INTRODUÇÃODe acordo com o IPCC(Intergovernmental Panel on ClimateChange), a temperatura na América do Sulsubiu em média de 0.2 a 1.0 °C no períodode 1970-2004. A elevação da temperatura éatribuída ao aumento da concentração deCO 2(dióxido de carbono) na atmosferaterrestre. Carbono esse proveniente, emgrande parte, de atividades humanas (IPCC,2007).Os países da América do Sul,considerados em desenvolvimento, emitempara o seu crescimento grandes quantidadesde CO 2. Isso se deve ao uso de combustíveisfósseis em sua cadeia produtiva e à extraçãode recursos naturais de forma insustentável.Atualmente, uma quantidadeexpressiva de matéria-prima é exportadapelos países do sul. Analisando o fluxo deenergia e de materiais, são percebidos osimpactos sofridos por essa região. Aexportação de alumínio pode ser utilizadacomo um exemplo prático. Para cadatonelada de alumínio, são extraídas etransportadas grandes quantidades deminério de bauxita, provocando devastaçãodo solo e da vegetação e, por fim, umaenorme quantidade de energia é necessáriapara fundir o alumínio, para que esse estejaem condições adequadas de exportação.(MARTÍNEZ-ALIER, 2009).Assim, para o seu desenvolvimento aAmérica do Sul utiliza energia e recursosnaturais nem sempre contabilizados em seusprodutos finais, arca com os custos dadevastação e ainda sofre com os impactosdas mudanças no clima, gerados porsobreexplotação de recursos em escala locale global.A América do Sul está inserida naAmérica Latina, que por sua vez, é uma dasregiões mais propensas a acidentesrelacionados ao clima no planeta, devido àssuas características geográficas etopográficas (SAMANIEGO, 2009). Enchentese deslizamentos são comuns na região, alémde tempestades tropicais e furacões,formados tanto no Oceano Atlântico quantono Pacífico. A variabilidade climática, que seapresenta na forma de secas, enchentes efortes ventos, é constantemente agravadapelo fenômeno El Niño (ROSSING e RUBIN,20<strong>10</strong>) e La Niña como se verifica nos eventos.De acordo com o relatório "WorldUrbanization Prospects: The 2007 Revision"publicado em 2008 pela ONU (Organizaçãodas Nações Unidas), em países de baixa àmédia renda, encontram-se quase ¾ dapopulação urbana mundial. Nessas regiões,concentra-se a maior parte da populaçãourbana em grande risco, devido ao aumentoda intensidade e da frequência detempestades, enchentes, deslizamentos eondas de calor decorrentes de mudançasclimáticas. Desde a década de 1950, onúmero de habitantes em áreas urbanassextuplicou (MOSER e SATTERTHWAITE,20<strong>10</strong>).No período compreendido entre 1970a 2009, a população da América Latina eCaribe aumentou cerca de 51%, totalizando581 milhões de pessoas. De acordo com oCEPAL (2008), no ano de 20<strong>10</strong>, 79% doshabitantes dessas regiões viviam em áreasurbanas, contabilizando 470,5 milhões depessoas (PNUMA, 20<strong>10</strong>).Os habitantes da América do Sulpagam um alto preço por tantos desastres.Em 1999, 45 mil pessoas morreram eminundações e deslizamentos na Venezuela.No ano de 2004, foi registrado o primeirofuracão no Brasil, formado no OceanoAtlântico que atingiu a costa sul do país.Apesar das incertezas em relação aospossíveis cenários futuros, estudos apontamque o Chile se encontra em uma região comalto risco de secas prolongadas e a Argentina,o Peru e o Uruguai, estão em zonas commaior risco de precipitações intensas (LATORRE et al., 2009).Perante as incertezas científicas sobrea magnitude dos eventos extremos e suafrequência, faz-se necessária a busca porinformações que fundamentem as tomadasde decisão em políticas públicas, integrandodados de mudanças do clima aos objetivosde ordem social (OMS, 2003).Dessa forma, a problemática dasmudanças climáticas deve ser incorporadaao planejamento governamental. Mesmo naAmérica do Sul, onde os recursos sãoescassos, as políticas de enfrentamento sãonecessárias para evitar, ou pelo menosreduzir, as catástrofes atribuídas àsmudanças no clima e garantir, assim, aprovisão de serviços essenciais àmanutenção da segurança, sobrevivência esaúde da sociedade.A Lei Federal Brasileira 7.783 de junhode 1989 define como serviços ou atividadesessenciais aqueles indispensáveis aoatendimento das necessidades inadiáveis dacomunidade. E complementa: sãonecessidades inadiáveis, da comunidadeaquelas que, não atendidas, coloquem emperigo iminente a sobrevivência, a saúde oua segurança da população. A mesma políticapública cita os serviços de saneamentobásico, energia, transporte, assistênciamédica e hospitalar, entre outros, comosendo atividades não interrompíveis.Este ponto de partida, análogo empolíticas de outros países da América do Sul,permite ponderar sobre quais esferasprioritárias as mudanças climáticas exerceminfluência crescente, comprometendo odecorrer da vida humana.Ora, se o panorama de mudançasclimáticas na América do Sul torna explícitoque seus efeitos terão maior impacto empopulações mais vulneráveis e estas, jásobrevivem frequentemente desprovidas deserviços essenciais, o agravo sinérgico destasmúltiplas vias é imperativo, tanto parapopulações rurais quanto urbanas.Além da dignidade no acesso adireitos fundamentais, refletir sobre asinterfaces entre a questão climática eprestação de serviços essenciais significarepensar uso e ocupação dos solos nascidades e no campo; fluxos migratórios; e anecessidade de conservação da naturezapara sustentabilidade dos serviçosecológicos e da sustentabilidade de seusrecursos, como se verifica em algunsexemplos a seguir.Os glaciares tropicais da América doSul sofreram redução comprovada e nasúltimas três décadas tiveram este processoacelerado com o aumento de frequência eintensidade de eventos de calor (FRANCOUet al., 20<strong>10</strong>). Além da importância ecológicae hidrológica que exercem, são fonte de águapara abastecimento e usinas hidrelétricas àpopulação andina do Chile, Argentina, Peru,Bolívia, Equador, Colômbia e Venezuela. Odesaparecimento das geleiras, hipótesecientífica, poderá causar impactos comofluxos migratórios, queda da atividadeturística, além de substancial alteraçãoambiental, entre outros.A falta de tratamento de esgotossanitários e consequente poluição deRevista Brasileira de Ciências Ambientais - Número <strong>18</strong> - <strong>Dezembro</strong>/20<strong>10</strong> 39 ISSN Impresso <strong>18</strong>08-4524 / ISSN Eletrônico: 2176-9478
mananciais prejudica a qualidade da águade abastecimento doméstico e, em situaçõesde seca prolongada, pode comprometerconsideravelmente a prestação destesserviços. São graves as perspectivas parapaíses em que o déficit em instalaçõessanitárias adequadas está em torno de 75%como a Bolívia, 30% no Paraguai e 20% noBrasil (WHO/UNICEF, 20<strong>10</strong>).Se os números anterioresexemplificam o risco à saúde queconsiderável parcela da população naAmérica do Sul está exposta, tambémrefletem condições de moradia a qual estãosubmetidas. O caso da Colombia ilustra talcarência: em 2008, a falta de espaçosurbanizáveis somada ao fenômeno detransição urbana do país, bem como à altaporcentagem de pessoas vivendo abaixo dalinha da pobreza (49.2% em 2005),culminava em um déficit habitacional de22% (UN-HABITAT, 2008).A urbanização, se não planejada,pode agir sinergicamente a fatoresclimáticos na produção de prejuízos à saúde,conforme o quarto relatório do IPCC (2007).Assentamentos humanos precários estãogeralmente localizados em áreas de risco aenchentes, deslizamentos e outros desastresnaturais, assim como são também maisvulneráveis a vetores de doenças, como àsveiculadas pela água. Ainda, a possibilidadede alteração na ecologia de vetores dedoenças decorrentes das mudanças empadrões climáticos influencia a prestação deatendimentos hospitalares e mais do queisto, muda massivamente a dinâmica desaúde pública intimamente associada aquestões culturais.No setor de energia não é diferente.A insuficiência atual pode ser agravadadevido aos baixos investimentos emeficiência energética. No gráfico 1, queapresenta a evolução da intensidadeenergética (razão entre consumo energéticoe PIB) no mundo entre 1980 e 2005, épossível verificar a estagnação da AméricaLatina e Caribe em relação à considerávelredução nos EUA e União Europeia.Ademais, a dependência de uma matrizenergética concentrada em fontes naturaisnão renováveis, como é o caso dastermoelétricas argentinas, comprometemetas de redução da emissão de gases deefeito estufa para mitigação das mudançasclimáticas.Gráfico 1: Evolução da intensidade energética, 1980-2005 (Fonte: CEPAL, 2009).A questão dos transportes configurarelação importante à capacidade demitigação de mudanças climáticas emcentros urbanos da América do Sul. Há umaincoerência entre o modelo de mobilidadesustentável discutido em âmbitointernacional e iniciado em paísesdesenvolvidos e o modelo praticado emcidades como São Paulo. Segundo dados doDepartamento Estadual de Trânsito de SãoPaulo, entre 2008 e 20<strong>10</strong>, a frota de carroscresceu aproximadamente 13%, enquantoa de ônibus, somente 4,5%. De todos osproblemas associados a tal realidade,destacam-se dois no contexto deste artigo:i) tal dinâmica pode contribuir à geração deilhas de calor pelo acréscimo na emissão degases de efeito estufa (apesar docrescimento da frota movida a etanol) e ii)é excludente da parcela da população quesegue sem acesso a compra e manutençãode veículos individuais.Impasses como esses apenas ilustramalgumas discussões que motivaram aorganização das oficinas de trabalho doSimpósio Internacional de MudançasClimáticas e Pobreza na América do Sul, poisapontam à complexidade da questão daprestação de serviços essenciais na região,considerando a existência de singularidadesentre situações econômicas, sociais,ambientais e culturais de cada país.Tratou-se de um esforço inédito dereflexão coletiva interdisciplinar sobrepontos em comum entre as múltiplasrealidades, a fim de promover aproximaçãoRevista Brasileira de Ciências Ambientais - Número <strong>18</strong> - <strong>Dezembro</strong>/20<strong>10</strong> 40 ISSN Impresso <strong>18</strong>08-4524 / ISSN Eletrônico: 2176-9478
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