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Helena Kolody: a poesia da inquietação. - Portugues.seed.pr.gov.br

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ANTONIO DONIZETI DA CRUZé <strong>pr</strong>ofessor associado <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>deEstadual do Oeste do Paraná. Graduouseem Letras pela FAFI, Palmas, PR;Mestre em Letras - Teoria <strong>da</strong> Literatura,pela Pontifícia Universi<strong>da</strong>de Católicado Rio Grande do Sul; Doutor emLetras - Literatura Brasileira, pelaUniversi<strong>da</strong>de Federal do Rio Grande doSul. Realizou seu pós-doutorado emLetras - Estudos <strong>da</strong> Literatura, naPontifícia Universi<strong>da</strong>de Católica doRio de Janeiro, RJ. Professor de Teoria<strong>da</strong> Literatura na graduação em Letras -Campus de Marechal Cândido Rondon,PR e de Lírica e Socie<strong>da</strong>de, noPrograma de Pós-Graduação StrictoSensu em Letras - Área de concentraçãoem Linguagem e Socie<strong>da</strong>de, naUNIOESTE, campus de Cascavel, Pr.Autor de diversos trabalhos críticosso<strong>br</strong>e literatura, de maneira especialdedicados à <strong>poesia</strong> <strong>br</strong>asileira.Teve a felici<strong>da</strong>de de ver seus trabalhos depesquisa <strong>da</strong> o<strong>br</strong>a, so<strong>br</strong>e a o<strong>br</strong>a e fortunacrítica de <strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong> acompanhadose avaliados pela <strong>pr</strong>ó<strong>pr</strong>ia poeta.HELENA KOLODY, personali<strong>da</strong>dehumana e literária marcante, tem umatrajetória poética singular, tal comocom<strong>pr</strong>ova a fortuna crítica de sua o<strong>br</strong>a.Com doze livros publicados, váriasantologias e o<strong>br</strong>as completas, <strong>Helena</strong><strong>Kolody</strong> realiza um fazer poéticoenquanto busca <strong>da</strong> síntese, <strong>pr</strong>ojeta<strong>da</strong>n a s f o r m a s e s c o l h i d a s e n oenxugamento dos textos. Acentua-se,na <strong>poesia</strong> de <strong>Kolody</strong>, uma nostalgiai n q u i e t a n t e , u m a p r o f u n d aidentificação com o legado culturalucraniano, quando a poeta trata <strong>da</strong>questão <strong>da</strong> imigração ucraniana. Háuma certa cele<strong>br</strong>ação, num sentimentotelúrico de ligação com o país de seusancestrais e, <strong>pr</strong>incipalmente, emrelação ao Brasil. A trajetória poética de<strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong> é singular: mais de meioséculo de criação literária. Desde sua<strong>pr</strong>imeira o<strong>br</strong>a, Paisagem interior(1941), a Reika (1993), sua <strong>poesia</strong>evolui no sentido de síntese reflexiva,concisão e alto grau de lirismoespontâneo, contido, numa linguagemrevesti<strong>da</strong> de amor à palavra, ao fazerpoético e à vi<strong>da</strong>.NostalgiaGorjeiam sem<strong>pr</strong>e em nósos pássaros de antigamente.<strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong>Antonio Donizeti <strong>da</strong> Cruz


HELENA KOLODY:A POESIA DA INQUIETAÇÃO


UNIVERSIDADE ESTADUAL DO OESTE DO PARANÁUNIOESTEREITORAlcibíades Luiz OrlandoVICE-REITORBenedito Martins GomesPRÓ-REITORA DE ADMINISTRAÇÃO E PLANEJAMENTOSonia Regina Sari FerreiraPRÓ-REITOR DE GRADUAÇÃOEurides Kuster Macedo JúniorPRÓ-REITOR DE EXTENSÃOWilson João ZoninPRÓ-REITORA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃOFabiana Scarparo NaufelCONSELHO EDITORIAL DA EDUNIOESTEAntonio de Pádua BosiClarice Aoki OsakuCláudio Alexandre de SouzaDébora Raquel Massmann EleodoroElidio de Carvalho LobãoEurides Kuster Macedo JúniorFabiana Scarparo NaufelJefferson Andronio R. StadutoJosé Carlos dos SantosLourdes Kaminski AlvesLúcia <strong>Helena</strong> Pereira Nó<strong>br</strong>egaLuciano de Souza CostaLuciano Dias de CarvalhoMarcos Wagner <strong>da</strong> FonsecaMarlene de Matos MalavasiMiguel Ângelo LazzarettiNeide Tiemi MurofuseReinaldo Aparecido BariccattiRosana Vaghetti LucheseSilvio César SampaioWilson João Zonin


Antonio Donizeti <strong>da</strong> CruzHELENA KOLODY:A POESIA DA INQUIETAÇÃOEDUNIOESTEMarechal Cândido Rondon2010


© 2010, Antonio Donizeti <strong>da</strong> CruzReferência Imagem <strong>da</strong> Capa:Círculos & Círculos - Antonio Donizeti <strong>da</strong> CruzReferência Imagem <strong>da</strong> Contra-capaCintilações - Antonio Donizeti <strong>da</strong> CruzRevisão: do autorCapa e Diagramação:Cristiane Carla JohannFicha CatalográficaMarcia Elisa Sbaraini Leitzke CRB-9ª/539FICHA CATALOGRÁFICADados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)(Biblioteca <strong>da</strong> UNIOESTE – Campus de Marechal Cândido Rondon – PR., Brasil)C957hCruz, Antonio Donizeti <strong>da</strong><strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong>: a <strong>poesia</strong> <strong>da</strong> <strong>inquietação</strong> / Antonio Donizeti <strong>da</strong> Cruz - MarechalCândido Rondon : Edunioeste, 2010. 184 p.ISBN 978-85-7644-214-11. <strong>Kolody</strong>, <strong>Helena</strong>, 1912-2004. 2. Poesia paranaense. 3. Literatura <strong>br</strong>asileira.I Título.CDD – 20.ed. B869.1B869.198162CIP-NBR 12899Im<strong>pr</strong>essão e Acabamento:Gráfica LiderAv. Maripá, 796 - CentroFone (45) 3254-1892Cep: 85960-000Marechal Cândido Rondon - PR04


DEDICADO ÀOlga <strong>Kolody</strong> Muñoz Ferra<strong>da</strong>,Irmã de <strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong>05


AGRADECIMENTOS SEMPREAgradeço ao <strong>pr</strong>ofessor Ir. Elvo Clemente (in memoriam), que me orientoucom entusiasmo na elaboração deste trabalho;À <strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong> (in memoriam), poeta sem<strong>pr</strong>e lem<strong>br</strong>a<strong>da</strong>, pela amizade,diálogo constante e atenção dedica<strong>da</strong> à minha pessoa;À Maria de Fátima Campos <strong>da</strong> Cruz e Caroline Marlene <strong>da</strong> Cruz, pelacom<strong>pr</strong>eensão;Aos docentes do Programa de Pós-graduação em Letras <strong>da</strong> PUCRS;À Clarice Nadir von Borstel, Liane Bonato, Maria Elisete Berlato Pinto eMaria Zanetin, pela leitura e interlocução;À Marcia Elisa Sbaraini Leitzke, bibliotecária <strong>da</strong> Unioeste – campus deMarechal Cândido Rondon;À Cristiane pela diagramação e elaboração de arte <strong>da</strong> capa desta o<strong>br</strong>a;À Rosa Osaki e Chiyoe Osaki; À família de Claudio Seto; À Socie<strong>da</strong>deCultural e Beneficente Nipo-Brasileira; À Nikkei Clube de Curitiba, pelaautorização e cortesia do documento de outorga de nome haicaista;À todos que contribuíram para a realização desta o<strong>br</strong>a;À Universi<strong>da</strong>de Estadual do Oeste do Paraná pelo incentivo e pela licençapara cursar pós-graduação;Ao docentes do Colegiado de Letras <strong>da</strong> Unioeste – campus de MarechalCândido Rondon;Secretaria de Estado <strong>da</strong> Educação do Paraná, pela licença para realizar oCurso;À CAPES-PICD, pela concessão de bolsa de estudo.07


COM ESPECIAL AGRADECIMENTOÀ FUNDAÇÃO ARAUCÁRIA, pelo apoio financeiro queviabilizou a publicação do <strong>pr</strong>esente livro.09


A alegria maior <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> é colher os poemasque pendem como dourados pomosdos ramos frágeis e frescos <strong>da</strong> Reali<strong>da</strong>de.As horas passam como pássaros,os pomos pendem em silêncio.Enquanto dura a colheitaé sem<strong>pr</strong>e madruga<strong>da</strong>.Tasso <strong>da</strong> Silveira (Epígrafe do livro Trilha sonora, de <strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong>)sem<strong>pr</strong>e madruga<strong>da</strong>Para quem viaja ao encontro do sol,é sem<strong>pr</strong>e madruga<strong>da</strong>.<strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong>Ilustração: Círculos & Círculos. Pastel oleoso so<strong>br</strong>e tela (dimensão: 90 cm x 60 cm. –1988) - de Antonio Donizeti <strong>da</strong> Cruz – (Premiado no Concurso Internacional de Poesia eDesenho “Lília A. Pereira <strong>da</strong> Silva”, Itapira – SP). Acervo de <strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong> (Doação àPoeta), Curitiba, 2001.13


1ESTRELA VIVAA <strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong>A cortina <strong>br</strong>anca na janelaesconde um perfil secretoum olhar de quem mirapor trás dos girassóis abertoscomo um cálice ou uma florque teima em existir sem o saberA mulher que lê o livrosagrado <strong>da</strong>s tradições de seu povovesti<strong>da</strong> com o xale escuroque co<strong>br</strong>e seus om<strong>br</strong>oscontempla as palavrasícones sagradoscheiro de maresiapássaros azuisenfeitam a paisageme ela olha além <strong>da</strong> janela:uma miragementre a página em <strong>br</strong>anco e as palavrasos olhos passeiam...mas não em vão.Antonio Donizeti <strong>da</strong> Cruz1Prêmio: VI Concurso '<strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong>' de Poesia. Governo do Estado do Paraná - Secretaria doEstado <strong>da</strong> Cultura do Paraná - Curitiba - 1994.In: Os poetas: antologia de poetas contemporâneos do Paraná. VI Concurso '<strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong>' dePoesia. Curitiba: Secretaria de Estado <strong>da</strong> Cultura, 1995, p. 4.15


SIGLAS DOS LIVROS DE HELENA KOLODYPIMSSRVBEETSTEIPSPPMAOREVEPaisagem interiorMúsica submersaA som<strong>br</strong>a no rioVi<strong>da</strong> <strong>br</strong>eveEra EspacialTrilha sonoraTempoInfinito <strong>pr</strong>esenteSem<strong>pr</strong>e palavraPoesia mínimaOntem agora: poemas inéditosReikaViagem no espelho17


SUMÁRIOPALAVRAS PRIMEIRAS...............................................................................211 IMIGRAÇÃO UCRANIANA NO PARANÁ................................................251.1 Situação <strong>da</strong> Ucrânia e antecedentes históricos.............................................251.2 Ambiente do Paraná e a imigração ucraniana...............................................311.3 Imigração dos avós e pais de <strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong>...............................................352 HELENA KOLODY: CONTEXTO SOCIAL E OBRA POÉTICA................373 INQUIETAÇÃO E POESIA..........................................................................554 UNIVERSO POÉTICO: ELEMENTOS PRINCIPAIS DA INQUIETAÇÃONA OBRA DE HELENA KOLODY.................................................................694.1 Inquietação: signo e comunicação linguística.............................................704.2 Fazer poético: luta com as palavras............................................................794.3 Busca de sentido existencial: questionamento do ser...................................954.4 Nostalgia: retorno às origens.....................................................................117CONSIDERAÇÕES FINAIS.........................................................................129REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...........................................................133ANEXOS.......................................................................................................141Hai-kais e tankas de <strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong> (manuscritos).........................................143Lem<strong>br</strong>anças-poemas e outros.........................................................................151Outorga de nome haicaista (HAIGO)..............................................................16919


PALAVRAS PRIMEIRAS<strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong>: a <strong>poesia</strong> <strong>da</strong> <strong>inquietação</strong>O <strong>pr</strong>esente livro é resultado de pesquisa so<strong>br</strong>e o tema <strong>da</strong> <strong>inquietação</strong> nao<strong>br</strong>a poética de <strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong>, poeta paranaense, partindo-se deposicionamentos teóricos so<strong>br</strong>e o assunto. Para tanto, busca-se verificar opensamento de críticos, tais como Claude Esteban, Jacques Lavigne, OctavioPaz, dentre outros, tendo em vista a análise de poemas e <strong>da</strong> temática kolodyana –<strong>inquietação</strong>, fazer poético, <strong>br</strong>evi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>, tempo, memória, imigraçãoucraniana – constante nas o<strong>br</strong>as seleciona<strong>da</strong>s: Paisagem interior (1941), Músicasubmersa (1945), A som<strong>br</strong>a no rio (1951), Vi<strong>da</strong> <strong>br</strong>eve (1964), Era espacial(1966), Trilha sonora (1966), Tempo (1970), Infinito <strong>pr</strong>esente (1980), Sem<strong>pr</strong>epalavra (1985), Poesia mínima (1986), Ontem agora: poemas inéditos (1991) eReika (1993).A opção pela o<strong>br</strong>a de <strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong> [1912-2004], justifica-se pela suaimportância nos meios literários do Paraná. De 1941, quando publica seu<strong>pr</strong>imeiro livro Paisagem interior – às suas <strong>pr</strong>ó<strong>pr</strong>ias expensas –, a 1993, ano emque se publica Reika, composta por haicais e tankas, por iniciativa de NivaldoLopes, sua o<strong>br</strong>a destaca-se no panorama literário paranaense. Há muito materialcrítico a respeito <strong>da</strong> sua <strong>poesia</strong>, bem como o reconhecimento <strong>da</strong> crítica literária,de alguns escritores de renome nacional, dos leitores.Objetiva-se, com este estudo, resgatar parte do material crítico so<strong>br</strong>e a<strong>poesia</strong> de <strong>Kolody</strong> e também analisar suas <strong>poesia</strong>s, sob o ponto de vista <strong>da</strong>temática <strong>da</strong> <strong>inquietação</strong>. A análise crítica <strong>pr</strong>ende-se à com<strong>pr</strong>eensão <strong>da</strong> o<strong>br</strong>apoética, cuja linguagem é rica em recursos imagéticos, temáticos e formais,sugerindo "múltiplos sentidos". Considera-se a hipótese de que a instituição na<strong>poesia</strong> reflete-se enquanto questionamento e busca de sentido existencial. A<strong>inquietação</strong> nas o<strong>br</strong>as poética parece surgir como resultado de um conflitointerior do ser humano em relação à vi<strong>da</strong>, re<strong>pr</strong>esentando a tentativa dereencontrar a quietude, a harmonia e a beleza <strong>da</strong>s coisas e <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>, em forma de<strong>poesia</strong>.O termo <strong>inquietação</strong> pode ser definido como "questionamento, noregistro mais grave, dos com<strong>pr</strong>omissos e <strong>da</strong>s convenções <strong>da</strong> linguagem"(ESTEBAN, 1991, p. 41-42). Também, no sentido mais forte do termo, comouma solicitação original <strong>da</strong> consciência, uma agitação interior do indivíduo,sem<strong>pr</strong>e em busca de significação existencial. O poeta, homem inquieto einstaurador do sentido nos signos, é um ser em constante busca, deixandotransparecer no poema essa <strong>inquietação</strong>.21


Antonio Donizeti <strong>da</strong> CruzEste livro – a<strong>pr</strong>esentado originalmente como dissertação de mestradodefendi<strong>da</strong> no Programa de Pós-graduação em Letras <strong>da</strong> PUCRS, em PortoAlegre (RS), em 1993, sob orientação do Prof. Dr. Elvo Clemente – estrutura-seem quatro etapas: o <strong>pr</strong>imeiro capítulo consiste na abor<strong>da</strong>gem <strong>da</strong> situação <strong>da</strong>Ucrânia, dos antecedentes históricos do povo ucraniano, ou seja, uma espécie decontextualização histórica, no intuito de recuperar um pouco <strong>da</strong> história <strong>da</strong>imigração no Estado do Paraná. Refere-se, ain<strong>da</strong>, ao ambiente paranaense, àimigração ucraniana e à imigração dos avós e pais de <strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong>. A autora fazparte desse contexto, por ser filha de imigrantes ucranianos.Na <strong>poesia</strong> de <strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong>, há uma certa <strong>inquietação</strong> do sujeito lírico,ao tratar <strong>da</strong> questão <strong>da</strong> Ucrânia e <strong>da</strong> sua cultura. Nota-se uma nostalgia e umconstante retorno às origens, referenciando os imigrantes e descendentesucranianos.No segundo capítulo, traça-se o itinerário existencial e poético de<strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong>, marcando sua atuação no contexto literário e social maisa<strong>br</strong>angente. <strong>Helena</strong> tem contribuído de forma ex<strong>pr</strong>essiva para o enriquecimento<strong>da</strong> cultura paranaense. Na quali<strong>da</strong>de de <strong>pr</strong>ofessora e inspetora de ensino, para oengrandecimento <strong>da</strong> Educação no Paraná. Enquanto poeta, pela sua voz lírica depeculiar originali<strong>da</strong>de, solidifica<strong>da</strong> pela sua <strong>pr</strong>esença marcante na literaturaparanaense.A o<strong>br</strong>a poética de <strong>Helena</strong> e a crítica literária referente a sua o<strong>br</strong>a sãosignificativas. <strong>Helena</strong> publicou doze livros de <strong>poesia</strong> (anteriormente referidos).Também foram publica<strong>da</strong>s as seguintes antologias e o<strong>br</strong>as completas: Paisageminterior (1950 – 2ª edição); A som<strong>br</strong>a no rio e Poesias escolhi<strong>da</strong>s (1957);Trilogia (1959 – Separata de Um século de <strong>poesia</strong>, Centro Paranaense Femininode Cultura); (Poesias completas (1962 – edição de homenagem a cargo dealunos); 20 poemas (1965 – edição <strong>da</strong> autora); Antologia poética (1967 – edição<strong>da</strong> autora); Correnteza (1977 – edição <strong>da</strong> autora); Poesias escolhi<strong>da</strong>s (Вибраніпоезії) (1983 – Socie<strong>da</strong>de dos Amigos <strong>da</strong> Cultura Ucraína. Trad. de WiraaWowk); Viagem no espelho (1988 – Criar Edições); Sem<strong>pr</strong>e palavra (1986 – 2.edição); Sem<strong>pr</strong>e <strong>poesia</strong> (1994); Viagem no espelho (1995 - 2.ª edição – EditoraUFPR); Caixinha de música (1996 – Curitiba: Secretaria do Estado <strong>da</strong> Cultura);Sinfonia <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> (1997 – D.E.L. Editora Letraviva. Org. de Tereza Hatue deRezende) e Luz infinita (1997 – Museu – Biblioteca Ucranianos. Tradução deGhryghory Kotchur e Wira Selanski para o ucraniano); Viagem no espelho (1997– 3.ª edição – Editora UFPR). Há, ain<strong>da</strong>, um número significativo de poemasdispersos em jornais e revistas especializados.22


<strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong>: a <strong>poesia</strong> <strong>da</strong> <strong>inquietação</strong>Desde a publicação de sua <strong>pr</strong>imeira o<strong>br</strong>a, Paisagem interior (1941),<strong>Helena</strong> tem recebido destaque por sua <strong>pr</strong>odução poética, junto à críticaparanaense e <strong>br</strong>asileira. Ela tem recebido elogios e incentivos de escritores comoCecília Meireles, Carlos Drummond de Andrade, Paulo Leminski, RodrigoJúnior, Andrade Muricy, entre outros. <strong>Kolody</strong> ocupa um lugar de destaque naliteratura paranaense, por sua <strong>poesia</strong> de extrema sensibili<strong>da</strong>de, engenho poético elirismo libertador.O terceiro capítulo diz respeito à <strong>inquietação</strong> e à <strong>poesia</strong>, tomando comobase estudos referenciais e teóricos de autores como Esteban, Lavigne, Paz,Jakobson, Barbosa, dentre outros. Procura-se, inicialmente, definir a<strong>inquietação</strong>. Esse capítulo consiste em uma abor<strong>da</strong>gem teórica e crítica, no quese refere à <strong>inquietação</strong>, à <strong>poesia</strong>, ao fazer poético e ao poema em si. Trata-se dolevantamento de instrumental teórico-crítico que sirva à análise <strong>da</strong> o<strong>br</strong>a poéticade <strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong>.O quarto capítulo constitui-se <strong>da</strong> análise temática <strong>da</strong> <strong>inquietação</strong> –enquanto sigo e comunicação linguística – na <strong>poesia</strong> kolodyana. Procura-se,também, destacar a concepção de arte e fazer poético <strong>da</strong> autora. A partir <strong>da</strong><strong>poesia</strong>, <strong>pr</strong>etende-se evidenciar como a temática <strong>da</strong> <strong>inquietação</strong> aparece na o<strong>br</strong>ade <strong>Kolody</strong> e de que maneira ela trabalha a condição existencial do ser enquantopoeta, bem como o tema <strong>da</strong> nostalgia e retorno à infância.Os poemas selecionados para a análise tratam <strong>da</strong> temática <strong>da</strong><strong>inquietação</strong>, selecionados <strong>da</strong>s seguintes o<strong>br</strong>as, identifica<strong>da</strong>s no decorrer dotrabalho pelas siglas: Paisagem interior (PI), Música submersa (MS), A som<strong>br</strong>ano rio (SR), Vi<strong>da</strong> <strong>br</strong>eve (VB), Era Espacial (EE), Trilha sonora (TS), Tempo(TE), Infinito <strong>pr</strong>esente (IP), Sem<strong>pr</strong>e palavra (SP), Poesia mínima (PM) Ontemagora: poemas inéditos (OA) e Reika (RE). As citações não obedecem à ordemcronológica de aparecimento <strong>da</strong> <strong>pr</strong>odução poética <strong>da</strong> autora, sendo, antes,reuni<strong>da</strong>s por afini<strong>da</strong>des temáticas. As citações dessas o<strong>br</strong>as, efetua<strong>da</strong>s ao longodo texto, são oriun<strong>da</strong>s <strong>da</strong> <strong>pr</strong>imeira edição, que constam <strong>da</strong>s referênciasbibliográficas. Nas transcrições de poemas e/ou passagens de poemas, éindicado a sigla e o número <strong>da</strong> página referente à o<strong>br</strong>a de <strong>Kolody</strong>. Cum<strong>pr</strong>edestacar que a maioria dos poemas são referenciados diretamente <strong>da</strong> <strong>pr</strong>imeiraedição <strong>da</strong>s o<strong>br</strong>as de <strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong>. As citações em que aparece a <strong>pr</strong>imeira sigla<strong>da</strong> o<strong>br</strong>a, acompanha<strong>da</strong> <strong>da</strong> sigla (VE), remetem à o<strong>br</strong>a Viagem no espelho (1988,1ª edição), que reúne os livros de <strong>Helena</strong>, com exceção de Ontem agora: poemasinéditos (1991) e Reika (1993). Os poemas assim referidos são pelo fato de elesterem sido burilados pela autora. O livro Tempo (1970) não é paginado.23


Antonio Donizeti <strong>da</strong> CruzViagem no espelho, o<strong>br</strong>a completa que reúne os livros de <strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong>.A poeta participou na organização <strong>da</strong> referi<strong>da</strong> o<strong>br</strong>a. <strong>Kolody</strong> sintetizou e enxugoupoemas <strong>da</strong>s três <strong>pr</strong>imeiras o<strong>br</strong>as: Paisagem interior, Música submersa e Asom<strong>br</strong>a no rio, para a publicação <strong>da</strong> Antologia Correnteza (1977) e que tambémaparecem a<strong>pr</strong>imorados em Viagem no espelho. Tal título é oriundo <strong>da</strong> o<strong>br</strong>a Tempo(dividido em duas partes, uma dela é intitulado “Viagem no espelho”), de <strong>Helena</strong><strong>Kolody</strong>.As considerações finais dedica-se a esclarecer a relação entre oscapítulos, buscando configurar a <strong>inquietação</strong> na <strong>poesia</strong> de <strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong>.Pretende-se, com esse livro, contribuir para o conhecimento <strong>da</strong> <strong>poesia</strong>kolodyana, não se impondo, portanto, como um estudo acabado so<strong>br</strong>e a questãopesquisa<strong>da</strong>.24


<strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong>: a <strong>poesia</strong> <strong>da</strong> <strong>inquietação</strong>1 IMIGRAÇÃO UCRANIANA NO PARANÁ1.1 Situação <strong>da</strong> Ucrânia e antecedentes históricosA Ucrânia encontra-se integra<strong>da</strong> na vi<strong>da</strong> cultural <strong>da</strong> Europa Ocidental.Na civilização greco-romana, desde o início de sua organização estatal, teve umamissão defini<strong>da</strong>: a resistência e a luta contra o Oriente (LERNER, 1981, p. 3). Poressa razão, o povo ucraniano sofreu as mais terríveis violências, mas resistiudurante séculos a to<strong>da</strong>s as formas de o<strong>pr</strong>essões e tentativas de anexaçãoterritorial. Mesmo assim, eles conservaram a uni<strong>da</strong>de <strong>da</strong> língua, <strong>da</strong> cultura e <strong>da</strong>fé.Um povo, ao emigrar, transfere consigo, mesmo que não perceba, todoum complexo cultural, tornando uma nação diferente <strong>da</strong> outra, ou seja, a raça, acultura, a língua, os costumes, o way of live e, <strong>pr</strong>incipalmente, o acervodenominado tradição (BURKO,1963, p. 81).Uma <strong>br</strong>eve abor<strong>da</strong>gem <strong>da</strong> situação <strong>da</strong> Ucrânia e <strong>da</strong> história do povoucraniano pode aju<strong>da</strong>r na com<strong>pr</strong>eensão do modo de vi<strong>da</strong> dos imigrantesucranianos e de seus descendentes que vivem nas colônias <strong>br</strong>asileiras,especialmente no Paraná. Tais imigrantes conservam traços peculiares de umacultura milenar, retar<strong>da</strong>ndo o <strong>pr</strong>ocesso assimilativo, ou seja, o <strong>pr</strong>ocesso deinter<strong>pr</strong>etação e fusão de culturas (tradições, sentimentos, estilos de vi<strong>da</strong>) em umtipo cultural comum.Um povo que desde suas origens luta contra outros povos que o queremdominar, está acostumado a defender e manter sua identi<strong>da</strong>de cultural. Assim,quanto à resistência e luta do povo ucraniano, Luigi Salvini faz a seguinteafirmação:O povo ucraniano resistiu por séculos a to<strong>da</strong>s as tentativasde absorção e de assimilação, que demonstrou, na que<strong>da</strong>Rússia Tzarista, a sua potência militar e a usa capaci<strong>da</strong>deorganizadora, defendendo em cinco frentes, por mais dedois anos, a independência finalmente reconquista<strong>da</strong>, em1918 (apud BURKO, 1963, p. 15-16).Para Luigi Salvini, esse povo não é e não pode ser somente uma"ex<strong>pr</strong>essão geográfica", pois mantém através dos tempos a uni<strong>da</strong>de <strong>da</strong> língua, <strong>da</strong>literatura, <strong>da</strong> religião, dos costumes e tradições.25


Antonio Donizeti <strong>da</strong> CruzA respeito <strong>da</strong> origem do nome Ucrânia (Ucraína), o historiador MiguelWouk afirma que, etimologicamente, o vocábulo Ucraína é composto por doiselementos eslavos: junto de, e KRAI(N), terra, país, região. Para o autor, o nomeUcraína significa a região, as terras ou o país de um Estado Político que são o seuextremo e zona fronteiriça com outros Estados. Ain<strong>da</strong> salienta que a Ucrânia eraa região limítrofe com os territórios dos moscovitas e dos tártaros mongóis e era"teatro" de contínuas lutas entre russos, poloneses, tártaros e turcos. O nome jáaparece nas crônicas do historiador ucraniano, Monge Nestor, no século XII(WOUK, 1981, p. 27).A mais antiga denominação <strong>da</strong> Ucrânia e dos ucranianos foi sem<strong>pr</strong>e"Rus'", "Russyn", "rus'kyi". O nome Ucrânia surgiu posteriormente e,<strong>pr</strong>ovavelmente, deve significar: "a minha terra", ou "estado independente",começando a ser usado esporadicamente desde o início do século XII (BURKO,1963, p. 18-19).A Ucrânia é uma nação eslava, localiza<strong>da</strong> no centro-leste <strong>da</strong> Europa. Onome oficial é "República <strong>da</strong> Ucrânia", sendo a capital Kiev. A língua usa<strong>da</strong> é oucraniano (oficial), porém também se fala russo e bielo-russo. A religião<strong>pr</strong>edominante é o cristianismo (ortodoxo). A <strong>da</strong>ta nacional é 24 de agosto(Independência. 1991). Os rios Dnieper (Dni<strong>pr</strong>ó) e Dniester formam os limitesgeográficos <strong>da</strong> Ucrânia. Os ucranianos habitam, atualmente, a mesma região <strong>da</strong>Europa que seus antepassados vinham ocupando por mais de mil anos, embora aárea em que se estabeleceram tenha-se alargado ou reduzido em diferentesépocas (SIMPSON, 1953, p. 5).Os geógrafos costumam denominar o território ucraniano como um dosmais ricos <strong>da</strong> Europa em vista dos seus recursos agrícolas e minerais.Conforme J. Mirchuk, uma <strong>da</strong>s causas que contribuiu para a formação dopovo ucraniano foi a conquista <strong>da</strong> estepe e o impulso de expansão para osdistritos do Sul, jamais emigrando para a Europa Central. As planícies <strong>da</strong>sestepes, sem obstáculos naturais, tornavam os combates árduos com os gruposque as devastavam, levando o povo ucraniano a lutar com to<strong>da</strong> a sua força (apudHORBATIUK, 1985, p. 55).Somente no final do século XVIII e no decorrer do século XIX, a estepefoi domina<strong>da</strong>, as <strong>pr</strong>aias do mar Negro foram atingi<strong>da</strong>s e a fronteira Leste foialarga<strong>da</strong>. Assim, a expansão do território povoado é devido ao nomadismo dosucranianos. Em relação à história ucraniana, Mirchuk, divide-a em cincoperíodos:26


<strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong>: a <strong>poesia</strong> <strong>da</strong> <strong>inquietação</strong>1) A su<strong>pr</strong>emacia política de Kiev até 1154; 2) A su<strong>pr</strong>emaciado estado Galiciano-Voliniano de 1154 a 1340; 3) O períodoLituano-Polonês, de 1340 até 1648: a) O Lituano 1340-1569; b) O Polonês, de 1569 a 1648; 4) O estado Cossaco,de 1648 a 1782; 5) O período Austro-Russo, de 1792 a 1918(apud HORBATIUK, 1989, p. 56).O ano de 1918 é um marco importante <strong>da</strong> história ucraniana, suaIndependência. Ela foi <strong>pr</strong>oclama<strong>da</strong> a 22 de janeiro de 1918, e a naçãodenomina<strong>da</strong> "República Nacional <strong>da</strong> Ucrânia", sob a chefia de Symon Petlura,mas teve pouca duração. Valdomiro Haneiko comenta a respeito:As mesmas potências que reconheceram suaindependência, pelo tratado de Berest-Litovsky, queriamexplorar suas <strong>pr</strong>ovisões de cereais. Os bolchevistas queriamtambém estender seu domínio so<strong>br</strong>e o rico território. Apósséries de movimentos revolucionários, a independênciaucraniana terminava, em 1922-1923 (apud ORBATIUK,1989, p. 65-68).A Ucrânia foi incorpora<strong>da</strong> à União Soviética, sob a denominação de"República Socialista Soviética <strong>da</strong> Ucrânia", considera<strong>da</strong> região autônoma,mas não soberana, pois sua Constituição obedecia aos <strong>pr</strong>incípios básicos <strong>da</strong>União Soviética. Porém, com o <strong>pr</strong>ocesso iniciado com a abertura política,denomina<strong>da</strong> Perestroika, na ex-URSS, em 1985, a Ucrânia reconquista e declarasua Independência, a 24 de agosto de 1991, e volta a ser um país autônomo esoberano.No contexto histórico e social, o povo ucraniano foi o<strong>pr</strong>imido, de to<strong>da</strong>sas formas e meios, pelos ocupantes <strong>da</strong> sua terra. Muitos deles buscaram, namedi<strong>da</strong> do possível, outras terras, em outros países, para construírem seus lares eviverem com liber<strong>da</strong>de. No afã de buscar uma "nova terra", os emigrantesucranianos, isolados ou em grupos, abandonaram sua terra natal, estabelecendoseno imenso continente americano.A corrente emigratória desencadea<strong>da</strong> no final do século XIX resultounuma vasta dispersão do povo ucraniano, levando-o a vários países do domíniosoviético e do mundo ocidental. A emigração em massa já conta com mais de 70anos, sendo que a <strong>pr</strong>imeira etapa ocorreu em fins do século XIX, quandomilhares de pessoas, em conseqüência <strong>da</strong> superpopulação agrária e, mais, <strong>da</strong>débil industrialização, em más condições sócio-econômicas, resolveram sairdefinitivamente de suas férteis "terras negras" em busca de melhores condições27


Antonio Donizeti <strong>da</strong> Cruzde vi<strong>da</strong>. Foram os camponeses, so<strong>br</strong>etudo, <strong>da</strong>s <strong>pr</strong>ovíncias ocidentais <strong>da</strong> Ucrânia,então incorpora<strong>da</strong>s ao Império Austro-Húngaro, a tomarem essa decisão.Imigraram para os Estados Unidos, Canadá, Argentina e Brasil, em busca demelhores condições de vi<strong>da</strong> (BURKO, 1963, p. 39).A segun<strong>da</strong> etapa <strong>da</strong> emigração ucraniana efetuou-se após a PrimeiraGuerra Mundial, ocasiona<strong>da</strong> por motivos exclusivamente políticos, pois aUcrânia não ficou alheia aos movimentos liberais do século XIX, quecaracterizaram a Europa. Movimentos revolucionários agitavam o país.A terceira e última etapa de emigração ucraniana ocorreu após a Segun<strong>da</strong>Guerra Mundial. Foi o maior êxodo do povo ucraniano. Eram mais de 200 mil,entre operários, refugiados políticos, <strong>pr</strong>isioneiros de guerra, sol<strong>da</strong>dos <strong>da</strong><strong>pr</strong>imeira divisão ucraniana e de outras formações militares, que lutaram contraos russos. Quanto aos operários, estes haviam sido trazidos de várias <strong>pr</strong>ovíncias<strong>da</strong> Ucrânia pela administração alemã para trabalharem durante a Guerra. Com otérmino desta, os ucranianos tiveram que resistir ain<strong>da</strong> à forte o<strong>pr</strong>essão dosaliados ocidentais que se com<strong>pr</strong>ometeram em Yalta a repatriar todos os ci<strong>da</strong>dãossoviéticos. To<strong>da</strong>via, nos fins de 1945, foi aboli<strong>da</strong> a cláusula de repatriaçãoo<strong>br</strong>igatória. Sob a <strong>pr</strong>oteção <strong>da</strong> ONU, que sustentou materialmente todos osrefugiados, os ucranianos conseguiram a sua imigração para o continenteamericano (BURKO, 1963, p. 40-41).A respeito do destino dos imigrantes ucranianos, o total de indivíduos nomundo livre, incluindo os descendentes nascidos nos respectivos países deimigração, perfaz hoje uma média de 2 milhões de pessoas, sendo que cerca deum milhão de imigrantes vive nos Estados Unidos; 500 mil no Canadá; 150mil na Argentina; 120 mil no Brasil e os restantes em outros países latinoamericanos.No Brasil, fixaram-se, so<strong>br</strong>etudo, nos Estados do Paraná, SantaCatarina, Rio Grande do Sul e São Paulo, formando numerosos núcleoscoloniais. Dedicaram-se <strong>pr</strong>incipalmente à agricultura, à pecuária, à indústria e aoutros ofícios (BURKO, 1963, p. 41-42).Quanto à imigração dos ucranianos,chega a 8 milhões o número de ucranianos que vivem fora<strong>da</strong>s fronteiras de seu país, sendo que a maioria vive nospaíses componentes <strong>da</strong> Rússia, e os demais, nos paíseslivres do Ocidente (BORUSZENKO, 1969, p. 427).Assim, a emigração ucraniana, para o Brasil, não foi um fato isolado.Milhares de imigrantes <strong>pr</strong>ocedentes de vários países europeus, como a Itália,28


<strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong>: a <strong>poesia</strong> <strong>da</strong> <strong>inquietação</strong>França, Polônia, Rússia, Alemanha, também se dispersaram, <strong>pr</strong>incipalmentepelas Américas.A religiosi<strong>da</strong>de é uma <strong>da</strong>s características básicas do povo ucraniano. Porto<strong>da</strong> a parte que imigraram, os ucranianos conservaram intactos seus rituais(seguem o rito oriental), bem aceitos pela Igreja Católica. No Brasil, elesconstruíram inúmeras igrejas. (BURKO, 1963, p. 59).Oksana Boruszenko também salienta a religiosi<strong>da</strong>de como umacaracterística peculiar do povo ucraniano. Para a autora, setenta e oito por centodos imigrantes ucranianos são católicos do rito oriental, sendo que quatro porcento são ortodoxos, e os doze por cento restantes encontram-se dispersos entrevárias igrejas <strong>pr</strong>otestantes. A respeito <strong>da</strong> liturgia bizantina, é importanteobservar-se que:A liturgia bizantina, <strong>da</strong> qual a ucraniana é um ramo, temorigem na de Jerusalém, de São Tiago, reforma<strong>da</strong> por SãoBasílio Magno a<strong>br</strong>evia<strong>da</strong> por São João Crisóstomo, noséculo IV. Foi logo a<strong>pr</strong>ova<strong>da</strong> pela Igreja, sendo segui<strong>da</strong> atéhoje por grande número de cristãos do Oriente e pelos fiéisdo rito ucraniano, o qual é todo cele<strong>br</strong>ado em línguaucraniana (BORUSZENKO, 1981, p. 16).Como se observa, os imigrantes ucranianos transplantaram o ritooriental para os locais de imigração, conservando-o em to<strong>da</strong>s as suasparticulari<strong>da</strong>des. Os ucranianos receberam a fé cristã por meio dos missionáriosoriundos de Bizâncio, que os evangelizaram e foram os seus <strong>pr</strong>imeiros guiasespirituais. No século X, Volodomyr Magno, um dos céle<strong>br</strong>es <strong>pr</strong>íncipes de Kiev,"<strong>pr</strong>omoveu o batismo em massa dos seus súditos e oficializou a religião cristã emseu reino" (WOUK, 1981, p. 36).A literatura ucraniana iniciou-se com as antigas "crônicas", sendo a maiscéle<strong>br</strong>e a do Monge Nestor. No século XII, elevou-se às alturas incomuns com opoema épico O canto so<strong>br</strong>e a corte de Igor. Mas o seu período novo começou nofinal do século XVIII com o escritor Ivan Kotlarevsky. No século XIX, aliteratura ucraniana alcança níveis imponentes com Tarás Chevtchenko, IvanFrancó, Lessia Ucrainca, e outros. As artes, a música, a pintura, a escultura e aarquitetura ucranianas criaram o seu estilo <strong>pr</strong>ó<strong>pr</strong>io, mas o folclore é uma <strong>da</strong>sex<strong>pr</strong>essões mais peculiares <strong>da</strong> cultura ucraniana (KOBYLANSKY, 1962, p. 5).Segundo <strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong>, a etnia ucraniana é uma <strong>da</strong>s mais antigas enumerosas do Paraná. Por suas características de língua e de cultura, tãodiferentes <strong>da</strong>s <strong>br</strong>asileiras, manteve-se distante de uma com<strong>pr</strong>eensão <strong>pr</strong>ofun<strong>da</strong>,29


Antonio Donizeti <strong>da</strong> Cruzsendo muito comum confundir o elemento ucraniano com o polonês e o russo.Para a autora, a ex<strong>pr</strong>essão coreográfica, de mais fácil comunicação, como as<strong>da</strong>nças e as canções folclóricas, acolhi<strong>da</strong>s com entusiasmo pela receptiva alma<strong>br</strong>asileira, vieram revelar a alma heróica do ucraniano, seu humor malicioso, seuterno lirismo.Referindo-se à <strong>poesia</strong> do céle<strong>br</strong>e poeta Tarás Chevtchenko, <strong>Helena</strong><strong>Kolody</strong> tece a seguinte declaração:Seu livro – Kobsar – passa de pais a filhos, como herançasagra<strong>da</strong>; a tradição oral transmite seus poemas de geraçãoem geração, como se fossem orações. Repassados deacendrado amor, seus versos mantém vivo no coraçãoucraniano o sentimento <strong>da</strong> pátria, o anseio de liber<strong>da</strong>de, alem<strong>br</strong>ança do passado heróico. Poder-se-ia dizer que seuspoemas fazem ecoar na alma dos ucranianos, dispersos portodos os quadrantes do mundo, as palavras do HinoNacional: 'A Ucrânia ain<strong>da</strong> não morreu' (KOLODY, 1962,p. 2. Grifos <strong>da</strong> autora).Em relação às artes e tradições, a Ucrânia ocupa um dos lugares dedestaque no cenário artístico europeu, pois é um país que mantêm costumespeculiares. No Brasil, eles conservam, na medi<strong>da</strong> do possível, suas tradições. A<strong>da</strong>nça popular é uma <strong>da</strong>s ex<strong>pr</strong>essões mais antigas <strong>da</strong> cultura ucraniana,conforme se observa:As <strong>da</strong>nças ucranianas revelam tendências para o espaço,<strong>pr</strong>ó<strong>pr</strong>io às planícies <strong>da</strong> Ucrânia, e movimentosarredon<strong>da</strong>dos, com formação de várias figuras, comfreqüência de linhas geométricas. Caracterizam-se pelo seuritmo cheio de vi<strong>da</strong>, de coragem e confiança, assim comopela alegria exuberante (BORUSZENKO, 1981, p. 23).As <strong>da</strong>nças dividem-se em três categorias: <strong>da</strong>nças em grupos são osremanescentes dos festejos e <strong>da</strong>s cerimônias antigas; <strong>da</strong>nças aos pares sãoex<strong>pr</strong>essões dos sentimentos e ocorrências <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> humana; e <strong>da</strong>nças individuais,reminiscências <strong>da</strong>s antigas competições e desafios.Os imigrantes ucranianos trouxeram para o Brasil aspectos culturaisque, apesar <strong>da</strong> assimilação <strong>pr</strong>ogressiva, são <strong>pr</strong>eservados como tradição milenar.Na opinião de Miguel Wouk, o apego por parte dos imigrantes a sua herançasocial não quer dizer que eles sejam incapazes de assimilar a cultura do país parao qual imigraram. Pelo contrário, esses grupos humanos colaboram para o30


desenvolvimento <strong>da</strong> cultura <strong>br</strong>asileira, ain<strong>da</strong> "des<strong>pr</strong>ovi<strong>da</strong> <strong>da</strong>s características desedimentação <strong>da</strong>s tradições que só o tempo lhes pode <strong>pr</strong>oporcionar" (1981, p.35).1.2 Ambiente do Paraná e a imigração ucraniana<strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong>: a <strong>poesia</strong> <strong>da</strong> <strong>inquietação</strong>Em meados do século XIX, o território paranaense ain<strong>da</strong> era uma regiãopouco povoa<strong>da</strong>, com sertões <strong>br</strong>avios e desabitados, inclusive em áreas <strong>pr</strong>óximasa Curitiba. A população existente vivia em núcleos raros, pequenos e dispersos,localizados no interior, como Palmas, Rio Negro, Guarapuava e outras pequenaslocali<strong>da</strong>des. As pessoas eram constantemente molesta<strong>da</strong>s por índios que asamedrontavam "com suas correrias". O mesmo acontecia em relação aostropeiros que faziam a ligação entre São Paulo e o Rio Grande do Sul,especialmente no trecho ao Sul do Rio Negro, na chama<strong>da</strong> Estra<strong>da</strong> <strong>da</strong> Mata(WACHOWICZ, 1988, p. 145).A população fun<strong>da</strong>mental de início era composta de portugueses,espanhóis, índios e africanos, "apenas 407 colonos agricultores de diversasetnias foram constatados antes <strong>da</strong> fun<strong>da</strong>ção <strong>da</strong> Província do Paraná"(MARTINS, 1939, p. 406).Em 1853, ocorre a emancipação política do Paraná. O <strong>pr</strong>imeiro<strong>pr</strong>esidente <strong>da</strong> Província foi Zacarias de Góis e Vasconcelos. A população <strong>da</strong><strong>pr</strong>ovíncia perfazia um total de 60.626 habitantes, para os 200.000 Km2, ou seja,três pessoas por quilômetro quadrado. Desse total, havia respectivamente 40%de negros e mulatos, sendo 16% de escravos. Essas populações apoiavam suaeconomia na extração, beneficiamento e comercialização <strong>da</strong> erva-mate(HORBATIUK, 1989, p. 34-35).Os <strong>gov</strong>ernos de Zacarias de Góis e Vasconcelos e de seus sucessores,como medi<strong>da</strong> <strong>pr</strong>ioritária, facilitaram o povoamento do território paranaense.Dessa forma, o <strong>pr</strong>esidente Vasconcelos autoriza, a 21 de março de 1855, aimigração de estrangeiros ao Paraná.O Paraná reivindica, na época, junto ao <strong>gov</strong>erno imperial, a criação decolônias de imigrantes europeus em seu território. Em 1859, ocorreu a criação <strong>da</strong>colônia Assungui, organiza<strong>da</strong> em regime de pequena <strong>pr</strong>o<strong>pr</strong>ie<strong>da</strong>de. Elalocalizava-se a 109 quilômetros ao norte de Curitiba, no vale do rio Ribeira,distante dos <strong>pr</strong>incipais caminhos de tropas, a fim de que a sua população nãofosse tenta<strong>da</strong> pela ativi<strong>da</strong>de do tropeirismo (WACHOWICZ, 1988, p. 144).31


Antonio Donizeti <strong>da</strong> CruzA partir de 1870, intensifica-se a formação dessas colônias em todo oEstado, sendo Curitiba o centro dessa imigração, atraindo populações <strong>da</strong>s maisdiversas origens, <strong>pr</strong>edominando a alemã, a polonesa, a ucraniana, a russa, aitaliana. A <strong>pr</strong>esença de numerosos grupos étnicos e <strong>da</strong>s mais diversas<strong>pr</strong>ocedências levou o Estado do Paraná a características diferentes de outrosEstados. No Paraná, segundo Valdomiro Burko, "o elemento estrangeiro<strong>pr</strong>eponderante foi o eslavo, so<strong>br</strong>etudo o polonês e o ucraniano" (1963, p. 46). OParaná é um território que, do ponto de vista sociológico, acrescentou ao Brasiluma nova dimensão: a de uma civilização original. Wilson Martins, ao referir-seà construção <strong>da</strong> história paranaense afirma:A história paranaense é a de uma construção modesta esóli<strong>da</strong> e tão <strong>pr</strong>ofun<strong>da</strong>mente <strong>br</strong>asileira que pôde, sem alardesimpor o <strong>pr</strong>edomínio de uma ideia nacional a tantas culturasantagônicas. E que pôde, so<strong>br</strong>etudo, numa experiênciamagnífica, harmonizá-las entre si, num exemplo defraterni<strong>da</strong>de humana a que não ascendeu a <strong>pr</strong>ó<strong>pr</strong>ia Europa,de onde elas vieram. (MARTINS, 1989, p. 446).Para Ruy C. Wachowicz (1988), "<strong>pr</strong>ovavelmente, o Paraná é o maior'laboratório étnico' do Brasil". No dizer do autor, esses imigrantes re<strong>pr</strong>esentadospelas novas gerações <strong>pr</strong>aticamente integraram-se à socie<strong>da</strong>de <strong>br</strong>asileira, unsmais, outros menos, todos porém <strong>da</strong>ndo sua contribuição para a transformação<strong>da</strong> cultura original luso-<strong>br</strong>asileira (WACHOWICZ, 1988, p. 151).A imigração ucraniana no Paraná deu-se em três etapas, motiva<strong>da</strong> porcircunstâncias diversas ocorri<strong>da</strong>s na Ucrânia. A <strong>pr</strong>imeira etapa ocorreu no finaldo século XIX, quando lavradores de Galícia e Bucovina, sob o domínio <strong>da</strong>Áustria, com <strong>pr</strong>oblemas de superpopulação, fraca industrialização e máscondições econômicas <strong>pr</strong>ocuram outros países, dentre os quais o Brasil e,<strong>pr</strong>incipalmente, o Estado do Paraná. A segun<strong>da</strong> etapa de imigrantes foi emdecorrência <strong>da</strong> Primeira Grande Guerra quando, em 1923, foi reconheci<strong>da</strong> asoberania <strong>da</strong> Polônia so<strong>br</strong>e o território ucraniano. A terceira etapa aconteceuapós a Segun<strong>da</strong> Guerra Mundial, quando mais de 200 mil ucranianosdeslocaram-se para vários países e parte deles, vieram ao Paraná.Os <strong>pr</strong>imeiros imigrantes ucranianos no Paraná teriam sido oito famílias,<strong>pr</strong>ovenientes <strong>da</strong> Galícia Oriental e localiza<strong>da</strong>s na colônia Santa Bárbara, entrePalmeiras e Ponta Grossa, no ano de 1891. Mas, as maiores levas de imigrantesucranianos que vieram ao Paraná ocorreram no período de 1895 a 1897, quandochegaram cerca de 20 mil imigrantes. Em 1895, os imigrantes seguiram para os32


<strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong>: a <strong>poesia</strong> <strong>da</strong> <strong>inquietação</strong>arredores de Curitiba; em 1896 e 1897, dirigiram-se para Prudentópolis eMarechal Mallet. No início do século atual, o grupo ucraniano no Paraná perfaziaum total de mil pessoas, segundo <strong>da</strong>dos de Burko.Entre 1908 a 1914, novos imigrantes ucranianos, vindos <strong>da</strong> Galícia,chegam ao Paraná, motivados pela acolhi<strong>da</strong> <strong>br</strong>asileira, para trabalharem naconstrução <strong>da</strong> Estra<strong>da</strong> de Ferro São Paulo - Rio Grande do Sul. Vendo aoportuni<strong>da</strong>de de trabalho, milhares deles deixaram o seu país, transferindo-separa o Paraná (BURKO, 1963, p. 49).Dessa forma, a imigração ucraniana até o início <strong>da</strong> Primeira GuerraMundial eleva-se a 45 mil pessoas. Após a Guerra, ocorre um declínio naimigração. O número de imigrantes após a Segun<strong>da</strong> Guerra Mundial nãoultrapassa a 9 mil pessoas. A partir de 1947 até 1951, mais de 7 mil imigrantesucranianos foram registrados nos portos <strong>br</strong>asileiros. Na época, percebe-se a<strong>pr</strong>esença de muitos intelectuais. Assim, registra-se, pois, a vin<strong>da</strong> dea<strong>pr</strong>oxima<strong>da</strong>mente 60 mil imigrantes ucranianos que, com seus descendentesnascidos no Brasil perfazem uma etnia de 120 mil pessoas, <strong>da</strong>s quais, 100 milencontram-se no Estado do Paraná (BURKO, 1963, p. 50).A maioria dos <strong>pr</strong>imeiros imigrantes que vieram ao Paraná foramencaminhados às terras não des<strong>br</strong>ava<strong>da</strong>s no segundo planalto paranaense, onderealizaram tarefas em áreas pioneiras. Os ucranianos <strong>da</strong> <strong>pr</strong>imeira imigraçãodestacam-se pela dedicação e amor à terra e ao trabalho agrícola. Elesdes<strong>br</strong>avaram as matas, a<strong>br</strong>iram estra<strong>da</strong>s, beneficiaram as terras e cultivaram comafinco o quinhão que haviam recebido do <strong>gov</strong>erno. Assim, melhoraram a suasorte e, ao mesmo tempo, contribuíram de forma significativa para odesenvolvimento econômico do país.Em relação à imigração ocorri<strong>da</strong> no Paraná, Paulo Leminski afirma que,tanto em Curitiba quanto no Paraná em geral, ocorre "uma descapitalizaçãocultural do imigrante", ou seja, ele deixa de ser alemão, italiano ou polonês,porém ain<strong>da</strong> não é caracterizado como <strong>br</strong>asileiro. Então, forma-se "um vácuo,uma terra de ninguém". E essa terra de ninguém somos nós do Sul (1988, p. 12-13). Ain<strong>da</strong>, para Leminski, o imigrante não é apenas um estrangeiro que deixousua pátria, mas "um tipo de gente especial".O crítico Wilson Martins registra que, no Sul do país, há um Brasildiferente, <strong>pr</strong>incipalmente com referência às zonas rurais, em que são "colhidos"exemplos de influências ideológicas ou espirituais, tais como modificaçõeslinguísticas ou vocabulares e tendências de pensamento. Segundo Martins, "ainfluência estrangeira é um fato que <strong>pr</strong>ecisa ser inter<strong>pr</strong>etado" (1989, p. 6). A33


Antonio Donizeti <strong>da</strong> Cruzrespeito <strong>da</strong>s transformações que ocorrem com os imigrantes, o crítico afirma:O imigrante, num espaço de tempo extraordinariamentecurto, deixou de se sentir imigrante para se amol<strong>da</strong>r porcompleto à nova terra, <strong>da</strong> mesma forma por que a amol<strong>da</strong>vaaos seus <strong>pr</strong>ó<strong>pr</strong>ios hábitos, experiências, tradições. Nesseparticular, os homens norte-europeus e por 'simpatia', os deoutras etnias, demonstraram no clima temperado do Paranáa mesma plastici<strong>da</strong>de admirável que o sr. Gilberto Freyreverificou nos portugueses 'lançados' em zonas tropicais(MARTINS, 1989, p. 6. Grifos do autor).Os imigrantes ucranianos a<strong>da</strong>ptaram-se à nova terra, integrando-se navi<strong>da</strong> do país. Os ucranianos e seus descendentes se destacam pelas suas diversasmanifestações <strong>da</strong> cultura, <strong>da</strong> religiosi<strong>da</strong>de, do folclore, como as <strong>da</strong>nças, ascanções e outras, solidificando a cultura paranaense. Conforme OksanaBoruszenko,Constituindo uma parcela do pluralismo cultural quecaracteriza os países americanos, os ucranianos im<strong>pr</strong>imemsão ao Paraná e, so<strong>br</strong>etudo a Curitiba, um certo coloridopeculiar, através <strong>da</strong>s suas igrejas de cúpulas bizantinas, dosseus ritmos e melodias, através do estilo e cores nosbor<strong>da</strong>dos artesanais, nos trajes de festas, nos ovos de Páscoae nas demais manifestações de ordem folclórica, queenriquecem a cultura local (BORUSZENKO, 1981, p. 26).No Paraná, uma <strong>da</strong>s tradições que persiste entre os imigrantesucranianos é a dos festejos de Páscoa. Uma <strong>da</strong>s singulari<strong>da</strong>des especiais <strong>da</strong>Páscoa ucraniana são as pessankas, os ovos coloridos, pintados à mão, umtrabalho artesanal, que passou a ter um caráter peculiar e bem destacado no ramo<strong>da</strong> arte popular. Oksana Boruszenko, ao referir-se a essa arte e tradição populardos imigrantes ucranianos, declara:34A pessanka é to<strong>da</strong> desenha<strong>da</strong> à mão, donde vem o seu nome.Elas são ofereci<strong>da</strong>s na manhã de Páscoa, como <strong>pr</strong>esente aosamigos, com o tradicional cum<strong>pr</strong>imento “Krestós Voskrés”(Cristo Ressuscitou), cuja resposta é “Voístenu Voskrés”(em ver<strong>da</strong>de Ressuscitou). Ca<strong>da</strong> <strong>pr</strong>ovíncia, ca<strong>da</strong> vila, emesmo ca<strong>da</strong> comuni<strong>da</strong>de na Ucrânia, tem os seus <strong>pr</strong>ó<strong>pr</strong>iossímbolos, significados e fórmulas, para a confecção destaspessankas, que são cui<strong>da</strong>dosamente guar<strong>da</strong><strong>da</strong>s e passam demães para filhas, através <strong>da</strong>s gerações (BORUSZENKO,1981, p. 23. Grifos <strong>da</strong> autora).


<strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong>: a <strong>poesia</strong> <strong>da</strong> <strong>inquietação</strong>A contribuição que os imigrantes ucranianos deram ao setor econômicono Paraná foi relevante. Cerca de 80% deles, estabelecidos no Paraná,dedicaram-se à lavoura, destacando-se como plantadores tradicionais do trigo.Foram os <strong>pr</strong>imeiros a implantar a pequena indústria de moagem, iniciando ocooperativismo e tomando parte no transporte dos <strong>pr</strong>odutos agrícolas e outrasmercadorias, na <strong>pr</strong>imeira metade deste século. Uma pequena parte dosimigrantes destacaram-se a setores de ativi<strong>da</strong>des nas indústrias, comoem<strong>pr</strong>esários ou operários, so<strong>br</strong>etudo na fa<strong>br</strong>icação de móveis. Alguns delestornaram-se técnicos especializados: mecânicos ou <strong>pr</strong>ofissionais liberais.Nessas perspectivas, Oksana Boruszenko salienta:Os ucranianos ocuparam largo setor de ativi<strong>da</strong>desagrícolas, na vi<strong>da</strong> paranaense, não só nas áreas de suacolonização inicial, como também em novas frentespioneiras. As comuni<strong>da</strong>des agrárias, mesmo, os ucranianosque vivem nas ci<strong>da</strong>des, conservam muito do estilo <strong>pr</strong>ó<strong>pr</strong>iode vi<strong>da</strong>, seus costumes e tradições, nota<strong>da</strong>mente a língua. Eisso se reflete tanto na vi<strong>da</strong> religiosa, como na social, dosimigrantes ucranianos no Paraná, onde eles constituem umauni<strong>da</strong>de cultural, que integra o mosaico étnico do Estado(BORUSZENKO, 1981, p. 5)No Estado, há muitos expoentes nas artes e nas ciências. Nas artes,destacam-se: <strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong>, na literatura, e Miguel Bakun, na pintura; nasciências, Serafim Voloschen, na engenharia, Igor Chmvytz, na arqueologia eAfonso Antoniuk, na neurocirurgia. A contribuição de <strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong> ésignificativa à cultura paranaense, como <strong>pr</strong>ofessora e inspetora de ensino e comopoeta, através de sua voz lírica.1.3 Imigração dos avós e pais de <strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong>Os pais de <strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong> chamavam-se Miguel e Victória <strong>Kolody</strong>,imigrantes ucranianos que se conheceram no Paraná. Miguel <strong>Kolody</strong> nasceu noano de 1881, na Galícia Oriental, Ucrânia. Veio para o Brasil em 1894, ain<strong>da</strong>criança, com sua mãe e irmãos, fugindo <strong>da</strong> grande epidemia de cólera queassolou seu país em 1893, vitimando seu pai e uma tia. Victória também nasceuna Galícia Oriental, em 1892, e veio para o Brasil em 1911, com seus pais.José Szandrowsky, pai de Victória, era um homem informado so<strong>br</strong>e asituação européia e, <strong>pr</strong>essentindo a Guerra, decidiu sair de sua terra natal, YuriJan-Paul, em busca de melhores condições de vi<strong>da</strong>. Ele e sua família radicaram-35


Antonio Donizeti <strong>da</strong> Cruzse, então, no recém-fun<strong>da</strong>do núcleo colonial <strong>da</strong> Cruz Machado, no sertão sulparanaense.<strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong>, em entrevista a Telma Serur, em 1988, para o jornalNicolau, de Curitiba, diz como seus pais se conheceram:A família de mamãe se estabeleceu em Cruz Machado, ondemeu pai construía a estra<strong>da</strong> de ro<strong>da</strong>gem que ligava a ci<strong>da</strong>de.Ele começou a freqüentar a casa dos patrícios e, logo queviu minha mãe, é lógico, se apaixonou por ela. Eles casaramno dia 13 de janeiro de 1912 (SERUR, 1988, p. 6).Miguel <strong>Kolody</strong> foi comerciante, agrimensor e também funcionário <strong>da</strong>Lamber. Victória dedicou-se ao lar. Conforme <strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong>, sua mãeconsiderava-se <strong>br</strong>asileira. "Amou tanto o Brasil que nunca desejou rever suapátria. Sem<strong>pr</strong>e nos disse: 'a terra de meus filhos é a minha pátria'" (KOLODY,1989, p. 6).Ao referir-se à Independência <strong>da</strong> Ucrânia, <strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong>, emdepoimento à Natália Nunes, em O Estado do Paraná, a 21 de novem<strong>br</strong>o de1991, afirma que "o ucraniano sem<strong>pr</strong>e teve o sonho de liber<strong>da</strong>de. Seria a maiorfelici<strong>da</strong>de para meus pais que sem<strong>pr</strong>e choravam a escravidão de seu país"(NUNES, 1991, p. 1).36


<strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong>: a <strong>poesia</strong> <strong>da</strong> <strong>inquietação</strong>2 HELENA KOLODY:CONTEXTO SOCIAL E OBRA POÉTICAA influência <strong>da</strong> imigração ucraniana está diretamente relaciona<strong>da</strong> à<strong>poesia</strong> de <strong>Kolody</strong>, sendo interessante verificar os efeitos sociais e históricos queemanaram do país de origem (Ucrânia) em confronto com os efeitos <strong>br</strong>asileiros,mais <strong>pr</strong>ecisamente em Curitiba.<strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong> nasceu a 12 de outu<strong>br</strong>o de 1912, no recém-fun<strong>da</strong>donúcleo colonial de Cruz Machado, no sertão sul-paranaense. Faleceu no dia 14de fevereiro de 2004. Filha <strong>pr</strong>imogênita de Miguel e Victória <strong>Kolody</strong>, néeSzandrowska. A autora revela <strong>da</strong>dos so<strong>br</strong>e sua infância:Nasci num ranchinho de chão batido, feito de tábuas toscas,mora<strong>da</strong> <strong>pr</strong>ovisória de meus pais. Embora de sangue eslavo,nasci como uma índia e orgulho-me disso. Antes doalvorecer, milhares de pássaros se punham a gorjear: eu meacor<strong>da</strong>va e ficava ouvindo aquele canto (KOLODY, 1989,p. 5).<strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong> foi uma criança bilíngüe, <strong>da</strong>do cultural marcante entre osfilhos de imigrantes. Sua mãe, Victória, ain<strong>da</strong> não sabia falar o português quandosua filha nasceu, mas <strong>Helena</strong>, com a i<strong>da</strong>de de 1 ano e 6 meses, já falava a línguapátria.A infância de <strong>Helena</strong> foi vivi<strong>da</strong> boa parte em Três Barras (SantaCatarina) e também em Rio Negro (Paraná). So<strong>br</strong>e as reminiscências de suainfância, a poeta declara:Lem<strong>br</strong>o de Três Barras, onde passei grande parte <strong>da</strong>infância. Meus pais viviam lendo. Mamãe era uma leitoraapaixona<strong>da</strong> <strong>da</strong> <strong>poesia</strong> de Tarás [Chevtchenko]. Desdecriança, ouvi os versos desse poeta. Na adolescência,cheguei a ler seus versos no original. E comecei a traduziralguns poemas (KOLODY, 1986, p. 19).A herança eslava manifesta-se em sua <strong>poesia</strong>. A esse respeito <strong>Helena</strong><strong>Kolody</strong> escreve: "creio que há uma 'certa eslavi<strong>da</strong>de' em minha maneira de ser. Éa minha marca de origem, embora eu seja apaixona<strong>da</strong>mente <strong>br</strong>asileira".Sua vi<strong>da</strong> <strong>pr</strong>ofissional foi dedica<strong>da</strong> ao magistério e à educação de seusalunos. Atuou sem<strong>pr</strong>e com dinamismo, contribuindo, assim, de forma37


Antonio Donizeti <strong>da</strong> Cruzsignificativa para a melhoria do ensino. <strong>Helena</strong> declara que o magistério e a<strong>poesia</strong> são as duas asas do seu viver. O magistério foi escolha; a <strong>poesia</strong>, umimperativo psicológico. A poeta refere-se à sua criação, dizendo que "a <strong>poesia</strong>foi uma floração espontânea ao longo do meu caminho de magistério. Aspapoulas do sonho florescendo no meio do trigal" (BASSETI, 1990, p. 5).<strong>Helena</strong> foi <strong>pr</strong>ofessora de biologia educacional, história <strong>da</strong> educação ematérias correlatas. Também foi inspetora de ensino. Para a poeta, foi o "impulsoirresistível <strong>da</strong> vocação" que a fez tornar-se educadora. A sala de aula foi o seu lar,o seu mundo; os alunos, sua família pe<strong>da</strong>gógica. E diz: "fui apaixona<strong>da</strong>mente<strong>pr</strong>ofessora". <strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong> sente-se realiza<strong>da</strong> por ter exercido o magistério econfessa que foi ao ensino que dedicou os melhores anos de sua vi<strong>da</strong>. A esserespeito, a poeta afirma: "Lecionei com <strong>pr</strong>azer e entusiasmo. Amei os alunoscomo se fossem meus irmãos, meus filhos" (KOLODY, 1989, p. 8).<strong>Helena</strong> realizou seus <strong>pr</strong>imeiros estudos no Grupo Escolar Barão deAntonina, de 1920 a 1922, em Rio Negro, PR. Concluiu o curso <strong>pr</strong>imário em1922. Também estudou em Curitiba de 1923 a 1924, no Colégio DivinaProvidência e na Escola Intermediária (atual Instituto de Educação do Paraná).Em 1924, passou a residir em Mafra, SC, ci<strong>da</strong>de vizinha de Rio Negro, PR. Aí,estudou piano, pintura e escreveu os seus <strong>pr</strong>imeiros versos.Em 1927, a família transfere-se para Curitiba e Miguel <strong>Kolody</strong>, seu pai,que anteriormente havia exercido a <strong>pr</strong>ofissão de agrimensor, estabelece-se comum armazém de secos e molhados.Em 1928, <strong>Kolody</strong> publicou seu <strong>pr</strong>imeiro poema "A lágrima", na revistaO garoto, edita<strong>da</strong> por um grupo de estu<strong>da</strong>ntes.A LÁGRIMA38Oh! lágrima cristalina,Tão salga<strong>da</strong> e pequenina,Quanta dor tu não redimes!Mesmo feita de amargura,És tão sublime, tão puraQue só virtudes ex<strong>pr</strong>imes.Ao coração torturado,pela sau<strong>da</strong>de magoadoPelo destino cruel,Tu és a pérola lin<strong>da</strong>do rosário que não fin<strong>da</strong>,


Feita de tortura e fel.<strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong>: a <strong>poesia</strong> <strong>da</strong> <strong>inquietação</strong>1928(KOLODY. In: O Estado do Paraná, 1987, p. 15)<strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong> começou a escrever muito jovem, por volta dos 13 anos,mas somente a partir de 1930 seus poemas são publicados em jornais e revistas.Especialmente em Marinha, revista do litoral paranaense, edita<strong>da</strong> em Paranaguá,maior divulgadora de sua <strong>poesia</strong> na época. O poeta Rodrigo Júnior era um doscoordenadores <strong>da</strong>s colaborações que ele mesmo enviava para a Revista. Segundo<strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong>, foi por iniciativa de Ilnah Secundino e, <strong>pr</strong>incipalmente, deRodrigo Júnior que seus versos começaram a ser publicados na revistaMarinha..., divulga<strong>da</strong> nos Estados do Sul. Dessa forma, inúmeras pessoastomaram conhecimento de sua <strong>poesia</strong>, antes <strong>da</strong> publicação de seu <strong>pr</strong>imeiro livro(KOLODY, 1986, p. 30).De 1928 a 1931, <strong>Helena</strong> cursou a Escola Normal Secundária (atualInstituto de Educação do Paraná). Diplomou-se como <strong>pr</strong>ofessora normalista em1931. A esse respeito ela salienta: "sou uma simples <strong>pr</strong>ofessora normalista etenho orgulho disso" (1989, p. 7). Em 1932, é nomea<strong>da</strong> <strong>pr</strong>ofessora do grupoEscolar Barão de Antonina, de Rio Negro, PR. Em 1933, é designa<strong>da</strong> paralecionar na Escola Normal de Ponta Grossa, atuando por um período de 4 anos.Em 1937, <strong>Helena</strong> é transferi<strong>da</strong> para a Escola Normal de Curitiba (atualInstituto de Educação). Lecionou na Capital, cerca de 23 anos, com interrupçãode apenas um ano (1944), quando <strong>pr</strong>estou serviços na Escola de Professores deJacarezinho, PR.A o<strong>br</strong>a poética de <strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong> e a crítica literária referente a sua o<strong>br</strong>aé vasta, ou seja, publicou doze livros de <strong>poesia</strong> e oito antologias e o<strong>br</strong>ascompletas, além de inúmeros poemas publicados em revistas e jornais.No ano de 1941, <strong>Helena</strong> publica sua <strong>pr</strong>imeira o<strong>br</strong>a Paisagem interior,com dedicatória a seu pai. Porém, Miguel <strong>Kolody</strong> falece e não pode ver o<strong>pr</strong>imeiro livro que sua filha <strong>pr</strong>eparava em segredo. A respeito desseacontecimento, em entrevista ao Jornal do livro, de Curitiba, <strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong> faza seguinte afirmação:Neste ano de 41 meu pai ia fazer 60 anos. Era o tipo do paicoruja e nem sabia que eu estava para publicar o livro.Então, resolvi fazer um <strong>pr</strong>esente a meu pai no dia de seuaniversário. O livro seria feito na Escola Técnica. A gentepagava o material e eles im<strong>pr</strong>imiam, sei até quanto custou:39


Antonio Donizeti <strong>da</strong> Cruzduzentos mil réis. Com capa de Elvídia Leite, que era minhaamiga. No dia 21 de setem<strong>br</strong>o, meu pai morreu de repente.Eu quis tirar o livro <strong>da</strong> gráfica, mas os meus amigos medisseram: agora é que você <strong>pr</strong>ecisa fazer uma homenagem aseu pai (1985, p. 4).Uma <strong>da</strong>s <strong>pr</strong>imeiras críticas à o<strong>br</strong>a kolodyana foi a do poeta RodrigoJúnior (pseudônimo de João Baptista Carvalho de Oliveira), para o jornal Diário<strong>da</strong> tarde, de Curitiba, a 21 de janeiro de 1942. Ao comentar Paisagem interior(1941), Rodrigo Júnior <strong>pr</strong>eviu o futuro poético de <strong>Helena</strong>:O que é mister é que a criadora de 'Paisagem Interior' não sedetenha em meio do caminho, satisfeita com os aplausos deque está sendo cumula<strong>da</strong>, e que continue a desentranhar-seem novas rimas, que se cristalizarão em novos livros, paramaior glória <strong>da</strong>s letras de nossa terra (JÚNIOR, 1942, p. 3).Ao elogiar a o<strong>br</strong>a inaugural <strong>da</strong> poeta, o escritor Rodrigo Júnior <strong>pr</strong>evira oseu potencial criador. Em seu artigo, ele afirma que ela é um espíritoindependente em arte, não se apega a cânones estéticos, não se submete àimposição de <strong>pr</strong>eceitos ou regras escolásticas. Situando a <strong>poesia</strong> de <strong>Helena</strong> noque há de mais moderno, Rodrigo Júnior afirma:Irrefragavelmente, o verso <strong>da</strong> autora de 'Paisagem Interior'se destaca, com magnífico relevo, exibindo um coloridoinédito, um 'frisson' de ideias modernas, na <strong>poesia</strong> feminilparanaense <strong>da</strong> hora <strong>pr</strong>esente (JÚNIOR, 1942, p. 3).Em 1942, <strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong> classifica-se em segundo lugar com Paisageminterior, no "Concurso de <strong>poesia</strong>", <strong>pr</strong>omovido pela "Socie<strong>da</strong>de de Homens deLetras", do Rio de Janeiro.Em 1945, publica Música submersa. A respeito <strong>da</strong> o<strong>br</strong>a, o crítico Ga<strong>br</strong>ielFontoura registra, em 1945, na revista Marinha..., o artigo "Música submersa".Para o crítico, a o<strong>br</strong>a "se resume num pugilo de versos <strong>pr</strong>imorosamentecinzelados [...]. Só a poetisa que burilou o soneto SONHAR, capaz seria deescrever versos assim tão elevados. Há certa dose de filosofia nas suas ideias"(FONTOURA, 1945, n. p.).Rumo paranaense, revista de Curitiba, dirigi<strong>da</strong> por Mamédio C. Bark,publica três cartas-lem<strong>br</strong>anças de Carlos Drummond de Andrade, CecíliaMeireles e Andrade Muricy, à <strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong>, com um <strong>br</strong>eve comentário crítico.O poeta Carlos Drummond de Andrade, a respeito <strong>da</strong> o<strong>br</strong>a Música submersa, em40


<strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong>: a <strong>poesia</strong> <strong>da</strong> <strong>inquietação</strong>carta <strong>da</strong>ta<strong>da</strong> de 29 de março de 1946 e publica<strong>da</strong> em Rumo paranaense, aoagradecer o exemplar do livro recebido <strong>da</strong> poeta, assim ex<strong>pr</strong>essa:No ano de 1947, <strong>Helena</strong> <strong>pr</strong>esta concurso público para a função deInspetora de Ensino Secundário, sendo nomea<strong>da</strong> em 1950.Em 1949, obtém o terceiro lugar no "Concurso de Livros", gênero<strong>poesia</strong>, do Centro de Letras do Paraná, com os originais de A som<strong>br</strong>a no rio.Recebe o <strong>pr</strong>êmio "Ismael Martins" (publicação <strong>da</strong> o<strong>br</strong>a), sob o patrocínio <strong>da</strong>Prefeitura Municipal de Curitiba. Em 1950, publica a segun<strong>da</strong> edição dePaisagem interior.Em 1951, é publicado A som<strong>br</strong>a no rio. Cecília Meireles, ao referir-se ào<strong>br</strong>a, escreve a <strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong>, em carta <strong>da</strong>ta<strong>da</strong> de 6 de março de 1952 epublica<strong>da</strong> em Rumo paranaense, a seguinte opinião:A escritora Pompília Lopes dos Santos, em seu artigo "A som<strong>br</strong>a do rio",publicado em O Estado do Paraná, a 14 de março de 1952, tece este comentárioso<strong>br</strong>e a o<strong>br</strong>a de <strong>Helena</strong>:41


Antonio Donizeti <strong>da</strong> CruzEm A som<strong>br</strong>a do rio <strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong> é de umaespirituali<strong>da</strong>de sur<strong>pr</strong>eendente, trata com sabedoria invulgar<strong>da</strong>s coisas subjetivas. [...] Há música, beleza, harmonia eespirituali<strong>da</strong>de na <strong>poesia</strong> de <strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong>. <strong>Helena</strong> atingiua Perfeição do pensamento dentro de seu verso liberto eespontâneo (SANTOS, 1952, p. 12).O Crítico Tasso <strong>da</strong> Silveira publica em A Estante, Revista do Rio deJaneiro, seu artigo, "Pura <strong>poesia</strong> e crítica impura", e, ao comentar a o<strong>br</strong>a, Asom<strong>br</strong>a no rio, declara que a <strong>poesia</strong> de <strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong> "é feita de amargor esabedoria a um só tempo. E traz a marca do poeta ver<strong>da</strong>deiro: o do amor <strong>pr</strong>ofundoao vocábulo" (SILVEIRA, 1952, p. 9).Em 1957, publica a segun<strong>da</strong> edição de A som<strong>br</strong>a no rio. Em 1959, o"Centro Paranaense Feminino de Cultura" publica Trilogia, separata de Umséculo de <strong>poesia</strong> .Em 1962, <strong>Helena</strong> recebe uma homenagem especial de seus alunos pelapassagem dos seus 50 anos. Eles editam Poesias completas, reunindo os livrospublicados até essa <strong>da</strong>ta. No mesmo ano, <strong>Helena</strong> aposenta-se como <strong>pr</strong>ofessorado Estado.Em 1964, publica Vi<strong>da</strong> <strong>br</strong>eve. Lacer<strong>da</strong> Pinto, em seu artigo "<strong>Helena</strong><strong>Kolody</strong> e Vi<strong>da</strong> Breve", publicado no Jornal do Comércio, do Rio de Janeiro, a 20de setem<strong>br</strong>o de 1964, afirma que "tudo é <strong>pr</strong>ecioso neste livro, de forma que odestaque de alguns poemas não significa desdém pelos demais" (1964, n. p.).Maria Irene Junqueira Nunes, ao referir-se a Vi<strong>da</strong> <strong>br</strong>eve, na Gazeta dopovo, de Curitiba, a 26 de novem<strong>br</strong>o de 1967, afirma que, "um halo de tristezaenvolve os poemas banhados de melancolia, '<strong>da</strong> <strong>pr</strong>ó<strong>pr</strong>ia solidão que teve suaquieta alegria sem eco' [...]" (1967, p. 7).Em 1965, publica 20 poemas e, em 1966, <strong>Helena</strong> edita em um únicovolume dois novos livros: Era espacial e Trilha sonora.Vasco José Tabor<strong>da</strong>, em seu artigo "Livros na Mesa", publicado noJornal de Curitiba, a 13 de novem<strong>br</strong>o de 1966, comenta a respeito de Trilhasonora:Trilha Sonora traz ao espírito a gravação sônica dos filmes.Ela volta à temática ora romântica ora simbolista. Seusversos refletem intensamente estados de alma motivadospelo mundo que vive [...]. Versos que lem<strong>br</strong>am ao homem afugaci<strong>da</strong>de <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> perante o eterno, o inexorável(TABORDA, 1966, p. 2).42


<strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong>: a <strong>poesia</strong> <strong>da</strong> <strong>inquietação</strong>A respeito <strong>da</strong> o<strong>br</strong>a Era Espacial (1966), as autoras Hellê VellozoFernandes e América <strong>da</strong> Costa Sabóia, em Antologia didática de escritoresparanaenses (1970), fazem o seguinte comentário crítico:No livro 'Era espacial', do qual fazem parte 'Maquinomem'e 'Século Atômico', a autora a<strong>br</strong>e um hiato no seu mundointerior, para fixar aspectos típicos <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> atual. Mas, agrande força de seu gênio artístico está condensa<strong>da</strong> em<strong>poesia</strong> de sutil observação, como 'Inútil Desco<strong>br</strong>imento',em que reconstitui a sensação de voltar para trás e rever complacidez os pequenos tesouros despercebidos, no passado(FERNANDES, 1970, p. 156-157).Em 1967, publica Antologia poética. Nesse ano, aposenta-se comoInspetora de Ensino. Em 1970, publica Tempo. Miguelina Soifer, em seu artigo,"Tempo e instantanei<strong>da</strong>de em <strong>Kolody</strong>", publicado na Revista Letras, de Curitiba,afirma que Tempo é um "livro-resumo", em que o poeta ascendido e despojadopara a visão retrospectiva, <strong>pr</strong>onuncia seu "Benedicite" à vi<strong>da</strong>, e também lança seu"olhar interior à <strong>pr</strong>ocura de resposta para as grandes interrogações: sentido <strong>da</strong>arte, missão do poeta, <strong>poesia</strong> como destino. <strong>Kolody</strong> 'situa-se' na vi<strong>da</strong> comopoeta" (1971, p. 196).No ano de 1975, falece Victória <strong>Kolody</strong>, mãe de <strong>Helena</strong>. Em 1977, épublica<strong>da</strong> a antologia Correnteza. Em 1980, <strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong> publica Infinito<strong>pr</strong>esente. A Gazeta do povo, em sua edição de 14 de agosto de 1980, a<strong>pr</strong>esenta umcomentário so<strong>br</strong>e a o<strong>br</strong>a, de autoria de Valfrido Piloto, que afirma: "[...] estáticodesse modo, fronte ao alto e coração a bater ine<strong>br</strong>iado, foi como me deparei aoem<strong>pr</strong>eender a leitura dos poemas, tão sintéticos na forma quanto imensuráveis noconteúdo, deste livro de <strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong> 'Infinito <strong>pr</strong>esente'" (PILOTO, 1980, p.10).Miguelina Soifer, ao se referir a o<strong>br</strong>a Infinito <strong>pr</strong>esente, na revista Letras,declara que "a dimensão temporal" é uma forma característica e dominante <strong>da</strong>cosmovisão <strong>Kolody</strong>ana, em que "o poeta visionário toma consciência de seufazer poético" 1980, p. 173).Em 1983, a "Socie<strong>da</strong>de dos amigos <strong>da</strong> cultura ucraína" publica Poesiasescolhi<strong>da</strong>s (Вибрані поезії), com tradução de Wira Wowk para o ucraniano. Noano de 1985, é publicado Sem<strong>pr</strong>e palavra, pela Criar Edições. <strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong>recebe o "Diploma de Mérito literário", conferido pela Prefeitura Municipal deCuritiba.43


Antonio Donizeti <strong>da</strong> CruzSônia Régis, ao referir-se a Sem<strong>pr</strong>e palavra, em seu artigo "A <strong>poesia</strong>incisiva de <strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong>", publicado em O Estado de S. Paulo, a 16 de marçode 1986, expõe que a <strong>poesia</strong> de <strong>Kolody</strong> é "exercício de gestação lento elaborioso", pois "sua <strong>poesia</strong> a<strong>br</strong>e espaços para uma significação plural, onde nãohá lugar para significantes associados mecanicamente" (1986, p. 10).Em 1986, <strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong> participa do <strong>pr</strong>ojeto <strong>da</strong> Biblioteca Pública doParaná. É publica<strong>da</strong> a o<strong>br</strong>a <strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong>: um escritor na Biblioteca. Ain<strong>da</strong>nesse ano, é publica<strong>da</strong> a <strong>pr</strong>imeira edição de Poesia mínima, e a segun<strong>da</strong> deSem<strong>pr</strong>e palavra, pela Criar Edições. Em Poesia mínima, "a palavra depura<strong>da</strong> éabsolutamente sintética e essencial"; os temas continuam na <strong>pr</strong>ocura do absoluto,<strong>da</strong> ligação com o divino, a pequenez diante do mundo, o conflito entre a vi<strong>da</strong> reale a ânsia de plenitude (FARIA, 1992, p. 4).Em 1988, a Secretaria de Estado <strong>da</strong> Cultura do Paraná, por intermédio deRegina Benitez, institui o "Concurso de Poesia <strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong>", como duploreconhecimento pela <strong>br</strong>ilhante atuação <strong>da</strong> poeta no magistério paranaense e pelamagnitude do conjunto de sua o<strong>br</strong>a literária. Ain<strong>da</strong> em 1988, a Criar Ediçõesedita Viagem no espelho, antologia que reúne as o<strong>br</strong>as de <strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong>, até essa<strong>da</strong>ta.Vários poemas <strong>da</strong> autora foram musicados. O <strong>pr</strong>imeiro foi “Prece", em1950, <strong>da</strong> o<strong>br</strong>a Paisagem interior, pela cantora carioca Babi de Oliveira, que omusicou e cantou em seus recitais. Por volta de vinte anos mais tarde, o maestroPedro de Castro musicou-o também. No dia 29 de outu<strong>br</strong>o de 1965, numconcerto de composições de Helza Camêu, a<strong>pr</strong>esentado pelo "Círculo de ArtesVera Janacópulus", no auditório do Conservatório Brasileiro de Música, no Riode Janeiro, foram inter<strong>pr</strong>etados os poemas de <strong>Helena</strong>: "Prenúncio de outono" e"A som<strong>br</strong>a no rio", cantados por Hermelindo Castello Branco, e "Música eterna",cantados por Maria Sylvia Pinto (KOLODY, 1986, p. 22).Helza Camêu (pianista e compositora) musicou alguns poemas de<strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong>: "Ilusão", "Crepúsculo de a<strong>br</strong>il", "So<strong>br</strong>evivência", "Canto" e"Entardecer". Em Curitiba, o maestro Wolf Schaia retoma muitos de seuspoemas. “Carroça de tol<strong>da</strong>” foi cantado na Socie<strong>da</strong>de Ucraniana, com música einter<strong>pr</strong>etação coral de Pedro Kutchma. Para a poeta, o interessante foi que ele pôsem pauta a letra em português e em ucraniano (tradução ucraniana de WiraWowk). <strong>Helena</strong> diz-se admira<strong>da</strong> "com essa intercorrência <strong>da</strong>s artes" (KOLODY,1986, p. 22).No dia 22 de dezem<strong>br</strong>o de 1990, o grupo <strong>da</strong> Oficina Livre de Teatro levaao palco, <strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong>, uma mulher, peça escrita, dirigi<strong>da</strong> e inter<strong>pr</strong>eta<strong>da</strong> pelo44


<strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong>: a <strong>poesia</strong> <strong>da</strong> <strong>inquietação</strong>grupo, <strong>pr</strong>omovi<strong>da</strong> pelo Museu <strong>da</strong> Imagem e do Som, sob a coordenação deMarcelo Marchioro. So<strong>br</strong>e a expectativa <strong>da</strong> peça, em depoimento a ElizabeteCastro, em O Estado do Paraná, a 22 de dezem<strong>br</strong>o de 1990, a poeta refere-se: "ofato de fazerem uma peça so<strong>br</strong>e meus poemas não significa que eu seja a grandepoeta ou a minha <strong>poesia</strong> seja o máximo, mas sim que as pessoas gostam do que eufaço" (CASTRO, 1990, p. 17).Em 1991, a Secretaria de Estado <strong>da</strong> Cultura edita Ontem agora: poemasinéditos. No <strong>pr</strong>efácio <strong>da</strong> o<strong>br</strong>a, Hélio de Freitas Puglielli tece a seguinteafirmação:<strong>Helena</strong> é a voz do Paraná. Uma voz sonora, semarrogâncias, sem estridências retóricas ou piegas. Uma vozque não se alterou ao longo do itinerário, modula<strong>da</strong> pelaautentici<strong>da</strong>de, tempera<strong>da</strong> pelo vigor de uma sensibili<strong>da</strong>deque nem o passar dos anos conseguiu reduzir(PUGLIELLI, 1991, p. 5-6).Em 25 de março de 1992, <strong>Helena</strong> é recebi<strong>da</strong> pelo acadêmico e <strong>pr</strong>ofessorLeopoldo Scherner, na Academia Paranaense de Letras. Atualmente é a únicamulher na APL. Ocupa a cadeira de n. 28, deixa<strong>da</strong> vaga por seu <strong>pr</strong>imeiroocupante, o poeta Leonardo Hencke, e que teve como patrono FranciscoCarvalho de Oliveira, e como fun<strong>da</strong>dor, o poeta Rodrigo Júnior.Leopoldo Scherner, em seu artigo: "<strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong>: paranaenseimortal", publicado no Correio de Notícias, a 3 de a<strong>br</strong>il de 1992, faz uma síntesedo discurso que <strong>pr</strong>oferiu no dia 25 de março de 1992, na Academia Paranaense deLetras e diz que se sentiu "honrado, distinguido e feliz" por receber, em nome deseus confrades, a poeta <strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong>. Para ele, desde o início <strong>da</strong> trajetóriapoética de <strong>Helena</strong>, o vital elemento religioso já aparece em seus poemas, sendoum tema que ela jamais abandonou, pois constitui "a célula criadora de sua<strong>poesia</strong>". Também, o atavismo ucraniano bastava para lhe plasmar a almareligiosa. Ele ain<strong>da</strong> ressalta que, <strong>Helena</strong> é "poeta <strong>da</strong> natureza" e sabe <strong>da</strong> evolução<strong>da</strong> natureza, "com suas mortes e ressurreições" (SCHERNER, 1992, p. 2).Pela passagem de seu aniversário, 80 anos (1992), <strong>Helena</strong> recebeuinúmeras homenagens de amigos, de poetas, artistas, jornalistas, editores,críticos literários. O cineasta Sylvio Back criou o "poemografilme", A Babel <strong>da</strong>luz, em dez minutos e 35 mm. Para Sylvio Back, "homenagear a poeta <strong>Helena</strong><strong>Kolody</strong>, a padroeira de todos nós – com um 'poemografilme' nesta <strong>da</strong>taemblemática – soa como uma autêntica rasteira no tempo" (BACK, 1992a, p. 1).45


Antonio Donizeti <strong>da</strong> CruzA Babel <strong>da</strong> luz foi um dos grandes vencedores do 25º Festival de Brasíliado Cinema Brasileiro, realizado em dezem<strong>br</strong>o de 1992. Premiado como melhorcurta metragem do festival, obteve, também, o <strong>pr</strong>êmio de melhor montagem. Nofilme, <strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong> dá depoimentos, canta e declama. O cineasta define ofilme:A Babel <strong>da</strong> Luz é o tráfico metafórico entre o falado e ocalado, entre o escrito e o traduzido, entre o filmado e ogravado. A revelação do ser humano e de suascircunstâncias lastrea<strong>da</strong>s no fa<strong>br</strong>o lírico, gráfico esemântico do poema. Que o poema, afinal, continua a vi<strong>da</strong>[...]. <strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong> falando em versos, pelos seus versos -como se falasse de (a) ca<strong>da</strong> um de nós, e à posteriori<strong>da</strong>de[...]. <strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong> incorpora e verbaliza aqui a vocaçãoinata do cinema, o poema deslocado do real para renascersob o signo <strong>da</strong> aura tecnológica (BACK, 1992a, p. 1).Para Sylvio Back, a o<strong>br</strong>a de <strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong> é de uma "indiscutíveloriginali<strong>da</strong>de e permanência" (BACK, 1992a, p. 1).Para o poeta Hamilton Faria, em o Almanaque, de O Estado do Paraná,do dia 11 de outu<strong>br</strong>o de 1992, por ocasião dos 80 anos de <strong>Helena</strong>, escreve que"to<strong>da</strong> <strong>poesia</strong> de <strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong> é um diálogo com o absoluto, com Deus, com atranscendência. <strong>Helena</strong> articula o triângulo simbólico essencial homemnatureza-Deus".Os poemas de <strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong> são "pequenos relâmpagos, quasehaikais, que vão se depurando no decorrer do tempo. Manifestam buscas eencontros essenciais do ser" (FARIA, 1992, p. 1).No dizer de Olga Savary, "a <strong>poesia</strong> solar de <strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong> nos mostra aver<strong>da</strong>de, a beleza e a digni<strong>da</strong>de do ser humano e, em última instância <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>".To<strong>da</strong> uma existência dedica<strong>da</strong> à <strong>poesia</strong> e déca<strong>da</strong>s de fazer poético, só tinhaque <strong>da</strong>r em tais frutos, pois <strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong>, é "a alta voz <strong>da</strong> <strong>poesia</strong> <strong>br</strong>asileira"(SAVARY, 1992, p. 3).Na opinião do editor Massao Ohno, "<strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong> é um dos maiorespatrimônios <strong>da</strong> <strong>poesia</strong> <strong>br</strong>asileira contemporânea" (1992, p. 3).O jornalista Zeca Corrêa Leite organizou e selecionou depoimentos arespeito <strong>da</strong> poeta <strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong> em "80 anos de <strong>poesia</strong>", para o "Cadernodois", <strong>da</strong> Folha de Londrina, do dia 11 de outu<strong>br</strong>o de 1992. Ele argumenta que "apoeta <strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong> desperta paixões. A pessoa e a poeta se fundem numa sóimagem e personali<strong>da</strong>de". <strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong> compara sua existência como umabarco se afastando do cais, indo ao alto mar. A esse respeito, <strong>Helena</strong> tece aseguinte declaração:46


<strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong>: a <strong>poesia</strong> <strong>da</strong> <strong>inquietação</strong>A gente vai indo. Às vezes se assusta, mas por outro lado omar fascina, ele é fascinante. E tem aquela coisa: vocêsegura na mão de Deus. Entrego tudo a Ele e tenho umacalma <strong>pr</strong>ofun<strong>da</strong>. A vi<strong>da</strong> é desconheci<strong>da</strong>, você não sabe o diade amanhã (LEITE, 1992, p. 1).Ain<strong>da</strong> nesse artigo, Zeca Corrêa Leite seleciona alguns depoimentosso<strong>br</strong>e <strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong>: Regina Benitez, que foi aluna de <strong>Helena</strong> no Instituto deEducação e criadora do "Concurso de Poesia <strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong>", a respeito de suamestra diz: "sem<strong>pr</strong>e tive comigo que <strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong> é fazendeira de ren<strong>da</strong>. Sua<strong>poesia</strong> é como aquela ren<strong>da</strong> que os galhos <strong>pr</strong>ojetam no caminho cheio de sol, uma<strong>poesia</strong> sutil"; Wilson Bueno, editor do jornal Nicolau, registra que, com <strong>Helena</strong><strong>Kolody</strong>, "surge uma <strong>da</strong>s mais límpi<strong>da</strong>s <strong>poesia</strong>s do Brasil de hoje. Poesiaextremamente com<strong>pr</strong>ometi<strong>da</strong> com a vi<strong>da</strong>, porque a poeta é a vanguar<strong>da</strong> <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>";Ligia Vieira César, coordenadora de Editoração <strong>da</strong> Secretaria de Estado <strong>da</strong>Cultura do Paraná, diz que <strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong> é "a pioneira paranaense <strong>da</strong> <strong>poesia</strong><strong>br</strong>eve". Ligia salienta que, "'antes a nossa <strong>poesia</strong> era anacrônica'. Os frutos dessainovação chamam-se Paulo Leminski, Alice Ruiz, Eduardo Hoffman. Umaespécie de Emily Dickinson <strong>da</strong>s araucárias, com sua temática ingênua, volta<strong>da</strong> àvi<strong>da</strong> e à natureza" (LEITE, 1992, p. 1).<strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong> pertence a inúmeras associações literárias e culturais.Entre elas, a Academia de Letras "José de Alencar", de Curitiba; a Liga AfetivaPortugal, de Lisboa; o Instituto Brasileiro de Cultura, de Curitiba; Centro deLetras do Paraná, de Curitiba; Casa del Artista, de Montevidéo; Academia RioGrandense Feminina de Letras, de Porto Alegre; Casa do Poeta, de São Paulo;entre outras.A o<strong>br</strong>a de <strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong> já foi objeto de estudos acadêmicos. Em 1984,Maria de Lourdes Martins escreve sua Dissertação de Mestrado, intitula<strong>da</strong> Oinfinito como motivo poético em <strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong> – <strong>pr</strong>imeira dissertação demestrado so<strong>br</strong>e <strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong> –, analisando o<strong>br</strong>as <strong>da</strong> autora no período de 1941a 1980. O motivo poético "infinito", na o<strong>br</strong>a de <strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong>, estabelece doisplanos na cosmovisão <strong>da</strong> pesquisadora. A sua sensibili<strong>da</strong>de diante <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>,<strong>pr</strong>eocupa<strong>da</strong>, fun<strong>da</strong>mentalmente, com a <strong>pr</strong>oblemática <strong>da</strong> humani<strong>da</strong>de – ascarências do Homem, a fome, a tristeza, a solidão e a natureza, inserem-se planodenominado "plano de ideal comum e potencial". Visto que o sofrimento purificae eno<strong>br</strong>ece o ser humano, a poetisa vence este plano, e a fé cristã apodera-se deseu coração e estabelece a religiosi<strong>da</strong>de em sua vi<strong>da</strong>, fazendo com que seusanseios se voltem para o outro lado <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>, o <strong>da</strong> eterni<strong>da</strong>de, num plano47


Antonio Donizeti <strong>da</strong> Cruzdenominado "plano de ideal superior" (MARTINS, 1984, p. 57-58).Em 1990, Reinoldo Atem dedica parte de um capítulo para a análise deo<strong>br</strong>as de <strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong>, no período de 1941 a 1985, na Dissertação de Mestradocujo título é Panorama <strong>da</strong> <strong>poesia</strong> contemporânea em Curitiba, a<strong>pr</strong>esenta<strong>da</strong> noCurso de Pós-Graduação em Letras, do setor de Ciências Humanas, Letras eArtes <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de Federal do Paraná. A respeito <strong>da</strong> <strong>poesia</strong> de <strong>Helena</strong><strong>Kolody</strong>, Reinoldo Atem argumenta:É uma <strong>poesia</strong> que <strong>pr</strong>etende dialogar com amplos públicos,indiscrimina<strong>da</strong>mente, sem selecionar platéias, dirigindo-sea to<strong>da</strong>s as pessoas. Essa posição <strong>da</strong> poeta perante oreceptor, de envolvimento, mesmo que na distância desua solidão, permanecerá por to<strong>da</strong> sua o<strong>br</strong>a, delinguagem clara, sem rebuscamentos (ATEM, 1990, p.161).Desde o <strong>pr</strong>imeiro livro de <strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong> pode-se perceber "uma inteiracoerência de postura poética e uma evolução suave de linguagem, no sentido <strong>da</strong>contenção e <strong>da</strong> síntese e do abandono às formas regulares fixas" (1990, p. 159).Ao referir-se aos três haicais, "Prisão", "Arco-íris" e "Felici<strong>da</strong>de", demetrificação correta, que aparecem na <strong>pr</strong>imeira o<strong>br</strong>a <strong>da</strong> autora, Paisageminterior (1941), Reinoldo Atem esclarece que "são os <strong>pr</strong>imeiros publicados noParaná e demonstram sua tendência permanente e contínua para a <strong>br</strong>evi<strong>da</strong>dereflexiva" (ATEM, 1990, p.159).Os três haicais de <strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong>, de Paisagem interior, publicados em1941, “Prisão” (p. 46), "Arco-íris" (p. 47) e "Felici<strong>da</strong>de" (p. 48), a<strong>pr</strong>esentamimagens poéticas de vivaci<strong>da</strong>de e contemplação estética interliga<strong>da</strong>s à invençãoverbal e alto grau de comunicabili<strong>da</strong>de:48


<strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong>: a <strong>poesia</strong> <strong>da</strong> <strong>inquietação</strong>Ao se referir à arte do haicai e <strong>pr</strong>imeiros contatos com a <strong>poesia</strong> de origemjaponesa, <strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong> – em entrevista realiza<strong>da</strong> na Biblioteca Pública doParaná, no dia 11 de agosto de 1986, e publica<strong>da</strong> em Um escritor na Biblioteca:<strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong> (1986) – assim ex<strong>pr</strong>essa:Os literatos e os críticos simplesmente ignoraram essa<strong>poesia</strong> que ninguém, ain<strong>da</strong>, estava fazendo no Paraná. Noentanto, meus alunos, alunas <strong>pr</strong>incipalmente, decertoporque eram muito jovens, e os jovens adoram novi<strong>da</strong>des,gostaram muito. Tanto que a turma de 1943, se não meengano, ofereceu-me, como <strong>pr</strong>esente de aniversário, seisquadros, em pergaminho, com ilustrações dos três 'hai-kais'de Paisagem interior: três quadros de Guido Viaro e trêsiluminuras de Garbácio. Meus alunos sem<strong>pr</strong>e amaramminha <strong>poesia</strong>; divulgaram-na pelo Paraná afora.(KOLODY, 1986, p. 27)A poeta assinala que a comunicação com outros centros culturais é pordemais relevante. <strong>Kolody</strong> destaca que foi através do Jornal de Letras e <strong>da</strong>correspondência com a escritora paulista Fanny Du<strong>pr</strong>é, que teve conhecimentodo poema miniatural japonês, o haicai.Em 13 de junho de 1993, a comuni<strong>da</strong>de nipo-<strong>br</strong>asileira de Curitiba, emcomemoração aos 300 anos de Curitiba e aos 85 anos de imigração japonesa,homenageia a poeta <strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong>, com a outorga do nome haicaísta REIKA,em reconhecimento à dedicação, divulgação e grandiosi<strong>da</strong>de que deram à <strong>poesia</strong>de origem japonesa, o haicai. Nessa mesma ocasião, a poeta Alice Ruiz tambémrecebeu a homenagem <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong>de nipo-<strong>br</strong>asileira de Curitiba, com a outorgade nome haicaísta IUUKA.O nome Reika é composto por dois ideogramasespecíficos Rei e Ka. Nome poético ou haicaísta, podendo sertraduzido como "Perfume <strong>da</strong> literatura", ou "Renoma<strong>da</strong>fragrância de <strong>poesia</strong>", ou "Aroma <strong>da</strong> poeta maior":49


Antonio Donizeti <strong>da</strong> CruzSegundo Rosa Osaki e Chiyoe Osaki, o nome (Reika) sugere na línguajaponesa, algo como um perfume que vai se espalhando pelo ar, cujo cheiro é a<strong>poesia</strong>. “A tradução é difícil de se fazer, porque, não se refere ao perfume em si,mas sim ao contágio ou vi<strong>br</strong>ação que vai envolvendo as pessoas pelo encanto,que a <strong>poesia</strong> dessa pessoa emite” (OSAKI, Rosa; OSAKI Chiyoe, 1993, p. 2).A concentração verbal dos haicais e tankas <strong>da</strong> o<strong>br</strong>a Reika operam numaeconomia de recursos que consegue o máximo efeito estético, numa linguagemsintética, cujo lirismo é uma forma peculiar de "arranjo <strong>da</strong> linguagem" e de"recorte do mundo". Seus versos a<strong>pr</strong>esentam uma sonori<strong>da</strong>de rítmica e rímicamarca<strong>da</strong>s pelo <strong>pr</strong>ocesso de elaboração criativo e lúdico.Os poemas de Reika exploram basicamente uma <strong>da</strong>s vertentes temáticas<strong>pr</strong>eferi<strong>da</strong>s <strong>da</strong> <strong>poesia</strong> de <strong>Helena</strong>: o poeta diante de si mesmo e <strong>da</strong> <strong>poesia</strong>. Ela époeta vigorosa que concilia perfeitamente a experiência <strong>da</strong> subjetivi<strong>da</strong>de com aobjetivi<strong>da</strong>de, ou seja, emoção e razão, atualizando-se pelo nítido espírito demoderni<strong>da</strong>de. Sua linguagem é densa de significação. Seus versos são repletosde significados, sugestões e imaginação, que resultam numa <strong>poesia</strong> intelectual eemotiva, marca<strong>da</strong> pela síntese e pela moderna <strong>pr</strong>ocura de uma semânticainventiva, instauradora de múltiplos sentidos, <strong>pr</strong>eocupa<strong>da</strong> com a estética. Poressas razões, a <strong>poesia</strong> kolodyana se legitima, à definição de Octavio Paz:"Operação capaz de transformar o mundo, a ativi<strong>da</strong>de poética é revolucionáriapor natureza" (1982:15).Por ocasião dos 300 anos de Curitiba, <strong>Kolody</strong> escreveu a crônica, “A<strong>pr</strong>aça”, publica<strong>da</strong> na Gazeta do povo, "Cultura G", a 21 de março de 1993 [emanexo, as variações do texto, em <strong>pr</strong>osa e verso]. No texto, a poeta rememora opassado e vive o momento <strong>pr</strong>esente, olhando "a vi<strong>da</strong> acontecer", numa <strong>pr</strong>osasingular, de pura <strong>poesia</strong>:O cansaço anoitece nas solidões aglomera<strong>da</strong>s. Um rumor demar de ressaca ressoa no tráfego intenso [...]. Tudo seconfunde numa alucinação sonora. Luz e som<strong>br</strong>a na ci<strong>da</strong>degrande. Na <strong>pr</strong>aça Rui Barbosa, a vi<strong>da</strong> escreve uma páginavi<strong>br</strong>ante <strong>da</strong> História curitibana [...]. De minha janela, vejo avi<strong>da</strong> acontecer (KOLODY, 1993, p. 1).A partir <strong>da</strong> <strong>pr</strong>osa, percebe-se a coerência <strong>da</strong> autora, já registra<strong>da</strong> em1988: “Sou uma espectadora igual a uma camponesa, que se senta no fim <strong>da</strong> tardee vê a vi<strong>da</strong> acontecer. E vi<strong>br</strong>o com isto. Meu coração curitibano, paranaense, ficafeliz de ver isto” (KOLODY. In: SERUR, 1988, p. 8).50


<strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong>: a <strong>poesia</strong> <strong>da</strong> <strong>inquietação</strong>Em outu<strong>br</strong>o de 1993, publica-se Reika, o<strong>br</strong>a composta por 28 poemas emhaicais e tankas [Antes <strong>da</strong> defesa de minha dissertação, <strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong> enviouinéditos de haicais e tankas (ver anexo) para que eu pudesse incorporá-los notrabalho de pesquisa]. Reika foi uma iniciativa de Nivaldo Lopes, que numtrabalho em tipografia manual edita o quinto exemplar <strong>da</strong> sua editora Ócios doOfício, e o terceiro <strong>da</strong> coleção Buquinista, <strong>da</strong> Fun<strong>da</strong>ção Cultural de Curitiba. Asilustrações <strong>da</strong> o<strong>br</strong>a são elabora<strong>da</strong>s pelos artistas Guinski, Denise Roman, Seto eJoão Suplicy. O livro tem por título o nome outorgado pela comuni<strong>da</strong>de nipo<strong>br</strong>asileirade Curitiba à Poeta: Reika.A respeito <strong>da</strong> <strong>poesia</strong> e <strong>da</strong> poeta <strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong>, Paulo Leminski, em seuartigo "Santa <strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong>", afirma que é a poeta mais moderna de Curitiba, deuma moderni<strong>da</strong>de de quase oitenta anos:Quando, em 1941, <strong>Helena</strong> publica, em Curitiba, as suas<strong>pr</strong>ó<strong>pr</strong>ias custas, a coletânea 'Paisagem Interior', seu<strong>pr</strong>imeiro buquê de poemas, Bilac ain<strong>da</strong> é um Deus, oModernismo de 22 ain<strong>da</strong> é apenas um escân<strong>da</strong>lo e a <strong>poesia</strong>só é reconhecível nos trajes de gala do soneto. [...] o ricomovimento simbolista [...] <strong>pr</strong>esente no Brasil todo, tinhatido em Curitiba o seu centro mais ativo: É Brito Brocaquem diz, em 1910, Curitiba era ci<strong>da</strong>de literalmente maisimportante do Brasil. Basta ver que oito <strong>da</strong>s quinze revistasdo Simbolismo <strong>br</strong>asileiro foram edita<strong>da</strong>s aqui, entre 1895 e1915. Mas quando <strong>Helena</strong> começa a <strong>pr</strong>oduzir e publicar,esse momento já tinha passado, deixando atrás de si apenasum perfume e uma vi<strong>br</strong>ação (LEMINSKI, 1985, p. 11.Grifos do autor).No dizer de Leminski, o texto de <strong>Helena</strong> é "algo na <strong>poesia</strong>, no <strong>pr</strong>ocesso,que me lem<strong>br</strong>a o gaúcho Mario Quintana, refratando a mesma pureza, a mesmaentrega, a mesma singeleza, a mesma santi<strong>da</strong>de. Só que <strong>Helena</strong> é a mais hai-kai"(1985, p. 11).O poeta Sérgio Rubens Sosséla, em seu artigo "<strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong>, minha<strong>Helena</strong>", publicado em O Estado do Paraná, a 31 de julho de 1983, comenta arespeito <strong>da</strong> <strong>poesia</strong> de <strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong>:Desde o seu <strong>pr</strong>imeiro trabalho ela perquire acerca doslimites do ser (e de seus relacionamentos), quanto aosentido secreto <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>. Os seus versos cromáticos (comlarga <strong>pr</strong>edominância do azul) são <strong>pr</strong>eces veiculadoras dopedido e <strong>da</strong> resposta, rezas ardentes revelando sonhos,meditações <strong>pr</strong>ofun<strong>da</strong>s e apaixona<strong>da</strong>s entre a angústia e a51


Antonio Donizeti <strong>da</strong> Cruzesperança. [...]. A religiosi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> autora cunhou a suaestética, o seu morrer-viver diário" (SOSSELA, 1983, p.21).O crítico João Manuel Simões, em sua o<strong>br</strong>a A tangente e o círculo, arespeito <strong>da</strong> <strong>poesia</strong> <strong>da</strong> autora, salienta:Na <strong>poesia</strong> emblemática de <strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong> há mármores deCarrara e cristais luminosos, cintilantes – ain<strong>da</strong> que<strong>br</strong>ilhando nos latifúndios <strong>da</strong> noite. Nela, a forma e oconteúdo, o significado e o significante, a super-estruturaexterior e a infra-estrutura essencial, a<strong>br</strong>açam-se, numgrande amplexo cósmico de beleza, ritmo, música e cor(SIMÕES, 1984, p. 91).O crítico Andrade Muricy, incentivador e divulgador <strong>da</strong> <strong>poesia</strong> de<strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong>, escreve-lhe, em carta <strong>da</strong>ta<strong>da</strong> de 26 de setem<strong>br</strong>o de 1968, epublica<strong>da</strong> em Rumo Paranaense, tecendo a seguinte afirmação so<strong>br</strong>e a o<strong>br</strong>a <strong>da</strong>autora:'Il est encore dês îles de lumière'. A ex<strong>pr</strong>essão é de Daniel-Rops, em 'Présence et Poësie'. Aceite tranqüilamente queessas 'íles de lumière' as lem<strong>br</strong>e pensando em sua <strong>poesia</strong>. Aex<strong>pr</strong>essão do grande ensaísta vai como luva na sua o<strong>br</strong>a,feita de pureza, luminosi<strong>da</strong>de espiritual e ala<strong>da</strong> vivaci<strong>da</strong>de.Esta <strong>br</strong>eve série: 'Tempo será', 'Calidoscópio', 'Arte' e'Dilema', re<strong>pr</strong>esenta uma essencialização <strong>pr</strong>ogressiva, e, emca<strong>da</strong> um dos pontos de incidência de sua criativi<strong>da</strong>de, ummomento definitivo, - sem contradição de termos. Não seidecidir-me por <strong>pr</strong>eferência particular: os quatro poemas sãoadmiráveis! De perfeita maturi<strong>da</strong>de, sem per<strong>da</strong> de frescurae quali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> imaginação. (ca 1970: 6. Grifos do autor]Para o poeta Jamil Snege, <strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong> é uma marca <strong>pr</strong>ofun<strong>da</strong> na<strong>poesia</strong> paranaense, salientando que "a <strong>poesia</strong> é apenas uma forma de elamanifestar a sensibili<strong>da</strong>de. É super-sensível na conversa, seria sensível emqualquer outra ativi<strong>da</strong>de. Tem espírito, é uma sensitiva. Já nasceu poeta" (1992,p. 6).Com doze livros publicados, várias antologias e o<strong>br</strong>as completas,<strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong> realiza um fazer poético enquanto busca <strong>da</strong> síntese, <strong>pr</strong>ojeta<strong>da</strong> nasformas escolhi<strong>da</strong>s e no enxugamento dos textos. Desde 1941, com a publicaçãode poemas mais longos (mas que nesse ano já publica três haicais), de sonetos, eaos poemas mais sintéticos, marcados pela <strong>br</strong>evi<strong>da</strong>de, tais como os dísticos,52


<strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong>: a <strong>poesia</strong> <strong>da</strong> <strong>inquietação</strong>tercetos, quadras, epigramas, tankas e haicais (<strong>poesia</strong> de origem japonesa), sãoformas poéticas escolhi<strong>da</strong>s pela poeta.Assim, desde que publicou sua <strong>pr</strong>imeira o<strong>br</strong>a, Paisagem interior, <strong>Helena</strong><strong>Kolody</strong> vem recebendo destaque por sua <strong>pr</strong>odução poética junto à críticaparanaense e à <strong>br</strong>asileira. Ocupa assim, um lugar de destaque na literatura doParaná, por sua <strong>poesia</strong> ex<strong>pr</strong>essar extrema sensibili<strong>da</strong>de, engenho poético elirismo contido e “inquietante”. Reconheci<strong>da</strong> pela crítica nacional, a poeta temseu nome registrado e consagrado em livros, revistas e manuais de literatura. Suao<strong>br</strong>a poética é li<strong>da</strong> e admira<strong>da</strong> por leitores leigos e especialistas. Conheci<strong>da</strong> erespeita<strong>da</strong> também no exterior (a <strong>poesia</strong> de <strong>Kolody</strong> foi traduzi<strong>da</strong> para oucraniano).A <strong>poesia</strong> de <strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong> é a<strong>pr</strong>ecia<strong>da</strong> por um amplo público deleitores. Como sua o<strong>br</strong>a é divulga<strong>da</strong> em muitas escolas do Paraná, as crianças e osjovens têm contato desde cedo com a <strong>poesia</strong> kolodyana. <strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong> figurapor seu dinamismo e pela sua atuação competente no magistério paranaense.Nome de várias enti<strong>da</strong>des e escolas do Paraná, ela tem a admiração dos leitores edos críticos.53


3 INQUIETAÇÃO E POESIA<strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong>: a <strong>poesia</strong> <strong>da</strong> <strong>inquietação</strong>A palavra inquietude [sin. ger.: <strong>inquietação</strong>] deriva do Latim tardioinquietudo, inquietus: perturbado. Na I<strong>da</strong>de Média, a inquietude re<strong>pr</strong>esentavaum "estado de não repouso", e no século XVII, um "mal a ser rejeitado". Emsegui<strong>da</strong>, ela passa a ser uma dimensão positiva <strong>da</strong> vontade e do desejo, pois"onde há desejo há inquietude", quer dizer, "solicitações mais ou menosimperceptíveis", "impulsos" que podem levar o homem a tranqüilizar-se,aquietar-se. A inquietude tem um aspecto positivo: "permite ao homemultrapassar-se" (JAPIASSU; MARCONDES, 1991, p. 134).Claude Esteban, em “As palavras <strong>da</strong> <strong>inquietação</strong>”, de sua o<strong>br</strong>a Crítica <strong>da</strong>razão poética (1991), considera a "<strong>inquietação</strong>", no sentido mais estrito dotermo, como uma "solicitação original <strong>da</strong> consciência", uma "agitação" interiordo indivíduo, confrontado sem cessar com a "distância do mundo" e com a"instabili<strong>da</strong>de do domínio que pode nele exercer" (1991, p. 36).Para Esteban, a <strong>inquietação</strong> pode ser compara<strong>da</strong> a uma angústia doindivíduo. A angústia a<strong>pr</strong>esenta-se como uma "forma de aperto, de restrição" e,também de "obturação fisiológica" e agitação <strong>da</strong> consciência diante e contraaquilo que a aflige e a com<strong>pr</strong>ime. Uma clausura na qual o indivíduo colabora. Ohomem <strong>da</strong> angústia é um ser afetado pela "hipertrofia do seu ego" que se iludefrente à com<strong>pr</strong>eensão do mundo.O homem inquieto é, de certa forma, aguilhoado em busca de respostasinacaba<strong>da</strong>s que recebe. E sente um permanente desequilí<strong>br</strong>io entre o eu e omundo, a que ele desejaria, com certeza, pôr fim. Mas ele reconhece, ao mesmotempo, sua impossibili<strong>da</strong>de de satisfação. O que reanima e estimula o homeminquieto, nos momentos de dúvi<strong>da</strong> e desorientação, é o sonho de uma dinâmicare<strong>pr</strong>esenta<strong>da</strong> pelo inacessível. A <strong>inquietação</strong> do homem habita somente oindefinido. Talvez "para além <strong>da</strong> consciência e finitude, o lugar simples <strong>da</strong>des<strong>pr</strong>eocupação" (ESTEBAN, 1991, p. 46).Nesse sentido, a <strong>inquietação</strong> é uma "intencionali<strong>da</strong>de inquieta", e nãouma consciência feliz ou infeliz. Para o crítico espanhol, a <strong>inquietação</strong> não operano registro do ter, o qual gera um espírito de conquista, de poder eentesouramento sem limites. Situa seu devir na dimensão do ser que <strong>pr</strong>oduz umaatitude de apelo ativo, de espera, sem jamais intervir à hipótese de algum<strong>pr</strong>oveito ou restituição imediata.55


Antonio Donizeti <strong>da</strong> CruzA única justificativa <strong>da</strong> <strong>inquietação</strong>, na opinião de Esteban, é o "vetor"que a conduz e a arremessa, a oscilação do arco, o disparo <strong>da</strong> flecha e não o<strong>br</strong>anco do alvo que ela atinge. A <strong>inquietação</strong> pode ser defini<strong>da</strong> como uma espéciede itinerância interior, um impulso do espírito que não encontra lugar onde sefixar. O "caminho modifica o caminhante" e a "mu<strong>da</strong>nça" torna-se uma lei devi<strong>da</strong> para aquele que a experimenta. Nesse caso, o "eu inquieto", que se aventurafora de si mesmo, não pode de forma alguma ser um eu que se contenha e, atémesmo, se determine "enquanto consciência de <strong>inquietação</strong>". No que dizrespeito ao homem <strong>da</strong> <strong>inquietação</strong> e ao seu Eu, Esteban salienta:O homem <strong>da</strong> <strong>inquietação</strong>, como dizia Keats do poeta, pormais lúcido que se <strong>pr</strong>eten<strong>da</strong> e abonador de seuem<strong>pr</strong>eendimento intelectual, é um ser que não tem eu, oumelhor, que é perpassado, irrigado por um fluxo de<strong>pr</strong>esenças extrínsecas, de reali<strong>da</strong>des estranhas, as quaisfazem de seu eu menos um conteúdo, uma substânciaparticular, do que um receptáculo de alteri<strong>da</strong>des(ESTEBAN, 1991, p. 39).O Eu do homem inquieto cresce com todos os possíveis do mundo, umavez que a <strong>inquietação</strong> <strong>pr</strong>oporciona uma espécie de sustentação, uma estimulação.A <strong>inquietação</strong> também a<strong>pr</strong>esenta um enriquecimento externo que ultrapassa "ossortilégios <strong>da</strong> contemplação solipsista". O homem inquieto não adere à ideiafascinante e confusa <strong>da</strong>quilo a que se denomina destino, direção. Por um esforçoconsciente, ele luta contra essa <strong>pr</strong>ocura oculta "na memória <strong>pr</strong>ofun<strong>da</strong> e quetranqüiliza tanto quanto esmaga, que tranqüiliza, talvez, quanto mais esmaga"(ESTEBAN, 1991, p. 40).A <strong>inquietação</strong> poética, ain<strong>da</strong> segundo Esteban, é um questionamento doscom<strong>pr</strong>omissos e <strong>da</strong>s convenções <strong>da</strong> linguagem. A <strong>inquietação</strong> poéticadesestabiliza e desconcerta o edifício conceitual, desarranja o "severo pórtico"<strong>da</strong> lei e do imutável. É uma forma de "ser itinerante". Assim, no dizer de ClaudeEsteban, o poeta – homem inquieto – é o instaurador do sentido nos signos.O filósofo Jacques Lavigne, em A <strong>inquietação</strong> humana, afirma que osentimento enraiza-se no mais <strong>pr</strong>ofundo do ser humano e fun<strong>da</strong>menta o seudinamismo. Ser inquieto é o estado de um ser limitado que tem consciência <strong>da</strong>sua imperfeição e quer superá-la (1958, p. 54).Em meio aos questionamentos, importa, pois, poder delinear, frente àstransformações, os sinais <strong>da</strong> origem e do fim transcendente do homem,<strong>pr</strong>ocurando o sentido <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> no desenvolvimento <strong>da</strong> ação e do pensamento56


<strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong>: a <strong>poesia</strong> <strong>da</strong> <strong>inquietação</strong>humano. Para Jacques Lavigne, o homem somente escreveria sua história, se elemesmo fosse simultaneamente testemunha de sua origem e restituído ao termo<strong>da</strong> sua vi<strong>da</strong>. O homem, ao tomar consciência de sua vi<strong>da</strong>, encontra-secom<strong>pr</strong>omissado, e não sabe que rumo terá sua existência. O que o tornaconsciente de si na <strong>inquietação</strong> é o estar entre o passado perdido e o futuroincerto, uma vez que o passado traz a decepção, o futuro, a angústia. Naexistência e na <strong>inquietação</strong>, o homem é colocado acima do tempo e do devir; éforçado a in<strong>da</strong>gar o seu sentido (1958, p. 28-29).A <strong>inquietação</strong> origina-se de um duplo sentimento de ausência, pois avi<strong>da</strong> humana, realizando-se no tempo, gera sucessivamente um passado e umfuturo: o passado, que é uma per<strong>da</strong>, e o futuro, uma <strong>pr</strong>ivação. A infância nãoconhece a <strong>inquietação</strong>: o homem só a conhece quando sua vi<strong>da</strong> já <strong>pr</strong>incipiou, poisé no limiar <strong>da</strong> maturi<strong>da</strong>de que a <strong>inquietação</strong> aparece. É como que a condição doseu advento espiritual, em que, desco<strong>br</strong>indo o tempo, ele é colocado em face <strong>da</strong>sua insuficiência. Ao desco<strong>br</strong>ir o tempo, o homem introduz um intervalo entre sie ele, entre o mundo que tem e o que desejaria, sentindo que na<strong>da</strong> no mundo e dohomem poderá <strong>pr</strong>eencher este espaço e vazio. A <strong>inquietação</strong> é a consciência destaruptura. O que inquieta o ser humano é recusar no fundo de si mesmo o únicomundo que seja o seu, o único lugar que lhe pertence.A <strong>inquietação</strong> pode ser a ausência do infinito. Não se pode responder aesta ausência senão pelo absoluto. Hegel foi um dos filósofos que refletiramso<strong>br</strong>e a <strong>inquietação</strong>. O fato de Hegel conceber a vi<strong>da</strong> como uma história e a<strong>inquietação</strong> como uma fase dessa história, coloca-o muito naturalmente nocaminho <strong>da</strong> filosofia cristã. Tanto mais que sustenta claramente que a<strong>inquietação</strong> nasce, no ser humano, <strong>da</strong> oposição <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> finita ao pensamentoinfinito; que o tempo é para o homem o lugar onde se conquista a eterni<strong>da</strong>de.Ain<strong>da</strong>, para Hegel, é a ideia de infinito que <strong>pr</strong>ovoca a <strong>inquietação</strong> (LAVIGNE,1958, p. 48-50).Hegel, em Estética: <strong>poesia</strong>, afirma que "o objeto ver<strong>da</strong>deiro <strong>da</strong> <strong>poesia</strong> é oreino infinito do espírito". A <strong>poesia</strong> lírica tem por conteúdo o mundo interior, osubjetivo, a alma agita<strong>da</strong> por sentimentos, "alma que em vez de agir, persiste nasua interiori<strong>da</strong>de", e não pode, por essa maneira, "ter por forma e por fim senão aexpansão do sujeito, a sua ex<strong>pr</strong>essão" (HEGEL, 1980, p. 31).A <strong>poesia</strong> é palavra, e o som <strong>da</strong> palavra é a coisa mais <strong>pr</strong>óxima <strong>da</strong> ideia. A<strong>poesia</strong> re<strong>pr</strong>esenta o ver<strong>da</strong>deiro. A <strong>poesia</strong> lírica satisfaz a necessi<strong>da</strong>de de percebero que sentimos: os nossos sentimentos, as nossa paixões, as nossas emoções, porintermédio <strong>da</strong> linguagem e <strong>da</strong>s palavras com que os revelamos ou objetivamos,57


Antonio Donizeti <strong>da</strong> Cruzpois, dessa forma, "o poeta lírico haure os seus sentimentos e as suasre<strong>pr</strong>esentações" (1980, p. 221).Para o pensador, a missão <strong>da</strong> “ver<strong>da</strong>deira <strong>poesia</strong> lírica”, bem como a deto<strong>da</strong> <strong>poesia</strong> é a de "ex<strong>pr</strong>imir o conteúdo autêntico <strong>da</strong> alma humana". A <strong>poesia</strong>lírica comporta, efetivamente, situações defini<strong>da</strong>s no conteúdo <strong>da</strong>s quais o poetapode obter um número elevado de elementos para os conciliar com os seussentimentos, mas é a interiori<strong>da</strong>de que determina a forma típica do lirismo,eliminando assim a a<strong>pr</strong>esentação demasia<strong>da</strong> concreta <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de exterior. Aoreferir-se à re<strong>pr</strong>esentação poética, Hegel afirma:A força <strong>da</strong> criação poética consiste portanto em que a <strong>poesia</strong>modela um conteúdo interiormente, sem recorrer a figurasexteriores ou a sucessões de melodias; transforma aobjetivi<strong>da</strong>de exterior numa objetivi<strong>da</strong>de interior que oespírito exterioriza para a re<strong>pr</strong>esentação sob a <strong>pr</strong>ó<strong>pr</strong>ia formaque esta objetivi<strong>da</strong>de deve encontrar no espírito (HEGEL,1980, p. 72).Assim, a <strong>poesia</strong> é uma totali<strong>da</strong>de orgânica. O poeta ver<strong>da</strong>deiro é aqueleque luta com as palavras. O que se ex<strong>pr</strong>ime, na ver<strong>da</strong>deira o<strong>br</strong>a lírica, é a"totali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> interior do indivíduo".Emil Staiger, em Conceitos fun<strong>da</strong>mentais <strong>da</strong> poética, caracteriza o líricocomo "recor<strong>da</strong>ção". Para o autor, o poeta lírico é solitário, e a <strong>poesia</strong> líricamanifesta-se como arte <strong>da</strong> solidão, que em estado puro é recepta<strong>da</strong> apenas porpessoas que interiorizam essa solidão. Staiger afirma que o homem lírico nãoa<strong>pr</strong>ecia a luz; ele mergulha na obscuri<strong>da</strong>de e esta desperta-lhe a alma. O lírico,porém, é <strong>da</strong>do por inspiração. O lírico ex<strong>pr</strong>essa um estado anímico (que é apenasum momento) no qual o poeta está envolvido. Há uma perfeita integração entre opoeta e os fenômenos fugidios que ele <strong>pr</strong>ocura fixar. A única coisa que o artistalírico pode fazer é esperar pela inspiração (STAIGER, 1975, p. 48-49).O poeta lírico abandona-se – literalmente (Stimmung) – à inspiração. Ostimmung é como que um retorno, um mergulho ao estado paradisíaco dos<strong>pr</strong>imórdios. Ele inspira, de maneira simultânea, clima e linguagem, esta muitasvezes, obscura e ambígua por ex<strong>pr</strong>essar vivências que chegam a ser indizíveis.Assim, seu poetar é involuntário, pois “o poeta lírico escuta sem<strong>pr</strong>e de novo emseu íntimo os acordes já uma vez entoados, recria-os, como os cria também noleitor. [...] O poeta vê-se o<strong>br</strong>igado a elaborar sua inspiração, a coordená-la,burilá-la e se necessário mesmo explicá-la” (1975, p. 28).58


<strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong>: a <strong>poesia</strong> <strong>da</strong> <strong>inquietação</strong>Dessa forma, a inspiração parece ser uma agitação interior e <strong>inquietação</strong>do Eu do poeta. Para Staiger, o gênero lírico é subjetivo e a <strong>poesia</strong> lírica,subjetiva; uma vez que o autor lírico a<strong>pr</strong>esenta seu mundo interior, pois a criaçãolírica é íntima, devendo mostrar o reflexo <strong>da</strong>s coisas e dos acontecimentos naconsciência individual.Roman Jakobson, em seu artigo, “O que fazem os poetas com aspalavras”, afirma que "a <strong>poesia</strong> é um fato inelutável" (1973 p. 5-6). A questãofun<strong>da</strong>mental na <strong>poesia</strong>, segundo a opinião do lingüista e teórico <strong>da</strong> literatura,reside nas relações entre som e sentido, sendo que, no verso, a repetiçãodesempenha um papel fun<strong>da</strong>mental, por <strong>pr</strong>ojetar-se na linguagem poética o<strong>pr</strong>incípio de equivalência na seqüência. Assim, as sílabas, os acentos, tornam-seuni<strong>da</strong>des equivalentes (JAKOBSON, 1973, p. 5-6).A <strong>poesia</strong>, segundo Jakobson, é a intensificação <strong>da</strong>s possibili<strong>da</strong>des <strong>da</strong>língua, pois é nesta área que se evidencia mais a função linguística. Para o autor, afunção poética não é a única função a orientar a o<strong>br</strong>a literária; trata-se <strong>da</strong> funçãodominante, determinante <strong>da</strong>s outras funções que porventura apareçam. A funçãopoética está centra<strong>da</strong> na <strong>pr</strong>ó<strong>pr</strong>ia mensagem, pois esta manifesta-se no momentoem que a palavra é senti<strong>da</strong> como palavra. O que dá valor a um poema é a relaçãoentre sons e sentidos, é a estrutura dos significados - <strong>pr</strong>oblema semântico,<strong>pr</strong>oblema linguístico no sentido mais amplo do termo.Em O que é <strong>poesia</strong>?, Roman Jakobson salienta que é <strong>poesia</strong> que <strong>pr</strong>otegeo homem contra a "automatização", contra a "ferrugem" que põe em perigo anossa fórmula do amor e do ódio, <strong>da</strong> fé e <strong>da</strong> negação, <strong>da</strong> revolta e <strong>da</strong> reconciliação(1978, p. 177).Na <strong>pr</strong>oposta de Roman Jakobson, a noção de <strong>poesia</strong> e instável, variandode acordo com as épocas, enquanto que a função poética ou a poetici<strong>da</strong>de é umelemento irredutível a outros elementos. Na <strong>poesia</strong>, to<strong>da</strong> reiteração perceptível<strong>da</strong> mesma classe ou conceito gramatical dentro de um texto torna-se um<strong>pr</strong>ocedimento poético. Ao contrário <strong>da</strong>s outras manifestações linguísticas, na<strong>poesia</strong> o <strong>pr</strong>incípio de equivalência se <strong>pr</strong>ojeta so<strong>br</strong>e o eixo de combinação <strong>da</strong>spalavras, tornando-se, assim equivalente e, por isso, paralelístico, onde acombinação inclui todos os elementos linguísticos <strong>da</strong>s palavras. Jakobsonmostra que, junto à figura <strong>da</strong> gramática, soma-se, na <strong>poesia</strong>, a figura do som.Ambas constituem os <strong>pr</strong>incipais elementos formadores do verso. A rima, como overso, também é uma "figura de som" recorrente. Mas, segundo Jakobson, seriapor demais simplista tratá-la somente do ponto de vista do som. A rima tambémimplica uma relação semântica. Ela ou é gramatical ou é antigramatical, mas nãoagramatical.59


Antonio Donizeti <strong>da</strong> CruzJakobson considera o metro e o ritmo linguisticamente pertinentes. Oritmo se caracteriza pelo uso reiterativo de certas seqüências de sílabas; o metro,por certa seqüência de ritmo; a aliteração, a assonância, a rima, pelo usoreiterativo de certos sons, resultando em um outro paralelismo em nívelgramatical, fazendo com que estas reiterações inci<strong>da</strong>m so<strong>br</strong>e as palavras e asidéias. Jakobson, ao fazer considerações entre o <strong>pr</strong>oblema <strong>da</strong>s relações entreLinguística e Poética, afirma que,Santo Agostinho dizia que um homem que não tem emconta a <strong>poesia</strong> e não com<strong>pr</strong>eende a <strong>poesia</strong> não pode arrogarsea quali<strong>da</strong>de de gramático. Para ser gramático – hojedizemos linguísta – é <strong>pr</strong>eciso conhecer a língua em to<strong>da</strong>s assuas funções, e a função poética é universal, coexistesem<strong>pr</strong>e. [...] Em Santo Agostinho não está implícita umaver<strong>da</strong>de complementar: não nos podemos ocupar de <strong>poesia</strong>sem ter em conta a ciência <strong>da</strong> linguagem (JAKOBSON,1973. p. 9)Segundo Roman Jakobson, há poetas, escolas que se orientam para asrimas gramaticais, e os que visam antes as rimas agramaticais, ou, maisexatamente, antigramaticais. Em <strong>poesia</strong>, a questão fun<strong>da</strong>mental reside nasrelações entre som e sentido. Tudo na linguagem é, nos seus diversos níveis,significante. Roman Jakobson insiste em afirmar que o que dá valor a um poemaé a relação entre sons e sentidos, é a estrutura dos significados – <strong>pr</strong>oblemasemântico, <strong>pr</strong>oblema linguístico no sentido mais amplo do termo (1973, p. 5).Em Diálogos (1985), Roman Jakobson comenta o seu texto A <strong>poesia</strong> <strong>da</strong>gramática e a gramática <strong>da</strong> <strong>poesia</strong>, dizendo que teve a oportuni<strong>da</strong>de de discutircom o poeta Maiakovski, em 1919, so<strong>br</strong>e os seus <strong>pr</strong>ocedimentos poéticos e quesua pesquisa mostrou-lhe perfeitas evidências de que as questões do verso, de suamatéria sonora e a <strong>pr</strong>oblemática <strong>da</strong> gramática eram indissolúveis. Jakobson,concentrando-se nas diferentes categorias gramaticais no interior de o<strong>br</strong>aspoéticas, confessa ter ficado im<strong>pr</strong>essionado ao verificar a simetria e aregulari<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s oposições gramaticais nos mais diversos poetas, em diferentesépocas e povos. So<strong>br</strong>e este assunto, o autor salienta que, “a ca<strong>da</strong> passo tornava-semais evidente que as categorias gramaticais, repeti<strong>da</strong>s ou contrastantes, tinhamuma função de composição” (JAKOBSON; POMORSKA, 1985, p. 112).A <strong>pr</strong>oposta jakobsoniana, basea<strong>da</strong> nas funções <strong>da</strong> linguagem, remete à<strong>pr</strong>edominância <strong>da</strong> função poética so<strong>br</strong>e as demais em uma o<strong>br</strong>a poética, pois nelaa mensagem está volta<strong>da</strong> para si <strong>pr</strong>ó<strong>pr</strong>ia. A função poética consiste na utilização60


<strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong>: a <strong>poesia</strong> <strong>da</strong> <strong>inquietação</strong>especial de dois componentes básicos do comportamento verbal: a seleção(basea<strong>da</strong> na similari<strong>da</strong>de) e a combinação (basea<strong>da</strong> na contigüi<strong>da</strong>de). Em seucéle<strong>br</strong>e teorema, Jakobson destaca que, “a função poética <strong>pr</strong>ojeta o <strong>pr</strong>incípio deequivalência do eixo de seleção so<strong>br</strong>e o eixo de combinação” (JAKOBSON,1975, p. 130). Assim, <strong>pr</strong>ojetando-se o eixo <strong>da</strong> seleção so<strong>br</strong>e o <strong>da</strong> combinação, afunção poética faz com que a equivalência seja <strong>pr</strong>omovi<strong>da</strong> à condição de recursoconstitutivo <strong>da</strong> seqüência, pois a superposição <strong>da</strong> similari<strong>da</strong>de a contigüi<strong>da</strong>de <strong>da</strong>um caráter simbólico e polissêmico ao poema.Para Paul Valéry, em Varie<strong>da</strong>des (1991), a arte poética reside nacapaci<strong>da</strong>de de o poeta comunicar uma im<strong>pr</strong>essão um estado iniciante de emoçãocriadora, isto é, mediante a perturbação inicial e sem<strong>pr</strong>e im<strong>pr</strong>evista é que o poetaconstrói o objeto poético (1991, p. 215). A arte poética é capaz de coordenar omaior número de partes e de fatores independentes, como o som, o sentido, o reale o imaginário, a sintaxe, a lógica e ain<strong>da</strong> a dupla invenção do conteúdo e <strong>da</strong>forma. Já o poema é uma espécie de “máquina de <strong>pr</strong>oduzir o estado poéticoatravés <strong>da</strong>s palavras” (1991, p. 217). Valéry define a <strong>poesia</strong> como uma “arte <strong>da</strong>linguagem”, uma vez que certas combinações de palavras podem <strong>pr</strong>oduzir umadetermina<strong>da</strong> emoção que outras não conseguem, por essa razão, denomina-se“poética”. No dizer de Valéry, o fazer poético e a ativi<strong>da</strong>de reflexiva estãointerligados, isto é, a <strong>poesia</strong> é uma escolha <strong>pr</strong>ecisa de palavras busca<strong>da</strong>s naharmonia e sensibili<strong>da</strong>de.Em As ilusões <strong>da</strong> moderni<strong>da</strong>de, João Alexandre Barbosa afirma que a<strong>poesia</strong> moderna não é somente a que se situa em uma determina<strong>da</strong> faixatemporal, ou seja, a partir <strong>da</strong> segun<strong>da</strong> metade do século XIX, mas aquela que<strong>pr</strong>oblematiza e torna inseparáveis <strong>da</strong> <strong>poesia</strong> as relações entre o poeta e alinguagem, que entram em crise a partir desse momento. Nesse sentido, o poemamoderno é inimaginável sem a ideia de crise, isto é, de ruptura. No entanto, não ésó uma crise tematiza<strong>da</strong> pelo poema (embora seja um dos fatores contínuos derealização), mas que, no interior do poema, aponta para a consciência do poeta.Por conseguinte, o poeta moderno é, essencialmente, "aquele que faz <strong>da</strong>linguagem do poema a linguagem <strong>da</strong> <strong>poesia</strong>" (BARBOSA, 1986, p. 98. Grifosdo autor).Entre a linguagem <strong>da</strong> <strong>poesia</strong> e o leitor, o poeta se estabelece como o"operador de enigmas", convertendo a linguagem do poema em poder: em que odizer leva à reflexão. O poeta e o leitor, parceiros de um mesmo jogo,a<strong>pr</strong>oximam-se segundo "o grau de absorção <strong>da</strong>/na linguagem". Para Barbosa, opoeta moderno é aquele que sabe o que há de inconstante na circunstância de61


Antonio Donizeti <strong>da</strong> Cruz"encantamento de seu texto", constantemente sujeito a sua condição de enigma.Enquanto encantamento, o poema visa ao leitor, enquanto enigma, entretanto, e éo caso do poema moderno, "entre leitor e poeta estabelece-se a parceria difícil dequem joga o mesmo jogo" (1986, p. 14-15).Johan Huizinga, em O jogo e a <strong>poesia</strong>, salienta que to<strong>da</strong> <strong>poesia</strong> originaseno jogo: o jogo sagrado do culto, o jogo festivo <strong>da</strong> corte amorosa, o jogocombativo <strong>da</strong> emulação <strong>da</strong> troca e <strong>da</strong> invectiva, o jogo marcial <strong>da</strong> competição, ojogo ligeiro do humor e <strong>da</strong> <strong>pr</strong>ontidão. A função do poeta continua situa<strong>da</strong> naesfera lúdica em que nasceu. Na ver<strong>da</strong>de, "a poiesis é uma função lúdica"(HUIZINGA, 1990, p. 132-143).A <strong>poesia</strong> e o jogo podem ser definidos como:uma ativi<strong>da</strong>de que se <strong>pr</strong>ocessa dentro de certos limitestemporais e espaciais, segundo uma determina<strong>da</strong> ordem eum <strong>da</strong>do número de regras livremente aceitas, e fora <strong>da</strong>esfera <strong>da</strong> necessi<strong>da</strong>de ou <strong>da</strong> utili<strong>da</strong>de material(HUIZINGA, 1990, p. 147).Nesse sentido, o ambiente em que o jogo e a <strong>poesia</strong> se desenvolvem é dearrebatamento e entusiasmo, tornando-se festivo ou sagrado de acordo com ascircunstâncias. A ação é sem<strong>pr</strong>e acompanha<strong>da</strong> por um sentimento de exaltação etensão, porém segui<strong>da</strong> por um estado de alegria e distensão. Para Huizinga, alinguagem artística diferencia-se <strong>da</strong> vulgar pelo uso de imagens, de termos,figuras especiais, pois em sua essência, a linguagem poética é um "jogar com aspalavras" (1990, p. 148-149).Para Iuri Lotman, a arte aju<strong>da</strong> o homem a resolver uma <strong>da</strong>s questõespsicológicas mais importantes: a determinação do seu <strong>pr</strong>ó<strong>pr</strong>io ser (1978, p. 123).Ain<strong>da</strong> para o semioticista <strong>da</strong> escola de Tartu, o jogo ocupa um lugar relevante nãosó na vi<strong>da</strong> humana mas também na dos animais. Ele funciona como uma <strong>da</strong>sexigências sérias e orgânicas do psiquismo do homem (1978, p. 119). Naspalavras de Lotman, o jogo “dá ao homem a possibili<strong>da</strong>de de uma vitóriaconvencional so<strong>br</strong>e um invencível (so<strong>br</strong>e a morte, por exemplo) ou so<strong>br</strong>e umadversário muito poderoso (o jogo <strong>da</strong> caça na socie<strong>da</strong>de <strong>pr</strong>imitiva)” (1978, p.120). Através do jogo, o homem “modela situações”, isto é, uma situação nãoconvencional (real) é substituí<strong>da</strong> por uma situação convencional (lúdica).Modelo <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de de um tipo particular, o jogo supõe a realização de umcomportamento particular (lúdico). Presume também a efetivação simultânea docomportamento <strong>pr</strong>ático e convencional. (LOTMAN, 1978, p. 120). Assim,62


<strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong>: a <strong>poesia</strong> <strong>da</strong> <strong>inquietação</strong>O jogo modeliza a contingência, a determinaçãoincompleta, a <strong>pr</strong>obabili<strong>da</strong>de dos <strong>pr</strong>ocessos e dosfenómenos. É por essa razão que o modelo lógico-cognitivoé mais cómodo para a re<strong>pr</strong>odução <strong>da</strong> linguagem de umfenómeno conhecido, <strong>da</strong> sua natureza abstracta, e o modelolúdico é-o para o discurso, encarnação de um materialcontingente em relação à linguagem. [...] O jogo é umare<strong>pr</strong>odução particular de combinações de elementosnecessários e contingentes. Graças à repetição acentua<strong>da</strong> (anecessi<strong>da</strong>de) <strong>da</strong>s situações (regras do jogo), um desviotorna-se particularmente significativo. (LOTMAN, 1978,p. 124-125. Grifos do autor.)No dizer de Lotman, o jogo é uma <strong>da</strong>s vias de transformação de idéiaabstrata num comportamento, numa ativi<strong>da</strong>de. Re<strong>pr</strong>esenta ain<strong>da</strong> a aquisição deuma habili<strong>da</strong>de, a <strong>pr</strong>eparação numa situação convencional. A arte é a aquisiçãode um mundo (uma modelização do mundo) numa situação convencional. Ojogo é como uma ativi<strong>da</strong>de e a arte é como a vi<strong>da</strong> (1978, p. 123).Ao discorrer so<strong>br</strong>e o fazer poético, Iuri Lotman salienta que are<strong>pr</strong>esentação <strong>da</strong> criação poética tem como base os modelos cibernéticos do<strong>pr</strong>ocesso criador, ou seja, a escolha <strong>da</strong>s variantes possíveis <strong>da</strong> formulação de umdeterminado conteúdo <strong>pr</strong>ecisa levar em conta as regras formais restritas. Sendoassim, “a simples repetição de uma palavra torna-a desigual a ela <strong>pr</strong>ó<strong>pr</strong>ia. Assim,a flexibili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> linguagem [...] passa a uma carga significativa complementar,elaborando uma entropia particular do conteúdo poético” (LOTMAN, 1978, p.66-67. Grifo do autor).O poeta e ensaísta Octavio Paz, em O arco e a lira, registra que a <strong>poesia</strong> éconhecimento, poder, abandono, operação capaz de transformar o mundo. Aativi<strong>da</strong>de poética é revolucionária por natureza. Como exercício espiritual, a<strong>poesia</strong> é um método de libertação interior, isto é, “metamorfose, mu<strong>da</strong>nça,operação alquímica" e, por essa razão, ela a<strong>pr</strong>oxima-se <strong>da</strong> magia e <strong>da</strong> religião,tentando transformar o ser humano e "fazer 'deste' ou '<strong>da</strong>quele' esse 'outro' que éele mesmo". A <strong>poesia</strong> é consagração de uma experiência concreta e revelação <strong>da</strong>condição existencial do homem (PAZ, 1982, p. 15-137).Octavio Paz salienta que a palavra em si mesma é uma plurali<strong>da</strong>de desentidos. To<strong>da</strong> palavra é vertiginosa, tão grande é sua luminosi<strong>da</strong>de. Para o autor,a <strong>poesia</strong> faz parte de to<strong>da</strong>s as épocas, pois ela é a forma natural de ex<strong>pr</strong>essão doshomens.Em Os filhos do barro, Octavio Paz diz que o poema é um objeto feito <strong>da</strong>linguagem, <strong>da</strong>s crenças, dos ritmos e <strong>da</strong>s obsessões pertinentes aos poetas, <strong>da</strong>s63


Antonio Donizeti <strong>da</strong> Cruzmais diferentes socie<strong>da</strong>des. O poema é o <strong>pr</strong>oduto de uma história e de umasocie<strong>da</strong>de, porém, a sua maneira de ser histórico é repleto de contradições. Opoema é uma "máquina" que gera a "anti-história", mesmo que o poeta não tenhaesse intuito. A operação poética constitui em uma inversão ou conversão do fluirtemporal. O poema não detém o tempo, o contradiz e o transfigura (1984a, p. 11).O poema, além de ser uma reali<strong>da</strong>de verbal, é também um ato, isto é, opoeta diz, e ao dizer, faz. Esse fazer é <strong>pr</strong>incipalmente um "fazer-se a si mesmo". A<strong>poesia</strong> não é só autoconhecimento, mas também é autocriação. Ela é a palavra do<strong>pr</strong>incípio, palavra de base, porém é palavra de desintegração, ruptura <strong>da</strong> analogiapela ironia, pela consciência <strong>da</strong> história, ou seja, consciência <strong>da</strong> morte. Emrelação ao diálogo <strong>da</strong> <strong>poesia</strong> moderna com a história, Octavio Paz salienta queesse diálogo se concretiza fun<strong>da</strong>mentalmente pela "consciência irônica <strong>da</strong>nossa condição mortal".Octavio Paz, em Signos em rotação, assinala que a história <strong>da</strong> <strong>poesia</strong>moderna é a de um descomedimento. A interrogação so<strong>br</strong>e as possibili<strong>da</strong>des deconcretização <strong>da</strong> <strong>poesia</strong> não é uma in<strong>da</strong>gação a respeito do poema, mas <strong>da</strong>história. Os poetas do século XIX e <strong>da</strong> <strong>pr</strong>imeira metade do atual, aclamaram apalavra com a palavra, cele<strong>br</strong>aram-na até mesmo ao negá-la. Esses poemas nosquais a palavra volta-se so<strong>br</strong>e si mesma são irrepetíveis. Octavio Paz aponta parauma questão fun<strong>da</strong>mental:Que ou quem pode nomear hoje a palavra? Recuperação <strong>da</strong>outri<strong>da</strong>de, <strong>pr</strong>ojeção <strong>da</strong> linguagem em um espaçodespovoado por to<strong>da</strong>s as mitologias, o poema assume aforma <strong>da</strong> interrogação. Não é o homem que pergunta: alinguagem nos interroga (PAZ, 1990, p. 121. Grifo doautor).A <strong>poesia</strong> surge no silêncio e no balbuciamento, no não poder dizer, masaspira à recuperação <strong>da</strong> linguagem enquanto uma reali<strong>da</strong>de plena. O poetatransforma em palavra "tudo o que toca", sem omitir o silêncio e o <strong>br</strong>anco dotexto. O poema é um conjunto de signos que buscam um significado, umideograma que ain<strong>da</strong> não nasceu. Em sua rotação, o poema emite luzes que<strong>br</strong>ilham e se apagam de maneira sucessiva. O poema é a "busca do tu".No passado, a missão fun<strong>da</strong>mental do poeta talvez fosse a de "<strong>da</strong>r umsentido mais puro às palavras <strong>da</strong> tribo". Na atuali<strong>da</strong>de, sua missão é a de in<strong>da</strong>gar arespeito desse sentido. A in<strong>da</strong>gação do poeta não é uma dúvi<strong>da</strong>, mas uma busca,um ato de fé, pois sua palavra "não fun<strong>da</strong> ou estabelece na<strong>da</strong>, salvo suainterrogação".64


<strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong>: a <strong>poesia</strong> <strong>da</strong> <strong>inquietação</strong>A crítica de Octavio Paz é uma crítica <strong>da</strong> linguagem, mais ain<strong>da</strong>, dohomem e <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de. O homem, ao interrogar-se, busca a com<strong>pr</strong>eensão de suaessência e de seu destino. Pode-se dizer que esse questionar-se, in<strong>da</strong>gar-se dohomem, a<strong>pr</strong>esenta-se como uma <strong>inquietação</strong> humana.Em Convergências: ensaios so<strong>br</strong>e arte e literatura, Paz declara que"interrogar a linguagem é interrogar-nos a nós mesmos". Na história <strong>da</strong> <strong>poesia</strong>moderna aparece, como obsessão, a busca de uma linguagem anterior a to<strong>da</strong>s aslinguagens, visando restaurar e restabelecer a uni<strong>da</strong>de do espírito. Essa busca deuma linguagem transcendente a to<strong>da</strong>s as linguagens é uma <strong>da</strong>s formas desolucionar os antagonismos "entre a uni<strong>da</strong>de e a multiplici<strong>da</strong>de que não cessa deintrigar o espírito humano" (PAZ, 1991, p. 18).Em sua origem, a <strong>poesia</strong> foi fala<strong>da</strong> e ouvi<strong>da</strong> por uma coletivi<strong>da</strong>de. Poucoa pouco ela se tornou uma experiência solitária, um "tecido de conotações", feitade ecos, reflexos e correspondências, entre o som e o sentido. O poeta, ao nomearo que sentiu e pensou, não transmite as sensações e ideias originais, masa<strong>pr</strong>esenta formas e figuras que são combinações rítmicas nas quais o som éinseparável do sentido. O poema é a metáfora do que o poeta sentiu e pensou.Essa metáfora é a ressurreição <strong>da</strong> experiência e sua transmutação.Em relação à o<strong>br</strong>a de arte, salienta-se que ela é uma "transgressão <strong>da</strong>funcionali<strong>da</strong>de". O conjunto dessas transgressões constitui o estilo: os estilos são"comunais". Ca<strong>da</strong> o<strong>br</strong>a de arte é um "desvio e uma configuração do estilo de seutempo e lugar: ao violá-lo, cum<strong>pr</strong>e-o". A o<strong>br</strong>a de arte enquanto objeto é "eterna"(ain<strong>da</strong> que o seu destino seja a eterni<strong>da</strong>de refrigera<strong>da</strong> do museu). No entanto,como ideia, as o<strong>br</strong>as de arte "envelhecem e morrem". Porém, não raro, os artistas,os poetas esquecem que "sua o<strong>br</strong>a é dona do segredo do ver<strong>da</strong>deiro tempo: não aeterni<strong>da</strong>de vazia, mas a vivaci<strong>da</strong>de do instante" (PAZ, 1991, p. 57).Em La otra voz, Octavio Paz refere-se que a <strong>poesia</strong> é pedra de escân<strong>da</strong>lo<strong>da</strong> moderni<strong>da</strong>de. "Entre a revolução e a religião, a <strong>poesia</strong> é a outra voz. Sua voz éoutra porque é a voz <strong>da</strong>s paixões e <strong>da</strong>s visões. É de um outro mundo e é deste. Éantiga e atual, uma antigui<strong>da</strong>de sem <strong>da</strong>tas. Poesia herética e cismática, <strong>poesia</strong>inocente e perversa, límpi<strong>da</strong> e lodosa, aérea e subterrânea, <strong>poesia</strong> <strong>da</strong> ermi<strong>da</strong> e dobar <strong>da</strong> esquina, <strong>poesia</strong> ao alcance <strong>da</strong>s mãos e sem<strong>pr</strong>e de um mais além que estáaqui mesmo" (1990, p. 61).A singulari<strong>da</strong>de <strong>da</strong> <strong>poesia</strong> moderna não nasce <strong>da</strong>s ideias ou <strong>da</strong>s atitudesdo poeta, mas de sua voz, ou seja, do acento de sua voz. A <strong>poesia</strong> se ouve com osouvidos, porém se vê com o entendimento. Suas imagens são criaturas anfíbias,são ideias e são formas, são sons e silêncios. A <strong>poesia</strong> é a memória feito imagem e65


Antonio Donizeti <strong>da</strong> Cruza imagem converti<strong>da</strong> em voz. A outra voz que está adormeci<strong>da</strong> no íntimo de ca<strong>da</strong>homem.Octavio Paz considera a <strong>poesia</strong> como uma forma eleva<strong>da</strong> de liber<strong>da</strong>de,um conhecer e um interrogar. A moderni<strong>da</strong>de nunca é ela mesma; é sem<strong>pr</strong>e outra,numa autodestruição criadora. Pode-se afirmar que "a moderni<strong>da</strong>de é sinônimode crítica e se identifica com a mu<strong>da</strong>nça. Não é afirmação de um <strong>pr</strong>incípiointemporal, mas o desa<strong>br</strong>ochar <strong>da</strong> razão crítica que, sem cessar, interroga-se edestrói-se para renascer novamente" (1984a, p. 47).Maria <strong>da</strong> Glória Bordini, em “A <strong>poesia</strong> do tarde”, registra que um dostraços <strong>da</strong> moderni<strong>da</strong>de literária consiste, pois, em não acreditar "nos objetos domundo, restando-lhe, como algo ain<strong>da</strong> passível de fé, a linguagem e a criaçãoverbal". Para a autora, o discurso literário cria seus <strong>pr</strong>ó<strong>pr</strong>ios referentes em graumáximo. Em relação ao estatuto "de papel" <strong>da</strong>s significações literárias e dosaspectos <strong>da</strong> moderni<strong>da</strong>de, Bordini assinala:Desde o início do século iriam <strong>pr</strong>oliferar os manifestosestéticos e, com o avançar dos anos, a metaliteratura, ou seja,a o<strong>br</strong>a literária que tematiza a si mesma, ou ao ato criador.Nos dias atuais, em que se discutem os <strong>pr</strong>imórdios de umatransformação cultural, denomina<strong>da</strong> ain<strong>da</strong> cautelosamentede pós-moderna, essa feição de moderni<strong>da</strong>de se acentua, sejana narrativa ou no poema, em que a linguagem ou os<strong>pr</strong>ocedimentos de construção se tornam os ver<strong>da</strong>deirosheróis os textos (BORDINI, 1991, p. 39).Segundo Bordini, a <strong>poesia</strong> é <strong>da</strong>s formas literárias a que mais requer"introspecção", justamente pelo poema condensar "múltiplos sentidos numespaço gráfico mínimo"; e não por ser um fato subjetivo, "a exacerbação de umestado de espírito pessoal do escritor, como por vários séculos, se acreditouque fosse uma de suas manifestações, a lírica" (1986, p. 31).A autora constata que a condensação dos sentidos opera<strong>da</strong> pela palavrapoética não deriva, por conseguinte, somente <strong>da</strong> melopéia ou <strong>da</strong> imagética. É<strong>pr</strong>eciso ir "além do nível verbal" e adentrar "no campo <strong>da</strong>s re<strong>pr</strong>esentações", parase com<strong>pr</strong>eender a significação do poema. Todo discurso evoca seus conceitos enão as coisas. No discurso poético, "a não-transparência aumenta a distânciaentre o poema e a vi<strong>da</strong>, o<strong>br</strong>igando à introspecção". A respeito <strong>da</strong> <strong>poesia</strong> lírica,Bordini afirma:66A lírica, seja em que período for, se define pela posiçãocentral do Eu como filtro do mundo, quer esse Eu sejaentendido como pessoal, confessional, como sede <strong>da</strong>


<strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong>: a <strong>poesia</strong> <strong>da</strong> <strong>inquietação</strong>consciência ou como sujeito de um ato de linguagem. Ocentramento no Eu, em vista disso, é esperável e nãosignifica necessariamente que <strong>pr</strong>ofesse a transcendência elamente sua per<strong>da</strong>, mas sim que se afasta do Outro poralguma razão (BORDINI, 1987, p. 12).No que diz respeito ao afastamento do Eu lírico em relação ao Outro, poralgum motivo, conforme constata Bordini, pode-se dizer que, no momento emque ele se afasta, acaba por "<strong>pr</strong>ocurar", por buscar esse Outro. Pois, a <strong>poesia</strong>sem<strong>pr</strong>e foi uma tentativa de resolver a discórdia entre "o eu do diálogo no tu domonólogo". A <strong>poesia</strong> "não diz: eu sou tu; diz: meu eu és tu". Ou seja, a <strong>poesia</strong> é a"<strong>pr</strong>ocura dos outros, descoberta <strong>da</strong> outri<strong>da</strong>de" (PAZ, 1982, p. 318-319).Em relação à <strong>poesia</strong>, <strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong> assinala sua posição, reforçando oque já se registrou:A <strong>poesia</strong> é uma ex<strong>pr</strong>essão transfigura<strong>da</strong> de nossa vivência,num certo tempo, num determinado lugar. Embora nãopareça, as circunstâncias de nossa vi<strong>da</strong> im<strong>pr</strong>egnam,sutilmente, nossa arte (BASSETI, 1990, p. 5).Ain<strong>da</strong>, em o Jornal do livro, de Curitiba, <strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong> define a <strong>poesia</strong><strong>da</strong> seguinte forma:A <strong>poesia</strong>, para mim, é como um jogo. Mas um jogo difícil,ain<strong>da</strong> que tenha elementos lúdicos de <strong>pr</strong>azer. É como umjogo que você não consegue armar, não consegue vencer.Às vezes não era aquela a palavra que você queria. Então,você mu<strong>da</strong>, tira um verso, corta. O meu normal é cortarmuito. Poesia é um jogo no qual a gente perde sem<strong>pr</strong>e(1985, p. 5).<strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong>, em entrevista a Hamilton Faria, em O Estado doParaná, a 11 de outu<strong>br</strong>o de 1992, afirma que a <strong>poesia</strong> é intrinsecamenteliga<strong>da</strong> à beleza. No Universo, tudo é <strong>poesia</strong> de Deus: é a som<strong>br</strong>a de Deus nomundo. O poema é como "um jogo de palavras que gera <strong>pr</strong>azer" e, uma <strong>da</strong>scaracterísticas do poeta, é a "paixão pela palavra e pela leitura". O poeta "é umaantena sensível, captando seus <strong>pr</strong>ó<strong>pr</strong>ios sentimentos, bem como osacontecimentos do mundo que lhe ferem a sensibili<strong>da</strong>de".Neste capítulo, buscou-se configurar a <strong>inquietação</strong> e a <strong>poesia</strong>, a partir de<strong>pr</strong>essupostos e do estudo referencial e teórico de autores como Paz, Esteban,Lavigne, entre outros, para que sirva de embasamento à análise <strong>da</strong> o<strong>br</strong>akolodyana.67


<strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong>: a <strong>poesia</strong> <strong>da</strong> <strong>inquietação</strong>4 UNIVERSO POÉTICO: ELEMENTOS PRINCIPAIS DAINQUIETAÇÃO NA OBRA DE HELENA KOLODYA <strong>inquietação</strong> parece ser um elemento constante na <strong>poesia</strong> de <strong>Helena</strong><strong>Kolody</strong>, visto como questionamento <strong>da</strong> linguagem e como uma solicitaçãooriginal <strong>da</strong> consciência; uma agitação interior do indivíduo, voltando-se para simesmo. Assim, vê-se forçado a inquirir os sinais de sua origem e transcendência,<strong>pr</strong>ocurando na existência o sentido <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> (LAVIGNE, 1958, p. 28-29).O poeta, homem inquieto e instaurador de sentido nos signos, é um serem constante busca, deixando transparecer no poema sua <strong>inquietação</strong> equestionamentos. Para o filósofo Martin Heidegger, a questão do sentido do ser,enquanto questionamento, necessita de uma "transparência conveniente". Todoquestionamento é uma <strong>pr</strong>ocura. To<strong>da</strong> <strong>pr</strong>ocura retira do <strong>pr</strong>ocurado sua direção<strong>pr</strong>évia. Questionar é <strong>pr</strong>ocurar cientemente o ente naquilo que ele é, e como ele é.A <strong>pr</strong>ocura ciente pode transformar-se em "investigação" se o que se questiona fordeterminado de maneira libertadora (HEIDEGGER, 1989, p. 30).Na <strong>poesia</strong> de <strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong>, a <strong>inquietação</strong> – enquanto questionamento ebusca de sentido existencial – pode ser vista em quatro eixos temáticos, nosplanos: a) <strong>da</strong> comunicação linguística, pois a palavra "<strong>inquietação</strong>", enquantosigno, aparece em poemas de quase to<strong>da</strong> sua o<strong>br</strong>a; b) do fazer poético e docom<strong>pr</strong>omisso de busca <strong>da</strong> palavra mais adequa<strong>da</strong> à ex<strong>pr</strong>essão poética, visto que opoeta está sem<strong>pr</strong>e em luta com as palavras; c) <strong>da</strong> busca de sentido existencial, ouseja, o questionamento do sujeito lírico na <strong>poesia</strong> kolodyana, sem<strong>pr</strong>e in<strong>da</strong>gandoa respeito do sentido <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>; d) <strong>da</strong> nostalgia, como retorno às origens, em que osujeito lírico busca o passado, a paisagem natal e a sua origem ucraniana.A temática <strong>da</strong> o<strong>br</strong>a kolodyana vai desde a mistura de melancolia esaudosismo nostálgico do passado à fugaci<strong>da</strong>de do amor. Do retorno às origens,<strong>da</strong> <strong>inquietação</strong> e <strong>da</strong> questão existencialista <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> e <strong>da</strong> morte, à ironia, humor,encanto e desencanto <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>, <strong>da</strong> <strong>pr</strong>eocupação com o tempo, que manifestambuscas e encontros essenciais do ser. Já o lirismo aparece com uma forçapeculiar, visto que a <strong>poesia</strong> é de uma simplici<strong>da</strong>de marcante, envolta a umalinguagem coloquial e também metafórica, tratando <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> cotidiana, com to<strong>da</strong>sas suas questões. O lirismo transparente reflete a <strong>pr</strong>oblemática que envolve oser humano e suas circunstâncias. Na <strong>poesia</strong>, percebe-se a exaltação intensa <strong>da</strong>vi<strong>da</strong> e a in<strong>da</strong>gação eterna do sentido <strong>da</strong> existência humana, enquanto<strong>inquietação</strong>, construindo núcleos centrais <strong>da</strong> construção poética.69


Antonio Donizeti <strong>da</strong> Cruz4.1 Inquietação: signo e comunicação linguísticaDesde Paisagem interior (1941), livro que marca a estréia de <strong>Helena</strong><strong>Kolody</strong> no cenário literário, até Reika (1993), a autora evolui e consoli<strong>da</strong> odomínio dos recursos formais <strong>da</strong> arte poética, conseguindo em suas o<strong>br</strong>as umasíntese relevante, no que se refere ao fazer poético. <strong>Kolody</strong>, com Paisageminterior, inaugura o apogeu ex<strong>pr</strong>essivo, pela plenitude do coloquial-<strong>pr</strong>osaísmo,pelos versos livres, pelo ritmo bem marcado (fator singular na <strong>poesia</strong>kolodyana), perfeito jogo sonoro. Por detrás de to<strong>da</strong> uma aparente simplici<strong>da</strong>dede construção poética, há uma riqueza do fazer poético sem limites.A o<strong>br</strong>a kolodyana é marca<strong>da</strong> por uma engenhosa elaboração poética,<strong>da</strong>ndo ênfase à liber<strong>da</strong>de de ex<strong>pr</strong>essão, desde a su<strong>pr</strong>essão de palavras dentro <strong>da</strong>estrutura do poema, à omissão ou substituição de sinais de pontuação. Nos versoslivres – que não significam ausência de ritmo – a autora dá uma organici<strong>da</strong>de aoato criativo, conseguindo ritmos inesperados a ca<strong>da</strong> momento, pois a uni<strong>da</strong>de demedi<strong>da</strong> deixa de ser a silábica e passa a basear-se na combinação de pausas eentoações.O ritmo decorre, assim, <strong>da</strong> sucessão dos grupos de força valorizados pelaentonação, pela maior ou menor rapidez <strong>da</strong> enunciação. O verso livre kolodyanoé, antes de tudo, uma sábia melodia interior, tanto mais tocante quanto singela,em que o sujeito poético tenta desven<strong>da</strong>r os mistérios <strong>da</strong> arte e <strong>da</strong> <strong>poesia</strong>.A o<strong>br</strong>a kolodyana pode ser vista como hí<strong>br</strong>i<strong>da</strong>, nutri<strong>da</strong> de heterodoxagama de temas, de formas e de <strong>pr</strong>oblemas. Na composição poética, a autora dáum sentido inusitado à arte e à <strong>poesia</strong>, pois sua poética renova-seconstantemente, numa variabili<strong>da</strong>de de invenções, numa luta e combate com aspalavras de forma original. Sua o<strong>br</strong>a é um "todo orgânico", ou seja, "uma uni<strong>da</strong>deorgânica, irrepetível", um organismo vivo, um cosmo com suas <strong>pr</strong>ó<strong>pr</strong>ias leis,com um centro, uma esfera e um espaço intermediário pleno de vi<strong>da</strong> ativa(MARTIN, 1973, p. 49).70


A comunicabili<strong>da</strong>de na <strong>poesia</strong> kolodyana é essencialmente lírica, esur<strong>pr</strong>eende o leitor, quer pela intensi<strong>da</strong>de de conscientização por parte do sujeitolírico, quer pelo jogo de imagens, metáforas, palavras e versos portadores de ummundo de sentido em que o sujeito poético tenta dessacralizar as coisas, ascircunstâncias.A <strong>poesia</strong> kolodyana parece surgir como uma espécie de tradução <strong>da</strong>instabili<strong>da</strong>de interior <strong>pr</strong>ovoca<strong>da</strong> pelo desequilí<strong>br</strong>io do mundo exterior. Aopenetrar no “coração <strong>da</strong> linguagem”, <strong>Helena</strong> faz <strong>da</strong> palavra seu instrumento,a<strong>br</strong>indo, assim, múltiplas possibili<strong>da</strong>des internas <strong>da</strong> linguagem (a sonori<strong>da</strong>de, oritmo, a ambigüi<strong>da</strong>de de sentidos, as associações criativas, a organização inéditade imagens, as variações temáticas, as alegorias e símbolos), abandonandoregras e modelos, fazendo expandir seu lirismo subjetivo, inquietante. Como nosversos as seguir [<strong>da</strong> epígrafe], com fortes acentos <strong>da</strong>s palavras <strong>da</strong> <strong>inquietação</strong>:INQUIETAÇÃO DE VIVER1º versão:Inquietação de singrar,com o pulso firme no leme,os mares encapelados<strong>da</strong> vi<strong>da</strong>.2ª versão:Inquietação de singrar,com fascinado temor,os mares desconhecidosdesta vi<strong>da</strong>.<strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong>: a <strong>poesia</strong> <strong>da</strong> <strong>inquietação</strong>No texto poético, observa-se uma luta incessante do eu lírico ao <strong>pr</strong>ojetarpalavras relaciona<strong>da</strong>s ao ato de singrar os “mares <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>”, para atingir um estadooriginal ao se situar frente às vicissitudes de vi<strong>da</strong> e <strong>da</strong> “<strong>inquietação</strong> de viver”.Essa luta constante do sujeito poético com as palavras é sinônimo de <strong>pr</strong>ocura ein<strong>da</strong>gação, na tentativa de refratar o ser humano como potenciali<strong>da</strong>de,transcendência e plenitude que fascina e tortura o sujeito lírico. A <strong>poesia</strong> reflete aânsia do ser e, ao mesmo tempo busca um <strong>pr</strong>eenchimento de paz,reconhecimento, poder e abandono. Se, para Octavio Paz, a <strong>poesia</strong> émetamorfose, mu<strong>da</strong>nça, operação alquímica (1982, p. 137), em <strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong>,a <strong>poesia</strong> opera como exercício e método de libertação interior, de luta, resistênciae revelação <strong>da</strong> condição humana.71


Antonio Donizeti <strong>da</strong> CruzEm “Inquietação” (PI – VE, p. 198), pode-se perceber um momento<strong>br</strong>eve de cintilação e de agitação interior do sujeito lírico:INQUIETAÇÃOO ritmo fe<strong>br</strong>il de um sangue moçoLateja em minhas fontes.As tendências recalca<strong>da</strong>sRumorejam sur<strong>da</strong>mente,Como larvas re<strong>pr</strong>esa<strong>da</strong>s,Eu não sei que perdi<strong>da</strong>s regiões do inconsciente.Não possuo mais a antiga sereni<strong>da</strong>deDe alta montanha neva<strong>da</strong>.O amor quis envolver-meE eu me esquivei.Essa tristeza que me o<strong>pr</strong>imeTornou-se mais espessaE pesou mais o meu destino de ser só.O esforço gasto em árdua lutaPartiu não sei que amarrasQue me <strong>pr</strong>endiam à vi<strong>da</strong>.Meu espírito, desarvorado,Deixa-se vagar ao sabor <strong>da</strong> corrente.Não quer aportar.Nota-se um desejo de fugaci<strong>da</strong>de, e também de efemeri<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s coisasque passam deixando um halo de incertezas. Nos dois <strong>pr</strong>imeiros versos dopoema, o sujeito lírico declara: "O ritmo fe<strong>br</strong>il de um sangue moço/ Lateja emminhas fontes", e sente não possuir mais a "antiga sereni<strong>da</strong>de/ De alta montanhaneva<strong>da</strong>" (p.198), justamente por causa <strong>da</strong>s "tendências" recalca<strong>da</strong>s de seu "eu",que sente a instabili<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s coisas e acontecimentos exteriores, <strong>pr</strong>ovocandouma agitação em seu interior. Na segun<strong>da</strong> estrofe, percebe-se o conflito em quese debate o sujeito lírico, dividido entre a vocação para o recolhimento e atristeza, e a consciência de partilha <strong>da</strong> soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de para com os outros homens.A temática <strong>da</strong> sau<strong>da</strong>de, <strong>da</strong> dor e solidão são acresci<strong>da</strong>s <strong>da</strong> reflexão so<strong>br</strong>e acondição de ser só. O "eu" poético encontra uma forma de viver seus sentimentosatravés <strong>da</strong> <strong>poesia</strong>, como se o fazer poético permitisse exteriorizar a vi<strong>da</strong> interior,revelando os caminhos e descaminhos <strong>da</strong> interação do eu com o mundo.72


Em “Inquietação”, o sujeito lírico sente-se o<strong>pr</strong>imido por não conseguiratingir a plenitude do amor, juntamente por ter-se esquivado. Associa-se a isso, o"destino de ser só", pois o poema mostra um sujeito lírico que aos poucos vai sedesco<strong>br</strong>indo, através de aparentes contradições. O "ritmo fe<strong>br</strong>il de um sanguemoço" que lateja em suas fontes é uma maneira de sentir to<strong>da</strong> uma agitação doser que se volta para dentro de si, para o seu interior, de modo consciente. Mas,acima de tudo, o sujeito lírico se "gasta em árdua luta" e se vê <strong>pr</strong>eso às amarras <strong>da</strong>vi<strong>da</strong>, pois, seu espírito, desorientado, "deixa-se vagar ao sabor <strong>da</strong> corrente"(p.198), por não querer aportar.“Identificação” (PI – VE, p. 181) é um poema marcado pelo <strong>pr</strong>osaísmo,pela denotação, além do tom alegórico <strong>pr</strong>edominante nos versos livres quea<strong>pr</strong>esentam imagens dos desdo<strong>br</strong>amentos do eu interliga<strong>da</strong>s aos elementos <strong>da</strong>natureza.IDENTIFICAÇÃO<strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong>: a <strong>poesia</strong> <strong>da</strong> <strong>inquietação</strong>Eu me diluí na alma im<strong>pr</strong>ecisa <strong>da</strong>s coisas.Rolei com a Terra pela órbita do infinito,Jorrei <strong>da</strong>s nuvens com a torrente <strong>da</strong>s chuvasE percorri o espaço no so<strong>pr</strong>o do vento;Marulhei na corrente inquietadora dos rios,Penetrei a mudez milionária <strong>da</strong>s montanhas;Desci ao vácuo silencioso dos abismos;Circulei na seiva <strong>da</strong>s plantas,Ardi no olhar <strong>da</strong>s feras,Palpitei nas asas <strong>da</strong>s pombas;Fui sublime n'alma do homem bomE des<strong>pr</strong>ezível no coração do mesquinho;Ine<strong>br</strong>iei-me <strong>da</strong> alegria do venturoso;E deslizei dolorosamente na lágrima do infeliz.Na<strong>da</strong> encontrei mais doloroso,Mais eloqüente,Mais grandiosoDo que a tragédia cotidianaEscrita em ca<strong>da</strong> vi<strong>da</strong> humana.A desilusão do eu lírico por ter encontrado, nessa busca, somente “atragédia cotidiana”, relaciona<strong>da</strong> a dor de viver, evidenciam-se no texto. Já osparalelismos sintáticos, sonoros e semânticos se destacam: “Circulei na seiva <strong>da</strong>splantas,/ Ardi no olhar <strong>da</strong>s feras,/ Palpitei nas asas <strong>da</strong>s pombas”. Ritmo,musicali<strong>da</strong>de e lirismo dão uma sensação de liber<strong>da</strong>de ao fazer poético. A73


Antonio Donizeti <strong>da</strong> Cruzentonação <strong>da</strong> frase que se repete forma um jogo reiterativo na <strong>pr</strong>ó<strong>pr</strong>ia base doverso. Nas reiterações <strong>da</strong>s sílabas, dos acentos, <strong>da</strong>s entonações, as palavras secorrespondem pela posição, formando assim equivalências, o que se com<strong>pr</strong>ovana seguinte passagem: “Na<strong>da</strong> encontrei mais doloroso,/ Mais eloqüente,/ Maisgrandioso/ Do que a tragédia cotidiana/ Escrita em ca<strong>da</strong> vi<strong>da</strong> humana”. Sãoversos que a<strong>pr</strong>esentam de maneira dolorosa a "tragédia humana", sinônimo dedor e sentimento de fragili<strong>da</strong>de do sujeito lírico mergulhado e diluído frente aoreveses <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> cotidiana. Mas se há o mundo onde impera a dor, a desilusão, etristeza, há também o espaço de uma intensa exaltação <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>, em seuspormenores.Nos versos do poema “Gênesis” (PI), o sujeito lírico diz que: "A vi<strong>da</strong>, a<strong>inquietação</strong> su<strong>pr</strong>ema de viver/ Encadea<strong>da</strong> à su<strong>pr</strong>ema angústia de pensar" (p. 7).No caso, o signo <strong>inquietação</strong> remete ao <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>, pois o sujeito lírico no afã deatingir e transpor "o limite ignorado <strong>da</strong> morte" anseia por uma vi<strong>da</strong> plena derealizações.Em “Inalienável” (TE), aparece de maneira clara a <strong>inquietação</strong> dosujeito lírico que se sente tomado por uma "incansável ansie<strong>da</strong>de", que oimpulsiona à busca de refúgio:INALIENÁVELIncansável ansie<strong>da</strong>deme impulsiona a <strong>pr</strong>ocurarrefúgio nalgum lugar(é sem<strong>pr</strong>e onde não estou).O fardo inquieto, a alijar,levo comigo aonde vou.Nos versos, o sujeito lírico explicita as causas de sua "agitação" interior,em relação à reali<strong>da</strong>de externa que o envolve, vendo-se quase impossibilitado detransformar as circunstâncias <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>. Ao refletir a respeito de sua situaçãoexistencial, o sujeito lírico demonstra sentir o peso dos sofrimentos e a ansie<strong>da</strong>deque o impulsiona a buscar o sentido <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>. O enjambement – recurso queaparece com freqüência na <strong>poesia</strong> kolodyana – <strong>pr</strong>oduz uma dinamização quereforça o ritmo do poema, cuja construção sintática liga um verso ao seguinte,como se pode ver nos três <strong>pr</strong>imeiros versos: "Incansável ansie<strong>da</strong>de/ meimpulsiona a <strong>pr</strong>ocurar/ refúgio nalgum lugar" (p. 39).74


“Exílio” (SR, p. 12) é um exemplo concreto do lirismo kolodyano, comsua temática volta<strong>da</strong> à <strong>inquietação</strong>, à religiosi<strong>da</strong>de e à natureza:EXÍLIOQue sau<strong>da</strong>de, meu Deus, que implacável sau<strong>da</strong>deDe integrar-me, outra vez, em Tua eterni<strong>da</strong>de!Inquieta, a alma cintila,Qual pássaro de fogoEm cárcere de argila.<strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong>: a <strong>poesia</strong> <strong>da</strong> <strong>inquietação</strong>Quer ser, de novo, um ponto imponderávelEm teu perfeito círculo de Luz.O poema é ex<strong>pr</strong>esso numa linguagem simples, mas estritamentemetafórica, instaurando uma perfeita identificação com as características domodernismo, destacando-se a a<strong>pr</strong>oximação com a linguagem <strong>da</strong> <strong>pr</strong>osa, oabandono de regras e modelos. Nos versos, pode-se constatar to<strong>da</strong> umaorganização inédita de imagens e associações criativas, de puro engenho e arte.São versos que ex<strong>pr</strong>imem o desejo de eterni<strong>da</strong>de, de busca e encontro do serhumano com Deus. A eterni<strong>da</strong>de, nos versos, simboliza aquilo que é <strong>pr</strong>ivado delimite na duração. Ela é a ausência ou solução de conflitos, o ultrapassar de to<strong>da</strong>sas contradições tanto no plano espiritual quanto no plano cósmico. Para ohomem, a sua luta incessante contra o tempo reflete o desejo de eterni<strong>da</strong>de, que,no caso, seria o triunfo <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> so<strong>br</strong>e a morte (CHEVALIER; GHEERBRANT,1991, p. 408).Tal desejo do sujeito lírico, em “Exílio”, é associado à sua <strong>pr</strong>ó<strong>pr</strong>ia<strong>inquietação</strong>, que parece estar ligado à ideia de que só em Deus o coração humanopode encontrar refúgio e calma, ou como diria Santo Agostinho: "o nossocoração está inquieto até que descanse em Deus" (AGUSTIN, 1974, p. 73). Nasegun<strong>da</strong> estrofe o sujeito lírico argumenta: “Inquieta, a alma cintila, / Qualpássaro de fogo / Em cárcere de argila” (p. 12). Salientam-se as imagens "pássarode fogo" e "cárcere de argila". O pássaro é símbolo <strong>da</strong> alma, e tem um papel deintermediação entre o céu e a terra. Na <strong>poesia</strong>, o pássaro simboliza, também, aimortali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> alma. Nos versos do poema, nota-se uma níti<strong>da</strong> dicotomia entrealma "inquieta" e o corpo, que podem ser re<strong>pr</strong>esentados pela metáfora "cárcerede argila", salientando, assim, a eterna <strong>inquietação</strong> do homem em busca detranscendência.75


Antonio Donizeti <strong>da</strong> CruzNa última estrofe, o sujeito lírico anseia por atingir a plenitude, aeterni<strong>da</strong>de, pois a "alma inquieta", "Quer ser, de novo, um ponto imponderável/Em teu perfeito círculo de luz" (p. 12). A luz é o símbolo patrístico do mundoceleste e de eterni<strong>da</strong>de. Pode-se dizer que o signo "luz" remete à ideia de desejode conhecimento, purificação e transcendência. A <strong>poesia</strong> não pode serdestruição, mas busca de sentido. O poema é um conjunto de signos que buscamum significado, um ideograma girando so<strong>br</strong>e si mesmo e em redor de um sol queain<strong>da</strong> está nascendo (PAZ, 1982, p. 345).Inquietação e <strong>pr</strong>ocura são os signos que norteiam o poema “Sintonia”(IP, p. 39), que apontam para a <strong>inquietação</strong> que traduz o desejo de umpensamento que quer (re)inventar as relações entre o eu e o mundo:SINTONIADesejo de estar <strong>pr</strong>esentena vi<strong>br</strong>ação deste agorade <strong>inquietação</strong> e <strong>pr</strong>ocura,coragem e afirmação.Bem dentro do coraçãoque supera o sofrimento.Estar no exato momentoem que o pensar se liberade suas grades e muros.Contagiar-se de esperas.Lavrar os dias futuros.Nos versos, percebe-se a ausência de sereni<strong>da</strong>de do sujeito lírico que seinquieta, pois o tempo <strong>pr</strong>esente é o que importa ao eu lírico, ou seja, o querer"estar <strong>pr</strong>esente" situa-o no tempo e no espaço, instaurando um sentimento de<strong>inquietação</strong> e sentido de busca. O estar "no exato momento", em que o ato derefletir e pensar a sua situação, liberta-o de suas “grades e muros", para assimcontagiar-se de "esperas" e "lavrar os dias futuros". O existir <strong>da</strong> <strong>inquietação</strong>, naconcepção do sujeito lírico, é uma duração que só "bem dentro do coração" é quese supera o sofrimento (p. 39).No texto intitulado “Conselho” (MS, p. 42), o sujeito lírico manifesta odesejo de partilhar o "poder encantador <strong>da</strong>s palavras" com o seu interlocutor:76


<strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong>: a <strong>poesia</strong> <strong>da</strong> <strong>inquietação</strong>CONSELHOComo o raio do sol torna um quarto risonho,Alegra o coração a eterna luz do sonho.Se as som<strong>br</strong>as do caminho esperas dissipar,Conserva dentro d'alma, eternamente ergui<strong>da</strong>,A lâmpa<strong>da</strong> de um sonho, inquieto como a vi<strong>da</strong>,Alto como o infinito, imenso como o mar.No dizer do eu lírico, “as som<strong>br</strong>as do caminho" só serão dissipa<strong>da</strong>s se forconserva<strong>da</strong> "dentro d'alma, eternamente ergui<strong>da</strong>,/ A lâmpa<strong>da</strong> de um sonho,inquieto como a vi<strong>da</strong>" (p. 42). O simbolismo <strong>da</strong> lâmpa<strong>da</strong> está ligado ao <strong>da</strong>emanação <strong>da</strong> luz. No Ocidente, a lâmpa<strong>da</strong> é como um sinal <strong>da</strong> <strong>pr</strong>esença de Deus(CHEVALIER; GHEERBRANT, 1991, p. 534-535). O sujeito lírico ressalta quesomente "a eterna luz do sonho" é que pode alegrar o coração humano.Em “a inquieta <strong>pr</strong>ocura” (SP, p. 18), na busca <strong>da</strong> escala<strong>da</strong> e na ambiçãode dominar as alturas, o eu lírico salienta:A INQUIETA PROCURAAmbicionou dominar as alturase ousou a escala<strong>da</strong>.Deixou um rastro ru<strong>br</strong>opela penedia,plantou seu estan<strong>da</strong>rtena cimeira escarpa<strong>da</strong>.E vi<strong>br</strong>ou de alegria.Deitou, depois, o olhar em torno;vislum<strong>br</strong>ou a paz dos vales.Almejou, com ânsia estranha,o repouso <strong>da</strong> esplana<strong>da</strong>.E, sem vacilar,desceu a montanha.No texto, a enunciação do eu poético assume a 3ª pessoa. ConformeSalete de Almei<strong>da</strong> Cara, o sujeito lírico sem<strong>pr</strong>e existe através <strong>da</strong>s escolhas delinguagem que o poema a<strong>pr</strong>esenta, porém, nos textos em que ocorre a ausência <strong>da</strong><strong>pr</strong>imeira pessoa, fica mais fácil notar-se que "o poeta real transforma-se emsujeito lírico" (1989, p. 48). Assim, evidencia-se tal afirmativa, visto que o textoé marcado por um lirismo contagiante e libertador, em que o eu lírico oculta-se nodiscurso poético.77


Antonio Donizeti <strong>da</strong> CruzNo poema “A <strong>poesia</strong> impossível” (VB, p. 24-25), os versos sãomarcados por um lirismo singular, pungente e inquietante:A POESIA IMPOSSÍVELInquietação de marinheiroQue sente o mar e seu chamado...Não pode embarcar!Prisioneiro do na<strong>da</strong>,Pássaro mutiladoQue a distância fascina...A impossibili<strong>da</strong>de de “embarcar" leva o marinheiro a tornar-se inquieto,"<strong>pr</strong>isioneiro do na<strong>da</strong>", que sente o fascínio de partir, mas permanece por estarmutilado. É um texto que abor<strong>da</strong> a busca do homem, o seu exílio e asimpossibili<strong>da</strong>des de realização humana.O poema “Trova” (AO, p. 43) mostra a temática <strong>da</strong> <strong>inquietação</strong> humana,TROVAAlma inquieta, dividi<strong>da</strong>entre o real e o sonhado:a ventura deste mundolem<strong>br</strong>a um riso soluçado.salientando a linguagem altamente elabora<strong>da</strong>, com um jogo inusitado depalavras. O sintagma "alma inquieta" pode ser a metáfora de "consciência do eu",que se sente dividido entre o mundo <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de e o dos sonhos e <strong>pr</strong>ojeções. Noúltimo verso destaca-se o oxímoro "riso soluçado".Em “Alegrias” (MS, p. 12), verifica-se uma oscilação <strong>da</strong>s palavras, emuma linguagem repleta de imagens e metáforas. O sujeito lírico sente-se incapazde atingir a "felici<strong>da</strong>de plena", uma duração, uma satisfação concreta elibertadora:ALEGRIASAs alegrias passam por mimQual um sonoro bando de aves <strong>br</strong>ancasPor so<strong>br</strong>e o espelho do mar.A superfície vi<strong>br</strong>a de inquietas imagens.78


<strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong>: a <strong>poesia</strong> <strong>da</strong> <strong>inquietação</strong>Mas a <strong>pr</strong>ofundeza é sem<strong>pr</strong>e a mesma,Sem<strong>pr</strong>e a mesma,E é eternamente a mesma a direção <strong>da</strong>s vagas.As alegrias são compara<strong>da</strong>s às aves <strong>br</strong>ancas que voam so<strong>br</strong>e o "espelhodo mar", símbolo <strong>da</strong> manifestação que reflete a inteligência criativa. A palavra"espelho" pode também simbolizar a pureza perfeita <strong>da</strong> alma, do espírito semnódoa, <strong>da</strong> reflexão de si na consciência (CHEVALIER; GHEERBRANT, 1991,p. 394-395). No poema, o espelho pode ser a metáfora do eu, ou seja, <strong>da</strong>consciência do sujeito lírico. Nas passagens, "A superfície vi<strong>br</strong>a de inquietasimagens/ Mas a <strong>pr</strong>ofundeza é sem<strong>pr</strong>e a mesma,/ Sem<strong>pr</strong>e a mesma,/ E éeternamente a mesma a direção <strong>da</strong>s vagas" (p. 12), são marcantes as reiterações eparalelismos sintáticos e semânticos, cujas reiterações contribuem namanutenção do ritmo. Pode-se dizer que o eu lírico sente a vi<strong>br</strong>ação <strong>da</strong>s imagensinquietas e, mesmo assim, busca a direção <strong>da</strong>s vagas. Tal busca de alegria e denão realização do eu lírico reflete a <strong>pr</strong>oblemática do ser humano: o desejo defelici<strong>da</strong>de permanente.4.2 Fazer poético: luta com as palavrasNa o<strong>br</strong>a de <strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong> o fazer poético é sinônimo de “<strong>inquietação</strong> deum ofício”, em que há uma constante <strong>pr</strong>eocupação poética, a<strong>pr</strong>esentando-secomo exercício, construção e trabalho artesanal. A <strong>poesia</strong> <strong>da</strong> autora é uma lutaincessante para atingir um estado original. Observa-se que a <strong>poesia</strong> kolodyanacontém uma visão peculiar de mundo, carrega<strong>da</strong> de transcendência, ao revelarque o fazer poético é capaz de comunicar uma <strong>pr</strong>ofun<strong>da</strong> consciência do sentido<strong>da</strong> vi<strong>da</strong> e dos limites humanos.<strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong> faz do ato de escrever um ofício cantante, ou seja, sua<strong>poesia</strong> reflete um lirismo contagiante e contido numa linguagem ex<strong>pr</strong>essiva quepersegue constantemente um mesmo tema: a <strong>poesia</strong>. A arte poética kolodyana79


Antonio Donizeti <strong>da</strong> Cruzidentifica-se com uma certa <strong>pr</strong>oblemática recorrente na <strong>poesia</strong> contemporânea:a busca de criação de uma <strong>poesia</strong> so<strong>br</strong>e a <strong>poesia</strong>, a tentativa de elaboração de umapoética ca<strong>da</strong> vez mais lúci<strong>da</strong> de si e capaz de revelar o poder <strong>da</strong>s palavras.Em “Rodeio” (IP, p. 49), poema dístico, percebe-se a luta constante dosujeito lírico com as palavras, como se observa:RODEIOTravo um combate sem tréguascom palavras indomáveis.Na luta com as palavras, fazer <strong>poesia</strong> é uma tarefa árdua, uma vez que aspalavras resistem à modelação que tem por objetivo transformá-las de "pedra<strong>br</strong>uta" em "diamante". Nota-se que a <strong>poesia</strong> pode ser considera<strong>da</strong> como uma"<strong>inquietação</strong> de um ofício", cuja tarefa requer, por parte do sujeito poético, umaluta incessante com as palavras. Ao mesmo tempo, ex<strong>pr</strong>essa uma intenção dehumano que se dedica "sem tréguas" em seu ofício, num labor inquieto perante ofazer poético. Se, para Octavio Paz, o que caracteriza o poema é sua necessáriadependência de palavra tanto como sua luta por transcendê-la (1982, p. 225), em<strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong>, o poema, “ser de palavras”, ex<strong>pr</strong>essa uma experiência concreta,de busca de liber<strong>da</strong>de e revelação humana.Os poemas, na lírica kolodyana, parecem surgir de uma <strong>inquietação</strong>interior, <strong>da</strong> luta constante com as palavras, a que todos os poetas estãosubmetidos, tal como diz Carlos Drummond de Andrade: “Lutar com palavras/ éluta mais vã./ Entanto lutamos/ mal rompe a manhã” (ANDRADE, 1984, p. 255-258). As palavras têm o poder de cristalizar o momento nascente de um <strong>pr</strong>ojetoestético, no qual a atitude do poeta é a de combate, de luta com as palavras<strong>pr</strong>ecisas, ou seja, não há hora demarca<strong>da</strong> para se travar a luta corporal, como dizDrummond. São versos que a<strong>pr</strong>esentam uma elaboração do fazer poéticocentrado no poder <strong>da</strong>s palavras e na concentração verbal, concretiza<strong>da</strong> na formade reinvenção <strong>da</strong> linguagem e do mundo. Mesmo que a luta com as palavraspossa parecer vã, o poeta edifica sua experiência poética mediante o poder decristalização dos instantes nascentes do poema tendo em vista o <strong>pr</strong>ojeto poético,com sua atitude de luta e combate com as palavras <strong>pr</strong>ecisas, travando, assim, asua luta corporal com as palavras.O haicai “Alquimia” (RE, p. 25) – e com seu caráter ideográficoexpandido: 5-7-5 sílabas aliterativas e assonantes – mostra que a <strong>poesia</strong> pode serpura alquimia:80


<strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong>: a <strong>poesia</strong> <strong>da</strong> <strong>inquietação</strong>ALQUIMIANas mãos inspira<strong>da</strong>snascem antigas palavrascom novo matiz.O poeta, inventor de formas e sentidos, é capaz de transformar empalavra "tudo o que toca". As palavras "antigas" são lapi<strong>da</strong><strong>da</strong>s pelas "mãosinspira<strong>da</strong>s" do sujeito lírico. O torneio coloquial e semântico aponta para o poderde nomeação <strong>da</strong> linguagem. A poeta é capaz de síntese perfeita, baseando-se nojogo de palavras e no seu poder de revelação, pois seu texto convi<strong>da</strong> àparticipação do leitor, com alto grau de comunicabili<strong>da</strong>de.Em “Elogio do poeta” (PI – VE, p. 30), a ideia de inspiração é associa<strong>da</strong>ao fazer poético, ou seja, ao trabalho que o escritor realiza, cuja tarefa consisteem fazer com que as palavras pesa<strong>da</strong>s e escuras tornem-se luminosas e ala<strong>da</strong>s:ELOGIO DO POETAAlvorecia a vi<strong>da</strong>E o céu <strong>da</strong> madruga<strong>da</strong> in<strong>da</strong> floria estrelas,Quando o poeta sentiu pulsar, indefini<strong>da</strong>,A <strong>pr</strong>ó<strong>pr</strong>ia inspiração.Im<strong>pr</strong>egnou seu olhar do mistério <strong>da</strong>s som<strong>br</strong>asE os olhos embebeu <strong>da</strong> clari<strong>da</strong>de astral.Penetrou o <strong>pr</strong>ofundo ignoto de si mesmoE bebeu água viva, emanação pereneDa fonte interior.Só então compôs para os homensA sua canção singular.Quando os homens viram os olhos do poeta,Acharam em sua luz a luz do <strong>pr</strong>ó<strong>pr</strong>io olharE no seu sonho o <strong>pr</strong>ó<strong>pr</strong>io sonho refletido.No ritmo do seu verso, então, reconheceramA canção que cantariam, se soubessem cantar.A "<strong>inquietação</strong>" é defini<strong>da</strong> pelo sujeito poético como uma "clari<strong>da</strong>deastral", um "pulsar" indefinido. O poeta sente-se im<strong>pr</strong>egnado ao olhar "domistério <strong>da</strong>s som<strong>br</strong>as". A figura do poeta que busca as respostas cifra<strong>da</strong>s em seumundo interior contrasta com as turbulências do mundo exterior. Ao mergulhar81


Antonio Donizeti <strong>da</strong> Cruz"no tumulto do mundo", o poeta acaba por a<strong>pr</strong>ender "a melodia <strong>da</strong>s palavras/ E ocompasso fe<strong>br</strong>il do coração humano" (p. 30).O sujeito poético na busca de si mesmo, em sua consciência esubjetivi<strong>da</strong>de que bebe a "água viva" <strong>da</strong> fonte interior. A água é símbolo <strong>da</strong>senergias inconscientes, <strong>da</strong>s virtudes informes <strong>da</strong> alma. Ela simboliza a "purezapassiva", pois é meio e lugar de revelação para os poetas que lhe põem sortilégiosa fim de obterem <strong>pr</strong>ofecias. A fonte é considera<strong>da</strong> "uma imagem <strong>da</strong> alma, comoorigem <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> interior e <strong>da</strong> energia espiritual" (CHEVALIER; GHEERBRANT,1991, p. 21).A poeta, ao buscar sua interiori<strong>da</strong>de, em um <strong>pr</strong>imeiro momento, vive o"estado de <strong>poesia</strong>", "inspira<strong>da</strong>", para só depois compor para os homens "a suacanção singular" (p. 30). Após o trabalho do poeta, "os homens" (metáfora de"leitores"), reconhecem "a luz do <strong>pr</strong>ó<strong>pr</strong>io olhar/ E no sonho o <strong>pr</strong>ó<strong>pr</strong>io sonhorefletido". Em “Elogio do poeta”, o fazer poético parece estar ligado aos<strong>pr</strong>ocessos interiores que ocorrem na relação do poeta com a vi<strong>da</strong>. A "cançãosingular" (metáfora de "poema") é a forma eleita para se transmitir a mensagemvital, ou seja, as viagens solitárias e invisíveis, através do diálogo interior. Assim,para a poeta, o poema é a forma de exteriorizar a vi<strong>da</strong> interior. É na solidão e nosilêncio que o poeta organiza a linguagem, transformando-a em instrumento derevelação, isto é, o poema é, no dizer de Paz, “uma revelação de nossa condiçãooriginal" (1982, p. 187).No soneto “Poetas mortos” (MS – VE, p. 158-159), o sujeito líricointerroga-se:POETAS MORTOSNo limiar de mundos ignorados,Onde aportaram suas naves quietas,Relem<strong>br</strong>o a alma sonora dos poetas,A alma sensível dos <strong>pr</strong>edestinados.Onde estarão essas aves inquietas?Que perfeição de céus jamais sonhadosAtrai seu vôo, inspira seus trinados,Que arte sutil cativa esses estetas?Na sen<strong>da</strong> solitária, com certeza,Passaram pelo mundo os trovadoresNum êxtase de sonho ante a beleza.82


Chego a pensar, às vezes, comovi<strong>da</strong>,Que a alma de luz e som dos sonhadoresJamais deixou a terra, o sol e a vi<strong>da</strong>.Os “poetas mortos” são re<strong>pr</strong>esentados pela metáfora "aves inquietas",pois eles, em vi<strong>da</strong>, foram atraídos pela "perfeição de céus jamais sonhados". Nosversos do poema, percebe-se o conflito do sujeito lírico, que sente a efemeri<strong>da</strong>de<strong>da</strong> vi<strong>da</strong> terrena e, ao mesmo tempo, in<strong>da</strong>ga-se a respeito <strong>da</strong> transcendênciahumana. Os poetas são os seres "<strong>pr</strong>edestinados", solitários, sonhadores emensageiros do mundo transcendente, que ao passarem "pelo mundo", viveramuma vi<strong>da</strong>, "num êxtase de sonho ante a beleza" (p. 158).Em “Pérola” (TS, p. 17), o fazer poético pode ser comparado a um"árduo ofício", que exige labor e perseverança por parte do poeta. A linguagem éartisticamente elabora<strong>da</strong>, metafórica, condensando múltiplos sentidos, em umespaço gráfico mínimo, como se pode constatar nos versos:PÉROLAÁspero grão de sofrimentomolesta a <strong>br</strong>an<strong>da</strong> consistência<strong>da</strong> alma do artista.Verte luar a alma feri<strong>da</strong>e veste a dor de opalescência:gera o poema.O fazer poético, na passagem, parece ser o resultado de <strong>pr</strong>ocessosinteriores do poeta em relação à vi<strong>da</strong>. O poema é gerado a partir de uma "agitaçãointerior" do indivíduo, visto que o "áspero grão do sofrimento" inquieta o poeta.Em “Crise” (TE), o poeta é a<strong>pr</strong>esentado como um ser "imantado",oscilante entre “espelho perturbado” e a “tempestade do mundo”, mostrando quea essência do fazer poético surge como uma ponte entre o eu e o mundo:CRISETroa o temporal.Cresce a voragemfaminta de naufrágios.A rosa dos rumos esfolha-sepelos pontos cardeais.<strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong>: a <strong>poesia</strong> <strong>da</strong> <strong>inquietação</strong>83


Antonio Donizeti <strong>da</strong> CruzBatido de apelos,o poeta oscila, imantado,entre o espelho perturbadoe a tempestade do mundo.Já no poema “Retrato” (IP, p. 51), com epígrafe de Jorge de Lima, o poetaé definido como "o feiticeiro inventor", capaz de alçar vôos "entre o céu e osabismos":RETRATO(“O poeta é um pantomimo”)Jorge de LimaUm sagaz ilusionista,cria <strong>pr</strong>odígios do na<strong>da</strong>.Malabarista de imagens,trapezista e <strong>da</strong>nçador,faz destras acrobaciasem barras de alegorias.Voa entre o céu e os abismoso feiticeiro inventor.O sujeito poético afirma que o poeta é capaz de "criar do na<strong>da</strong>", por serum "sagaz ilusionista,/ cria <strong>pr</strong>odígios do na<strong>da</strong>". O poeta é definido por meio detrês substantivos: "malabarista", "trapezista" e "<strong>da</strong>nçador". As "imagens" e"alegorias" são os recursos de linguagem de que se vale a poeta para criar seutexto. Também ele é a<strong>pr</strong>esentado como "porta-voz" do plano transcendente, poisele é capaz de voar "entre o céu e os abismos" (p. 51).“Criação” (TE) é um poema dístico, que a<strong>pr</strong>esenta o fazer poético comoum ato inventivo. O sujeito poético, em dois versos, sintetiza todo umpensamento reflexivo, no que se refere à construção poética:CRIAÇÃOMartírio transpassado de alegria,inefável agonia de criar!Os versos marcam uma sonori<strong>da</strong>de perfeita. À estrutura sonora, somamseassonâncias e aliterações, trazendo uma sonori<strong>da</strong>de independente do84


significado <strong>da</strong>s palavras, além do ritmo cadenciado. Salienta o oxímoro <strong>da</strong>spalavras "martírio" e "alegria". Na segun<strong>da</strong> estrofe, o sintagma "agonia de criar"mostra que o fazer poético não é algo gratuito, <strong>da</strong>do pelo acaso, mas é antes detudo um trabalho árduo, que requer esforço e luta por parte do poeta. O fazerpoético aparece com o jogo <strong>da</strong> antítese martírio/alegria, tendo em vista que acriação poética exige concentração e, acima de tudo, sacrifício, pois nadicotomia dor/<strong>pr</strong>azer reside a construção do poema.No dístico “Poeta” (IP, p. 38), o sujeito poético sintetiza o pensamentoso<strong>br</strong>e o “ofício do verso”:POETAO poeta nasce no poema,inventa-se em palavras.É um texto que mostra a perfeita integração do ser com as palavras. Apalavra é como uma ponte através <strong>da</strong> qual o homem busca superar a distância queo separa <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de exterior. Pode-se dizer que, nos versos de <strong>Kolody</strong>, a <strong>poesia</strong>reside nas cama<strong>da</strong>s mais <strong>pr</strong>ofun<strong>da</strong>s do ser. No momento <strong>da</strong> criação poética, aautora deixa aflorar à sua consciência, como parte mais secreta. O "inventar-seem palavras" é um reconhecer-se nelas. A poeta não escolhe a palavra, encontraa,reconhece-a. “A palavra em si mesma, é uma plurali<strong>da</strong>de de sentidos" (PAZ,1982, p. 58).<strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong>, em entrevista a Hamilton Faria, em O Estado doParaná, afirma que, "a palavra poética tem que ter qualquer coisa de mágico, defascinante. Ela transcende a ex<strong>pr</strong>essão comum. Ela tem uma porção deressonâncias para além do significado comum" (1992, p. 2).A palavra enquanto metáfora de poema aparece níti<strong>da</strong> em “pássaroslibertos” (SP, p. 17). Em três versos, o eu poético ex<strong>pr</strong>essa todo um conceito emrelação à palavra:PÁSSAROS LIBERTOSPalavras são pássaros.Voaram!Não nos pertencem mais.<strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong>: a <strong>poesia</strong> <strong>da</strong> <strong>inquietação</strong>A escolha <strong>da</strong> palavra "pássaro" simboliza o poema ou a palavra poética.A associação imagética justifica-se na medi<strong>da</strong> em que o pássaro e outros seres85


Antonio Donizeti <strong>da</strong> Cruzalados são símbolos de espiritualização. Na <strong>poesia</strong>, o pássaro é tomado comosímbolo <strong>da</strong> imortali<strong>da</strong>de. Ele simboliza a alma e tem um papel de intermediárioentre a terra e o céu (CHEVALIER; GHEERBRANT, 1991, p. 687-690).Em “Captura” (TE – VE, p. 87), o fazer poético a<strong>pr</strong>esenta-se enquantoluta com as palavras:CAPTURAAo dizer PÁSSARO,sinto a palavra fremir,ala<strong>da</strong> e <strong>pr</strong>isioneira.O poder <strong>da</strong> palavra é algo que fascina o sujeito poético, pois ela é capazde agitar o eu, a consciência do poeta. O signo "pássaro", em versais, remete àspalavras "ala<strong>da</strong>" e "<strong>pr</strong>isioneira". Diz-se que o poeta é um ser inquieto, pois senteo "fremir <strong>da</strong>s palavras", impulsionando-o à criação poética.O texto “fugitivo instante” (SP, p. 19) parece aludir ao fazer poético, naseguinte afirmação do sujeito poético:FUGITIVO INSTANTECaptar os seresem seu fugitivo instante de beleza.A temática do tempo está integra<strong>da</strong> à fugaci<strong>da</strong>de dos seres, <strong>da</strong>s coisasque passam, deixando um momento de beleza, que pode significar a criaçãopoética. Para a poeta, "junto com a alegria de criar, existe a agonia de perseguir oinatingível" (1986, p. 31).“Som<strong>br</strong>a no muro” (TE – VE, p. 86) é um exemplo concreto na busca <strong>da</strong>palavra mais adequa<strong>da</strong> ao fazer poético:SOMBRA NO MUROPersigo um pássaroe alcanço, apenas,no muro,a som<strong>br</strong>a de um voo.O sentido de busca e ex<strong>pr</strong>essão mais <strong>pr</strong>ecisa <strong>da</strong> palavra pode serconstata<strong>da</strong>, no texto, como criação concreta, solidifica<strong>da</strong> pelo eu poético.86


A <strong>poesia</strong> de <strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong> fun<strong>da</strong>-se so<strong>br</strong>e um vazio essencial,<strong>pr</strong>opondo quase que um recuo até o tempo longínquo <strong>da</strong> harmonia perfeita entreo homem e a natureza que o envolve. Ca<strong>da</strong> poema é construção de um espaçoharmonioso rumo à essência <strong>pr</strong>imordial <strong>da</strong>s coisas e dos seres. Sua <strong>poesia</strong> não éuma opinião, nem uma inter<strong>pr</strong>etação <strong>da</strong> existência humana, mas "uma revelaçãode nossa condição original, qualquer que seja o sentido imediato e concreto <strong>da</strong>spalavras do poema" (PAZ, 1982, p. 180).No poema dístico “Essência” (IP, 36), o sujeito poético tece a seguintedeclaração:ESSÊNCIAOculta na roupagem metafórica,palpita a reali<strong>da</strong>de essencial.A palavra "essência" pode significar a metáfora de "<strong>poesia</strong>", em que,revesti<strong>da</strong> de múltiplas significações, mostra a condição do ser humano, pois "aocriar a linguagem, o homem é um ser que se criou. Pela palavra, o homem é umametáfora de si mesmo" (PAZ, 1982, p. 42).“Código” (PM, p. 10) é mais um texto a afirmar o poder <strong>da</strong>s palavras.Composto por quatro versos similares, em que se destacam as rimas <strong>da</strong>s palavras"particular" e "singular":CÓDIGOAs palavras têm sentidonum código particular.Ca<strong>da</strong> qual é singularem sua maneira de ler.<strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong>: a <strong>poesia</strong> <strong>da</strong> <strong>inquietação</strong>Pode-se dizer que para o sujeito poético, a <strong>poesia</strong> é um meio decomunicação, isto é, o poema é um objeto verbal, em que as palavras, dentro deum "código particular", são singulares. Os versos do poema transmitem umacarga de sentidos estritamente peculiar, tendo em vista que as palavras enquantosignos revelam que a linguagem é uma condição <strong>da</strong> existência do homem e nãoum objeto, um organismo ou um sistema convencional de signos que se podeaceitar ou rejeitar: a palavra é o <strong>pr</strong>ó<strong>pr</strong>io homem, que é feito de palavras,constituindo-se a única reali<strong>da</strong>de ou, pelo menos, "o único testemunho <strong>da</strong>reali<strong>da</strong>de" (PAZ, 1982, p. 37-38).87


Antonio Donizeti <strong>da</strong> CruzPor analogia, o poema é “um caracol onde ressoa a música do mundo, emétricas e rimas são apenas correspondências, ecos, <strong>da</strong> harmonia universal(PAZ, 1982, p. 15).“Significado” (PM, p. 33) é um poema que convi<strong>da</strong> o leitor àparticipação e a olhar ao olhar ao poema e ao mundo circun<strong>da</strong>nte, com suasimagens “desenha<strong>da</strong>s” no papel ou nas “nuvens”, que com seus versospolimétricos,SIGNIFICADONo poemae nas nuvens,ca<strong>da</strong> qual desco<strong>br</strong>eo que deseja ver.mostram que a <strong>poesia</strong> pode ser comunhão, participação e revelação do ser. Nessaperspectiva, os poemas kolodyanos têm o poder de <strong>pr</strong>ojetar palavras quedespertam o leitor para uma observação atenta <strong>da</strong>s coisas mínimas, masindispensáveis à conjugação dos entes e seres, pois o “poema é uma o<strong>br</strong>a sem<strong>pr</strong>einacaba<strong>da</strong>, sem<strong>pr</strong>e disposta a ser completa<strong>da</strong> e vivi<strong>da</strong> por um novo leitor (1982,p. 234). Nas palavras de Paz,Se a comunhão poética se concretiza de ver<strong>da</strong>de, querodizer, se o poema ain<strong>da</strong> guar<strong>da</strong> intactos seus poderes derevelação e se o leitor penetra efetivamente em seu âmbitode energia, <strong>pr</strong>oduz-se uma recriação. Como to<strong>da</strong> recriação,o poema do leitor não é um duplo exato do escrito pelopoeta. Mas se não é idêntico quanto a isto e aquilo, éidêntico quanto ao <strong>pr</strong>ó<strong>pr</strong>io ato de recriação: leitor recria oinstante e cria-se a si mesmo. (PAZ, 1982, p. 233-234)Assim, nas esferas <strong>da</strong> “<strong>poesia</strong>-comunhão”, a lírica de <strong>Kolody</strong> convergepara o sentido <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>, uma <strong>poesia</strong> que tem múltiplas facetas, qual umcaleidoscópio que a ca<strong>da</strong> movimento modifica a imagem.O poema “Circuito” (IP, p.52) convi<strong>da</strong> o leitor a partilhar a experiênciapoética vivencia<strong>da</strong> pelo eu poético e concretiza<strong>da</strong> no poema:88CIRCUITOOs olhos que mergulham no poemacompletam o circuito <strong>da</strong> <strong>poesia</strong>.


O poema enquanto <strong>pr</strong>esente original e comunicativo do poeta a seu leitoré “uma o<strong>br</strong>a sem<strong>pr</strong>e inacaba<strong>da</strong>, sem<strong>pr</strong>e disposta a ser contempla<strong>da</strong> e vivi<strong>da</strong> porum novo leitor” (PAZ, 1982, p. 234). Se ao poeta é confia<strong>da</strong> a missão de criar ummundo novo, através de sua linguagem poética, essa missão torna-se mais difícilain<strong>da</strong>, sem a humil<strong>da</strong>de <strong>da</strong> interrogação e sem o risco <strong>da</strong> busca. Interrogar alinguagem é "interrogar-nos a nós mesmos" (PAZ, 1991, p. 40).O poema “outra dimensão” (SP, p. 41) <strong>pr</strong>opõe questões para as quais nãohá respostas fáceis ou imediatas. A quali<strong>da</strong>de oscilante no ritmo e asinterrogações inexoráveis transmitem a <strong>inquietação</strong> do sujeito lírico, em face deum dilema não resolvido: a do questionamento de sua linguagem:OUTRA DIMENSÃOQuem pintaráa voz e a canção?Quem <strong>pr</strong>enderáno cárcere do versoa miragem e o sonho,o vôo e o pensamento?<strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong>: a <strong>poesia</strong> <strong>da</strong> <strong>inquietação</strong>Em relação ao fazer poético, Octavio Paz distingue dois momentos no<strong>pr</strong>ocesso poético: a elaboração do poema e sua recepção por um leitor ou umouvinte. São momentos de um <strong>pr</strong>ocesso, de um fazer poético, porque o poemajamais se a<strong>pr</strong>esenta como reali<strong>da</strong>de independente. Nenhum texto poético temexistência per se: o leitor confere reali<strong>da</strong>de ao poema. Nesse sentido, o poeta é o<strong>pr</strong>imeiro leitor de seu poema, o <strong>pr</strong>imeiro autor (PAZ, 1991, p. 101). Para <strong>Helena</strong><strong>Kolody</strong>, o <strong>pr</strong>ocesso criativo, o fazer poético é "muito pessoal". A esse respeito,<strong>Helena</strong> declara:Às vezes meus poemas vêm por inteiro, são os poemasvivíparos. Eles são os melhores e geralmente dormirammuito tempo dentro de mim. Outras vezes é só um núcleo depoemas, os ovíparos, que têm que ser chocados. Eles seestruturam devagar. E, de repente, nasce a ave, porque háum longo <strong>pr</strong>ocesso de cele<strong>br</strong>ação inconsciente (SERUR,1988, p. 8).Seus poemas parecem surgir de uma <strong>inquietação</strong> interior, de uma lutacom as palavras. <strong>Helena</strong> salienta:89


Antonio Donizeti <strong>da</strong> CruzEu sou uma poeta que não faz o poema na hora que quer. É a<strong>poesia</strong> quem quer. Ela me agita, me o<strong>br</strong>iga, é umacompulsão interior [...]. Às vezes o poema já vem mais oumenos <strong>pr</strong>onto [...]. Outras vezes é <strong>pr</strong>eciso suar muito [...]. Éuma luta terrível com as palavras. Mas há ocasião que estouem estado de <strong>poesia</strong> e os poemas vão saindo: um, dois, trêspoemas seguidos (KOLODY, 1985, p. 5).Em relação ao "estado de <strong>poesia</strong>", "à inspiração", a autora afirma que ainspiração é como o vento, so<strong>pr</strong>a onde quer,A inspiração é como um estado de em<strong>br</strong>iaguez; eu medesligo <strong>da</strong>s <strong>pr</strong>eocupações imediatas e começo a sonharversos. Preciso escrevê-los imediatamente, senão mefogem e não os recupero mais. Há um sentimento de alegriano ato de criar. Há um <strong>pr</strong>azer lúdico nesse jogo realizadocom palavras (BASSETI, 1990, p. 5).mas o <strong>pr</strong>ocesso criativo <strong>da</strong> autora não fica somente em nível <strong>da</strong> "inspiração".A poeta salienta que, depois, vem a fase <strong>da</strong> análise e <strong>da</strong> crítica ao poema. Já não éautora, é leitora do poema e começa a burilá-lo. “Travo um combate sem tréguascom palavras indomáveis”. Tal como digo em um poema. Nunca fico satisfeita.O sonho é sem<strong>pr</strong>e melhor e maior do que o poema", diz <strong>Kolody</strong> (BASSETI,1990, p. 5).Assim, no poema “Inspiração” (PM, p. 13), parece concretizar-se o que<strong>Helena</strong> pensa a respeito <strong>da</strong> experiência poética e <strong>da</strong> inspiração:INSPIRAÇÃOPássaro ariscopousou de leve...Fugiu!Mas também há o poema <strong>da</strong> longa gestação, pois, na <strong>poesia</strong> como navi<strong>da</strong>, há o tempo <strong>da</strong>s germinações, gestações; há o tempo de semear e ceifar,germinar e frutificar, tempo de nascer e morrer.Em “gestação” (SP, p. 39), o sujeito poético relaciona o fazer poético aomomento <strong>da</strong> transformação do carbono em diamante:90


<strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong>: a <strong>poesia</strong> <strong>da</strong> <strong>inquietação</strong>GESTAÇÃODo longo sono secretona entranha escura <strong>da</strong> terra,o carbono acor<strong>da</strong> diamante.O "sono secreto" pode ser a metáfora do "fazer poético", do poema quetardou a "florescer".O poema “Loucura lúci<strong>da</strong>” (AO, p. 19) é um texto que busca traduzir oestado poético, no ato de criação. O sujeito poético vê-se "arrebatado" para outradimensão <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>, que transfigura o olhar cotidiano, em busca de uma leveza,uma sensível permanência. A <strong>poesia</strong> pode significar "loucura lúci<strong>da</strong>", comodeclara o sujeito lírico:LOUCURA LÚCIDA1988Pairo, de súbito,noutra dimensãoAlucina-me a <strong>poesia</strong>,loucura lúci<strong>da</strong>.São versos que mostram a questão do fazer poético, <strong>da</strong> <strong>poesia</strong> enquantomomento de "cintilação", de uma poderosa alegria que há na <strong>poesia</strong> atransformar-se em excessiva e pura ativi<strong>da</strong>de de construção. A <strong>poesia</strong> é capaz dealucinar o sujeito lírico, pois ela é "loucura lúci<strong>da</strong>". No último verso do poemadestaca-se o oxímoro loucura x lúci<strong>da</strong>.Há também a “Poesia mínima” (PM, p. 41), o sujeito poético articula alinguagem e faz <strong>da</strong> <strong>poesia</strong> um credo, com sua maneira de sintetizar opensamento:POESIA MÍNIMAPintou estrelas no muroe teve o céuao alcance <strong>da</strong>s mãos.O texto, metafórico e sintético, <strong>pr</strong>ojeta uma linguagem artisticamenteelabora<strong>da</strong>, com uma confluência de signos que visa um significado, isto, é o91


Antonio Donizeti <strong>da</strong> Cruzpoema é “um ideograma que gira em torno de si mesmo e em redor de um sol queain<strong>da</strong> não está nascendo” (Paz, 1982, p. 345).Em “Invenção” (AO, p. 33), poema dístico, verifica-se que o poeta, “serfragilizado", é capaz de qualquer ato inventivo. Em dois versos altamentemetafóricos, o Eu lírico salienta que o fazer poético é antes de tudo engenhocriativo, ao dizer:INVENÇÃO1989Invento uma lua cheia.Clareia a noite em mim.O poeta é o inventor, o criador <strong>da</strong> linguagem. Só na medi<strong>da</strong> em que aspalavras nascem, morrem e renascem em seu interior o poeta é, por sua vez,criador (PAZ, 1990, p. 116). O poeta, ser inquieto, é capaz de inventar uma luacheia, e em sua invenção sentir-se iluminado pela magia <strong>da</strong>s palavras.No poema intitulado “Presença” (PM, p. 29), verifica-se a temática <strong>da</strong>solidão e do fazer poético. O título do poema contrasta, já no <strong>pr</strong>imeiro verso, coma ausência do poeta. O Eu poético afirma:PRESENÇAO poeta ausentou-se.Deixou seu rosto de palavrasinteiromultiplicadono espelho que<strong>br</strong>ado.Nos versos do poema, percebe-se o jogo com as palavras e uma agu<strong>da</strong>consciência por parte <strong>da</strong> poeta ao trabalhar a linguagem. São versos que sefragmentam <strong>pr</strong>oposita<strong>da</strong>mente. Mesmo “ausente” o poeta deixa "seu rosto depalavras" (metáfora de poema), inteiro que se multiplica, nos fragmentos doespelho. O espelho é símbolo <strong>da</strong> sabedoria, do conhecimento e <strong>da</strong> manifestaçãoque reflete a inteligência criativa (CHEVALIER; GHEERBRANT, 1991, p.394).A in<strong>da</strong>gação e a <strong>inquietação</strong> são as balizas que norteiam o poema“Onde?” (PM, p. 12). O sujeito poético in<strong>da</strong>ga-se em relação ao seu fazer92


poético. Percebe-se que a linguagem enquanto in<strong>da</strong>gação é uma constante. O Eupoético, inquieto, questiona-se:ONDE?Em que furna,em que torre,em que cisterna fun<strong>da</strong>dormia o poemaem mim?<strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong>: a <strong>poesia</strong> <strong>da</strong> <strong>inquietação</strong>Nos três <strong>pr</strong>imeiros versos é marcante a ocorrência <strong>da</strong> anáfora, iniciadopelo sintagma "em que". São constantes as equivalências, similari<strong>da</strong>des eparalelismos sintáticos e semânticos no poema, pois esses elementos dentro dodiscurso poético efetuam-se mediante o em<strong>pr</strong>ego <strong>da</strong> mesma figura, funçãogramatical que, junto com o retorno de uma mesma estrutura similar, concretizao discurso poético como tal. É o que ocorre no poema, salientando-se oparalelismo sintático e semântico. A singulari<strong>da</strong>de gramatical de ca<strong>da</strong> verso esuas relações particulares ressaltam o movimento cadenciado e dão significaçãolírica a ca<strong>da</strong> verso. A in<strong>da</strong>gação do sujeito poético, no texto, culmina no pontofinal, pois ele busca um sentido ao seu fazer poético, ao associar as imagens <strong>da</strong>furna, <strong>da</strong> torre e <strong>da</strong> cisterna, com uma possível relação de interiori<strong>da</strong>de do seuEu.No que diz respeito à forma poética de composição, o haicai, <strong>Helena</strong><strong>Kolody</strong> assimilou muito bem essa forma de <strong>poesia</strong>. Como já mencionou-se, foiatravés do Jornal de Letras e <strong>da</strong> correspondência com a escritora paulista FannyDu<strong>pr</strong>é, que teve conhecimento <strong>da</strong> <strong>poesia</strong> japonesa, em especial do haicai e <strong>da</strong>tanka.O haicai é uma forma de <strong>poesia</strong> japonesa, pequeno poema de três versos,com cinco, sete e cinco sílabas sucessivamente. Ele evoca uma singela e delica<strong>da</strong>im<strong>pr</strong>essão do mundo, <strong>da</strong> natureza, do homem, <strong>da</strong>s plantas ou dos animais; àsvezes com um toque sutil de lirismo de caráter melancólico ou nostálgico, outras,com um rasgo de ligeiro humor (HUIZINGA, 1990, p. 138).A tanka é um poema clássico japonês, composto por trinta e uma sílabasdistribuí<strong>da</strong>s em estrofes de cinco versos. O haicai e a tanka são formas decomposição <strong>da</strong> arte japonesa,Poemas, quadros: objetos verbais ou visuais que ao mesmotempo se oferecem à contemplação e à ação imaginativa do93


Antonio Donizeti <strong>da</strong> Cruzleitor ou do espectador. [...] Seu ver<strong>da</strong>deiro nome éconsciência <strong>da</strong> fragili<strong>da</strong>de e <strong>pr</strong>ecarie<strong>da</strong>de <strong>da</strong> existência,consciência <strong>da</strong>quele que se sabe suspenso entre um abismoe outro. A arte japonesa, em seus momentos mais tensos etransparentes, revela esses instantes – porque são só uminstante – de equilí<strong>br</strong>io entre a vi<strong>da</strong> e a morte. Vivaci<strong>da</strong>de:mortali<strong>da</strong>de". (PAZ, 1991, p. 198).Há, segundo Octavio Paz, na ex<strong>pr</strong>essão e forma <strong>da</strong> <strong>poesia</strong> japonesa(tankas e haicais), “um modelo de concentração verbal, uma construção deextraordinária simplici<strong>da</strong>de feita de uma poucas linhas e uma plurali<strong>da</strong>de dereflexos e alusões (Paz, 1991, p. 210). Essa simplici<strong>da</strong>de (ilusória consoantePaz), a<strong>pr</strong>esenta-se pelo fato de em poucas palavras o poeta conseguir ex<strong>pr</strong>essar omáximo de sentido em um espaço gráfico mínimo, repleta de lirismo eobservação atenta do poeta em relação à natureza e ao mundo, pode ser vistacomo uma experiência poética altamente elabora<strong>da</strong> na lírica de <strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong>.O poema haicai “Pereira em flor” (MS, p. 17), elogiado por CarlosDrummond de Andrade, é um exemplo concreto do sintetismo e lirismokolodyano. O sujeito poético afirma:PEREIRA EM FLORDe grinal<strong>da</strong> <strong>br</strong>anca,To<strong>da</strong> vesti<strong>da</strong> de luar,A pereira sonha.No poema ocorre uma personificação <strong>da</strong> pereira. As imagens sãosingulares. A flor <strong>da</strong> pereira é símbolo do caráter efêmero <strong>da</strong> existência. Arespeito do haicai “Pereira em flor”, <strong>Helena</strong> relata de que forma surgiu o poema:Eu morava na Rua Carlos de Carvalho. Uma noite, ao sair<strong>da</strong> casa de uma amiga, dei com aquela pereiracompletamente floresci<strong>da</strong>, banha<strong>da</strong> pela luz <strong>da</strong> lua cheia. Abeleza do quadro foi um impacto na minha sensibili<strong>da</strong>de.Fiz o poema bem mais tarde. Associei a pereira com umanoiva: a noiva to<strong>da</strong> vesti<strong>da</strong> de <strong>br</strong>anco, sonhando, como apereira ao luar (1986, p. 22).<strong>Helena</strong> acredita que as im<strong>pr</strong>essões a<strong>pr</strong>eendi<strong>da</strong>s vão se acumulando emseu inconsciente e elaborando uma espécie de húmus, no qual se misturamim<strong>pr</strong>essões de muitos tempos, e desse húmus <strong>br</strong>ota o poema. Nesse sentido, o94


<strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong>: a <strong>poesia</strong> <strong>da</strong> <strong>inquietação</strong>poema é "a metáfora do que o poeta sentiu e pensou; é a ressurreição <strong>da</strong>experiência e sua transmutação" (PAZ, 1991, p. 19).Em relação ao <strong>pr</strong>ocesso de composição poética a que se refere <strong>Helena</strong><strong>Kolody</strong>, assemelha-se ao que Octavio Paz (1991) afirma a respeito <strong>da</strong>experiência do poeta. Suas experiências cotidianas não se compõem de ideias oude sensações, mas de ideias-sensações que se manifestam no interior do poeta esão, por natureza, evanescentes. A linguagem, num <strong>pr</strong>imeiro momento, a<strong>pr</strong>eendeàquelas sensações, depois as fixa, mu<strong>da</strong>-as, transforma-as. O poeta repete aoperação do que viu e sentiu de maneira infinitamente mais complexa eelabora<strong>da</strong>. Dessa forma, “o poeta, ao nomear o que sentiu e pensou, não transmiteas ideias e sensações originais: a<strong>pr</strong>esenta formas e figuras que são combinaçõesrítmicas nas quais o som é inseparável do sentido” (1991, p, 19). Tais<strong>pr</strong>ocedimentos de formas e sentidos geram sensações e ideias-sensaçõessemelhantes, mas não iguais às <strong>da</strong> experiência <strong>pr</strong>imordial que o poeta vivenciou.Assim, “o poema é a metáfora do que o poeta sentiu e pensou. Essa metáfora é aressurreição <strong>da</strong> experiência e sua transmutação” (1991, p. 19).A lírica de <strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong> <strong>pr</strong>ojeta uma construção poética enquanto“ofício cantante” e, ao mesmo tempo, “inquietante”. O constate ato de burilar opoema – até achar a forma mais deseja<strong>da</strong> para a<strong>pr</strong>esentá-lo ao leitor – acentua sua<strong>pr</strong>eocupação com o “ofício do verso”, isto é, sua <strong>poesia</strong> denomina-se trabalho,uma constante luta com as palavras e com um fazer poético que <strong>pr</strong>ivilegia apalavra poética, concretizando uma <strong>poesia</strong> altamente elabora<strong>da</strong>, marca<strong>da</strong> pelasimplici<strong>da</strong>de, ao aliar clareza e técnica à arte poética. Assim, <strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong>realiza uma escrita em constante <strong>pr</strong>ocesso, que ex<strong>pr</strong>ime sua maneira deinter<strong>pr</strong>etar o mundo através <strong>da</strong> “magia <strong>da</strong>s palavras”.4.3 Busca de sentido existencial: questionamento do serQuem é essaque me olhade tão longe,com olhos que foram meus?<strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong> (“Retrato antigo”, AO, p. 35)A <strong>poesia</strong> é busca de sentido. Tanto o poeta quanto o leitor mantêm, naatuali<strong>da</strong>de, uma atitude interrogativa, senão especulativa perante a <strong>poesia</strong>. Em se95


Antonio Donizeti <strong>da</strong> Cruztratando <strong>da</strong> questão <strong>da</strong> <strong>br</strong>evi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> humana, a <strong>poesia</strong> parece ser o "sinal" doser humano e seu testemunho perante o futuro.Na moderni<strong>da</strong>de, o poema assume a forma <strong>da</strong> interrogação. "Não é ohomem que pergunta. É a linguagem que nos interroga. Essa pergunta (Que ouquem pode nomear hoje a palavra?) nos engloba a todos" (PAZ, 1982, p. 345).No itinerário poético de <strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong>, observam-se certas temáticasconstantes, dentre as quais, a questão <strong>da</strong> <strong>br</strong>evi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> existência, a <strong>inquietação</strong>do poeta em relação à vi<strong>da</strong>, ora a exaltação intensa <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> ora o desencanto.Também, percebe-se a temática do amor, dos sentimentos e sonhos, <strong>da</strong>efemeri<strong>da</strong>de <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>, do desejo de realização, <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> cotidiana, <strong>da</strong> questão <strong>da</strong>vi<strong>da</strong> e <strong>da</strong> morte, <strong>da</strong> solidão, do questionamento e <strong>da</strong> busca de sentido à vi<strong>da</strong>.Na o<strong>br</strong>a de <strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong>, a palavra poética adquire a inflexão <strong>da</strong>interrogação ontológica. No universo poético kolodyano, o sentimento definitude do ser transforma-se em eco <strong>da</strong> transcendência do infinito. Daí a vertente<strong>da</strong> religiosi<strong>da</strong>de na <strong>poesia</strong> de <strong>Helena</strong>, em que a nostalgia <strong>da</strong> totali<strong>da</strong>de, aaspiração ao absoluto ("Tu", "Senhor", "Deus"), confundem-se com o desejo deum mundo transcendente.A questão <strong>da</strong> <strong>br</strong>evi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> e transcendência, <strong>pr</strong>esentifica-se nopoema “mergulho” (SP, p. 44). O sujeito lírico mostra-se inquieto, dividido entreo plano terreno e o transcendente, divino. Ao se considerar essas duas dimensões<strong>da</strong> vi<strong>da</strong>, associa-se ao poema:MERGULHOAlmejo mergulharna solidão e no silêncio,para encontrar-mee despojar-me de mim,até que a Eterna Presençaseja a minha plenitude.No texto percebe-se uma busca do eu lírico movido pelo desejo deacesso à outra mora<strong>da</strong>, à outra dimensão, em que se acredita residir a "harmonia".O silêncio está associado à condição de solidão, pois o poeta é um ser solidárioque vivencia em <strong>pr</strong>ofundi<strong>da</strong>de seu mundo "interior". Entre as limitações <strong>pr</strong>ó<strong>pr</strong>ias<strong>da</strong> condição <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> no plano físico, e no plano espiritual transcendentes, há oespaço intermediário, ou seja, o momento <strong>pr</strong>esente. No "mergulho" do instante edespojamento, o eu lírico constata que através de seu "canto", é "quase" possível<strong>pr</strong>eencher o vazio existencial.96


A tanka “Sabedoria” (RE, p. 60) mostra a temática do efêmero, <strong>da</strong><strong>br</strong>evi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>, do tempo e <strong>da</strong> sau<strong>da</strong>de. No poema salientam-se o exercíciolúdico, as pausas dos versos, os acentos poéticos, as ligações dos segmentosfrasais e o conteúdo <strong>da</strong>s recor<strong>da</strong>ções do sujeito lírico, que inquieta-se perante avi<strong>da</strong>:SABEDORIATudo o tempo leva.A <strong>pr</strong>ó<strong>pr</strong>ia vi<strong>da</strong> não dura.Com sabedoria,colhe a alegria de agorapara a sau<strong>da</strong>de futura.Há uma perfeita relação semântica entre os versos do poema, mostrandoque a vi<strong>da</strong> é finita como as coisas que passam. O texto aponta para uma questãofun<strong>da</strong>mental: o ser humano, como to<strong>da</strong>s as formas de vi<strong>da</strong>, tem um <strong>pr</strong>azo acum<strong>pr</strong>ir na existência terrena. Daí a necessi<strong>da</strong>de de buscar com sabedoria "aalegria de agora", ou seja, urge cultivá-la, de maneira "plena", tendo em vista "asau<strong>da</strong>de futura".Em “Vitória íntima” (PI – VE), o eu lírico feminino sente-se fragilizado eimpotente perante a agitação <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>, ao afirmar: "Meu coração fechou as pétalasso<strong>br</strong>e os meus sentimentos" (p. 211). E "Sozinha entre a multidão humana,/Silenciosa no mar ululante <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>./ Submergi como um peso morto/ Na fluidezespiritual do transcendente" (p. 211). O estar só em meio à multidão humana levao eu lírico a in<strong>da</strong>gar-se de sua <strong>pr</strong>ó<strong>pr</strong>ia condição existencial, terrena, em virtude deuma busca transcendente.“Queixa” (MS, p. 10) é um poema sintético de três versos, <strong>pr</strong>ojetando oinconformismo em relação ao sofrimento, à angústia e à tristeza, por parte dosujeito lírico que se questiona:QUEIXATu, Senhor, que repartes os destinos:Por que me deste o árido quinhãoDe sonho, de tristeza e solidão?<strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong>: a <strong>poesia</strong> <strong>da</strong> <strong>inquietação</strong>Os versos são marcados por um lirismo pungente. No último verso dopoema, os três signos: "sonho", "tristeza" e "solidão", denotam a introspecção do97


Antonio Donizeti <strong>da</strong> Cruzsujeito lírico, que se sente inquieto perante a vi<strong>da</strong>. As enumerações contribuempara a manutenção do ritmo do poema. O tom de in<strong>da</strong>gação que norteia o poemainstaura um conflito entre o "eu" e o mundo circun<strong>da</strong>nte. O questionamento <strong>da</strong>linguagem pode estar relacionado à consciência tensa, inquieta, do Eu poéticoem constante interrogação.No haicai intitulado “Os tristes” (RE, p. 33), evidencia-se a <strong>inquietação</strong>do sujeito lírico enquanto questionamento:OS TRISTESEm seus caramujos,os tristes sonham silêncios.Que ausência os habita?São versos revestidos de um lirismo singular. Salienta-se a temática <strong>da</strong>solidão, pois em "ausência" e "silêncios", os tristes sonham. A imagem docaramujo remete à ideia de isolamento e introspecção. No verso final, destaca-sea in<strong>da</strong>gação do sujeito lírico.No terceto “Emblema” (MS, p. 11), a temática do sofrimento e <strong>da</strong>religiosi<strong>da</strong>de aparecem de forma níti<strong>da</strong>, em que o eu lírico salienta sua<strong>inquietação</strong>:EMBLEMAA fogo im<strong>pr</strong>imiste, Senhor,Na carne de meu coraçãoA tua insígnia de dor.São versos que mostram que a dor e o sofrimento são inseparáveis <strong>da</strong>vi<strong>da</strong> humana. A religiosi<strong>da</strong>de e amor se fazem <strong>pr</strong>esentes no poema “Prece” (PI, p.32), em que o sujeito lírico intercede:PRECEConcede-me, Senhor, a graça de ser boa,De ser o coração singelo que perdoa,A solícita mão que espalha, sem medi<strong>da</strong>sEstrelas pela noite escura de outras vi<strong>da</strong>sE tira d'alma alheia o espinho que magoa.98


<strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong>: a <strong>poesia</strong> <strong>da</strong> <strong>inquietação</strong>No texto, o amor é forma diviniza<strong>da</strong> de “oferen<strong>da</strong>”, de desejo de partilhacom os outros. A linguagem do poema é extremamente metafórica,caracterizando-se pela rigorosa disciplina e pela concisão, visíveis na <strong>br</strong>evi<strong>da</strong>de<strong>da</strong>s composições, quase sem<strong>pr</strong>e apoia<strong>da</strong>s no esquema recorrente <strong>da</strong>s rimas. Nopoema, a palavra "estrelas" pode significar a metáfora de bon<strong>da</strong>de e de amor, poisa solícita mão que as espalha às outras vi<strong>da</strong>s, também tira "o espinho" que mágoa.A palavra "espinho" é a metáfora de "sofrimento".Nas palavras de Octavio Paz (1982), a palavra poética e a palavrareligiosa se confundem ao longo <strong>da</strong> história. Porém, a revelação religiosa nãoconstitui – pelo menos na medi<strong>da</strong> em que é palavra – o ato original, e sim a suainter<strong>pr</strong>etação. Em contraparti<strong>da</strong>, a <strong>poesia</strong> é revelação <strong>da</strong> condição humana e, poressa razão, criação do homem pela imagem. A linguagem poética instaura acondição paradoxal do homem: sua “outri<strong>da</strong>de”. Desse modo, o leva aconcretizar aquilo que é. Para Paz,Não são as sagra<strong>da</strong>s escrituras <strong>da</strong>s religiões que constroem ohomem, pois se apóiam na palavra poética. O ato pelo qual ohomem se fun<strong>da</strong> e se revela a si mesmo é a <strong>poesia</strong>. Em suma,a experiência religiosa e a poética têm uma origem comum,suas ex<strong>pr</strong>essões históricas – poemas, mitos, orações,exorcismo, hinos, re<strong>pr</strong>esentações teatrais, ritos, etc. – são àsvezes indistinguíveis; as duas, enfim, são experiências denossa 'outri<strong>da</strong>de' constitutiva. (1982, p. 189).Religião e <strong>poesia</strong>, conforme Paz, tendem a concretizar de uma vez parasem<strong>pr</strong>e a possibili<strong>da</strong>de de ser que somos e que constitui nossa maneira de ser.Tanto a experiência religiosa como a experiência poética ocorre como “um saltomortal: um mu<strong>da</strong>r de natureza que é também um regressar à nossa naturezaoriginal. Encoberto pela vi<strong>da</strong> <strong>pr</strong>ofana ou <strong>pr</strong>osaica, nosso ser de repente serecor<strong>da</strong> de sua identi<strong>da</strong>de perdi<strong>da</strong>; e então, aparece, emerge, esse 'outro' quesomos” (PAZ, 1982, p. 166).São palavras que mostram o poder <strong>da</strong> linguagem e a maneira de o Euestar no mundo. O poder <strong>da</strong>s palavras aponta para o sentido de partilha. Nessesentido, a palavra poética pode ser um refúgio do homem contra as desilusões,frustrações e limitações, ou seja, ela é força capaz de impulsioná-lo a atingir seussonhos e realizações.A temática do amor idealizado e não correspondido constata-se nopoema “Miragem” (PI, p. 82), em que o sujeito lírico declara:99


Antonio Donizeti <strong>da</strong> CruzMIRAGEMMeu amor por você foi só reflexoDuma ternura imensa re<strong>pr</strong>esa<strong>da</strong>.De coração ingênuo e alma apaixona<strong>da</strong>,Fiz do meu <strong>pr</strong>ó<strong>pr</strong>io sonho um fantasma de amor.No texto, o amor re<strong>pr</strong>esenta um limite inusitado <strong>da</strong> idealização e dodesejo do eu lírico, contrapondo-se a uma <strong>inquietação</strong> <strong>da</strong> "alma apaixona<strong>da</strong>". Arealização amorosa fica só em nível de <strong>pr</strong>ojeção, num misto de desejo ereali<strong>da</strong>de, impossibilita<strong>da</strong> por não atingir a concretude do amor, que não sematerializa.A <strong>poesia</strong> de <strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong>, ao tratar <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> cotidiana, deixa marcas deum lirismo que reflete os conflitos, as alegrias, as frustrações do ser humano,sedento de realizações. A <strong>poesia</strong> trata <strong>da</strong>s coisas sagra<strong>da</strong>s e <strong>pr</strong>ofanas, <strong>da</strong>ambigüi<strong>da</strong>de que reside nas coisas e nos seres. To<strong>da</strong>s essas coisas sãoa<strong>pr</strong>esenta<strong>da</strong>s nos poemas com o cui<strong>da</strong>do formal de quem necessita de palavras eimagens <strong>pr</strong>ecisas, em versos livres, rimados ou não, mas que transmitem umacarga semântica e sintática muito bem estrutura<strong>da</strong>.Em “transeuntes” (SP, p. 8), o efêmero e o eterno cruzam-se numa redede sentidos. Os versos do poema direcionam à atitude inquieta do Eu poético, queanseia por atingir o mundo transcendente:TRANSEUNTESTranseuntes<strong>da</strong> vi<strong>da</strong> <strong>pr</strong>ovisória:que rumor de asas eternaspara além <strong>da</strong>s fronteiras e dos símbolos!Nos versos do poema percebe-se que o ser humano vive uma "vi<strong>da</strong><strong>pr</strong>ovisória", ou seja, tratam <strong>da</strong> <strong>br</strong>evi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> humana. Pode-se dizer que apoeta alicerça a construção de uma lírica pessoal, através de um Eu poético quese caracteriza pelo desejo de realizações e buscas.A tônica do amor sublimado é uma constante na <strong>poesia</strong> kolodyana. Em“As o<strong>br</strong>as de misericórdia” (PI – VE), a poeta tece o poema escolhendo aspalavras como um pintor que escolhe cui<strong>da</strong>dosamente as cores, as imagens eformas, <strong>da</strong>ndo realce à <strong>pr</strong>oblemática social: o amor para com os "irmãos100


<strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong>: a <strong>poesia</strong> <strong>da</strong> <strong>inquietação</strong>pequeninos", dos que "Trazem o coração sangrando/ E sangrando o pensamento"(p. 189-190). O sujeito lírico se com<strong>pr</strong>az com a dor e o abandono <strong>da</strong>s criançasdesampara<strong>da</strong>s, de "rostos tristes", de "pés cansados" e "mãos vazias"; e é capazde um gesto de afeto, ao afirmar: "Aqueci no aconchego de meu carinho/ A almatriste <strong>da</strong>s crianças descalças" (p. 190).No referido texto, o amor aparece como sublimação, desejo de aju<strong>da</strong> porparte do sujeito lírico a seus semelhantes, de "existências ignora<strong>da</strong>s:/ olhos defome, olhos de fe<strong>br</strong>e, olhos de angústia,/ olhos ermos e indiferentes". O sujeitolírico "a<strong>br</strong>aseia-se" na ânsia de aju<strong>da</strong>r, "na ternura de querer, o ardor de consolar"(p.190). Percebe-se no texto, o conflito em que se debate o sujeito lírico,dominado pela consciência <strong>da</strong> necessária soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de para com os outros sereshumanos. O amor emerge como uma força sublime em que o sujeito líricoidentifica-se com os pequenos, os desamparados e despossuídos, em virtude <strong>da</strong>magnificação <strong>da</strong> dor de existir, afligindo-os para além de seu poder deresistência. Nesse sentido, a <strong>poesia</strong> de <strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong> é consciência <strong>da</strong>transitorie<strong>da</strong>de do ser e, ao mesmo tempo, aponta para os descaminhos sociais.Em Exílio (VB – VE, p. 114), percebe-se por parte do sujeito lírico, osentimento de incapaci<strong>da</strong>de em mu<strong>da</strong>r as circunstâncias existenciais e anecessi<strong>da</strong>de de aceitação de condições, por serem etapas a percorrer no <strong>pr</strong>ocessoevolutivo <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> humana.EXÍLIOSomos tão estrangeiros nesta vi<strong>da</strong>!Vivemos doloridos e insatisfeitos.Há sem<strong>pr</strong>e uma farpaCrava<strong>da</strong> num nervo sensível.Em tudo, uma ausência,Um travo de imperfeição.O poema é composto por duas estrofes irregulares. A <strong>pr</strong>imeira é ummonóstico, em que o sujeito lírico declara: "Somos tão estrangeiros nesta vi<strong>da</strong>!"(p. 114). Já de início, salienta-se a questão do exílio e <strong>da</strong> <strong>br</strong>evi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>. Olexema "estrangeiros" denota uma carga semântica altamente significativa: aimpermanência.Na segun<strong>da</strong> estrofe, percebe-se a insatisfação e o sofrimento, em que sedepara o eu lírico, ao afirmar: "Vivemos doloridos e insatisfeitos./ Em tudo,101


Antonio Donizeti <strong>da</strong> Cruzsem<strong>pr</strong>e uma ausência,/ Um travo de imperfeição" (p. 114). Nos versos dopoema, há como que uma <strong>inquietação</strong>, por parte de sujeito lírico. O enjambementdos versos, "Há sem<strong>pr</strong>e uma farpa/ Crava<strong>da</strong> num nervo sensível" (p. 114),reforça o ritmo do poema. Além <strong>da</strong> similari<strong>da</strong>de sonora em relação aos lexemas"farpa" e "crava<strong>da</strong>". A falta de algo, a "ausência", e "as imperfeições", além <strong>da</strong>dor e insatisfação, é que levam o sujeito lírico a sentir-se "estrangeiro" na vi<strong>da</strong>. Otermo estrangeiro é símbolo <strong>da</strong> situação do homem. Quando Adão e Eva sãoexpulsos do Paraíso, abandonaram sua pátria e possuem, a partir desse momento,o estatuto de estrangeiro, de emigrado. Todo "filho de Adão" é um hóspede depassagem, estrangeiro em qualquer país que se encontre. "Só Deus temci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia. Se a Pátria é o céu, os exilados do céu serão estrangeiros duranteto<strong>da</strong> sua vi<strong>da</strong> terrena" (CHEVALIER; GHEERBRANT, 1991, p. 304). Mas, seo ser humano é um exilado no mundo, ele é também um ser que está em viagem,de passagem.O poema intitulado “Viagem infinita” (AO, p. 53), ex<strong>pr</strong>essa a condiçãodo homem peregrino em uma viagem necessária, na busca <strong>da</strong> transcendência. Oeu lírico ex<strong>pr</strong>essa a condição existencial, na passagem:VIAGEM INFINITA18/04/1990Estou sem<strong>pr</strong>e em viagem.O mundo é a paisagemque me atinge de passagem.Os versos do poema a<strong>pr</strong>esentam uma linguagem altamente elabora<strong>da</strong>. Arima é um dos recursos fun<strong>da</strong>mentais na <strong>poesia</strong> kolodyana. Uma <strong>da</strong>s razões desua grandeza, pelo poder de suscitar inespera<strong>da</strong>s alianças de termos, de sentido.Não se trata apenas <strong>da</strong> sonori<strong>da</strong>de, musicali<strong>da</strong>de, mas o que está em jogo é aestrita relação entre som e sentido. No sintagma "Estou sem<strong>pr</strong>e em viagem", émarcante a reiteração <strong>da</strong> vogal /e/. O "estar em viagem" <strong>pr</strong>ojeta a condiçãoitinerante do ser humano. A viagem simboliza a busca <strong>da</strong> ver<strong>da</strong>de, <strong>da</strong> paz, <strong>da</strong>imortali<strong>da</strong>de, <strong>da</strong> <strong>pr</strong>ocura e <strong>da</strong> descoberta de um centro espiritual (CHEVALIER;GHEERBRANT, 1991, p. 951). Se a "viagem infinita" re<strong>pr</strong>esenta a busca doplano transcendente, o mundo a<strong>pr</strong>esenta-se como uma mora<strong>da</strong> transitória doshomens, pois ele é só uma "paisagem" que atinge o sujeito lírico de"passagem".102


O haicai intitulado “Depois” (RE, p. 25), com suas sílabas aliterativas eassonantes, aponta para a relação do homem com à natureza. O momento<strong>pr</strong>esente inquieta o eu lírico que sabe de sua situação enquanto "viajante <strong>da</strong>sgaláxias". A afirmativa do sujeito lírico é de uma originali<strong>da</strong>de singular:DEPOISSerá sem<strong>pr</strong>e agora.Viajarei pelas galáxiasuniverso afora.A temática <strong>da</strong> transitorie<strong>da</strong>de do ser, faz-se <strong>pr</strong>esente nos versos dopoema, situando o onde, o quando e o que do acontecimento poético.No haicai, “Desafio” (RE, p. 35), o sujeito lírico mostra que osobstáculos que impedem a passagem podem ser estímulos para novas buscas:DESAFIOA via bloquea<strong>da</strong>instiga o teimoso viajantea a<strong>br</strong>ir nova estra<strong>da</strong>.Nos versos do poema, percebe-se as ligações dos segmentos frasais, asonori<strong>da</strong>de e o jogo de palavras. O texto mostra que é necessário vencer osobstáculos <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>, para "a<strong>br</strong>ir novos caminhos". A estra<strong>da</strong> é símbolo de viageme transitorie<strong>da</strong>de do ser que está sem<strong>pr</strong>e em busca de realizações.Em “Solidão” (SR–VE, p. 138), a temática do tempo, <strong>da</strong> solidão, <strong>da</strong>insatisfação humana e do sofrimento aparece de forma saliente:SOLIDÃOEstamos sem<strong>pr</strong>e sozinhosEm nossas horas maiores.A dor, veneno latente,Corrói-nos a alma em segredo.A mais gloriosa alegriaFloresce na solidão.<strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong>: a <strong>poesia</strong> <strong>da</strong> <strong>inquietação</strong>103


Antonio Donizeti <strong>da</strong> CruzA temática ex<strong>pr</strong>essa no título e nos versos do poema apóia-se no tempo,na insatisfação humana e no sofrimento de forma clara. Nota-se no poema umacomposição metafórica em que a solidão, mesmo simbolizando a dor, pode geraralegria. Na <strong>pr</strong>imeira estrofe, o verbo flexionado e plural “estamos” realça acondição solitária do ser humano. No eixo paradigmático, aparece a antítese dorversus alegria. Os termos “sozinho” e “solidão” apontam para a condição dosentes, pois a vi<strong>da</strong> é marca<strong>da</strong> pelo sentido de não-permanência. O nascer e morrersão balizas <strong>da</strong> solidão.No poema “Ilhas” (VB, p. 6-7), o sujeito lírico manifesta o sentimento desolidão:ILHASSomos ilhas no mar desconhecido.O grande mar nos une e nos separa.Fala de longe o aceno leve <strong>da</strong>s palmeiras.Mensagens se alongam nas líqui<strong>da</strong>s vere<strong>da</strong>s.Ca<strong>da</strong> penhasco é tão sozinho e diferente!Ninguém consegue partilhar a solidão.Ilhas no grande mar, a<strong>pr</strong>isiona<strong>da</strong>s,Apenas o perfil de outras ilhas, vemos.Só Deus conhece nossa exata dimensão.São versos que revelam que o homem é por natureza um ser solitário. Asolidão é a <strong>pr</strong>ofundeza última <strong>da</strong> condição humana. O homem é o único ser que sesente só. E, também, o único que é busca de outro. Ele é nostalgia e comunhão,por isso, ca<strong>da</strong> vez que se sente a si mesmo, sente-se como carência do outro,como solidão (PAZ, 1984b, p. 175).Essa afirmativa de Octavio Paz é constata<strong>da</strong> nos versos dos poemas,“Solidão” (SR – VE) e “Ilhas” (VB), em que o sujeito é sem<strong>pr</strong>e "plural","Estamos sem<strong>pr</strong>e sozinhos", "somos ilhas". O sujeito poético <strong>pr</strong>opõe, ao leitor,uma conscientização em relação ao objeto referente e à <strong>pr</strong>ó<strong>pr</strong>ia palavra, poisnuma noção de moderni<strong>da</strong>de, o máximo que o poeta pode ser é a consciênciadesse "nós". Mas também há a despersonalização total do eu lírico, como se podeverificar no poema “Último” (IP, p. 43), com suas imagens de sentido de busca e<strong>inquietação</strong>:104


<strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong>: a <strong>poesia</strong> <strong>da</strong> <strong>inquietação</strong>ÚLTIMOVoo solitáriona fím<strong>br</strong>ia <strong>da</strong> noite,em busca do pouso distante.Ou mesmo nos versos do poema “Coragem de cantar” (IP, p. 19), "Maisforte que o desamor./ elevar acima <strong>da</strong> solidão/ o canto solidário".O poema “Cantar” (PM, p. 20) mostra que partilhar a solidão também émister dos que buscam o "outro", em especial, o <strong>pr</strong>ó<strong>pr</strong>io poeta:CANTARQuem vai cantandonão vai sozinho.Dançam em seu caminhoo sonho e a canção.Em “Hora vazia” (SR), a solidão é associa<strong>da</strong> à imagem do deserto. O eulírico declara: “Se esta hora é vazia,/ O deserto é só meu.// É imortal a <strong>pr</strong>esença <strong>da</strong><strong>poesia</strong>/ na face multiforme <strong>da</strong> beleza [...]” (p. 38). Símbolo <strong>da</strong> solidão, o desertoa que se refere o sujeito <strong>da</strong> enunciação não é só aridez, é também um espaço emque é possível vivenciar a solidão através <strong>da</strong> criação poética, pois "a <strong>pr</strong>esença<strong>da</strong> <strong>poesia</strong>" é sinônimo de beleza.<strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong>, ao se referir à solidão, em entrevista a Alzeli Bassetti, naRevista Brasília, em julho de 1990, declara:Há uma espécie de solidão positiva e necessária: parapensar, para sonhar, para criar, ou, simplesmente, olharpela janela a paisagem lá fora. É na solidão que a genteconsegue olhar para dentro de si e encontrar-se. O <strong>pr</strong>ó<strong>pr</strong>iosonho floresce na solidão. E to<strong>da</strong> criação é, a <strong>pr</strong>incípio umsonho lúcido (1990, p. 5).Na <strong>poesia</strong> de <strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong>, a temática <strong>da</strong> solidão, relaciona<strong>da</strong> àquestão <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> e <strong>da</strong> morte, é uma constante. A <strong>poesia</strong> kolodyana ex<strong>pr</strong>essa suaintenção humana, como potenciali<strong>da</strong>de, busca de sentido existencial eresistência. A <strong>poesia</strong> faz-se reflexiva porque interroga, a um só tempo, osmeandros <strong>da</strong> existência humana, <strong>da</strong> arte e do mundo.“Ensaio” (VB, p. 58) trata <strong>da</strong> questão <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> e <strong>da</strong> morte, sem<strong>pr</strong>e105


Antonio Donizeti <strong>da</strong> Cruzrelaciona<strong>da</strong> à solidão. O poema é composto por três versos, com uma linguagemartisticamente construí<strong>da</strong>, encantatória e lúdica, em que o sujeito poético afirma:ENSAIOA solidão <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>,Longo ensaioDa solidão <strong>da</strong> morte.Nos versos do poema, vi<strong>da</strong> e morte se fundem numa rede de sentidos. Asolidão <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> parece ser somente um "ensaio", para a "grande solidão" de ca<strong>da</strong>ser humano. Os versos mostram que a <strong>poesia</strong> é capaz de comunicar uma <strong>pr</strong>ofun<strong>da</strong>consciência do sentido <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> e dos limites humanos. E, também, <strong>da</strong> morte eseus mistérios. Vi<strong>da</strong> e morte se pactuam, pois, são apenas dois movimentosantagônicos, porém complementares de uma mesma reali<strong>da</strong>de (PAZ, 1984b, p.177).A <strong>poesia</strong> a<strong>br</strong>e a possibili<strong>da</strong>de de ser que todo nascer contém. A <strong>poesia</strong> écapaz de recriar o homem e fazer com que ele assuma sua ver<strong>da</strong>deira condição,que não é a separação vi<strong>da</strong> ou morte, mas a totali<strong>da</strong>de: vi<strong>da</strong> e morte num sóinstante de incandescência. É mediante à experiência do sagrado, que vem avertigem ante seu <strong>pr</strong>ó<strong>pr</strong>io vazio, o homem consegue aceitar-se tal como é:contingência e finitude (PAZ, 1982, p. 175).O poema “Vi<strong>da</strong>” (VB – VE, p. 115) a<strong>pr</strong>esenta um eu poético inquietoperante a vi<strong>da</strong> e a morte. A vi<strong>da</strong> pode "<strong>br</strong>otar" tanto <strong>da</strong> "semente oculta" quantodo "âmago <strong>da</strong> morte":106VIDASemente oculta na polpa do fruto.A morte habita o âmago <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>.Demora em nós a eterni<strong>da</strong>deE espera que se cum<strong>pr</strong>aO tempo <strong>da</strong> sazão.Tombaremos no solo escuro.Do alto ramo oscilante,Procuramos ignorá-lo.Semente oculta na polpa do fruto.A vi<strong>da</strong> <strong>br</strong>ota do âmago <strong>da</strong> morte,Imperecível.


Pode-se dizer que a "semente" é metáfora de vi<strong>da</strong>, é "símbolo <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>".Na segun<strong>da</strong> estrofe, o eu poético mostra-se de maneira consciente, em relação asua condição de finitude: "Demora em nós a eterni<strong>da</strong>de/ Espera que se cum<strong>pr</strong>a/ Otempo <strong>da</strong> sazão" (p. 115). A consciência desse "nós", e a <strong>inquietação</strong> do eupoético em relação ao "tempo <strong>da</strong> sazão", tempo <strong>pr</strong>ó<strong>pr</strong>io para a colheita do fruto,remete à ideia de que o homem é "contingência" e vive uma vi<strong>da</strong> incerta, "nolimite de duração" e finitude. A eterni<strong>da</strong>de é a ausência ou a solução de todos osconflitos, ultrapassando contradições, tanto no plano cósmico quanto no planoespiritual. O desejo de eterni<strong>da</strong>de do homem reflete sua luta incessante contra otempo e, talvez ain<strong>da</strong> mais, sua luta por uma vi<strong>da</strong> que, de tão intensa, possa"triunfar para sem<strong>pr</strong>e so<strong>br</strong>e a morte" (CHEVALIER; GHEERBRANT, 1991, p.408).No texto, o eu poético tem perfeita consciência <strong>da</strong> morte, ao afirmar:"Tombaremos no solo escuro./ Do alto ramo oscilante,/ Procuramos ignorá-lo"(p. 115). Mas, se a morte é uma certeza para o eu poético, ela é também umaesperança de "vi<strong>da</strong> imperecível", para "além <strong>da</strong>s fronteiras e dos símbolos",porque na quarta e última estrofe, ele salienta: "Semente oculta na polpa dofruto,/ A vi<strong>da</strong> <strong>br</strong>ota do âmago <strong>da</strong> morte,/ Imperecível". (p. 115). Enfim, a vi<strong>da</strong>"oculta" na semente revela-se de forma plena.A <strong>poesia</strong> não se <strong>pr</strong>opõe a consolar o homem <strong>da</strong> morte, mas fazer com queele vislum<strong>br</strong>e que a vi<strong>da</strong> e a morte são inseparáveis, isto é, são a totali<strong>da</strong>de.Recuperar a vi<strong>da</strong> concreta significa reunir a parelha vi<strong>da</strong>-morte, "reconquistarum no outro, o tu no eu", e desco<strong>br</strong>ir "a figura do mundo na dispersão de seusfragmentos" (PAZ, 1990, p. 110). Na <strong>poesia</strong> <strong>da</strong> autora, contatam-se asafirmações de Octavio Paz, visto que o texto de <strong>Kolody</strong> a<strong>pr</strong>esenta-se comoresidual <strong>da</strong> experiência, trazendo como saldo a consciência <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> e <strong>da</strong> morte,associa<strong>da</strong>s ao <strong>pr</strong>ó<strong>pr</strong>io sentimento lírico, em que o Eu funciona como "filtro domundo".Em “Argila ilumina<strong>da</strong>” (IP, p. 4), a morte aparece como sinônimo delibertação. A temática <strong>da</strong> transitorie<strong>da</strong>de do ser e <strong>da</strong> <strong>br</strong>evi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> salientamsenos versos do poema:ARGILA ILUMINADASomos o eternoa<strong>pr</strong>isionadona argila perecível.Inábeis equili<strong>br</strong>amos<strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong>: a <strong>poesia</strong> <strong>da</strong> <strong>inquietação</strong>107


Antonio Donizeti <strong>da</strong> Cruzo intemporal no <strong>pr</strong>ecário.E só a morte nos liberta.No conflito entre o eterno e o efêmero, o homem se sente só e frágilperante as coisas finitas e terrenas. O desejo de vencer os conflitos leva o eu líricoa afirmar: "só a morte nos liberta" (p. 14). Nascer e morrer são experiências desolidão. Mais do que viver, a vi<strong>da</strong> ensina a morrer.Na <strong>poesia</strong> de <strong>Kolody</strong>, a morte aparece como experiência cotidiana, masrevesti<strong>da</strong> de ausências e despedi<strong>da</strong>s, conforme pode-se constatar no poema“Anoitecer” (IP, p. 33), em que o eu poético manifesta sua inquietude:ANOITECERAmiu<strong>da</strong>m-se as parti<strong>da</strong>s...Também morremos um poucono amargor <strong>da</strong>s despedi<strong>da</strong>s.Cais deserto, anoitecemosenluarados de ausências.Com uma linguagem metafórica, com um jogo sonoro relevante, o textomostra a <strong>pr</strong>eocupação do eu poético em relação à palavra, enfatizando o atocomunicativo e a mediação entre seus seres. Nos versos "cais deserto,anoitecemos/ enluarados de ausências", percebe-se um ritmo cadenciado. Aimagem do "cais deserto" remete à ideia de solidão. O "morrer um pouco", as"parti<strong>da</strong>s" e "despedi<strong>da</strong>s", leva o sujeito a sentir a ausência dos que se foram. Etambém, acaba por se envolver, pois "anoitecemos/ enluarados de ausência. Olexema "anoitecemos" pode significar a metáfora de "envelhecer" (p. 33).A morte também pode estar relaciona<strong>da</strong> ao jogo. No texto intitulado“Jogo” (VB, p. 22-23), o sujeito poético mostra que a <strong>poesia</strong> também é um jogo,uma luta "de vi<strong>da</strong> e morte" com as palavras:108JOGOA morte es<strong>pr</strong>eita, em silêncioO vivo jogo dos homensNo tabuleiro do tempo.Estende, às vezes, de repente,


A longa mão feita de som<strong>br</strong>aE tira um peão do tabuleiro.Se o jogo é fun<strong>da</strong>mentalmente um símbolo de luta entre as forças <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>e <strong>da</strong> morte, nos versos kolodyano, o jogo é uma questão de vi<strong>da</strong> e morte. Na<strong>pr</strong>imeira estrofe, a “morte” observa o 'vivo jogo dos homens" para, só depois,estender sua "mão de som<strong>br</strong>a", e tirar um "peão do tabuleiro". O lexema "peão"induz à metáfora de "homem". O poema mostra uma linguagem metafórica e umjogo sonoro e semântico, em que a Poeta cria significados inusitados. Poranalogia, pode-se dizer que <strong>Helena</strong> trabalha a linguagem de forma lúdica,alicerça<strong>da</strong> no poder instaurador <strong>da</strong>s palavras. No poema, a palavra é a pedraque ela joga no "xadrez do poema": <strong>poesia</strong> feito jogo. As palavras-imagens vãosendo joga<strong>da</strong>s no "tabuleiro do poema" e, no final, tem-se o poema, composto deversos singulares. O xadrez é o “jogo de reis, rei dos jogos. O tabuleiro de xadrezsimboliza a toma<strong>da</strong> do controle, não só so<strong>br</strong>e o adversário e so<strong>br</strong>e um território,mas também so<strong>br</strong>e si mesmo, so<strong>br</strong>e o <strong>pr</strong>ó<strong>pr</strong>io eu, porquanto a divisão interior dopsiquismo humano é igualmente o cenário de um combate” (CHEVALIER;GHEERBRANT, 1991, p. 967).O poema sintético “Tempo” (VB, p. 5) é composto por dois versos, ondese nota o "jogo de palavras":TEMPOCai a areia <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>Na ampulheta <strong>da</strong> morte.<strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong>: a <strong>poesia</strong> <strong>da</strong> <strong>inquietação</strong>Nos versos do poema, salientam-se o caráter lúdico <strong>da</strong> linguagempoética, ou seja, "o que a linguagem poética faz é essencialmente jogar com aspalavras" (HUIZINGA, 1990, p. 149). As imagens <strong>da</strong> "areia" e <strong>da</strong> "ampulheta"estão organiza<strong>da</strong>s na estrutura do poema de forma harmoniosa, confrontandocom as palavras "vi<strong>da</strong> x morte". A "ampulheta", símbolo do tempo, estárelaciona<strong>da</strong> ao título do poema.A <strong>br</strong>evi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>, no poema, é simboliza<strong>da</strong> pela imagem <strong>da</strong>“ampulheta”. A imagem <strong>da</strong> areia caindo na ampulheta dá um sentido inexorável àexistência humana, porque não há como deter o fluxo. A areia desce de formaimplacável. Essa metáfora também remete ao período vital, o tempo cíclico dohomem na terra.109


Antonio Donizeti <strong>da</strong> CruzEm “Areia” (IP, p. 30), poema sintético, composto por três versos,percebe-se a temática <strong>da</strong> efemeri<strong>da</strong>de <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>. Observe-se:AREIADa estátua de areiana<strong>da</strong> restarádepois <strong>da</strong> maré cheia.Os versos mostram que a vi<strong>da</strong> é passageira: a palavra "areia" podesignificar a metáfora de corpo; "maré cheia" parece ser a metáfora de "morte".O questionamento do eu lírico, inquieto perante a vi<strong>da</strong>, pode serpercebido em “vôo cego” (SP, p. 24), em que ele não tem um ponto de orientaçãoque o guie:VOO CEGOEm voo cego,singro o nevoeiro.Onde o ra<strong>da</strong>r que me guie?Perco-me em labirintos interiores.Que mistérios defendemtantas portas sela<strong>da</strong>s?Quem me cifrou em enigma?Ao singrar o nevoeiro, em vôo cego, o eu lírico questiona: "Onde o ra<strong>da</strong>rque me guie?" Ao buscar as respostas para suas in<strong>da</strong>gações, o eu lírico perde-seem "labirintos interiores" e completa seu questionamento: "Quem me cifrou emenigmas?" (p. 24).No texto “Diálogo” (IP, p. 5), a temática diz respeito à questão <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>,relaciona<strong>da</strong> à <strong>pr</strong>oblemática do ser que se questiona, em busca do sentido <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>:DIÁLOGODe<strong>br</strong>uçados so<strong>br</strong>e a vi<strong>da</strong>,in<strong>da</strong>gamos seus mistériose raramente alcançamossuas respostas cifra<strong>da</strong>s.110


Ao calor do interrogar-senuvens ocultas esgarçam-se,a luz em nós amanhece.No texto <strong>pr</strong>edomina o trabalho metafórico <strong>da</strong> linguagem so<strong>br</strong>e outrosrecursos poéticos, tais como paralelismos, rimas, assonâncias. A arte kolodyanainova-se num sentido para além do material tangível <strong>da</strong> linguagem. A poetabusca a inovação no plano <strong>da</strong>s significações, com uma linguagem altamenteelabora<strong>da</strong>.“Incógnita” (EE, p. 38) alude à <strong>pr</strong>eocupação do sujeito lírico em relaçãoao tempo e à busca de significado para suas in<strong>da</strong>gações. Na <strong>pr</strong>imeira estrofe, osujeito lírico declara: "Em tempo e espaço,/ Deus pensa o mundo" (p. 109). Nasegun<strong>da</strong> e última estrofe, o questionamento é marcante: "Luminosas musselinas/entreteci<strong>da</strong>s de sóis,/ as galáxias fogem./ Para onde?/ Até quando?" (p. 38). Osversos apontam para o conflito existencial do ser humano que busca respostaspara sua existência. Não é só um questionamento em relação ao mundo cósmico.Os pontos de interrogação salientam-se nos dois últimos versos do poema. Nãohá respostas que satisfaçam o sujeito lírico. As tentativas de desven<strong>da</strong>r osmistérios <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> jamais se concretizam.Em “Bola de Cristal” (IP, p. 28), o sujeito lírico dialoga com seuinterlocutor:BOLA DE CRISTALSe interrogas o passado,mente o cristal <strong>da</strong> memóriapara tornar-te feliz.<strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong>: a <strong>poesia</strong> <strong>da</strong> <strong>inquietação</strong>Evidencia-se, no texto, a ideia de que viver é um <strong>pr</strong>ojetar-se além <strong>da</strong>sperspectivas <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>. E não basta buscar o significado <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> na "bola de cristal",muito menos interrogar-se no passado ou no futuro. O importante é viver o tempo<strong>pr</strong>esente. No segundo verso, destaca-se a imagem do "Cristal <strong>da</strong> memória" que écapaz de "mentir" para tornar feliz o questionador. O cristal é símbolo <strong>da</strong>sabedoria, <strong>da</strong> adivinhação e dos poderes misteriosos conferidos ao homem. Suatransparência é exemplo de união dos contrários, pois o cristal, ain<strong>da</strong> quematerial, permite que se veja através dele, como se não fosse material. O cristalre<strong>pr</strong>esenta o plano intermediário entre o visível e o invisível (CHEVALIER;GHEERBRANT, 1991, p. 303).111


Antonio Donizeti <strong>da</strong> CruzO poema “?” (PM, p. 25) é pura interrogação. O título do poema,enquanto "sinal de interrogação", remete à ideia de questionamento, dúvi<strong>da</strong> eincertezas.?Olho o céuatravés <strong>da</strong> vidraçae vejo um ponto negro.No céu?Na vidraça?Em meu olho?Não há respostas às in<strong>da</strong>gações por parte do eu lírico. Nesse sentido, opoema é "a figura <strong>da</strong> <strong>br</strong>evi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> existência" que se depara com tantasdificul<strong>da</strong>des, contratempos e im<strong>pr</strong>evistos para, ao final, "numa interrogação semresposta, ficar a olhar para o infinito que se enche de esperança ou se esvai naquimera <strong>da</strong> incerteza" (CLEMENTE, 1990, p. 14).Em “jovem” (SP, p. 13), o sujeito lírico refere-se aos jovens. A temática<strong>da</strong> resistência, <strong>da</strong> luta e <strong>pr</strong>esença em relação à vi<strong>da</strong>, fazem-se <strong>pr</strong>esentes nosversos <strong>da</strong> <strong>pr</strong>imeira e segun<strong>da</strong> estrofes do poema:JOVEMSuporta o peso do mundo.E resiste.Protesta na <strong>pr</strong>aça.Contesta.Explode em aplausos.Escreve recadosnos muros do tempo.E assina.CompeteNo jogo incerto <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>.Existe.Esses versos mostram que viver requer luta, perseverança. O poema écomposto por cinco estrofes polimétricas cujos versos livres diferem na medi<strong>da</strong>,112


<strong>da</strong>ndo um tom de irregulari<strong>da</strong>de às estrofes. Os versos curtos, opondo-se aosversos longos, estabelecem um perfeito equilí<strong>br</strong>io rítmico ao poema fazendocom que ele não se converta em pura <strong>pr</strong>osa. Os enjambements também sedestacam, pois através deles a poeta consegue efeitos rítmicos, sonoros,sugestivos no mais elevado grau de criativi<strong>da</strong>de e engenho poético. O recurso doenjambement <strong>pr</strong>oduz uma dinamização que reforça o ritmo do poema, como nosversos: "compete/ no jogo incerto <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>" (p. 13).O poema “Difícil” (IP, p. 12) mostra que viver é "luta árdua" e requeresforço pleno na batalha cotidiana. O sujeito lírico transmite a ideia de que "viveré <strong>pr</strong>eciso", buscando, no equilí<strong>br</strong>io sonoro, a resposta para a arte de criarpalavras:DIFÍCILCavar na rocha o escurodegrau de ca<strong>da</strong> dia.Sangrar, mas não ceder.Com uma linguagem altamente elabora<strong>da</strong>, por meio do jogo sonoro <strong>da</strong>spalavras, salienta-se a ideia de que a <strong>poesia</strong> é capaz de ensinar ao homem a arte <strong>da</strong>perseverança e <strong>da</strong> luta, em função de sua so<strong>br</strong>evivência. Os verbos no infinitivo:"cavar", "sangrar" e "ceder" indicam dinamismo, além do enjambement.Destaca-se, também, o indício <strong>da</strong> palavra "escuro", no final do <strong>pr</strong>imeiro verso,marcado pela separação do epíteto "escuro" e do determinado "degrau". Osintagma "escuro degrau" é a metáfora de "dificul<strong>da</strong>des" e "obstáculos" <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>cotidiana.A cele<strong>br</strong>ação <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> e o canto festivo se fazem <strong>pr</strong>esentes em “Alegria deviver” (AO, p. 23), em que o eu lírico declara:ALEGRIA DE VIVER1987Amo a vi<strong>da</strong>.Fascina-me o mistério de existir.Quero viver a magiade ca<strong>da</strong> instante,em<strong>br</strong>iagar-me de alegria.Que importa a nuvem no horizonte,<strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong>: a <strong>poesia</strong> <strong>da</strong> <strong>inquietação</strong>113


Antonio Donizeti <strong>da</strong> Cruzchuva de amanhã?Hoje o sol inun<strong>da</strong> o meu dia.A consciência <strong>da</strong> <strong>br</strong>evi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> e o futuro incerto faz com que osujeito lírico valorize o momento <strong>pr</strong>esente. A morte é vista como um <strong>pr</strong>ocessonatural, surgindo como uma perspectiva certa <strong>da</strong> finitude do homem. Aconsciência de que a morte pode chegar a qualquer momento, não é obstáculopara que o sujeito lírico viva a ca<strong>da</strong> instante, em<strong>br</strong>iagando-se de alegria. A vi<strong>da</strong> épara eu lírico um "mistério". E só o fato de existir, leva-o a sentir-se fascinado eamante <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>. No texto parece haver uma “intertextuali<strong>da</strong>de” com o poema“Carpe Diem” (In: RAMOS, 1966, p. 185), do poeta latino Horácio (65 a 8 aC.),com o sentido de “a<strong>pr</strong>oveite o momento”:CARPE DIEMNão in<strong>da</strong>gues, Leucónoe,ímpio é saber, a duração <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>que os deuses decidiram conceder-nosnem consultes os astros babilônios:melhor é suportartudo o que acontecerQue Júpiter te dê muitos invernos,quer seja o derradeiroeste que vem fazendo o mar Tirrenocansar-se contras as rochas,mostra-te sábia, clarifica os vinhos,corta a longa esperança,que é <strong>br</strong>eve o nosso <strong>pr</strong>azo de vi<strong>da</strong>.Enquanto conversamos,foge o tempo invejoso.Desfruta o dia de hoje, acreditandoo mínimo possível no amanhã.(In: RAMOS, 1966, p. 185)São versos que a<strong>pr</strong>esentam a idéia central de que é <strong>pr</strong>eciso a<strong>pr</strong>oveitar odia, isto é, o momento, pois é <strong>br</strong>eve o <strong>pr</strong>azo <strong>da</strong> existência, <strong>pr</strong>esentes nainterlocução do poeta com Leucónoe, seu interlocutor.“Aquarela” (RE, p. 55) é uma tanka que a<strong>pr</strong>esenta um grau máximo decomunicabili<strong>da</strong>de e lirismo. A poeta trabalha a linguagem de maneira sintética,enfatizando paralelismos em oposição. Sua <strong>poesia</strong> busca o instantâneo e aintegração <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> e <strong>da</strong> natureza:114


<strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong>: a <strong>poesia</strong> <strong>da</strong> <strong>inquietação</strong>A linguagem do poema é marca<strong>da</strong> pela sur<strong>pr</strong>eendente força lírica em quea poeta conjuga a relação do sentimento vital integra<strong>da</strong> à constante renovaçãocíclica <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>. Essa tanka é um hino de graça e louvor à vi<strong>da</strong>. Os elementos <strong>da</strong>natureza se relacionam de maneira harmoniosa. No "coração do poema" destacaseo verso "riso de criança", que simboliza a simplici<strong>da</strong>de natural, aespontanei<strong>da</strong>de.Em “Dom” (PM, p. 23), verifica-se o poder <strong>da</strong>s palavras, em umalinguagem lúdica, revesti<strong>da</strong> de uma im<strong>pr</strong>essionante riqueza conotativa eassociações de ideias, símbolos e metáforas. Em três versos, a poeta sintetiza opensamento:DOMDeus dá a todos uma estrela.Uns fazem <strong>da</strong> estrela um sol.Outros nem conseguem vê-la.A temática do poema mostra a questão <strong>da</strong> religiosi<strong>da</strong>de e também a<strong>pr</strong>oblemática que envolve o ser humano: as possibili<strong>da</strong>des e impossibili<strong>da</strong>desde realizar-se. O lexema estrela é a metáfora de "vi<strong>da</strong>". Se há os que fazem <strong>da</strong>"estrela" um "sol" de realizações, há os que nem conseguem atingir seusobjetivos, justamente por não desco<strong>br</strong>irem a "sua estrela". O ponto final, emtodos os versos, marca uma mu<strong>da</strong>nça rítmica.115


Antonio Donizeti <strong>da</strong> CruzDo ponto de vista <strong>da</strong> sonori<strong>da</strong>de, são freqüentes as assonâncias ealiterações. Além do paralelismo sintático e semântico, ocorrem assonânciassimilares com as vogais /a/ e /e/. As aliterações nasais /m/ e /n/ são relevantes,assim como a sibilância do /s/. No poema, destaca-se a rima em mosaico "estrela"x "vê-la". As reiterações sonoras dos lexemas "fazem", "nem" e "conseguem"contribuem na manutenção do ritmo cadenciado.A estrela é símbolo "do <strong>pr</strong>incípio <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>", "fonte de luz". Já o "sol", é"fonte" de luz, do calor, <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>. O sol é ain<strong>da</strong> símbolo de "inteligência cósmica"e "<strong>da</strong> luz do conhecimento e a fonte de energia" (CHEVALIER;GHEERBRANT, 1991, p. 836-841). Só mesmo "Deus" é capaz de <strong>da</strong>rindistintamente "a todos uma estrela" (p. 23).O poema dístico “sem<strong>pr</strong>e madruga<strong>da</strong>” (SP, p. 45), com suas mínimas<strong>pr</strong>oporções, é plenamente inun<strong>da</strong>do pela luz <strong>da</strong>s estrelas. O <strong>pr</strong>enúncio <strong>da</strong> longamadruga<strong>da</strong> que antecede o nascer do astro-rei é acentuado pelo advérbio“sem<strong>pr</strong>e”, o que determina a infinitude de um período entre a escuridão e a luz dodia. O período de trevas <strong>da</strong> madruga<strong>da</strong> é atenuado pela determinação na busca dosol. A elipse entre as horas do pôr do sol e do início <strong>da</strong> madruga<strong>da</strong> deixa um vazioque será <strong>pr</strong>eenchido na ânsia pelo tempo <strong>da</strong> luz. O eu-lírico declara:SEMPRE MADRUGADAPara quem viaja ao encontro do sol,é sem<strong>pr</strong>e madruga<strong>da</strong>.Através dos versos livres e <strong>da</strong> sonori<strong>da</strong>de, mostra-se a temática <strong>da</strong> buscade realização humana, salienta-se que o ser humano está sem<strong>pr</strong>e em viagem, embusca de um "sol" que o realize. Os versos apontam para a temática <strong>da</strong> realizaçãohumana, pois o homem está sem<strong>pr</strong>e em “viagem”, em busca de um “sol” que orealize, mas não o alcança. O poema dístico revela a tensão de uma buscanecessária e, ao mesmo tempo, as imagens fun<strong>da</strong>doras de sentidos convergempara a relação plena do eu/cosmo. Nos versos do poema, a viagem tem aconotação de busca, pois “viajar ao encontro do sol” é se lançar à <strong>pr</strong>ocura de luz,de vi<strong>da</strong> e do plano transcendente, já que para muitos povos o sol simboliza amanifestação divina. A afirmativa “sem<strong>pr</strong>e madruga<strong>da</strong>” fica no plano <strong>da</strong><strong>pr</strong>omessa e expectativa de realização humana frente ao dia e ao sol que nãochegam e que não são alcançados.Em “Cronos” (PM, p. 42), poema dístico, o sujeito lírico reforça a ideiaex<strong>pr</strong>essa nos versos anteriores:116


<strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong>: a <strong>poesia</strong> <strong>da</strong> <strong>inquietação</strong>CRONOSNão é o tempo que voa.Sou eu que vou devagar.São versos que mostram que o "estar em viagem" é um <strong>pr</strong>ocessotemporal delimitado pelas circunstâncias <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>. No afã de conquistar asrealizações humanas, faz-se necessário "a<strong>pr</strong>essar a li<strong>da</strong>".Já no poema “Sem aviso” (AO, p. 25), o sujeito lírico observa o sentidode impermanência frente às vicissitudes <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>:SEM AVISO1988Sem aviso,o vento virauma página <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>São versos que mostram a questão <strong>da</strong> <strong>br</strong>evi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>. Daí anecessi<strong>da</strong>de de se viver o momento <strong>pr</strong>esente, tendo em vista a “Hora plena” (PM,p. 9), em que a luz atinge plenamente o eu lírico:HORA PLENAHora plena, a do meio-dia.As figuras não <strong>pr</strong>ojetam som<strong>br</strong>as.A luz incide, vertical, nas criaturas.Hora total em que o ser atingea plenitude.<strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong> é a poeta do cotidiano, <strong>da</strong>s reali<strong>da</strong>des simples e comuns,inter<strong>pr</strong>eta<strong>da</strong>s por sua sensibili<strong>da</strong>de e lirismo contagiante e libertador.A <strong>poesia</strong>, essencialmente lírica, com acentos existenciais, transparentes,a<strong>pr</strong>esenta uma construção poética alicerça<strong>da</strong> a partir <strong>da</strong>s coisas simples ecotidianas. O lirismo é uma forma peculiar de "recorte do mundo" e de "arranjo<strong>da</strong> linguagem".117


Antonio Donizeti <strong>da</strong> Cruz4.4 Nostalgia: retorno às origensTEMPO DE RECORDARBrilham palavras antigasno ingênuo rio <strong>da</strong> memória.A lágrima <strong>pr</strong>isioneiraorvalha a flor <strong>da</strong> lem<strong>br</strong>ança.<strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong> (TS, p. 35)A <strong>poesia</strong> de <strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong> reside na capaci<strong>da</strong>de de ver o mundo comuma visão peculiar. O evocar e recor<strong>da</strong>r são formas de contemplar o mundo, avi<strong>da</strong>, as coisas. A poeta parte <strong>da</strong> experiência cotidiana e a <strong>pr</strong>ojeta num fluxo deimagens, emoções e pensamentos, num universo lírico sob forma de <strong>poesia</strong>. Oretorno às origens, a (re)visitação <strong>da</strong> infância pelo sujeito lírico, a referência àimigração ucraniana, a nostalgia e a sau<strong>da</strong>de são temas constantes <strong>da</strong> <strong>poesia</strong>kolodyana.Com uma linguagem simples, a poeta comunica o que há na vi<strong>da</strong> de maisbem-humorado, afetivo. Mas também é uma linguagem que leva à reflexão,mostrando o lado trágico que a vi<strong>da</strong> tem, como se pode constatar nos versos dopoema “Atavismo” (PI – VE, p. 182), em que o eu lírico declara:118ATAVISMOQuando estou triste e só, e pensativa assim,É a alma dos ancestrais que sofre e chora em mim.A angústia secular de uma raça o<strong>pr</strong>imi<strong>da</strong>Sobe <strong>da</strong> <strong>pr</strong>ofundeza e turva a minha vi<strong>da</strong>.Certo, guardo latente e difusa em meu ser,A remota lem<strong>br</strong>ança dos dias amargosQue eles viveram sem a ansia<strong>da</strong> liber<strong>da</strong>de.Eu que amo tanto, tanto, os horizontes largos,Lamento não ser águia ou condor, para voarAté onde a força <strong>da</strong> asa alcance a me levar.Ante a extensão agreste e verde <strong>da</strong> campina,Não sei dizer por que, muitas vezes, sentiSau<strong>da</strong>de singular <strong>da</strong> estepe que não vi.Pois, até o marulhar misterioso e som<strong>br</strong>ioDa água escura a correr seu destino de rio,


Lem<strong>br</strong>a, sem o querer, numa im<strong>pr</strong>essão falaz,O soturno Dni<strong>pr</strong>ó, cantado por Tarás...Por isso é que eu sur<strong>pr</strong>eendo, em alta intensi<strong>da</strong>de,Acor<strong>da</strong><strong>da</strong> em meu sangue, a tara <strong>da</strong> sau<strong>da</strong>de.No texto, o sujeito parece estar im<strong>pr</strong>egnado de nostalgia <strong>da</strong> pátria de seuspais e antepassados. Ele declara uma "sau<strong>da</strong>de singular <strong>da</strong> estepe" que não viu,muitas vezes tomado de lem<strong>br</strong>anças e im<strong>pr</strong>essões do rio, "O soturno Dni<strong>pr</strong>ó,cantando por Tarás..." (p. 183). [O sujeito lírico refere-se à Ucrânia, aomencionar um importante rio <strong>da</strong>quele país, referindo-se também ao poetaucraniano Tarás Chevtchenko. Em Viagem no espelho, <strong>Kolody</strong> modificou onome do rio Dniepér por Dni<strong>pr</strong>ó (nome atual do rio que atravessa a Ucrânia)] Opoema mostra que o sujeito lírico "guar<strong>da</strong> latente" em seu ser "a remotalem<strong>br</strong>ança dos dias amargos", vivido pelo povo ucraniano, "sem a ansia<strong>da</strong>liber<strong>da</strong>de". Nos versos finais do poema, o sujeito lírico é sur<strong>pr</strong>eendido por umaagita<strong>da</strong> nostalgia, que "acor<strong>da</strong>" em seu "sangue, a tara <strong>da</strong> sau<strong>da</strong>de" (p. 182-183).O atavismo também se faz <strong>pr</strong>esente no poema “A voz <strong>da</strong>s raízes”(VE – SR, p. 178):A VOZ DAS RAÍZES<strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong>: a <strong>poesia</strong> <strong>da</strong> <strong>inquietação</strong>Vozes de estanho som se alteiam em meu canto.Vi<strong>br</strong>am-me dentro d'alma almas que não são minhasAtrás de mim, vozeia e tumultua,Anseia e chora, e ri, arqueja e estuaA imensa multidão dos ancestrais,Que me bate e rebate, inexorável,Como o oceano em ressaca açoita o caisNote-se uma certa <strong>inquietação</strong> do eu lírico ao sentir as “vozes deestanhos sons” <strong>pr</strong>esentes em seu “canto”, em sua linguagem-memória e na suaforma de ver a vi<strong>da</strong> e sentir as correspondências entre palavra e memória lírica.Os tênues fios <strong>da</strong> memória formam a rede de palavras em que o sujeito poéticoconstrói seu poema. A memória é o elã, isto é, a “disposição anímica” na qual estáinstaura<strong>da</strong> a base <strong>da</strong>s lem<strong>br</strong>anças e esquecimentos. Memória surgindo comoforma de reavivar as im<strong>pr</strong>essões que parecem “adormeci<strong>da</strong>s”, tendo em vista que“o passado como objeto de narração pertence à memória. O passado como temalírico é um tesouro de recor<strong>da</strong>ção (STAIGER, 1975, p. 55).119


Antonio Donizeti <strong>da</strong> CruzEm “Saga” (IP, p. 45-46), o sujeito lírico revela sua origem ucraniana,situando-se como descendente de imigrantes, junto a seus ancestrais. Destaca-se,porém um amor especial pela terra onde vive, o Brasil:SAGANo fluir secreto <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>,atravessei os milênios.Vim dos vikings navegantes,cujas naus aventureirastraçaram rotas nos mapas.Ousados conquistadores,fun<strong>da</strong>ram Kiev antiga,plantando um marco na históriade meus ancestrais.Vim <strong>da</strong> Ucrânia valorora,que foi Russ e foi Rutênia.Povo indomável, não calaa sua voz sem algemas.Vim <strong>da</strong>s levas imigrantesque trouxeram na equipagema coragem e a esperança.Em sua luta sofri<strong>da</strong>,correu no rosto cansado,com o suor do trabalho,o quieto <strong>pr</strong>anto saudoso.Vim de meu berço selvagem,lar singelo à beira d'água,no sertão paranaense.Milhares de passarinhosme acor<strong>da</strong>vam nas <strong>pr</strong>imeirasmadruga<strong>da</strong>s <strong>da</strong> existência.Feliz menina descalça,vim <strong>da</strong>s cantigas de ro<strong>da</strong>,dos jogos <strong>da</strong> amarelinha,do tempo do “era uma vez...”Por fim ancorei para sem<strong>pr</strong>eem teu coração planaltino,Curitiba, meu amor!O poema é composto por oito estrofes em versos livres que diferem namedi<strong>da</strong> <strong>da</strong>ndo um tom de irregulari<strong>da</strong>de ao todo, podendo-se verificar uma sériede <strong>pr</strong>ocedimentos que identificam o <strong>pr</strong>edomínio do ritmo como elementofun<strong>da</strong>dor do poema. Em “Saga”, apesar de sua estrutura assimétrica, há muitasequivalências que lhe dão um caráter singular, fazendo-se <strong>pr</strong>esente os recursosrítmicos de associações dos <strong>pr</strong>ocessos reiterativos, e de enumeração. As estrofessegun<strong>da</strong>, terceira, quarta e sexta são inicia<strong>da</strong>s pelo lexema "vim". Também,nesses versos iniciais dessas estrofes ocorre paralelismo sintático e semântico.Na <strong>pr</strong>imeira estrofe do poema, o sujeito lírico afirma: "No fluir secreto <strong>da</strong>vi<strong>da</strong> / atravessei os milênios" (p. 65). Os versos remetem à segun<strong>da</strong> estrofe, quemostra a origem e fun<strong>da</strong>ção de Kiev. O sujeito lírico salienta: "Vim dos vikingsnavegantes" (p. 65), que fun<strong>da</strong>ram "Kiev antiga", e "plantaram um marco nahistória" de seus ancestrais. Os vikings foram um dos <strong>pr</strong>imeiros conquistadores <strong>da</strong>sterras que no futuro viriam a ser a Ucrânia. Na terceira estrofe, o sujeito lírico alude120


<strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong>: a <strong>poesia</strong> <strong>da</strong> <strong>inquietação</strong>à formação do Estado ucraniano: "Vim <strong>da</strong> Ucrânia valorosa, / que foi Russ e foiRutênia" (p. 65). E ain<strong>da</strong> caracteriza o povo ucraniano com o adjetivo "indomável",pois ele "não cala/ sua voz sem algemas" (p. 65).Na quarta estrofe, ain<strong>da</strong> de “Saga”, o sujeito refere-se aos seusantepassados, e imigrantes já em terras imigra<strong>da</strong>s: "Vim <strong>da</strong>s levas imigrantes",que trouxeram na bagagem "a coragem e a esperança". Salienta-se ain<strong>da</strong> a lutasofri<strong>da</strong> pelos imigrantes, pois em seu rosto correu "o suor do trabalho" e tambémo "<strong>pr</strong>anto saudoso", ou seja, a sau<strong>da</strong>de <strong>da</strong> terra natal e <strong>da</strong> pátria distante. Na sextaestrofe, o sujeito lírico refere-se à sua terra natal: "Vim do meu berço selvagem","lar singelo", no "sertão paranaense". Em relação a sua <strong>pr</strong>imeira infância, osujeito lírico relem<strong>br</strong>a saudoso: "Milhares de passarinhos/ me acor<strong>da</strong>vam nas<strong>pr</strong>imeiras/ madruga<strong>da</strong>s <strong>da</strong> existência" (p. 65).Na sétima estrofe, o eu lírico feminino situa-se no tempo e recor<strong>da</strong> comfelici<strong>da</strong>de "<strong>da</strong>s cantigas de ro<strong>da</strong>,/ dos jogos de amarelinha,/ do tempo do 'era umavez...'" (p. 66). Esses versos mostram a infância não só como uma época saudosa,mas como um estado de vi<strong>da</strong> plena, <strong>da</strong> "feliz menina descalça" (p. 66). Naúltima estrofe, o eu lírico recor<strong>da</strong>: "Por fim ancorei para sem<strong>pr</strong>e/ em teu coraçãoplanaltino,/ Curitiba, meu amor!" (p. 66). O poema a<strong>pr</strong>esenta a trajetóriaespaço/temporal vivi<strong>da</strong> pelo sujeito lírico, do "berço selvagem" ao "coraçãoplanaltino". A trajetória anterior a que se refere o eu lírico, "dos navegantesvikings", <strong>da</strong> Ucrânia valorosa" às "levas imigrantes" parece pertencer à <strong>pr</strong>ojeçãomental, de um tempo "mítico-histórico".“Origem” (TE – VE, p. 82-83) alude diretamente ao tema <strong>da</strong> imigração.A construção poética é determina<strong>da</strong> pelo ritmo, que por sua vez possui umamarca <strong>pr</strong>edominantemente acústica, com seus versos livres, simples e fluentes:ORIGEM(aquarela eslavo-<strong>br</strong>asileira)Na memória do sangue,há bosques de bétulas,estepes de urzes flori<strong>da</strong>s,canções eslavas.Arde o trópico nos nervos.Crepita a alegria <strong>da</strong> jovem pátria.A alma se aquece na chama <strong>da</strong>s cores.Dança o coração em ritmo sincopado.121


Antonio Donizeti <strong>da</strong> CruzNesses versos do poema, percebe-se o cui<strong>da</strong>do com que a poeta escolheas palavras para compor o texto, assim como o pintor que escolhe as cores parasua aquarela. Na <strong>pr</strong>imeira estrofe, o sujeito lírico refere-se à pátria de seusantepassados, com as palavras "canções eslavas", "bétula", estepe". A metáfora"memória do sangue" remete à ideia de "consangüini<strong>da</strong>de". Se há a sau<strong>da</strong>de"memorial" através do "elo" dos descendentes, na <strong>pr</strong>imeira estrofe; há também aconcretização de uma vivência, já que na segun<strong>da</strong> estrofe, o sujeito líricorefere-se ao país imigrado, em que "Crepita a alegria <strong>da</strong> pátria jovem" (p. 83), e"A alma se aquece na chama <strong>da</strong>s cores" (p. 83). Pode-se dizer que o coração doimigrante "<strong>da</strong>nça" em “ritmo sincopado", pois esse ritmo pode significar ametáfora de samba.O poema intitulado “Emigrante” (AO, p. 75) mostra a <strong>pr</strong>oblemáticavivencia<strong>da</strong> pelo emigrante que deixa sua pátria, sua terra natal, com o "coraçãodilacerado", mas com a esperança de encontrar na "nova pátria", a terra <strong>pr</strong>ometi<strong>da</strong>:EMIGRANTE1982Arfa no porto o mar.Soluça dentro <strong>da</strong>lma do emigranteo longo silvo do navio em despedi<strong>da</strong>.Treme, na lágrima de olhar,a paisagem <strong>da</strong> pátria.O apelo fascinante do maracor<strong>da</strong> seu desejo de aventura,o anseio de partirem busca duma terra <strong>pr</strong>ometi<strong>da</strong>.Quem dilacera assim,entre a sau<strong>da</strong>de e a esperança,o coração do emigrante?É a vi<strong>da</strong> ... é a vi<strong>da</strong> ... é a vi<strong>da</strong>.Na <strong>pr</strong>imeira estrofe, o emigrante, ain<strong>da</strong> em seu país, sente o soluçar do"longo silvo do escuro em despedi<strong>da</strong>./ Treme, na lágrima de olhar,/ A paisagem<strong>da</strong> pátria" (p. 75). Na segun<strong>da</strong> estrofe, o emigrante sente o "apelo fascinante domar". O mar o envolve e desperta no emigrante o desejo de aventura, de partir em"busca duma terra <strong>pr</strong>ometi<strong>da</strong>" (p. 75).O mar, na simbologia aquática, tem peculiar em<strong>pr</strong>ego por sua naturezade movimento constante. Chevalier e Gheer<strong>br</strong>ant consideram a conotação do122


<strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong>: a <strong>poesia</strong> <strong>da</strong> <strong>inquietação</strong>mar enquanto local <strong>da</strong>s metamorfoses, <strong>da</strong>s transformações e renascimentos:Símbolo <strong>da</strong> dinâmica <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>. Tudo sai do mar tudo retornaa ele: lugar dos nascimentos, <strong>da</strong>s transformações, e dosnascimentos. Águas em movimento, o mar simboliza umestado transitório entre as possibili<strong>da</strong>des ain<strong>da</strong> informes asreali<strong>da</strong>des configura<strong>da</strong>s, uma situação de ambivalência,que é a de incerteza, de dúvi<strong>da</strong>, de indecisão, e que se podeconcluir bem ou mal (1991, p. 592).Assim como o mar simboliza um "estado transitório", o emigrantetambém vive em estado semelhante, pois o ato de partir, leva-o a viver momentosde incertezas, de dúvi<strong>da</strong>s e sofrimento. Na terceira e última estrofes do poema“Emigrante”, salienta-se o questionamento inquietante do sujeito lírico: "Quemdilacera assim,/ entre a sau<strong>da</strong>de e a esperança,/ o coração do emigrante?" (p. 75).A resposta ocorre no verso seguinte, em tom afirmativo: "É a vi<strong>da</strong>... é a vi<strong>da</strong>... é avi<strong>da</strong>" (p. 75).Em “Imigrantes eslavos” (SR – VE, p. 146), os temas <strong>da</strong> imigração e odiálogo entre gerações se fazem <strong>pr</strong>esentes:IMIGRANTES ESLAVOSCabeça <strong>br</strong>anca do neto.Cabeça <strong>br</strong>anca do avô.Luar noturno e gea<strong>da</strong>,Que é orvalho <strong>da</strong> madruga<strong>da</strong>.Vão conversando... E se entendemNuma linguagem difusa:O mesmo vago sorriso,A mesma fala confusa.O poema é composto por duas estrofes similares. No decurso do poema,há combinações de palavras, numa estruturação morfossintática de singularrelevância. Na <strong>pr</strong>imeira estrofe, evidencia-se o paralelismo sintático e semânticonos dois <strong>pr</strong>imeiros versos: "Cabeça <strong>br</strong>anca do neto. Cabeça <strong>br</strong>anca do avô"(p.146). A palavra "cabeça" geralmente simboliza o ardor do <strong>pr</strong>incípio ativo, e o"ato de instruir". Os dois versos seguintes são marcados pela sonori<strong>da</strong>de <strong>da</strong>saliterações e assonâncias: "Luar noturno e gea<strong>da</strong>/ Que é orvalho <strong>da</strong> madruga<strong>da</strong>"(p.146). Destacam-se, no poema, a rima consoante "gea<strong>da</strong>" x madruga<strong>da</strong>", etambém as similari<strong>da</strong>des semânticas, considerando-se "cabeça <strong>br</strong>anca" x123


Antonio Donizeti <strong>da</strong> Cruz"gea<strong>da</strong>" e "noturno" x "madruga<strong>da</strong>". Na segun<strong>da</strong> estrofe, verifica-se o diálogodo imigrante com o seu neto: "Vão conversando... E se entendem/ Numalinguagem difusa:/ O mesmo vago sorriso,/ A mesma fala confusa" (p. 146).Pode-se dizer que, apesar <strong>da</strong>s dificul<strong>da</strong>des em relação à língua, a comunicaçãoentre gerações é perfeita, pois mesmo a "fala" sendo "confusa", o neto e o avôcom<strong>pr</strong>eendem-se. Nos dois últimos versos, destacam-se o paralelismosemântico e sintática, e também a rima consoante "difusa" x "confusa".“Sau<strong>da</strong>des” (RE, p. 21) é um haicai que tem por musa a natureza. O textoevoca um lirismo nostálgico, com uma linguagem lúdica, metafórica eorganiza<strong>da</strong>, que se pode constatar em versos criativos:SAUDADESUm sabiá cantou.Longe, <strong>da</strong>nçou o arvoredo.Choveram sau<strong>da</strong>des.Este poema de forma miniatural tematiza a sau<strong>da</strong>de e a natureza. O cantodo sabiá, mesmo distante, é capaz de despertar o "canto" <strong>da</strong> poeta, quetransforma em palavras esse "despertar inquieto", relacionado à observaçãoatenta à natureza e encantamento lúdico com a linguagem.No poema intitulado “Cantiga de recor<strong>da</strong>r” (AO, p. 11), a sau<strong>da</strong>de estávincula<strong>da</strong> a uma fase temporária de vi<strong>da</strong>, na qual o sujeito lírico encontrou <strong>pr</strong>azerem viver:124CANTIGA DE RECORDAR1970Doce lem<strong>br</strong>ança orvalha<strong>da</strong>de madruga<strong>da</strong>s antigas.Fumaça de chaminésubindo na manhã fria.Floresci<strong>da</strong> malva-rosade<strong>br</strong>uça<strong>da</strong> no jardimUma revoa<strong>da</strong> de sonhosna vi<strong>da</strong> que amanheciaCantiga de recor<strong>da</strong>r...Ai, que sau<strong>da</strong>de de mim!


<strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong>: a <strong>poesia</strong> <strong>da</strong> <strong>inquietação</strong>Entre a sau<strong>da</strong>de e o tempo <strong>pr</strong>esentes, o sujeito lírico salienta que atravésdo canto e <strong>da</strong> <strong>poesia</strong> é possível sonhar, recor<strong>da</strong>r. Nos versos do poema, oslexemas "sau<strong>da</strong>de" e "recor<strong>da</strong>r" se equivalem.No tocante à recor<strong>da</strong>ção, Staiger salienta que o poeta lírico não tem aintenção de tornar <strong>pr</strong>esente algo que aconteceu e vivenciou no passado, muitomenos recor<strong>da</strong>r o momento <strong>pr</strong>esente, isto é, a “'recor<strong>da</strong>ção' não significa o'ingresso do mundo no sujeito', mas sim, sem<strong>pr</strong>e, o um-no-outro, de modo que sepoderia dizer indiferentemente: o poeta recor<strong>da</strong> a natureza, ou a natureza recor<strong>da</strong>o poeta (1975, p. 59-60. Grifos do autor). Assim, o ato de “'Recor<strong>da</strong>r' deve ser otermo para a falta de distância entre sujeito e objeto, para um-no-outro lírico.Fatos <strong>pr</strong>esentes, passados e até futuros podem ser recor<strong>da</strong>dos na criação lírica,observa Staiger (1975, p. 59-60. Grifos do autor).A memória atua como um mecanismo de defesa, no dizer do eu-lírico,pois ela é capaz de “enco<strong>br</strong>ir” a reali<strong>da</strong>de, ou seja, funciona como uma válvula deescape para suavizar as coisas e acontecimentos que ficaram <strong>pr</strong>esos na “retina”do tempo passado.Em “País do <strong>pr</strong>esente” (PM), salienta-se o tema <strong>da</strong> sau<strong>da</strong>de, em que osujeito lírico manifesta sua inquietude e sentido de busca: “Entre a sau<strong>da</strong>de e aesperança,/ fica o país do <strong>pr</strong>esente.// Urge desco<strong>br</strong>ir/ e cultivar/ sua riquezaimanente” (p. 24).Em “longe” (SP, p. 40), o eu lírico declara que às vezes sente uma espéciede nostalgia inquietante, pois seu viver parece ser uma história já vivencia<strong>da</strong> poralguém em algum país distante.LONGEÀs vezes,tudo é tão longe em mim...Meu viver parece uma históriaque alguém sonhouhá muito tempo,num país distante.“Lição” (AO, p. 73) mostra o poema como um momento <strong>br</strong>eve de“cintilação" e "luminosi<strong>da</strong>de" <strong>da</strong>s palavras, numa linguagem extremamenteorganiza<strong>da</strong>. A poeta alicerça a construção poética, com palavras capazes derevelar a vi<strong>da</strong> e seus instantes. Os temas <strong>da</strong> religiosi<strong>da</strong>de, do diálogo entre a avóimigrante e sua neta, e a infância, cruzam-se numa rede de sentidos:125


Antonio Donizeti <strong>da</strong> CruzLIÇÃO1980A luz <strong>da</strong> lamparina <strong>da</strong>nçavafrente ao ícone <strong>da</strong> Santíssima Trin<strong>da</strong>de.Paciente, a avó ensinavaa <strong>pr</strong>ostrar-se em reverência,a persignar-se com três dedose a rezar em língua eslava.De mãos postas, a meninafielmente repetiapalavras que ela ignorava,mas Deus entendiaOs versos são simples, fluentes e rítmicos, sem uma só palavra quedemonstre esforço artificioso de construção, nem torneios sintáticosdesajustados. Nos versos do poema, destacam-se as assonâncias do /a/ e /e/, e asaliterações do /m/ e /n/, <strong>da</strong>ndo ideia de fluxo contínuo. As imagens do "ícone <strong>da</strong>Santíssima Trin<strong>da</strong>de" e <strong>da</strong> "luz <strong>da</strong> lamparina", <strong>da</strong>nçando à frente do ícone, sãomarcantes. O ícone não é <strong>da</strong> mesma natureza do retrato, sua "semelhança" éapenas de caráter ideal, na medi<strong>da</strong> em que a imagem participa <strong>da</strong> "reali<strong>da</strong>dedivina" que se destaca a ex<strong>pr</strong>imir. O ícone é a re<strong>pr</strong>esentação <strong>da</strong> "reali<strong>da</strong>detranscendente", nos limites inerentes à incapaci<strong>da</strong>de fun<strong>da</strong>mental de traduzir deforma adequa<strong>da</strong> o divino, e suporte para a meditação. A luz, no entanto, é símboloconstante <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>, <strong>da</strong> salvação e <strong>da</strong> felici<strong>da</strong>de <strong>da</strong><strong>da</strong>s por Deus, e também ela é o"símbolo patrístico do mundo celeste e <strong>da</strong> eterni<strong>da</strong>de" (CHEVALIER;GHEERBRANT, 1991, p. 570).Em “Lição” (OA), salienta-se, na segun<strong>da</strong> estrofe, a paciência <strong>da</strong> avóque "ensina" a menina "a rezar em língua eslava". Conforme a afirmação dosujeito lírico, há uma incom<strong>pr</strong>eensão <strong>da</strong>s palavras pela menina, que as repete,sem entender, justamente por ela não dominar a língua eslava. Os enjambements<strong>pr</strong>oduzem uma dinamização que reforça o ritmo do poema. A construção poéticadesse texto é determinado pelo ritmo, que por sua vez possui uma marca<strong>pr</strong>edominantemente acústica. Os efeitos sonoros relacionam-se semanticamenteno poema, como se pode constatar nas rimas consoantes "ensinava" x "eslava", e"repetia" x "entendia".A <strong>poesia</strong> kolodyana a<strong>pr</strong>esenta-se como comunicação e conhecimento. Écomunicação porque ca<strong>da</strong> palavra encerra certa plurali<strong>da</strong>de de significadosvirtuais, pois a <strong>poesia</strong> é uma "plurali<strong>da</strong>de de sentidos"; e é conhecimento porque126


<strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong>: a <strong>poesia</strong> <strong>da</strong> <strong>inquietação</strong>ela faz conhecer, no momento <strong>da</strong> leitura, a <strong>pr</strong>ó<strong>pr</strong>ia linguagem, distancia<strong>da</strong> dohábito e revivi<strong>da</strong> – pelo leitor – como nova pela invenção poética. Tais<strong>pr</strong>ocedimentos podem fazer com que o leitor tome consciência de que alinguagem do poema é altamente organiza<strong>da</strong>.Verifica-se, na <strong>poesia</strong> de <strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong>, uma certa sau<strong>da</strong>de nostálgica eo desejo de recuperar a pureza original <strong>da</strong> infância. Nela está a origem <strong>da</strong>saspirações mais puras <strong>da</strong> poeta. A evocação à infância torna-se uma constante na<strong>poesia</strong> kolodyana.No texto intitulado “Infância” (SR – VE, p. 151), a poeta alicerça aconstrução poética que se caracteriza pelo desejo de buscas e aspirações, em quea meninice é rememora<strong>da</strong> pelo eu lírico:INFÂNCIAAquelas tardes de Três Barras.Plenas de sol e de cigarras!Quando eu ficava horas perdi<strong>da</strong>sOlhando a faina <strong>da</strong>s formigasQue iam e vinham pelos carreiros,No áspero tronco dos pessegueiros.A chuva-de-ouroEra um tesouro,Quando floria.De áureas abelhasTo<strong>da</strong> zumbia.Alfom<strong>br</strong>a flavaO chão co<strong>br</strong>ia...O cão travesso, de nome eslavo,Era um amigo, quase um escravo.Meren<strong>da</strong> agreste:Leite crioulo,Com mel dourado,Cheirando a favo.Ao lusco-fusco, quanta alegria!A menina<strong>da</strong> to<strong>da</strong> acorriaPara cantar, no imenso terreiro:“Mais bom dia, Vossa Senhoria”...“Bom barqueiro! Bom barqueiro...”Soava a canção pelo povoado inteiroE a <strong>pr</strong>ó<strong>pr</strong>ia luz ciran<strong>da</strong>va e ria.Se a tarde de domingo era tranqüila,Saía-se a flanar, em pleno sol,No campo, recendente a camomila.Alegria de correr até cairRolar na relva como potro novoE quase sufocar, de tanto rir!No riacho claro, às segun<strong>da</strong>s-feiras,Batiam roupas as lavadeiras.Também a gente lavava traposNas pedras lisas, nas corredeiras;Catava limo, topava sapos(Ai, ai, que susto! Virgem Maria!)Do tempo, só se sabiaQue no ano sem<strong>pr</strong>e existiaO bom tempo <strong>da</strong>s laranjasE o doce tempo dos figos...Longínqua infância... Três BarrasPlena de sol e cigarras!127


Antonio Donizeti <strong>da</strong> CruzAo (re)visitar sua infância, o eu lírico lem<strong>br</strong>a "Aquelas tardes de TrêsBarras,/ Plenas de sol e de cigarras! (p. 150). São versos que mostramdes<strong>pr</strong>eocupação do eu lírico, vivi<strong>da</strong> nessa fase que se encontra no passado,lem<strong>br</strong>ado com uma certa sau<strong>da</strong>de e melancolia <strong>da</strong>quele "tempo bom". Oselementos <strong>da</strong> natureza integram-se perfeitamente no poema. Na terceira estrofe,Ao (re)visitar sua infância, o eu lírico lem<strong>br</strong>a "Aquelas tardes de Três Barras,/Plenas de sol e de cigarras! (p. 150). São versos que mostram des<strong>pr</strong>eocupaçãodo eu lírico, vivi<strong>da</strong> nessa fase que se encontra no passado, lem<strong>br</strong>ado comuma certa sau<strong>da</strong>de e melancolia <strong>da</strong>quele "tempo bom". Os elementos <strong>da</strong>natureza integram-se perfeitamente no poema. Na terceira estrofe,a imagem <strong>da</strong>"chuva-de-ouro" (planta ornamental), dá um toque especial à paisagem. O eulírico afirma que ela "Era um tesouro,/ Quando floria./ De áureas abelhas/ To<strong>da</strong>zumbia./ Alfom<strong>br</strong>a flava/ O chão floria". A floração simboliza o retorno aoestado <strong>pr</strong>imordial. (p. 150).O eu lírico recor<strong>da</strong>-se também do "cão travesso, de nome "eslavo", <strong>da</strong>"meren<strong>da</strong> agreste", do "leite crioulo", do "pão feito em casa,/ Com mel dourado,/Cheirando a favo". Pode-se dizer que há por parte do eu lírico, uma sau<strong>da</strong>dedo lar, <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> de outrora. A linguagem do poema reveste-se de um lirismodespojado. Os versos livres, as palavras simples e ternas, tornam-se quase uma<strong>pr</strong>osa evocativa (p. 150-151).Do tempo de infância, o eu lírico lem<strong>br</strong>a-se <strong>da</strong>s "canções" canta<strong>da</strong>s "pelamenina<strong>da</strong>", que soava por todo o povoado. Nas tardes tranqüilas de domingo,saí-se a "flanar". Às segun<strong>da</strong>s-feiras, no riacho, as "lavadeiras" batiam roupa. Oeu lírico afirma: "Também a gente lavava trapos/ Nas pedras lisas, nascorredeiras,/ Catava limo, topava sapos/ (Ai, ai, que susto! Virgem Maria!)"(p.151). São versos marcados pela des<strong>pr</strong>eocupação com a vi<strong>da</strong> e pelatranqüili<strong>da</strong>de vivi<strong>da</strong> pelo eu lírico (p. 151).Nos versos finais do poema, salienta-se que "do tempo", apenas se sabia<strong>da</strong> existência do "bom tempo <strong>da</strong>s laranjas/ E o doce tempo dos figos...". Noentanto esse tempo é passado, pois restou apenas a "Longínqua infância... TrêsBarras/ Plena de sol e cigarras!" Os versos re<strong>pr</strong>esentam a tentativa dereencontrar a harmonia e beleza perdi<strong>da</strong>s, em que o eu lírico encontra uma formade reviver seus sentimentos através <strong>da</strong> <strong>poesia</strong>.128


CONSIDERAÇÕES FINAIS<strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong>: a <strong>poesia</strong> <strong>da</strong> <strong>inquietação</strong>Na <strong>poesia</strong> de <strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong>, a <strong>inquietação</strong> é um signo, um elementoconstante, pois tematiza os aspectos mais inquietantes <strong>da</strong> condição humana, emque o eu lírico <strong>pr</strong>ojeta todo um questionamento frente à reali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>.Observa-se em sua <strong>poesia</strong> uma contínua e insistente in<strong>da</strong>gação a respeito <strong>da</strong>existência humana.A <strong>poesia</strong> kolodyana parte <strong>da</strong> experiência cotidiana e a transcendemediante a imagem poética a uma dimensão maior, que cria no leitor umaconsciência de plenitude fora do espaço e do tempo. Na travessia de uma vi<strong>da</strong>, aspulsões vitais, mente lúci<strong>da</strong> e sensível, que ordena as palavras e a linguagem,numa <strong>poesia</strong> que é experiência elabora<strong>da</strong>, purifica<strong>da</strong> pelo intelecto. Uma formade auto-revelação, num constante recriar-se e recriar-nos, pois, conformeOctavio Paz, a <strong>poesia</strong> "é um tecido de conotações, feita de ecos, reflexos ecorrespondências entre som e sentido" (1991, p. 151).A <strong>poesia</strong> sem<strong>pr</strong>e esteve além do tempo e <strong>da</strong>s definições. A <strong>poesia</strong> de<strong>Kolody</strong> a<strong>pr</strong>esenta-se enquanto ato de amor à palavra, pois a “artista <strong>da</strong> palavra”faz <strong>da</strong> linguagem poética e <strong>da</strong> <strong>poesia</strong> um “encantamento”. A autora opera emexercício de afetivi<strong>da</strong>de de quem sabe extrair o sentido afetivo pleno de suasexperiências poéticas. Ao voltar-se a sua <strong>pr</strong>ó<strong>pr</strong>ia contingência, questiona-se,pois em sua <strong>poesia</strong> a <strong>inquietação</strong> aparece no nível temático enquanto signo, fazerpoético, busca de sentido existencial e nostalgia inquietante. Sua <strong>poesia</strong> consisteem um esforço de situar as rememorações para arrastá-las desde às origens,situando-a no lugar <strong>da</strong> palavra, no <strong>pr</strong>incípio, gênese e memória.A <strong>inquietação</strong> enquanto signo é uma constante na o<strong>br</strong>a kolodyana. Elatraduz o desejo de um pensamento que quer "reinventar" as relações entre o eu e omundo. A <strong>inquietação</strong> na <strong>poesia</strong> de <strong>Helena</strong> parece surgir como uma instabili<strong>da</strong>de<strong>da</strong>s coisas e acontecimentos exteriores, <strong>pr</strong>ovocando uma agitação no eu lírico,que se reveste de "filtro do mundo". É uma <strong>inquietação</strong> que é busca de sentido erevelação <strong>da</strong> condição do eu que sabe de sua condição humana, e que sente suafinitude, desejando o infinito.Os poemas kolodyanos a<strong>pr</strong>esentam-se como uma ação <strong>da</strong> linguagem,momento <strong>da</strong> linguagem nascente e advento do mundo, que se ordena e unifica.Na palavra recria<strong>da</strong> na raiz <strong>da</strong> linguagem, a poeta <strong>Helena</strong> faz a história e estáinseri<strong>da</strong> na história, porque sua <strong>poesia</strong> enquanto <strong>inquietação</strong>, interroga, a um sótempo, os meandros <strong>da</strong> existência humana. Sua o<strong>br</strong>a é significativa de uma129


Antonio Donizeti <strong>da</strong> Cruz<strong>poesia</strong> despoja<strong>da</strong> e pura, em que uma exercita<strong>da</strong> consciência crítica lhe confereacenos exemplares. Sua <strong>poesia</strong> de extrema simplici<strong>da</strong>de, clareza e lirismo, ocupaum lugar singularíssimo no panorama poético paranaense.A <strong>poesia</strong> kolodyana se faz reflexiva, questionante, pois sua intimi<strong>da</strong>decom as palavras e suas combinações e o seu agudo senso de ritmo fazem com queo im<strong>pr</strong>essionante desnu<strong>da</strong>mento <strong>da</strong> linguagem existente em to<strong>da</strong> sua o<strong>br</strong>afloresça em <strong>poesia</strong>. Sua o<strong>br</strong>a re<strong>pr</strong>esenta a maneira intensa de entender eex<strong>pr</strong>essar os sentimentos do mundo, numa <strong>poesia</strong> que tem por centro temático a<strong>inquietação</strong>, em que a vi<strong>da</strong>, "a <strong>inquietação</strong> su<strong>pr</strong>ema de viver", alia-se à "su<strong>pr</strong>emaangústia de pensar".A <strong>poesia</strong> de <strong>Helena</strong> flui naturalmente como voz sonora, num constantebem-dizer do amor e seus instantes. Pode-se dizer que a <strong>inquietação</strong> é um doseixos centrais de sua <strong>poesia</strong>, que através do eu lírico a<strong>br</strong>e caminhos para arevelação <strong>da</strong> <strong>pr</strong>ó<strong>pr</strong>ia condição humana, revesti<strong>da</strong> de com<strong>pr</strong>eensão, luz esimpatia. Suas imagens conseguem ser, ao mesmo tempo, simples e <strong>pr</strong>ofun<strong>da</strong>s,dizendo tudo com simples alusões. Seus versos distinguem-se por essacapaci<strong>da</strong>de peculiar de sugeridos fenômenos imperceptíveis, como aslem<strong>br</strong>anças, os sonhos, nostalgias e imaginação.<strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong> é um dos nomes mais significativos <strong>da</strong> <strong>poesia</strong>contemporânea paranaense. Sua personali<strong>da</strong>de humana e literária é marcante.<strong>Helena</strong> escreve de maneira transparente, clara e concisa. Sua o<strong>br</strong>a vempercorri<strong>da</strong> por muitos sentidos, <strong>pr</strong>eocupação com a linguagem, respeito àpalavra. É <strong>poesia</strong> de quem sente não apenas a evanescência do sentir. Mais do queisso, faz do sentir pessoal o reflexo de um sentimento socialmente refletido.Os textos kolodyanos contêm uma visão carrega<strong>da</strong> de transparência aomostrar que o fazer poético é capaz de comunicar uma <strong>pr</strong>ofun<strong>da</strong> consciência dosentido <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> e dos limites humanos. É um "fazer poético" que se refleteenquanto questionamento, pois sua <strong>poesia</strong> é uma luta constante para atingir oestado original, mediante revelação e "<strong>inquietação</strong> de um ofício". A arte poéticakolodyana identifica-se com uma certa <strong>pr</strong>oblemática recorrente na <strong>poesia</strong>contemporânea: a busca de criação de uma <strong>poesia</strong> so<strong>br</strong>e a <strong>poesia</strong>, capaz de<strong>pr</strong>ojetar o poder <strong>da</strong>s palavras, pois conforme Paz, "o poema é via de acesso aotempo puro, imersão nas águas originais <strong>da</strong> existência. A <strong>poesia</strong> não é na<strong>da</strong> senãotempo, ritmo perpetuamente criador" (1982, p. 31).O fazer poético, em <strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong>, parece surgir como resultado de<strong>pr</strong>ocessos interiores que ocorrem em relação à vi<strong>da</strong>, em que o eu lírico in<strong>da</strong>ga-seem relação a sua arte, ao fazer poético e questiona-se como poeta. Sua o<strong>br</strong>a130


<strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong>: a <strong>poesia</strong> <strong>da</strong> <strong>inquietação</strong>poética adquire a inflexão ontológica de quem <strong>pr</strong>ocura, através <strong>da</strong> linguagem,respostas à vi<strong>da</strong>. A<strong>pr</strong>esenta temas que se interligam e refletem a visão de mundo<strong>da</strong> poeta e sua atitude frente à <strong>pr</strong>oblemática que envolve o ser humano. Ca<strong>da</strong>poema é construído a partir <strong>da</strong>s coisas simples e cotidianas, que remete às<strong>pr</strong>ofun<strong>da</strong>s reflexões so<strong>br</strong>e o sentido <strong>da</strong> existência humana.A artista <strong>da</strong> palavra <strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong> tem uma voz lírica inconfundível efaz de sua poiesis um ofício cantante. Seus versos, revestidos por umaim<strong>pr</strong>essionante riqueza conotativa e de associações de idéias, sentidos esímbolos, afloram sentidos múltiplos. Na visão de Jorge Luis Borges, “o maisimportante de um autor é a sua entonação; o mais importante de um livro é a vozdo autor, a voz que chega até nós (1987, p. 10). A <strong>poesia</strong>, força capaz detransfigurar a reali<strong>da</strong>de do homem, aponta para o mistério oculto <strong>da</strong>s coisas, emais <strong>pr</strong>ecisamente, para o sentido <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>. Palavra essencial e luminosa, a <strong>poesia</strong>kolodyana vai além <strong>da</strong> transitorie<strong>da</strong>de do real e do humano. A trajetória poéticade <strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong> é anima<strong>da</strong> pelo sentido de permanência, pois sua arte poética,marca<strong>da</strong> pelas “palavras <strong>da</strong> <strong>inquietação</strong>”, lirismo, síntese e poder de revelação,transmu<strong>da</strong>m-se em valores que são capazes de corporificar o onírico e ofantástico, em uma dialética permanente, pois como afirma Jorge Luis Borges “alinguagem é uma criação – vem a ser uma espécie de imortali<strong>da</strong>de” (1987, p. 19).A comunicabili<strong>da</strong>de na <strong>poesia</strong> de <strong>Helena</strong> é essencialmente lírica, pois<strong>pr</strong>ocura sensibilizar o leitor, mostrando que a <strong>poesia</strong> pode ser vi<strong>da</strong>, poder,revelação, alquimia, nostalgia. Os poemas kolodyanos analisados, a partir deuma perspectiva de análise embasa<strong>da</strong> no referencial teórico de autores comoOctavio Paz, Esteban, Jakobson, entre outros, possuem uma relação de sentidoque os mantêm ligados às várias temáticas constantes <strong>da</strong> <strong>inquietação</strong>.A <strong>poesia</strong> kolodyana reveste-se de <strong>inquietação</strong> mesmo quando refere-se àinfância, em que o lírico revisita-a, como em "Três Barras, plena de sol ecigarras". A <strong>poesia</strong> foi desde cedo uma <strong>pr</strong>esença marcante em sua vi<strong>da</strong>. Ain<strong>da</strong> nainfância, <strong>Helena</strong> ouvia poemas de Tarás Chevtchenko, poeta <strong>da</strong> Ucrânia, pois suamãe declamava-os à filha. O ambiente familiar contribuiu para despertar o seuamor à <strong>poesia</strong>. Muito dos poemas de <strong>Helena</strong> refletem o encantamento com abeleza <strong>da</strong>s paisagens e motivos eslavos.Acentua-se, na <strong>poesia</strong> de <strong>Kolody</strong>, uma nostalgia inquietante, uma<strong>pr</strong>ofun<strong>da</strong> identificação com o legado cultural ucraniano, quando a poeta trata <strong>da</strong>questão <strong>da</strong> imigração ucraniana. Há uma certa cele<strong>br</strong>ação, num sentimentotelúrico de ligação com o país de seus ancestrais e, <strong>pr</strong>incipalmente em relação aoBrasil.131


Antonio Donizeti <strong>da</strong> CruzA trajetória poética de <strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong> é singular: mais de meio século decriação literária. Desde sua <strong>pr</strong>imeira o<strong>br</strong>a, Paisagem interior (1941), a Reika(1993), sua <strong>poesia</strong> evolui no sentido de síntese reflexiva, concisão e alto grau delirismo espontâneo, contido, numa linguagem revesti<strong>da</strong> de amor à palavra, aofazer poético e à vi<strong>da</strong>.132


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS<strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong>: a <strong>poesia</strong> <strong>da</strong> <strong>inquietação</strong>A) DE HELENA KOLODYKOLODY, <strong>Helena</strong>. Paisagem interior. Curitiba: Escola Técnica e Curitiba,1941. 106 p. (Edição <strong>da</strong> autora. Capa de Helvídia Leite. Im<strong>pr</strong>esso nas ArtesGráficas <strong>da</strong> Escola Técnica de Curitiba)._____. Música submersa. Curitiba: Escola Técnica de Curitiba, 1945. 96 p.Im<strong>pr</strong>esso na Artes Gráficas <strong>da</strong> Escola Técnica do Paraná )._____. Paisagem interior. 2ª ed. Curitiba: 1950. 106p._____. A som<strong>br</strong>a no rio. Curitiba: Escola Técnica de Curitiba, 1951. 80 p.(Edição do Centro de Letras do Paraná)._____. A som<strong>br</strong>a no rio e Poesias escolhi<strong>da</strong>s. Curitiba: SENAI, 1957. 96 p.(Edição <strong>da</strong> autora. Capa de Anna Maria Muricy. Im<strong>pr</strong>esso na Artes Gráficas <strong>da</strong>Escola Técnica de Curitiba)._____. Trilogia. Reunião dos três livros anteriores. In: Um século de <strong>poesia</strong>(separata). Curitiba: Centro paranaense feminino de cultura, 1959. p. 255-288,632 p. (Edição do Centro Paranaense Feminino de Cultura)._____. Poesias completas. [Paisagem interior, Música submersa e A som<strong>br</strong>a norio]. Curitiba: SENAI, 1962. 208 p. (Reunião dos três livros já publicados.Edição de alunos e ex-alunos de <strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong>. Im<strong>pr</strong>esso na Artes Gráficas <strong>da</strong>Escola de A<strong>pr</strong>endizagem do SENAI)._____. Prefácio. In: Tarás Chevtchenko: o poeta <strong>da</strong> Ucrânia. Curitiba: Dni<strong>pr</strong>ó,1962._____. Vi<strong>da</strong> <strong>br</strong>eve. Curitiba: SENAI, 1964. 76 p. (Edição <strong>da</strong> autora. Im<strong>pr</strong>esso naEscola de A<strong>pr</strong>endizagem do SENAI)._____. 20 poemas. Curitiba: Santa Cruz, 1965. 28 p. (Edição <strong>da</strong> autora. Im<strong>pr</strong>essona Gráfica Santa Cruz)._____. Era espacial. Curitiba: SENAI, 1966. 84 p. (Edição <strong>da</strong> autora. Im<strong>pr</strong>essona Escola de A<strong>pr</strong>endizagem do SENAI)._____. Antologia poética. Curitiba: Vicentina, 1967. 68 p. (Edição <strong>da</strong> autora.Im<strong>pr</strong>esso na Gráfica Vicentina).133


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ANEXOS


HAI-KAIS E TANKAS DE HELENA KOLODY(MANUSCRITOS)


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LEMBRANÇAS-POEMAS E OUTROS


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2PRAÇA RUI BARBOSAQuando a conheci, chamava-se, ain<strong>da</strong>, Praça <strong>da</strong> República.Era um grande retângulo de argila amarelaservia de pátio de exercícios para o 15ºBC.O quartel ocupava todo um quarteirão,onde hoje estão, o estacionamento e o centro comercial.De madruga<strong>da</strong>, o clarim acor<strong>da</strong>va os sol<strong>da</strong>dos e a vizinhança.Durante a manhã, os recrutas faziam exercícios na <strong>pr</strong>aça:direita e esquer<strong>da</strong> volver, marchas e contramarchas.Mudou-se o 15. O quartel foi desativado.A <strong>pr</strong>aça começou a mu<strong>da</strong>r. Ganhou árvores, ajardinamento,calçadão de “petit-pavé”, repuxo iluminado, onde sonhavam garças.Ficou lin<strong>da</strong>!Com a instalação de terminais de ônibusperdeu em beleza, ganhou em humani<strong>da</strong>de.Desde a madruga<strong>da</strong> até o início de outraos ex<strong>pr</strong>essos despejam e recolhem milhares de pessoas.Mal alvorece, formigas laboriosas descem dos coletivos,a<strong>pr</strong>essam o passo, a caminho do trabalho.As filas engrossam à tarde,como rios em dia de enchente.O cansaço anoitece nas solidões aglomera<strong>da</strong>s.Um rumor de mar em ressacaressoa no tráfego intenso.Depois de instala<strong>da</strong> a feira, a <strong>pr</strong>aça enlouqueceu:Vozes, gritos, risa<strong>da</strong>s, pia<strong>da</strong>s e insultosse entrecruzam entre as barracas.Sorriem em vermelho fatias de melancias.Laranjas se aglutinam numa trombose amarela.Competem os verdes.2In: KOLODY, <strong>Helena</strong>. Praça Rui Barbosa (poema ilustrado por Denise Roman). In: O Estado doParaná, Curitiba, 22 nov. 1987. Almanaque. p. 21.165


Das barracas de roupas, acenam mangasmeias ensaiam passos de <strong>da</strong>nçaquando bate o vento.Imperam alto-falantes no centro <strong>da</strong> <strong>pr</strong>aça.Políticos fazem comícios, crentes cantam.Rezam o terço, os marianos.Um nordestino a<strong>pr</strong>egoa a excelência de ervas medicinais.Músicos fazem “shows”.Ouvido de longe, tudo se confunde numa alucinação sonora.De momento a momento, a fisionomia <strong>da</strong> <strong>pr</strong>aça mu<strong>da</strong>.Com o avançar <strong>da</strong>s horas, diminui a maré do movimento.Alta noite,Velam janelasNos <strong>pr</strong>édios ao redor.Janelas acessasSemáforos insones.Dorme a <strong>pr</strong>aça o sono dos abandonados:Estiram-se nos cantos escuros,encolhem-se nos desvãos dos <strong>pr</strong>édios.Noite fria,os menores se escondem nos caixotes de papelãoque o comércio deixa nas calça<strong>da</strong>s, rumo ao lixo.Luz e som<strong>br</strong>a,esplendor e miséria <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de grande.Na Praça Rui Barbosa,a vi<strong>da</strong> escreve uma página<strong>da</strong> História Curitibana1987166


3A PRAÇAQuando a conheci, chamava-se Praça <strong>da</strong> República. Era um grandeºretângulo de argila amarela. Servia de pátio de exercícios para o 15 BC, cujoquartel ocupava o espaço onde, hoje, se localizam o estacionamento e o centrocomercial.De madruga<strong>da</strong>, o clarim acor<strong>da</strong>va os recrutas e a vizinhança.Durante a manhã, os sol<strong>da</strong>dinhos faziam exercícios na <strong>pr</strong>aça: direita e esquer<strong>da</strong>volver, marchas e contramarchas.***Mudou-se o 15. O quartel foi desativado. A <strong>pr</strong>aça começou a mu<strong>da</strong>r.Ganhou árvores, ajardinamento, calçadão de “petit-pavê”, repuxo iluminado, noqual sonhavam garças, estacionamento, lojas.No teatro de Bolso, íamos aplaudir o talento de Ary Fontoura,Odelair Rodrigues, Sale Wolockita, Maurício Távora. A <strong>pr</strong>aça vivia seu tempo deesplendor.Com a instalação dos terminais de ônibus, a Ruy Barbosa perdeuem beleza, ganhou em humani<strong>da</strong>de. Mal alvorece, formigas laboriosas descemdos coletivos, a<strong>pr</strong>essam o passo pelo calçadão, a caminho do trabalho.As filas engrossam, à tarde, como rios em dia de enchente. Ocansaço anoitece nas solidões aglomera<strong>da</strong>s. Um rumor de mar em ressaca ressoano tráfego intenso.Na feira, a <strong>pr</strong>aça enlouquece: vozes, risa<strong>da</strong>s, gritos, pia<strong>da</strong>s seentrecruzam entre as barracas. Laranjas se aglutinam numa trombose amarela.Sorriem fatias de melancias. Os verdes se acotovelam. Das barracasde roupas, acenam mangas, meias ensaiam passos de <strong>da</strong>nça.Imperam alto-falantes no centro <strong>da</strong> <strong>pr</strong>aça. Políticos discursam.Crentes cantam. Protestam grevistas. Músicos fazem “shows”. Tudo se confundenuma alucinação sonora.Luz e som<strong>br</strong>a <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de grande.Na Praça Ruy Barbosa, a vi<strong>da</strong> escreve uma página vi<strong>br</strong>ante <strong>da</strong>História curitibana.Já não posso mais sonhar <strong>poesia</strong>.De minha janela, vejo a vi<strong>da</strong> acontecer.19933In: KOLODY, <strong>Helena</strong>. A <strong>pr</strong>aça. Gazeta do povo, Curitiba, 21 mar. 1993. Cultura, p. 1.167


OUTORGA DE NOME HAICAISTA (HAIGO)


HAIGO171


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MANEIRAS DE SER<strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong>Os que são raízesamam <strong>pr</strong>ofundezas.Crescem em segredoem busca de fontes.Os que são asas inquietasanseiam por amplidões.Desenham signos de voono azul do sonho infinito.<strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong>: a <strong>poesia</strong> <strong>da</strong> <strong>inquietação</strong>Ilustração de Antonio Donizeti <strong>da</strong> Cruz – Título: “Cintilações”. Óleo so<strong>br</strong>e tela (Dimensão: 1,30 x80 cm) – Premiado no Concurso Internacional de Poesia e Desenho “Lília A. Pereira <strong>da</strong> Silva”,Itapira – SP.183


Maneiras de serOs que são raízesamam <strong>pr</strong>ofundezas.Crescem em segredoem busca de fontes.Os que são asas inquietasanseiam por amplidões.Desenham signos de voono azul do sonho infinito.<strong>Helena</strong> <strong>Kolody</strong>ISBN 978-85-7644-214-1

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