡ reas de assentamento.a justi• a na distribui• ‹ o de benef’cios com a venda de madeira seriafruto de uma negocia• ‹ o onde os agricultores familiares teriam como bem anegociar uma condi• ‹ o jur’dica e formal (terras em situa• ‹ o fundi‡ ria regular) ea matŽ ria-prima para a atividade madeireira, enquanto as empresas madeireirasteriam as m‡ quinas e a capacidade tŽ cnica para explorar, transportar ecomercializar esta madeira. Nesta situa• ‹ o ideal haveria uma autonomiaentre as partes, uma independ• ncia que garantiria uma igualdade do poder denegocia• ‹ o entre as partes envolvidas.No entanto, as experi• ncias estudadas mostraram que Ž exatamente estaaus• ncia de igualdade no poder de negocia• ‹ o entre as partes que impossibilitauma rela• ‹ o justa.No caso da comunidade de Quindeua, o receio dos agricultores ementrar em conflito com um sujeito que representa um grande poder econm icoimpossibilita uma situa• ‹ o de igualdade nas rela• ›e s comerciais sobre asmadeiras de suas terras. este receio Ž justificado pela experi• ncia hist—r icada regi‹ o, marcada por expropria• ›e s de pequenos produtores por grandesempresas, agravada pela situa• ‹ o de falta de regulariza• ‹ o fundi‡ ria das terrasocupadas pelos agricultores familiares.No caso dos assentamentos no oeste do par‡ , a desigualdade no poder denegocia• ‹ o entre os sujeitos Ž motivada pela depend• ncia que os agricultorest• m em rela• ‹ o ˆ s empresas madeireiras para terem seus assentamentos cominfra-estrutura, de forma a tornar poss’vel a moradia e a produ• ‹ o rural. aosHiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006 291


agricultores n‹ o h‡ outra oportunidade de se tornar assentado que n‹ o incorranessa condi• ‹ o de depend• ncia e explora• ‹ o por empresas madeireiras, poisesta situa• ‹ o Ž uma reivindica• ‹ o do setor madeireiro, reconhecida e garantidapelo poder pœbl ico (INCra), embora contrarie o ideal de estado atuando deforma imparcial e em defesa do interesse comum.Neste ponto, cabe ressaltar que, ao tratar infra-estrutura como vantagema ser usufru’da pelos agricultores familiares e Ò ofertadaÓ pelas empresasmadeireiras numa proposta de Ò parceriaÓ , estaria se alterando inadequadamentea natureza de direitos fundamentais, inegoci‡ veis, de servi• os como transporte,oferta de ‡ gua pot‡ vel, acesso ˆ eletricidade, escolas e outros, para trat‡ -loscomo simples moeda de troca.Sustentabilidade da exploração madeireiraConforme proposto pelas Florestas Familiares, explora• ‹ o madeireiraseria sustent‡ vel. a idŽ ia de sustentabilidade abordada pelo IpaM ressaltaum aspecto conservacionista cujo foco trata apenas da atividade econm icae da natureza. a partir deste entendimento a sustentabilidade da atividademadeireira seria garantida com um modelo de explora• ‹ o que n‹ o ocasionasseo esgotamento dos recursos naturais (matŽ ria-prima).O aspecto social da idŽ ia de sustentabilidade enquanto realiza• ‹ o de umideal de justi• a social n‹ o Ž trabalhada com a mesma relev‰ ncia. Isto se refletenas negocia• ›e s altamente desvantajosas para os agricultores familiares nacomercializa• ‹ o da madeira com empres‡ rios madeireiros.ainda que tomado apenas sob o aspecto conservacionista, a idŽ ia desustentabilidade adotada pela proposta de parceria entre atividade madeireira eagricultura familiar deve ser vista com muita cautela, pois as incompatibilidadesentre explora• ‹ o madeireira e explora• ‹ o de produtos n‹ o madeireiros n‹ o s‹ oobservadas imediatamente, como demonstrou o estudo na comunidade deQuindeua.A fiscalização privada da atuação das empresas madeireirasem áreas de agricultores familiares.as Florestas Familiares, ao pressuporem uma atua• ‹ o sociale ambientalmente respons‡ vel das empresas madeireiras, trazem comoinstrumento fundamental para garantia deste compromisso do setor madeireiro292Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006


a idŽ ia de fiscaliza• ‹ o privada. Segundo o IpaM, os agricultores familiaresatuariam como informantes de quaisquer irregularidades na atua• ‹ o dasempresas madeireiras. para isso, afirma-se a necessidade de uma atua• ‹ oeficiente do estado no combate ao crime e de seguran• a aos informantes.parte-se do pressuposto, mais uma vez, de um estado que atua de formaimparcial e em defesa do interesse pœbl ico, algo muito raro na hist—r ia deocupa• ‹ o da amazni a pelo mercado capitalista.No estudo da parceria entre atividade madeireira e agricultura familiarnos assentamentos do oeste do par‡ , a atua• ‹ o do estado pode ser caracterizadacomo pr—pr io dos estados totalit‡ rios, pois visou apenas a realiza• ‹ o deprogramas do pr—pr io estado, usando, para isso, os agricultores como meio derealizar suas metas, isto Ž , transformando-os em simples nœm eros estat’sticospara comprovar o cumprimento das metas da reforma agr‡ ria.a participa• ‹ o do estado na realiza• ‹ o da Ò parceriaÓ entre madeireirose agricultores familiares nos assentamentos do oeste do par‡ s— foi poss’vel namedida em que alcan• ou interesses comuns ao madeireiro (acesso aos recursosmadeireiros atravŽ s dos assentamentos) e ao poder pœbl ico (realizar suas metasde governo), ficando o agricultor familiar na condi• ‹ o de mero instrumentode realiza• ‹ o destes interesses. Desta forma, a garantia de uma explora• ‹ omadeireira sustent‡ vel foi algo completamente secund‡ rio e irrelevante para arealiza• ‹ o dos interesses do estado e do setor madeireiro.Outra quest‹ o importante para compreens‹ o dos limites quanto ˆfiscaliza• ‹ o privada da atividade madeireira pelos agricultores familiaresproposta pelas Florestas Familiares Ž o car‡ ter paternalista das rela• ›e sestabelecidas entre os dois sujeitos, bem como a depend• ncia dos agricultoresem rela• ‹ o aos madeireiros.Se a depende de B para viver, Ž pouco prov‡ vel que a denuncie crimescometidos por B, assim como Ž pouco prov‡ vel que a denuncie B quando v•neste um sujeito bondoso e de boa-fŽ que tem lhe prestados diversos favores.esta rela• ‹ o foi observada no estudo da comunidade de Quindeua, bem comono caso dos assentamentos no oeste do par‡ .em suma, a rela• ‹ o entre atividade madeireira e agricultura familiar naamazni a Ž marcada pela desigual distribui• ‹ o de benef’cios entre agricultorese madeireiros e pela incompatibilidade, em longo prazo, de usos de uma mesma‡ rea para explora• ‹ o madeireira e explora• ‹ o de produtos n‹ o-madeireiros.esta desigualdade na distribui• ‹ o de benef’cios e incompatibilidades deusos da floresta n‹ o incorre, necessariamente, em uma rela• ‹ o conflituosa eHiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006 293


concorrente entre madeireiros e agricultores em raz‹ o de fatores contextuaiscomo o paternalismo e a depend• ncia destes pelos primeiros.Diante deste contexto, a constru• ‹ o de uma proposta de parceria entre aatividade madeireira e a agricultura familiar que se revele justa e sustent‡ velambiental e socialmente deve considerar o desafio de superar, necessariamente,o car‡ ter de depend• ncia e paternalismo entre os dois sujeitos, a interven• ‹ on‹ o corrompida do estado e a desigualdade de distribui• ‹ o de custos ebenef’cios entre agricultores e madeireiros.REFERÊNCIASaLMeIDa, alfredo Wagner Berno de. Uma campanha de desterritorializa• ‹o:Direitos territoriais e Ž tnicos: a bola da vez dos estrategistas dos agroneg—c ios.In: revista proposta. [?], n. 114, ano [?], 33-36,2008.aZeVeDO, tasso rezende de, tOCaNtINS, Maria alice Corr• a. Instrumentoseconm icos da nova proposta para a gest‹o de florestas pœbl icas no Brasil.Megadiversidade. Vol. 02, n¼ 1-2, dezembro de 2006.BUaINaIN, ant nio M‡ rcio; rOMeIrO, ademar r; GUaNZIrOLI, Carlos.Agricultura familiar e o novo mundo rural. Sociologias, porto alegre, n. 10,2003. Dispon’vel em: . acesso em: 05 dez. 2008.doi: 10.1590/S1517-45222003000200011.BraSIL. Lei Federal n¼ . 11.284, de 2 de mar• o de 2006, disp›e sobre agest‹ o de florestas pœbl icas para a produ• ‹ o sustent‡ vel; institui, na estruturado MinistŽ rio do Meio ambiente, o Servi• o Florestal Brasileiro - SFB; criao Fundo Nacional de Desenvolvimento Florestal - FNDF; altera as Leis n os10.683, de 28 de maio de 2003, 5.868, de 12 de dezembro de 1972, 9.605, de12 de fevereiro de 1998, 4.771, de 15 de setembro de 1965, 6.938, de 31 deagosto de 1981, e 6.015, de 31 de dezembro de 1973; e d‡ outras provid• ncias.Dispon’vel em: www.planalto.gov.br.BaCeN, resolu• ‹ o n¼ 3.559, de 28.03.2008. altera as disposi• ›e s estabelecidasno Manual de CrŽ dito rural, Cap’tulo 10 (MCr 10) para financiamentos aoamparo do programa Nacional de Fortalecimento da agricultura Familiar294Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006


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THE TERRITORIAL INDIgENOUS RIgHTS IN THE BRAZILIAN COLONIAL LAWAlex Justus da SilveiraOS DIreItOS terrItOrIaIS INDêGeNaSNa LeGISLa‚ Ì O COLONIaLBraSILeIraAlex Justus da Silveira *Sum‡r io: Introdu• ‹ o; 1. Os direitos territoriais ind’genas no Brasil-Colni a; Conclus‹ o;refer• ncias.Resumo: entre o per’odo de 1500 a 1822 foieditado um conjunto de leis sobre os direitosterritoriais ind’genas. este artigo objetivarecuperar esses instrumentos, na medidaem que se constituem numa progressivaconstitui• ‹ o do indigenato brasileiro. Nocaso dessa an‡ lise, chamamos aten• ‹ o parao alvar‡ rŽ gio de 1¡ de abril de 1680, quevai contribuir com a teoria do indigenato,apresentada pelo jurista Jo‹ o Mendes Jœni ore cujo conteœdo reconhecia expressamente osdireitos origin‡ rios ind’genas sobre as terrasocupadas.Palavras-chave: Direitos territoriaisind’genas, Brasil Ð Colni a.Abstract: Between 1500 and 1822 a collectionof laws concerning indigenous territorial rightswas edited. this article aims recovering theseinstruments, once they are part of a progressiveconstitution of Brazilian indigenous issues. Inthis analysis case, we focus on the royalpermit of april first, 1680, which contributedto the indigenous issues theory, presented bylaw specialist Jo‹ o Mendes Jœni or and whichcontent explicitly recognized the indigenousoriginary rights over the occupied lands.Keywords: Indigenous territorial rights,Brazil Ð Colony.* Mestrando do Programa de Pós-<strong>graduação</strong> em Direito Ambiental da Universidade do Estado do Amazonas e bolsista CAPES.Projeto de Pesquisa “Direito, Recursos Naturais e Conflitos Ambientais: o Tratado de Cooperação Amazônica”, MCT/CNPq.Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006 297


Ò Taes e tamanhas foram as viol• ncias, as atrocidades, asselvagerias commetidas pelos invasores portuguezes contraos nossos indios, que sem paradoxo de linguagem, sen‹ ocom a mais justa express‹o , poder’amos chamar de selvagensaos colonizadores que se presumiam de civilizados.Ó OliveiraSobrinhoINTRODUçÃOO presente artigo visa tra• ar um breve retrospecto legislativo sobre osdireitos territoriais ind’genas no per’odo que compreende o Brasil - Colni a 3 ,buscando nos diversos dispositivos legais a progressiva constituição doindigenato brasileiro. Para a elaboração do trabalho, serão analisados algunsdispositivos legais existentes na época do Brasil-Colônia, sobretudo, o AlvaráRégio de 1° de abril de 1680, cuja base teórica foi de extrema importânciapara a formulação do que anos mais tarde viria a se denominar de teoria doindigenato, apresentada pelo jurista João Mendes Júnior e cujo conteúdoreconhecia expressamente os direitos originários indígenas sobre as terrasocupadas.1. OS DIREITOS TERRITORIAIS INDÍgENAS NO BRASIL-COLÔNIAPortugal, desde o século XVII, publicou textos legais que asseguravamaos grupos indígenas a posse sobre as terras habitadas, dentre eles se destacam:Carta Régia de 30 de julho de 1609, Carta Régia de 10 de setembro de 1611,Alvará Régio de 01° de abril de 1680 e o Diretório dos Índios, de 1755.Entretanto, é importante observar que o reconhecimento dos direitosindígenas sobre seus territórios, recepcionado pelos textos normativosmencionados, se deu no contexto das discussões sobre a humanidade ounão do índio, bem como, sobre a possibilidade ou não de escravização dosmesmos. Como bem esclarece Manuela Carneiro da Cunha: “Paradoxalmente,a soberania das nações indígenas foi reconhecida no contexto das discussõessobre escravização dos índios”. 43 Período que compreende o ano de 1500 a 1822.4 CUNHA, Manuela Carneiro da. Os direitos do índios. Ed. Brasiliense: São Paulo. 1987, P.59.298Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006


Revela-se, portanto, que a preocupação de Portugal em relação aosdireitos territoriais indígenas se deu paralelamente a discussão sobre ahumanidade indígena e a possibilidade ou não de sua escravização.No que se refere à discussão sobre a humanidade indígena, é importantedestacar o papel que a Igreja Católica teve nesse sentido, pois essa instituiçãofoi responsável pela publicação de uma Bula Papal sobre o tema. Referida Bulaestabelecia limites à escravização indígena e, de maneira bastante superficial,tratava sobre a posse territorial indígena. Nesta perspectiva, foi em 1537 aprimeira manifestação da Igreja Católica a respeito dos temas já referidos:Dada a virulência da polêmica, o próprio Papa Paulo III foi chamadoa opinar, com a publicação da bula Sublimus Deus, na qual reconhecia ahumanidade do índio e impunha uma série de deveres do cristão para comaquele: a garantia da liberdade, o domínio sobre suas posses e a conversãoatravés da pregação e do exemplo. 1Observa-se, portanto, que mesmo reconhecendo a humanidade indígena,a Igreja Católica estabelecia condições de tutela ao índio, uma vez que esseainda carecia dos ensinamentos religiosos para adquirir a condição de homemcivilizado.Denota-se que dentro dos deveres proclamados pela Bula Papal,estabelecia-se o domínio cristão sobre as posses indígenas, coagindo diversosgrupos indígenas a se refugiar ainda mais para o interior das florestas,procurando locais onde os rigores da natureza os protegessem da intolerânciasanguinária e devastadora da cultura cristã.Referindo-se à Bula Papal de 1537, bem como às demais Bulas que asucederam e que deram continuidade aos anseios da Igreja, Oliveira Sobrinho:assim tratou a matéria:Taes os conceitos proclamados, em 29 de Maio daquelle anno,no Breve de Paulo III, e em 1639, na Bulla de Urbano VIII emque lan• ava a excommunh‹o lata sententia aos vendedores eescravizadores de ’ndios, actos esses reiteirados, um sŽ culodepois, em 1741 por Benedicto XIV em outra Bulla memor‡v el.Mas, nem mesmo ante a immensa autoridade de que gosava aIgreja se detiveram os massacradores dos ’ndios, ou se decidiram1 SILVA, Francisco Carlos Teixeira da. Encontro de Civilizações – Brasil 500 anos de história. Rio de Janeiro: Ed. SenacNacional, 2001. P. 61.Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006 299


os pr—pr ios reis de Portugal e Hespanha a pr fim, de modoefficaz e perempt—r io, ‡ guerra ao selvagem e ao captiveiro. 2Observa-se claramente que mesmo diante da enorme autoridaderepresentada pela Igreja, os colonos continuavam desrespeitando as ordenscatólicas, dando continuidade à caça indígena e a espoliação de seus territórios.No que se refere ao teor do contido nas referidas Bulas e sua respectivatentativa de aplicação, Berta Gleizer Ribeiro retrata um momento bastanteemblemático, assim descrito:A tentativa de aplica• ‹o da bula do Papa Urbano VIII (28/04/1639),que reafirma a do Papa Paulo III (22/05/1537) Ð excomunh‹o aosque incorrem no cativeiro e venda de ’ndios em pra• a pœbl ica -,provoca um levante dos colonos em S. Paulo e a expuls‹o dosjesu’tas da capitania em 1640. Sua reintegra• ‹o se d‡ em 1643,por Carta RŽ gia. 3as investidas no sert‹ o do pa’s com a finalidade de captura e posteriorvenda do ind’gena como escravo, eram pr‡ ticas constantes e bastante rent‡ veisˆ Ž poca. a revolta dos colonos da regi‹ o de S‹ o paulo, objetivando a expuls‹ odos jesu’tas naquela regi‹ o, demonstra o qu‹ o importante representavamessas atividades, a ponto dos colonos enfrentarem o grande poderio da IgrejaCat—l ica.J‡ no que diz respeito ao reconhecimento de portugal, as Cartas rŽ giasde 30 de julho de 1609 e a de 10 de setembro de 1611, ambas promulgadaspor Felipe III, reconheciam o pleno dom’nio dos ’ndios sobre seus territ—r iose sobre as terras que lhe s‹o alocadas nos aldeamentos. 4 No que se refere aesses direitos estabelecidos, o conteœdo de ambas as Cartas eram praticamenteid• nticos, assim dispondo:... Ey por bem que os ditos gentios sej‹o senhores de suas fazendasnas povoa• ›e s em que morarem, como o s‹o na serra, sem lhepoderem ser tomadas, nem sobre ellas se lhe fazer molŽ stia, nem2 SOBRINHO, Oliveira. Os selvicolas brasileiros e a legislação pátria – o decreto legislativo n° 5.484, de 1928. In: Textosclássicos sobre o direito e os povos indígenas. Org: Carlos Frederico Marés de Souza Filho. Núcleo de Direitos Indígenas.Curitiba: Juruá, 1992. P.94-953 RIBEIRO, Berta gleizer. O índio na história do Brasil. Ed. global: São Paulo. 1983. P. 544 RIBEIRO, Berta gleizer. Op.cit. . P.58.300Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006


injusti• a alguma...e lugares que lhe forem ordenados n‹o poder‹oser mudados p• ra outros contra su vontade (salvo quando eleslivremente quiserem fazer).Georg thomas, ao tratar sobre os direitos territoriais ind’genas na CartarŽ gia de 30 de julho de 1609, assim analisa a quest‹ o:A lei de 1609 assegurou aos ’ndios das aldeias a posse daterra por eles cultivada. O Governador recebeu o encargo dedestinar aos ’ndios, recentemente transformados em sedent‡r ios,possess›e s territoriais que servissem para o seu sustento e dasquais n‹o poderiam ser afastados sem o consentimento pr—pr io. 5J‡ a Carta rŽ gia de 10 de setembro de 1611, considerada por ManuelMiranda e por al’pio Bandeira como um retrocesso legislativo no que se refereˆ escravid‹ o ind’gena, simplesmente reiterou a Carta rŽ gia de 1609 no quetange aos direitos ind’genas sobre as terras.Observa-se que nesse momento hist—r ico j‡ se verificava a preocupa• ‹ o- ao menos formal - em rela• ‹ o aos direitos territoriais ind’genas, haja vistaa lei estabelecer, ao Governador da Ž poca, o dever de destinar possess›e sterritoriais que servissem para o sustento do grupo.DŽ cadas mais tarde, portugal publica o alvar‡ de 01¡ de abril de 1680,considerado um marco na matŽ ria dos direitos territoriais ind’genas. Sobrereferida legisla• ‹ o, perdig‹ o Malheiro analisa que:A Provis‹o regulava a distribui• ‹o e os servi• os dos êndios livres,e dispunha o seguinte: ... 3¡ que aos ’ndios se dessem terras,livres de tributos, sem aten• ‹ o a concess›e s j‡ feitas das mesmas,porque, devendo ser sempre salvo o preju’zo de terceiro, estavaimplicitamente ressalvado o dos mesmos êndios, prim‡r ios enaturais senhores delas;... 65 THOMAS, georg. Política indigenista dos portugueses no Brasil: 1500-1640. Trad.: Pe. Jesús Hortal. Ed. Loyola: São Paulo,1981. P. 150.6 MALHEIRO, Perdigão. A Escravidão no Brasil: ensaio histórico, jurídico, social. 3° Ed. . Editora Vozes: Petrópolis. 1976. P.192-193.Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006 301


Sobre o alvar‡ rŽ gio de 1680, n‹ o se pode deixar de mencionar omentor da teoria do indigenato, Jo‹ o Mendes Jœni or, para quem:... o indigenato Ž a œni ca verdadeira fonte jur’dica da posseterritorial; mas, sem desconhecer as outras fontes, j‡ osphilosophos gregos affirmavam que o indigenato Ž um titulocong• nito, ao passo que a occupa• ‹o Ž um titulo adquirido.Comquanto o indigenato n‹o seja o œni ca verdadeira fontejur’dica da posse territorial, todos reconhecem que Ž , na phrasedo Alv. de 1¡ de Abril de 1680, a primaria, naturalmente evirtualmente reservada, ou na phrase de ARISTOTELES (Polit.,I, n. 8), um estado em que se acha cada ser a partir do momentodo seu nascimento. Por conseguinte, o indigenato n‹o Ž um factodependente de legitima• ‹o, ao passo que a occupa• ‹o, comofacto posterior, depende de requisitos que a legitimem.O ind’gena, primariamente estabelecido, tem a sedum positio, queconstitue o fundamento da posse, segundo o conhecido texto do jurisconsultopaULO (Dig., titul. de acq. vel. amitt. possess., L.1), a que se referemSaVIGNY, MOLItOr, MaINZ e outros romanistas; mas o indigena, alŽ mdesse jus possessionis, tem o jus possidendo, que j‡ lhe Ž reconhecido epreliminarmente legitimado, desde o alvar‡ de 1¡ de abril de 1680, comodireito cong• nito. 7ƒ incontest‡ vel o reconhecimento legal dos direitos territoriais ind’genaspor meio do alvar‡ rŽ gio de 1680, entretanto, o que infelizmente n‹ o ocorreufoi a busca de sua efetividade por parte da Coroa portuguesa. as pr‡ ticas deesbulho em terras ind’genas continuaram sendo praticadas pelos colonos, quecontavam com a coniv• ncia e atŽ mesmo ajuda das autoridades portuguesasda Ž poca.Carlos Frederico MarŽ s de Souza Filho, destacando a import‰ ncia doalvar‡ de 1¡ de abril de 1680, assim abordou o tema:O Brasil colonial conheceu normas jur’dicas que garantiram estedireito, como o Alvar‡ de 1¡ de abril de 1680 que declarava q<strong>uea</strong>s sesmarias concedidas pela Coroa Portuguesa n‹o poderiam7 JúNIOR, João Mendes. Os indígenas do Brazil, seus direitos individuais e políticos. Ed. fac-similar (do original de 1912, Typ.Hennies Irmãos, São Paulo, 1988, P. 58-59.302Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006


desconstituir os direitos dos ’ndios sobre as terras, que possu’amcomo Ô prim‡r ios e naturais senhores delasÕ . ƒ que as sesmariaseram concedidas sempre ressalvado o direito de terceiro, e, diziao Alvar‡, com muito mais raz‹o o direito dos êndios. 8No contexto da Coroa portuguesa, pode-se afirmar que antes, durantea vigência das Cartas Régias de 1609 e 1611, e até mesmo depois da entradaem vigor do Alvará Régio de 01° de abril de 1680, diversas foram as açõesnegativas cometidas pelas autoridades portuguesas da época. O estímulo e aincitação proporcionada pelo Estado, com o objetivo de apossamento de terrasindígenas para fins de exploração imediatista, 9 bem como com o objetivo deexpandir as fronteiras agrícolas, 10 são apenas alguns dos exemplos referentes àfalta de comprometimento com o cumprimento das Cartas Régias e do referidoAlvará de 1680.Sobre o Alvará Régio de 1680, Marco Antônio Barbosa salienta que“Ele se situa num momento histórico em que a apropriação latifundiária éflagrante e já instaurada”. 11Deduz-se, dessa forma, que mesmo diante de uma legislação portuguesaprotecionista em relação aos direitos territoriais indígenas, bem como diantedas bulas papais apresentadas pela Igreja Católica, as ações negativas por partedos colonos persistiram em detrimento dos direitos indígenas. Restava aosindígenas a alternativa de combater a grilagem de terras executadas por partedos colonos, ou então, restava a eles a opção de se refugiarem para o interiordo território brasileiro.No que diz respeito à colonização, tentativa de convivência e oenfretamento ocorrido entre indígenas e colonizadores, merece destaque umtrecho da obra de Francisco Carlos Teixeira da Silva:A obra colonizadora do governo-geral visava, acima de tudo, a assentar oscolonos, transformá-los em “moradores”, e para isso incentivava a implantação8 SOUZA FILHO, C. F. M. de. . O Renascer dos Povos Indígenas para o Direito. 1° Ed., 5° tir.. Curitiba: Juruá, 2006. P. 124.9 Fase essa denominada de fase pré-colonial ou de colonização por feitorias, a qual compreende exclusivamente acomercialização de pau tintorial (pau-brasil).10 Objetivando principalmente o crescimento da agromanufatura açucareira.11 BARBOSA, Marco Antonio. Os povos indígenas e as organizações internacionais: Instituto do Indigenato no direito brasileiroe autodeterminação dos povos indígenas. Revista Eletrônica História em Reflexão: Vol. 1, n° 02 – UFgD – Dourados; Jul/Dez2007/6. http://www.historiaemreflexao.ufgd.edu.br/OS-POVO-INDIgENAS-E-AS-RELACOES-INTERNACIONAIS.pdf Acessoem 28/01/2008 às16h16min. . P. 06.Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006 303


de engenhos, o aldeamento de índios “mansos” junto aos povoados e vilas dosbrancos, o estabelecimento de feiras semanais, com a presença do gentio. 12Apreende-se através da transcrição acima, que a política de integraçãodo “gentio” na sociedade luso-brasileira se fez presente desde o primórdio dacolonização, obrigando muitos deles a se refugiarem no interior da selva, o quefoi muito bem descrito pelo mesmo Francisco Carlos Teixeira da Silva:Para os ’ndios, a maioria da popula• ‹o atŽ o in’cio do sŽ culoXVII, o avan• o da constru• ‹o do novo pa’s, o Brasil, representavaa diminui• ‹o de sua popula• ‹o e a busca de refœgi o no interiorda selva. 13A construção desse novo país, como mencionado, implicava nacristianização e aldeamento dos indígenas. A Igreja Católica, no início doprocesso colonizatório, representava um forte aliado de Portugal; passado doisséculos, o papel da Igreja já era visto como intrusivo e prejudicial aos interessesdesse reinado, conforme se verificará nos objetivos do Diretório Pombalino.Em 06 de junho de 1755, 14 tornou-se público o chamado Diretóriodos Índios, elaborado por Marquês de Pombal e cujo objetivo principal eracombater e evitar a escravização, a segregação, o isolamento e a repressão dosindígenas. Além disso, o Diretório determinava a substituição dos jesuítas pordiretores leigos na administração das aldeias indígenas. Como é bem analisadopor José Bonifácio de Andrada e Silva: “O Diretório tornou-se um instrumentode exploração da mão-de-obra indígena, antes impedida pelos jesuítas”. 15Sobre a eficácia da lei pombalina, Carlos de Araújo Moreira Neto assimtrata a matéria:A despeito de todo o esfor• o da pol’tica pombalina na Amazni aem reunir, organizar e engajar ’ndios, a servi• o do governo ou departiculares, os resultados concretos foram pouco significativosse comparados com as grandes massas ind’genas, aparentemente12 SILVA, Francisco Carlos Teixeira da. Op.cit. . P. 61.13 SILVA, Francisco Carlos Teixeira da. Op.cit. . P. 63.14 A lei de 06 de junho de 1755 foi decretada para as duas capitanias do extremo Norte do Brasil, estendendo-se para as demaiscapitanias somente em 08 de maio de 1758.15 SILVA, José Bonifácio de Andrada e. Projetos para o Brasil. Org.: Miriam Dolhnikoff. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.P. 99.304Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006


dispon’veis nos aldeamentos das antigas miss›e s secularizadaspor Pombal. A sucess‹o de revoltas ind’genas em v‡r ias partesda Amazni a, que Ž fŽ rtil nesse per’odo, demonstra que os ’ndiosaldeados Ð e n‹o s— os ’ndios tribais Ð reagiram teimosamente,sempre que poss’vel, ŝ tentativas de integr‡- los ˆ economia e asociedade coloniais. 16Observa-se, portanto, que o Diretório Pombalino de 1755 mostrousefortemente intencionado a integrar o índio à sociedade ‘civilizada’bem como ao mercado colonial. Diante desta peculiaridade, é interessanteanalisar o pensamento de Oliveira Sobrinho, jurista que produziu diversostrabalhos jurídicos numa época em que o índio era visto como um ‘mal a serintegrado’:..., esta legisla• ‹o pombalina, que, si comprida ‡ risca, semo subterfugis, cavilla• › es e desvirtuamentos costumeiros,teria encaminhado e facilitado sobremaneira o problema daincorpora• ‹o ‡ sociedade civilizada dos primitivos habitantes denossas terras, de modo a evitar-se que ao tempo da Independenciae ao da Republica, e atŽ ao dos nossos dias se apresentasse n‹osolvido, muito embora orce ainda hoje em um milh‹o o numerode ’ndios brasileiros, ainda n‹o incorporados ‡ civiliza• ‹ o porculpa ou mesmo inŽ pcia dos nossos dirigentes. 17Como se observa, a incorporação do índio na sociedade ‘civilizada’ erauma meta a ser alcançada, conseqüentemente, a resistência indígena – hojeem dia tão estimada - era tratada como um problema. O projeto de construçãodeste “Novo Mundo” tendia à invisibilização da rica diversidade cultural,razão pela qual diversos instrumentos jurídicos foram criados no intuito deviabilizar a implantação de um projeto de civilização dos índios, 18 sobretudona Amazônia.16 MOREIRA NETO, Carlos de Araújo. Índios da Amazônia, de maioria a minoria. Ed. Vozes. Petrópolis, 1988. P. 29.17 SOBRINHO, Oliveira. Op.cit. . P. 99.18 ALMEIDA, Rita Heloísa de. O Diretório dos índios: um projeto de civilização do Brasil no século XVIII. Brasília: EditoraUniversidade de Brasília, 1997. P. 27.Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006 305


Oliveira Sobrinho, o mesmo autor que acima afirma ter sido por inépciados dirigentes da época o fato dos índios ainda não estarem incorporados àcivilização, ressalta a importância do Diretório pombalino:Ordenando, em seguida, a rigorosa pr‡t ica dessas leis Ð as de1570, 1587, 1595, 1609, 1611, 1647, 1655, 1680, esta e outrasdescritas no seu texto, a lei de 1755 declara derogadas todas asdemais. ...na express‹o da pr—pr ia lei comentada, Ò o tempo foicada dia fazendo mais notorias e demonstrativas as just’ssimascausas, em que estabeleceo esta lei (allude a de 1680...) pararestituir aos ’ndios a sua antiga, e natural liberdade, fechando aporta ‡s impiedades, e ‡s malicias...Ó . 19Nesta perspectiva, Ž interessante observarmos que muitos autoresdefendem a legisla• ‹ o pombalina no que diz respeito aos direitos territoriaisind’genas. Muitos estudiosos afirmam que o Diret—r io pombalino foi importanteporque teve o papel de reiterar o alvar‡ rŽ gio de 1680, refor• ando a tese do’ndio como prim‡ rio e natural senhor das terras ocupadas.Nessa linha de pensamento, Manuela Carneiro da Cunha destaca que oDiretório pombalino “renova e cita por extenso o Alvará de 1° de abril de 1680,que expressamente reserva na concessão de sesmarias o direito anterior dosíndios sobre suas terras, por serem “primários e naturais senhores delas”. 20O fato é que neste período colonial, a farta legislação sobre os direitosterritoriais indígenas não pode ser lida de forma analítica, olvidando-se do seucontexto formador. A interpretação dessas leis deve contextualizar as diversassituações de potencial ou efetivo conflito. 21 Aqui devemos refletir sobre opapel que a Igreja Católica exercia nos aldeamentos e, conseqüentemente, aperda de espaço das autoridades portuguesas frente ao poder exercido pelosrepresentantes da Igreja.Os jesuítas, durante anos, estiveram à frente da cristianização indígena,criando até mesmo uma “língua geral” 22 que possibilitasse a comunicaçãode todos os indígenas que habitassem as terras portuguesas. Sobre a línguageral, Rita Heloísa de Almeida, observa que “Quando no parágrafo sexto do19 SOBRINHO, Oliveira. Op.cit. . P. 98.20 CUNHA, Manuela Carneiro da. Op.cit. . P. 62.21 ALMEIDA, Rita Heloísa de. Op. cit. . P. 28.22 Também conhecida como Nheengatu.306Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006


Diretório é referida a “língua geral” como uma “invenção diabólica”, o quecertamente estava em questão era o ato em si de utilizar a língua para fins dedominação política.” 23A mesma autora ainda afirma:A obra mais dif’cil, qual seja, o enraizamento da cultura doconquistador, devia come• ar por generalizar o uso geral dal’ngua portuguesa. E o Diret—r io tem esta tarefa como meta arealizar.(...)Pelo uso da Ò l’ngua geralÓ dilu’a-se a conquista, tornando-aporta aberta a invas›e s e tentativas de estabelecimento depoder. 24É nesta disputa pela hegemonia entre a administração colonial portuguesae a Companhia de Jesus que o Diretório pombalino está inserido. Há dese refletir sobre a real intenção do Diretório, ao que parece não objetivar aratificação do Alvará Régio de 1680, pelo menos não no que tange aos direitosterritoriais.Ainda a respeito do Diretório dos Índios, Rita Heloísa de Almeidafaz uma analogia dessa legislação com o Contrato Social, de Jean-JacquesRousseau, aduzindo que a particularidade do pensamento desse autor está emseu “conceito de “alienação total”, segundo o qual todas as cláusulas docontrato social reduzem-se a única condição: que cada indivíduo devote suasobrigações e direito em favor do bem comum”. 25O que se observa é a tentativa de Portugal em criar uma sociedade queseguisse o modelo europeu, garantindo ao índio um lugar neste projeto desociedade. Nesta política colonizatória, a administração colonial incentivou aimigração com a finalidade de se apoderar e se legitimar do extenso territóriobrasileiro, recomendando, inclusive, ao branco, a mudança de comportamentoem relação aos índios. Nesse contexto, Rita Heloísa de Almeida assimescreve:23 ALMEIDA, Rita Heloísa de. Op.cit. . P. 174.24 ALMEIDA, Rita Heloísa de. Op.cit. . P. 176-177.25 ALMEIDA, Rita Heloísa de. Op.cit. . P. 181.Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006 307


Pode-se afirmar que o Diret—r io Ž o programa da monarquiaportuguesa para os anos de defini• ‹o do territ—r io brasileirona parte norte... . Nesse momento, o povoamento do Brasil Žassumido como meta central dos programas de governo de cadaadministra• ‹o colonial, especialmente nas ‡r eas de fronteira.Tem in’cio, nesse per’odo, uma efetiva pol’tica de imigra• ‹o. Aslevas de fam’lias portuguesas (vindas, a maior parte, das ilhas doAtl‰n tico) s‹o significativas por imprimirem uma fei• ‹o culturallusitana aos empreendimentos da ocupa• ‹o. 26Sobre o tratamento diferenciado que deveria ser utilizado com os índios,o Diretório pombalino assim estabeleceu:Recomendo aos Diretores, que assim em pœbl ico, como emparticular, honrem, e estimem a todos aqueles êndios, queforem Ju’zes Ordin‡r ios, Vereadores, Principais, ou ocuparemoutro qualquer posto honor’fico; e tambŽ m as suas fam’lias;dando-lhes assento na sua presen• a, e tratando-os com aqueladistin• ‹o, que lhes foram devida, conforme as suas respectivasgradua• ›e s, empregos, e cabedais; para que, vendo-se os ditosêndios estimados em pœbl ica, e particularmente, cuidem emmerecer com o seu bom procedimento as distintas honras, comque s‹o tratados; separando-se daqueles v’cios, e desterrandoaquelas baixas imagina• ›e s, que insensivelmente os reduziramao presente abatimento, e vileza (Diret—r io, par‡gr afo 9).O Diretório não somente interferiu na conduta dos brancos em relaçãoaos índios, como também na maneira de ser do indígena, estabelecendovantagens aos índios que assumissem responsabilidades administrativas,intervindo diretamente nos costumes habitacionais - impondo padrõesetnocêntricos, calcados em referenciais da arquitetura e do planejamento dascidades européias 27 –, dentre outros aspectos que influenciaram diretamente naorganização social e na maneira de ser indígena.Bem, não cabe neste trabalho analisar aprofundadamente o Diretório dosÍndios, uma vez se tratar de um tema bastante complexo e controverso. O que26 ALMEIDA, Rita Heloísa de. Op.cit. . P. 178.27 ALMEIDA, Rita Heloísa de. Op.cit. . P. 185.308Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006


se pode apreender desta legislação, é que mesmo reiterando o Alvará Régio de1680 no que tange aos direito territoriais indígenas, pouco ou quase nada foirespeitado.A idéia colonial de construir uma sociedade homogênea, na qual o índiodeveria estar inserido, negligenciava a rica diversidade cultural dos diversosgrupos indígenas, razão pela qual as terras indígenas significavam a possibilidadede resistência do índio se integrar a esta pretensiosa homogeneidade social.No que se refere à efetivação dos direitos e das políticas indígenasno período do Brasil – Colônia, Carlos Frederico Marés de Souza Filhocontrapõem os direitos e deveres indígenas na época:Curioso desvelo colonial, as leis que obrigavam os povos eramsempre cumpridas e as autoridades nunca tiveram dœv idas emimpor condi• ›e s, penalidades ou restri• ›e s aos povos da AmŽ rica,j‡ as que garantiam direitos foram rapidamente esquecidas oumal usadas. 28É importante ressaltar o aspecto integracionista que essas legislaçõesrepresentaram, todas no sentido de integrar o indígena à sociedade lusobrasileira,objetivando inseri-lo nas relações de trabalho. Referindo-se aesse aspecto, Rita Heloísa de Almeida acrescenta: Isto porque todas as leisgravitam em torno da questão sobre quem exerce o controle e a administraçãodos índios, no que de fundamental riqueza representam durante a colonização,ou seja, como população e força de trabalho. 29Na perspectiva política de esbulho e confinamento dos diferentes gruposindígenas atingidos pelas ações desrespeitosas e negligentes dos colonos e atémesmo das autoridades portuguesas, é relevante mencionar o papel negativoque a Carta Régia de 02.12.1808 representou.Referido instituto declarava como devolutas as terras que fossemconquistadas dos índios através das “guerras justas”, que eram movidas peloImpério Lusitano em desfavor dos índios que não se submetessem ao seudomínio. Dessa forma, as terras ditas como “conquistadas” dos índios eramconsideradas devolutas e passariam ao domínio público.A respeito da Carta Régia de 02 de dezembro de 1808, Manuela Carneiroda Cunha assim analisa:28 SOUZA FILHO, C. F. M. de. Op.cit. . P. 87.29 ALMEIDA, Rita Heloísa de. Op.cit. . P. 37.Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006 309


Até pela exceção se confirma a regra: d. João VI, em Carta Régiade 2/12/1808, havia declarado devolutas as terras conquistadasaos índios a quem havia declarado guerra justa; esta declaraçãoimplica o reconhecimento dos direitos anteriores dos índiossobre suas terras, direitos agora ab-rogados para certos gruposapenas; e implica também a permanência de tais direitos paraíndios contra os quais não se declarou guerra justa. 30Neste momento surge outro problema, pois a partir desse amparolegislativo, inœm eras Ò guerras justasÓ foram declaradas sem qualquer justifica• ‹ o,fazendo com que inœm eros colonos se legitimassem de tal justificativa com oobjetivo de fazer prevalecer interesses individuais, somente.CONCLUSÃODiante de todo o amparo hist—r ico apresentado e referente aos direitosterritoriais ind’genas durante o Brasil - Colni a, apreende-se que a legisla• ‹ oda Ž poca apresentava um conteœdo integracionista do ind’gena, raz‹ o pela quala pr‡ tica social dos colonos e autoridades portuguesas, mantiveram-se em reale constante contradi• ‹ o, pois, apesar de haver o reconhecimento dos direitosind’genas sobre seus territ—r ios, o que se pde depreender Ž que a pr‡ tica deesbulho e confinamento de grupos ind’genas, quando n‹ o bem sucedida aintegra• ‹ o ind’gena, foi pr‡ tica constante nesse per’odo.30 CUNHA, Manuela Carneiro da. Política Indigenista no Século XIX. História dos Índios no Brasil. Org. Manuela Carneiro daCunha. São Paulo: Companhia das Letras: Secretaria Municipal de Cultura, 1992. P. 141.310Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006


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LAW, gENDER AND ENVIRONMENTCristiane da Silva Lima ReisDIreItO, Gæ NerO eMeIO aMBIeNteCristiane da Silva Lima Reis *Sum‡r io: Introdu• ‹ o; 1. O papel de direito no processo de constru• ‹ o das rela• ›e s de g• nero; 2.Mulher e meio ambiente: a proposta do ecofeminismo; 3. a naturaliza• ‹ o da discrimina• ‹ o soba perspectiva de g• nero; refer• ncias.Resumo: O presente artigo prop› e umareflex‹ o sobre a rela• ‹ o direito e meioambiente, considerando tambŽ m as pr‡ ticasde g• nero existentes. pensar o g• nero e meioambiente nos remete a rela• ‹ o de subordina• ‹ oda mulher, vista social e culturalmente peloseu papel sexual, reprodutivo na sociedade.Na teoria ecofeminista isso ocorre exatamenteno momento em que se tenta encontrar umaigualdade, semelhan• a entre a mulher e omeio ambiente. as caracter’sticas tidas comofemininas, o movimento c’clico da natureza,a gesta• ‹ o d‹ o suporte aos conceitos quefundam a teoria. Mas a avalia• ‹ o da rela• ‹ odomina• ‹ o e subordina• ‹ o tambŽ m encontramfundamento em tais conceitos. a dificuldadede tudo isso, reside no fato de que a avalia• ‹ oacerca da domina• ‹ o masculina Ž de queocorre de forma impercept’vel.Palavras-chave: direito, g• nero, meioambiente,domina• ‹ o, subordina• ‹ o.Abstract. this article proposes a reflectionabout the relationship and the rightenvironment, even considering the existingpractices of gender. planning for gender andthe environment leads to the relationshipof subordination of women, socially andculturally for his role sexual, reproductive intosociety. ecofeminist In theory, this happensexactly at the time they were trying to findan equal, the similarity between womenand the environment. the characteristicsconsidered female, the movement cyclicalnature of pregnancy and give support to theconcepts which are the basis of the theory.But the evaluation of the domination andsubordination are also based on such concepts.the difficulty of it all, lies in the fact thatthe assessment about the male dominationhappens so imperceptibly.Key words: right, Gender, environment,Domination, Subordination* Mestranda do Programa de Pós-<strong>graduação</strong> em Direito Ambiental da Universidade do Estado do Amazonas e bolsista daFAPEAM. Projeto de Pesquisa “Direito, Recursos Naturais e Conflitos Ambientais: o Tratado de Cooperação Amazônica”,MCT/CNPq.Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006 313


INTRODUçÃOa tem‡ tica proposta versa sobre as rela• ›e s de g• nero institu’das nointerior do direito ambiental e a forma como este, observa, avalia e discute og• nero, considerando, a perspectiva feminista 1 o lugar em que se encontra amulher dentro do meio ambiente e, por conseqüência do direito ambiental.O advento da Declaração Universal dos Direitos Humanos adotadapela Organização das Nações Unidas – ONU inicia o debate atual acercados Direitos Humanos e do sistema de proteção a estes direitos, levando emconsideração as diferenças estabelecidas entre sexos, raças, dentre outros.Mulheres, índios, negros foram considerados como grupos diferenciados,alvos de discriminação e em constante condição de subordinação. Tais gruposdefinidos como minorias, o que não quer dizer quantitativa, mas sim social,na forma em que a sociedade como o todo os encara e responde as suasnecessidades, se tornaram objeto de reflexão e proteção jurídica.por outro lado, o pr—pr io direito n‹ o foi capaz de corresponder asperspectivas femininas. (DaHL, 1993). primeiro pela heran• a patriarcalistado estado Brasileiro, segundo pelos aspectos culturais que norteiam todasas rela• ›e s, portanto, homens e mulheres possuem papŽ is bem definidossocialmente.a cada um dos sexos, a sociedade tem atribu’do papŽ is diferenciados,os assim chamados papŽ is de g• nero. ao nascer, o ser humano cai numpalco onde lhe Ž atribu’do um papel claramente definido: o der ser homemou mulher. a come• ar pela cor do enxoval dos beb• s (azul para meninos erosa para as meninas), passando pelos brinquedos oferecidos (bonecas paraas meninas e carros e armas para os meninos) atŽ as escolhas profissionais, asesferas de poder nas quais atuar‹ o, tudo est‡ definido pelos papŽ is de g• nero.(K† CHeMaNN, 2006)Nesse processo de defini• ‹ o das diferen• as e tambŽ m das mulheresenquanto grupo como bem afirma Duprat (2007), os operadores do direitoeditaram inœm eras normas discriminat—r ias. Na atualidade n‹ o as encontramosvigente em nosso ordenamento jur’dico, contudo a simples exist• ncias destas naconstru• ‹ o social marcou profundamente as rela• ›e s entre homem e mulher.tal fato deu as quest›e s de g• nero uma fei• ‹ o de normalidade que toda equalquer pr‡ tica discriminat— ria de t‹ o fundamentada culturalmente (seja pela1 O termo utilizado leva em consideração a visão do direito e a forma como ele responde as necessidades e realidades dasmulheres.314Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006


heran• a patriarcal ou pela postura discriminat—r ia do direito) foi naturalizadae se tornou invis’vel.a proposta do ecofeminismo se encontra dentro dessa l—gi ca, uma vezque reduz o papel da mulher para identific‡ -la ao meio ambiente (Capra,1994). estabelecer uma rela• ‹ o mulher e natureza, que considera basicamenteas caracter’sticas f’sicas e reprodutivas da mulher, o papel sexual da mulherna condi• ‹ o de reprodutora, as caracter’sticas fisiol—gi cas (c’clicas) s‹ oassemelhadas aos processos evolutivos da natureza, como semear, germinar eoutros (aNGeLIM, 2006).O processo de domina• ‹ o e subordina• ‹ o existente nas rela• ›e s deg• nero de forma naturalizada, no uso constante da condi• ‹ o da mulherou no seu papel social, sexual. produz, reproduz e consolidas as pr‡ ticasdiscriminat—r ias de g• nero.a busca de Ž tornar vis’vel toda e qualquer pr‡ tica que direta ouindiretamente, obtenha o referido resultado, se encontra presente na tentativase construir uma democracia de g• nero.1. O PAPEL DE DIREITO NO PROCESSO DE CONSTRUçÃO DASRELAçÕES DE gÊNEROInteressante observar o surgimento do princ’pio da igualdade comouma resposta as necessidades preconizadas pelos grupos e tambŽ m como ummecanismo de prote• ‹ o dos mesmos, mas como bem observou Comparato(1993), o referido princ’pio tal qual como foi formulado, levando emconsidera• ‹ o as necessidades iluministas preconizadas pela revolu• ‹ o Francesafoi classificado como Ò o triunfo do formalismo abstrato e hip—c rita, sobre acrua evid• ncia das realidades concretasÓ .reconhecer o direito fundamental do outro, embora tenha sido um fatorimportante, assim como o advento do princ’pio da igualdade preconizado noart. 5¡ , caput, da Constitui• ‹ o Federal de 1988 e conforme a nossa tem‡ tica,n‹ o foi capaz de assegurar a efetividade dos direitos das mulheres, apenas deuorigem a uma abstra• ‹ o isonm ica para encobrir as terr’veis desigualdadesmateriais impostas ao universo feminino. (COMparatO, 1993)a exist• ncia da igualdade formal, da igualdade perante a Lei n‹ o foi,e n‹ o Ž capaz de impedir as pr‡ ticas discriminat—r ias contra as mulheres.(DaHL, 1993)Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006 315


N‹ o se pode deixar de enfatizar que as pr‡ ticas discriminat—r ias contraa mulher foram traduzidas no ‰ mbito jur’dico, como a impossibilidade deexercer o direito ao voto. 2 E até bem pouco tempo havia toda uma construçãojurídica fundamentada nesta avaliação discriminatória. Não vamos longe, oCódigo Civil de 1916 (que foi em parte revogado pela Lei n.º 4.121/62, masvigente até 2003) definia no art. 2° que “todo homem é capaz de direitos eobrigações na ordem civil” e ao citar “homem” o tinha como gênero ao qual amulher pertenceria.Cabe citar ainda a questão da subordinação da mulher ao maridoestabelecida pelo art. 233, onde este era considerado o chefe da família, acabeça do casal, o art. 242 do Código Civil de 1916, que impedia a mulher deexercer profissão, aceitar ou repudiar herança, exercer mandato entre outrasatividades sem expressa autorização do marido.O art. 219, IV que determinava a nulidade do casamento em razão dodefloramento da mulher, ou mesmo o art. 240 que impôs a obrigatoriedadeda adoção do nome do cônjuge, a questão do domicílio do casal que estavavinculada a decisão do marido (art. 233 da Lei n.° 3.071 de 01.01.1916).Essa é apenas uma menção da utilização do direito como instrumentoperpetuador da dominação. Obviamente nenhuma das normas citadas aindapossui vigência em nosso ordenamento jurídico, pois foram revogadas pela Lein.° 10.406 de 10.01.02 em atenção ao princípio da igualdade disposto no art.5°, I da Constituição Federal de 1988.A discriminação sofrida pela mulher em face da construção social e omodelo cultural estabelecido se encontra absolutamente fundamentada no fatodo homem ser o parâmetro norteador para toda a vida social.é no próprio Direito que reside a parcialidade. Na maior parte dos casos,o homem é ainda a bitola que actualmente se aplica, de tal forma que sãoquase sempre as opiniões, as necessidades e os conflitos dos homens que sãocodificados no Direito. De acordo com essa bitola, prescreve-se também aquiloque as mulheres são ou deveriam ser.(DAHL, 1993)A realidade social, cultural e porque não dizer jurídica da mulher diantede tais fatos, evidenciou que o Direito, embora reconhecido socialmente porsua função normatizadora e pacificadora (produzindo solução aos conflitos eporque não dizer conhecimento) não foi capaz de reconhecer e responder asdiferenças estabelecidas entre a mulher e o homem. E ignorar tais diferenças,2 O Decreto nº. 21.076, de 24 de fevereiro de 1932 que instituiu o Código Eleitoral Brasileiro, em seu artigo 2° disciplinavaque era eleitor o cidadão maior de 21 anos, sem distinção de sexo, alistado na forma do código, instituindo o voto feminino,embora não fosse obrigatório.316Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006


acabou por cumprir seu papel sem qualquer fundamento com a realidade(DUPRAT, 2007).Não que o Direito tenha ignorado as mulheres ou mesmo as suasqualidades e características, estas eram até vislumbradas, contudo num outromodo de avaliar e responder as suas necessidades, pois já havia escolhido aque grupo serviria como bem observa Duprat (2007), “assim, o sujeito dedireito, aparentemente abstrato e intercambiável, tinha, na verdade, cara: eramasculino, adulto, branco, proprietário e são”.Toda construção do Direito, ainda que seja voltada para as mulheres,passa por uma perspectiva masculina.O Direito constitui uma enorme parcela da hegemonia cultural doshomens, numa sociedade como a nossa, e uma hegemonia cultural significaaceitar uma visão da realidade específica dum grupo dominante é consideradocomo sendo normal no enquadramento da ordem natural das coisas, mesmo porquem na realidade, lhe está subordinado. É assim, que o Direito contribui paramanter a posição do grupo dominante” (DAHL, 1993).A avaliação acerca da dominação masculina é de que ocorre de formaimperceptível, o processo de dominação/subordinação estabelecido entre ossexos ocorre de forma tão natural que é como se não existisse, e o movimentofeminista surge apenas como um pertubardor da ordem social estabelecidaem face de inequívoca invisibilidade da divisão por sexo. (DAHL apudFIRESTONE, 1993).A simples presença da mulher no ambiente/espaço não é suficientepara por si só alterar os padrões de classificação de gênero estabelecidos, arealidade decorrente do papel da mulher na sociedade e conseqüentemente aspráticas discriminatórias decorrentes deste fato, favorecem a criação de gruposde mulheres.Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006 317


2. MULHER E MEIO AMBIENTE: A PROPOSTA DOECOFEMINISMONos œl timos tempos tem-se tentado inserir a rela• ‹ o estabelecida entreo meio ambiente e as mulheres, no contexto do discurso ambiental. Nessecaminho a inser• ‹ o sempre ocorre atravŽ s da busca por uma semelhan• a,algo que aproxime a mulher e o meio ambiente, numa tentativa incans‡ velde demonstrar uma paridade entre o g• nero e o meio ambiente, seja sob osaspectos f’sico-biol— gicos, social ou cultural.a ess• ncia espiritual da vis‹ o ecol—gi ca parece encontrar sua express‹ oideal na espiritualidade feminista advogada pelo movimento das mulheres,como seria de se esperar do parentesco natural entre feminismo e ecologia,enraizado na antiqŸ’ ssima identifica• ‹ o da mulher com a natureza. (Capra,1994)a • nfase recai principalmente sobre a condi• ‹ o biol—gi ca da mulher, dereprodutora, como ser que ir‡ gerar em seu corpo um novo ser, relacionandoesta caracter’stica feminina ao que se convencionou chamar de M‹ e terra. abusca pelas semelhan• as tambŽ m identifica mulher com o solo (terra) por sercapaz de receber a semente e a partir disso fecund‡ -la, ou melhor, germin‡ -la para depois ver surgir um novo ser, numa analogia do nascimento do serhumano, sendo este o norte que consagra a rela• ‹ o meio ambiente e g• nero.Cabe frisar o entendimento de Santos (2005) sobre os v‡ rios movimentosque possuem tal identidade conhecidos como ecofeminismo, principalmentequando reconhece o fato de que a defini• ‹ o sempre se estabelece a partir dospressupostos preenchidos pelas mulheres do norte, talvez atŽ para sensibilizara mulher do sul quanto a vida e cotidianto das mulheres do norte, mas que apr‡ tica favorece de fato uma cis‹ o entre e as mulheres.Observa-se que a constru• ‹ o e a problem‡ tica n‹ o surge apenas nestadimens‹ o (norte e sul), mas no pr—pr io conceito que fundamenta a teoria,reduzindo a mulher seja do norte ou do sul a um papel social, sexual.as caracter’sticas tidas como femininas que surgem do imagin‡ rio dasociedade, o ideal de mulher, ou melhor, aquilo que representa e Ž reconhecidocomo mulher, o feminino. a sensibilidade, a intui• ‹ o, a solidariedade, asabnega• ›e s, a maternidade caracter’sticas t’picas tidas como feminina s‹ ocapazes de legitimar a condi• ‹ o da mulher como preservadora natural e guardi‹do meio ambiente, de forma mais voltada para o meio ambiente natural.318Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006


toda essa constru• ‹ o voltada para a imagem da mulher e a representa• ‹ odo feminino no imagin‡ rio do povo surge para relacionar a tem‡ tica ambientalcom a de g• nero. O discurso ambiental, portanto, se apropria do discursode g• nero. ao relacionar o g• nero com o meio ambiente, partindo dascaracter’sticas da mulher, ser‡ que esse processo n‹ o acaba por, ainda quesimbolicamente, refor• ar a rela• ‹ o de domina• ‹ o?pensar o discurso ambiental nos remete ao fato de que a grande parte dosgrupos de minoria estabelecidos, se apropria do discurso ambiental para ganharfor• a e representatividade no cen‡ rio pol’tico e social. e de fato, a quest‹ oambiental surge como uma fonte de legitimidade e argumenta• ‹ o para taisgrupos, com as mulheres n‹ o foi diferente a rela• ‹ o meio ambiente e g• nerosurge dentro deste contexto.os grupos populares se apropriam criativamente de quest›e s e categoriasÒ ambientaisÓ e externasÓ ao seu universo habitual, como popula• ‹ o pobreÒ atingidaÓ ou vuner‡ vel. Grupos como pescadores, trabalhadores rurais,Ò povos da florestaÓ , oper‡ rios preocupados com a Ò saœde do trabalhadorÓapropriam-se das quest›e s, da linguagem e da argumenta• ‹ o ambiental paraengradecerem-se em conflitos com seus eventuais oponentes (LOpeS, 2006).a problem‡ tica do g• nero n‹ o se ops aos mecanismos j‡ estabelecidos,no sentido de ambientaliza• ‹ o dos seus conflitos e necessidades. Mas a grandequest‹ o Ž determinar se sob a —t ica ambientalista de solu• ‹ o de conflitos ereposta imediatas houve uma vantagem significativa ser‡ que no contexto deedifica• ‹ o da aceita• ‹ o das diferen• as e da perspectiva de g• nero tal pr‡ ticaseria capaz de consolidar os instrumentos de domina• ‹ o masculina?3. A NATURALIZAçÃO DA DISCRIMINAçÃO SOB A PERSPECTIVADE gÊNEROpropor uma reflex‹ o te—r ica sobre a tem‡ tica de g• nero significaantes de qualquer coisa, se preparar para dialogar com forma• ›e s culturaisdiversas, adentrar num tema em que a Ò naturaliza• ‹ oÓ dos papŽ is sociais e,por conseguinte da discrimina• ‹ o se tornou t‹ o concreta e atual que passadespercebida aos olhos da maioria, primeiro porque esta maioria Ž masculina,segundo porque, como discutir com esse universo algo que por estar arraigadoem ra’zes sociais e culturais solidificadas se tornou praticamente invis’vel paraa sociedade em geral.Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006 319


Na express‹ o de uma conhecida feminista americana, a Ò divis‹ o porsexosÓ Ž t‹ o profunda que se torna invis’vel (DaHL apud FIreStONe,1970)a for• a exercida nas rela• ›e s de g• nero s‹ o constru’das em todos osmomentos, nos mais diferenciados segmentos da vida. Sob o aspecto social,cultural, familiar, religioso, consoante Bourdieu (2007) formando um campode poder que n‹ o se v• , mas que se encontra constantemente presente, e comon‹ o quer ou n‹ o pode ser reconhecido acaba por se tornar invis’vel. assim,identificamos os sistemas simb—l icos em que se perpetuam as rela• ›e s deg• nero como o lugar, onde ocorre uma troca de for• as constantes, no sentidode construir uma realidade social.tal fato favorece cada vez mais a rela• ‹ o de domina• ‹ o/subordina• ‹ oestabelecida entre homens e mulheres, isso porque a concep• ‹ o social, a ordemsocial estabelecida tende a conceber como natural tudo aquilo que decorrer dareferida rela• ‹ o tendo como dominante o macho, e, portanto, legitima todas asa• ›e s empreendidas para confirmar a sua posi• ‹ o de poder no grupo. aindaque esse poder seja exercido apenas no campo simb—l ico.O poder simb— lico, poder subordinado, Ž uma forma transformada, querdizer, irreconhec’vel, transfigurada e legitimada, das outras formas de poder: s—se pode passar para alŽ m da alternativa dos modelos energŽ ticos que descrevemas rela• › es sociais como rela• › es de for• a e dos modelos cibernŽ ticos quefazem delas rela• › es de comunica• ‹ o, na condi• ‹ o de se descreverem as leis detransforma• ‹ o que regem a transmuta• ‹ o das diferentes espŽ cies de capital emcapital simb— lico e, em especial, o trabalho de dissimula• ‹ o e de transfigura• ‹ o(numa palavra, de eufemiza• ‹ o) que garante uma verdadeira transubstancia• ‹ odas rela• › es de for• a fazendo ignorar-reconhecer a viol• ncia que elas encerramobjectivamente e transformando-as assim em poder simb— lico, capaz de produzirefeitos reais sem disp• ndio aparente de energia. (BOUrDIeU, 2007, 15).talvez esse seja o motivo pelo qual Ž t‹ o dif’cil propor uma reflex‹ oonde o seu objeto tenha como alicerce as rela• ›e s de g• nero institu’das dentrode uma categoria, isso porque elas s‹ o constitu’das a partir do contexto doÒ poder simb—l ico de g• neroÓ3e exatamente por isso os atores que participamdo processo são incapazes de se reconhecer na posição de dominador/subordinado, concretizando a relações de força no sentido de ignorar-reconhecera dominação-subordinação. E para entender a dominação masculina é preciso3 Temos que a construção do termo poder simbólico de gênero em muito se assemelha a definição de violência simbólica degênero, que diz respeito aos constrangimentos morais impostos pelas representações sociais de gênero sobre masculino efeminino, levando em consideração as relações de gênero dentro da categoria objeto do nosso estudo.320Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006


analisar as estruturas inscritas na objetividade e subjetividade dos corpos(BOURDIEU, 1999).Sendo importante salientar que as relações de dominação-subordinaçãode gênero, não decorrem do poder simbólico ou mesmo nos sistemas simbólicosem que residem, mas se manifestam no próprio desenrolar das relações entreo masculino e o feminino e nesse processo contínuo de interação se produz opoder simbólico, elemento essencial no processo de dominação do femininopelo masculino.Assim, surge o gênero “naturalizado” pela produção e reprodução dassuas relações, cujo significado é incapaz de ser avaliado por aqueles que sãoseus próprios produtores, uma vez que já se tornou “normal”, encontrandosempre a significação de pertencer a ordem natural das coisas (a perspectivado dominante de uma hegemonia cultural).Mas como discutir o gênero, as relações estabelecidas neste contextocomo objeto de investigação científica, sem que com isso sejam propostasreflexões que tomam como base movimentos feministas, decorrentes de umdeterminado período da história que mais discutem ações contrárias as práticasdiscriminatórias praticadas contra as mulheres.Ultrapassar esse momento histórico de formação dos movimentossociais, reconhecendo a sua importância é obvio, mas levando em consideraçãoque se torna, impossível conceber o gênero simplesmente como uma questãode relação entre macho e fêmea. (STRATHERN, 2006).A antropologia feminista geralmente se alinha com as tentativas(especialmente as autodefinidas marxistas/socialistas) interessadas nosaspectos de diferenciação de gênero que possam ser relacionadas à formassociais ou culturais (ver o capítulo 4)(Harris,1981;Stolcke,1981). Isso inclui oquanto a diferença é construída. Barret, entre outras comentaristas feministas,continua a argumentar que a ideologia da masculinidade e da feminilidaderigidamente separadas, que ela chama de familismo heterossexual, está“profundamente arraigada na divisão do trabalho e nas relações capitalistas deprodução”(1980,I) Essa é a razão, argumenta ela, pela qual a politização dasvidas pessoais das mulheres por si só não acabará com a opressão das mulheres.De maneira análoga, Plaza crítica o postulado de que a diferença (entre corposdefinidos a partir do gênero) está “realmente” localizada na natureza, e não nodiscurso (ou representações) que, de fato, constituem a diferença e constituema natureza como uma categoria. Celebrar o corpo como o lugar da diferença “jáé participar de um sistema social e opressivo” (1978,p.6) e deixar de criticá-loHiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006 321


de uma perspectiva externa. Ela comenta certas interpretações psicanalíticasda diferença sexual que vêem essa diferença como imposta às crianças e como(1) sendo do tipo natural, (2) exigindo hierarquia, e (3) indispensável para aaquisição da identidade (1978, p.22).(STRATHERN, 2006, p. 106)A reflexão sobre as questões de gênero devem ultrapassar tais querelas,se o debate tem como objeto o sexo feminino versus o sexo masculino, seconsidera a partir das relações decorrentes das trocas entre os dois universosdo gênero, ou quem sabe da busca da identidade feminina, sempre ofuscada poraquilo que se convencionou chamar, identificar como coisa de homem – coisade mulher.Também e de se analisar que todas às vezes em o gênero é consideradocomo um objeto de estudo vem à tona a questão da neutralização (em oposiçãoa perspectiva feminista), uma vez que a temática é vista como ideológica ecomo tal é considerada maleável. Em outras palavras, que perspectiva feministaé reconhecida e até considerada, mas intelectualmente é desautorizada.(STRATHERN, 2006).Assim, o estudo acerca do gênero sempre pode sofrer de falta dereconhecimento, por não ser considerado um objeto científico válido, onde seconsidera que o saber é deixado de lado em suas conclusões simplistas, poiselas se valem e se fundam apenas no debate político das causas feministas.Nesse ponto voltamos para a questão da invisibilidade, a diferençaacima de tudo de natureza biológica cria dois universos distintos ondeum não enxerga ou reconhece o outro, portanto, toda a construção dossistemas simbólicos de dominação se perpetuam, talvez porque a maioriados seus interlocutores 4 pertençam ao universo dos dominantes, as diferençasculturalmente estabelecidas e todos os fatos decorrentes se tornam irreal noolhar da maioria dominadora.A mulher como categoria social a ser observada também sofre rejeiçãopor parte dos intelectuais, o campo intelectual excluiu as questões de gênerocomo uma problemática válida, capaz de ser objeto de suas intervenções.Assim, determinam o que é valido e o que não é válido.De fato, um dos alvos mais importantes que estão em jogo nas lutasque se desenrolam no campo literário ou artístico é a definição dos limites4 Na verdade quis dizer intelectuais, pois ao me deparar com a construção de Read em controvérsia com Strathern (2006, p.109) onde esta discute em sua obra que até as pesquisas que são empreendidas tendo o gênero como objeto de estudo,mas desenvolvidas por homens, apresentam um grau de discriminação sobre as mulheres, no sentido de não levarem emconsideração a identidade da mulher uma vez que toda e qualquer experiência feminina esbarra na definição de ter umapostura intelectual a respeito do fato, ou seja, não considerar uma opinião pessoal sobre o mesmo fato.322Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006


do campo, ou seja, da participação legítima nas lutas. Dizer a pro<strong>pós</strong>ito dessaou daquela corrente, desse ou daquele grupo, que “isso não é poesia”, ou“literatura”, significa recusar uma existência legítima , significa excluí-lo dojogo, excomungá-lo. Essa exclusão simbólica não é senão o inverso do esforçono sentido de impor uma definição da prática legítima, no sentido, por exemplo,de construir como essência eterna e universal uma definição histórica de talarte ou de tal gênero que corresponda aos interesses específicos dos detentoresde um determinado capital específico. (BOURDIEU, 2004, p. 170).ƒ fato que o homem h‡ muito tempo (e bem mais tempo que as mulheres),se encontra como atuante nos mais variados segmentos da sociedade comoevidencia DaHL (1993, p. 54), essa observa• ‹ o tambŽ m Ž v‡ lida para o campointelectual, 5O campo jur’dico n‹ o se distanciou desta realidade, pelocontr‡ rio contribuiu para efetivar a rela• ‹ o domina• ‹ o/subordina• ‹o, inicialmente com o legislador editando instrumentosdiscriminat— rios (como a capacidade relativa da mulher), 6posteriormente, ignorando as diferen• as estabelecidas entre estesdois sujeitos, homem e mulher.O Direito, então, contribui para a produção e reprodução de umadada ordem social, proclamando e definindo aquela ordem que será tidacomo exemplar. Ao consagrar determinada realidade, o Direito desconheceou ignora as que possam coexistir. Portanto, a divisão da realidade leva àdesconsideração ou a negação das demais visões, sendo que é daí que decorrea força e a violência simbólica do Direito que, além de construir (conceituando,classificando, organizando) uma dada realidade social, impõe sua definiçãoque passa a ser legítima. (SHIRAISHI, 2007).Não se pode negar que o direito das mulheres foi formado a partir deexperiências causais, a maioria oriundas dos movimentos populares. Nessecontexto as experiências pessoais vêm reforçar a idéia de que as mulheressofrem constantes discriminações e que isso “é fruto da forma como asociedade avalia a diferença entre os dois sexos”. (DAHL, 1993).5 Bourdieu (2004, p.170) define também o campo literário, artístico e porque não dizer intelectual como o lugar de relaçõesde força e de lutas no sentido de transformá-las ou conservá-las.6 Art. 242 da Lei n.° 3.071 de 01.01.1916 – site: http://www.planalto.gov.br/ccivil/leis/L3071.htm. Acesso em 29.09.08.Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006 323


Se como já relatamos, o princípio da igualdade não é capaz unicamentepor sua existência de impedir a discriminação contra as mulheres, tampoucoa revogação de normas discriminatórias o são. Não que estejamos mitigar aimportância desse processo evolutivo da Lei.Mas o direito não possui como única fonte a lei e não basta apenas ainterferência legislativa para sanar a exclusão sofrida pelas mulheres. ParaSilva (2008), um dos grandes obstáculos na tentativa de se estabelecer umatransversalidade sobre direito e gênero reside no fato daquele ser confundido(em muito pelos movimentos feministas) apenas com a Lei, e, portanto, não sera melhor solução para as mulheres.Importante frisar Salete Maria da Silva (2008), ao evidenciar que odireito não se circunscreve a Lei, embora seja em muito confundido com estapelos movimentos feministas, que entendem a Lei como a única fonte dodireito (ainda que não seja), evidenciando este fator como o maior obstáculopara a reflexão acerca do direito e gênero, sob uma perspectiva feminista,avaliando as necessidades e peculiaridades das mulheres.324Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006


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part IVparte IV Ð resumosCIDADES SUSTENTÁVEIS E O PRINCÍPIO DA FUNÇÃO AMBIENTAL DA CIDADE .......................... 329A INCONSTITUCIONALIDADE DA REDUÇÃO DE TERRAS INDÍGENAS NO PROCESSO DEMARCATÓRIO PORCARACTERIZAR REMOÇÃO .................................................................. 330O DIREITO AO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL: OS ROYALTIES DE PETRÓLEO DE COARI-AMAZONAS . . . . . . 331EXIGIBILIDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS NA ÁREA AMBIENTAL NO ESTADO DO AMAZONAS . ................ 332


CIDaDes susteNtç VeIs e o prINCêpIo DaFuN‚ Ì o amBIeNtaL Da CIDaDeMestrando:Dillings Barbosa maquinŽBanca Examinadora: prof. Dr. edson ricardo saleme (orientador)prof. Dr. rubens Be• ak (usp)prof. Dr. serguei aily Franco de Camargo (<strong>uea</strong>)Resumo: o sŽ culo XX assistiu ao fenm eno da urbaniza• ‹ o, o qualatingiu a maior parte dos pa’ ses do mundo, especialmente os ditos de primeiromundo e os tidos em desenvolvimento, especialmente como conseqŸ• ncia doprocesso de industrializa• ‹ o. esse novo modelo socioeconm ico provocoumudan• as s— cio-espaciais dr‡ sticas no Brasil, bem como conseqŸ • nciasambientais muito graves, cujas implica• ›e s podem ser comparadas aos efeitosdas grandes cat‡ strofes naturais. o panorama das cidades brasileiras Ž ca—t ico,especialmente dos grandes centros urbanos. Nossas cidades sofrem problemasde extrema gravidade e de dif’ cil solu• ‹ o. Nesse contexto, a edi• ‹ o da Lein¡ 10.257/2001 conhecida como estatuto da Cidade, que regulamentou ocap’ tulo de pol’ tica urbana da Constitui• ‹ o Federal estabelecendo diretrizesgerais de pol’ tica urbana, representou um ineg‡ vel avan• o na luta por umterrit—r io mais justo e democr‡ tico. embasada na fun• ‹ o social da propriedadee da cidade, a Lei passa a respaldar os munic’ pios na ado• ‹ o de instrumentoslegais que garantem a todos os setores da sociedade a equ‰ nime distribui• ‹ odos nus e benef’ cios s—c io-territoriais causados pelo processo de urbaniza• ‹ o,bem como a realiza• ‹ o das fun• ›e s sociais da cidade pela implementa• ‹ odo plano Diretor, permitindo tambŽ m a regulariza• ‹ o das ‡ reas ocupadasirregularmente. o presente trabalho se preocupa justamente nesse ponto, ouseja, em que a efetiva implementa• ‹ o dos princ’ pios constitucionais e legaisrelativos ao urbanismo e ao planejamento urbano, levados a efeito por meiodas pol’ ticas pœ blicas urbanas e afins, possibilitem a realiza• ‹ o do direito acidades sustent‡ veis, com provis‹ o de servi• os b‡ sicos e ambientais, consoanteaspira• ‹ o social positivada na Constitui• ‹ o Federal e no estatuto da Cidade.Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006 329


a INCoNstItuCIoNaLIDaDe Da reDu‚ Ì o De terrasINDêGeNas No proCesso DemarCatî rIo porCaraCterIZar remo‚ Ì oMestrando:edilton Borges CarneiroBanca Examinadora: prof. Dr. Fernando antonio de Carvalho Dantas (orientador)prof. Dr. Joaquim shiraishi Neto (<strong>uea</strong>)prof. Dr. alfredo Wagner (uFam)Resumo: esta disserta• ‹ o de mestrado est‡ centrada na an‡ lise do tematerras ind’ genas, buscando entender o papel da propriedade ou apropria• ‹ oda terra ind’ gena no direito civil e constitucional brasileiro a partir dapromulga• ‹ o e entrada em vigor da Constitui• ‹ o da repœbl ica Federativado Brasil de 1988. o trabalho, partindo de um breve hist—r ico, procuracompreender o tratamento dado pelas legisla• ›e s portuguesa e brasileira ˆ sterras ind’ genas, discutindo o conceito de propriedade na cultura ocidentalcolonizadora e na cultura ind’ gena para mostrar a profunda diferen• a de comoesses conceitos s‹ o trabalhados por estas culturas distintas. Discute ainda oreconhecimento constitucional do direito origin‡ rio dos povos ind’ genas ˆ sterras que tradicionalmente ocupam, e a interpreta• ‹ o dada pela hermen• uticajur’ dica ao dispositivo constitucional constante do artigo 231, ¤ 1¼ , de comose caracteriza a tradicionalidade da ocupa• ‹ o para, a partir deste arcabou• o,juntamente com a an‡ lise e interpreta• ‹ o do contido no artigo 231, ¤ 5¼ daCarta magna brasileira, demonstrar a inconstitucionalidade da redu• ‹ o deterras ind’ genas no processo administrativo de demarca• ‹ o, pois essa redu• ‹ ocaracteriza remo• ‹ o dos povos ind’ genas de suas terras, e n‹ o se encontradentro das situa• ›e s especificamente determinadas em numerus clausus,permissivas do ato de remo• ‹ o.330Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006


o DIreIto ao DeseNVoLVImeNto susteNtç VeL:os ROYALTIES De petrî Leo De CoarI-amaZoNasMestranda:rejane da silva VianaBanca Examinadora: prof. Dr. sandro Nahmias melo (orientador)prof. Dr. ç lvaro a. s‡ nchez Bravo (universidad de sevillaandaluc’a)prof. Dr. serguei aily Franco de Camargo (<strong>uea</strong>)Resumo: o presente trabalho pretendeu demonstrar que, diantedo extraordin‡ rio crescimento nas receitas de royalties ou compensa• ›e sfinanceiras resultantes da explora• ‹ o e produ• ‹ o de petr—l eo e g‡ s natural,abre-se um novo cen‡ rio no munic’ pio de Coari, no estado do amazonas,pela import‰ ncia desses recursos em sua receita. o trabalho partiu do DireitoConstitucional ao desenvolvimento e das perspectivas para a amazni a coma prospec• ‹ o de petr—l eo na Bacia do solim›e s. o ponto principal de an‡ lisefoi verificar de que maneira esses benef’ cios est‹ o sendo utilizados pelasadministra• ›e s municipais, quais s‹ o os resultados dos investimentos que j‡podem ser percebidos. a metodologia adotada foi a consulta bibliogr‡ ficacom levantamento dos ’ ndices de desenvolvimento socioecon mico domunic’ pio de Coari, alŽ m de informa• ›e s dos munic’ pios de seu entorno,utilizando os indicadores de desenvolvimento humano e de qualidade de vida.entre os principais resultados, obteve-se a confirma• ‹ o de que os royalties eparticipa• ›e s especiais s‹ o importantes na composi• ‹ o da receita municipaloferecendo o recurso necess‡ rio para os investimentos locais, n‹ o sendoposs’ vel determinar a sua exata utiliza• ‹ o. Nem se verificaram a• ›e s concretaspara a promo• ‹ o de um projeto de sustentabilidade e de diversifica• ‹ o dabase produtiva local. a utiliza• ‹ o dos royalties, de forma direcionada paraa melhoria da qualidade de vida de seus habitantes, justifica-se pelo riscopotencial de danos ambientais inerente ˆ atividade de produ• ‹ o de petr—l eo ecomo forma de indeniza• ‹ o pela explora• ‹ o de um recurso n‹ o-renov‡ vel, demodo a prevenir o decl’ nio econm ico, sendo leg’ timo que tais recursos sejamutilizados para viabilizar as potencialidades da regi‹ o.Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006 331


eXIGIBILIDaDe e poLêtICas pò BLICas Na ç reaamBIeNtaL No estaDo Do amaZoNasMestrando:sebasti‹ o ricardo Braga BrazBanca Examinadora: prof» . Dr» . Clarice seixas Duarte (orientadora)prof. Dr. Fernando mussa abujamra aith (FGV/sp)prof. Dr. Fernando antonio de Carvalho Dantas (<strong>uea</strong>)Resumo: a presente disserta• ‹ o tem por tem‡ tica a exigibilidade depol’ ticas pœbl icas no estado do amazonas, objetivando reunir, analisar esistematizar o conhecimento existente sobre a judicializa• ‹ o de pol’ ticaspœbl icas ambientais, apresentando exemplos, especialmente no ‰ mbitodo estado do amazonas. Como procedimento metodol—gi co, dividiuseo trabalho em quatro cap’ tulos. No primeiro, consta a reflex‹ odo meio ambiente como, ao mesmo tempo, um direito e um deverfundamental, no contexto de um estado social, cujo objetivo principalŽ implementar pol’ ticas pœ blicas voltadas ˆ concretiza• ‹ o do meioambiente ecologicamente equilibrado, essencial para a sadia qualidadede vida. essas pol’ ticas pœbl icas protetivas do meio ambiente devem serviabilizadas atravŽ s da constru• ‹ o de um espa• o de participa• ‹ o de todosos atores sociais envolvidos com a tem‡ tica ambiental, atores esses poderespœbl icos e sociedade em geral que se encontram vinculados ao dever depreservar o meio ambiente para as presentes e futuras gera• ›e s, na formado caput art. 225 da Constitui• ‹ o Federal de 1988. o cap’ tulo seguinteanalisa o conceito de pol’ ticas pœbl icas, bem como o seu procedimento decria• ‹ o, a partir da formula• ‹ o, passando pela implementa• ‹ o e execu• ‹ o,finalizando com a avalia• ‹ o e fiscaliza• ‹ o, bem como a possibilidade de,no decorrer das citadas fases, invocar-se o poder Judici‡ rio para eventualcorre• ‹ o da pol’ tica pœbl ica, em caso de desvios ou omiss›e s. o terceirocap’ tulo, nœc leo da presente disserta• ‹ o, versa sobre a exigibilidade depol’ ticas pœbl icas destinadas ao meio ambiente e seu controle jurisdicional,partindo da an‡ lise dos argumentos contr‡ rios ˆ interven• ‹ o do poderJudici‡ rio na seara de pol’ ticas pœbl icas. os argumentos invocados foramo da ofensa ao princ’ pio da separa• ‹ o dos poderes, da ilegitimidade doJudici‡ rio para exercer tal controle, da discricionariedade administrativa332Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006


na implementa• ‹ o de pol’ ticas pœbl icas, do limite f‡ tico da reserva doposs’ vel, dos aparentes defeitos normativos nas disposi• ›e s consagradorasdo direito fundamental ao meio ambiente e, por fim, a alegada inexist• nciade um direito pœbl ico subjetivo a pol’ ticas ambientais. tais obst‡ culosforam, um a um, contrapostos com argumentos de ’ ndole constitucional ecom base nos instrumentos internacionais relativos ˆ matŽ ria, buscandosea m‡ xima efetividade do direito ao meio ambiente ecologicamenteequilibrado, no contexto de um estado social. o cap’ tulo Ž encerrado coma an‡ lise da atua• ‹ o do ministŽ rio pœbl ico na potencializa• ‹ o de pol’ ticaspœbl icas, utilizando o instrumento da a• ‹ o civil pœbl ica para questionar aaus• ncia e/ou insufici• ncia de pol’ ticas pœbl icas ambientais, bem como suacorre• ‹ o, apresentando exemplos, especialmente no ‰ mbito do estado doamazonas. o cap’ tulo final apresenta a responsabilidade do administradorpœbl ico na ado• ‹ o de pol’ ticas pœbl icas ambientais, em decorr• ncia dasua omiss‹ o ou de eventual desvio de conduta na consecu• ‹ o de pol’ ticaspœbl icas ambientais, tendo em conta que o agir administrativo, no presentecaso, Ž orientado pelos princ’ pios constitucionais gerais e ambientais. umavez havendo o distanciamento ou desvio de conduta, tem-se como cab’ velo ajuizamento de a• ‹ o de improbidade administrativa ambiental para aresponsabilidade do agente pœbl ico que deu causa a omiss‹ o e/ou desvio dafinalidade em sede de pol’ ticas pœbl icas ambientais.Hiléia – Revista de Direito Ambietal da Amazônia, n. o 7 | jul-dez | 2006 333


NORMAS EDITORIAISAs normas editoriais da Hiléia - Revista de Direito Ambiental da Amazônia são as seguintes:1) A revista é de periodicidade semestral, observandoseo caráter de interdisciplinaridade no que tangeao papel crítico do periódico e constitui-se emum veículo para publicação de artigos, ensaios eresenhas críticas, bem como à livre circulação deidéias e opiniões sobre temas relacionados ao Direitoe, especialmente, ao Direito Ambiental, sendo deinteira responsabilidade de seus autores as opiniõesexpressas nos artigos publicados.2) Os artigos serão submetidos à aprovação do ConselhoEditorial.3) O recebimento do artigo, ensaio ou resenha nãoimplica a obrigatoriedade de sua publicação.4) Não será efetuado qualquer pagamento oucontraprestação pela publicação dos artigosselecionados. Serão enviados 5 (cinco) exemplaresdo número correspondente para cada autor de artigo,ensaio ou resenha publicado.5) Os trabalhos deverão ser inéditos e conter os dadosde identificação (título, nome do autor, vinculaçãoinstitucional) e, obrigatoriamente conter sumário,resumo em português e em inglês, devendo seracompanhados de currículo resumido do autor.6) Além dos trabalhos que integrarão as sessões, arevista terá um espaço reservado para publicação dasatividades desenvolvidas pelos Núcleos e Projetosde Pesquisa e pelo Programa de Pós-<strong>graduação</strong> emDireito Ambiental.7) A formatação, citações e referências deverão obedeceràs normas da ABNT e, no que couber, as NormasTécnicas internas do Programa.8) Os trabalhos deverão ser entregues em disquete oucomo anexo de e-mail, digitados com fonte TimesNew Roman, tamanho 12, com espaçamento entrelinhas de 1,5, margens superior e esquerda de 3cm e margens inferior e direita de 2 cm, em editorcompatível com o Word, comportando entre 15 a 20laudas para artigos e ensaios e entre 5 a 10 laudaspara resenha, incluídas as referências.9) Para deliberação quanto à aprovação dos artigoscom indicação para publicação, o Conselho Editorialadotará os seguintes critérios:• Interesse acadêmico – serão priorizados os trabalhoscuja reflexão mantenham pertinência com as linhas depesquisa do Programa, quais sejam: Conservação dosrecursos naturais e desenvolvimento sustentável, queengloba: tutela jurídica do meio ambiente; unidadesde Conservação; Ecoturismo; educação ambiental;espaço urbano; recursos naturais; mecanismos deresolução de conflitos; desenvolvimento sustentável;direito ao desenvol vimento; políticas públicas eDireitos da sócio e biodiversidade, que engloba:biodiver sidade; biossegurança; bioética; direito dospovos, povos indígenas e populações tradicionais;agricultura sustentável; direito ambiental econômicoe empresarial; meio ambiente do trabalho.• Relevância e atualidade jurídica – os textos deverãotrazer para o debate questões cuja abordagemjurídica ensejem o diálogo interdisciplinar entre odireito, o direito ambiental e as demais áreas doconhecimento.• Rigor acadêmico – os textos deverão seguir,rigorosamente, a metodologia científica, oportunizandoo debate acerca do conhecimento jurídico.10) Artigos, ensaios ou resenhas recebidos e nãopublicados no número correspondente à chamadaeditalícia do envio, integrarão banco de trabalhos epoderão ser publicados posteriormente, em númerosubseqüente, mediante comunicação e consentimentoprévio do autor.


Esta obra foi composta em Manaus pelaKintaw Design, em Times 11/14.


AHiléia – Revista de Direito Ambiental da Amazônia, se constitui em espaço destinado à apresentação e divulgaçãodas reflexões produzidas no processo de construção do conhecimento humano, jurídico e humanístico-jurídicoambiental,desenvolvido no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Direito Ambiental da Universidade do Estadodo Amazonas.Os contextos diversos e complexos do mundo contemporâneo, em relação constante e paradoxal, com o acirradoprocesso de globalização econômica e cultural, implicam em transformações sociais, jurídicas, econômicas e políticas,gerando novos problemas e conflitos, especialmente no que concerne ao direito e ao seu estudo. A verticalidade dodiscurso global que busca legitimar os processos de universalização da cultura do mercado quer seja na vertenteúnica da produção e do consumo capitalistas, transformando tudo em mercadoria, ou, na imposição de modelos denormatividade supostamente eficazes para proporcionar o desenvolvimento, provocam uma certa idéia de que não existesolução fora desses parâmetros, favorecendo um renovado processo econômico neocolonial.Nesse sentido, refletir desde os contextos da existência, significa proporcionar e criar os espaços de lutas. Lutas peloconhecimento, pelo direito, pela vida e dignidade humana. Assim, este periódico científico que se consolida comoespaço para divulgação e reflexão do direito ambiental, tem no contexto amazônico e brasileiro e, em sentido maisampliado, em trocas geopolíticas e cognoscitivas mais iguais na correlação sul-norte /norte-sul, espiralando a searada complexidade do mundo sóciobiodiverso. Almeja-se, portanto, constituir-se, pelo diálogo, em âmbito plural eheterogêneo para convergências de conhecimentos e alternativas, com perspectivas transdisciplinares nas abordagense conteúdos, assim como interinstitucional e translocal nos sujeitos.9 7 7 1 6 7 9 9 3 2 0 0 80 0 0 0 7

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