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Publicação Mensal Ano X - Nº <strong>113</strong> Agosto de 2007<br />
Rainha e Mãe<br />
de Misericórdia
Santa Helena,<br />
Imperatriz e mãe<br />
de Constantino<br />
Magno, foi o grande<br />
tipo de mulher que<br />
vive só para Nosso<br />
Senhor Jesus Cristo.<br />
Matrona de alma<br />
elevada, de horizonte<br />
largo, compreendendo<br />
as coisas a partir dos<br />
seus aspectos mais<br />
sublimes, e que, com<br />
sua extraordinária<br />
influência, contribuiu<br />
para transformar<br />
um Império pagão<br />
em ordem temporal<br />
católica. Acima de<br />
tudo, foi a santa<br />
que encontrou e<br />
deu ao mundo um<br />
presente imensamente<br />
grandioso: a<br />
verdadeira Cruz de<br />
Cristo.<br />
S. Hollmann<br />
Santa Helena - Catedral de<br />
Salamanca, Espanha<br />
2
Sumário<br />
Publicação Mensal Ano X - Nº <strong>113</strong> Agosto de 2007<br />
Ano X - Nº <strong>113</strong> Agosto de 2007<br />
Rainha e Mãe<br />
de Misericórdia<br />
Na capa, Coroação<br />
da Virgem – Museu<br />
do Louvre, Paris<br />
Foto: S. Hollmann<br />
As matérias extraídas<br />
de exposições verbais de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />
— designadas por “conferências” —<br />
são adaptadas para a linguagem<br />
escrita, sem revisão do autor<br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />
<strong>Revista</strong> mensal de cultura católica, de<br />
propriedade da Editora Retornarei Ltda.<br />
CNPJ - 02.389.379/0001-07<br />
INSC. - 115.227.674.110<br />
Diretor:<br />
Antonio Augusto Lisbôa Miranda<br />
Editorial<br />
4 Confiança e alegria<br />
Da ta s n a v i d a d e u m c r u z a d o<br />
5 Agosto de 1944: “In sinu Jesu”<br />
Do n a Lucilia<br />
6 “Mamãe também é assim...”<br />
Conselho Consultivo:<br />
Antonio Rodrigues Ferreira<br />
Carlos Augusto G. Picanço<br />
Jorge Eduardo G. Koury<br />
Ec o fidelíssimo d a Ig r e j a<br />
10 A “Carta circular aos amigos da Cruz” - II<br />
União dos espíritos e dos corações<br />
Redação e Administração:<br />
Rua Santo Egídio, 418<br />
02461-010 S. Paulo - SP<br />
Tel: (11) 6236-1027<br />
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Impressão e acabamento:<br />
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assinatura anual<br />
Comum .............. R$ 85,00<br />
Colaborador . . . . . . . . . . R$ 120,00<br />
Propulsor ............. R$ 240,00<br />
Grande Propulsor ...... R$ 400,00<br />
Exemplar avulso ....... R$ 11,00<br />
Serviço de Atendimento<br />
ao Assinante<br />
Tel./Fax: (11) 6236-1027<br />
16 Calendário dos Santos<br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> c o m e n ta ...<br />
18 “Saint-simonianismo”:<br />
destreza na arte de conversar<br />
“R-CR” e m p e r g u n ta s e r e s p o s ta s<br />
22 Revolução Francesa e<br />
Comunismo<br />
O Sa n t o d o m ê s<br />
24 Santa Clara de Assis:<br />
Modelo de consagração a Deus<br />
Lu z e s d a Civilização Cr i s t ã<br />
30 Rumo ao grandioso fastígio<br />
Últ i m a p á g i n a<br />
36 Admiração transformante<br />
3
Editorial<br />
Confiança e alegria<br />
N<br />
este mês em que a Igreja celebra a realeza de Maria Santíssima, reveste-se de particular<br />
propriedade a recomendação que, com desvelada insistência, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> dirigia a seus discípulos<br />
para confiarem sem limites na Rainha e Mãe de Misericórdia:<br />
“Ao discorrer sobre o pecado, São Francisco Xavier dizia ter mais temor, não da queda em si, mas<br />
do desânimo em relação à indulgência divina no qual pode cair o pecador após cometer a falta.<br />
“Ora, a maneira de não incorrermos nesse desânimo é nos lembrarmos da Mãe inesgotavelmente<br />
misericordiosa que temos. E em possuindo essa misericórdia inexaurível, Nossa Senhora<br />
nos alcança as graças para nos emendarmos, e sua clemência se exerce perdoando, contemporizando,<br />
regenerando.<br />
“De sorte que nunca será demasiado insistir: confiemos, confiemos e confiemos na Santíssima<br />
Virgem. Lembremo-nos sempre da extrema meiguice e da extraordinária condescendência de nossa<br />
Mãe para com as misérias de cada um de nós, individualmente considerado, e como, imbuídos dessa<br />
confiança, na oração da “Salve Rainha” A honramos enquanto Soberana do universo, mas, ao mesmo<br />
tempo, A invocamos como Mãe, e Mãe de Misericórdia.<br />
“Importa termos continuamente presente essa idéia da insondável clemência de Nossa Senhora,<br />
pois qualquer devoção, qualquer vida de piedade que não a tenha, corre o risco de ser completamente<br />
estiolada. Sem esta noção da misericórdia de Maria nada caminha, nada se realiza. Pelo contrário,<br />
tudo anda e cobra vigor com a idéia dessa providência indizivelmente suave, materna e contínua de<br />
Nossa Senhora sobre cada um de nós.<br />
“Portanto, pensemos nessa verdade e procuremos cumular nossa alma de confiança e de alegria,<br />
pois quem possui uma Mãe assim não tem razão para se desesperar nem se abater com nada. Nossa<br />
Senhora tudo resolve, desde que nos voltemos para Ela. Devemos pedir-Lhe sempre o seu amparo,<br />
recordando-nos daquela sentença de Santo Afonso de Ligório: “Quem reza se salva, quem não reza,<br />
se condena”. Aquele que pretendesse passar a vida praticando atos de virtude sobre atos de virtude,<br />
porém sem rezar, primeiro não passaria a vida praticando atos de virtude e, segundo, acabava se perdendo.<br />
Por outro lado, quem vive no pecado mas reza, este ainda é capaz de se salvar.<br />
“Supliquemos muito à nossa Mãe de Misericórdia que tenha pena de nós. Olhemos para as nossas<br />
dificuldades espirituais, para os nossos problemas de apostolado, para as nossas necessidades da vida<br />
quotidiana e roguemos com insistência o auxílio de Maria Santíssima. Ela nos atenderá infalivelmente.<br />
O Coração Imaculado de Maria é a porta na qual, em se batendo, nos é aberta; ao qual, em se Lhe<br />
pedindo, nos é dado. Na Mãe de Misericórdia a promessa do Evangelho se realiza com toda a integridade:<br />
[pedi e recebereis, batei e ser-vos-á aberto (Mt 7,7)].<br />
“E se me permitam dizer, não receio mentir garantindo-lhes: rezem, peçam, e serão atendidos.”<br />
(Extraído de conferência em 16/11/1964)<br />
Dec l a r a ç ã o: Conformando-nos com os decretos do Sumo Pontífice Urbano VIII, de 13 de março de 1625 e<br />
de 5 de junho de 1631, declaramos não querer antecipar o juízo da Santa Igreja no emprego de palavras ou<br />
na apreciação dos fatos edificantes publicados nesta revista. Em nossa intenção, os títulos elogiosos não têm<br />
outro sentido senão o ordinário, e em tudo nos submetemos, com filial amor, às decisões da Santa Igreja.<br />
4
Data s n a v i d a d e u m c r u z a d o<br />
Agosto de 1944<br />
“In sinu Jesu”<br />
Sob este título escrevia <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>, em 27<br />
de agosto de 1944, eloqüente artigo no<br />
“Legionário”, a propósito do lema adotado<br />
por Dom Carmelo Motta, então nomeado<br />
novo Arcebispo de São Paulo. Após salientar<br />
os predicados morais e pastorais daquele prelado,<br />
e de enaltecê-lo como digno continuador de<br />
seus predecessores, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> assim comentava<br />
o programa proposto por Dom Motta — “No<br />
peito de Jesus”:<br />
Em suas admiráveis revelações Santa Gertrudes<br />
tem palavras que explicam perfeitamente o lema<br />
do novo Arcebispo. Diz ela [falando de si na<br />
terceira pessoa, por humildade]: “O Senhor a<br />
atraiu a si, de tal maneira que seu coração repousava<br />
sobre o Coração divino. Depois de ter saboreado<br />
um doce momento de repouso, ela sentiu bater<br />
o Coração de Jesus com dois modos admiráveis<br />
e soberanamente doces. O Senhor lhe disse:<br />
‘Cada uma dessas pulsações de Coração opera a<br />
salvação dos homens (...): a primeira opera a salvação<br />
dos pecadores e a segunda, a dos justos. (...)<br />
E como o bater do coração humano não é interrompido<br />
nem pela ação da vista, nem do ouvido,<br />
nem do trabalho manual, do mesmo modo o governo<br />
do Céu, da Terra e do universo inteiro não<br />
poderá, até o fim do mundo, nem suspender por<br />
um instante, nem retardar, nem impedir este doce<br />
bater de meu Divino Coração’” (Sta. Gertrudes,<br />
o Arauto do Divino Amor, Mame et Fils editores,<br />
Paris, vol. 1, p. 268).<br />
Assim, pois, o programa de governo do novo<br />
Prelado — in sinu Jesu — consiste em abrir do<br />
modo mais franco possível os mananciais de vida<br />
que brotam do Coração de Jesus, de inserir toda<br />
São Paulo, com seus palácios e suas oficinas,<br />
com seus centros de estudo e de diversão, de arte<br />
e de trabalho, no grande e adorável movimento de<br />
sístole e de diástole que inunda a Cristandade com<br />
as graças brotadas do Coração de Jesus, e que leva<br />
para o Coração de Jesus todas as almas que Ele<br />
quer salvar.<br />
Fidelíssimo devoto de São João Evangelista, o<br />
novo Arcebispo quer que a seu exemplo todos nós<br />
tenhamos os ouvidos atentos às pulsações adorá-<br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> no início da década de 40<br />
veis do Coração Divino. Elas, e só elas, saberão<br />
apagar dentro de nós o tumulto das paixões desregradas,<br />
o fragor das rivalidades, das cóleras, dos<br />
rancores que dilaceram o mundo contemporâneo.<br />
Ao som divinamente suave dessas pulsações,<br />
ouviremos a Verdade, seremos inundados pela<br />
Vida, e na sístole e na diástole espiritual do Coração<br />
de Jesus encontraremos o Caminho. v<br />
(Extraído do “Legionário” de 27/8/1944)<br />
Arquivo revista<br />
5
Do n a Lucilia<br />
“Mamãe também é assim...”<br />
Em 29 de junho de 1876, na matriz da velha<br />
Pirassununga, Dona Lucilia recebeu as<br />
águas do Batismo, tendo como Madrinha<br />
a Virgem Senhora da Penha. Cem anos<br />
depois <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> recordaria comovido<br />
essa data, vendo naquele vínculo<br />
tão precoce entre Nossa Senhora<br />
e sua mãe, a semente desse<br />
fruto inestimável que brotaria<br />
em sua própria alma: uma<br />
entranhada devoção a<br />
Maria Santíssima<br />
e um inteiro amor à<br />
Santa Igreja Católica.<br />
Creio não se enganam aqueles<br />
que pensam existir um nexo<br />
íntimo de causalidade entre o<br />
que possa haver de bom em mim e<br />
a influência católica recebida de mamãe.<br />
Senso católico<br />
Com efeito, sempre que as solicitações<br />
de meus ouvintes me levam<br />
a recordar situações de minha<br />
infância e dos meus tempos de moço,<br />
mais a figura de Dona Lucilia<br />
me aparece com uma confirmação<br />
ainda mais vincada, mais acentuada<br />
do imenso papel dela para a formação<br />
do senso católico em mim.<br />
6
Igreja do Sagrado Coração<br />
de Jesus – São Paulo;<br />
Dona Lucilia em 1912<br />
Fotos: T. Ring / Arquivo revista<br />
“Na minha memória, aquele foi<br />
o momento arquetípico em que<br />
formei certa idéia de conjunto<br />
da igreja do Coração de Jesus,<br />
com sua beleza artística e sua<br />
atmosfera sobrenatural, as quais<br />
conferiam em tudo com o espírito<br />
de mamãe, que assistia à Missa<br />
ao meu lado”<br />
7
Do n a Lucilia<br />
Neste sentido, não me esqueço<br />
um episódio — diversas vezes narrado<br />
por mim — que se deu comigo<br />
na igreja do Sagrado Coração de<br />
Jesus. Aliás, não foi um fato isolado,<br />
mas repetido incontáveis vezes, talvez<br />
anos a fio, o qual entretanto ficou-me<br />
marcado de modo particular<br />
quando se produziu pela primeira<br />
vez. Na minha memória, aquele foi o<br />
momento arquetípico, gravado indelevelmente<br />
no meu interior, em que<br />
eu formei certa idéia de conjunto da<br />
igreja do Sagrado Coração de Jesus,<br />
enquanto assistia à Missa.<br />
Formou-se pelo agrado sucessivo,<br />
espontâneo, das figuras, da cor interna<br />
do templo, dos vitrais, da atmosfera,<br />
do que pairava de sobrenatural,<br />
do rito, da liturgia, etc. Ainda que eu<br />
não entendesse com toda a profundidade<br />
o significado do santo sacrifício<br />
da Missa, tinha a idéia — concebível<br />
e proporcionada ao intelecto de uma<br />
criança — de se tratar da renovação<br />
incruenta do holocausto de Nosso<br />
Senhor no Calvário. Ora, eu acompanhava<br />
aquela celebração e, de repente,<br />
constituiu-se no meu espírito a noção<br />
de conjunto, envolvendo as belezas<br />
artísticas da igreja, sua atmosfera<br />
sobrenatural, o esplendor do culto<br />
e a renovação do sacrifício de Jesus.<br />
O intercâmbio, as reversibilidades de<br />
todas aquelas coisas se patentearam<br />
à minha alma, sem que eu conhecesse<br />
a palavra “reversibilidade”.<br />
Percebi esta inter-comunicação e<br />
compreendi haver por detrás de tudo<br />
um espírito, uma alma, uma causa<br />
superior que era Deus Nosso Senhor<br />
e o Divino Espírito Santo, agindo<br />
acima de tudo e a tudo sustentando.<br />
Essa reversibilidade fazia com<br />
que aquele conjunto brilhasse como<br />
um reflexo muito fiel, preciso, exato<br />
e rico da fisionomia do próprio<br />
Deus. E meu ato de Fé se manifestou<br />
inteiro: era a Santa Igreja Católica<br />
Apostólica Romana! E, ao mesmo<br />
tempo, um ato de amor: “Ela vale<br />
tudo e é tudo!”<br />
Vinha-me, então, a esperança do<br />
Céu e a idéia dos esforços e da luta<br />
que eu deveria travar para alcançálo.<br />
E, com naturalidade assombrosa,<br />
para explicar-me essas noções<br />
todas, eu pensava em Dona Lucilia,<br />
que talvez estivesse junto a mim:<br />
“Isso é assim mesmo, pois a alma,<br />
o espírito de mamãe é assim. Logo,<br />
devo interpretar tal coisa e tal outra<br />
dessa maneira. É mesmo, confere<br />
com ela...”<br />
E assim como aquele primeiro ato<br />
de Fé e de amor, pela graça de Nossa<br />
Senhora se estendeu pela vida inteira,<br />
também durante o longuíssimo<br />
convívio que a Providência determinou<br />
tivéssemos mamãe e eu, cada<br />
vez mais me fazia notório esse paralelo<br />
— “É claro, mamãe é assim” —,<br />
vendo nela um reflexo da Igreja,<br />
M. Shinoda<br />
através dela contemplando melhor<br />
a Igreja e, conhecendo mais a Igreja,<br />
compreendendo melhor a ela.<br />
Semelhança com a<br />
misericórdia<br />
de Nossa Senhora<br />
Em sentido análogo, lembro-me<br />
igualmente de quando recebi a graça<br />
que me marcou inteiramente a alma<br />
(e queira Nossa Senhora, para todo<br />
o sempre), da devoção à Santíssima<br />
Virgem, diante da imagem de Nossa<br />
Senhora Auxiliadora, na própria<br />
igreja do Coração de Jesus.<br />
Naquele episódio, estando eu ajoelhado,<br />
fitando de longe a imagem e<br />
para ela rezando, na miséria e na aflição<br />
em que me encontrava, conheci a<br />
misericórdia de Maria. Então me veio<br />
logo o pensamento: “É compreensível,<br />
porque mamãe também é assim.<br />
Em Nossa Senhora, é claro, num grau<br />
indizivelmente maior; porém, há uma<br />
Conferindo com a alma<br />
de Dona Lucilia<br />
8
T. Ring<br />
se tudo o que acima dissemos é verdade,<br />
esse tudo começou no momento<br />
em que sobre ela caíram as santas<br />
águas batismais.<br />
Ela teve como madrinha —<br />
quanto isso é expressivo! — Nossa<br />
Senhora da Penha, invocada no<br />
bairro paulistano de mesmo nome,<br />
imagem à qual ela tinha, como todos<br />
os paulistas naquele tempo,<br />
uma profunda devoção. A igreja da<br />
Penha era uma espécie de miniatura<br />
de Aparecida do Norte, para onde<br />
se faziam romarias, peregrinações,<br />
etc.<br />
É interessante observar como, iniciando-se<br />
tão cedo essa vinculação<br />
de mamãe com Nossa Senhora, essa<br />
primeira graça era ordenada para,<br />
desenvolvendo-se e frutificando-se<br />
nela, pousasse um dia em mim. Ela<br />
tinha, portanto, uma longa caminhada<br />
diante de si.<br />
Na eternidade,<br />
sorrindo...<br />
“Pode-se dizer que minha devoção à Santíssima<br />
Virgem começou no batismo de Dona Lucilia, com<br />
o vínculo estabelecido entre ela e Nossa Senhora da<br />
Penha, sua Madrinha; mais tarde, a graça junto<br />
a Nossa Senhora Auxiliadora confirmaria minha<br />
impressão: mamãe também é assim...”<br />
Nossa Senhora Auxiliadora, Igreja do Sagrado Coração de Jesus (São<br />
Paulo); na página 8, Nossa Senhora da Penha, Igreja da Penha (São Paulo)<br />
semelhança”. E minha alma estava<br />
toda modelada, pelo convívio com<br />
Dona Lucilia, para receber uma coisa<br />
e outra. As últimas lágrimas que eu<br />
verti por mamãe, ainda foram marcadas<br />
por essas duas impressões.<br />
“Tudo começou com o<br />
batismo de mamãe”<br />
Assim sendo, não posso deixar de<br />
considerar apropriada a lembrança<br />
da data do batismo de mamãe, pois<br />
Indubitavelmente, a recordação<br />
dessa data foi um gesto grato a mim<br />
e, certo estou, também a Dona Lucilia.<br />
Se, pela infinita bondade divina,<br />
ela, como espero, se acha na bemaventurança<br />
eterna, nesta hora estará<br />
nos sorrindo...<br />
Agradecendo a Deus, por meio<br />
de Maria Santíssima, o favor inapreciável<br />
do dom da Fé concedido<br />
a mamãe por ocasião de seu batismo,<br />
peçamos ao Sagrado Coração<br />
de Jesus permita que essa graça<br />
da Fé e da esperança, do amor<br />
a Deus, ao sublime, ao absoluto,<br />
o amor a todos os valores morais<br />
e sobrenaturais tão negligenciados<br />
no mundo hodierno, se torne<br />
sobre nós ainda mais intensa e<br />
nos conforte nas provações e lutas<br />
que havemos de enfrentar em<br />
nossa trajetória rumo ao Céu. v<br />
(Extraído de conferência<br />
em 29/6/1982)<br />
9
Ec o f i d e l í s s i m o d a Ig r e j a<br />
A “Carta circular aos amigos da Cruz” - II<br />
União dos<br />
espíritos e dos<br />
corações<br />
Um extraordinário poder concedido pela Providência às almas<br />
unidas por um verdadeiro amor à Cruz de Cristo. Assim entende<br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> o valor e a força desse profundo liame espiritual —<br />
ressaltado por São Luís Grignion de Montfort em sua Carta<br />
Circular aos amigos da Cruz —, capaz de infligir, por sua simples<br />
existência, tremendas derrotas ao demônio.<br />
Escreve São Luís Grignion:<br />
Uni-vos fortemente pela união dos espíritos e<br />
dos corações, infinitamente mais forte e mais temível<br />
ao mundo e ao inferno do que o são, para os inimigos<br />
do Estado, as forças exteriores de um reino bem unido.<br />
Princípio valioso<br />
Eis um belo trecho, que encerra um abismo de sabedoria<br />
e de realidade. União de espírito e de corações significa<br />
vínculo de princípios e de vontade, mais poderoso<br />
do que o liame no qual se aglomeram os soldados de um<br />
exército bem unido.<br />
Cumpre observar que São Luís Grignion de Montfort<br />
viveu durante o reinado de Luís XIV e no período da Regência,<br />
quando a Europa se achava conturbada por guerras<br />
diversas. Assim, a imagem utilizada por ele, de um<br />
reino com tropas armadas invadindo outra nação, não<br />
era descabida, e ele a empregou para reforçar seu valioso<br />
pensamento.<br />
Aprofundando essa idéia de São Luís, podemos constatar<br />
que existe uma espécie de porosidade universal da<br />
sociedade humana — semelhante à osmose, que é um fato<br />
natural — por onde tudo que se passa em algumas almas<br />
acaba atingindo todas as outras, ainda que não se<br />
conheçam. Donde a força incalculável dessa união de espíritos.<br />
Sentido profundo da união<br />
em torno da Cruz<br />
Contra isso levantar-se-ia a objeção de que é uma fantasia.<br />
Respondo: antes da descoberta do rádio, se se afirmasse<br />
que através de uma caixinha seria possível ouvir,<br />
10
São Luís Maria Grignion de<br />
Montfort – Igreja de Saint-<br />
Laurent-sur-Sèvre, França<br />
S. Hollmann<br />
S. Hollmann<br />
Segundo o<br />
pensamento de São<br />
Luís Grignion,<br />
existe uma forma<br />
de porosidade<br />
universal da<br />
sociedade humana,<br />
por onde o que se<br />
passa em algumas<br />
almas acaba<br />
atingindo todas as<br />
outras; daí a força<br />
incalculável dessa<br />
união de espíritos<br />
11
Ec o f i d e l í s s i m o d a Ig r e j a<br />
nos mais diversos idiomas, notícias do mundo inteiro,<br />
muitos sorririam e diriam tratar-se de fantasia. Quando<br />
surgiu o rádio, ficaram boquiabertos. Porém, diante do<br />
fato espiritual, continuam a pensar que dito fenômeno é<br />
contra o bom senso...<br />
Se pensarmos na analogia com a osmose, percebemos<br />
a veracidade de tal princípio. Algumas almas que se<br />
unam de modo fervoroso em torno da Cruz de Nosso Senhor,<br />
junto à qual se encontra Nossa Senhora — que nos<br />
alcança e nos distribui as graças de Deus —, essas almas<br />
assim inteiramente unidas têm o dom de desferir um golpe<br />
no demônio mais terrível que as armas de todo um<br />
exército.<br />
Foi o que se deu, por exemplo, com Santo Inácio de<br />
Loyola e seus primeiros discípulos. Ao se reunirem com<br />
o propósito de constituir a Companhia de Jesus, naquele<br />
momento tal união de almas repercutiu nas piores falanges<br />
de calvinistas e luteranos, infligindo um tremendo<br />
golpe no foco essencial do adversário da ortodoxia católica.<br />
Esse é o sentido mais profundo do apostolado dos<br />
amigos da Cruz, unidos, com amor e enlevo, em torno do<br />
seu ideal, na forma como essa união deve ser organizada.<br />
Insisto: ainda que fossem cinco paralíticos num hospital,<br />
portanto pouco prestigiados, se tivessem essa união, representariam<br />
um fator de alta importância para os desígnios<br />
da Igreja.<br />
Admirável poder dado pela Providência<br />
Compreendamos como esse é um admirável poder<br />
que a Providência nos concedeu a nós, católicos e amigos<br />
da Cruz. Pois mesmo que nos faltassem os recursos<br />
materiais, que nos negassem todos os meios de ação, ou<br />
fôssemos perseguidos e lançados em cárceres diferentes,<br />
mas permanecêssemos unidos nesse vínculo de almas, estaríamos<br />
combatendo os adversários da Igreja e da Civilização<br />
Cristã de modo extraordinariamente eficaz.<br />
É o que se depreende do pensamento de São Luís em<br />
sua Carta Circular. Um pequeno grupo de amigos da<br />
Cruz, fortemente unidos, são como um exército em marcha<br />
vitoriosa para derrotar o inimigo. Lembra-nos a afirmação<br />
de Nosso Senhor no Evangelho: o Reino dos céus<br />
está dentro de vós (Lc 17, 21). Embora eu não seja exegeta,<br />
creio não me enganar ao considerar que o corolário<br />
dessa verdade é: nossa vitória está dentro de nós. Seja-<br />
S. Hollmann<br />
12
S. Hollmann<br />
Ao se unirem para<br />
formar a Companhia<br />
de Jesus, Santo Inácio e<br />
seus primeiros seguidores<br />
desferiram terrível golpe nos<br />
adversários da ortodoxia<br />
católica: um corolário da<br />
palavra de Nosso Senhor no<br />
Evangelho — o Reino dos<br />
céus, o nosso triunfo, está<br />
dentro de nós<br />
Nosso Senhor com os Apóstolos - Basílica de<br />
Saint-Denis, França; na página 12, Paulo III<br />
aprova a constituição da Companhia de Jesus -<br />
Santuário de Loyola, Guipuzcua (Espanha)<br />
mos o que devemos ser, o triunfo será como que automático.<br />
Ou seja, mais do que qualquer outra coisa importa<br />
procurarmos ser o que devemos ser.<br />
Santa Teresa e suas freiras<br />
Nesse sentido, chama a atenção que todos os historiadores<br />
mencionam a reforma do Carmo feita por Santa<br />
Teresa, a Grande, como um dos fatos dominantes da<br />
Contra-Reforma. Porém, a quase totalidade deles abstrai<br />
o fato da comunhão dos santos e consideram apenas<br />
os aspectos naturais dessa reforma. Ora, sob o ângulo<br />
meramente natural, tendo em vista uma reação, o<br />
erro estratégico por excelência consiste em fundar uma<br />
ordem contemplativa. Pois tomar um grupo de freiras<br />
que podiam estar agindo e pregando pela Espanha contra<br />
o protestantimo, trancá-las atrás de grades e obrigálas<br />
ao silêncio, seria prestar um imenso favor ao adversário.<br />
Significava inutilizar os melhores instrumentos humanos<br />
do bem.<br />
Entretanto, esses mesmos historiadores admitem o<br />
alcance concreto das fundações de Santa Teresa para o<br />
triunfo da Contra-Reforma. Quer dizer, de um pequeno<br />
grupo de freiras, no fundo de um convento, permeia,<br />
13
Ec o f i d e l í s s i m o d a Ig r e j a<br />
filtra e voa um dardo vigoroso contra o mal. E quanto<br />
maior for o amor a Deus e o ódio ao demônio com que<br />
Todos os historiadores<br />
admitem o papel<br />
primordial das fundações<br />
de Santa Teresa de<br />
Jesus na vitória da<br />
Contra-Reforma: de um<br />
pequeno grupo de freiras<br />
encerradas num convento,<br />
filtra e voa um dardo<br />
vigoroso contra o mal<br />
14
Santa Teresa de Jesus - Basílica da Estrela,<br />
Lisboa (Portugal); Convento de San José, fundado<br />
por Santa Teresa, em Ávila (Espanha)<br />
essa união se faça, tanto maior será o golpe desferido no<br />
inimigo da Igreja.<br />
Batalha invisível dos amigos<br />
da Cruz contra o mal<br />
Em sentido contrário, é preciso considerar, não raro<br />
se vê famílias ou instituições desmoronarem moral<br />
e até materialmente. São muralhas da velha tradição<br />
católica que se desfazem. A causa próxima dessa ruína<br />
geralmente é indetectável. Mas o motivo remoto, profundo,<br />
é este: nos antros do demônio houve requintes<br />
Fotos: S. Hollmann<br />
de pecado, enquanto entre os católicos não houve requintes<br />
de virtude. E então o pecado também voa em<br />
sentido oposto ao bem. Essa é a grande batalha, invisível<br />
e superior, dos amigos da Cruz, dos que pertencem<br />
à cidade de Deus (para usar a imagem de Santo Agostinho),<br />
aqueles que levam o amor do Altíssimo até o<br />
esquecimento de si mesmos, contra os amigos da satisfação,<br />
do deleite desenfreados, filhos da cidade do demônio<br />
que levam o amor de si mesmos até o esquecimento<br />
de Deus.<br />
Compreendemos, assim, como Nossa Senhora, os anjos<br />
e nossos santos padroeiros nos olham do Céu e nos<br />
acompanham em nossa trajetória espiritual, esperando<br />
que tenhamos esse impulso ardoroso de alma, capaz de<br />
contrariar as ações do demônio e seus sequazes.<br />
Fundamento do apostolado<br />
da Contra-Revolução<br />
As palavras seguintes de São Luís confirmam ainda<br />
mais tudo o que acima consideramos. Diz ele:<br />
Os demônios se unem para vos perder. Uni-vos para derrotá-los.<br />
Portanto, é a visualização da luta como o confronto<br />
entre duas uniões, as quais não significam coligações<br />
estratégicas de forças, mas de amores contrários,<br />
que definem a vitória ou a derrota, antes de tudo pela<br />
sua diferente intensidade. É o lado estático e superior<br />
da luta, supereminente em relação a seu aspecto<br />
dinâmico.<br />
Os avarentos se unem para traficar e ganhar ouro e prata;<br />
uni vossos trabalhos para conquistar os tesouros da eternidade,<br />
encerrados na Cruz.<br />
O avarento recolhe para si, sendo o oposto do que tem<br />
amor de Deus: este é o “avarento” das coisas da eternidade,<br />
dos tesouros encerrados na Cruz de Cristo.<br />
Os libertinos se unem para se divertir; uni-vos para sofrer.<br />
Eis um empolgante contraste! Se tantos se unem para<br />
se divertir, como vencer essa coligação de libertinos?<br />
Sofrendo sozinho? Não: sofrendo unidos. Formando<br />
dessa maneira o bloco coeso dos bons, desferindo o<br />
maior impacto que se pode infligir ao mal.<br />
Creio que essas palavras de São Luís Grignion de<br />
Montfort contêm o fundamento do apostolado contrarevolucionário,<br />
pois essa união de espírito e de corações<br />
é a mais eficiente arma na luta entre a Revolução e a<br />
Contra-Revolução.<br />
v<br />
(Continua em próximo artigo.)<br />
(Extraído de conferência em 20/5/1967)<br />
15
Ca l e n d á r i o d o s Sa n t o s<br />
1. Santo Afonso de Ligório, Presbítero<br />
e Doutor da Igreja, 1696-<br />
1787.<br />
F. Lecaros<br />
2. Santo Eusébio de Vercelli,<br />
+ 371.<br />
São Pedro Julião Eymard, 1811-<br />
1868.<br />
3. Santa Lídia, comerciante de<br />
púrpuras, séc. I. Sua família foi a<br />
primeira a converter-se e a ser batizada,<br />
na Europa.<br />
4. São João Maria Vianney, 1786-<br />
1859.<br />
5. 18º Domingo do Tempo Comum.<br />
6. Transfiguração do Senhor.<br />
7. Sixto II, Papa e companheiros,<br />
Mártires. Em 6 de agosto do ano<br />
258, na Catacumba de São Calixto,<br />
o Papa Sixto e os diáconos Genaro,<br />
Magno, Vicente e Estévão são presos<br />
durante a Santa Missa e decapitados.<br />
8. São Domingos de Gusmão,<br />
1170-1221.<br />
9. Santa Teresa Benedita da Cruz<br />
(Edith Stein), 1891-1942. Capturada<br />
no Carmelo de Echt (Holanda)<br />
pela Gestapo nazista, no dia 2 de<br />
maio de 1942, e levada para o campo<br />
de concentração de Auschwitz,<br />
junto com sua irmã Rosa, também<br />
convertida ao catolicismo.<br />
10. São Lourenço, Diácono e<br />
Mártir, + 258. Natural de Huesca,<br />
na Espanha, foi morto quatro<br />
dias depois do Papa São Sixto II<br />
e seus companheiros. Sofreu tremendos<br />
tormentos com admirável<br />
heroísmo.<br />
11. Santa Clara de Assis, 1193-<br />
1253. Ver artigo na página 24.<br />
12. 19º Domingo do Tempo Comum.<br />
13. São Ponciano, Papa e Hipólito,<br />
Sacerdote, Mártires. Ponciano<br />
foi eleito no ano 230, quando a<br />
Igreja enfrentava um cisma gerado<br />
por Hipólito, o qual não reconhecia<br />
a eleição do antecessor de<br />
Ponciano, Calixto. Durante a perseguição<br />
de Maximiano, Ponciano<br />
foi preso e renunciou ao papado<br />
para evitar que a Igreja ficasse<br />
sem cabeça. Ele e Hipólito foram<br />
deportados para a Sardenha. Hipólito<br />
reconheceu seu erro e ambos<br />
morreram mártires. Seus restos<br />
foram transladados no dia 13<br />
de agosto para a Catacumba de<br />
São Calixto, em Roma.<br />
Morte de Santa Clara de Montefalco<br />
14. São Maximiliano Maria<br />
Kolbe, Presbítero e Mártir, 1894-<br />
1941. Sua atividade evangelizadora<br />
irritou os nazistas, e estes o enviaram<br />
ao campo de concentração<br />
de Auschwitz, onde ele se ofereceu<br />
para morrer no lugar de um<br />
pai de família. Depois de submetido<br />
à tortura da fome durante três<br />
semanas, quando todos os seus<br />
companheiros de suplício já haviam<br />
morrido, o encontraram ainda<br />
com vida e rezando. Uma injeção<br />
letal pôs termo à sua vida,<br />
nesta data, em 1941.<br />
15. Assunção da Bem-Aventurada<br />
Virgem Maria. Festa celebrada<br />
pela Igreja desde antiqüíssimos<br />
tempos, tornou-se dogma de Fé,<br />
proclamado pelo Papa Pio XII na<br />
Bula Munificentissimus Deus, em 1º<br />
de novembro de 1950.<br />
16
* Ag o s t o *<br />
16. Santo Estevão, Rei da Hungria,<br />
976-1038.<br />
17. Santa Clara de Montefalco,<br />
1268-1308. Da ordem das Ermitãs<br />
de Santo Agostinho, teve grande<br />
devoção à Paixão de Cristo, cujos<br />
estigmas recebeu.<br />
18. Santa Helena, Imperatriz,<br />
234-329.<br />
19. 20º Domingo do Tempo Comum.<br />
20. São Bernardo, Abade, 1090-<br />
1153. Doutor da Igreja (o Doctor<br />
Melifluus) e impulsionador da Ordem<br />
de Cister.<br />
21. São Pio X, Papa, 1835-1914.<br />
Governou a Igreja sob o lema Instaurare<br />
omnia in Christo: restaurar<br />
todas as coisas em Jesus Cristo. Instituiu<br />
a prática da Comunhão das<br />
crianças e a Comunhão freqüente.<br />
22. Realeza de Nossa Senhora. “A<br />
realeza de Maria é ultraterrena, a<br />
qual, não obstante, ao mesmo tempo<br />
penetra o íntimo dos corações e<br />
os toca em sua profunda essência,<br />
no que têm de espiritual e de imortal.<br />
A origem das glórias de Maria,<br />
no momento ápice que ilumina toda<br />
sua pessoa e sua missão, é aquele<br />
em que, cheia de graça, dirigiu ao<br />
arcanjo Gabriel o Fiat que manifestava<br />
seu consentimento à divina disposição,<br />
de tal forma que Ela se convertia<br />
em Mãe de Deus e Rainha,<br />
e recebia o ofício real de velar pela<br />
unidade e pela paz do gênero humano”<br />
(S. S. Pio XII, Alocução Le testimonianze,<br />
1º de novembro de 1954).<br />
primeira latino-americana canonizada<br />
(em 1671 pelo Papa Clemente X),<br />
e é Padroeira da América Latina, do<br />
Peru em particular e das Filipinas.<br />
24. São Bartolomeu, Apóstolo,<br />
morto em 51, na atual Armênia.<br />
25. São Luís Rei de França, 1214-<br />
1270.<br />
São José de Calasanz, 1556-1648.<br />
Fundador das Escolas Pias (para a<br />
educação dos jovens).<br />
26. 21º Domingo do Tempo Comum.<br />
27. Santa Mônica, 332-387. Nascida<br />
em Tagaste, da Numídia, faleceu<br />
em Óstia, na Itália. Mãe de Santo<br />
Agostinho e favorecedora,<br />
com suas preces, da conversão<br />
do futuro Bispo de Hipona.<br />
A esse propósito, diria Santo<br />
Ambrósio: “Deus não podia<br />
consentir que se perdesse<br />
para sempre um filho de<br />
tantas lágrimas”. Morreu assistida<br />
por seu filho.<br />
28. Santo Agostinho, Bispo<br />
e Padre da Igreja, 354-430.<br />
29. Martírio de São João Batista,<br />
séc. I. Precursor e primo de<br />
Nosso Senhor, o “maior entre os<br />
nascidos de mulher”, como dele<br />
disse o próprio Messias. Foi decapitado<br />
por ordem de Herodes, cuja<br />
péssima situação moral fora duramente<br />
censurada pelo Batista.<br />
30. São Fiacre, Monge e Fundador,<br />
600-670. Irlandês de origem,<br />
fundou um mosteiro na atual Saint-<br />
Fiacre-en-Brie. Seus restos repousam<br />
em Meaux, na França, onde faleceu.<br />
Santo Amadeu, Bispo de Laussane,<br />
1110-1159.<br />
31. São Raimundo Nonato, 1202-<br />
1240. Frade Mercedário.<br />
F. Boulay / G. Kralj<br />
23. Santa Rosa de Lima, 1516-<br />
1617. Terciária dominicana, nasceu<br />
e morreu na capital do Peru. Foi a<br />
São Bartolomeu Apóstolo<br />
17
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> c o m e n ta ...<br />
“Saint-simonianismo”:<br />
destreza na<br />
arte de conversar<br />
Ao tratar uma vez mais desse tema que<br />
lhe era muito caro — a arte de conversar,<br />
como meio de apostolado — <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />
evoca a figura do Duque de Saint-<br />
Simon, contemporâneo de Luís XIV,<br />
que possuía como poucos a qualidade<br />
de dizer as verdades mais pontiagudas,<br />
com elegância e nobreza. A exemplo<br />
de Nosso Senhor Jesus Cristo, modelo<br />
infinitamente mais nobre e elegante de<br />
cortesia e doçura no trato humano.<br />
Apropósito do tema de que<br />
anteriormente tratamos, envolvendo<br />
a cortesia cristã e<br />
o que chamamos de “saint-simoniamismo”,<br />
poder-se-ia perguntar se o<br />
principal papel do trato a la “Saint-<br />
Simon” é o de não ferir o respeito<br />
humano das pessoas.<br />
A questão comporta certa precisão<br />
de termos.<br />
Não para acobertar, mas<br />
censurar o defeito alheio<br />
De fato, segundo os moralistas,<br />
costuma-se chamar “respeito humano”<br />
a atitude de alma de quem,<br />
por motivos meramente humanos<br />
— a linguagem é um tanto anacrônica<br />
— envergonha-se de praticar a<br />
virtude e de manifestar sua fidelidade<br />
a Nosso Senhor Jesus Cristo.<br />
Ora, o “saint-simonianismo” não<br />
é um recurso para poupar o respeito<br />
humano, pois não deve acobertar<br />
os defeitos de ninguém. Pelo<br />
contrário, visa censurar o indivíduo<br />
atingido pelo respeito humano,<br />
sem que ele possa dizer que<br />
se lhe faltou com a educação. Portanto,<br />
não é um recuo, uma pirueta<br />
ou ladeamento perpétuos, mas,<br />
18
T. Ring<br />
Divino modelo de<br />
cortesia cristã, Nosso<br />
Senhor não revelou<br />
de público os defeitos<br />
dos fariseus que<br />
acusavam a mulher<br />
adúltera, preferindo<br />
fazê-los sentir sua<br />
doçura e delicadeza<br />
infinitas<br />
Nosso Senhor perdoa a<br />
mulher adúltera – Catedral<br />
de Ávila, Espanha<br />
muitas vezes, consiste numa ofensiva<br />
“de esporas nos pés e lança na<br />
mão”, feita com elegância e nobreza<br />
correspondentes à vida de salão,<br />
sobretudo a dos ambientes freqüentados<br />
por Saint-Simon.<br />
Quando, porém, uma imperiosa<br />
razão nos leva a não combater<br />
o respeito humano de outro, sendo<br />
conveniente ladeá-lo, então o<br />
“saint-simonianismo” se verifica<br />
muito apropriado para fazê-lo de<br />
modo lícito. Trata-se de uma arte,<br />
uma destreza.<br />
Exemplo augusto de<br />
“saint-simonianismo”<br />
Numa civilização cristã autêntica,<br />
os homens deveriam manifestar<br />
menos susceptibilidades, menos<br />
assomos de amor próprio ferido<br />
e, por causa disso, as verdades<br />
poderiam ser ditas com mais franqueza<br />
do que em nossos dias. Entretanto,<br />
cumpre fazer uma distinção.<br />
19
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> c o m e n ta ...<br />
Das narrações evangélicas se infere<br />
que Nosso Senhor, a todo momento,<br />
criticava de frente e sem<br />
matizações os defeitos das pessoas?<br />
Não. Mostra-nos o Evangelho<br />
que o Redentor muitas vezes dizia<br />
aos fariseus coisas desagradáveis,<br />
frontalmente e com rudeza<br />
(se se pode falar em rudeza, pois<br />
n’Ele tudo é adorável). Em outras<br />
ocasiões, porém, Jesus o fazia com<br />
uma inefável delicadeza. Por exemplo,<br />
como parece, ao escrever no<br />
chão os pecados dos acusadores da<br />
mulher adúltera, os quais, à medida<br />
que os liam, se retiravam da cena.<br />
Nosso Senhor não os delatou<br />
publicamente, pois na situação em<br />
que estavam lhes faria mais bem<br />
sentir sua doçura do que sua energia;<br />
sua delicadeza do que sua fortaleza<br />
divinas.<br />
Recurso que eleva o<br />
convívio humano<br />
O “saintsimonianismo”<br />
é mais<br />
adequado ao comum<br />
da sociedade humana,<br />
e menos às almas<br />
que renunciaram ao<br />
convívio mundano<br />
para se consagrarem<br />
ao serviço divino entre<br />
as paredes de um<br />
mosteiro<br />
Abaixo: Festa campestre<br />
na corte de Borgonha -<br />
Museu de Dijon (França);<br />
à direita, galeria da Abadia<br />
de Cluny (França)<br />
F. Lecaros<br />
Creio que no Reino de Maria, essa<br />
época de renovado esplendor que<br />
esperamos para a Cristandade, haverá<br />
nas pessoas uma fortaleza ao lado<br />
de uma delicadeza de alma superlativas,<br />
pelas quais terão discernimento<br />
para saber quando convém serem<br />
fortes, quando delicadas.<br />
Na hora da suavidade, o “saintsimonianismo”<br />
nos ajudará a dizer<br />
palavras amenas, sutis; sem ele, feriríamos<br />
a sensibilidade do próximo.<br />
E no momento da severidade,<br />
o “saint-simonianismo” contribuirá<br />
para falarmos com elevação e nobreza,<br />
sem degenerar em xingatório.<br />
A conversa, então, ganhará tal<br />
brilho que se poderá dizer: “Saint-<br />
Simon? Que homem pouco educado!”<br />
Ao se ler as “Memórias” de Saint-<br />
Simon é interessante notar as descomposturas,<br />
os argumentos irretorquíveis<br />
e fogosos que ele empregava.<br />
Eram altos vôos de espírito, plenos<br />
de lógica e com garras polidas...<br />
S. Hollmann<br />
20
“Saint-simonianismo” e<br />
a perfeição evangélica<br />
Outro aspecto desse tema que envolve<br />
particular interesse se liga à<br />
abnegação e à humildade cristãs.<br />
Sabe-se que em certos mosteiros<br />
existe o costume de proceder ao “capítulo<br />
de culpas”: os monges apontam<br />
claramente as faltas e defeitos<br />
reparados num confrade, o qual permanece<br />
prosternado no centro da<br />
sala em que se reúnem, por isso mesmo<br />
chamada “sala capitular”. Ou,<br />
então, qualquer um deles se adianta<br />
e se apresenta voluntariamente para<br />
se auto-acusar. Poder-se-ia perguntar<br />
como esse belo costume monástico<br />
se coaduna com o “saint-simonianismo”.<br />
Acontece que na trajetória de santificação<br />
das almas existem a via normal<br />
e a especial. Na primeira há coisas que<br />
esta última — não por deficiência, mas<br />
por requinte — não comporta. Assim,<br />
numa comunidade constituída por<br />
pessoas escolhidas, abnegadas e desapegadas<br />
das coisas terrenas, é belo que<br />
as almas renunciem a qualquer forma<br />
de susceptibilidade, ou mesmo de sensibilidade<br />
legítima, para ouvirem humildemente<br />
todas as acusações que<br />
lhes são feitas. Porém, isso não se aplica<br />
à maior parte dos homens.<br />
Do mesmo modo que, por exemplo,<br />
o burel franciscano é próprio a<br />
um gênero de almas chamadas para<br />
a prática da pobreza evangélica, mas<br />
não se pode pretendê-lo como traje<br />
para o comum das pessoas. A via dos<br />
escolhidos para uma vocação particular<br />
não convém à regra geral. O<br />
mesmo se pode dizer do silêncio trapista,<br />
e assim por diante.<br />
O “saint-simonianismo”, pois, é<br />
mais adequado para o comum da sociedade<br />
humana, e é essa forma de<br />
destreza que muito contribui para<br />
elevar a arte da conversa. v<br />
(Extraído de conferência<br />
em 22/5/1970)<br />
21
“R-CR” e m p e r g u n ta s e r e s p o s ta s<br />
Revolução Francesa<br />
e Comunismo<br />
Nos tópicos de “Revolução e Contra-Revolução” transcritos<br />
a seguir, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> aponta o nexo entre as diversas etapas<br />
do processo revolucionário, de tal forma que, transpostos<br />
os termos, a Revolução Francesa e a Comunista utilizaram<br />
as mesmas tendências de orgulho e sensualidade para<br />
continuarem a paulatina transformação do homem medieval<br />
católico no neobárbaro dos séculos XX e XXI.<br />
Quais os efeitos do Humanismo e da Renascença entre<br />
os católicos da França?<br />
“A ação profunda do Humanismo e da Renascença entre<br />
os católicos não cessou de se dilatar numa crescente cadeia<br />
de conseqüências, em toda a França. Favorecida pelo<br />
enfraquecimento da piedade dos fiéis — ocasionado pelo<br />
jansenismo 1 e pelos outros fermentos que o protestantismo<br />
do século XVI desgraçadamente deixara no Reino Cristianíssimo<br />
— tal ação teve por efeito no século XVIII uma dissolução<br />
quase geral dos costumes, um modo frívolo e brilhante de<br />
considerar as coisas, um endeusamento da vida terrena, que<br />
preparou o campo para a vitória gradual da irreligião” (p. 30).<br />
Ateísmo e revoltas<br />
Quais foram as etapas dessa apostasia?<br />
“Dúvidas em relação à Igreja, negação da divindade<br />
de Cristo, deísmo, ateísmo incipiente foram as etapas<br />
dessa apostasia” (p. 30).<br />
Qual a relação entre a Revolução Francesa e a Pseudo-<br />
Reforma, no campo religioso?<br />
“Profundamente afim com o protestantismo, herdeira<br />
dele e do neopaganismo renascentista, a Revolução<br />
Francesa realizou uma obra de todo em todo simétrica<br />
à da Pseudo-Reforma. A Igreja Constitucional que ela,<br />
antes de naufragar no deísmo e no ateísmo, tentou fundar,<br />
era uma adaptação da Igreja da França ao espírito<br />
do protestantismo” (p. 30).<br />
E na esfera política?<br />
“A obra política da Revolução Francesa não foi senão<br />
a transposição, para o âmbito do Estado, da ‘reforma’<br />
que as seitas protestantes mais radicais adotaram em matéria<br />
de organização eclesiástica:<br />
- Revolta contra o Rei, simétrica à revolta contra o Papa;<br />
- Revolta da plebe contra os nobres, simétrica à revolta<br />
da ‘plebe’ eclesiástica, isto é, dos fiéis, contra a ‘aristocracia’<br />
da Igreja, isto é, o Clero;<br />
- Afirmação da soberania popular, simétrica ao governo<br />
de certas seitas, em medida maior ou menor, pelos<br />
fiéis” (pp. 30-31).<br />
Nexo entre as três revoluções<br />
Existe algum nexo entre comunismo e protestantismo?<br />
“No protestantismo nasceram algumas seitas que,<br />
transpondo diretamente suas tendências religiosas para<br />
o campo político, prepararam o advento do espírito republicano<br />
2 . São Francisco de Sales, no século XVII, premuniu<br />
contra estas tendências republicanas o Duque de<br />
Sabóia 3 . Outras, indo mais longe, adotaram princípios que,<br />
se não se chamarem comunistas em todo o sentido hodierno<br />
do termo, são pelo menos pré-comunistas” (p. 31).<br />
22
G. Kralj<br />
O processo revolucionário não se deteve nas escolas do comunismo<br />
dos séculos XIX e XX, mas haveria de chegar ao seu produto<br />
mais extremo: o neobárbaro dos nossos dias<br />
Lenin e alguns teóricos marxistas - Selo russo no Museu Postal Smithsonian, Nova York<br />
E entre comunismo e Revolução Francesa?<br />
“Da Revolução Francesa nasceu o movimento comunista<br />
de Babeuf. E mais tarde, do espírito cada vez mais vivaz da<br />
Revolução, irromperam as escolas do comunismo utópico do<br />
século XIX e o comunismo dito científico de Marx” (p. 31).<br />
Neobárbaro do século XX<br />
Aponte a logicidade existente entre esses nexos.<br />
“O deísmo tem como fruto normal o ateísmo. A sensualidade,<br />
revoltada contra os frágeis obstáculos do divórcio,<br />
tende por si mesma ao amor livre. O orgulho, inimigo<br />
de toda superioridade, haveria de investir contra a<br />
última desigualdade, isto é, a de fortunas.<br />
A que o comunismo quer conduzir a humanidade?<br />
“Ébrio de sonhos de República Universal, de supressão<br />
de toda autoridade eclesiástica ou civil, de abolição<br />
de qualquer Igreja e, depois de uma ditadura operária<br />
de transição, também do próprio Estado, aí está o neobárbaro<br />
do século XX, produto mais recente e mais<br />
extremado do processo revolucionário” 4 (p. 32). v<br />
1)<br />
Doutrina difundida pelo holandês Jansênio (1585-1638), reitor<br />
da Universidade de Louvain e, posteriormente, Bispo<br />
de Ypres (Bélgica). Adulterando os ensinamentos de Santo<br />
Agostinho sobre a graça, o jansenismo provocou o enfraquecimento<br />
da piedade dos fiéis – sobretudo quanto à devoção<br />
a Nossa Senhora e à recepção dos Sacramentos.<br />
2)<br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> se refere ao movimento republicano revolucionário,<br />
que daria origem à Revolução Francesa.<br />
3)<br />
Sainte-Beuve, Etudes des lundis – XVIIème siècle – Saint François<br />
de Sales. Paris: Librairie Garnier, 1928, p. 364.<br />
4<br />
) Em 1976, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> escreveu a Terceira Parte desta obra,<br />
na qual trata da IV Revolução. Tópicos extraídos de Revolução<br />
e Contra-Revolução, Editora Retornarei, São Paulo,<br />
2002, 5ª edição em português.<br />
23
O Sa n t o d o m ê s<br />
Santa Clara de Assis<br />
Modelo de<br />
consagração a Deus<br />
Na véspera de conduzir seus discípulos a uma histórica<br />
demonstração de Fé e catolicidade pelas ruas de São Paulo,<br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> procura avivar em suas almas as chamas do<br />
amor de Deus, comentando-lhes alguns expressivos episódios da<br />
vida de Santa Clara de Assis, modelo heróico de<br />
entrega e devoção ao serviço divino.<br />
N<br />
o dia 12 de agosto, após termos celebrado a<br />
festa de Santa Clara de Assis, nosso movimento<br />
realizará, sob o patrocínio dessa insigne<br />
contemplativa, um grande cortejo pelas ruas de São Paulo<br />
1 . Parece-me de assinalada beleza que algo tão<br />
ativo se efetue sob o signo de tão intensa contemplação.<br />
Encontro com São Francisco<br />
Consideremos, portanto, alguns aspectos e episódios<br />
mais significativos da vida dessa admirável santa, baseados<br />
numa biografia escrita por Dom Guéranger em sua<br />
obra L’Anné Liturgique. Discorrendo sobre a conversão<br />
de Clara, aponta o autor:<br />
Quando São Francisco pregava em Assis, na igreja de<br />
São Jorge, uma jovem de nobre família tinha resolvido ir<br />
com sua mãe e sua irmã para ouvir uma das suas instruções.<br />
Clara ouviu palavras de amor ardente, contemplou a<br />
fisionomia transfigurada de São Francisco e desde este momento<br />
o escolheu como guia de sua alma. Ela confiou seu<br />
desígnio a uma tia e com ela foi a Santa Maria dos Anjos.<br />
Quem poderia dizer o que se passou na alma do pai Seráfico,<br />
nesta primeira entrevista com aquela que deveria ser sua<br />
auxiliar na obra que o Céu lhe confiou?<br />
Com efeito, Santa Clara, juntamente com São Francisco<br />
de Assis, fundou o ramo feminino da Ordem franciscana<br />
cujas freiras, em homenagem a ela, são chamadas<br />
de clarissas.<br />
Inteira consagração ao serviço divino<br />
Prossegue o biógrafo:<br />
São Francisco desvendou a Clara as belezas do Esposo<br />
Celeste, a excelência da virgindade. Em seguida, a entreteve<br />
com tudo aquilo que tinha de mais caro no coração: o poder<br />
e os encantos da pobreza e a necessidade da penitência.<br />
Surpresa, enlevada, Clara o ouviu e atendeu ao chamado<br />
24
G. Kralj<br />
Santa Clara de Assis – Museu Metropolitan de Nova York<br />
25
O Sa n t o d o m ê s<br />
S. Hollmann<br />
divino em sua alma. Em pouco tempo a sua deliberação estava<br />
fixada: ela quebrará todos os vínculos que a unem à<br />
terra e se consagrará a Deus.<br />
Ou seja, depois de se converter, Santa Clara se consagra<br />
inteiramente a Nosso Senhor. Vejamos agora como<br />
isso se fez.<br />
Na noite de Domingo de Ramos do ano 1212, ela deixou<br />
furtivamente a casa paterna e, em companhia de algumas<br />
amigas íntimas, tomou o caminho de Santa Maria dos Anjos.<br />
Francisco e alguns frades foram ao encontro delas com<br />
tochas nas mãos e as introduziram no santuário de Maria.<br />
Foi ali, no meio da noite, que se passou a cena dos desponsórios<br />
espirituais de Santa Clara. Francisco lhe perguntou o<br />
que ela queria e a santa respondeu: “O Deus do Presépio e<br />
do Calvário. Eu não quero outro tesouro nem outra herança”.<br />
Enquanto Francisco lhe cortava os cabelos, ela depositou<br />
tudo quanto tinha de precioso — suas jóias, seus ornamentos<br />
— e recebeu o hábito e o véu grosseiros, a corda, e<br />
se consagrou a Deus para todo o sempre.<br />
Cena esplendorosa<br />
Devemos considerar o esplendoroso da cena. Na<br />
pequena cidade de Assis forma-se um cortejo de moças<br />
que, movidas pela graça do chamado divino, abandonam<br />
o império das famílias que lhes queriam longe<br />
dessa vida de penitência. Andam pelas ruas tortuosas<br />
de Assis, a passos lentos para não despertar a atenção<br />
alheia. Saem do perímetro da cidade e, no campo,<br />
entre Assis e o pequeno convento de Santa Maria dos<br />
Anjos, encontram um outro cortejo, ainda mais celeste<br />
que o delas, encabeçado pelo próprio São Francisco.<br />
Este era um outro Cristo na Terra, pois, além de um<br />
dia ser tocado por chagas nos mesmos lugares em que<br />
Jesus foi ferido, aparentava até semelhança fisionômica<br />
com Nosso Senhor.<br />
Então, com alguns dos santos que o ajudaram a fundar<br />
sua obra, São Francisco sai de encontro a Clara e suas<br />
amigas, à luz de tochas que eles portam nas mãos. Os<br />
dois séqüitos se unem e se dirigem à igreja de Nossa Senhora<br />
onde, no silêncio da noite, com as portas provavelmente<br />
fechadas, Santa Clara renuncia ao mundo e se<br />
consagra a Deus. Como simbólica afirmação dessa entrega,<br />
deixa que São Francisco lhe corte os cabelos e dá assim<br />
o passo definitivo do qual nascerá a Ordem das Franciscanas,<br />
cujos frutos renderam e ainda renderão glória a<br />
Deus de tantas formas e tantos modos.<br />
Colateralmente faço notar a necessidade de medirmos<br />
o genuíno valor das coisas santas e católicas, como<br />
o da cena acima descrita, para fazermos o confronto com<br />
a profunda decadência na qual o mundo vai imergindo,<br />
tornando-se indiferente a essas maravilhas.<br />
26
Numa cena repassada de<br />
beleza, Santa Clara e suas<br />
companheiras se encontram<br />
com São Francisco e seus<br />
frades nos arredores de<br />
Assis, e todos se dirigem ao<br />
pequeno convento onde ela se<br />
consagraria para sempre ao<br />
serviço de Deus<br />
F. Lecaros<br />
Na página 26, Santa Clara de Assis -<br />
Catedral de Barcelona; à direita, São<br />
Francisco de Assis com os estigmas<br />
da Paixão de Nosso Senhor<br />
Seguir o exemplo da<br />
consagração de Santa Clara<br />
Será, talvez, a grande lição a colhermos desse lindo<br />
episódio da vida de Santa Clara. Pode-se dizer que valeria<br />
a pena ter nascido apenas para, neste momento, constatarmos<br />
a decadência religiosa e moral em que vamos<br />
soçobrando, sentirmos a alma dilacerada de dor, pulsando<br />
de indignação face a esse declínio, e tomar a deliberação<br />
de devotar a vida inteira para impedir que tal decadência<br />
continue a prejudicar as almas. Dessa forma estaremos<br />
fazendo uma consagração semelhante à de Santa<br />
Clara, que deixou tudo para entrar no convento.<br />
Se a crise do homem contemporâneo nos é indiferente,<br />
e julgamos mais importante a “vidinha” de todos os<br />
dias, o ter um automóvel novo, uma vistosa roupa, um<br />
bom colchão de molas, o sucesso na profissão, etc., então<br />
é o caso de perguntar onde está nossa Fé, nosso amor a<br />
Deus sobre todas as coisas.<br />
Uma afirmação de Fé<br />
Nesse sentido, volto a lembrar do desfile que nosso<br />
movimento realizará no centro de São Paulo. Mais do<br />
que uma comemoração pelo êxito do abaixo-assinado<br />
contra o divórcio, será uma afirmação de nossa Fé, de<br />
nossa convicção dos princípios católicos que abraçamos e<br />
27
O Sa n t o d o m ê s<br />
sustentamos, a afirmação de que desejamos, antes de tudo,<br />
ser autenticamente filhos da Santa Igreja.<br />
Não deverá ser um mero espetáculo, mas um propósito<br />
firmado diante de Deus, de Nossa Senhora, dos anjos<br />
e santos, de todos os membros do movimento que ali estiverem,<br />
um propósito de viver fundamentalmente para<br />
glorificar a Igreja. E nada mais. Se alguém morrer depois<br />
de ter feito esse propósito de modo sério, teria ganho sua<br />
existência, pois valeria a pena ter nascido para tal.<br />
Incalculável importância<br />
da vida interior<br />
Também a esse propósito convém recordar outro fato<br />
conhecido da vida de Santa Clara, quando ela pôs em<br />
fuga os sarracenos que sitiavam o seu mosteiro, avançando<br />
para eles com o santo cibório na mão. Mais uma cena<br />
de extraordinária beleza: esta virgem consagrada a Deus<br />
que não recua diante do invasor e o enfrenta, segurando<br />
a âmbula repleta de partículas consagradas. Diante dela,<br />
ostensório vivo que leva o Santíssimo Sacramento nas<br />
mãos, os agressores recuam e fogem.<br />
Outra admirável lição para nós. Normalmente, a Providência<br />
quer que procuremos os meios materiais para<br />
enfrentar e derrotar os adversários da Igreja. Porém,<br />
quando esses meios faltam, não devemos julgar que Deus<br />
nos abandonou. Pelo contrário, Ele nos prepara para recebermos<br />
suas melhores graças, a fim de compreendermos<br />
como esses meios são secundários. Santa Clara não<br />
Fotos: S. Hollmann<br />
28
Diante da virgem<br />
consagrada a Deus,<br />
ostensório vivo que levava<br />
nas mãos o Santíssimo<br />
Sacramento, o invasor recua<br />
e foge: admirável lição<br />
sobre o quanto vale e pode a<br />
generosidade interior<br />
de uma alma<br />
Santa Clara de Assis com o ostensório -<br />
Convento das Clarissas de Derio, Vizcaya<br />
(Espanha); na página 28, Morte de Santa Clara<br />
de Assis - Catedral de Barcelona (Espanha)<br />
precisou de exércitos nem de armas para repelir o inimigo<br />
às suas portas.<br />
Portanto, uma alma que faça um autêntico ato de generosidade<br />
interior, renunciando a si mesmo e rumando<br />
para sua santificação, poderá realizar maior bem para a<br />
causa católica do que, por exemplo, todo o nosso cortejo<br />
desse dia 12 de agosto o qual, entretanto, com a ajuda de<br />
Maria Santíssima, há de ser um grande feito.<br />
Vemos, assim, o valor incalculável da vida interior.<br />
Peçamos, então, a Nossa Senhora, Rainha do Céu e da<br />
Terra, que, a rogos de Santa Clara de Assis, cumule nossas<br />
almas dessas resoluções, dessas considerações, bem<br />
como desse espírito de consagração e de entrega ao serviço<br />
divino.<br />
v<br />
(Extraído de Conferência<br />
em 11/08/1966)<br />
1 )<br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> pronunciou esses comentários na véspera do dia<br />
12 de agosto de 1966, data histórica para o movimento por<br />
ele fundado: naquela manhã de sexta-feira, centenas de seus<br />
membros realizaram uma passeata no Viaduto do Chá, no<br />
centro da capital paulista, para comemorar o encerramento<br />
de uma vitoriosa campanha de abaixo-assinado contra a implantação<br />
do divórcio no Brasil. Dita campanha recolheu,<br />
durante 50 dias, 1.042. 359 assinaturas, em 142 cidades brasileiras.<br />
À frente do cortejo esteve o próprio <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>.<br />
29
Lu z e s d a Civilização Cr i s t ã<br />
Rumo<br />
ao grandioso<br />
fastígio<br />
Fotos: G. Kralj<br />
30
Ao se considerar a história<br />
da Santa Igreja, podemos<br />
compará-la a uma planta<br />
em contínuo florescimento. De maneira<br />
tal que, quando atingir sua estatura<br />
perfeita, tiver exalado todo o<br />
seu aroma, resplandecido com todo<br />
o seu esplendor e beleza, será reconhecida<br />
como o esteio de todo o universo.<br />
E, cumprida sua missão, será<br />
colhida por Deus.<br />
Devemos, portanto, conceber<br />
que nesse seu inteiro desabrochar, a<br />
Igreja manifestará tudo quanto nela<br />
existe de formosura e de expressões<br />
de santidade ainda não externadas,<br />
além de aprimoramentos e requintes<br />
do que ela engendrou<br />
ao longo dos séculos. Pense-<br />
Capa pontifical - Basílica de<br />
Santa Maria Maior, Roma<br />
31
Lu z e s d a Civilização Cr i s t ã<br />
mos, por exemplo, nas maravilhas de<br />
que se revestem os ritos e a liturgia<br />
católica, seus simbolismos e mistérios,<br />
e teremos idéia do que poderá<br />
ser o ápice de tudo isso.<br />
Quem não percebe, ao acompanhar<br />
a celebração de uma Missa solene,<br />
admirando os reluzimentos dos<br />
objetos sagrados, a coruscação dos<br />
tecidos bordados a ouro, os paramentos<br />
eclesiásticos, etc., quem não<br />
percebe ali que a Igreja exprime algo<br />
além dos seus dogmas já definidos?<br />
O formato e as cores desses paramentos,<br />
dessas casulas e dalmáticas,<br />
foram engendrados aos poucos, introduzidos<br />
lentamente nos costumes<br />
da Igreja, sem que houvesse nenhuma<br />
preocupação de combinações e<br />
articulações para que viessem a lume.<br />
Foram surgindo a esmo: pessoas<br />
que não entendiam de teatro, arqui-<br />
Flor de desabrochar<br />
exímio, a Igreja reluz de<br />
perfeição em perfeição,<br />
e nossos olhos não se<br />
cansam de admirá-la!<br />
À esquerda, cálice e patena em ouro,<br />
prata, diamantes e pedras preciosas;<br />
acima, cálice e patena em ouro e esmalte;<br />
na página 33, paramento da liturgia<br />
pascal, seda com bordados em ouro -<br />
Basílica de Santa Maria Maior, Roma<br />
32
33
Lu z e s d a Civilização Cr i s t ã<br />
tetaram uma como que dramaturgia<br />
magnífica, com roupagens extraordinárias;<br />
guiadas pelo senso da Igreja,<br />
pelo Espírito Santo, escolheram,<br />
destilaram, arranjaram, realizaram<br />
maravilhas de primeira grandeza.<br />
A todo momento olhamos para a<br />
Igreja e dizemos: “é impossível ser<br />
mais perfeito”. Mais um tempo, e ela<br />
reluz de perfeição maior. Flor de desabrochar<br />
tão exímio, que é continuamente<br />
assim, e quem tem olhos para<br />
vê-la, nunca se sacia de admirá-la.<br />
Então, para imaginar a Igreja no<br />
seu grandioso fastígio, devemos imaginá-la<br />
com uma certa forma de excelência<br />
que supera nitidamente<br />
todas as suas perfeições anteriores,<br />
mas, de algum modo, as engloba,<br />
de maneira a não ficarem folhas<br />
de pulcritudes dessa planta abandonadas<br />
pelo caminho. Todas serão recolhidas<br />
a fim de que — não sabemos<br />
como — todos os aspectos de<br />
santidade da Igreja tenham sua síntese<br />
nessa fase suprema, sob o especial<br />
bafejo de Maria Santíssima. v<br />
(Extraído de conferências em<br />
18/10/1982 e 6/7/1983)<br />
O formato e as cores dos paramentos litúrgicos foram engendrados aos<br />
poucos, inspirados pelo senso da Igreja, pelo Espírito Santo<br />
Paramentos pontifícios do séc. XVI; na página 35, cálices e patenas em ouro,<br />
prata, diamantes e pérolas - Basílica de Santa Maria Maior, Roma<br />
34
35
A<br />
experiência da vida nos confirma o<br />
princípio segundo o qual aquilo que<br />
admiramos penetra em nossa alma e nos<br />
transforma. Exemplo arquetípico<br />
dessa verdade encontramos em<br />
Nosso Senhor. Percorramos as<br />
páginas do Evangelho sob este<br />
ângulo e veremos como Ele,<br />
durante todo o tempo de sua<br />
passagem pelo mundo, procurou<br />
despertar admiração. O povo<br />
que O ouvia não cabia em si de tanto admirá-Lo.<br />
E como se tal não bastasse, o Divino<br />
Mestre ainda se transfigurou no Tabor. Para<br />
quê? Para transformá-los, para obter o<br />
amor daquela gente, pois o autêntico<br />
amor começa pela admiração.<br />
(Extraído de conferência<br />
em 30/9/1969)<br />
Transfiguração – Basílica do<br />
Pilar, Zaragoza (Espanha)<br />
S. Hollmann<br />
Admiração transformante