13.07.2015 Views

universidade do vale do itajaí centro de ciências da saúde curso de ...

universidade do vale do itajaí centro de ciências da saúde curso de ...

universidade do vale do itajaí centro de ciências da saúde curso de ...

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

TÍTULO: RELATÓRIO DE ESTÁGIO SUPERVISIONADO EMPSICOLOGIA CLÍNICA1RESUMO: Este relatório <strong>de</strong>screve as ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s realiza<strong>da</strong>s em Estágio Supervisiona<strong>do</strong> emPsicologia Clínica, requisito obrigatório para a graduação em Psicologia em uma Universi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>do</strong>Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> Santa Catarina. As ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong>senvolvi<strong>da</strong>s foram <strong>de</strong>fini<strong>da</strong>s como PsicoterapiaIndividual e objetivaram o atendimento clínico gratuito à população no contexto <strong>de</strong> uma Uni<strong>da</strong><strong>de</strong>Básica <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong>. Os atendimentos ocorreram em salas disponibiliza<strong>da</strong>s pela Uni<strong>da</strong><strong>de</strong>, que contavamcom condições apropria<strong>da</strong>s para as ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> psicoterapia e que garantiram as condições <strong>de</strong>sigilo necessárias ao trabalho, <strong>da</strong> mesma forma ocorre para os <strong>de</strong>mais profissionais <strong>da</strong> saú<strong>de</strong>atuantes naquele local. Ao longo <strong>de</strong> um ano e meio, foram atendi<strong>do</strong>s nove pacientes, entre eles setecrianças entre 6 e 13 anos e <strong>do</strong>is adultos – um homem e uma mulher – <strong>de</strong>, respectivamente 27 e 28anos. A maioria <strong>de</strong>stes pacientes veio encaminha<strong>da</strong> por profissionais <strong>de</strong> outros <strong>centro</strong>s <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> ou<strong>do</strong> Conselho Tutelar <strong>do</strong> Município. As <strong>de</strong>man<strong>da</strong>s foram <strong>de</strong>s<strong>de</strong> queixas <strong>de</strong> <strong>de</strong>pressão, ansie<strong>da</strong><strong>de</strong>,me<strong>do</strong> e agressivi<strong>da</strong><strong>de</strong>, até casos <strong>de</strong> violência sexual. Ten<strong>do</strong> em vista que os atendimentos foram<strong>de</strong>senvolvi<strong>do</strong>s a partir <strong>da</strong> abor<strong>da</strong>gem existencialista fenomenológica, o processo psicoterápicoobjetivou a alteração <strong>da</strong> personali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>do</strong>s sujeitos, para que se tornassem capazes <strong>de</strong> transcen<strong>de</strong>rsuas dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s. Assim, nas situações em que houve engajamento, por parte <strong>do</strong>s pacientes, esteobjetivo pô<strong>de</strong> ser alcança<strong>do</strong>, conforme explicita<strong>do</strong> através <strong>do</strong> principal estu<strong>do</strong> <strong>de</strong> caso <strong>de</strong>scrito nesterelatório. Para o atendimento <strong>de</strong> crianças, foi consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong> fun<strong>da</strong>mental o acompanhamento e oengajamento <strong>de</strong> seus pais e/ou responsáveis no processo. Nos casos em que isto não foi verifica<strong>do</strong>, acriança não sentiu-se motiva<strong>da</strong> a <strong>da</strong>r continui<strong>da</strong><strong>de</strong> à psicoterapia e <strong>de</strong>sistiu <strong>do</strong>s atendimentos. Comoconsi<strong>de</strong>rações acerca <strong>do</strong> trabalho, <strong>de</strong>staca-se que, pela diversi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>man<strong>da</strong>s que se apresentama clínica, há a possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> realizar um trabalho amplo, <strong>de</strong> psicoterapia, <strong>de</strong> orientação e também<strong>de</strong> envolvimento <strong>da</strong> família no processo, requeren<strong>do</strong> que o estagiário <strong>de</strong>senvolva instrumentos eferramentas que dêem conta <strong>de</strong>ssa diversi<strong>da</strong><strong>de</strong>. Por outro la<strong>do</strong>, a abor<strong>da</strong>gem fenomenológicaexistencialista, ao não reduzir o paciente a queixa nem a um diagnóstico, mas compreendê-lo emsua história e relações que estabelece com a exteriori<strong>da</strong><strong>de</strong>, permite abarcar a diversi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>do</strong>sfenômenos a serem trabalha<strong>do</strong>s, consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> o homem como aquele que se move para o futuro eque o faz em direção àquilo que ain<strong>da</strong> não é e que ain<strong>da</strong> po<strong>de</strong> realizar. Como consi<strong>de</strong>rações acerca<strong>da</strong> inserção <strong>do</strong> psicólogo em serviços <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> pública, <strong>de</strong>staca-se que há ain<strong>da</strong> uma construção aser realiza<strong>da</strong> neste campo <strong>de</strong> atuação, no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> organizar os profissionais <strong>da</strong>s diversas áreas <strong>da</strong>saú<strong>de</strong> para uma comunicação efetiva e eficaz. Além disso, há a necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> compartilhar saberesque são característicos <strong>da</strong> Psicologia, a fim <strong>de</strong> instrumentalizar outros profissionais para querealizem encaminhamentos a partir <strong>de</strong> avaliações mais consistentes, evitan<strong>do</strong> o acúmulo <strong>de</strong>pacientes em lista <strong>de</strong> espera por atendimento. Por outro la<strong>do</strong>, consi<strong>de</strong>ra-se que o exercício <strong>da</strong>psicoterapia enquanto serviço gratuito a uma comuni<strong>da</strong><strong>de</strong> pre<strong>do</strong>minantemente inseri<strong>da</strong> em classespopulares possibilitou que a Psicologia tenha chega<strong>do</strong> até pessoas que <strong>de</strong> outras formas não teriamacesso a esse serviço.PALAVRAS-CHAVE: Atenção Básica; Psicologia Clínica; Existencialismo.


RELATÓRIO DE ESTÁGIO SUPERVISIONADO EM PSICOLOGIACLÍNICA2AUTORA: FABÍOLA LANGAROORIENTADORA: ZULEICA PRETTOEXAMINADOR: LUCIANA SARAIVA


1 INTRODUÇÃO3Este relatório refere-se às ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s realiza<strong>da</strong>s em Estágio Supervisiona<strong>do</strong> em PsicologiaClínica, requisito obrigatório para a graduação em Psicologia em uma Universi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong>Santa Catarina.O estágio foi realiza<strong>do</strong> entre fevereiro <strong>de</strong> 2007 e julho <strong>de</strong> 2008, em uma Uni<strong>da</strong><strong>de</strong> Básica <strong>de</strong>Saú<strong>de</strong> (UBS), localiza<strong>da</strong> em um município <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> Santa Catarina, ten<strong>do</strong> a carga <strong>de</strong> 08 horassemanais e 1 hora/aula semanal para a realização <strong>da</strong> supervisão acadêmica. As ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s<strong>de</strong>senvolvi<strong>da</strong>s foram <strong>de</strong>fini<strong>da</strong>s como Psicoterapia Individual e objetivaram o atendimento clínicogratuito à população <strong>da</strong> lista <strong>de</strong> espera <strong>de</strong> atendimento psicológico à comuni<strong>da</strong><strong>de</strong> resi<strong>de</strong>nte próximaàquela UBS. Os atendimentos aconteceram to<strong>da</strong>s às terças-feiras, no perío<strong>do</strong> matutino, orienta<strong>da</strong>s apartir <strong>da</strong> abor<strong>da</strong>gem Fenomenológica Existencialista.A Uni<strong>da</strong><strong>de</strong> Básica <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong>, local <strong>do</strong> estágio, presta serviços <strong>de</strong> atenção primária, <strong>de</strong>prevenção e promoção em saú<strong>de</strong> e tem sua organização e funcionamento <strong>da</strong> orienta<strong>do</strong>s pelosprincípios <strong>do</strong> Sistema Único <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> (SUS). Ten<strong>do</strong> si<strong>do</strong> cria<strong>do</strong> conforme a Constituição Fe<strong>de</strong>ralpromulga<strong>da</strong> no ano <strong>de</strong> 1988, o SUS “não é um serviço ou uma instituição, mas um Sistema quesignifica um conjunto <strong>de</strong> uni<strong>da</strong><strong>de</strong>s, serviços e ações que interagem para um fim comum” (BRASIL,2003).O SUS tem como meta criar políticas públicas <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> que integrem o campo <strong>de</strong> açãosocial <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> orienta<strong>do</strong> para a melhoria <strong>da</strong>s condições <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> <strong>da</strong> população e <strong>do</strong>s ambientesnatural, social e <strong>do</strong> trabalho. Sua tarefa específica em relação às políticas públicas <strong>da</strong> área socialconsistiu em organizar as funções públicas governamentais para a promoção, proteção erecuperação <strong>da</strong> saú<strong>de</strong> <strong>do</strong>s indivíduos e <strong>da</strong> coletivi<strong>da</strong><strong>de</strong>. Ain<strong>da</strong>, sua implantação é <strong>de</strong>responsabili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> União, <strong>do</strong>s Esta<strong>do</strong>s e municípios, ten<strong>do</strong> como princípios a universali<strong>da</strong><strong>de</strong> (asaú<strong>de</strong> é direito <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s e <strong>de</strong>ver <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>), a integrali<strong>da</strong><strong>de</strong> (o ser humano é entendi<strong>do</strong> como umto<strong>do</strong> e precisa ser atendi<strong>do</strong> por um sistema que abranja este to<strong>do</strong>), e a eqüi<strong>da</strong><strong>de</strong> no acesso às ações eserviços.No momento em que o SUS começou a ser implanta<strong>do</strong> no Brasil, as ações em saú<strong>de</strong>,conforme orientação <strong>da</strong> OMS (1964), precisariam ser direciona<strong>da</strong>s para o foco <strong>da</strong> promoção <strong>de</strong>saú<strong>de</strong>, compreen<strong>de</strong>n<strong>do</strong> que, conforme cita Gonçalves (1997, apud KAHHALE, 2003, p. 167),“saú<strong>de</strong> envolve uma atitu<strong>de</strong> ativa <strong>de</strong> fazer face às dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>do</strong> meio físico, psíquico e social, <strong>de</strong>enten<strong>de</strong>r sua existência e, portanto, <strong>de</strong> lutar contra elas” e que, para promover a saú<strong>de</strong> <strong>da</strong> população,seria necessário consi<strong>de</strong>rar saú<strong>de</strong> como um projeto social, significan<strong>do</strong> “a exploração <strong>de</strong> novaspossibili<strong>da</strong><strong>de</strong>s pelas vonta<strong>de</strong>s humanas, por meio <strong>da</strong> oposição <strong>da</strong> imaginação ao que existe, em


4nome <strong>de</strong> algo radicalmente melhor para a humani<strong>da</strong><strong>de</strong>” (SOUZA, 1999 apud KAHHALE, 2003, p.168). Tentan<strong>do</strong> criar ações volta<strong>da</strong>s para a participação <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong><strong>de</strong>, analisan<strong>do</strong> a história social<strong>da</strong>s <strong>do</strong>enças, surgiu ain<strong>da</strong> a necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> orientar as ações a partir <strong>do</strong> estu<strong>do</strong> <strong>do</strong> perfilepi<strong>de</strong>miológico <strong>do</strong>s processos <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> e <strong>do</strong>ença, pois a partir <strong>de</strong>le ter-se-ia parâmetros <strong>de</strong>enfretamentos <strong>da</strong>s priori<strong>da</strong><strong>de</strong>s em saú<strong>de</strong> e seria possível não ce<strong>de</strong>r aos postula<strong>do</strong>s teóricome<strong>do</strong>tológicose práticos <strong>da</strong> saú<strong>de</strong> pública oficial e <strong>da</strong> medicina hegemônica (KAHHALE, 2003).Foi neste contexto que a Psicologia teve sua inserção nas Uni<strong>da</strong><strong>de</strong>s Básicas <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong>, ten<strong>do</strong>ocorri<strong>do</strong> através <strong>de</strong> um processo <strong>de</strong> busca por pensar a saú<strong>de</strong> como um processo coletivo,possibilitan<strong>do</strong> o seu controle social. Segun<strong>do</strong> Kahhale (2003, p. 184) “a inserção <strong>do</strong> psicólogo nosserviços públicos <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> ocorre no momento em que, ao mesmo tempo, há um movimento geral<strong>da</strong>s nações e, especificamente no Brasil, um movimento no interior <strong>da</strong> própria psicologia com o<strong>de</strong>senvolvimento <strong>da</strong> psicologia social comunitária”. Neste senti<strong>do</strong>, o trabalho <strong>do</strong> profissional nestesetor envolve “um processo <strong>de</strong> recriar senti<strong>do</strong>s e refazer projetos <strong>de</strong> vi<strong>da</strong>, o que permitiráapropriação <strong>da</strong> subjetivi<strong>da</strong><strong>de</strong> individual e social [...]” (KAHHALE, 2003, p. 188).Portanto, o psicólogo na re<strong>de</strong> básica <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> atuaria na organização <strong>do</strong>s serviços <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>preconiza<strong>da</strong> pelo Sistema Único <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> (SUS) que pressupõe uma re<strong>de</strong> <strong>de</strong> serviços integra<strong>da</strong> eregionaliza<strong>da</strong>, composta neste primeiro nível por uni<strong>da</strong><strong>de</strong>s básicas <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> (responsáveis peloatendimento primário). Seguin<strong>do</strong> a hierarquização <strong>do</strong>s atendimentos, conforme diretrizes <strong>do</strong> SUS,estariam a re<strong>de</strong> <strong>de</strong> ambulatórios (atenção secundária) e re<strong>de</strong> <strong>de</strong> hospitais cujos níveis vão <strong>de</strong>s<strong>de</strong> asações preventivas ou remediativas <strong>de</strong> baixa complexi<strong>da</strong><strong>de</strong> (na atenção primária) às açõesespecializa<strong>da</strong>s, que requerem seguimento (atenção secundária) até as ações especializa<strong>da</strong>sespecíficas <strong>da</strong>s situações hospitalares (atenção terciária).Conforme lembra Kahhale (2003), as ações em saú<strong>de</strong>, principalmente aquelas que estãorelaciona<strong>da</strong>s à sua promoção (realiza<strong>da</strong> fun<strong>da</strong>mentalmente nas uni<strong>da</strong><strong>de</strong>s básicas <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>), precisamconstruir intervenções diretas nas comuni<strong>da</strong><strong>de</strong>s, visan<strong>do</strong> <strong>de</strong>senvolver estratégias pessoais e coletivas<strong>de</strong> enfrentamento <strong>da</strong>s dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s relaciona<strong>da</strong>s aos processos <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>/<strong>do</strong>ença. Isso porque, comocita Kahhale (2003, p.167),saú<strong>de</strong> não é <strong>da</strong><strong>da</strong>, mas é uma conquista <strong>de</strong> ca<strong>da</strong> um, <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong><strong>de</strong> e <strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong> em geral.Envolve uma ‘atitu<strong>de</strong> ativa <strong>de</strong> fazer face às dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>do</strong> meio físico, psíquico e social, <strong>de</strong>enten<strong>de</strong>r sua existência e, portanto, <strong>de</strong> lutar contra eles’. Viver <strong>da</strong> melhor forma possível<strong>de</strong>ntro <strong>da</strong> limitação implica em ser ativo e não conforma<strong>do</strong>.A partir <strong>da</strong> compreensão <strong>de</strong> que saú<strong>de</strong> é uma margem <strong>de</strong> tolerância às infi<strong>de</strong>li<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>do</strong> meioe que o sujeito sadio não foge <strong>do</strong>s problemas causa<strong>do</strong>s por alterações <strong>de</strong> seus hábitos, tem-se quealcançar um esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> significa ir busca <strong>da</strong> capaci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> superar crises, não só orgânicas,mas psicológicas e sociais, para instaurar uma nova organização na vi<strong>da</strong> <strong>do</strong>s indivíduos


5(CANGUILHEM, 1982). Portanto, a partir <strong>de</strong>sta perspectiva, o trabalho <strong>de</strong> psicoterapia individual<strong>de</strong>senvolvi<strong>do</strong> nesse campo <strong>de</strong> estágio teve como base a compreensão <strong>de</strong> que ser saudável significaser capaz <strong>de</strong> participar <strong>do</strong> processo <strong>de</strong> construção <strong>da</strong> organização <strong>de</strong> eventos que acrescentem egarantam quali<strong>da</strong><strong>de</strong> à sua vi<strong>da</strong> e, sobretu<strong>do</strong>, ao gerenciamento <strong>de</strong>la, na autoria e assunção <strong>da</strong>responsabili<strong>da</strong><strong>de</strong> por suas escolhas e na compreensão <strong>de</strong> uma abor<strong>da</strong>gem biopsicossocial em saú<strong>de</strong>.Consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong>, ain<strong>da</strong>, que a psicoterapia na abor<strong>da</strong>gem existencialista fenomenológica temcomo objetivo a alteração <strong>da</strong> personali<strong>da</strong><strong>de</strong>, para que o indivíduo se instrumentalize em sua ação nomun<strong>do</strong>, os processos <strong>de</strong> psicoterapia <strong>de</strong>senvolvi<strong>do</strong>s neste estágio tiveram como fim último que, aofinal <strong>do</strong> processo psicoterápico, os indivíduos tivessem se torna<strong>do</strong> capazes <strong>de</strong> transcen<strong>de</strong>r suasdificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s, estan<strong>do</strong> conscientes <strong>de</strong> que ca<strong>da</strong> escolha que fizessem teria implicação em se projeto<strong>de</strong>-ser.Ten<strong>do</strong> busca<strong>do</strong> re<strong>de</strong>finir este projeto, a psicoterapia visou, finalmente, que ca<strong>da</strong> sujeitopu<strong>de</strong>sse retomar seu ser em suas mãos, superan<strong>do</strong> dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s e viabilizan<strong>do</strong>-os em seus <strong>de</strong>sejo-<strong>de</strong>ser.A seguir, estão <strong>de</strong>scritas a caracterização <strong>do</strong> local <strong>de</strong> estágio, as ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong>senvolvi<strong>da</strong>s e,finalmente, as consi<strong>de</strong>rações finais acerca <strong>do</strong> trabalho.


3 ATIVIDADES DESENVOLVIDAS8No mês <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2007 tiveram início as supervisões <strong>de</strong>ste estágio, com o objetivo <strong>de</strong>planejar as intervenções a serem realiza<strong>da</strong>s na Uni<strong>da</strong><strong>de</strong> Básica <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong>. Des<strong>de</strong> então, assupervisões ocorreram semanalmente, para relato <strong>de</strong> atendimentos, indicação <strong>de</strong> leituras,orientações quanto às intervenções já realiza<strong>da</strong>s e planejamento <strong>da</strong>s sessões seguintes, visto que aPsicoterapia Individual na abor<strong>da</strong>gem existencialista <strong>de</strong> Sartre requer que o terapeuta tenhaobjetivos traça<strong>do</strong>s tanto para a terapia enquanto processo como para ca<strong>da</strong> sessão em particular.Assim, ten<strong>do</strong> os atendimentos ocorri<strong>do</strong>s com base na Psicologia FenomenológicaExistencialista, tem-se que esta teoria enten<strong>de</strong> o sujeito como sen<strong>do</strong> um “ser-no-mun<strong>do</strong>”, o quesignifica que ele é <strong>do</strong>ta<strong>do</strong> <strong>de</strong> um corpo e <strong>de</strong> uma consciência, através e pelos quais relaciona-se coma exteriori<strong>da</strong><strong>de</strong>, estabelecen<strong>do</strong> relações que caracterizam sua existência. A partir <strong>do</strong> estabelecimento<strong>da</strong>s relações com o outro, que irão mediar 3 suas relações com as coisas, com o tempo e com seupróprio corpo, é que o sujeito irá constituir sua subjetivi<strong>da</strong><strong>de</strong> (SARTRE, 1978).Dessa forma, a concepção <strong>de</strong> homem que subjaz na teoria sartreana é histórica e dialética,segun<strong>do</strong> a qual o sujeito só po<strong>de</strong> ser compreendi<strong>do</strong> levan<strong>do</strong>-se em consi<strong>de</strong>ração sua históriaindividual e o seu contexto social e cultural, ten<strong>do</strong> como fun<strong>do</strong> <strong>de</strong> sustentação a noção <strong>de</strong> que ele“se faz e é feito” no/por esse conjunto <strong>de</strong> fatores (SCHNEIDER, 2002). Sen<strong>do</strong> assim, se faz “umsujeito singular/original, já que po<strong>de</strong> se fazer diferente <strong>do</strong> que a história fez <strong>de</strong>le, e se faz, ao mesmotempo, um sujeito universal, já que contém a história <strong>da</strong> humani<strong>da</strong><strong>de</strong> em si, e se encontra aberto auma diversi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> possibili<strong>da</strong><strong>de</strong>s em <strong>curso</strong>” (MAHEIRIE; PRETTO, 2007, p. 2).Ain<strong>da</strong>, segun<strong>do</strong> Sartre (1978), os seres humanos são seres sociais por excelência. A estruturasocial em que o indivíduo está inseri<strong>do</strong> fornece o horizonte no qual encontrará os parâmetros paraconstruir sua singulari<strong>da</strong><strong>de</strong>, aproprian<strong>do</strong>-se ativamente <strong>de</strong>sse conjunto <strong>de</strong> práticas sociais, <strong>de</strong>valores, <strong>de</strong> conhecimentos, <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ologias, <strong>de</strong> afetivi<strong>da</strong><strong>de</strong>s, histórica e culturalmente constituí<strong>da</strong>s.To<strong>da</strong>s as mediações a que os indivíduos estão sujeitos, na medi<strong>da</strong> em que vão se <strong>de</strong>senvolven<strong>do</strong>,começam a ser apropria<strong>da</strong>s <strong>de</strong> forma reflexiva, constituin<strong>do</strong> assim, a inteligibili<strong>da</strong><strong>de</strong> que terá <strong>de</strong> simesmo. Ou seja, é através <strong>da</strong> reflexão que o sujeito estabelece um entendimento <strong>de</strong> como age,pensa e sente, sen<strong>do</strong> esta inteligibili<strong>da</strong><strong>de</strong> construí<strong>da</strong> pela apropriação singular que o sujeito faz <strong>do</strong>s3 A idéia <strong>de</strong> mediação em Sartre está fun<strong>da</strong>menta<strong>da</strong> no materialismo histórico-dialético, que compreen<strong>de</strong> o<strong>de</strong>senvolvimento humano como resulta<strong>do</strong> <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>do</strong> indivíduo sobre seu meio. Desta forma, o homem age sobre ascondições materiais e históricas em que está inseri<strong>do</strong>, tornan<strong>do</strong>-se produto e produtor <strong>da</strong> situação objetiva em que seinsere e a partir <strong>da</strong> qual po<strong>de</strong>rá, posteriormente, superar o que está <strong>da</strong><strong>do</strong>. Para realizar esta ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>, o homem utilizaferramentas media<strong>do</strong>ras - as condições materiais, sociais, familiares e existenciais concretas em que está inseri<strong>do</strong>-, quecompõem o conjunto <strong>de</strong> instrumentos que dispõe para alterar sua situação (Sartre, 1978).


10la<strong>do</strong>, <strong>de</strong> uma recor<strong>da</strong>ção duvi<strong>do</strong>sa que ten<strong>de</strong>ria a fazer crer que o Eu está ausente <strong>da</strong> consciênciairreflecti<strong>da</strong>” (SARTRE, 1994, p. 52). Assim, a reflexão modifica a consciência espontânea, trazen<strong>do</strong>o eu como objeto <strong>de</strong> reflexão, sain<strong>do</strong> <strong>de</strong> uma experiência <strong>de</strong> consciência <strong>de</strong> primeiro grau para outra<strong>de</strong> segun<strong>do</strong> grau.Finalmente, para Sartre (1978, p. 19), só há reali<strong>da</strong><strong>de</strong> na ação: “o homem [...] só existe namedi<strong>da</strong> em que se realiza, não é, portanto, na<strong>da</strong> mais <strong>do</strong> que o conjunto <strong>do</strong>s seus atos, na<strong>da</strong> mais <strong>do</strong>que a sua vi<strong>da</strong>”. As ações são, portanto, concretas e transcen<strong>de</strong>ntes e “mesmo as ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>spsíquicas são ações concretas no mun<strong>do</strong>, participam <strong>de</strong>le, transformam-no” (SCHNEIDER, 2002, p.205).Assim, enten<strong>de</strong>n<strong>do</strong> que “a significação <strong>de</strong> qualquer <strong>de</strong>sejo ou escolha empírica sempretranscen<strong>de</strong> em direção ao projeto <strong>de</strong> ser” (SCHNEIDER, 2002), e consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> que to<strong>da</strong> a ação <strong>do</strong>homem o leva ao futuro e ao seu projeto, tem-se que, ao mover-se no mun<strong>do</strong>, o sujeito po<strong>de</strong>ráencontrar dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s que, <strong>de</strong> alguma forma, po<strong>de</strong>m inviabilizá-lo neste projeto. Nestes momentos<strong>de</strong> dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s, em que o sujeito vê seu projeto ameaça<strong>do</strong>, po<strong>de</strong>m surgir as complicaçõespsicológicas, e que dizem respeito justamente ao movimento <strong>do</strong> homem no mun<strong>do</strong>.Construin<strong>do</strong> sua personali<strong>da</strong><strong>de</strong> através <strong>de</strong> um processo <strong>de</strong> subjetivação <strong>da</strong> objetivi<strong>da</strong><strong>de</strong> eobjetivação <strong>da</strong> subjetivi<strong>da</strong><strong>de</strong>, o sujeito estará sempre fazen<strong>do</strong> escolhas em meio a uma reali<strong>da</strong><strong>de</strong> queé cheia <strong>de</strong> contradições. Nela, escolher algo significa necessariamente renunciar a outra opção.Assim, segun<strong>do</strong> Schnei<strong>de</strong>r (2002, p. 291) “a ‘complicação psicológica é, portanto, umacontecimento concreto na vi<strong>da</strong> <strong>do</strong> sujeito, que o leva a experimentar uma ‘contradição <strong>de</strong> ser’. Areali<strong>da</strong><strong>de</strong> lhe apresenta diferentes possibili<strong>da</strong><strong>de</strong>s, e seja qual for o la<strong>do</strong> para o qual se dirigir, seu serestá comprometi<strong>do</strong>”.Sentin<strong>do</strong>-se pressiona<strong>do</strong> a escolher diante <strong>de</strong>ssas contradições, o sujeito po<strong>de</strong>, assim,experimentar uma angústia diante <strong>de</strong>stes impasses. Esta experiência ocorre em nível <strong>de</strong> corpo econsciência, afetan<strong>do</strong> as emoções, os afetos e os <strong>de</strong>sejos <strong>do</strong> sujeito e que, naquele momento, colocato<strong>do</strong> o seu ser em cheque (SCHNEIDER, 2002). A escolha que o sujeito fizer nesta situação,portanto, terá necessariamente implicações em seu projeto <strong>de</strong> ser. Assim, “a complicaçãopsicológica passa, portanto, pela insegurança na realização <strong>do</strong> projeto, ou ain<strong>da</strong>, pela inviabilização<strong>do</strong> projeto e <strong>do</strong> <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> ser” (i<strong>de</strong>m, p. 295).Assim, to<strong>da</strong> complicação psicológica po<strong>de</strong>rá ser compreendi<strong>da</strong> na medi<strong>da</strong> em que sejapossível conhecer a história <strong>do</strong> sujeito, a história <strong>de</strong> suas relações e a inteligibili<strong>da</strong><strong>de</strong> que eledirecionou às ocorrências experiencia<strong>da</strong>s psicofisicamente. Será necessário, ain<strong>da</strong>, compreen<strong>de</strong>rcomo este sujeito se fez e <strong>de</strong> como vem organizan<strong>do</strong> seu movimento no mun<strong>do</strong>, para que se<strong>de</strong>marque o que o levou a sentir-se inseguro quanto à realização <strong>de</strong> seu projeto. Esse é o caminhoque levará a um trabalho efetivo em psicoterapia, através <strong>do</strong> qual será possível alterar sua


11personali<strong>da</strong><strong>de</strong> e superar as dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s enfrenta<strong>da</strong>s, para que seu projeto seja reorganiza<strong>do</strong> eretoma<strong>do</strong> (SCHNEIDER, 2002).É neste momento, então, em que o indivíduo, ao ver-se inviabiliza<strong>do</strong> diante <strong>de</strong> seu <strong>de</strong>sejo,po<strong>de</strong> vir a procurar pela terapia, como fonte <strong>de</strong> auxílio para a superação <strong>de</strong> sua condição <strong>de</strong>sofrimento. A partir disto, tem-se que, fun<strong>da</strong>mentalmente, os sujeitos que buscaram peloatendimento psicológico na Uni<strong>da</strong><strong>de</strong> Básica <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong>, atendi<strong>do</strong>s através <strong>de</strong>ste estágio,encontravam-se diante <strong>de</strong> impasses e experimentavam o sofrimento <strong>de</strong> vivenciar suas possibili<strong>da</strong><strong>de</strong>s<strong>de</strong> vi<strong>da</strong> como únicas, necessitan<strong>do</strong> <strong>de</strong> uma mediação crítica para reavaliarem seus projetos-<strong>de</strong>-ser e,portanto, refletir sobre suas escolhas.Em sua maioria, os pacientes atendi<strong>do</strong>s vieram encaminha<strong>do</strong>s por profissionais <strong>da</strong> saú<strong>de</strong> e,ain<strong>da</strong>, acompanha<strong>do</strong>s <strong>de</strong> um responsável, pois a maior parte <strong>do</strong>s casos constou <strong>de</strong> crianças comi<strong>da</strong><strong>de</strong>s entre 6 e 8 anos. A seguir, está <strong>de</strong>scrito <strong>de</strong>talha<strong>da</strong>mente um <strong>de</strong>stes casos e, em segui<strong>da</strong>, estãosucintamente discuti<strong>do</strong>s os casos <strong>de</strong> outros pacientes atendi<strong>do</strong>s durante o perío<strong>do</strong> <strong>de</strong> estágio.


4 ESTUDOS DE CASO124.1 Estu<strong>do</strong> <strong>de</strong> Caso 1A Psicoterapia Individual com base existencialista tem por objetivo alterar umapersonali<strong>da</strong><strong>de</strong>. “Uma mu<strong>da</strong>nça <strong>de</strong> personali<strong>da</strong><strong>de</strong> implica numa reflexão crítica, a qual possibilita aresignificação <strong>do</strong> passa<strong>do</strong> e a reestruturação <strong>do</strong> futuro”, em que a meta principal é colocar o ser <strong>do</strong>sujeito em suas mãos (TRAFANI, 1992, p. 3). Compreen<strong>de</strong>n<strong>do</strong> que o homem constrói sua própriahistória, o existencialismo apreen<strong>de</strong> o indivíduo como um ser capaz <strong>de</strong> fazer escolhas e que po<strong>de</strong>ser instrumentaliza<strong>do</strong> em sua ação no mun<strong>do</strong>, para que, ao final <strong>do</strong> processo psicoterápico, se tornecapaz <strong>de</strong> transcen<strong>de</strong>r suas dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s e ter seu projeto em suas mãos (PRETTO, 2004).O processo psicoterápico inicia-se através <strong>de</strong> um processo <strong>de</strong> investigação científica, cujoponto <strong>de</strong> parti<strong>da</strong> é sempre a queixa trazi<strong>da</strong> pelo cliente e que visa sempre conhecer a história <strong>do</strong>sujeito. Segun<strong>do</strong> a teoria <strong>de</strong> Sartre (1978), para conhecer o indivíduo, é preciso investigar osaspectos <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> concreta <strong>do</strong> sujeito, e este processo terá início a partir <strong>da</strong> <strong>de</strong>marcação <strong>de</strong>fenômenos, que são ocorrências <strong>da</strong>s quais o sujeito faz uma inteligibili<strong>da</strong><strong>de</strong>. A partir <strong>da</strong>i<strong>de</strong>ntificação <strong>do</strong>s fenômenos, será possível estabelecer que variáveis o compõem e como elas serelacionam entre si, para que o terapeuta consiga elaborar e testar hipóteses, para que o trabalho <strong>de</strong>mu<strong>da</strong>nça em terapia possa se efetuar.Desta forma, o méto<strong>do</strong> <strong>da</strong> terapia é sempre fenomenológico e sempre dialético.Fenomenológico porque compreen<strong>de</strong> o fenômeno como um conjunto <strong>de</strong> aspectos ou variáveis quese articulam entre si e que, para estudá-lo, irá tentar compreen<strong>de</strong>r quais são essas variáveis e comoelas se articulam. Faz isso “in<strong>do</strong> às coisas mesmas”, <strong>de</strong>screven<strong>do</strong> os fenômenos. E é dialéticoporque compreen<strong>de</strong> o sujeito como singular/universal: há o que o sujeito apreen<strong>de</strong> <strong>da</strong> reali<strong>da</strong><strong>de</strong>,subjetivan<strong>do</strong>-a, mas há também uma situação em que este sujeito se encontra, ou seja, num<strong>de</strong>termina<strong>do</strong> contexto histórico, cultural, social e econômico e que fornece condições específicaspara que ele se constitua (SCHNEIDER, 2002).Ain<strong>da</strong>, para que se possa conhecer o projeto <strong>de</strong> um sujeito, utiliza-se o méto<strong>do</strong> sartreano,que se <strong>de</strong>lineia a partir <strong>de</strong> três aspectos: o comparativo, o compreensivo e o progressivo-regressivo.O méto<strong>do</strong> sartreano é comparativo porque compara o sujeito com ele mesmo, em seus diferentesperfis, em diferentes situações e momentos <strong>de</strong> sua vi<strong>da</strong>. Compara, assim, pensamentos, sentimentos,ações, atitu<strong>de</strong>s, etc, buscan<strong>do</strong> i<strong>de</strong>ntificar regulari<strong>da</strong><strong>de</strong>s, ou seja, variáveis que po<strong>de</strong>m ser<strong>de</strong>terminantes <strong>do</strong>s fenômenos, pois se apresentam constantemente presentes, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente


13<strong>da</strong>s situações, e que, por isso, precisam sofrer modificação. È também compreensivo ou sintético,porque busca as sínteses realiza<strong>da</strong>s pelo sujeito, compreen<strong>de</strong>n<strong>do</strong> sua história “por <strong>de</strong>ntro” e é,finalmente, progressivo-regressivo, pois “<strong>de</strong>ve situar os aspectos objetivos (época, cultura,socie<strong>da</strong><strong>de</strong>, nível social, estrutura familiar, etc.) que <strong>de</strong>finem os contornos <strong>do</strong> ser <strong>de</strong> um sujeitoconcreto, reenvian<strong>do</strong>-os ao mesmo tempo, à sua subjetivi<strong>da</strong><strong>de</strong>, a fim <strong>de</strong> se compreen<strong>de</strong>r aapropriação peculiar <strong>de</strong>sses aspectos mais universais” (SCHNEIDER, 2002, p. 303). Ou seja, oaspecto progressivo-regressivo apreen<strong>de</strong> o sujeito como singular/universal, individual/coletivo,compreen<strong>de</strong>n<strong>do</strong> também que ele se constrói num movimento <strong>de</strong> relação com a temporali<strong>da</strong><strong>de</strong>, ouseja, que o sujeito se apresenta uma síntese dialética <strong>da</strong>s experiências passa<strong>da</strong>s, presentes e futuras.Dessa forma, o estu<strong>do</strong> <strong>de</strong> caso apresenta<strong>do</strong> a seguir tem como objetivo apresentar o trabalhorealiza<strong>do</strong> em terapia, construí<strong>do</strong> a partir <strong>da</strong>s orientações meto<strong>do</strong>lógicas e técnicas <strong>da</strong> abor<strong>da</strong>gemfenomenológica existencialista. Fun<strong>da</strong>mentalmente, to<strong>do</strong> o processo <strong>de</strong>scrito a seguir teve comopropósito compreen<strong>de</strong>r a personali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>do</strong> paciente, buscan<strong>do</strong> especificar as variáveis queocorreram ao longo <strong>de</strong> sua vi<strong>da</strong> <strong>de</strong> relações, esclarecen<strong>do</strong> seus processos <strong>de</strong>totalizações/<strong>de</strong>stotalizações/retotalizações. A terapia teve assim, como fim último, instrumentalizaro sujeito, para que fosse capaz <strong>de</strong> superar as dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s que iria encontrar em seu dia-a-dia, aolongo <strong>de</strong> sua existência, e para que fosse capaz <strong>de</strong> concretizar seu <strong>de</strong>sejo-<strong>de</strong>-ser, através <strong>da</strong>viabilização <strong>de</strong> seu projeto.4.1.2 Da<strong>do</strong>s <strong>de</strong> I<strong>de</strong>ntificação <strong>do</strong> PacienteO paciente chegou à terapia com sete anos <strong>de</strong> i<strong>da</strong><strong>de</strong>. Morava com os pais, sen<strong>do</strong> o paimestre-<strong>de</strong>-obras e a mãe, <strong>do</strong>na <strong>de</strong> casa. Tinha um irmão <strong>de</strong> 14 anos <strong>de</strong> i<strong>da</strong><strong>de</strong>. A mãe já haviaprocura<strong>do</strong> atendimento psicológico para este filho mais velho e, portanto, já tinha algumconhecimento sobre a meto<strong>do</strong>logia <strong>de</strong> trabalho <strong>de</strong> um psicólogo.4.1.3 Problemática e Compreensão <strong>do</strong> casoO paciente foi leva<strong>do</strong> à terapia por sua mãe, a partir <strong>de</strong> um encaminhamento realiza<strong>do</strong> porum médico <strong>do</strong> Programa <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> <strong>da</strong> Família <strong>de</strong> um <strong>centro</strong> <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> próximo à UBS, por motivo <strong>de</strong>“agressivi<strong>da</strong><strong>de</strong>”. Contu<strong>do</strong>, na primeira entrevista, na presença <strong>do</strong> paciente, a mãe referiu queixas


14difusas, dizen<strong>do</strong> que o filho era uma criança “volúvel, <strong>de</strong> humor instável”, sen<strong>do</strong> verbalmenteagressivo e não gostar <strong>de</strong> brinca<strong>de</strong>iras “tão normais”, como <strong>de</strong> bola, pois gostava <strong>de</strong> fazer trabalhosmanuais e <strong>de</strong> escrever o tempo to<strong>do</strong> quan<strong>do</strong> estava em casa.Investigan<strong>do</strong>-se a história <strong>do</strong> paciente e <strong>de</strong> sua família, foi relata<strong>do</strong> que a gravi<strong>de</strong>z <strong>do</strong>paciente foi vivi<strong>da</strong> pela mãe com muita dificul<strong>da</strong><strong>de</strong> e necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> repouso. Ao nascer, mãe efilho tiveram incompatibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> sangue A B O, o que causou icterícia ao bebê. Ain<strong>da</strong>, o paciente,segun<strong>do</strong> ela, foi sempre muito frágil e precisou <strong>de</strong> cui<strong>da</strong><strong>do</strong>s que fizeram com que ela se <strong>de</strong>dicasseexclusivamente a ele; disse que o filho falava muito e exigia muito <strong>de</strong>la. Assim, a criança cresceu“gru<strong>da</strong><strong>da</strong> à mãe”, gostan<strong>do</strong> <strong>de</strong> brincar em casa, sen<strong>do</strong> muito criativo e ativo, escreven<strong>do</strong> livros e nãocompartilhan<strong>do</strong> <strong>de</strong> brinca<strong>de</strong>iras “normais”, como <strong>de</strong> bola. Contu<strong>do</strong>, na escola, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a primeirasérie não queria mais escrever, relutan<strong>do</strong> também para realizar os <strong>de</strong>veres <strong>de</strong> casa. Neste momento,o paciente relatou que em casa não precisava “olhar para o quadro”. Com relação aos <strong>de</strong>maismembros <strong>da</strong> família, a mãe relatou ter um outro filho, <strong>de</strong> 14 anos – que já havia si<strong>do</strong> atendi<strong>do</strong> poruma psicóloga, mas que a mãe preferiu não mencionar o motivo naquele momento - e que seumari<strong>do</strong> era pedreiro, sen<strong>do</strong> também volúvel, relatan<strong>do</strong> que “nunca sei como ele vai chegar em casae isso me <strong>de</strong>ixa nervosa; ele <strong>de</strong>scarrega as tensões com o sexo e pra mim é o contrário, quan<strong>do</strong> eleestá assim eu não quero. Então me <strong>de</strong>s<strong>do</strong>bro tentan<strong>do</strong> disfarçar, queria até ter um quarto pra<strong>do</strong>rmir, eu tento sempre me controlar, apaziguar, mas ele é agressivo verbalmente. É um bom pai,dá <strong>de</strong> tu<strong>do</strong>, mas muitas vezes sai <strong>de</strong> si e fala bobagem, <strong>de</strong>pois se arrepen<strong>de</strong> e pe<strong>de</strong> <strong>de</strong>sculpas. Mas afamília <strong>de</strong>le é ignorante, o pai <strong>de</strong>le era alcoólatra, acho que vem <strong>de</strong> família ser nervoso, vem nosangue. Eu também sou nervosa, na ver<strong>da</strong><strong>de</strong>, minhas unhas vivem um toco, sofro <strong>de</strong> <strong>de</strong>pressão, umirmão <strong>da</strong> minha mãe é esquizofrênico, meu humor é bipolar e tem horas que eu não quero que ascrianças falem comigo”.Diante <strong>de</strong>ste relato que apresentava aspectos importantes a serem investiga<strong>do</strong>s sobre ahistória e a dinâmica familiar <strong>do</strong> paciente, a mãe foi solicita<strong>da</strong> a comparecer sozinha na sessãoseguinte, para investigar o motivo pelo qual o filho mais velho havia realiza<strong>do</strong> psicoterapia, eluci<strong>da</strong>ro acontecimento recente que havia leva<strong>do</strong> à busca pela terapia e, ain<strong>da</strong>, como a mãe haviasignifica<strong>do</strong> a história <strong>de</strong> dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s com os primeiros cui<strong>da</strong><strong>do</strong>s <strong>do</strong> filho, logo ao nascer. Assim,ten<strong>do</strong> compareci<strong>do</strong> sozinha à segun<strong>da</strong> sessão, a mãe relatou que há alguns meses, havia <strong>de</strong>scobertoo filho brincan<strong>do</strong> <strong>de</strong> “médico” com um primo <strong>de</strong> sete anos, ocasião em que ambos estavam nus etocavam-se em seus órgãos genitais. Ten<strong>do</strong> fica<strong>do</strong> preocupa<strong>da</strong>, conversou com o filhoquestionan<strong>do</strong>-o sobre a freqüência <strong>da</strong>quelas brinca<strong>de</strong>iras, quan<strong>do</strong> o paciente relatou serem comuns.Este acontecimento, soma<strong>do</strong> às <strong>de</strong>mais queixas foi, segun<strong>do</strong> ela, “a gota d´água” para quetrouxesse o filho à terapia.


15A mãe <strong>do</strong> paciente relatou, ain<strong>da</strong>, que seu sobrinho havia ti<strong>do</strong> contato com revistaspornográficas, pertencentes ao tio <strong>de</strong>le, cunha<strong>do</strong> <strong>de</strong>la (irmão <strong>do</strong> mari<strong>do</strong>), e que outra sobrinha<strong>de</strong>monstrava também comportamento precoce com relação à sexuali<strong>da</strong><strong>de</strong> e que a família <strong>de</strong> seumari<strong>do</strong> não se preocupava em orientar as crianças com relação a este assunto. Sua maiorpreocupação, segun<strong>do</strong> ela, era <strong>de</strong> que o filho pu<strong>de</strong>sse vir a sofrer algum abuso por parte <strong>de</strong> algumadulto, ou que isso voltasse a acontecer com outros meninos, inclusive com o irmão. Relatou ain<strong>da</strong>que o irmão <strong>do</strong> paciente havia si<strong>do</strong> leva<strong>do</strong> à terapia porque, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> seus 2 anos, masturbava-se, e queas orientações forneci<strong>da</strong>s pela psicóloga permitiram que ela mediasse a sexuali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>do</strong> filho, queestava com 14 anos. Disse também que, tanto no caso <strong>do</strong> filho mais velho quanto no <strong>do</strong> paciente, opai <strong>da</strong>s crianças cobrava <strong>de</strong>la uma resolução para os problemas.Ain<strong>da</strong> com relação ao paciente, a mãe queixou-se novamente <strong>de</strong> sua falta <strong>de</strong> <strong>de</strong>dicação àescola, por não copiar as matérias durante as aulas e não realizar os <strong>de</strong>veres <strong>de</strong> casa, <strong>da</strong>agressivi<strong>da</strong><strong>de</strong>, <strong>do</strong> me<strong>do</strong> que o filho às vezes dizia sentir <strong>de</strong> <strong>do</strong>rmir com a luz apaga<strong>da</strong> e, ain<strong>da</strong>, <strong>de</strong>que ele mentia dizen<strong>do</strong> que “ninguém gosta <strong>de</strong>le, que ele é chato”. Contu<strong>do</strong>, referiu-se ao filhocomo uma criança muito inteligente, ativa e criativa, pois chegou a “<strong>de</strong>smontar o motor <strong>da</strong>máquina <strong>de</strong> costura”.A partir <strong>da</strong>s queixas <strong>da</strong> mãe <strong>do</strong> paciente, as sessões seguintes foram utiliza<strong>da</strong>s para<strong>de</strong>screver as situações em que o paciente ficava nervoso, a forma como se relacionava com asativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>da</strong> escola, com os familiares e com os amigos. Com isto, tem o início o processo <strong>de</strong>investigação <strong>do</strong>s fenômenos e <strong>da</strong>s variáveis que o compunham, com o objetivo levantar as montarum quadro <strong>da</strong> problemática a partir <strong>da</strong> queixa trazi<strong>da</strong> pelo paciente, que possibilitasse efetivar aconsecução <strong>de</strong> um trabalho científico. Visava-se, assim, montar a queixa, equacionan<strong>do</strong> o problema,elaboran<strong>do</strong> um quadro objetivo <strong>de</strong> to<strong>da</strong>s as relações <strong>do</strong> indivíduo, para saber o que precisaria sermodifica<strong>do</strong>, tanto na materiali<strong>da</strong><strong>de</strong> como na compreensão reflexiva <strong>do</strong> paciente sobre suas relaçõesna objetivi<strong>da</strong><strong>de</strong> (RIBEIRO, 1992).Segun<strong>do</strong> Ribeiro (1992), as entrevistas iniciais compõem a primeira etapa <strong>da</strong> terapia e secaracterizam por terem o “objetivo <strong>de</strong> levantar as queixas trazi<strong>da</strong>s pelo cliente, bem como montarum quadro <strong>da</strong> problemática trazi<strong>da</strong>, que possibilite efetivar a consecução <strong>de</strong> um trabalho científico”(p. 3). É neste momento que tem início a <strong>de</strong>marcação <strong>do</strong>s fenômenos, tentan<strong>do</strong> localizar o cliente,ou seja, montan<strong>do</strong> a queixa, com o intuito <strong>de</strong> equacionar o problema, montan<strong>do</strong> um quadro objetivo<strong>de</strong> to<strong>da</strong>s as relações <strong>do</strong> indivíduo, para saber o que precisará ser modifica<strong>do</strong>, tanto na materiali<strong>da</strong><strong>de</strong>como na compreensão reflexiva <strong>da</strong> pessoa sobre suas relações na objetivi<strong>da</strong><strong>de</strong> (RIBEIRO, 1992).Assim, através <strong>de</strong> investigações <strong>da</strong>s relações <strong>do</strong> sujeito, o terapeuta tem condições <strong>de</strong> montarum plano terapêutico para o processo, que se <strong>de</strong>s<strong>do</strong>brará em um plano <strong>de</strong> ativi<strong>da</strong><strong>de</strong> para ca<strong>da</strong>sessão, a ser realiza<strong>do</strong> antes <strong>de</strong> ca<strong>da</strong> atendimento. Nesta etapa <strong>da</strong>s entrevistas iniciais, é importante


16fazer com que o cliente consiga <strong>de</strong>screver os fenômenos. Muitas vezes, é preciso um trabalho <strong>de</strong>aprendiza<strong>do</strong> para isso, já que este processo implica <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> la<strong>do</strong> a reflexão ou informaçõesinteriores (redução eidética) (TRAFANI, 1992). Além disto, a <strong>de</strong>scrição <strong>de</strong> fenômenos se constituicomo um processo importante que irá ocorrer durante to<strong>do</strong> o tempo <strong>da</strong> terapia, já que é fun<strong>da</strong>mentalpara a efetivação <strong>do</strong> méto<strong>do</strong> fenomenológico.No caso <strong>de</strong>ste paciente, as sessões seguintes contaram com o uso <strong>de</strong> instrumentos como<strong>de</strong>senhos e jogos infantis, a fim <strong>de</strong> <strong>de</strong>marcar suas relações com seus familiares, com seus amigos etambém na escola. Após os primeiros atendimentos com a criança, foi possível <strong>de</strong>marcar que opaciente sentia-se sozinho, não ten<strong>do</strong> muitos amigos, pois as brinca<strong>de</strong>iras <strong>da</strong>s quais gostava – comofazer livros – eram brinca<strong>de</strong>iras solitárias, que seus colegas não gostavam <strong>de</strong> realizar ecompartilhar. As atitu<strong>de</strong>s agressivas estavam relaciona<strong>da</strong>s aos momentos em que ele insistia empraticar as ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> que gostava e nos momentos em que se <strong>de</strong>sentendia com seus colegas ecom uma prima – sua vizinha -, que queriam geralmente fazer ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>da</strong>s quais o paciente nãogostava. Com relação às dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s na escola, percebeu-se, ao longo <strong>da</strong>s entrevistas com a mãe <strong>do</strong>paciente, que esta não tinha “muita paciência” para aju<strong>da</strong>r-lhe nos <strong>de</strong>veres, ten<strong>do</strong> uma atitu<strong>de</strong> mais<strong>de</strong> exigência com relação ao filho <strong>do</strong> que <strong>de</strong> compreensão e mediação e, ain<strong>da</strong>, <strong>de</strong> cobrança comrelação aos seus erros e ao “capricho”.A mãe, que não contava com a aju<strong>da</strong> <strong>do</strong> pai para a divisão <strong>da</strong>s responsabili<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>da</strong>educação <strong>do</strong>s filhos, muitas vezes exigia que o filho se comportasse por estar cansa<strong>da</strong>, mas tambémacabava fazen<strong>do</strong> “coisas por ele” por estar cansa<strong>da</strong> e <strong>de</strong>sejar “fazer logo pra não se incomo<strong>da</strong>rmais ain<strong>da</strong>”. A história <strong>de</strong> necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> cui<strong>da</strong><strong>do</strong> por questões <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> <strong>da</strong> criança logo após seunascimento fez com que a mãe <strong>do</strong> paciente tomasse os cui<strong>da</strong><strong>do</strong>s <strong>de</strong>le para si, o que fez com que “se<strong>do</strong>asse muito, esquecen<strong>do</strong> até <strong>de</strong> si mesma”, o que representou o início <strong>da</strong> construção <strong>de</strong> umarelação <strong>de</strong> <strong>de</strong>pendência entre ambos e que naquele momento gerava na mãe uma dificul<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>permitir ao filho a crescente conquista <strong>de</strong> in<strong>de</strong>pendência. Dessa forma, o cotidiano <strong>da</strong> mãe erapreenchi<strong>do</strong> por ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s basicamente relaciona<strong>da</strong>s à materni<strong>da</strong><strong>de</strong>, geran<strong>do</strong> uma centrali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>steperfil em sua vi<strong>da</strong> e também na <strong>do</strong> filho, que se por um la<strong>do</strong> criava uma <strong>de</strong>pendência <strong>da</strong> presençaum <strong>do</strong> outro, gerava também conflitos em função <strong>de</strong> não haver espaço para a realização em outrosperfis. Portanto, gran<strong>de</strong> parte <strong>da</strong>s queixas <strong>da</strong> mãe com relação ao paciente – em seu perfil <strong>de</strong> filho –relacionavam-se com o fato <strong>de</strong> que seu olhar era potencializa<strong>do</strong> pela sua presença constante no diaa-dia<strong>de</strong>le.Assim, a partir <strong>da</strong>s contradições <strong>de</strong> uma reali<strong>da</strong><strong>de</strong> que é sempre dialética, compreen<strong>de</strong>u-seque o paciente, diante <strong>da</strong>s exigências que a mãe lhe fazia, <strong>de</strong> “saber fazer” tu<strong>do</strong> o que <strong>de</strong>le eraespera<strong>do</strong>, bem como “<strong>de</strong> estar pronto” para não <strong>de</strong>man<strong>da</strong>r <strong>do</strong>s pais a atenção requeri<strong>da</strong> por qualquercriança que está em fase <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento, estava geran<strong>do</strong> nele uma insegurança <strong>de</strong> ser, que o


17jogava na solidão e o <strong>de</strong>smotivava a realizar as ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s que faziam parte <strong>de</strong> seu cotidiano, como aescola. Segun<strong>do</strong> Laing (1987, p. 41), uma pessoa segura “enfrentará to<strong>do</strong>s os riscos <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> –sociais, éticos, espirituais e biológicos – com um firme senso <strong>da</strong> própria reali<strong>da</strong><strong>de</strong> e i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong>,assim como a <strong>do</strong>s outros”. Dessa forma, uma pessoa insegura <strong>do</strong> ponto <strong>de</strong> vista ontológico, ou seja,<strong>do</strong> seu ser, possivelmente vivenciará circunstâncias comuns <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> como uma ameaça constante àsua existência.Assim, a falta <strong>de</strong> mediação <strong>do</strong>s pais, bem como a falta <strong>de</strong> tecimento entre os membros <strong>da</strong>família, não permitiam que o paciente compreen<strong>de</strong>sse que suas amiza<strong>de</strong>s <strong>de</strong>pendiam <strong>de</strong> seuinvestimento, como a participação em brinca<strong>de</strong>iras coletivas, por exemplo. Ain<strong>da</strong>, a falta <strong>de</strong>instrução para a realização <strong>da</strong>s tarefas <strong>da</strong> escola, bem como <strong>de</strong> <strong>de</strong>svalorização <strong>da</strong>s ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>sintelectuais que gostava <strong>de</strong> realizar, o impediam <strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>r a importância <strong>de</strong> seu envolvimentocom os estu<strong>do</strong>s formais, fazen<strong>do</strong> com que ele se afastasse ca<strong>da</strong> vez mais <strong>de</strong> suas atribuições o que,por sua vez, aumentavam as exigências <strong>da</strong> mãe.A <strong>de</strong>marcação <strong>da</strong>s relações <strong>do</strong> paciente, <strong>de</strong> sua história e <strong>de</strong> seu cotidiano foi fun<strong>da</strong>mentalpara a compreensão <strong>de</strong>ste caso. Isto porque, à luz <strong>da</strong> teoria fenomenológica existencialista, aobuscar <strong>de</strong>marcar quais são as dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s psicológicas enfrenta<strong>da</strong>s pelo sujeito, é preciso <strong>de</strong>finirquem é o indivíduo que se complica, que se vê impossibilita<strong>do</strong> em seu projeto e conseqüentementeem seu movimento no mun<strong>do</strong>. Assim, opon<strong>do</strong>-se às teorias basea<strong>da</strong>s no racionalismo, Sartre (1978)procura <strong>de</strong>ixar esclareci<strong>da</strong> a diferença que faz entre “consciência” e “personali<strong>da</strong><strong>de</strong>”. Isso porque,para o racionalismo, o sujeito que a<strong>do</strong>ece é aquele que está diante <strong>de</strong> um “conflito <strong>de</strong> idéias”, ou <strong>de</strong>“problemas <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> interno” (SCHNEIDER, 2002).Dessa forma, Sartre (1978) <strong>de</strong>fine que o “complicar-se” não se refere à consciência, não éela que se complica, pois ela é pura relação, pura intencionali<strong>da</strong><strong>de</strong>. Quem se complica, <strong>de</strong>ssa forma,é o indivíduo como um ser <strong>do</strong>ta<strong>do</strong> <strong>de</strong> uma consciência, mas também <strong>de</strong> um corpo, através <strong>do</strong>s quaisestabelece relações com a materiali<strong>da</strong><strong>de</strong>, com a temporali<strong>da</strong><strong>de</strong>, consigo mesmo e com os outrosindivíduos.A personali<strong>da</strong><strong>de</strong>, sen<strong>do</strong> a unificação <strong>de</strong> corpo/consciência <strong>do</strong> indivíduo, está em constantemovimento em direção ao futuro e ao seu projeto. É, ain<strong>da</strong>, o resulta<strong>do</strong> <strong>da</strong>s totalizações que osujeito realiza a partir <strong>de</strong> suas relações, que são media<strong>da</strong>s socialmente. Por isso, quan<strong>do</strong> o sujeito secomplica psicologicamente, experimenta uma intercorrência na trajetória que tem estabeleci<strong>do</strong> emdireção à concretização <strong>do</strong> projeto e que é realiza<strong>do</strong> através <strong>da</strong>s relações materiais, sociais, entreoutras.O projeto psicoterápico, assim, precisa necessariamente contemplar uma mediação quepossibilite mu<strong>da</strong>nças nas experiências concretas <strong>do</strong> indivíduo, que permitam que ele volte a sentirseseguro <strong>de</strong> seu projeto e <strong>de</strong> suas escolhas e ações. Essas mu<strong>da</strong>nças se operam, ain<strong>da</strong>, no sujeito


18enquanto personali<strong>da</strong><strong>de</strong>, no âmbito <strong>de</strong> suas ações, e emoções, visto que, para Sartre (1994, p. 59),“o Ego é uni<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>do</strong>s esta<strong>do</strong>s e <strong>da</strong>s acções – facultativamente, <strong>da</strong>s quali<strong>da</strong><strong>de</strong>s”.A compreensão <strong>da</strong> personali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>do</strong> sujeito, com os aspectos que a caracterizam, éfun<strong>da</strong>mental para a formulação <strong>de</strong> um projeto <strong>de</strong> investigação ou intervenção (RIBEIRO, 1992).Para tanto, <strong>de</strong>ve-se <strong>de</strong>screver os fenômenos, visan<strong>do</strong> verificar quais são seus elementosconstitutivos, o que levará à sua <strong>de</strong>marcação, que garante a objetivi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>do</strong> objeto a ser estu<strong>da</strong><strong>do</strong>,não reduzin<strong>do</strong>-o a nenhum outro. Através <strong>de</strong>sse processo <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificação <strong>de</strong> ocorrências porvariáveis po<strong>de</strong>r-se-á, então, estabelecer hipóteses <strong>de</strong> trabalho, o que possibilitará fazer antecipações<strong>de</strong> resulta<strong>do</strong>, e elaborar um plano <strong>de</strong> ação.Assim, a partir <strong>da</strong> compreensão possibilita<strong>da</strong> pelas entrevistas iniciais, foi possívelestabelecer o plano <strong>de</strong> intervenção que orientou o trabalho realiza<strong>do</strong> em psicoterapia, bem como aconstrução <strong>do</strong>s objetivos para ca<strong>da</strong> sessão realiza<strong>da</strong>. Ressalta-se, ain<strong>da</strong>, que tais planejamentostambém ocorreram num processo dialético, ten<strong>do</strong> sofri<strong>do</strong> alterações conforme novas informaçõesforam surgin<strong>do</strong>. A seguir, está explicita<strong>do</strong> o planejamento <strong>do</strong> processo, com a <strong>de</strong>scrição <strong>do</strong>sobjetivos <strong>da</strong> terapia.4.1.4 Plano <strong>de</strong> IntervençãoSegun<strong>do</strong> Trafani (1992, p. 6), em terapia, “o planejamento, em suma, implica em:diagnóstico <strong>da</strong> reali<strong>da</strong><strong>de</strong>: <strong>de</strong>scrição <strong>da</strong> queixa; prognóstico: antecipação reflexiva <strong>do</strong>s<strong>de</strong>s<strong>do</strong>bramentos e conseqüências <strong>do</strong> diagnóstico; intervenção: alteração <strong>do</strong> prognóstico, através <strong>da</strong>elaboração <strong>de</strong> certas práticas e alternativas”. Dessa forma, a partir <strong>da</strong> compreensão <strong>do</strong> caso, foiestabeleci<strong>do</strong> um plano <strong>de</strong> intervenção, que constou <strong>de</strong> <strong>do</strong>is aspectos:1) a <strong>de</strong>marcação <strong>da</strong>s relações <strong>do</strong> paciente com sua família, amigos e escola, aomesmo tempo em que foi estabeleci<strong>da</strong> uma mediação para que as mu<strong>da</strong>nças<strong>de</strong>seja<strong>da</strong>s por ele pu<strong>de</strong>ssem ocorrer em seus perfis <strong>de</strong> filho/amigo/estu<strong>da</strong>nte;2) processo <strong>de</strong> esclarecimento com a mãe <strong>do</strong> paciente sobre a forma como ela estavavivencian<strong>do</strong> as dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s e o perío<strong>do</strong> <strong>da</strong> infância <strong>do</strong> filho, para que pu<strong>de</strong>ssecompreen<strong>de</strong>r que precisaria mediá-lo em suas dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s, a partir <strong>do</strong>entendimento <strong>de</strong> que o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>da</strong> criança precisa ser assisti<strong>do</strong> e <strong>de</strong> que aforma como ela o estava fazen<strong>do</strong> – e que geravam nele os comportamentosin<strong>de</strong>sejáveis por ela - estava impregna<strong>da</strong> <strong>de</strong> suas próprias dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s como mãe.Para as mu<strong>da</strong>nças <strong>de</strong>seja<strong>da</strong>s no primeiro aspecto, foram sen<strong>do</strong> <strong>de</strong>marca<strong>da</strong>s – através <strong>da</strong><strong>de</strong>scrição <strong>do</strong>s eventos, <strong>da</strong> reflexão e com o auxílio <strong>de</strong> <strong>de</strong>senhos e figuras - as relações <strong>do</strong> paciente


19com a escola, com os estu<strong>do</strong>s e com as ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s intelectuais; as relações <strong>de</strong> amiza<strong>de</strong>s, com acompreensão <strong>da</strong>s brinca<strong>de</strong>iras realiza<strong>da</strong>s por ele, a forma <strong>de</strong> estar com seus colegas e amigos; e emsuas relações com a mãe, irmão e pai, visan<strong>do</strong> <strong>de</strong>marcar o que po<strong>de</strong>ria ser modifica<strong>do</strong> para que arelação <strong>de</strong> <strong>de</strong>pendência que estava sen<strong>do</strong> cria<strong>da</strong> com a mãe fosse interrompi<strong>da</strong>, para que o pacientepu<strong>de</strong>sse <strong>de</strong>senvolver sua autonomia e quebrar a dinâmica <strong>de</strong> cobranças e centrali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> suapresença para a mãe. To<strong>do</strong>s estes aspectos trabalha<strong>do</strong>s foram permea<strong>do</strong>s pelo objetivo <strong>de</strong> fazer comque o paciente se apropriasse <strong>da</strong> forma como vinha construin<strong>do</strong> sua personali<strong>da</strong><strong>de</strong> e sua re<strong>de</strong> <strong>de</strong>relacionamento, enten<strong>de</strong>n<strong>do</strong> que as escolhas que fizesse teriam implicações imediatas para aconcretização <strong>de</strong> seus <strong>de</strong>sejos, visan<strong>do</strong> alterar o prognóstico advin<strong>do</strong> <strong>da</strong> queixa.Para o segun<strong>do</strong> aspecto, foram trabalha<strong>da</strong>s com a mãe, através <strong>da</strong> <strong>de</strong>scrição <strong>do</strong>s eventos e <strong>da</strong>reflexão, questões como: expectativas que tinha com relação à materni<strong>da</strong><strong>de</strong>, à educação e ao<strong>de</strong>senvolvimento <strong>do</strong>s filhos; suas dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar que os filhos fizessem suas própriasescolhas e <strong>de</strong>senvolvessem seus próprios <strong>de</strong>sejos; a forma como organizava seu cotidiano e suaprópria vi<strong>da</strong>, que acabava centralizan<strong>do</strong> suas ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s no perfil <strong>de</strong> mãe, tornan<strong>do</strong> isso a principalfonte <strong>de</strong> significa<strong>do</strong> para sua vi<strong>da</strong>; as dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> dividir as responsabili<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> educação <strong>do</strong>sfilhos com seu mari<strong>do</strong>, o que lhe gerava a sobrecarga <strong>de</strong> fazer escolhas e tomar atitu<strong>de</strong>s sozinhaque, ao mesmo tempo em que lhe angustiava, potencializava sua dinâmica <strong>de</strong> ocupar-sefun<strong>da</strong>mentalmente <strong>de</strong> ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s que reforçavam a centrali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>do</strong> perfil <strong>de</strong> mãe; a dificul<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>enten<strong>de</strong>r que o outro po<strong>de</strong> ser diferente <strong>do</strong> que ela era ou <strong>de</strong> que ela esperava que ele fosse e <strong>de</strong> queisso não impediria <strong>de</strong> este outro realizar seus <strong>de</strong>sejos e projetos e <strong>de</strong> se tornar um ser humanorealiza<strong>do</strong>.To<strong>do</strong>s estes pontos foram sen<strong>do</strong> trabalha<strong>do</strong>s ao longo <strong>da</strong>s sessões compreen<strong>de</strong>n<strong>do</strong>-se que, noinício, o sujeito inicia o processo <strong>de</strong> mu<strong>da</strong>nça ain<strong>da</strong> agin<strong>do</strong> na espontanei<strong>da</strong><strong>de</strong>, pois não está emcondições <strong>de</strong> pensar em termos <strong>de</strong> um projeto. Neste caminho, procurou-se realizar reflexões quevisaram localizar o paciente <strong>da</strong>s mu<strong>da</strong>nças e atitu<strong>de</strong>s a serem toma<strong>da</strong>s diante <strong>de</strong> seu problema,estimulan<strong>do</strong>-o a partir para uma ação media<strong>da</strong> pela psicoterapia, que o levaria ao seu projeto <strong>de</strong> ser<strong>de</strong>seja<strong>do</strong>. Fun<strong>da</strong>mentalmente, através <strong>da</strong>s entrevistas, o paciente e sua mãe eram leva<strong>do</strong>s a refletirsobre suas histórias, para que compreen<strong>de</strong>ssem a construção que haviam realiza<strong>do</strong> <strong>de</strong> suasdinâmicas <strong>de</strong> ser, incluin<strong>do</strong> suas formas <strong>de</strong> agir/pensar/sentir para, a partir <strong>de</strong>sta compreensãocrítica, iniciarem o processo <strong>de</strong> mu<strong>da</strong>nças, <strong>de</strong> fazer diferente <strong>da</strong> maneira como até então vinhamfazen<strong>do</strong> e, conseqüentemente, modificar suas personali<strong>da</strong><strong>de</strong>s e <strong>de</strong> viabilizarem-se enquantoindivíduos.Nas primeiras sessões, portanto, foi a compreensão <strong>do</strong> terapeuta <strong>de</strong> como se constitui apersonali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>do</strong> sujeito que <strong>de</strong>u base para as intervenções em termos <strong>de</strong> estratégias imediatas <strong>de</strong>futuro. Isso porque conhecer a personali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>do</strong> sujeito é compreen<strong>de</strong>r o movimento que ele vem


20realiza<strong>do</strong> no mun<strong>do</strong> e a forma como tem realiza<strong>do</strong> totalizações para chegar ao saber-<strong>de</strong>-ser quepossui no momento presente.Contu<strong>do</strong>, é fun<strong>da</strong>mental fazer com que o paciente também compreen<strong>da</strong> a forma como foi seconstituin<strong>do</strong> até então e que veja o problema e se veja no problema. Quan<strong>do</strong> ele pu<strong>de</strong>r fazer isso,terá a possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> enten<strong>de</strong>r que há um saber-<strong>de</strong>-ser, como o mo<strong>do</strong> através <strong>do</strong> qual o sujeito seexperimenta sen<strong>do</strong> no mun<strong>do</strong>, que <strong>de</strong>fine e orienta suas ações, impulsionan<strong>do</strong>-o para o futuro,constitui o seu projeto original. Para compreen<strong>de</strong>r como o sujeito tem elabora<strong>do</strong> este seuentendimento <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> e <strong>de</strong> si mesmo, tem-se que “ca<strong>da</strong> ocorrência <strong>de</strong>scrita pelo cliente é umatotalização, ou seja, uma conclusão lógica <strong>de</strong> uma série <strong>de</strong> fatos ou <strong>da</strong><strong>do</strong>s vivencia<strong>do</strong>s, aos quais ocliente <strong>de</strong>u uma inteligibili<strong>da</strong><strong>de</strong> (se <strong>de</strong>u razões) para incluí-los na sua existência” (TRAFANI, 1992,p. 11).Após esta compreensão inicial, pô<strong>de</strong>-se então partir para o Rastreamento <strong>da</strong> História, queforneceu elementos para uma compreensão crítica. Esta etapa ocorreu com a apreensão crítica <strong>da</strong>stotalizações que o indivíduo realizou até aquele momento <strong>de</strong> sua vi<strong>da</strong>, em to<strong>do</strong>s os seus perfis, emto<strong>da</strong>s as suas relações. A partir <strong>de</strong>la, o terapeuta foi capaz <strong>de</strong> realizar uma compreensão <strong>da</strong> história<strong>do</strong> cliente, que é a etapa seguinte <strong>da</strong> terapia.A Compreensão Crítica <strong>da</strong> História foi realiza<strong>da</strong> a partir <strong>da</strong> reflexão crítica, em que o clienteteve a possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> enten<strong>de</strong>r que ca<strong>da</strong> escolha que realiza tem implicações para o seu projeto.Dessa forma, ele compreen<strong>de</strong> que os indivíduos estão con<strong>de</strong>na<strong>do</strong>s a ser livres e que a reali<strong>da</strong><strong>de</strong> sóexiste na ação, que ocorre a partir <strong>da</strong>s escolhas que o sujeito realiza. Compreen<strong>de</strong>n<strong>do</strong> que é livrepara escolher, o cliente estará prepara<strong>do</strong> para passar à etapa <strong>da</strong> terapia <strong>de</strong>nomina<strong>da</strong> CompreensãoPolítica, em queele já tem conhecimento <strong>do</strong> caminho que fez para chegar ao que é hoje e já po<strong>de</strong> modificaro mesmo. Precisa agora localizar-se politicamente <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> a não permitir que os outrosinviabilizem o seu projeto e nem ele próprio inviabilize o projeto <strong>do</strong>s <strong>de</strong>mais (TRAFANI,1992, p. 15).É nesta etapa <strong>da</strong> psicoterapia que o sujeito compreen<strong>de</strong> que, escolhen<strong>do</strong> por si, escolhetambém por to<strong>da</strong> a humani<strong>da</strong><strong>de</strong> e neste aspecto resi<strong>de</strong> a gran<strong>de</strong> responsabili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>do</strong> ser humano emfazer escolhas. Segun<strong>do</strong> Sartre (1978, p. 13), “assim, sou responsável por mim e por to<strong>do</strong>s, e criouma certa imagem <strong>do</strong> homem por mim escolhi<strong>da</strong>; escolhen<strong>do</strong>-me, escolho o homem”.A seguir, constam as <strong>de</strong>scrições relativas à evolução clínica <strong>do</strong> paciente, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o momentoem que chegou à terapia, até a sua alta, passan<strong>do</strong> por to<strong>do</strong>s os momentos <strong>do</strong> processo explicita<strong>do</strong>santeriormente.


4.1.5 Evolução Clínica21Para a <strong>de</strong>scrição <strong>do</strong>s fenômenos, foi utiliza<strong>da</strong> com o paciente a elaboração <strong>de</strong> <strong>de</strong>senhos,como tema livre, <strong>da</strong> sua família, <strong>de</strong> coisas <strong>da</strong>s quais gostava, <strong>da</strong> escola e <strong>da</strong>s profissões queconhecia. Em to<strong>do</strong>s os <strong>de</strong>senhos e colagens, o paciente sempre se mostrou bastante interessa<strong>do</strong> nasativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s propostas, sen<strong>do</strong> capaz <strong>de</strong> manter-se concentra<strong>do</strong> nas tarefas durante to<strong>do</strong> o tempo <strong>da</strong>terapia. Suas produções em terapia eram sempre muito criativas, ten<strong>do</strong> chega<strong>do</strong> a <strong>de</strong>senvolver emsessão um livro contan<strong>do</strong> sobre as coisas que gostava – como comi<strong>da</strong>s, filmes, animas.Através <strong>de</strong>stes <strong>de</strong>senhos, inicialmente foi sen<strong>do</strong> investiga<strong>do</strong> o cotidiano <strong>de</strong> relações <strong>do</strong>paciente, que relatou ter amiza<strong>de</strong> apenas com o irmão e com <strong>do</strong>is primos, <strong>de</strong> i<strong>da</strong><strong>de</strong> semelhante àsua. Em casa, passava muito tempo com a mãe, sen<strong>do</strong> ela sua principal companhia durante o dia.Também sentia me<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>do</strong>rmir no escuro à noite, dizen<strong>do</strong> que sentia “me<strong>do</strong> <strong>de</strong> olhar e ver algumacoisa no corre<strong>do</strong>r”. Sobre a escola, dizia que não tinha amigos e que não gostava <strong>de</strong> copiar asmatérias porque “precisava olhar para o quadro, enquanto para fazer livrinhos não”; relatou,ain<strong>da</strong>, que “na escola sabia tu<strong>do</strong>, era tu<strong>do</strong> mais fácil” e que “quase to<strong>do</strong>s os colegas não obe<strong>de</strong>ciame ficavam an<strong>da</strong>n<strong>do</strong> na sala e que então ficava senta<strong>do</strong> sem copiar os <strong>de</strong>veres <strong>do</strong> quadro”. Diziaain<strong>da</strong> que seus colegas não gostavam <strong>de</strong> brincar <strong>de</strong> suas brinca<strong>de</strong>iras e que na escola gostava mais<strong>de</strong> jogar xadrez, mas que não encontrava companheiro para o jogo.Consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> que o plano <strong>de</strong> terapia constava <strong>de</strong> efetuar mu<strong>da</strong>nças nos perfis <strong>de</strong>filho/amigo/estu<strong>da</strong>nte <strong>do</strong> paciente - após a compreensão <strong>de</strong> que as dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s no perfil <strong>de</strong> filhorelacionavam-se à busca <strong>de</strong> autonomia - o estímulo à sua in<strong>de</strong>pendência foi feito a partir,principalmente, <strong>de</strong> seus outros perfis – <strong>de</strong> estu<strong>da</strong>nte e <strong>de</strong> amigo -, em que po<strong>de</strong>ria mais facilmentepassar a agir <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> a perceber a responsabili<strong>da</strong><strong>de</strong> que tinha na construção <strong>da</strong>s mu<strong>da</strong>nças que<strong>de</strong>sejava. Para as questões relaciona<strong>da</strong>s à sua in<strong>de</strong>pendência como filho, foram trabalha<strong>da</strong>s asdificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>da</strong> mãe em permitir que isso ocorresse, já que, quan<strong>do</strong> criança, os indivíduos seapropriam espontaneamente <strong>da</strong>s condições em que estão inseri<strong>do</strong>s.Assim, num primeiro momento, a criança não se diferencia <strong>do</strong>s outros e <strong>da</strong>s coisas e nem osdiferencia entre si, sen<strong>do</strong> que as pessoas que a cercam <strong>de</strong> um certo mo<strong>do</strong> lhe conferem umai<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong>. Sua subjetivi<strong>da</strong><strong>de</strong>, portanto, irá se constituir frente à situação em que é lança<strong>da</strong>,sentin<strong>do</strong>, pensan<strong>do</strong> e fazen<strong>do</strong> algo disso, aproprian<strong>do</strong>-se <strong>do</strong> espaço social e psicológico que a cerca(SCHNEIDER, 2002). Para Sartre (1978, p. 125) “a ver<strong>da</strong><strong>de</strong> é que a subjetivi<strong>da</strong><strong>de</strong> não é nem tu<strong>do</strong>,nem na<strong>da</strong>; ela apresenta um momento <strong>do</strong> processo objetivo (o <strong>da</strong> interiorização <strong>da</strong> exteriori<strong>da</strong><strong>de</strong>), eeste momento se elimina sem cessar, para sem cessar renascer novamente”.


22Essa apropriação, em um primeiro momento, é feita <strong>de</strong> um mo<strong>do</strong> aliena<strong>do</strong>. Quer dizer,mesmo que a criança tome atitu<strong>de</strong>s <strong>de</strong> contestação ou subordinação, <strong>de</strong> autonomia, agin<strong>do</strong> diferente<strong>da</strong>quilo que é espera<strong>do</strong>, ain<strong>da</strong> assim, não vivencia seu ser em suas mãos, na medi<strong>da</strong> em que este lheparece como uma tarefa a realizar. Nesse mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> apropriação <strong>da</strong> reali<strong>da</strong><strong>de</strong>, a criança percebe ereflete espontaneamente sobre o mun<strong>do</strong>, encontran<strong>do</strong>-se tão absorvi<strong>da</strong> no objeto, que não há espaçopara o seu eu (SCHNEIDER, 2002). Segun<strong>do</strong> Sartre (1978, p.139), “ca<strong>da</strong> um vive seus primeirosanos no <strong>de</strong>svario e na fascinação como uma reali<strong>da</strong><strong>de</strong> profun<strong>da</strong> e solitária: a interiorização <strong>da</strong>exteriori<strong>da</strong><strong>de</strong> é aqui um fato irredutível”.Sen<strong>do</strong> assim, a criança se move em função <strong>de</strong> um ser futuro que tem que realizar, ou seja, <strong>de</strong>um projeto existencial que lhe é passa<strong>do</strong> pelos outros. O projeto na<strong>da</strong> mais é <strong>do</strong> que o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> sercerto tipo <strong>de</strong> pessoa, com características e quali<strong>da</strong><strong>de</strong>s específicas que estabelecem <strong>de</strong>termina<strong>da</strong>srelações sociais. Para Sartre (SARTRE, 1978, p. 177), “o homem <strong>de</strong>fine-se pelo seu projeto. Esteser material supera perpetuamente a condição que lhe é <strong>da</strong><strong>da</strong>; revela e <strong>de</strong>termina sua situação,transcen<strong>de</strong>n<strong>do</strong>-a para objetivar-se, pelo trabalho, pela ação ou pelo gesto”.Esse futuro, por ser <strong>de</strong>seja<strong>do</strong> pela criança, acaba por <strong>de</strong>finir suas escolhas cotidianas. Osignifica<strong>do</strong> que ela confere às suas vivências e a inteligibili<strong>da</strong><strong>de</strong> que monta acerca <strong>de</strong> si mesmaunifican<strong>do</strong> sua história (o conjunto <strong>de</strong> relações, as expectativas construí<strong>da</strong>s a respeito <strong>do</strong> seu ser,suas vivências, a i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> que lhe foi conferi<strong>da</strong> e por ela apropria<strong>da</strong>, ou seja, o que ela fez <strong>do</strong> quefizeram <strong>de</strong>la e seu futuro, seu <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> ser) serão a base com que construirá seu “eu”, suapersonali<strong>da</strong><strong>de</strong> (CASTRO; SCHNEIDER, 1998).Assim, através <strong>do</strong>s <strong>de</strong>senhos, o paciente foi se localizan<strong>do</strong> <strong>da</strong>s ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s que gostava <strong>de</strong>fazer e <strong>da</strong>s quais não gostava, procuran<strong>do</strong> diferenciar o que era <strong>de</strong> seu ser e o que era <strong>do</strong>s outros,<strong>de</strong>scortinan<strong>do</strong> o saber-<strong>de</strong>-ser que vinha construin<strong>do</strong> na espontanei<strong>da</strong><strong>de</strong> e que o estavaimpossibilitan<strong>do</strong> <strong>de</strong> experimentar outras possibili<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> escolhas. Com relação aos amigos <strong>da</strong>escola, percebeu que estava realizan<strong>do</strong> escolhas que contribuíam para que se sentisse sozinho e,diante <strong>do</strong> <strong>de</strong>sejo que tinha <strong>de</strong> fazer novas amiza<strong>de</strong>s e <strong>de</strong> ter companheiros para suas brinca<strong>de</strong>iras,compreen<strong>de</strong>u que era necessário escolher partilhar <strong>da</strong>s brinca<strong>de</strong>iras que a maioria <strong>de</strong> seus colegas<strong>de</strong>senvolviam. Assim, foi <strong>de</strong>scobrin<strong>do</strong> as brinca<strong>de</strong>iras <strong>de</strong> bola, o futebol, as cartas – que já possuíaem casa e que passou a levar para o colégio, convi<strong>da</strong>n<strong>do</strong> seus amigos para jogarem -, o quepromoveu uma ampliação em sua re<strong>de</strong> <strong>de</strong> relações, não <strong>de</strong>ixan<strong>do</strong> <strong>de</strong> fazer aquilo que gostava(xadrez, por exemplo), mas relativizan<strong>do</strong> suas escolhas.Esta compreensão <strong>de</strong> que suas ações geravam conseqüências que o levavam a realizar seu<strong>de</strong>sejo – <strong>de</strong> ter amigos, por exemplo -, foi fun<strong>da</strong>mental para que o paciente começasse a mu<strong>da</strong>r suasatitu<strong>de</strong>s, responsabilizan<strong>do</strong>-se por suas escolhas e pelas conseqüências <strong>de</strong> seus atos. Com relação àsativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>da</strong> escola, como <strong>de</strong>veres e tarefas <strong>de</strong> sala <strong>de</strong> aula, estava claro que não lhe <strong>de</strong>spertavam


23tanto interesse como as que realizava em casa, livremente. Contu<strong>do</strong>, durante uma ativi<strong>da</strong><strong>de</strong> em quefoi requisita<strong>do</strong> a fazer uma colagem e/ou <strong>de</strong>senho sobre “o que tinha na escola”, ficou evi<strong>de</strong>nte seuinteresse em ir para as aulas e <strong>da</strong> compreensão que fazia sobre a importância <strong>do</strong> estu<strong>do</strong> formal.Além disso, o paciente i<strong>de</strong>ntificou somente coisas “boas” e <strong>de</strong> que gostava na escola, como asbrinca<strong>de</strong>iras com os amigos, “ele escreven<strong>do</strong>”, a leitura <strong>de</strong> livros e o parque. Quan<strong>do</strong> questiona<strong>do</strong>sobre o que não gostava na escola, disse que “gostava <strong>de</strong> tu<strong>do</strong>”.Além <strong>do</strong> prazer que sentia em ir à escola, em outra sessão, ao investigar o <strong>de</strong>sejo <strong>do</strong> pacientecom relação a um possível futuro profissional, este relatou que sabia que freqüentar a escola eestu<strong>da</strong>r era fun<strong>da</strong>mental para que pu<strong>de</strong>sse concretizar o <strong>de</strong>sejo que tinha <strong>de</strong> seguir alguma profissãosemelhante a <strong>do</strong> pai, <strong>de</strong> mestre-<strong>de</strong>-obras. Segun<strong>do</strong> ele, “era legal construir casas, mas gostaria <strong>de</strong>escolher uma profissão em que não precisasse fazer tanto esforço”. Ao realizar uma colagem sobreas profissões que conhecia, o paciente relatou que sabia que po<strong>de</strong>ria ser “engenheiro, por exemplo”.Dessa forma, foi refleti<strong>do</strong> que, mesmo que escolhesse uma profissão diferente <strong>da</strong> escolhi<strong>da</strong> pelo paiem que <strong>de</strong>sempenhasse, por exemplo, ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s semelhantes às que já gostava <strong>de</strong> realizar – como<strong>de</strong> escrever, livros, <strong>de</strong>senhar, pintar – tu<strong>do</strong> o que apren<strong>de</strong>ria na escola e a formação até o segun<strong>do</strong>grau lhe proporcionariam a oportuni<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> continuar estu<strong>da</strong><strong>do</strong> e <strong>de</strong> fazer uma facul<strong>da</strong><strong>de</strong>, entreoutras possibili<strong>da</strong><strong>de</strong>s. Assim, refletiu-se sobre as conseqüências que as escolhas cotidianas que faziatinham para o seu futuro e para o seu projeto <strong>de</strong> ser.Além <strong>do</strong>s <strong>de</strong>senhos realiza<strong>do</strong>s durante as sessões, foram <strong>de</strong>senvolvi<strong>da</strong>s ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s comopalavras cruza<strong>da</strong>s para crianças e leitura <strong>de</strong> pequenos textos em revistas infantis que, ten<strong>do</strong> si<strong>do</strong>media<strong>do</strong>s pela estagiária, foram auxilian<strong>do</strong> a gerar no paciente a segurança necessária para arealização <strong>da</strong>s tarefas <strong>da</strong> escola. Ao proporcionar um ambiente <strong>de</strong> tranqüili<strong>da</strong><strong>de</strong>, em que percebia anecessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> receber aju<strong>da</strong> <strong>de</strong> um adulto para a realização <strong>de</strong> tarefas intelectuais, o paciente pô<strong>de</strong>experimentar uma outra possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> ser: o <strong>de</strong> alguém que não era cobra<strong>do</strong> <strong>de</strong> que “soubessetu<strong>do</strong> e estivesse pronto” e <strong>de</strong> que po<strong>de</strong>ria errar sem ser repreendi<strong>do</strong> ou sem que com isso gerassesofrimento em outra pessoa, como muitas vezes ocorria com sua mãe. Essa segurança <strong>de</strong> ser foifun<strong>da</strong>mental para que realizasse as mu<strong>da</strong>nças sem sentir sua existência ameaça<strong>da</strong> diante <strong>da</strong>sdificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s experimenta<strong>da</strong>s, ponto <strong>de</strong>staca<strong>do</strong> por Laing (1987), ao referir-se ao processo <strong>de</strong>segurança <strong>de</strong> ser.Dessa forma, após o paciente ter-se localiza<strong>do</strong> <strong>de</strong> quem era e <strong>de</strong> como estava fazen<strong>do</strong> suasescolhas, a partir <strong>do</strong> rastreamento e <strong>da</strong> compreensão <strong>de</strong> sua história, passou por uma etapa <strong>de</strong>mu<strong>da</strong>nças, através <strong>da</strong> qual percebeu que suas escolhas tinham implicações diretas para aconcretização <strong>de</strong> seu <strong>de</strong>sejo. Assim, através <strong>de</strong> ações media<strong>da</strong>s pela terapia, alterou sua dinâmica <strong>de</strong>ser, geran<strong>do</strong> mu<strong>da</strong>nças visualiza<strong>da</strong>s nas sessões: o paciente <strong>de</strong>monstrava evi<strong>de</strong>nte amadurecimentona relação com a estagiária – tanto na realização <strong>de</strong> tarefas como nas reflexões que fazia -; alterou


24inclusive sua forma <strong>de</strong> expressar-se verbalmente, apresentan<strong>do</strong> um mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> falar mais tranqüilo;melhorou a letra nas produções escritas e também aumentou o cui<strong>da</strong><strong>do</strong> com os <strong>de</strong>senhos, colagens epalavras cruza<strong>da</strong>s, ten<strong>do</strong> diminuí<strong>do</strong> também os erros <strong>de</strong> português, comuns para crianças quepassam pelo processo <strong>de</strong> alfabetização.Além disso, a mãe relatava que era possível perceber as transformações <strong>do</strong> filho com relaçãoàs queixas inicias, movimento que também foi percebi<strong>do</strong> pelo pai e pela professora <strong>do</strong> paciente.Especificamente com relação à queixa <strong>de</strong> agressivi<strong>da</strong><strong>de</strong>, a mãe dizia que o paciente estava maistranqüilo, que já era possível negociar e fazer acor<strong>do</strong>s sem que ele se alterasse e cumprisse oscombina<strong>do</strong>s. Destaca-se que a mu<strong>da</strong>nça na expressão verbal <strong>do</strong> paciente em terapia – mesmo queem nenhum momento este tenha se utiliza<strong>do</strong> <strong>da</strong> agressão com a estagiária – foram encara<strong>do</strong>s comomostras <strong>de</strong> que as conquistas relata<strong>da</strong>s pela mãe eram bastante concretas. Esta mu<strong>da</strong>nçapossivelmente auxiliou também o paciente a expressar-se <strong>de</strong> forma mais assertiva com seus novosamigos.A partir <strong>de</strong>ssas alterações na dinâmica <strong>do</strong> paciente, que o levaram a viabilizar-se em seus<strong>de</strong>sejos, optou-se por partir para a segun<strong>da</strong> parte <strong>do</strong> plano <strong>de</strong> intervenção <strong>da</strong> terapia, a ser realiza<strong>da</strong>com a mãe. Dessa forma, em uma última sessão antes que a mãe começasse a comparecer com maisfreqüência aos atendimentos, sem a presença <strong>do</strong> filho, realizou-se uma ativi<strong>da</strong><strong>de</strong> em que o pacientefoi requisita<strong>do</strong> a escrever sobre “o antes e o <strong>de</strong>pois” <strong>da</strong> terapia. Assim, em papéis diferentes,escreveu: “Antes – escola: antes na escola eu não tinha muitos amigos e não fazia ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s lá;noite: tinha me<strong>do</strong> <strong>do</strong> escuro e usava minha lanterna. Depois – escola: agora eu tenho muitosamigos para brincar e faço to<strong>da</strong>s as ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s; noite: eu não tenho me<strong>do</strong> <strong>do</strong> escuro e não uso aminha lanterna”. Esta ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>, mais uma vez, <strong>de</strong>ixou claro que o paciente havia se apropria<strong>do</strong> <strong>da</strong>smu<strong>da</strong>nças realiza<strong>da</strong>s e estava usufruin<strong>do</strong> <strong>da</strong>s alterações em suas personali<strong>da</strong><strong>de</strong>.A opção <strong>de</strong> fazer o atendimento com a mãe fun<strong>da</strong>mentou-se na compreensão <strong>de</strong> que afamília <strong>de</strong>sempenha papel fun<strong>da</strong>mental na construção <strong>do</strong> ser <strong>do</strong> indivíduo e precisa ser implica<strong>da</strong> noprocesso terapêutico quan<strong>do</strong> o paciente é uma criança. Em terapia com base no existencialismofenomenológico, os pais são chama<strong>do</strong>s, assim, a participarem ativamente <strong>do</strong> processo, realizan<strong>do</strong>sessões em conjunto com os filhos, mas também separa<strong>da</strong>mente. Neste caso, especificamente, o pai<strong>do</strong> paciente, em função <strong>do</strong> trabalho, não pô<strong>de</strong> comparecer às sessões. Contu<strong>do</strong>, to<strong>da</strong>s as reflexõesfeitas com a mãe foram sen<strong>do</strong> compartilha<strong>da</strong>s com ele, a pedi<strong>do</strong> <strong>da</strong> estagiária, para que seimplicasse também no processo <strong>de</strong> mu<strong>da</strong>nça proporciona<strong>do</strong> pela terapia. Consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> que a mãetrazia queixas com relação à dificul<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> dividir responsabili<strong>da</strong><strong>de</strong>s com relação aos filhos comseu mari<strong>do</strong>, esperava-se que as alterações realiza<strong>da</strong>s com o filho e com a mãe pu<strong>de</strong>ssem alterartambém, <strong>de</strong> alguma forma, o ser <strong>do</strong> pai.


25A implicação <strong>da</strong> família é essencial porque, mesmo que mu<strong>da</strong>nças sejam efetua<strong>da</strong>s com acriança através <strong>da</strong> mediação forneci<strong>da</strong> pela terapia, após a alta, as principais mediações a que elaestará sujeita serão novamente seus familiares. Dessa forma, diante <strong>da</strong> possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> apenas amãe comparecer aos atendimentos, compreendia-se que sua participação era essencial para garantirque as mu<strong>da</strong>nças efetua<strong>da</strong>s ao longo <strong>do</strong> processo pu<strong>de</strong>ssem perdurar, evitan<strong>do</strong> que futurascomplicações psicológicas surgissem.Com relação ao papel que a família <strong>de</strong>sempenha no <strong>de</strong>senvolvimento <strong>do</strong>s indivíduos, paraSartre (1978b, p. 138-139),o existencialismo [...] <strong>de</strong>scobre o ponto <strong>de</strong> inserção <strong>do</strong> homem em sua classe, isto é, afamília singular como mediação entre a classe universal e o indivíduo: a família, comefeito, é constituí<strong>da</strong> no e pelo movimento geral <strong>da</strong> História e vivi<strong>da</strong>, <strong>de</strong> outro la<strong>do</strong>, comoum absoluto na profundi<strong>da</strong><strong>de</strong> e na opaci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> infância.Segun<strong>do</strong> Sartre (1978, p. 140), “a pessoa vive e conhece mais ou menos claramente a suacondição através <strong>de</strong> sua pertinência a grupos”. Dizen<strong>do</strong> que os homens nunca estão isola<strong>do</strong>s, massempre na presença inevitável <strong>de</strong> outros, a reunião <strong>de</strong> pessoas po<strong>de</strong>rá organizar-se em duasestruturas: as séries ou os grupos organiza<strong>do</strong>s. As séries significam um agrupamento <strong>de</strong> pessoas emque não há compartilhamento <strong>de</strong> projetos, não há mediação; “[os indivíduos] utilizam-se <strong>do</strong> mesmomeio <strong>de</strong> realizar o objetivo, mas não há troca entre eles, não há uma ação coletiva” (SCHNEIDER,2002, p. 223).Já nos grupos organiza<strong>do</strong>s, existe um projeto comum, em que to<strong>do</strong>s se esforçam pararealizá-lo. A ação é coletiva e existe um compartilhamento <strong>de</strong> objetivos e, através <strong>de</strong> relações <strong>de</strong>reciproci<strong>da</strong><strong>de</strong>, a superação <strong>da</strong> solidão <strong>do</strong>s participantes ocorre pelo tecimento entre seus membros(SCHNEIDER, 2002). Estabelece-se, assim, além <strong>de</strong> uma afetivi<strong>da</strong><strong>de</strong>, uma mediação exerci<strong>da</strong> pelogrupo, através <strong>da</strong> qual “o outro torna-se um meio para me realizar, assim como eu a ele” (i<strong>de</strong>m,2002, p. 224).Para Sartre (1978 apud SCHNEIDER, 2002), o i<strong>de</strong>al é que a família se relacione a partir <strong>de</strong>uma estrutura <strong>de</strong> grupo organiza<strong>do</strong>, em função <strong>de</strong> seu papel <strong>de</strong> media<strong>do</strong>ra na estruturação <strong>do</strong> projeto<strong>de</strong> ser <strong>do</strong>s sujeitos. No entanto,muitas vezes uma família, em função <strong>da</strong>s relações estabeleci<strong>da</strong>s entre seus membros, écorroí<strong>da</strong> por uma seriali<strong>da</strong><strong>de</strong> interna, ou seja, seus membros não conseguem tecer seusprojetos individuais em torno <strong>de</strong> um projeto coletivo, permanecen<strong>do</strong> uma plurali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>solidões (i<strong>de</strong>m, 2002, p. 225).Nesta estrutura familiar, e posteriormente em outros grupos, o conjunto <strong>de</strong> expectativascria<strong>do</strong> pelos outros irá se <strong>de</strong>s<strong>do</strong>brar no mo<strong>do</strong> <strong>de</strong>stes se relacionarem com essa criança, lançan<strong>do</strong>-aem um espaço existencial. Assim, os outros irão tratá-la com carinho ou com indiferença, escutar o


26que ela pe<strong>de</strong> ou a ignorar, lançar olhares <strong>de</strong> aprovação ou reprovação a partir <strong>de</strong> seus atos,i<strong>de</strong>ntificá-la como sen<strong>do</strong> boazinha, quieta, queri<strong>da</strong>, chata ou mal-educa<strong>da</strong>, proporcionan<strong>do</strong>-lhecontornos existenciais que constituem o início <strong>de</strong> seu processo <strong>de</strong> humanização (CASTRO;SCHENEIDER, 1998).Assim, com a mãe <strong>do</strong> paciente, buscou-se primeiramente i<strong>de</strong>ntificar quais eram asdificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s enfrenta<strong>da</strong>s em seu dia-a-dia na relação com seus filhos e também com o mari<strong>do</strong>,compreen<strong>de</strong>n<strong>do</strong> que a forma como se experimentava nestas relações interferia diretamente na formacomo o paciente se experimentava enquanto filho. Para tanto, a mãe <strong>do</strong> paciente foi requisita<strong>da</strong> a<strong>de</strong>screver, em uma folha <strong>de</strong> papel, como se via em seus diversos perfis – que <strong>de</strong>veria, também,<strong>de</strong>marcar: <strong>de</strong> mãe, <strong>de</strong> filha, <strong>de</strong> amiga, <strong>de</strong> esposa, <strong>de</strong> mulher.Com relação ao conhecimento que se po<strong>de</strong> ter sobre os fenômenos, Sartre (1997, p. 19)<strong>de</strong>staca que “o fenômeno é o que se manifesta, e o ser manifesta-se a to<strong>do</strong>s <strong>de</strong> algum mo<strong>do</strong>, pois<strong>de</strong>le po<strong>de</strong>mos falar e <strong>de</strong>le temos certa compreensão. [...] Em um objeto singular po<strong>de</strong>mos sempredistinguir quali<strong>da</strong><strong>de</strong>s [...]. E, a partir <strong>de</strong>las, sempre po<strong>de</strong>-se <strong>de</strong>terminar uma essência por elascompreendi<strong>da</strong>, como o signo implica a significação”. Ain<strong>da</strong>, <strong>de</strong>screve Sartre (1997, p. 20) que “ofenômeno <strong>de</strong> ser exige a transfenomenali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>do</strong> ser. Não significa que o ser se encontre escondi<strong>do</strong>atrás <strong>do</strong>s fenômenos [...], nem que o fenômeno seja uma aparência que remeta a um ser distinto (ofenômeno é enquanto aparência, quer dizer, índica a si mesmo sobre o fun<strong>da</strong>mento <strong>do</strong> ser)”. Dessaforma, para conhecer a personali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> um sujeito, é preciso <strong>de</strong>screver os fenômenos que o sujeitoexperiência através <strong>de</strong> seus perfis, compreen<strong>de</strong>n<strong>do</strong> que o fenômeno <strong>de</strong> ser uma individuali<strong>da</strong><strong>de</strong>po<strong>de</strong> ser apreendi<strong>do</strong> através <strong>da</strong>quilo que o indivíduo concebe como sen<strong>do</strong> característico <strong>de</strong>le,vivencia<strong>do</strong> através <strong>de</strong> suas ações, emoções, esta<strong>do</strong>s e quali<strong>da</strong><strong>de</strong>s.Segun<strong>do</strong> Sartre (1994), as ações, os esta<strong>do</strong>s e facultativamente as quali<strong>da</strong><strong>de</strong>s são asdimensões que compõem a personali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>do</strong> indivíduo, sen<strong>do</strong> que os esta<strong>do</strong>s não são apenasemoções efêmeras, mas têm permanência, transcen<strong>de</strong>m uma situação específica em direção a outrasque ain<strong>da</strong> serão experiencia<strong>da</strong>s. Elas são constitutivas <strong>da</strong> forma como o sujeito se experimenta, em<strong>de</strong>termina<strong>da</strong>s ocasiões, frente a certas pessoas e situações. Assim,os esta<strong>do</strong>s se consoli<strong>da</strong>m a partir <strong>de</strong> experiências espontâneas, irrefleti<strong>da</strong>s [...]. Quan<strong>do</strong> nosapropriamos reflexivamente <strong>de</strong> uma emoção espontânea, postulan<strong>do</strong>-a como ten<strong>do</strong> si<strong>do</strong>vivi<strong>da</strong> por mim, compromenten<strong>do</strong> o meu ser, torna-se um ‘esta<strong>do</strong>’. Este é constituí<strong>do</strong>,portanto, pela apropriação reflexiva <strong>de</strong> consciências espontâneas significativas(SCHNEIDER, 2002, p. 205).Além <strong>do</strong>s esta<strong>do</strong>s, o sujeito tem sua personali<strong>da</strong><strong>de</strong> totaliza<strong>da</strong> também a partir <strong>de</strong> quali<strong>da</strong><strong>de</strong>se ações. As ações são uni<strong>da</strong><strong>de</strong>s transcen<strong>de</strong>ntes, são totalizações <strong>da</strong>s experiências passa<strong>da</strong>s, e asquali<strong>da</strong><strong>de</strong>s são as uni<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>do</strong>s esta<strong>do</strong>s e tem um caráter constitutivo mais permanente napersonali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>do</strong> indivíduo. Dessa forma, as quali<strong>da</strong><strong>de</strong>s po<strong>de</strong>m ser compreendi<strong>da</strong>s como uma


27potenciali<strong>da</strong><strong>de</strong>, pois “não é a simples possibili<strong>da</strong><strong>de</strong>: ela apresenta-se como qualquer coisa que existerealmente, mas cujo mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> existência é o <strong>de</strong> estar em latência. Deste tipo são, naturalmente, os<strong>de</strong>feitos, as virtu<strong>de</strong>s, os gostos, os talentos, as tendências, os instintos, etc” (SARTRE, 1994, p.64).Assim sen<strong>do</strong>, segun<strong>do</strong> Sartre (1994, p. 67), “quan<strong>do</strong> incorporo os meus esta<strong>do</strong>s na totali<strong>da</strong><strong>de</strong>concreta Eu [Moi], não lhes junto na<strong>da</strong>. É que, com efeito, a relação <strong>do</strong> Ego com as quali<strong>da</strong><strong>de</strong>s,esta<strong>do</strong>s e acções [...] é uma relação <strong>de</strong> produção [...] ou, se quiser, <strong>de</strong> criação”. Portanto, a partir <strong>do</strong>sconteú<strong>do</strong>s que surgiram através <strong>da</strong> utilização <strong>da</strong> dinâmica <strong>do</strong>s perfis, as sessões foram orienta<strong>da</strong>spara o trabalho com as dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s pontuais aponta<strong>da</strong> pela mãe <strong>do</strong> paciente, compreen<strong>de</strong>n<strong>do</strong> asquali<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> ser <strong>de</strong>la que estavam intervin<strong>do</strong> diretamente no olhar que direcionava ao paciente eque mediava o movimento <strong>de</strong>le mun<strong>do</strong>, contribuin<strong>do</strong> também para a construção <strong>da</strong>s quali<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong>ser <strong>de</strong>le.Assim, um <strong>do</strong>s primeiros pontos trabalha<strong>do</strong>s foi <strong>de</strong>scrição <strong>da</strong>s tarefas assumi<strong>da</strong>s por ela epelo mari<strong>do</strong> com relação às responsabili<strong>da</strong><strong>de</strong>s pela casa e pela educação <strong>do</strong>s filhos, visto que uma<strong>de</strong> suas queixas era a “sobrecarga” que sofria por ter que “cui<strong>da</strong>r <strong>de</strong> tu<strong>do</strong>”. Entre as <strong>de</strong>finições queutilizou para <strong>de</strong>marcar sua relação com as tarefas <strong>de</strong> casa e com os filhos, a mãe <strong>do</strong> paciente disseque “tinha uma vi<strong>da</strong> muito corri<strong>da</strong>”, que “até as coisas <strong>de</strong>le [mari<strong>do</strong>] eu tenho que resolver” e que“se não fizer, acaba sen<strong>do</strong> pior”. Suas queixas eram <strong>de</strong> que “chegava um momento em que a cargaera tão gran<strong>de</strong>, que <strong>de</strong>primia-se, sentin<strong>do</strong>-se esgota<strong>da</strong>”. Ao <strong>de</strong>screver o cotidiano <strong>de</strong> suasativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s e a rotina <strong>do</strong> mari<strong>do</strong>, contu<strong>do</strong>, a mãe <strong>do</strong> paciente se <strong>de</strong>u conta <strong>de</strong> que, na ver<strong>da</strong><strong>de</strong>, seumari<strong>do</strong> lhe auxiliava no que era possível, visto que trabalhava o dia to<strong>do</strong> fora <strong>de</strong> casa e que, emfunção <strong>de</strong> ela estar em casa durante a maior parte <strong>do</strong> dia – por ser <strong>do</strong>na <strong>de</strong> casa -, asresponsabili<strong>da</strong><strong>de</strong>s pelo cui<strong>da</strong><strong>do</strong> com a educação com os filhos e com a casa po<strong>de</strong>riam ser maisfacilmente resolvi<strong>da</strong>s por ela.Ao mesmo tempo, a mãe <strong>do</strong> paciente <strong>de</strong>screveu que, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início <strong>da</strong>s reflexões realiza<strong>da</strong>sem terapia, quan<strong>do</strong> era questiona<strong>da</strong> sobre a forma como abor<strong>da</strong>va seu mari<strong>do</strong> para os diálogos, ela ohavia convi<strong>da</strong><strong>do</strong> a fazer caminha<strong>da</strong>s após o trabalho <strong>de</strong>le, como forma <strong>de</strong> cui<strong>da</strong>rem <strong>de</strong> sua saú<strong>de</strong>,mas, principalmente, para reservar um tempo para o casal, em que pu<strong>de</strong>ssem conversar sobre osacontecimentos <strong>do</strong> dia <strong>de</strong> ca<strong>da</strong> um. Dessa forma, ao longo <strong>de</strong>stas caminha<strong>da</strong>s, a mãe <strong>do</strong> pacienteestava conseguin<strong>do</strong> expor suas dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s com relação aos filhos e requisitar a aju<strong>da</strong> <strong>do</strong> mari<strong>do</strong>,que estava <strong>de</strong>monstran<strong>do</strong>, em contraparti<strong>da</strong>, interesse e empenho em auxiliá-la e em estar maispresente no dia-a-dia <strong>do</strong>s filhos.Após estas reflexões e <strong>da</strong> <strong>de</strong>marcação <strong>da</strong>s ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong>sempenha<strong>da</strong>s por ela e pelo mari<strong>do</strong>,a mãe <strong>do</strong> paciente relatou, em sessão seguinte que, na ver<strong>da</strong><strong>de</strong>, o que lhe angustiava era adificul<strong>da</strong><strong>de</strong> que tinha <strong>de</strong> li<strong>da</strong>r com o que consi<strong>de</strong>rava “imprevistos” na relação com os filhos.Assim, quan<strong>do</strong> surgia algum impasse, como um pedi<strong>do</strong> <strong>do</strong> filho para fazer algo sobre o qual ela não


28tinha certeza se <strong>de</strong>veria ou não permitir, se angustiava diante <strong>da</strong> necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> posicionar-se diante<strong>de</strong>le e <strong>da</strong> possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> lhe dizer “não”. Retoman<strong>do</strong> brevemente sua história, a mãe <strong>do</strong> pacientecompreen<strong>de</strong>u que tinha dificul<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> dizer “não” por me<strong>do</strong> <strong>de</strong> “frustrar o outro”; ao mesmo tempo,ela buscava controlar as ações e reações <strong>do</strong>s filhos, o que, na ver<strong>da</strong><strong>de</strong>, era uma forma <strong>de</strong> induzi-losa agirem <strong>de</strong> forma com que, mais tar<strong>de</strong>, ela não fosse novamente requisita<strong>da</strong> a tomar uma posiçãoem relação às escolhas <strong>de</strong>les.To<strong>da</strong>s estas experiências eram vivi<strong>da</strong>s com ansie<strong>da</strong><strong>de</strong>, na medi<strong>da</strong> em que esperava que na<strong>da</strong>“<strong>de</strong>sse erra<strong>do</strong>”, que “tu<strong>do</strong> fosse resolvi<strong>do</strong> logo, que tu<strong>do</strong> <strong>de</strong>sse certo”. Assim, foram trabalha<strong>da</strong>s asquestões referentes à infância – e também à a<strong>do</strong>lescência, por seu outro filho ter 14 anos -,refletin<strong>do</strong>-se sobre a reali<strong>da</strong><strong>de</strong> que esta fase <strong>do</strong> <strong>de</strong>senvolvimento humano impõe aos pais: constanteorientação, diálogo e segui<strong>da</strong>s intervenções, até que os filhos tenham clareza <strong>da</strong>s escolhas que<strong>de</strong>sejam fazer, em função <strong>do</strong> futuro que <strong>de</strong>sejam para si. Sobre o “dizer não”, a mãe foi questiona<strong>da</strong>sobre o projeto educativo que <strong>de</strong>sejava para os filhos, ou seja, o que gostaria <strong>de</strong> passar a eles, comogostaria <strong>de</strong> educá-los, o que gostaria que eles apren<strong>de</strong>ssem, através <strong>do</strong> que foi possível a elacompreen<strong>de</strong>r que o “dizer não” fazia parte <strong>da</strong>quilo que ela entendia como necessário e que a levariaa concretizar a educação e o futuro que <strong>de</strong>sejava para os filhos.Após estas sessões, a mãe <strong>do</strong> paciente relatou estar sentin<strong>do</strong>-se mais segura com relação àssuas ações na educação com os filhos, compreen<strong>de</strong>n<strong>do</strong> que era necessário ter claro o projeto <strong>de</strong>educação <strong>de</strong>les, como uma escolha fun<strong>da</strong>mental que a guiaria nas suas escolhas cotidianas, que alevaria ao futuro <strong>de</strong>seja<strong>do</strong> para si e para os filhos. Por fim, um último aspecto ain<strong>da</strong> foi trabalha<strong>do</strong>:a dificul<strong>da</strong><strong>de</strong> que ela tinha <strong>de</strong> permitir que o paciente se tornasse in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong>la e a dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>que ela própria tinha <strong>de</strong> <strong>de</strong>sconstruir a centrali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> seu perfil <strong>de</strong> mãe, que gerava nela tambémuma <strong>de</strong>pendência <strong>da</strong> presença <strong>do</strong>s filhos e <strong>da</strong> ocupação com as questões <strong>de</strong> ambos.Segun<strong>do</strong> Sartre (1997), sen<strong>do</strong> o indivíduo corpo e consciência, ele estabelece relações com amateriali<strong>da</strong><strong>de</strong>, com seu corpo, com a temporali<strong>da</strong><strong>de</strong> e também com os <strong>de</strong>mais. Nesta última, ou seja,na relação com o outro, o sujeito po<strong>de</strong> relacionar-se enquanto um “ser para o outro” ou enquantoum “ser com o outro”. Na primeira forma <strong>de</strong> relação, o sujeito experimenta seu ser como estan<strong>do</strong>em po<strong>de</strong>r <strong>do</strong> outro, em que “o outro <strong>de</strong>svela-se a mim como o sujeito para o qual eu sou objeto”(SARTRE, 1997, p. 441). Ain<strong>da</strong>, se, pelo contrário, o sujeito faz <strong>do</strong> outro um objeto, então torna ooutro um “ser para mim”. Nesta forma <strong>de</strong> relacionar-se, as conseqüências são sempre as mesmas:não há tecimento entre os indivíduos, nem compartilhamento <strong>de</strong> um projeto comum, que faça comque os sujeitos caminhem juntos para um futuro.Se, no entanto, os sujeitos se relacionam sen<strong>do</strong> um ser-com-o-outro, há relação <strong>de</strong>reciproci<strong>da</strong><strong>de</strong>, ou seja, “o reconhecimento <strong>do</strong> outro enquanto liber<strong>da</strong><strong>de</strong>, que viabiliza, portanto, atroca com o outro, on<strong>de</strong> um po<strong>de</strong> ser mediação para o outro” (SCHNEIDER, 2002, p. 219). É esta


29forma <strong>de</strong> relacionar-se, portanto, que buscou-se construir em terapia entre a mãe <strong>do</strong> paciente e ele,permitin<strong>do</strong> principalmente que a mãe, compreen<strong>de</strong>n<strong>do</strong> o outro enquanto “liber<strong>da</strong><strong>de</strong>”, permitisseuma relação <strong>de</strong> compartilhamento <strong>de</strong> projetos com seus filhos, toman<strong>do</strong> <strong>de</strong>cisões conjuntas, a partir<strong>de</strong> uma mediação mais crítica. Primeiro, contu<strong>do</strong>, ela mesma precisou compreen<strong>de</strong>r-se como um ser“con<strong>de</strong>na<strong>do</strong> a ser livre”, que faz escolhas que lhe direcionam sempre a um futuro.Ao <strong>de</strong>parar-se com a necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> responsabilizar-se por sua vi<strong>da</strong> e pelo seu projeto <strong>de</strong>ser, a mãe <strong>do</strong> paciente refletiu sobre a possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> voltar a trabalhar, enten<strong>de</strong>n<strong>do</strong> que estaatitu<strong>de</strong> lhe proporcionaria novas formas <strong>de</strong> mover-se no mun<strong>do</strong> e <strong>de</strong> significar seu dia-a-dia,colaboran<strong>do</strong> também para seu objetivo <strong>de</strong> “<strong>de</strong>ixar seus filhos tornarem-se mais in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes”.Assim, em terapia, foram avalia<strong>da</strong>s as possibili<strong>da</strong><strong>de</strong>s concretas <strong>de</strong> retomar ou iniciar algumaativi<strong>da</strong><strong>de</strong> remunera<strong>da</strong>, que lhe conferisse retorno financeiro, uma ocupação durante seus dias, mastambém uma proximi<strong>da</strong><strong>de</strong> com sua casa, ten<strong>do</strong> em vista que seu <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> estar perto <strong>do</strong>s filhos erafonte <strong>de</strong> satisfação e significa<strong>do</strong> para ela. Dessa forma, compreendia-se que, mais importante <strong>do</strong>que a distância física, era imprescindível uma mu<strong>da</strong>nça <strong>de</strong> atitu<strong>de</strong> <strong>da</strong> mãe <strong>do</strong> paciente e que, se elaconseguisse conciliar seu <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> manter-se próxima na relação com os filhos, mas também <strong>de</strong>organizar-se para um trabalho formal, o ganho viria <strong>da</strong> possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> viabilizar-se em seu projetocomo mãe e também enquanto profissional. Diante <strong>da</strong>s reflexões, a mãe <strong>do</strong> paciente avaliou apossibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> voltar a fazer trabalho com costuras, visto que tinha experiência e uma máquina emcasa, o que, segun<strong>do</strong> ela, “seria uma forma <strong>de</strong> conciliar seus <strong>de</strong>sejos”.Após quatro sessões segui<strong>da</strong>s com a mãe, foram realiza<strong>da</strong>s duas novas sessões com opaciente, em que foram trabalha<strong>do</strong>s aspectos <strong>de</strong> sua in<strong>de</strong>pendência e autonomia como filho - ten<strong>do</strong>em vista que sua mãe havia relata<strong>do</strong> dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s para estimular este amadurecimento nos filhos – esobre sua relação com a mãe. Na primeira <strong>de</strong>las, fazen<strong>do</strong> uma reflexão sobre o que é serin<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte e sobre como esta construção ocorre na vi<strong>da</strong> <strong>da</strong>s pessoas, o paciente foi requisita<strong>do</strong> a<strong>de</strong>senhar “coisas que fazia para as quais precisava <strong>de</strong> aju<strong>da</strong>” e “coisas que fazia sozinho”. Para asprimeiras, <strong>de</strong>senhou a si mesmo sen<strong>do</strong> aju<strong>da</strong><strong>do</strong> pela mãe na realização <strong>de</strong> tarefas <strong>de</strong> casa; comocoisas que fazia sozinho, <strong>de</strong>senhou: “escovar os <strong>de</strong>ntes, pentear os cabelos, tomar banho, an<strong>da</strong>r <strong>de</strong>bicicleta, comer, vestir-se, ir à casa <strong>de</strong> seus amigos e estu<strong>da</strong>r na escola”.Assim, a autonomia que antes estava sen<strong>do</strong> trabalha<strong>da</strong> a partir <strong>do</strong>s perfis <strong>de</strong> amigo eestu<strong>da</strong>nte <strong>do</strong> paciente, passou a se trabalha<strong>da</strong> também em seu perfil <strong>de</strong> filho, compreen<strong>de</strong>n<strong>do</strong>-se queas reflexões realiza<strong>da</strong>s levariam ao entendimento <strong>de</strong> que ca<strong>da</strong> sujeito é responsável por suasescolhas e pelo seu projeto <strong>de</strong> ser. Por outro la<strong>do</strong>, salientou-se que a liber<strong>da</strong><strong>de</strong> que os indivíduostêm <strong>de</strong> escolher e <strong>de</strong> se constituir a partir <strong>de</strong> seu <strong>de</strong>sejo está sempre media<strong>da</strong> pelo outro e pelamateriali<strong>da</strong><strong>de</strong>. Assim, buscou-se localizar o paciente <strong>de</strong> que suas escolhas estarão sempre inseri<strong>da</strong>s


30em um contexto e terão sempre o olhar e a mediação <strong>do</strong> outro, pois, segun<strong>do</strong> Sartre (1997, p. 290)“o outro é mediação indispensável entre mim e mim mesmo”.Na segun<strong>da</strong> sessão, trabalhan<strong>do</strong> aspectos diretamente atrela<strong>do</strong>s à sua relação com a mãe, opaciente foi leva<strong>do</strong> a refletir sobre as conseqüências que a sua forma <strong>de</strong> se colocar nesse perfil tinhatanto para si como para a sua mãe, visto que, ao escolher para si, o indivíduo escolhe também para ooutro. Apesar <strong>de</strong>ste trabalho com ele, naquele momento avaliou-se que as dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>do</strong> pacienteadquirir autonomia advinham, principalmente, <strong>da</strong> forma como a mãe se relacionava com os filhos,já que, durante estas duas sessões, o paciente não <strong>de</strong>monstrou resistências em assumir asresponsabili<strong>da</strong><strong>de</strong>s por suas tarefas e auto-cui<strong>da</strong><strong>do</strong>. Portanto, consi<strong>de</strong>rou-se fun<strong>da</strong>mental <strong>da</strong>rcontinui<strong>da</strong><strong>de</strong> às reflexões inicia<strong>da</strong>s com ela nas sessões anteriores.Dessa forma, o trabalho em terapia no processo <strong>de</strong> amadurecimento e <strong>de</strong> in<strong>de</strong>pendência <strong>do</strong>paciente - através <strong>da</strong>s reflexões sobre as conseqüências <strong>de</strong> suas escolhas e <strong>da</strong> responsabili<strong>da</strong><strong>de</strong> sobreseu presente e sobre seu futuro e, conseqüentemente, sobre seu <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> ser - esteve o tempo to<strong>do</strong>vincula<strong>do</strong> às reflexões realiza<strong>da</strong>s com a mãe <strong>do</strong> paciente, a partir <strong>da</strong> compreensão <strong>de</strong> que areali<strong>da</strong><strong>de</strong> é dialética, ou seja, <strong>de</strong> que os sujeitos fazem suas escolhas inseri<strong>do</strong>s em um contexto <strong>de</strong>relações, incluin<strong>do</strong> a relação com o outro, com a socie<strong>da</strong><strong>de</strong>, com a materiali<strong>da</strong><strong>de</strong> e com atemporali<strong>da</strong><strong>de</strong>. Por isso, após estas sessões com o paciente, duas novas sessões com sua mãe foramrealiza<strong>da</strong>s, quan<strong>do</strong> foram abor<strong>da</strong><strong>da</strong>s questões relaciona<strong>da</strong>s à sua própria in<strong>de</strong>pendência com relaçãoaos filhos, ou seja, <strong>de</strong> modificação <strong>de</strong> uma dinâmica caracteriza<strong>da</strong> pela centrali<strong>da</strong><strong>de</strong> que o papel <strong>de</strong>mãe tinha em sua vi<strong>da</strong>, que proporcionaria ao paciente novas possibili<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> experimentar-seenquanto sujeito in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte, media<strong>do</strong> em sua relação com a mãe.Segun<strong>do</strong> Schnei<strong>de</strong>r (2002, p. 229),as estruturas <strong>da</strong> família, <strong>do</strong>s grupos primários a que pertence, são interioriza<strong>da</strong>s pelacriança em atitu<strong>de</strong>s, e reexterioriza<strong>da</strong>s em práticas, pelas quais ela se faz ser aquilo quefizeram <strong>de</strong>la. Dessa forma, o que encontramos na infância são atitu<strong>de</strong>s, ações, emoçõesque sempre têm sua origem em uma ‘<strong>de</strong>terminação interioriza<strong>da</strong>’, passan<strong>do</strong> por umprocesso <strong>de</strong> totalização e <strong>de</strong>stotalização <strong>do</strong> ser <strong>da</strong> criança, no seio <strong>de</strong> suas relaçõesfun<strong>da</strong>mentais.Portanto, na etapa <strong>da</strong> terapia em que a mãe <strong>do</strong> paciente foi chama<strong>da</strong> a participar ativamente<strong>do</strong> processo, o trabalho esteve centra<strong>do</strong> na alteração <strong>de</strong> algumas <strong>de</strong> suas dinâmicas e também emalgumas dinâmicas <strong>da</strong> família – fun<strong>da</strong>mentalmente através <strong>da</strong> mãe -, na medi<strong>da</strong> em que seusmembros representavam a principal fonte <strong>de</strong> mediação para o paciente. Consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> que apersonali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>do</strong>s sujeitos é constituí<strong>da</strong> a partir <strong>de</strong> um processo histórico, “realiza<strong>do</strong> entre o jogodialético entre a objetivi<strong>da</strong><strong>de</strong> (outros, socie<strong>da</strong><strong>de</strong>, materiali<strong>da</strong><strong>de</strong>) e a subjetivi<strong>da</strong><strong>de</strong> (o sujeito, comsuas emoções, seu imaginário, suas ações, suas quali<strong>da</strong><strong>de</strong>s)” (SCHNEIDER, 2002, p. 233), o


31trabalho <strong>da</strong> terapia buscou garantir que o paciente tivesse, em sua relação com a família, mediaçãopara a realização <strong>de</strong> seu projeto <strong>de</strong> ser.Assim, nas últimas sessões realiza<strong>da</strong>s com a mãe <strong>do</strong> paciente, procuran<strong>do</strong> realizar umtrabalho “por <strong>de</strong>ntro” <strong>de</strong> sua história, para que se apropriasse <strong>de</strong> fato <strong>da</strong>s mu<strong>da</strong>nças que vinhafazen<strong>do</strong>, refletiu-se sobre a forma como ela vinha construin<strong>do</strong> sua história com os <strong>do</strong>is filhos esobre as conseqüências <strong>da</strong>s escolhas que vinha fazen<strong>do</strong> até então em seu perfil <strong>de</strong> mãe.Consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> que sua racionali<strong>da</strong><strong>de</strong> sobre o mun<strong>do</strong> e sobre o conhecimento que tinha <strong>de</strong> si mesmaestava impregna<strong>da</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminismos, ela foi leva<strong>da</strong> a compreen<strong>de</strong>r o caminho que vinha fazen<strong>do</strong> eque estava geran<strong>do</strong> as dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s que lhe traziam sofrimento. As reflexões proporciona<strong>da</strong>s,portanto, levaram-na a perceber que era imprescindível que se apropriasse <strong>de</strong> suas quali<strong>da</strong><strong>de</strong>s-<strong>de</strong>-ser<strong>de</strong> forma crítica e que as alterasse <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com seu <strong>de</strong>sejo-<strong>de</strong>-ser.Refletin<strong>do</strong> sobre o futuro que <strong>de</strong>sejava para si e que <strong>de</strong>sejava para seus filhos,compreen<strong>de</strong>n<strong>do</strong> que sua personali<strong>da</strong><strong>de</strong> havia si<strong>do</strong> constituí<strong>da</strong> no e por seu movimento no mun<strong>do</strong>, amãe <strong>do</strong> paciente compreen<strong>de</strong>u que, através <strong>de</strong> suas ações, estavam sen<strong>do</strong> construí<strong>da</strong>s, em terapia,novas possibili<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> ser, que a aproximavam <strong>do</strong> seu <strong>de</strong>sejo-<strong>de</strong>-ser. Em <strong>de</strong>corrência disso, seu<strong>de</strong>sejo e seu projeto foram sen<strong>do</strong> re<strong>de</strong>senha<strong>do</strong>s ao longo <strong>da</strong>s sessões. Após este perío<strong>do</strong> <strong>de</strong> terapia, amãe <strong>do</strong> paciente, nos últimos atendimentos antes <strong>da</strong> alta, relatou estar segura e prepara<strong>da</strong> pararealizar escolhas <strong>de</strong> forma mais crítica, ten<strong>do</strong> aprendi<strong>do</strong> o caminho – <strong>de</strong> retomar a sua história, <strong>de</strong>olhar para o seu <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> ser e também para o seu projeto <strong>de</strong> futuro – a ser construí<strong>do</strong> diante <strong>da</strong>necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> agir e <strong>de</strong> responsabilizar-se por sua vi<strong>da</strong> e, consequentemente, por aqueles comquem convivia.Ten<strong>do</strong> apropria<strong>do</strong>-se <strong>de</strong> suas histórias, <strong>da</strong> forma como estavam construin<strong>do</strong> suas relaçõescom a exteriori<strong>da</strong><strong>de</strong> e <strong>da</strong> maneira como vinham constituin<strong>do</strong> suas personali<strong>da</strong><strong>de</strong>s, tanto o pacientecomo sua mãe passaram a realizar escolhas <strong>de</strong> forma mais crítica, localiza<strong>do</strong>s <strong>de</strong> seus <strong>de</strong>sejos eprojetos-<strong>de</strong>-ser, compreen<strong>de</strong>n<strong>do</strong> a responsabil<strong>da</strong><strong>de</strong> que tinham sobre si mesmos e sobre os <strong>de</strong>mais.A partir <strong>de</strong>stas re<strong>de</strong>finiçoes, ambos estavam prepara<strong>do</strong>s para a alta <strong>da</strong> terapia, que foi sen<strong>do</strong>trabalha<strong>da</strong> aos poucos nos últimos <strong>do</strong>is meses <strong>de</strong> processso.Além <strong>da</strong> alta, os conteú<strong>do</strong>s trabalha<strong>do</strong>s nas últimas sessões com a mãe e com o pacienteincluiram a compreensão política <strong>de</strong>scrita por Sartre (1978), relaciona<strong>da</strong>s à responsabili<strong>da</strong><strong>de</strong> que osindivíduos tem com relação aos seus projetos e também para com os projetos <strong>de</strong> ser <strong>do</strong>s <strong>de</strong>mais.Assim, ambos pu<strong>de</strong>ram compreen<strong>de</strong>r que escolher para si implica em escolher também para o outroe, além disso, para a humani<strong>da</strong><strong>de</strong>, ten<strong>do</strong> em vista que os sujeitos são sempre seres em relação e queconstituem sua personali<strong>da</strong><strong>de</strong> a partir <strong>da</strong> subjetivação <strong>da</strong> exteriori<strong>da</strong><strong>de</strong>, sen<strong>do</strong> a exteriori<strong>da</strong><strong>de</strong> cria<strong>da</strong>também a partir <strong>da</strong> objetivação que fazem <strong>de</strong> sua subjetivi<strong>da</strong><strong>de</strong>, num processo dialético <strong>de</strong>construção individual e social.


4.2 Estu<strong>do</strong> <strong>de</strong> Caso 232Paciente: B Sexo: Feminino I<strong>da</strong><strong>de</strong>: 7 anosEncaminha<strong>da</strong> por: Pediatra <strong>do</strong> Centro <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> <strong>do</strong> MunicípioMotivo <strong>do</strong> Encaminhamento: A paciente sentia “me<strong>do</strong> <strong>de</strong> tu<strong>do</strong>”Número Total <strong>de</strong> Sessões: 5Motivo <strong>do</strong> Desligamento: Excesso <strong>de</strong> faltas sem justificativa.QUEIXA PRINCIPALA paciente tinha “me<strong>do</strong> <strong>de</strong> tu<strong>do</strong>”, mas principalmente <strong>de</strong> ficar sozinha. Também ficava muitonervosa em algumas situações, com relação aos irmãos e quan<strong>do</strong> a mãe não fazia suas vonta<strong>de</strong>s eexigia <strong>de</strong>la certos limites; tinha dificul<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> aprendizagem.AVALIAÇÃO PSICOLÓGICAForam realiza<strong>da</strong>s entrevistas com a paciente e com sua mãe, em sessão conjunta inicialmente eindividualmente após o primeiro atendimento. Com a paciente foram utiliza<strong>da</strong>s técnicas como <strong>do</strong><strong>de</strong>senho livre e <strong>da</strong> família e também jogos infantis.HIPÓTESES DIAGNÓSTICASA paciente apresentava reações espera<strong>da</strong>s mediante a situação enfrenta<strong>da</strong> pela família quan<strong>do</strong> <strong>da</strong>chega<strong>da</strong> à terapia. Naquele momento, eram enfrenta<strong>do</strong>s lutos com relação à morte <strong>de</strong> mais <strong>de</strong> ummembro, que faleceram em um curto perío<strong>do</strong> <strong>de</strong> tempo. A mãe <strong>da</strong> paciente ausentou-se <strong>de</strong> sua casapor algumas noites durante mais <strong>de</strong> um mês, pois era a principal cui<strong>da</strong><strong>do</strong>ra <strong>do</strong>s enfermos. Asdificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s referi<strong>da</strong>s pela mãe estariam, assim, relaciona<strong>da</strong>s à dinâmica familiar e aos conflitosvivencia<strong>do</strong>s e presencia<strong>do</strong>s pela paciente, em função <strong>do</strong>s lutos, <strong>do</strong> alcoolismo <strong>do</strong> pai e <strong>da</strong> maneiracomo a família vinha construin<strong>do</strong> suas relações diante <strong>de</strong>stes fatos.PLANO TERAPÊUTICOPsicoterapia individual, com o objetivo <strong>de</strong> investigar a real necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> realizar os atendimentoscom a paciente. A mãe <strong>da</strong> criança foi chama<strong>da</strong> para que fosse possível compreen<strong>de</strong>r quais asexpectativas <strong>de</strong>la com relação à terapia, para orientá-la e informá-la sobre as hipóteses levanta<strong>da</strong>s.CONSIDERAÇÕES SOBRE O PROCESSOAo longo <strong>do</strong> processo, foi possível compreen<strong>de</strong>r que as atitu<strong>de</strong>s <strong>da</strong> paciente relaciona<strong>da</strong>s à queixa<strong>da</strong> mãe estavam ocorren<strong>do</strong> como reflexo <strong>da</strong> situação enfrenta<strong>da</strong> pela família, principalmente com


33relação ao luto por familiares. Com o passar <strong>do</strong> tempo, a família pô<strong>de</strong> começar a se reorganizar e,com isso, a mãe relatou melhoras sobre o comportamento <strong>da</strong> filha, fun<strong>da</strong>mentalmente com relaçãoaos me<strong>do</strong>s e às dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> aprendizagem. Apesar disso, questões relaciona<strong>da</strong>s à dinâmicafamiliar seriam trabalha<strong>da</strong>s, ten<strong>do</strong> em vista que o pai <strong>da</strong> paciente era alcoolista e a mãe referiadificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s na relação com ele e também com a filha. Contu<strong>do</strong>, a paciente foi <strong>de</strong>sliga<strong>da</strong> em função<strong>de</strong> não ter mais compareci<strong>do</strong> às sessões.4.3 Estu<strong>do</strong> <strong>de</strong> Caso 3Paciente C Sexo: masculino I<strong>da</strong><strong>de</strong>: 27 anosSepara<strong>do</strong>, três filhos (duas meninas e um menino)Encaminha<strong>do</strong> por: Estagiárias <strong>de</strong> Psicologia Educacional <strong>do</strong> Escritóro Mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> Advocacia <strong>da</strong>Universi<strong>da</strong><strong>de</strong>Motivo <strong>do</strong> Encaminhamento: A mulher <strong>do</strong> paciente procurou aju<strong>da</strong> psicológica para o mari<strong>do</strong> apósele ter sofri<strong>do</strong> duas “crises”, nas quais teria ti<strong>do</strong> alucinações visuais e auditivas.Número Total <strong>de</strong> Sessões: 5Motivo <strong>do</strong> Desligamento: Excesso <strong>de</strong> faltas sem justificativa.QUEIXA PRINCIPALO paciente queixou-se <strong>de</strong> estar sentin<strong>do</strong>-se confuso em função <strong>de</strong> mu<strong>da</strong>nças que ocorreram na suavi<strong>da</strong>, pois estava tu<strong>do</strong> bem até há algum tempo, quan<strong>do</strong> “tu<strong>do</strong> começou a <strong>da</strong>r erra<strong>do</strong>”. As mu<strong>da</strong>nçasrelata<strong>da</strong>s foram a per<strong>da</strong> <strong>do</strong> emprego, a aquisição <strong>de</strong> dívi<strong>da</strong>s e a separação <strong>da</strong> esposa que, segun<strong>do</strong>ele, não agüentou vê-lo fragiliza<strong>do</strong> e pediu que terminassem o casamento <strong>de</strong> 11 anos. O pacienterelatou ter ti<strong>do</strong> uma crise nervosa em que chorou muito e cortou seu corpo com cacos <strong>de</strong> vidro <strong>de</strong>um copo quebra<strong>do</strong>, ter choro recorrente, sentir me<strong>do</strong> <strong>de</strong> voltar a ter outras crises e ter problemas <strong>de</strong>relacionamento com a mãe.AVALIAÇÃO PSICOLÓGICAForam realiza<strong>da</strong>s sessões com o paciente e um atendimento com a esposa, nas quais suas relaçõesforam <strong>de</strong>scritas e investiga<strong>da</strong>s através <strong>de</strong> entrevistas. Em algumas sessões, foram utiliza<strong>da</strong>s tarefas<strong>de</strong> casa como estratégias imediatas para li<strong>da</strong>r com as dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s que compunham sua queixa.


34HIPÓTESES DIAGNÓSTICASUm <strong>da</strong>s hipóteses elabora<strong>da</strong>s foi a <strong>de</strong> que o paciente apresentou a crise a partir <strong>do</strong> evento <strong>da</strong>separação <strong>de</strong> sua esposa e diante <strong>da</strong> possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> ter <strong>de</strong> enfrentar sua ausência, já que este nãoera seu <strong>de</strong>sejo e consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> que ela era a principal fonte <strong>de</strong> apoio para as dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s queenfrentava com as dívi<strong>da</strong>s. Diante <strong>da</strong>s mu<strong>da</strong>nças que ocorreram em sua vi<strong>da</strong> (per<strong>da</strong> <strong>do</strong> emprego edívi<strong>da</strong>s), não conseguiu organizar-se <strong>de</strong> maneira a li<strong>da</strong>r com os problemas que precisou enfrentar;por isso, sentia-se fraco e culpa<strong>do</strong> por não ter consegui<strong>do</strong> resolver as dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s sem apresentar ascrises. Uma hipótese sobre o que estava contribuin<strong>do</strong> para este sentimento era o fato <strong>de</strong> sua esposacobrar <strong>de</strong>le um comportamento <strong>de</strong> “homem <strong>da</strong> casa”, que precisava ser forte e protegê-la. Assim, opaciente apresentava dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> se posicionar diante <strong>da</strong>s situações que exigiam <strong>de</strong>le escolhas eatitu<strong>de</strong>s, tanto com relação às divi<strong>da</strong>s como na relação com a esposa e também em seurelacionamento com sua mãe, que o criticava por estar casa<strong>do</strong> com uma mulher que tinha uma filha<strong>de</strong> outro homem. Essa dificul<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> posicionamento o angustiava e o fez mergulhar naespontanei<strong>da</strong><strong>de</strong>, <strong>da</strong>n<strong>do</strong> a ele a sensação <strong>de</strong> impotência e fraqueza, fazen<strong>do</strong> com que, ca<strong>da</strong> vez mais,se sentisse triste e frágil emocionalmente.PLANO TERAPÊUTICOPsicoterapia individual. Diante <strong>do</strong> <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> continuar casa<strong>do</strong>, <strong>de</strong> quitar suas dívi<strong>da</strong>s e <strong>de</strong> lutar paraque sua vi<strong>da</strong> voltasse a estar sob seu controle, a psicoterapia tinha como meta auxiliar o paciente acompreen<strong>de</strong>r o caminho que vinha fazen<strong>do</strong> e que fez com que se complicasse, bem como <strong>de</strong>linearcom contornos mais claros seu <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> ser e instrumentalizá-lo para que, agin<strong>do</strong> <strong>de</strong> forma maisativa, escolhen<strong>do</strong> a partir <strong>de</strong> uma consciência crítica, pu<strong>de</strong>sse chegar a concretizar seu projeto <strong>de</strong>ser.CONSIDERAÇÕES SOBRE O PROCESSOAo longo <strong>da</strong>s sessões realiza<strong>da</strong>s, foi possível compreen<strong>de</strong>r que o paciente, diante <strong>de</strong> mu<strong>da</strong>nçassignificativas nas condições objetivas <strong>de</strong> sua vi<strong>da</strong>, não conseguiu estar seguro emocionalmente parafazer escolhas e enfrentar os problemas sem complicar-se psicologicamente. Através <strong>do</strong>s relatossobre a forma como vinha construin<strong>do</strong> suas relações, foi possível perceber que, colocan<strong>do</strong>-se nomun<strong>do</strong> <strong>de</strong> maneira bastante passiva, lhe faltava clareza sobre seu <strong>de</strong>sejo e sobre a necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>agir conscientemente <strong>de</strong> forma a concretiza-los: sentin<strong>do</strong>-se inseguro diante <strong>da</strong> necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>escolher que a vi<strong>da</strong> lhe exigia, o paciente complicou-se a partir <strong>do</strong> momento em que não maisconseguia viabilizar seu <strong>de</strong>sejo e seu projeto <strong>de</strong> ser. Neste senti<strong>do</strong>, a terapia teria como objetivoinstrumentalizar o paciente, para que se tornasse capaz <strong>de</strong> transcen<strong>de</strong>r suas dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s e ter seuprojeto em suas mãos.


4.4 Estu<strong>do</strong> <strong>de</strong> Caso 435Paciente: F Sexo: Masculino I<strong>da</strong><strong>de</strong>: 12 anosEncaminha<strong>do</strong> por: Pediatra <strong>do</strong> Posto <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> <strong>do</strong> MunicípioMotivo <strong>do</strong> Encaminhamento: sentia raiva diante <strong>de</strong> “brinca<strong>de</strong>iras <strong>de</strong> mau gosto” que os colegasfaziam; não conseguia segurar as fezes.Número <strong>de</strong> sessões: 8Motivo <strong>do</strong> <strong>de</strong>sligamento: Excesso <strong>de</strong> faltas sem justificativa.QUEIXA PRINCIPALA mãe <strong>do</strong> paciente relatou ter busca<strong>do</strong> atendimento psicológico para seu filho por ele ser muitonervoso e por não conseguir segurar as fezes. Disse que estes problemas haviam começa<strong>do</strong> há umano, quan<strong>do</strong> o paciente tinha 11 anos e “começou a <strong>da</strong>r problema”, como brigar com os colegas,faltar aulas e ficar muito nervoso.AVALIAÇÃO PSICOLÓGICAForam realiza<strong>da</strong>s entrevistas com o paciente e com sua mãe, em sessão conjunta inicialmente eindividualmente após o primeiro atendimento. Com o paciente foram utiliza<strong>da</strong>s técnicas como <strong>de</strong><strong>de</strong>senho e também jogos infantis.HIPÓTESES DIAGNÓSTICASAs dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>do</strong> paciente apareceram como liga<strong>da</strong>s ao seu relacionamento com os pais: a mãe<strong>de</strong>finia-se como nervosa, per<strong>de</strong>n<strong>do</strong> a paciência com o filho e reconhecen<strong>do</strong> participar <strong>de</strong> formadistante <strong>de</strong> seu cotidiano; o pai mu<strong>da</strong>va-se constantemente <strong>de</strong> ci<strong>da</strong><strong>de</strong> e não realizava contato com omenino por, pelo menos, 4 meses. Não foi <strong>de</strong>scarta<strong>da</strong> possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> influência <strong>de</strong> causasorgânicas para a dificul<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> segurar as fezes, ten<strong>do</strong> em vista que mãe não o levou para avaliaçãomédica. A hipótese que se apresentou como a mais condizente com a reali<strong>da</strong><strong>de</strong> vivencia<strong>da</strong> pelopaciente foi a <strong>de</strong> que po<strong>de</strong>ria haver alguma inviabilização em seu perfil <strong>de</strong> filho, já que o quemapareceu em terapia foi que a relação que mantinha com sua mãe era permea<strong>da</strong> por conflitos e pelafalta <strong>de</strong> mediação <strong>de</strong>la para que seu <strong>de</strong>senvolvimento pu<strong>de</strong>sse ocorrer <strong>de</strong> forma segura. Nos poucoscontatos realiza<strong>do</strong>s com a mãe, ela apareceu como alguém que não conseguia dialogar com o filho,sentin<strong>do</strong>-se nervosa por diversas vezes em seu cotidiano e “<strong>de</strong>scontan<strong>do</strong>” nele sua raiva advin<strong>da</strong> <strong>de</strong>vivências em seu ambiente <strong>de</strong> trabalho, através <strong>de</strong> agressões verbais e, mais raramente, físicas.


36PLANO TERAPÊUTICOPsicoterapia individual, com objetivo <strong>de</strong> investigar as possíveis causas para a dificul<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> seguraras fezes <strong>do</strong> paciente e também para avaliar as situações em que sentia-se nervoso. Seria investiga<strong>do</strong>sobre a relação <strong>da</strong> mãe com o filho e sobre a forma como a ela o apreendia e o educava, bem comoinvestigar como o paciente se via, sobre como acreditava que os outros o viam e também sobrequem era este outro para ele, para que fossem trabalha<strong>da</strong>s questões relaciona<strong>da</strong>s ao seu <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong>ser e sobre a sua responsabili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> fazer escolhas que o viabilizassem.CONSIDERAÇÕES SOBRE O PROCESSOAo longo <strong>do</strong> processo, a estratégia utiliza<strong>da</strong> em psicoterapia foi a <strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>r o cotidiano emque o paciente estava inseri<strong>do</strong>, com suas relações em to<strong>do</strong>s os perfis, consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> que havia relatos<strong>de</strong> uma história um pouco confusa em seu perfil <strong>de</strong> filho: o pai ausentava-se constantemente (nãofazia contato <strong>de</strong>s<strong>de</strong> antes <strong>do</strong> início <strong>da</strong> terapia) e a relação com a mãe parecia tumultua<strong>da</strong>, comrelatos <strong>de</strong> agressão física e verbal em algumas ocasiões. Na última sessão, percebeu-se anecessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> realizar um trabalho mais intenso com a mãe <strong>do</strong> paciente, pois provavelmente emfunção <strong>de</strong> condições objetivas <strong>de</strong> dificul<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> organizar sua rotina e <strong>de</strong> ter tempo para o filho, elaestivesse distancia<strong>da</strong> <strong>de</strong>le, necessitan<strong>do</strong> <strong>de</strong> uma reflexão media<strong>da</strong> para que pu<strong>de</strong>sse agenciar seutempo <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com seu <strong>de</strong>sejo e projeto <strong>de</strong> ser, fornecen<strong>do</strong> apoio e mediação ao filho, que<strong>de</strong>monstrava sentir uma insegurança <strong>de</strong> ser em função <strong>da</strong>s dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> tecimento na relação comos pais.4.5 Estu<strong>do</strong> <strong>de</strong> Caso 5Pacientes: G Sexo: M I<strong>da</strong><strong>de</strong>: 13 anosEncaminha<strong>do</strong> por: Conselho Tutelar, por pedi<strong>do</strong> <strong>da</strong> mãe <strong>do</strong> pacienteMotivo <strong>do</strong> encaminhamento: Estava apresentan<strong>do</strong> dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> relacionamento; não gostava <strong>de</strong>limites e <strong>de</strong> ser contraria<strong>do</strong>, não respeitan<strong>do</strong> regras e mostran<strong>do</strong>-se agressivo.Número <strong>de</strong> sessões: 6Motivo <strong>do</strong> <strong>de</strong>sligamento: Excesso <strong>de</strong> faltas sem justificativa.QUEIXA PRINCIPALO paciente e a tia que o acompanhou – sua responsável – queixavam-se <strong>de</strong> dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong>relacionamento <strong>de</strong>le com sua mãe, que o havia aban<strong>do</strong>na<strong>do</strong> aos cui<strong>da</strong><strong>do</strong>s <strong>da</strong> tia quan<strong>do</strong> ele tinha


ain<strong>da</strong> 15 dias. A tia queixou-se ain<strong>da</strong> <strong>de</strong> que o menino, em muitas ocasiões, não conversava sobre oque sentia, fican<strong>do</strong> sozinho, sem comer e queren<strong>do</strong> apenas ficar <strong>do</strong>rmin<strong>do</strong> em seu quarto.37AVALIAÇÃO PSICOLÓGICAForam realiza<strong>da</strong>s entrevistas com o paciente, em sessão conjunta inicialmente e individualmenteapós o primeiro atendimento. Com o paciente foram utiliza<strong>da</strong>s técnicas como mapeamento <strong>da</strong>srelações familiares e também jogos infantis.HIPÓTESES DIAGNÓSTICASApesar <strong>da</strong> queixa <strong>do</strong>s encaminhantes <strong>de</strong> que o paciente era indisciplina<strong>do</strong>, o paciente <strong>de</strong>monstrouser um a<strong>do</strong>lescente bastante ativo, espontâneo e alegre e preocupava-se em não <strong>de</strong>ixar que a mãecometesse o que, ao seu ver, eram injustiças na forma como tratava seu pai. Nestes momentos,entrava em atrito com ela, que não conseguia estabelecer um diálogo claro com o filho, nemproporcionar a ele segurança <strong>de</strong> ser. Assim, seu sofrimento estava relaciona<strong>do</strong> principalmente àsvivências em seu perfil <strong>de</strong> filho, visto que não sentia possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> estabelecer tecimento com suamãe, que, por sua vez, parecia não conseguir separar as dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s advin<strong>da</strong>s <strong>de</strong> sua separação como pai <strong>do</strong> paciente e <strong>de</strong> seu relacionamento com o filho.PLANO TERAPÊUTICOPsicoterapia individual, com o objetivo trabalhar a forma como o paciente se relacionava com suamãe, investigan<strong>do</strong>-se seu <strong>de</strong>sejo sobre como gostaria que essa relação ocorresse, auxilian<strong>do</strong>-o aposicionar-se <strong>de</strong> maneira a atingir seu <strong>de</strong>sejo e, conseqüentemente, seu projeto <strong>de</strong> ser como filho.Ain<strong>da</strong>, objetivou-se não permitir que as queixas e dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>da</strong> mãe em seu relacionamento como paciente e também com o pai <strong>de</strong>le lhe proporcionassem mediações que viessem a contribuir naconstrução <strong>de</strong> suas quali<strong>da</strong><strong>de</strong>s-<strong>de</strong>-ser, ou seja, possibilitar que ele se afastasse psicologicamente <strong>do</strong>dis<strong>curso</strong> <strong>da</strong> mãe, que o <strong>de</strong>svalorizava e o lançava em uma insegurança <strong>de</strong> ser.CONSIDERAÇÕES SOBRE O PROCESSOAo longo <strong>do</strong> processo, foi possível compreen<strong>de</strong>r que a mãe <strong>do</strong> paciente lhe apresentava um dis<strong>curso</strong>ambíguo com relação à assunção <strong>de</strong> sua materni<strong>da</strong><strong>de</strong>. Por outro la<strong>do</strong>, po<strong>de</strong>ria haver um dis<strong>curso</strong>ambíguo também <strong>da</strong> tia (irmã <strong>da</strong> mãe) que o estava educan<strong>do</strong>, pois, em <strong>de</strong>termina<strong>do</strong>s momentos, atia referia que sua irmã era “difícil, mal educa<strong>da</strong>”, responsabilizan<strong>do</strong>-a pelo sofrimento <strong>do</strong> sobrinho,mas, outras vezes, queixava-se <strong>do</strong> menino, dizen<strong>do</strong> que ele precisava “<strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> ser rebel<strong>de</strong>”.Diante disso e também diante <strong>de</strong> seu <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> estabelecer um bom relacionamento com a mãe, opaciente encontrava dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> se viabilizar em seu perfil <strong>de</strong> filho. Contu<strong>do</strong>, quan<strong>do</strong> foram


38trabalha<strong>da</strong>s estratégias <strong>de</strong> distanciamento psicológico, o paciente <strong>de</strong>monstrou apropriar-se <strong>do</strong> queestava sen<strong>do</strong> discuti<strong>do</strong>, conseguin<strong>do</strong> pensar em maneiras práticas <strong>de</strong> realizar mu<strong>da</strong>nças e, inclusive,ten<strong>do</strong> relata<strong>do</strong> pequenas alterações – que consi<strong>de</strong>rou como melhoras - em seu comportamento etambém no comportamento <strong>da</strong> mãe.4.6 Estu<strong>do</strong> <strong>de</strong> caso 6Paciente: H Sexo: M I<strong>da</strong><strong>de</strong>: 7 anosEncaminha<strong>do</strong> por: Médica pediátricaMotivo <strong>do</strong> encaminhamento: “Comportamento diferencia<strong>do</strong>”Número <strong>de</strong> sessões: 4Motivo <strong>do</strong> <strong>de</strong>sligamento: Incompatibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> horário; o paciente foi encaminha<strong>do</strong> para outraestagiária, em horário oposto ao que freqüentava a escola.QUEIXA PRINCIPALA mãe <strong>do</strong> paciente queixava-se fun<strong>da</strong>mentalmente que o filho era muito distraí<strong>do</strong> e aéreo. Referiaalgum <strong>da</strong>no neurológico leve, mas não especifica<strong>do</strong>, que justificaria em certo grau as dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s<strong>de</strong> atenção <strong>do</strong> filho.AVALIAÇÃO PSICOLÓGICAForam realiza<strong>da</strong>s quatro entrevistas <strong>de</strong> triagem, sen<strong>do</strong> que a primeira e a última contaram com apresença <strong>da</strong> mãe <strong>do</strong> paciente. Com a paciente foram utiliza<strong>da</strong>s técnicas como <strong>do</strong> <strong>de</strong>senho livre e <strong>da</strong>família e também jogos infantis.HIPÓTESES DIAGNÓSTICASDiante <strong>da</strong>s entrevistas com o paciente e com sua mãe e <strong>da</strong> utilização <strong>da</strong>s técnicas menciona<strong>da</strong>s, foiconstata<strong>do</strong> que o paciente apresentava uma leve dificul<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> concentração e atenção,principalmente para o início <strong>da</strong> realização <strong>de</strong> algumas tarefas. Contu<strong>do</strong>, mais <strong>do</strong> que ser <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> aalgum prejuízo neurológico, estas dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s pareciam advir <strong>da</strong> superproteção <strong>da</strong> mãe, que relatounão “ter paciência” <strong>de</strong> mediar o aprendiza<strong>do</strong> <strong>do</strong> filho para tarefas simples, como <strong>de</strong>veres <strong>de</strong> casa,banho, escovação <strong>do</strong>s <strong>de</strong>ntes, realizan<strong>do</strong>-as para ele.


39PLANO TERAPÊUTICOSeriam realiza<strong>da</strong>s sessões com a criança, para estimulá-la ao aprendiza<strong>do</strong> <strong>da</strong> autonomia e <strong>de</strong>estratégias para concentrar-se e manter sua atenção em tarefas simples, como cui<strong>da</strong><strong>do</strong>s com ahigiene, <strong>de</strong>slocamento entre escola/casa/casa <strong>de</strong> amigos; e seriam realiza<strong>da</strong>s sessões para mediar asmu<strong>da</strong>nças requeri<strong>da</strong>s <strong>da</strong> mãe com relação ao seu comportamento <strong>de</strong> superproteção, que atravancavao amadurecimento <strong>do</strong> filho.CONSIDERAÇÕES SOBRE O PROCESSOPercebeu-se a necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> terapia para a criança, a fim <strong>de</strong> estimulá-la para aquisição <strong>de</strong>autonomia e maturi<strong>da</strong><strong>de</strong>; contu<strong>do</strong>, seria <strong>de</strong> fun<strong>da</strong>mental importância a participação <strong>da</strong> mãe noprocesso, para que suas mu<strong>da</strong>nças com relação ao comportamento <strong>de</strong> superproteção <strong>do</strong> filhopu<strong>de</strong>ssem ser media<strong>da</strong>s, com o intuito <strong>de</strong> estimular a criança a <strong>de</strong>senvolver a capaci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> atençãoe também <strong>de</strong> amadurecimento.4.7 Estu<strong>do</strong> <strong>de</strong> caso 7Pacientes: I e J Sexo: M I<strong>da</strong><strong>de</strong>: 6 e 8 anosEncaminha<strong>do</strong> por: Conselho TutelarMotivo <strong>do</strong> encaminhamento: Foram vítimas <strong>de</strong> abuso sexual por parte <strong>de</strong> um primo <strong>de</strong> 16 anos, noano <strong>de</strong> 2005Número <strong>de</strong> sessões: 8Motivo <strong>do</strong> <strong>de</strong>sligamento: Os pacientes não receberam alta e foram encaminha<strong>do</strong>s para atendimentocom outro estagiário.QUEIXA PRINCIPALA mãe <strong>do</strong> paciente relatava sentir-se preocupa<strong>da</strong> com as conseqüências <strong>do</strong> abuso sexual sofri<strong>do</strong>pelos filhos, ten<strong>do</strong> em vista que ela consi<strong>de</strong>rava não ter si<strong>do</strong> capaz <strong>de</strong> prestar-lhes apoio naquelemomento, nem <strong>de</strong> ter forneci<strong>do</strong> mediação para que elaborassem o ocorri<strong>do</strong>. Dizia, ain<strong>da</strong>, que o filhomais velho era muito “fecha<strong>do</strong>” e <strong>de</strong> humor instável e que o filho menor gostava apenas <strong>de</strong> brincarcom meninas e <strong>de</strong> que, com os meninos, tentava realizar brinca<strong>de</strong>iras <strong>de</strong> conotação sexual.AVALIAÇÃO PSICOLÓGICAForam realiza<strong>da</strong>s 3 entrevistas <strong>de</strong> triagem com os <strong>do</strong>is meninos conjuntamente, ten<strong>do</strong> o atendimentosi<strong>do</strong> inicia<strong>do</strong> neste formato. Após este perío<strong>do</strong>, passou-se a atendê-los separa<strong>da</strong>mente, ten<strong>do</strong> si<strong>do</strong>


ealiza<strong>do</strong>s cinco encontros no formato <strong>de</strong> psicoterapia individual. Foram utiliza<strong>da</strong>s técnicas <strong>de</strong><strong>de</strong>senhos, pinturas infantis, jogos e fantoches.40HIPÓTESES DIAGNÓSTICASNas sessões realiza<strong>da</strong>s, os pacientes não fizeram menção ao abuso sofri<strong>do</strong> nem <strong>de</strong>monstraramcomportamentos e falas relaciona<strong>da</strong>s ao evento. Contu<strong>do</strong>, diante <strong>da</strong> dinâmica familiar em queestavam inseri<strong>do</strong>s, expressavam dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s em seu dia-a-dia – sentiam-se tristes, agrediam seuscolegas quan<strong>do</strong> <strong>de</strong>sentendiam-se com eles, por exemplo -, ten<strong>do</strong> em vista que seu pai, no últimoano, os visitava somente nos finais <strong>de</strong> semana e a mãe, muitas vezes, os agredia física everbalmente. Assim, era principalmente pela maneira como suas relações familiares estavam sen<strong>do</strong>experiencia<strong>da</strong>s que as dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s pareciam advir. Ain<strong>da</strong>, pela falta <strong>de</strong> estímulo e pela ausência <strong>do</strong>spais nos cui<strong>da</strong><strong>do</strong>s com os filhos, percebia-se também uma dificul<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> ambos em expressaremsuas emoções e relatarem fatos simples e concretos <strong>de</strong> seu dia-a-dia, possivelmente proveniente <strong>de</strong>uma condição precária para aprendizagem.PLANO TERAPÊUTICOA partir <strong>da</strong>s hipóteses levanta<strong>da</strong>s, seria necessário <strong>de</strong>screver as relações familiares e relações <strong>do</strong>s<strong>de</strong>mais perfis <strong>do</strong>s pacientes, para avaliar as dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s que tinham e mediar sua organizaçãoconcreta no cotidiano. Além disso, na medi<strong>da</strong> em que o processo fosse evoluin<strong>do</strong>, seria possívelavaliar mais claramente como os pacientes haviam se apropria<strong>do</strong> <strong>da</strong> experiência <strong>do</strong> abuso e, senecessário, realizar uma mediação para a apropriação <strong>de</strong>sse evento <strong>de</strong> forma a não inviabilizá-losem seus <strong>de</strong>sejos-<strong>de</strong>-ser e <strong>de</strong> futuro, sen<strong>do</strong> esse episódio também trabalha<strong>do</strong> com a mãe.CONSIDERAÇÕES SOBRE O PROCESSOEmbora tenha si<strong>do</strong> encaminha<strong>do</strong> pelo CT por ter si<strong>do</strong> vítima <strong>de</strong> abuso sexual, esta não foi umaquestão que apareceu ao longo <strong>da</strong>s sessões, mesmo nos momentos em que o paciente referiu quealguns primos eram seus amigos (ten<strong>do</strong> cita<strong>do</strong> nome e i<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> ca<strong>da</strong> um) e também naqueles emque se enfatizou sobre a possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> falar naquele espaço sobre “problemas e dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>senfrenta<strong>da</strong>s”. Assim, a avaliação que se fez é <strong>de</strong> que existem questões que po<strong>de</strong>m vir a complicar opaciente se não forem trabalha<strong>da</strong>s, mas que são <strong>da</strong> or<strong>de</strong>m <strong>do</strong> ambiente familiar em que estáinseri<strong>do</strong>, que lhe apresenta pouco estímulo e mediação para que sinta a segurança <strong>de</strong> ser quenecessita para fazer escolhas e viabilizar-se em seu projeto <strong>de</strong> ser.


4.8 Estu<strong>do</strong> <strong>de</strong> caso 841Pacientes: K Sexo: F I<strong>da</strong><strong>de</strong>: 28 anosEncaminha<strong>do</strong> por: Conselho TutelarMotivo <strong>do</strong> atendimento: Mãe <strong>do</strong>s pacientes I e J, vítimas <strong>de</strong> abuso sexualNúmero <strong>de</strong> sessões: 11Motivo <strong>do</strong> <strong>de</strong>sligamento: A pacientes não recebeu alta e foi encaminha<strong>da</strong> a outro estagiário.QUEIXA PRINCIPALTen<strong>do</strong> chega<strong>do</strong> à terapia buscan<strong>do</strong> atendimento para os filhos (estu<strong>do</strong> <strong>de</strong> caso 7), a paciente relatoudificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s para enfrentar a situação <strong>de</strong> abuso sofri<strong>da</strong> pelos filhos, por ela ter si<strong>do</strong> também vítima<strong>de</strong> abuso sexual quan<strong>do</strong> criança, pratica<strong>do</strong> por um irmão mais velho. Sua queixa era <strong>de</strong> que, ten<strong>do</strong>sofri<strong>do</strong> abuso <strong>do</strong>s 9 aos 12 anos, durante to<strong>da</strong> a sua vi<strong>da</strong> foi fazen<strong>do</strong> escolhas “sem pensar”, o quenaquele momento havia cria<strong>do</strong> uma situação <strong>de</strong> sofrimento, por estar viven<strong>do</strong> uma vi<strong>da</strong> que não eraa <strong>de</strong>seja<strong>da</strong> por ela. A partir <strong>da</strong>s primeiras sessões realiza<strong>da</strong>s com ela - para início <strong>da</strong> terapia com osfilhos-, <strong>de</strong> suas queixas e <strong>do</strong> quadro <strong>de</strong> sofrimento apresenta<strong>do</strong>, optou-se por realizar o atendimentopsicoterápico individual.AVALIAÇÃO PSICOLÓGICAForam realiza<strong>da</strong>s entrevistas individuais, nas quais foram <strong>de</strong>scritas suas relações e também suahistória. Em algumas sessões, foram utiliza<strong>da</strong>s tarefas <strong>de</strong> casa como instrumentos no auxílio à<strong>de</strong>marcação <strong>de</strong> fenômenos psicológicos.HIPÓTESES DIAGNÓSTICASAtravés <strong>da</strong> <strong>de</strong>scrição <strong>da</strong> história <strong>da</strong> paciente e <strong>de</strong> suas relações, principalmente familiares, foipossível elaborar a hipótese <strong>de</strong> que, a partir <strong>do</strong> abuso sofri<strong>do</strong> por ela na infância e início <strong>da</strong>a<strong>do</strong>lescência, ten<strong>do</strong> em vista que estas ocorrências não foram media<strong>da</strong>s, a paciente passou a fazerescolhas <strong>de</strong> maneira espontânea. Dessa forma, ten<strong>do</strong> casa<strong>do</strong> com 13 anos, para sair <strong>de</strong> casa e nãomais ser abusa<strong>da</strong>, havia <strong>de</strong>posita<strong>do</strong> no casamento e no mari<strong>do</strong> to<strong>da</strong>s as expectativas <strong>de</strong> uma vi<strong>da</strong>feliz, mas acabou por fazer escolhas <strong>de</strong> forma aliena<strong>da</strong> que, no momento <strong>da</strong> chega<strong>da</strong> em terapia,não condiziam com seu <strong>de</strong>sejo. Sentin<strong>do</strong>-se inviabiliza<strong>da</strong>, <strong>de</strong>termina<strong>da</strong> a viver uma vi<strong>da</strong> <strong>de</strong>sofrimento, a paciente não via para si outra possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> que não fosse a <strong>de</strong> continuar viven<strong>do</strong> umavi<strong>da</strong> que não havia escolhi<strong>do</strong> para si.


42PLANO TERAPÊUTICORealizar o processo <strong>de</strong> psicoterapia individual, com o objetivo <strong>de</strong> reorganizar a personali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong>paciente, retoman<strong>do</strong> sua história e <strong>de</strong>screven<strong>do</strong> suas relações, conhecen<strong>do</strong> e alteran<strong>do</strong> sua dinâmica<strong>de</strong>-serque, naquele momento, continha características que a inviabilizam em seu movimento nomun<strong>do</strong>, apresentavam-se como complicações psicológicas e lhe causavam sofrimento. Ain<strong>da</strong>, seriare<strong>de</strong>fini<strong>do</strong> seu projeto-<strong>de</strong>-ser, para que pu<strong>de</strong>sse retomar seu ser em suas mãos, superan<strong>do</strong>dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s e fazen<strong>do</strong> escolhas <strong>de</strong> forma crítica, localiza<strong>da</strong> <strong>de</strong> seu <strong>de</strong>sejo.CONSIDERAÇÕES SOBRE O PROCESSOAtravés <strong>da</strong>s sessões realiza<strong>da</strong>s, percebeu-se que a paciente, em <strong>de</strong>corrência <strong>de</strong> sua história <strong>de</strong> vi<strong>da</strong> e<strong>da</strong> maneira pela qual foi, ao longo <strong>de</strong>la, se aproprian<strong>do</strong> <strong>do</strong>s eventos que ocorrem, sentia-seinviabiliza<strong>da</strong> em seu projeto <strong>de</strong> ser, apresentan<strong>do</strong> complicações psicológicas que lhe causavasofrimento. Sentin<strong>do</strong> estar diante <strong>de</strong> uma reali<strong>da</strong><strong>de</strong> contraditória e que parecia não apresentar a elaoutras possibili<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> ser, vivenciava conflitos constantes com o mari<strong>do</strong> e dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s freqüentesna relação com os filhos. Ao mesmo tempo, por sentir-se inviabiliza<strong>da</strong>, a paciente também nãoconseguia fornecer mediação para viabilizar o ser <strong>de</strong> seus filhos, <strong>de</strong> <strong>da</strong>r-lhes segurança e <strong>de</strong>estimular seu amadurecimento. Diante <strong>de</strong>ssa reali<strong>da</strong><strong>de</strong>, a terapia, ao representar uma mediação quelhe levou a compreen<strong>de</strong>r a forma como vinha constituin<strong>do</strong> sua personali<strong>da</strong><strong>de</strong> e construin<strong>do</strong> ocotidiano <strong>de</strong> relações que experimentava naquele momento, possibilitou à paciente a realização <strong>de</strong>algumas mu<strong>da</strong>nças.


5 CONSIDERAÇÕES FINAIS43O objetivo <strong>de</strong>ste estágio foi <strong>de</strong>senvolver processos <strong>de</strong> psicoterapia na abor<strong>da</strong>gemFenomenológica Existencialista <strong>de</strong> J. P. Sartre, beneficia<strong>do</strong> a comuni<strong>da</strong><strong>de</strong> atendi<strong>da</strong> por umaUni<strong>da</strong><strong>de</strong> Básica <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> <strong>de</strong> um município <strong>de</strong> Santa Catarina e <strong>de</strong>mais locali<strong>da</strong><strong>de</strong>s próximas àci<strong>da</strong><strong>de</strong>. Assim, os pacientes atendi<strong>do</strong>s ao logo <strong>de</strong> um ano e meio <strong>de</strong> estágio pu<strong>de</strong>ram contar com oserviço psicoterápico gratuito, para que, ao final <strong>do</strong> processo, tivessem se torna<strong>do</strong> capazes <strong>de</strong>transcen<strong>de</strong>r as dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s que os levaram a buscar o auxílio <strong>da</strong> psicologia.Neste perío<strong>do</strong>, foram atendi<strong>do</strong>s nove pacientes, sen<strong>do</strong> sete crianças, com i<strong>da</strong><strong>de</strong> entre 6 e 13anos, e <strong>do</strong>is adultos, sen<strong>do</strong> um homem <strong>de</strong> 27 anos e uma mulher <strong>de</strong> 28. Com relação às crianças, a<strong>de</strong>man<strong>da</strong> pelo atendimento relacionava-se, principalmente, a queixas sobre seu comportamento – <strong>de</strong>agressivi<strong>da</strong><strong>de</strong>, raiva, me<strong>do</strong> ou <strong>de</strong> dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s na escola -, <strong>de</strong>marca<strong>do</strong> características comuns àscrianças encaminha<strong>da</strong>s ao atendimento naquela clinica. No atendimento a estes pacientes, três <strong>de</strong>les<strong>de</strong>sistiram <strong>do</strong> processo psicoterápico. Nestes três casos, percebeu-se que, quan<strong>do</strong> os pais foramchama<strong>do</strong>s a participar ativamente <strong>da</strong> terapia, não compareceram às sessões e que, portanto, ao nãose envolverem no processo, acabaram por <strong>de</strong>svalorizar o trabalho, atitu<strong>de</strong> que possivelmente gerouo <strong>de</strong>sligamento <strong>do</strong> paciente por motivo <strong>de</strong> faltas sem justificativa.Quan<strong>do</strong>, por outro la<strong>do</strong>, os pais mostraram-se participantes e ativos, como no estu<strong>do</strong> <strong>de</strong> caso<strong>de</strong>ste relatório, a terapia pô<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>senvolvi<strong>da</strong> em to<strong>da</strong>s as suas etapas. Dessa forma, houve apossibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> promover uma reorganização <strong>da</strong> personali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>do</strong> paciente, na medi<strong>da</strong> em que suasquali<strong>da</strong><strong>de</strong>s-<strong>de</strong>-ser foram <strong>de</strong>marca<strong>da</strong>s e altera<strong>da</strong>s, re<strong>de</strong>finin<strong>do</strong>-se seu projeto-<strong>de</strong>-ser. Assim, a partir<strong>do</strong> momento em que uma nova mediação foi inseri<strong>da</strong> em suas relações, seu eu pô<strong>de</strong> aparecer, vistoque, refletin<strong>do</strong> criticamente sobre si mesmo, fez mais <strong>do</strong> que assumir o que lhe foi imposto esuperou o “<strong>de</strong>ver-ser” para situar-se no horizonte <strong>do</strong> “po<strong>de</strong>r-ser”, como <strong>de</strong>scrito pela teoria.Além <strong>da</strong> dificul<strong>da</strong><strong>de</strong> em <strong>da</strong>r continui<strong>da</strong><strong>de</strong> à terapia quan<strong>do</strong> havia a <strong>de</strong>svalorização <strong>do</strong>s pais<strong>do</strong> paciente com relação ao trabalho, outro entrave encontra<strong>do</strong> nos processos foi a impossibili<strong>da</strong><strong>de</strong><strong>de</strong> realizar um trabalho interdisciplinar, através <strong>do</strong> dialogo, avaliação e acompanhamento conjunto<strong>do</strong> paciente com outros profissionais <strong>da</strong> saú<strong>de</strong>. Consi<strong>de</strong>ra-se, que, principalmente nos casos maisgraves, esta forma <strong>de</strong> trabalho enriquece o processo e abarca o sujeito sem fragmentá-lo, visto queos processos <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>/<strong>do</strong>ença são entendi<strong>do</strong>s como fenômenos coletivos, históricos emulti<strong>de</strong>termina<strong>do</strong>s. No caso <strong>do</strong> paciente <strong>do</strong> estu<strong>do</strong> <strong>de</strong> caso 2, por exemplo, este contato po<strong>de</strong>ria terproporciona<strong>do</strong> uma avaliação conjunta com um médico, para avaliar sua condição física comrelação à dificul<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> criança em segurar as fezes, o que não foi possível. Além disso, não houve


44possibili<strong>da</strong><strong>de</strong>, durante o estágio, <strong>de</strong> realizar trabalhos <strong>de</strong> prevenção e <strong>de</strong> promoção em saú<strong>de</strong>,ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s preconiza<strong>da</strong>s para o atendimento em Uni<strong>da</strong><strong>de</strong>s Básicas.Percebe-se, assim, que há, ain<strong>da</strong>, uma construção a ser realiza<strong>da</strong> no campo <strong>da</strong> saú<strong>de</strong>, nosenti<strong>do</strong> <strong>de</strong> organizar os profissionais <strong>de</strong> suas diversas áreas para uma comunicação efetiva e eficaz.Além disso, há a necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> compartilhar saberes que são característicos <strong>da</strong> Psicologia, a fim <strong>de</strong>instrumentalizar outros profissionais para que realizem encaminhamentos a partir <strong>de</strong> avaliaçõesmais consistentes. Isto evitaria, entre outros dificulta<strong>do</strong>res, um olhar estereotipa<strong>do</strong> volta<strong>do</strong> aossujeitos, como, por exemplo, o caso em que o paciente foi encaminha<strong>do</strong> por ter, segun<strong>do</strong> umamédica, “comportamento diferencia<strong>do</strong>”.Por outro la<strong>do</strong>, consi<strong>de</strong>ra-se que o exercício <strong>da</strong> psicoterapia enquanto serviço gratuito a umacomuni<strong>da</strong><strong>de</strong> pre<strong>do</strong>minantemente inseri<strong>da</strong> em classes populares possibilitou que a Psicologia tenhachega<strong>do</strong> até pessoas que <strong>de</strong> outras formas não teriam acesso a esse serviço. Segun<strong>do</strong> Bock (2003),esta prática tem visa<strong>do</strong> beneficiar uma população que, historicamente, foi excluí<strong>da</strong> <strong>da</strong> Psicologia,que assumiu no Brasil, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início <strong>de</strong> sua emancipação como profissão, um compromisso com aselites, ven<strong>do</strong> o homem como capaz <strong>de</strong> produzir seu próprio <strong>de</strong>senvolvimento e individualização,tiran<strong>do</strong> o papel <strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong> na construção <strong>do</strong> ser humano enquanto pessoa.Acredita-se, assim, que a lista <strong>de</strong> espera existente para o atendimento em psicologia<strong>de</strong>monstra o quanto o atendimento realiza<strong>do</strong> é <strong>de</strong> quali<strong>da</strong><strong>de</strong>, ten<strong>do</strong> feito com que aquela UBS tenhase torna<strong>do</strong> referência para o atendimento psicológico. Para diminuir esta lista, sugere-se aorganização <strong>de</strong> um trabalho <strong>de</strong> triagem mais longo <strong>do</strong> que aquele que já vem sen<strong>do</strong> feito, em que opaciente fosse chama<strong>do</strong> à clínica, passan<strong>do</strong> por quatro a cinco sessões <strong>de</strong> avaliação, paralevantamento <strong>da</strong> real necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> psicoterapia ou <strong>da</strong> existência <strong>da</strong> possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> realizar umatendimento com foco em uma orientação breve ou mediação, por exemplo. Para realizar estetrabalho, uma <strong>da</strong>s possibili<strong>da</strong><strong>de</strong>s seria direcionar o primeiro semestre <strong>de</strong> estágio em psicologiaclínica a este atendimento.Ain<strong>da</strong>, consi<strong>de</strong>ra-se que, pela diversi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>man<strong>da</strong>s que se apresentam a clínica, há apossibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> realizar um trabalho amplo, <strong>de</strong> psicoterapia, <strong>de</strong> orientação e também <strong>de</strong>envolvimento <strong>da</strong> família no processo, requeren<strong>do</strong> que o estagiário <strong>de</strong>senvolva instrumentos eferramentas que dêem conta <strong>de</strong>ssa diversi<strong>da</strong><strong>de</strong>. Por outro la<strong>do</strong>, a abor<strong>da</strong>gem fenomenológicaexistencialista <strong>de</strong> J. P. Sartre, ao não reduzir o paciente a queixa nem a um diagnóstico, mascompreen<strong>de</strong>r a partir <strong>de</strong> sua história e <strong>da</strong>s relações que estabelece com a exteriori<strong>da</strong><strong>de</strong>, permiteabarcar a diversi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>do</strong>s fenômenos a serem trabalha<strong>do</strong>s em terapia, consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> o homem comoum “eterno vir a ser”, ou seja, como aquele que se move para o futuro e que o faz em direção àquiloque ain<strong>da</strong> não é e que ain<strong>da</strong> po<strong>de</strong> realizar.


45Assim, sen<strong>do</strong> um ser inacaba<strong>do</strong>, há sempre a possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> alteração <strong>do</strong> projeto-<strong>de</strong>-ser <strong>do</strong>indivíduo, para que suas ações no mun<strong>do</strong> tornem-se, ca<strong>da</strong> vez mais, condizentes com seu <strong>de</strong>sejo. Aoescolher para si <strong>de</strong> forma responsável, compreen<strong>de</strong>n<strong>do</strong>-se como um ser que é livre, o sujeito po<strong>de</strong>fazer escolhas que viabilizem seu ser, enten<strong>de</strong>n<strong>do</strong> que não está <strong>de</strong>termina<strong>do</strong> a sofrer, sen<strong>do</strong> capaz<strong>de</strong> construir e reconstruir sua vi<strong>da</strong> <strong>de</strong> muitas formas. A terapia com base na teoria <strong>de</strong> Sartre, assim,possibilita um trabalho que torna os sujeitos responsáveis por si mesmos e também pelo coletivoque estão sempre construin<strong>do</strong> – e que, por sua vez, também os constitui. Permite, ain<strong>da</strong>, que opsicoterapeuta, enquanto sujeito, transforme a reali<strong>da</strong><strong>de</strong> humana e se transforme, ten<strong>do</strong> em vista queestabelece relações que são sempre dialéticas.Portanto, como construtores e construí<strong>do</strong>s <strong>da</strong> reali<strong>da</strong><strong>de</strong>, ao mesmo tempo em que os sujeitosparticipantes <strong>da</strong> terapia pu<strong>de</strong>ram re<strong>de</strong>finir seus projetos, houve a preparação <strong>da</strong> estagiária para oexercício <strong>da</strong> profissão enquanto psicóloga clínica. Além disso, através <strong>da</strong>s reflexões realiza<strong>da</strong>s emsupervisão, no contato com outras estagiárias e no dia-a-dia <strong>de</strong> trabalho, ficou claro que, enquantoprofissionais, possuímos um compromisso individual, social e também científico que é o <strong>de</strong> alterar areali<strong>da</strong><strong>de</strong>, a partir <strong>de</strong> uma ação crítica e comprometi<strong>da</strong> com o bem-estar humano.


6 REFERÊNCIAS46Brasil (2002). Ministério <strong>da</strong> Saú<strong>de</strong>. As cartas <strong>de</strong> promoção <strong>da</strong> saú<strong>de</strong>. Brasília.BRASIL. Ministério <strong>da</strong> Saú<strong>de</strong>. Cartilha <strong>do</strong> SUS. Outubro <strong>de</strong> 2003.CANGUILHEM, G. O. Doença, cura e saú<strong>de</strong>. In: ______________. O normal e o patológico. Rio<strong>de</strong> Janeiro: Forense Universitária, 1982.CAMON-ANGERAMI, V. A. (org). (2000). Psicologia <strong>da</strong> Saú<strong>de</strong>: um novo significa<strong>do</strong> para aprática clínica. São Paulo: Pioneira. Capítulo 6, p. 201-222.CAMPOS, T. C. P. Psicologia Hospitalar: a atuação <strong>do</strong> psicólogo em hospitais. São Paulo: EPU,1995.CASTRO, D. A importância <strong>do</strong>s limites no <strong>de</strong>senvolvimento infantil. In: II COLÓQUIO DEPSICOLOGIA FENOMENOLÓGICA – EXISTENCIALISTA, 1998.COOPER, D. Psiquiatria e Antipsiquiatria. São Paulo: Perspectiva, 1989.KAHHALE, E. M. P. Psicologia na saú<strong>de</strong>: em busca <strong>de</strong> uma leitura crítica e uma atuaçãocompromissa<strong>da</strong>. In: BOCK, Ana Mercês Bahia (org.). A perspectiva sócio-história na formaçãoem Psicologia. Petrópolis: Vozes, 2003.LAING, R. D. O eu dividi<strong>do</strong>: estu<strong>do</strong> existencial <strong>da</strong> sani<strong>da</strong><strong>de</strong> e <strong>da</strong> loucura. 5 a ed. Petrópolis: Vozes,1987.MAHEIRIE, K.; PRETTO, Z. Contribuição <strong>do</strong> Movimento Progressivo-Regressivo sartreano para aPsicologia. Revista Dep. Psicologia UFF, jul/<strong>de</strong>z 2007, vol. 19, nº 2, p. 455-462. ISSN 0104-8023.MATTOS, C. B. Relatório Anual <strong>da</strong> Uni<strong>da</strong><strong>de</strong> Básica <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong>. Dez., 2006.PRETTO, Z. Que tipo <strong>de</strong> Psicologia produzimos hoje? Uma reflexão sobre a localizaçãoepistemológica <strong>da</strong> Psicologia e sua implicação na prática profissional. In: VII EncontroRegional Sul Da Abrapso – Psicologia Estratégias Políticas E Implicações. Setembro, 2000.Revisa<strong>do</strong> em julho <strong>de</strong> 2004.


RAGASSI, D. M. M. O estu<strong>do</strong> fenomenológico <strong>da</strong> emoção. In: AS EMOÇÕES. Florianópolis:Nuca - edições in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes, 1998.47RIBEIRO, F. M. Meto<strong>do</strong>logia Terapêutica no Existencialismo Mo<strong>de</strong>rno. 1992REMOR, A. A Psicologia <strong>da</strong> Saú<strong>de</strong>: apresentação, origens e perspectivas. PSICO. Porto Alere, v.30, nº 1, p. 205-217, 1999.SANTANA, A. M. <strong>de</strong>. A Experiência <strong>do</strong> Usuário como via <strong>de</strong> Re-Significação <strong>da</strong>s PráticasPsicológicas na Re<strong>de</strong> Pública <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong>. Dissertação <strong>de</strong> Mestra<strong>do</strong> apresenta<strong>da</strong> ao Mestra<strong>do</strong> emPsicologia Clínica <strong>da</strong> UNICAMP. Recife, 2001.SARTRE, J. P. Questão <strong>de</strong> Méto<strong>do</strong>. Coleção São Paulo: Abril Cultural, 1978. [Os Pensa<strong>do</strong>res],p.110-191.____________. A Transcendência <strong>do</strong> Ego. Editora Colibri, 1994.____________. O Ser e o Na<strong>da</strong>. Petrópolis: Editora Vozes, 1997. 14 a Edição.SCHNEIDER, D. R. Novas Perspectivas para a Psicologia Clínica em estu<strong>do</strong> a partir <strong>da</strong> obra SaintGenet: Comedian Ot Marty <strong>de</strong> Jean Paul Sartre. Tese <strong>de</strong> Doutora<strong>do</strong> <strong>de</strong>fendi<strong>da</strong> no Programa <strong>de</strong>Pós-graduação em Psicologia Clínica <strong>da</strong> PUC-SP, São Paulo, 2002.TRAFANI, M. A. R. R. Méto<strong>do</strong> fenomenológico Existencialista. Florianópolis: Nuca Ed.In<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes, 1992.


7 RESUMO48Este relatório <strong>de</strong>screve as ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s realiza<strong>da</strong>s em Estágio Supervisiona<strong>do</strong> em PsicologiaClínica, requisito obrigatório para a graduação em Psicologia em uma Universi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong>Santa Catarina. As ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong>senvolvi<strong>da</strong>s foram <strong>de</strong>fini<strong>da</strong>s como Psicoterapia Individual eobjetivaram o atendimento clínico gratuito à população no contexto <strong>de</strong> uma Uni<strong>da</strong><strong>de</strong> Básica <strong>de</strong>Saú<strong>de</strong>. Os atendimentos ocorreram em salas disponibiliza<strong>da</strong>s pela Uni<strong>da</strong><strong>de</strong>, que contavam comcondições apropria<strong>da</strong>s para as ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> psicoterapia e que garantiram as condições <strong>de</strong> sigilonecessárias ao trabalho, <strong>da</strong> mesma forma ocorre para os <strong>de</strong>mais profissionais <strong>da</strong> saú<strong>de</strong> atuantesnaquele local. Ao longo <strong>de</strong> um ano e meio, foram atendi<strong>do</strong>s nove pacientes, entre eles sete criançasentre 6 e 13 anos e <strong>do</strong>is adultos – um homem e uma mulher – <strong>de</strong>, respectivamente 27 e 28 anos. Amaioria <strong>de</strong>stes pacientes veio encaminha<strong>da</strong> por profissionais <strong>de</strong> outros <strong>centro</strong>s <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> ou <strong>do</strong>Conselho Tutelar <strong>do</strong> Município. As <strong>de</strong>man<strong>da</strong>s foram <strong>de</strong>s<strong>de</strong> queixas <strong>de</strong> <strong>de</strong>pressão, ansie<strong>da</strong><strong>de</strong>, me<strong>do</strong> eagressivi<strong>da</strong><strong>de</strong>, até casos <strong>de</strong> violência sexual. Ten<strong>do</strong> em vista que os atendimentos foram<strong>de</strong>senvolvi<strong>do</strong>s a partir <strong>da</strong> abor<strong>da</strong>gem existencialista fenomenológica, o processo psicoterápicoobjetivou a alteração <strong>da</strong> personali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>do</strong>s sujeitos, para que se tornassem capazes <strong>de</strong> transcen<strong>de</strong>rsuas dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s. Assim, nas situações em que houve engajamento, por parte <strong>do</strong>s pacientes, esteobjetivo pô<strong>de</strong> ser alcança<strong>do</strong>, conforme explicita<strong>do</strong> através <strong>do</strong> principal estu<strong>do</strong> <strong>de</strong> caso <strong>de</strong>scrito nesterelatório. Para o atendimento <strong>de</strong> crianças, foi consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong> fun<strong>da</strong>mental o acompanhamento e oengajamento <strong>de</strong> seus pais e/ou responsáveis no processo. Nos casos em que isto não foi verifica<strong>do</strong>, acriança não sentiu-se motiva<strong>da</strong> a <strong>da</strong>r continui<strong>da</strong><strong>de</strong> à psicoterapia e <strong>de</strong>sistiu <strong>do</strong>s atendimentos. Comoconsi<strong>de</strong>rações acerca <strong>do</strong> trabalho, <strong>de</strong>staca-se que, pela diversi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>man<strong>da</strong>s que se apresentama clínica, há a possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> realizar um trabalho amplo, <strong>de</strong> psicoterapia, <strong>de</strong> orientação e também<strong>de</strong> envolvimento <strong>da</strong> família no processo, requeren<strong>do</strong> que o estagiário <strong>de</strong>senvolva instrumentos eferramentas que dêem conta <strong>de</strong>ssa diversi<strong>da</strong><strong>de</strong>. Por outro la<strong>do</strong>, a abor<strong>da</strong>gem fenomenológicaexistencialista, ao não reduzir o paciente a queixa nem a um diagnóstico, mas compreendê-lo emsua história e relações que estabelece com a exteriori<strong>da</strong><strong>de</strong>, permite abarcar a diversi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>do</strong>sfenômenos a serem trabalha<strong>do</strong>s, consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> o homem como aquele que se move para o futuro eque o faz em direção àquilo que ain<strong>da</strong> não é e que ain<strong>da</strong> po<strong>de</strong> realizar. Como consi<strong>de</strong>rações acerca<strong>da</strong> inserção <strong>do</strong> psicólogo em serviços <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> pública, <strong>de</strong>staca-se que há ain<strong>da</strong> uma construção aser realiza<strong>da</strong> neste campo <strong>de</strong> atuação, no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> organizar os profissionais <strong>da</strong>s diversas áreas <strong>da</strong>saú<strong>de</strong> para uma comunicação efetiva e eficaz. Além disso, há a necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> compartilhar saberesque são característicos <strong>da</strong> Psicologia, a fim <strong>de</strong> instrumentalizar outros profissionais para querealizem encaminhamentos a partir <strong>de</strong> avaliações mais consistentes, evitan<strong>do</strong> o acúmulo <strong>de</strong>


49pacientes em lista <strong>de</strong> espera por atendimento. Por outro la<strong>do</strong>, consi<strong>de</strong>ra-se que o exercício <strong>da</strong>psicoterapia enquanto serviço gratuito a uma comuni<strong>da</strong><strong>de</strong> pre<strong>do</strong>minantemente inseri<strong>da</strong> em classespopulares possibilitou que a Psicologia tenha chega<strong>do</strong> até pessoas que <strong>de</strong> outras formas não teriamacesso a esse serviço.

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!