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Artigo - Escritura de União Poliafetiva: possibilidade - Por ... - Recivil

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<strong>Artigo</strong> - <strong>Escritura</strong> <strong>de</strong> <strong>União</strong> <strong>Poliafetiva</strong>: possibilida<strong>de</strong> - <strong>Por</strong> Maria BereniceDiasRepercutiu como uma bomba! Como verda<strong>de</strong>ira afronta à moral e aos bonscostumes! O fato <strong>de</strong> o relacionamento <strong>de</strong> um homem com duas mulheres ter sidoobjeto <strong>de</strong> uma escritura pública, foi recebido como manifestação nula, inexistente,in<strong>de</strong>cente. Sabe-se lá quantas outras adjetivações mereceu.Mas alguém duvida da existência <strong>de</strong>sta espécie <strong>de</strong> relacionamento? Ainda que alvodo repúdio social – com <strong>de</strong>nominações sempre pejorativas: concubinato adulterino,impuro, impróprio, espúrio, <strong>de</strong> má-fé , concubinagem – vínculos afetivosconcomitantes nunca <strong>de</strong>ixaram <strong>de</strong> existir, e em larga escala. Batizados maisrecentemente <strong>de</strong> poliamor ou uniões poliafetivas, sempre foram alijados do sistemalegal, na vã tentativa <strong>de</strong> fazê-los <strong>de</strong>saparecer. Mas con<strong>de</strong>nar à invisibilida<strong>de</strong>, negarefeitos jurídicos, <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> reconhecer sua existência é solução que privilegia o“bígamo” e pune a “concubina”, como cúmplice <strong>de</strong> um adultério. É o que a Justiçainsiste em fazer: chancela o enriquecimento injustificado do homem que mantémvínculos afetivos paralelos.Quando a mulher afirma <strong>de</strong>sconhecer a duplicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vidas do parceiro, a união éalocada no direito obrigacional e lá tratada como socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> fato. A ela somentese reconhecem direitos se alegar que não sabia da infi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong> do parceiro. Isto é,para ser amparada pelo direito precisa valer-se <strong>de</strong> uma inverda<strong>de</strong>, pois, seconfessar que <strong>de</strong>sconfiava ou sabia da traição, recebe um solene: bem feito! Estasolução, à primeira vista, parece prestigiar a boa-fé <strong>de</strong> quem diz ter sido enganado.No entanto, só é exigida a boa-fé <strong>de</strong> um dos integrantes do “triângulo amoroso”:da “outra”. Con<strong>de</strong>nada por cumplicida<strong>de</strong>, é punida pelo adultério que foi cometidopor ele. A esposa saber do relacionamento do marido, não tem qualquersignificado. O homem que foi infiel, <strong>de</strong>sleal a duas mulheres é “absolvido”, nada lheé imposto. Permanece com a titularida<strong>de</strong> patrimonial, além <strong>de</strong> <strong>de</strong>sonerado daobrigação <strong>de</strong> sustento para com quem lhe <strong>de</strong>dicou a vida. Assim, uniões quepersistem por toda uma existência, muitas vezes com extensa prole ereconhecimento social, são simplesmente expulsas da tutela jurídica. Conclusão:manter duas entida<strong>de</strong>s familiares concomitantes assegura privilégios ao homem. Ajustiça é conivente com ele ao garantir-lhe a total irresponsabilida<strong>de</strong>.Esta é a solução largamente chancelada pela jurisprudência. Poucas são as <strong>de</strong>cisõesjudiciais que asseguram às duas mulheres algum direito, mais no âmbitoprevi<strong>de</strong>nciário, com a partição do benefício entre ambas. Ao contrário do que dizemmuitos – e do que tenta dizer a lei (CC 1.727) –, o só fato <strong>de</strong> relacionamentosafetivos não po<strong>de</strong>rem ser convertidos em casamento, nem por isso merecem ficarfora do âmbito do direito das famílias. São relações que geram efeitos,principalmente quando existem filhos ou aquisição <strong>de</strong> patrimônio. Não lhes outorgarqualquer efeito, atenta contra a dignida<strong>de</strong> dos partícipes e dos filhos porventuraexistentes.Des<strong>de</strong> que o IBDFAM – Instituto Brasileiro <strong>de</strong> Direito <strong>de</strong> Família, evi<strong>de</strong>nciou ser oafeto o elemento i<strong>de</strong>ntificador da entida<strong>de</strong> familiar, passou-se a reconhecer que oconceito <strong>de</strong> família não po<strong>de</strong> ser engessada no mo<strong>de</strong>lo sacralizado do matrimônio.Apesar dos avanços, resistências ainda existem. Assim, há que se reconhecer comotransparente e honesta a instrumentalização levada a efeito, que traz a livremanifestação <strong>de</strong> vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> todos, quanto aos efeitos da relação mantida a três.Lealda<strong>de</strong> não lhes faltou ao formalizarem o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> ver partilhado, <strong>de</strong> formaigualitária, direitos e <strong>de</strong>veres mútuos, aos mol<strong>de</strong>s da união estável, a evi<strong>de</strong>nciar apostura ética dos firmatários. Não há como <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> reconhecer a valida<strong>de</strong> daescritura.


Tivessem eles firmado dois ou três instrumentos <strong>de</strong>claratórios <strong>de</strong> uniões dúplices, ajustiça não po<strong>de</strong>ria eleger um dos relacionamentos como válido e negar aexistência das <strong>de</strong>mais manifestações. Não se po<strong>de</strong>ria falar em adultério parareconhecer, por exemplo, a anulabilida<strong>de</strong> das doações promovidas pelo cônjugeadúltero ao seu cúmplice (CC 550) ou a revogabilida<strong>de</strong> das transferências <strong>de</strong> bensfeitas ao concubino (CC 1.642 V).Eventual rejeição <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m moral ou religiosa à dupla conjugalida<strong>de</strong> não po<strong>de</strong>gerar proveito in<strong>de</strong>vido ou enriquecimento injustificável <strong>de</strong> um ou <strong>de</strong> mais <strong>de</strong> umfrente aos outros partícipes da união. Negar a existência <strong>de</strong> famílias poliafetivascomo entida<strong>de</strong> familiar é simplesmente impor a exclusão <strong>de</strong> todos os direitos noâmbito do direito das famílias e sucessório. Pelo jeito, nenhum <strong>de</strong> seus integrantespo<strong>de</strong>ria receber alimentos, herdar, ter participação sobre os bens adquiridos emcomum. Sequer seria possível invocar o direito societário com o reconhecimento <strong>de</strong>uma socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> fato, partilhando-se os bens adquiridos na sua constância,mediante a prova da participação efetiva na constituição do acervo patrimonial.Claro que justificativas não faltam a quem quer negar efeitos jurídicos à escrituralevada a efeito. A alegação primeira é afronta ao princípio da monogamia,<strong>de</strong>srespeito ao <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong>. Com certeza rejeição que <strong>de</strong>corre muito mais domedo das próprias fantasias. O fato é que <strong>de</strong>scabe realizar um juízo prévio e geral<strong>de</strong> reprovabilida<strong>de</strong> frente a formações conjugais plurais e muito menos subtrairqualquer sequela à manifestação <strong>de</strong> vonta<strong>de</strong> firmada livremente pelos seusintegrantes.Não havendo prejuízo a ninguém <strong>de</strong> todo <strong>de</strong>scabido negar o direito <strong>de</strong> viver a quem<strong>de</strong>scobriu que, como diz a música <strong>de</strong> Marisa Monte:Amar alguém só po<strong>de</strong> fazer bemNão há como fazer mal a ninguémMesmo quando existe um outro alguémMesmo quando isso não convémAmar alguém e outro alguém tambémÉ coisa que acontece sem razãoEmbora soma, causa e divisãoAmar alguém só po<strong>de</strong> fazer bemAutor: MARIA BERENICE DIAS: Advogada. Presi<strong>de</strong>nta da Comissão da Diversida<strong>de</strong>Sexual do Conselho Fe<strong>de</strong>ral da OAB.Vice-Presi<strong>de</strong>nta Nacional do IBDFAM. Autora daEditora RT.

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