9 Poemetos I É quando a vida vase É quando como quase. Ou não ...
9 Poemetos I É quando a vida vase É quando como quase. Ou não ...
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9 <strong>Poemetos</strong><br />
I<br />
<strong>É</strong> <strong>quando</strong> a <strong>vida</strong> <strong>vase</strong><br />
<strong>É</strong> <strong>quando</strong> <strong>como</strong> <strong>quase</strong>.<br />
<strong>Ou</strong> <strong>não</strong>, quem sabe.<br />
II<br />
Vim pelo caminho difícil,<br />
a linha que nunca termina,<br />
a linha bate na pedra,<br />
a palavra quebra uma esquina,<br />
mínima linha vazia,<br />
a linha, uma <strong>vida</strong> inteira,<br />
palavra, palavra minha.<br />
III<br />
O paulo leminski<br />
é um cachorro louco<br />
que deve ser morto<br />
a pau a pedra<br />
a fogo a pique<br />
se<strong>não</strong> é bem capaz<br />
o filhadaputa<br />
de fazer chover<br />
em nosso piquenique<br />
IV<br />
Manchete<br />
Chutes de poeta<br />
Não levam perigo à meta<br />
V<br />
apagar-me<br />
diluir-me<br />
desmanchar-me<br />
até que depois<br />
de mim<br />
de nós<br />
de tudo<br />
<strong>não</strong> reste mais<br />
que o charme<br />
a chuva vem de cima<br />
correm<br />
<strong>como</strong> se viesse atrás
A estrela cadente<br />
me caiu<br />
ainda quente<br />
na palma da mão<br />
A Lua no cinema<br />
A lua foi ao cinema,<br />
passava um filme muito engraçado,<br />
a história de uma estrela<br />
que <strong>não</strong> tinha namorado.<br />
Não tinha porque era apenas<br />
uma estrela bem pequena,<br />
dessas que, <strong>quando</strong> apagam,<br />
ninguém vai dizer, que pena!<br />
Era uma estrela sozinha,<br />
ninguém olhava pra ela,<br />
e toda a luz que ela tinha<br />
cabia numa janela.<br />
A lua ficou tão triste<br />
com aquela história de amor,<br />
que até hoje a lua insiste:<br />
– Amanheça, por favor!<br />
a noite - enorme<br />
tudo dorme<br />
menos teu nome<br />
a palmeira estremece<br />
palmas pra ela<br />
que ela merece<br />
a <strong>vida</strong> varia<br />
o que valia menos<br />
passa a valer mais<br />
<strong>quando</strong> desvaria<br />
brindo um antigo caderno<br />
foi que eu descobri<br />
antigamente eu era eterno
acabou a farra<br />
formigas mascam<br />
restos da cigarra<br />
acordei bemol<br />
tudo estava sustenido<br />
sol fazia<br />
só <strong>não</strong> fazia sentido<br />
Ai daqueles<br />
Que se amaram sem nenhuma briga<br />
Aqueles que deixaram<br />
Que a mágoa nova<br />
Virasse a chaga antiga<br />
Ai daqueles que se amaram<br />
Sem saber que amar é pão feito em casa<br />
E que a pedra só <strong>não</strong> voa<br />
Porque <strong>não</strong> quer<br />
Não porque <strong>não</strong> tem asa.<br />
Ali<br />
ali<br />
só<br />
ali<br />
se<br />
se alice<br />
ali se visse<br />
quanto alice viu<br />
e <strong>não</strong> disse<br />
se ali<br />
ali se dissesse<br />
quanta palavra<br />
veio e <strong>não</strong> desce<br />
ali<br />
bem ali<br />
dentro da alice<br />
só alice<br />
com alice<br />
ali se parece
amei em cheio<br />
meio amei-o<br />
meio <strong>não</strong> amei-o<br />
Amor bastante<br />
<strong>quando</strong> eu vi você<br />
tive uma idéia brilhante<br />
foi <strong>como</strong> se eu olhasse<br />
de dentro de um diamante<br />
e meu olho ganhasse<br />
mil faces num só instante<br />
basta um instante<br />
e você tem amor bastante<br />
ano novo<br />
anos buscando<br />
um ânimo novo<br />
apagar-me<br />
diluir-me<br />
desmanchar-me<br />
até que depois<br />
de mim<br />
de nós<br />
de tudo<br />
<strong>não</strong> reste mais<br />
que o charme<br />
"arte que te..."<br />
arte que te abriga arte que te habita<br />
arte que te falta arte que te imita<br />
arte que te modela arte que te medita<br />
arte que te mora arte que te mura<br />
arte que te todo arte que te parte<br />
arte que te torto<br />
Arte eu te tura<br />
as flores<br />
são mesmo<br />
ingratas<br />
a gente colhe<br />
depois elas morrem
sem mais nem menos<br />
<strong>como</strong> se entre nós<br />
nunca tivesse<br />
havido vênus<br />
as folhas tantas<br />
o outono<br />
nem sabe a quantas<br />
Asas e azares<br />
Voar com a asa ferida?<br />
Abram alas <strong>quando</strong> eu falo.<br />
Que mais foi que fiz na <strong>vida</strong>?<br />
Fiz, pequeno, <strong>quando</strong> o tempo<br />
estava todo ao meu lado<br />
e o que se chama passado,<br />
passatempo, pesadelo,<br />
só me existia nos livros.<br />
Fiz, depois, dono de mim,<br />
<strong>quando</strong> tive que escolher<br />
entre um abismo, o começo,<br />
e essa história sem fim.<br />
Asa ferida, asa ferida,<br />
meu espaço, meu herói.<br />
A asa arde. Voar, isso <strong>não</strong> dói.<br />
aves<br />
de ramo<br />
em ramo<br />
meu pensamento<br />
de rima<br />
em rima<br />
erra<br />
até uma<br />
que diz<br />
te amo<br />
bateu na patente<br />
batata<br />
tem gente<br />
Bem no fundo
No fundo, no fundo,<br />
bem lá no fundo,<br />
a gente gostaria<br />
de ver nossos problemas<br />
resolvidos por decreto<br />
a partir desta data,<br />
aquela mágoa sem remédio<br />
é considerada nula<br />
e sobre ela - silêncio perpétuo<br />
extinto por lei todo o remorso,<br />
maldito seja que olhas pra trás,<br />
lá pra trás <strong>não</strong> há nada,<br />
e nada mais<br />
mas problemas <strong>não</strong> se resolvem,<br />
problemas têm família grande,<br />
e aos domingos saem todos a passear<br />
o problema, sua senhora<br />
e outros pequenos probleminhas.<br />
cabelos que me caem<br />
em cada um<br />
mil anos de haikai<br />
Carta pluma<br />
a uma carta pluma<br />
só se responde<br />
com alguma resposta nenhuma<br />
algo assim <strong>como</strong> se a onda<br />
<strong>não</strong> acabasse em espuma<br />
assim algo <strong>como</strong> se amar<br />
fosse mais do que a bruma<br />
uma coisa assim complexa<br />
<strong>como</strong> se um dia de chuva<br />
fosse uma sombrinha aberta<br />
<strong>como</strong> se, ai, <strong>como</strong> se,<br />
de quantos se<br />
se faz essa história<br />
que se chama eu e você<br />
casa com cachorro brabo<br />
meu anjo da guarda<br />
abana o rabo
cinco bares, dez conhaques<br />
atravesso são paulo<br />
dormindo dentro<br />
de um taxi<br />
Confira<br />
tudo que respira<br />
conspira<br />
cortinas de seda<br />
o vento entra<br />
sem pedir licença<br />
das coisas<br />
que eu fiz a metro<br />
todos saberão<br />
quantos quilômetros<br />
são<br />
aquelas<br />
em centímetros<br />
sentimentos mínimos<br />
ímpetos infinitos<br />
<strong>não</strong>?<br />
Datilografando este texto<br />
ler se lê nos dedos<br />
<strong>não</strong> nos olhos<br />
que os olhos são mais dados<br />
a segredos<br />
de tudo<br />
um pouco fica<br />
um pouco vai<br />
quem me dera<br />
ter tua pica<br />
meu pai<br />
deus<br />
algum<br />
indu<br />
ogum<br />
vishnu<br />
precisa<br />
da tua prece
tua pressa<br />
pessoa<br />
só teu pulso<br />
acelera<br />
você padece<br />
padecer<br />
te resta<br />
tudo<br />
um belo dia<br />
desaparece<br />
Doce de porra<br />
Doce doce de iguaria rara<br />
Chute no saco soco na boca<br />
Jato de porra na cara<br />
Crime de merda, pudim de pus e suor<br />
Gole de sangue doce no início amargo no fim<br />
Todas as dores claras<br />
Dois loucos no bairro<br />
dois loucos no bairro<br />
um passa os dias<br />
chutando postes para ver se acendem<br />
o outro as noites<br />
apagando palavras<br />
contra um papel branco<br />
todo bairro tem um louco<br />
que o bairro trata bem<br />
só falta mais um pouco<br />
pra eu ser tratado também<br />
Donna mi priegas<br />
se amor é troca<br />
ou entrega louca<br />
discutem os sábios<br />
entre os pequenos<br />
e os grandes lábios
no primeiro caso<br />
onde começa o acaso<br />
e onde acaba o propósito<br />
se tudo o que fazemos<br />
é menos que amor<br />
mas ainda <strong>não</strong> é ódio?<br />
a tese segunda<br />
evapora em pergunta<br />
que entrega é tão louca<br />
que toda espera é pouca?<br />
qual dos cinco mil sentidos<br />
está livre de mal-entendidos?<br />
El dia en que me quieras<br />
Entre os Krause e os Gouveia, as diferenças começaram <strong>quando</strong> o mais jovem<br />
dos Krause (ou foi dos Gouveia?) comprou um aparelho de som.<br />
Desse dia em diante, os Gouveia (ou eram os Krause?) <strong>não</strong> souberam mais o que<br />
era sossego.<br />
Nessa época, minha avó contava, Curitiba, já famosa pela escuridão das suas<br />
noites, produzia o melhor silêncio do Brasil. Um pai de família passava anos sem dizer<br />
coisa alguma, e ninguém estranhava. Havia professores, muitos deles célebres, que<br />
davam, em silêncio, aulas de francês, de latim, de alemão, de polonês, de italiano, de<br />
hebraico, de árabe. E, em silêncio, educaram gerações.<br />
Não era de admirar que o aparelho de som comprado pelo jovem Gouveia (ou era<br />
Krause?) fosse execrado <strong>como</strong> uma praga que se abatia sobre aquela rua Duque de<br />
Caxias, até então tranqüila <strong>como</strong> um assobio de passarinho distraído.<br />
- Quando a cidade era mais calma.<br />
- O bairro <strong>não</strong> é mais de respeito.<br />
- Caso de policia.<br />
Por cima da cerca, fazendo sabão de potassa, Krauses, Gouveias e vizinhas.<br />
Quando o luxuriante chuchuzeiro dos Krause (ou era o dos Gouveia?) começou a<br />
secar, alguém, por acaso, associou o evento com as valsas e tangos que explodiram<br />
na casa vizinha?<br />
Um mês depois de muito som, o chuchuzeiro estava completamente seco.<br />
Uma semana depois, morria a bisavó dos Gouveia (ou <strong>não</strong>?), uma senhora <strong>quase</strong><br />
centenária, dura <strong>como</strong> couro e surda <strong>como</strong> uma porta.<br />
Seria um absurdo imaginar que a velha tinha morrido por causa do som. E foi o<br />
que eles fizeram.<br />
A gra<strong>vida</strong>de da situação exigia uma medida enérgica.<br />
Os Krause (ou os Gouveia?) se reuniram em assembléia familiar, só os machos de<br />
mais de quinze anos.<br />
- Isto <strong>não</strong> pode continuar.<br />
A mais velha voz ressoou no salão, ecoando entre circunspectos pais de família e<br />
adolescentes que pareciam estar com bicho-carpinteiro.<br />
- Procurar as autoridades.<br />
- Invadir e quebrar tudo.<br />
- Poupar as mulheres e crianças.<br />
- Incendiar o casarão.<br />
A mais velha voz:<br />
- Nossa família passou despercebida da penúria para a abundância e agora vocês<br />
querem estragar tudo com um escândalo que vai se ouvir léguas daqui, e vai durar mil
anos?<br />
Olhou a descendência, e sentenciou:<br />
- Vamos combater com as mesmas armas.<br />
Foi assim que o jovem Krause (quem sabe Gouveia) pegou o trem e desceu a<br />
serra em direção a Paranaguá para comprar um aparelho de som.<br />
2<br />
Mas nem todos os Gouveia (ou eram os Krause?) detestavam o som do vizinho<br />
com ódio tão implacável.<br />
A filha mais velha dos Krause, por exemplo, costumava ficar olhando a lua,<br />
<strong>quando</strong> o som começava. Mesmo que <strong>não</strong> tivesse lua.<br />
A mãe percebeu logo.<br />
- Nem pensar.<br />
Mas ela pensava. Como é que seria uma pessoa que ouvia aquelas coisas,<br />
àquelas horas, naquela altura? Como é que ele seria?<br />
- Bem que a avó avisou. A gente <strong>não</strong> devia ter vindo.<br />
Talvez fosse baixinho, e por isso ouvia o som tão alto, um baixinho bonitinho,<br />
<strong>como</strong> um filho querido. Quem sabe fosse alto, por isso deixava o som naquela altura.<br />
Só sei que <strong>não</strong> podia ser uma pessoa comum aquele que ouvia<br />
el dia en que me quieras<br />
<strong>como</strong> se fosse o dono da rua, o rei da <strong>vida</strong> e senhor do mundo.<br />
- Essa gente <strong>não</strong> tem educação.<br />
Como seria? Louro, alto, baixo, moreno, esbelto, gordinho, forte, frágil?<br />
- Espere só o seu irmão voltar.<br />
3<br />
Em Paranaguá, o irmão mais velho ia na importadora, comprava a máquina e<br />
embarcava serra acima, de volta para Curitiba.<br />
- Eles estão com os dias contados.<br />
- Dizem que é agulha inglesa, o som cobre uma quadra.<br />
- Isso <strong>não</strong> pode continuar<br />
- Como é que ele será?<br />
- Isso <strong>não</strong> pode continuar.<br />
- El dia en que me quieras.<br />
- A gente <strong>não</strong> devia ter vindo.<br />
- Bem que a avó avisou.<br />
- Combater com as mesmas armas.<br />
- Uma loucura a gente se encontrar assim.<br />
- No trem das sete.<br />
- Alguém pode ver a gente.<br />
In “Gozo fabuloso”<br />
en la lucha de clases<br />
todas las armas son buenas<br />
piedras<br />
noches<br />
poemas
enchantagem<br />
de tanto <strong>não</strong> fazer nada<br />
acabo de ser culpado de tudo<br />
esperanças, cheguei<br />
tarde demais <strong>como</strong> uma lágrima<br />
de tanto fazer tudo<br />
parecer perfeito<br />
você pode ficar louco<br />
ou para todos os efeitos<br />
suspeito<br />
de ser verbo sem sujeito<br />
pense um pouco<br />
beba bastante<br />
depois me conte direito<br />
que aconteça o contrário<br />
custe o que custar<br />
deseja<br />
quem quer que seja<br />
tem calendário de tristezas<br />
celebrar<br />
tanto evitar o inevitável<br />
in vino veritas<br />
me parece<br />
verdade<br />
o pau na <strong>vida</strong><br />
o vinagre<br />
vinho suave<br />
pense e te pareça<br />
se<strong>não</strong> eu te invento por toda a eternidade<br />
Erra uma vez<br />
nunca cometo o mesmo erro<br />
duas vezes<br />
já cometo duas três<br />
quatro cinco seis<br />
até esse erro aprender<br />
que só o erro tem vez<br />
Escrevo. E pronto
Escrevo. E pronto<br />
Escrevo porque preciso,<br />
preciso porque estou tonto.<br />
Ninguém tem nada com isso.<br />
Escrevo porque amanhece,<br />
e as estrelas lá no céu,<br />
lembram letras no papel,<br />
<strong>quando</strong> o poema me anoitece.<br />
A aranha tece teias.<br />
O peixe beija e morde o que vê.<br />
Eu escrevo apenas<br />
guerra sou eu<br />
guerra é você<br />
guerra é de quem<br />
de guerra for capaz<br />
guerra é assunto<br />
importante demais<br />
para ser deixado<br />
na mão dos generais<br />
Hai<br />
Eis que nasce completo<br />
e, ao morrer, morre germe,<br />
o desejo, analfabeto,<br />
de saber <strong>como</strong> reger-me<br />
ah, saber <strong>como</strong> me ajeito<br />
para que eu seja quem fui,<br />
eis o que nasce perfeito<br />
e, ao crescer, diminui.<br />
Iceberg<br />
Uma poesia ártica,<br />
claro, é isso que eu desejo.<br />
Uma prática pálida,<br />
três versos de gelo.<br />
Uma frase-superfície<br />
onde <strong>vida</strong>-frase alguma<br />
<strong>não</strong> seja mais possível.<br />
Frase, <strong>não</strong>, Nenhuma.<br />
Uma lira nula,<br />
reduzida ao puro mínimo,<br />
um piscar do espírito,<br />
a única coisa única.<br />
Mas falo. E, ao falar, provoco
nuvens de equívocos<br />
(ou enxame de monólogos?)<br />
Sim, inverno, estamos vivos.<br />
inverno na marra<br />
inferno<br />
<strong>não</strong> escutar a cigarra<br />
isso sim<br />
de mim se depender<br />
você <strong>não</strong> vai esquecer<br />
o esfriar e o aquecer<br />
todo o talvez<br />
algum aquele tem que ser<br />
que acontece<br />
entre quem se veste e quem tece<br />
<strong>quando</strong> anoitecer<br />
você <strong>não</strong> vai esquecer<br />
ah <strong>não</strong> nunca nem<br />
o que vai a que vem<br />
este meu... bem...<br />
este nosso tão prazer<br />
nenhuma nota deste amanhecer<br />
você <strong>não</strong> vai esquecer<br />
se eu <strong>não</strong> tivesse pavor<br />
de mais dizer o que nem dá<br />
ia dizer tá<br />
teu esquecedor<br />
você <strong>não</strong> esquecerá<br />
o que quer que havido<br />
haja ou for<br />
jardim da minha amiga<br />
todo mundo feliz<br />
até a formiga<br />
Kai<br />
Mínimo templo<br />
para um deus pequeno,<br />
aqui vos guarda,<br />
em vez da dor que peno,<br />
meu extremo anjo de<br />
vanguarda.
De que máscara<br />
se gaba sua lástima,<br />
de que vaga<br />
se vangloria sua história,<br />
saiba quem saiba.<br />
A mim me basta<br />
a sombra que se deixa,<br />
o corpo que se afasta.<br />
lembrem de mim<br />
<strong>como</strong> de um<br />
que ouvia a chuva<br />
<strong>como</strong> quem assiste missa<br />
<strong>como</strong> quem hesita, mestiça,<br />
entre a pressa e a preguiça<br />
Ler um poema<br />
dá sorte<br />
principalmente<br />
se for<br />
algum<br />
que<br />
fale da morte<br />
<strong>como</strong><br />
quem<br />
fale<br />
de<br />
amor<br />
longo o caminho<br />
até uma flor<br />
só de espinho<br />
Manchete<br />
Chutes de poeta<br />
Não levam perigo à meta<br />
meiodia três cores<br />
eu disse vento<br />
e caíram todas as flores
Merda e ouro<br />
Merda é veneno.<br />
No entanto, <strong>não</strong> há nada<br />
que seja mais bonito<br />
que uma bela cagada.<br />
Cagam ricos, cagam pobres,<br />
cagam reis e cagam fadas.<br />
Não há merda que se compare<br />
à bosta da pessoa amada.<br />
minha alma breve breve<br />
o elemento mais leve<br />
da tabela de mendeleiev<br />
moinho de versos<br />
movido a vento<br />
em noites de boêmia<br />
vai vir o dia<br />
<strong>quando</strong> tudo que eu diga<br />
seja poesia<br />
motim de mim<br />
XX anos de xis,<br />
XX anos de xerox,<br />
XX anos de xadrez,<br />
<strong>não</strong> busquei o sucesso,<br />
<strong>não</strong> busquei o fracasso,<br />
busquei o acaso,<br />
esse deus que eu desfaço<br />
na rua<br />
sem resistir<br />
me chamam<br />
torno a existir<br />
nada me demove<br />
ainda vou ser o pai<br />
dos irmãos karamazov
nadando num mar de gente<br />
deixei lá atrás<br />
meu passo à frente<br />
nem toda hora<br />
é obra<br />
nem toda obra<br />
é prima<br />
algumas são mães<br />
outras irmãs<br />
algumas<br />
clima<br />
noite alta lua baixa<br />
pergunte ao sapo<br />
o que ele coaxa<br />
nu <strong>como</strong> um grego<br />
ouço um músico negro<br />
e me desagrego<br />
nuvens brancas<br />
passam<br />
em brancas nuvens<br />
(Curitiba, PR, 1944 - 1989)<br />
(Transcrito de Caprichos e há relaxos, p. 86)<br />
o bicho alfabeto<br />
tem vinte e três patas<br />
ou <strong>quase</strong><br />
por onde ele passa<br />
nascem palavras<br />
e frases<br />
com frases<br />
se fazem asas<br />
palavras<br />
o vento leve<br />
o bicho alfabeto<br />
passa<br />
fica o que <strong>não</strong> se escreve
O grito do gato preto<br />
edgar poe<br />
"the black cat"<br />
trad: p leminski<br />
1978<br />
mal o revérbero de meus golpes<br />
afunda no silêncio,<br />
<strong>quando</strong> me responde<br />
voz vinda de dentro da tumba! -<br />
grito, a princípio,<br />
curto e entrecortado,<br />
soluço de criança,<br />
e, então, crescendo, depressa,<br />
em longo, alto e sempre berro,<br />
anômalo, inumano,<br />
dos pés à cabeça - um uivo,<br />
um guincho de lamento,<br />
meio de horror, meio de triunfo,<br />
tal <strong>como</strong> só do inferno,<br />
uníssono das gargantas dos danados em agonia<br />
e dos demônios exultando na danação!<br />
(in revista Código nº 4, Brasil, 1980)<br />
O inseto no papel insiste<br />
Traço um círculo em volta<br />
Só o círculo existe<br />
O paulo leminski<br />
é um cachorro louco<br />
que deve ser morto<br />
a pau a pedra<br />
a fogo a pique<br />
se<strong>não</strong> é bem capaz<br />
o filho d puta<br />
de fazer chover<br />
em nosso piquenique<br />
O que passou, passou<br />
Antigamente, se morria<br />
1907, digamos, aquilo sim<br />
é que era morrer.
Morria gente todo dia,<br />
e morria com muito prazer,<br />
já que todo mundo sabia<br />
que o Juízo, afinal, viria,<br />
e todo mundo ia renascer.<br />
Morria-se praticamente de tudo.<br />
De doença, de parto, de tosse.<br />
E ainda se morria de amor,<br />
<strong>como</strong> se amar morte fosse.<br />
Pra morrer, bastava um susto,<br />
um lenço no vento, um suspiro e pronto,<br />
lá se ia nosso defunto<br />
para a terra dos pés juntos.<br />
Dia de anos, casamento, batizado,<br />
morrer era um tipo de festa,<br />
uma das coisas da <strong>vida</strong>,<br />
<strong>como</strong> ser ou <strong>não</strong> ser con<strong>vida</strong>do.<br />
O escândalo era de praxe.<br />
Mas os danos eram pequenos.<br />
Descansou. Partiu. Deus o tenha.<br />
Sempre alguém tinha uma frase<br />
que deixava aquilo mais ou menos.<br />
Tinha coisas que matavam na certa.<br />
Pepino com leite, vento encanado,<br />
praga de velha e amor mal curado.<br />
Tinha coisas que têm que morrer,<br />
tinha coisas que têm que matar.<br />
A honra, a terra e o sangue<br />
mandou muita gente praquele lugar.<br />
Que mais podia um velho fazer,<br />
nos idos de 1916,<br />
a <strong>não</strong> ser pegar pneumonia,<br />
e virar fotografia?<br />
Ninguém vivia pra sempre.<br />
Afinal, a <strong>vida</strong> é um upa.<br />
Não deu pra ir mais além.<br />
Quem mandou <strong>não</strong> ser devoto<br />
de Santo Inácio de Acapulco,<br />
Menino Jesus de Praga?<br />
O diabo anda solto.<br />
Aqui se faz, aqui se paga.<br />
Almoçou e fez a barba,<br />
tomou banho e foi no vento.<br />
Agora, vamos ao testamento.<br />
Hoje, a morte está difícil.<br />
Tem recursos, tem asilos, tem remédios.<br />
Agora, a morte tem limites.<br />
E, em caso de necessidade,<br />
a ciência da eternidade<br />
inventou a criônica.<br />
Hoje, sim, pessoal, a <strong>vida</strong> é crônica.
objeto<br />
do meu mais desesperado desejo<br />
<strong>não</strong> seja aquilo<br />
por quem ardo e <strong>não</strong> vejo<br />
seja a estrela que me beija<br />
oriente que me reja<br />
azul amor beleza<br />
faça qualquer coisa<br />
mas pelo amor de deus<br />
ou de nós dois<br />
seja<br />
ouro para um tigre<br />
oro triste<br />
a poesia<br />
disse o poeta<br />
que disse<br />
o ouro dos tigres<br />
oro oro oro<br />
três tristes tigres<br />
guardando seu ouro ouro ouro<br />
tris tris triste<br />
augusto! tyger! tyger!<br />
burning bright<br />
in the forests of Brazilian night<br />
meu tio o tigre o alegre tigre<br />
TORÁ! TORÁ! TORÁ!<br />
torá, em japonês, tigre. torá torá torá, a senha para o ataque a pearl harbour.<br />
Parem<br />
parem<br />
eu confesso<br />
sou poeta<br />
cada manhã que nasce<br />
me nasce<br />
uma rosa na face<br />
parem<br />
eu confesso<br />
(in revista Código nº 8, Brasil, 1983)
sou poeta<br />
só meu amor é meu deus<br />
eu sou o seu profeta<br />
Pariso<br />
Novayorquizo<br />
moscoviteio<br />
sem sair do bar<br />
só <strong>não</strong> levanto e vou embora<br />
porque tem países<br />
que eu nem chego a madagascar<br />
passa e volta<br />
a cada gole<br />
uma revolta<br />
pelos caminhos que ando<br />
um dia vai ser<br />
só <strong>não</strong> sei <strong>quando</strong><br />
Plena pausa<br />
Lugar onde se faz<br />
o que já foi feito,<br />
o branco da página,<br />
soma de todos os textos,<br />
foi-se o tempo<br />
<strong>quando</strong>, escrevendo,<br />
era preciso<br />
uma folha isenta<br />
Nenhuma página<br />
jamais foi limpa.<br />
Mesmo a mais Saara,<br />
ártica, significa.<br />
Nunca houve isso,<br />
uma página em branco.<br />
No fundo, todas gritam,<br />
pálidas de tanto.
Poeta itinerante e peregrino,<br />
pelas ruas do mundo,<br />
arrasto o meu destino<br />
Mundo? Uma aldeia de nome tupi,<br />
um monstro com nome de santo,<br />
Curitiba, São Paulo,<br />
com vocês me deito,<br />
com algo me levanto.<br />
Vocês aí parados<br />
a mesma <strong>vida</strong> de sempre,<br />
<strong>como</strong> vos invejo e vos desprezo,<br />
voz de nós, voz dos meus avós,<br />
prazos, prêmios, praças, preços,<br />
chove sobre mim<br />
a chuva que eu mereço.<br />
Invoco forças poderosas.<br />
Quando vou poder<br />
transformar minhas ruínas em rosas ?<br />
Pra que cara feia?<br />
Na <strong>vida</strong><br />
Ninguém paga meia.<br />
primeiro frio do ano<br />
fui feliz<br />
se <strong>não</strong> me engano<br />
Quando chove<br />
<strong>quando</strong> chove,<br />
eu chovo,<br />
faz sol,<br />
eu faço,<br />
de noite<br />
anoiteço,<br />
tem deus,<br />
eu rezo,<br />
<strong>não</strong> tem,<br />
esqueço,<br />
chove de novo,<br />
de novo, chovo,<br />
assobio no vento,<br />
daqui me vejo,<br />
lá vou eu,<br />
gesto no movimento
que pode ser aquilo,<br />
lonjura, no azul, tranqüila?<br />
se nuvem, por que perdura?<br />
montanha, <strong>como</strong> vacila?<br />
Que tudo passe<br />
passe a noite<br />
passe a peste<br />
passe o verão<br />
passe o inverno<br />
passe a guerra<br />
passe a paz<br />
passe o que nasce<br />
passe o que vem<br />
passe o que faz<br />
passe o que faz-se<br />
que tudo passe<br />
e passe muito bem.<br />
que tudo se foda,<br />
disse ela,<br />
e se fodeu toda<br />
quem<br />
quer<br />
fazer<br />
bonito<br />
faz<br />
feito<br />
faz<br />
quem<br />
faz<br />
Se<br />
se<br />
nem<br />
for<br />
isto<br />
(in Revista Ímã, ano II, nº III. Vitória, ES, 1986, p. 7)
terra<br />
se<br />
trans<br />
for<br />
mar<br />
soprando esse bambu<br />
só tiro<br />
o que lhe deu o vento<br />
Surra<br />
Viver é podre<br />
aquele que em mim quis ser limpo<br />
aquilo <strong>não</strong> pode<br />
Viver suja<br />
suja a roupa suja<br />
a louça suja boca<br />
suja sobretudo<br />
a maldita dita cuja<br />
que <strong>não</strong> para de dizer<br />
que só para pra dizer<br />
viver é podre<br />
o ciúme suja o amor<br />
<strong>como</strong> o amor de ódio se suja<br />
fuja fuja fuja<br />
que lá vem a <strong>vida</strong><br />
fuja fuja fuja<br />
que lá vem a suja<br />
limpa limpa limpa<br />
nem vem que lá vem<br />
a dita cuja a dita suja<br />
a dita<br />
(in O Carioca nº 4, p. 25, 1997 - letra inédita musicada pelo compositor Edvaldo<br />
Santana)<br />
tarde de vento<br />
até as árvores<br />
querem vir pra dentro
tatami-o ou deite-o<br />
de colchão em colchão<br />
chego à conclusão<br />
meu lar é no chão<br />
Tenho andado fraco<br />
tenho andado fraco<br />
levanto a mão<br />
é uma mão de macaco<br />
tenho andado só<br />
lembrando que sou pó<br />
tenho andado tanto<br />
diabo querendo ser santo<br />
tenho andado cheio<br />
o copo pelo meio<br />
tenho andado sem pai<br />
yo no creo en caminos<br />
pero que los hay<br />
hay<br />
tudo claro<br />
ainda <strong>não</strong> era o dia<br />
era apenas o raio<br />
tudo dito,<br />
nada feito,<br />
fito e deito<br />
Um bom poema<br />
um bom poema<br />
leva anos<br />
cinco jogando bola,<br />
mais cinco estudando sânscrito,<br />
seis carregando pedra,
nove namorando a vizinha,<br />
sete levando porrada,<br />
quatro andando sozinho,<br />
três mudando de cidade,<br />
dez trocando de assunto,<br />
uma eternidade, eu e você,<br />
caminhando junto<br />
Um homem com uma dor<br />
um homem com uma dor<br />
é muito mais elegante<br />
caminha assim de lado<br />
<strong>como</strong> se chegasse atrasado<br />
andasse mais adiante<br />
velhinha<br />
na sombra<br />
do poste<br />
<strong>não</strong> tem<br />
quem <strong>não</strong> goste<br />
(obs.: caminhando sob um sol de 35 graus, ele viu uma velhinha esperando<br />
o seu ônibus no meio da calçada, se protegendo na sinuosa sombra de um<br />
poste)<br />
veloz<br />
<strong>como</strong> a própria voz<br />
elo e duelo<br />
entre eu e ela<br />
virando e revirando nós<br />
Ver<br />
ver<br />
é dor<br />
ouvir
é dor<br />
ter<br />
é dor<br />
perder<br />
é dor<br />
só doer<br />
<strong>não</strong> é dor<br />
delícia<br />
de experimentador<br />
Viver de noite me fez senhor do fogo.<br />
A vocês eu deixo o sono.<br />
O sonho, <strong>não</strong>.<br />
Esse eu mesmo carrego<br />
With the man<br />
aqui<br />
no oeste<br />
todo homem tem um preço<br />
uma cabeça a prêmio<br />
índio bom é índio morto<br />
sem emprego<br />
referência<br />
ou endereço<br />
tenho toda a liberdade<br />
pra traçar meu enredo<br />
nasci<br />
numa cidade pequena<br />
cheia de buracos de balas<br />
porres de uísque<br />
grandes <strong>como</strong> o grand cayon<br />
tiroteios noturnos<br />
entre pistoleiros brilhantes<br />
<strong>como</strong> o ouro da califórnia<br />
me segue uma estrela<br />
no peito do xerife de denver