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Revista Dr Plinio 309

dezembro 2023

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Publicação Mensal<br />

Vol. XXVI - Nº <strong>309</strong> Dezembro de 2023<br />

Dispondo os corações para<br />

receber o Divino Infante


O convívio na<br />

Sagrada Família<br />

Flávio Aliança<br />

Imaginemos o ambiente na casa da Sagrada Família, quando, por exemplo,<br />

fazendo-se o ocaso em Nazaré, estão Nossa Senhora, São José e o Menino<br />

Jesus jantando.<br />

Maria e José contemplam o Menino e sabem que é Deus quem está comendo e<br />

lhes dirigindo a palavra para lhes fazer as mil perguntas de uma criança; a todo<br />

momento recebem uma lufada de<br />

amor divino e uma lição de sublimidade<br />

de se entrar em êxtase!<br />

Cada um dos três se encantava<br />

por ver, dia a dia, os outros<br />

dois atingirem novos requintes de<br />

perfeição, uma vez que até “Jesus<br />

crescia em sabedoria, em estatura<br />

e em graça” (Lc 2, 52).<br />

Diz o Evangelho que Maria<br />

guardava as coisas que via e as<br />

conferia em seu Coração (cf. Lc 2,<br />

19). O que teriam sido as conferições<br />

de São José? Pode-se imaginá-<br />

-lo, à noite, depois que Nossa Senhora<br />

e o Menino Jesus tivessem<br />

ido se deitar, ele ficar sozinho fazendo<br />

o histórico do dia, pensando<br />

em tudo quanto tinha apreendido.<br />

O que seria passar um dia com<br />

a Sagrada Família?! Ora, no<br />

Céu conviveremos com ela por toda<br />

a eternidade! *<br />

Sagrada Família (coleção particular)<br />

* Cf. Conferência de 24/7/1971.


Sumário<br />

Publicação Mensal<br />

Vol. XXVI - Nº <strong>309</strong> Dezembro de 2023<br />

Vol. XXVI - Nº <strong>309</strong> Dezembro de 2023<br />

Dispondo os corações para<br />

receber o Divino Infante<br />

Na capa,<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> durante<br />

conferência, em 1982.<br />

Foto: Arquivo <strong>Revista</strong><br />

As matérias extraídas<br />

de exposições verbais de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

— designadas por “conferências” —<br />

são adaptadas para a linguagem<br />

escrita, sem revisão do autor<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

<strong>Revista</strong> mensal de cultura católica, de<br />

propriedade da Editora Retornarei Ltda.<br />

ISSN - 2595-1599<br />

CNPJ - 02.389.379/0001-07<br />

INSC. - 115.227.674.110<br />

Diretor:<br />

Roberto Kasuo Takayanagi<br />

Conselho Consultivo:<br />

Antonio Rodrigues Ferreira<br />

Jorge Eduardo G. Koury<br />

Redação e Administração:<br />

Rua Virgílio Rodrigues, 66 - Tremembé<br />

02372-020 São Paulo - SP<br />

E-mail: editoraretornarei@gmail.com<br />

Impressão e acabamento:<br />

Pigma Gráfica e Editora Ltda.<br />

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São Paulo – SP, CEP: 03109-001<br />

Preços da<br />

assinatura anual<br />

Comum............... R$ 300,00<br />

Colaborador. .......... R$ 400,00<br />

Benfeitor ............. R$ 500,00<br />

Grande benfeitor....... R$ 800,00<br />

Exemplar avulso. ....... R$ 25,00<br />

Serviço de Atendimento<br />

ao Assinante<br />

editoraretornarei@gmail.com<br />

Segunda página<br />

2 O convívio na Sagrada Família<br />

Editorial<br />

4 O pulsar dos corações<br />

no Santo Natal<br />

Piedade pliniana<br />

5 Vinde a mim,<br />

ó Mãe do filho pródigo!<br />

Dona Lucilia<br />

6 Ponte luminosa entre um passado<br />

agonizante e um futuro glorioso<br />

De Maria nunquam satis<br />

8 O dogma da Imaculada Conceição:<br />

marco inicial do reinado de Maria<br />

Eco fidelíssimo da Igreja<br />

14 Natal, um imenso perdão<br />

para os homens<br />

Perspectiva pliniana da História<br />

17 Posição de luta e seriedade nas<br />

ternas alegrias do Natal<br />

Calendário dos Santos<br />

20 Santos de Dezembro<br />

Hagiografia<br />

22 Superexcelência da missão<br />

do Discípulo amado<br />

Apóstolo do pulchrum<br />

30 Mensagens de Deus<br />

numa tarde de ocaso<br />

Última página<br />

36 Cântico novo, alegria dos Anjos!<br />

3


Editorial<br />

O pulsar dos corações<br />

no Santo Natal<br />

O<br />

Natal irrompe na vida do católico como um tufão de luz, de harmonia e de bem-estar, que corta<br />

o ritmo da vida cotidiana, faz cessar as lágrimas, as angústias, as apreensões, as indolências e até<br />

as infidelidades, elevando a alma a um outro plano.<br />

Nasceu da Virgem Maria o Menino Jesus em Belém. O simples anúncio deste fato inunda de alegria as<br />

almas dos verdadeiros fiéis, fazendo-lhes compreender quanto isso exclui qualquer outra consideração e<br />

como o Redentor dado a nós para redimir os pecados do mundo, mediante a ação corredentora de Nossa<br />

Senhora, modificará a mentalidade dos homens, a face da Terra e implantará o seu Reino glorioso.<br />

Nesta nossa época tão cheia de preocupações, olhemos, antes de tudo, para o Céu, para tudo quanto na<br />

Igreja Católica há de eterno, de invariável, de indestrutível. Exultemos com isso, pois estas são as grandes<br />

notícias do Santo Natal.<br />

Entretanto, como não considerar que no presépio da gruta de Belém, sob o olhar amantíssimo de Nossa<br />

Senhora e de São José, está o nosso Salvador e que, portanto, todos nós que precisamos de graças devemos<br />

nos dirigir a Ele por meio desses intercessores admiráveis? Como não Lhe apresentar as nossas necessidades<br />

espirituais e materiais, e as da Santa Igreja, tão prementes e trágicas?<br />

Se por um certo movimento de alma, à maneira da sístole, devemos nos esquecer de todos os problemas<br />

na Noite Santa, por uma espécie de diástole cabe-nos pensar neles para depositá-los aos pés do Menino<br />

Jesus, pedindo-Lhe que abençoe nossas reflexões, nosso zelo, nossos anelos, nosso desejo de lutar, de trabalhar,<br />

nosso anseio da vitória de sua Mãe Santíssima sobre a Terra para a inauguração do Reino de Maria,<br />

que é a quintessência do Reino d’Ele.<br />

Há, pois, uma espécie de dicotomia harmoniosa na noite de Natal. Por um prisma, contemplamos só a<br />

eternidade; por outro, olhamos para a vida terrena, mas sempre com os olhos postos no Céu.<br />

Para o homem de fé, as linhas mestras da História são traçadas segundo critério claro e luminoso: o que foi<br />

feito da Igreja Católica e da Civilização Cristã no curso deste ano? O que será de uma e de outra no porvir?<br />

No plano temporal, análogas interrogações se apresentam ao espírito: o que foi feito do nosso grande e<br />

querido Brasil, envolto hoje em nebulosa mescla de caos, de progresso e de carência?<br />

Quer na sublime noite de Natal, quer na passagem de ano, carregada de apreensões e de esperanças,<br />

depositemos todos os nossos anseios aos pés do Menino Deus que sorri misericordioso sob os olhares enlevados<br />

de Maria e José. E Lhes supliquemos que os dias vindouros conheçam, pela graça de Deus, regenerações<br />

transfiguradoras e, assim, a moralidade geral, hoje em catastrófica decadência, se reerga ao suave<br />

e vitorioso bafejo da Fé.<br />

Que a Santa Igreja se desvencilhe, por fim, da crise dramática em que vive nestes dias de confusão e de<br />

angústia, e seja reconhecida por todos os povos como a única Igreja verdadeira do único Deus verdadeiro,<br />

inspiradora e mãe de todo bem espiritual e temporal. E, assim, abertos para ela os corações, ilumine com<br />

esplendor solar os indivíduos, as famílias, as instituições e as nações.<br />

Pela intercessão vitoriosa de Maria, nossas preces ver-se-ão atendidas. Que neste Natal Nossa Senhora<br />

seja, como sempre, nossa vida, nossa doçura, nossa esperança. *<br />

* Cf. Mensagens de Natal de 1984 e 1994.<br />

Declaração: Conformando-nos com os decretos do Sumo Pontífice Urbano VIII, de 13 de março de 1625 e<br />

de 5 de junho de 1631, declaramos não querer antecipar o juízo da Santa Igreja no emprego de palavras ou<br />

na apreciação dos fatos edificantes publicados nesta revista. Em nossa intenção, os títulos elogiosos não têm<br />

outro sentido senão o ordinário, e em tudo nos submetemos, com filial amor, às decisões da Santa Igreja.<br />

4


Piedade pliniana<br />

Flávio Lourenço<br />

A Virgem em oração<br />

Museu Nacional<br />

de Capodimonte,<br />

Nápoles<br />

Vinde a mim,<br />

ó Mãe do filho pródigo!<br />

Ó<br />

Mãe de todos os perdões e de todas as misericórdias, peço-Vos algo melhor<br />

do que, na parábola, deu o pai ao filho pródigo. Imploro-Vos que, em lugar<br />

de me esperardes e de me atrairdes, façais mais: venhais até mim. Que sejais<br />

a Mãe do filho pródigo, a qual vai ao local onde ele come as bolotas dos porcos,<br />

e que leveis convosco todo o vosso perdão e os elementos necessários para o festim<br />

da reconciliação.<br />

Ó Coração Sapiencial e Imaculado de Maria, vinde a mim, já que não vou a Vós.<br />

E, pela força soberana, irresistível, dulcíssima de vossa misericórdia, fazei em mim<br />

a vossa obra.<br />

Cor Sapientiale et Immaculatum Mariæ, opus tuum fac!<br />

(Composta em 1/1/1971)<br />

5


Dona Lucilia<br />

J.P.Ramos<br />

Representando a última semente de uma árvore esplendorosa<br />

que morria, Dona Lucilia foi posta pela Providência numa<br />

situação intermediária entre a sua geração e o passado,<br />

onde a inocência de sua ação haveria de deitar raízes<br />

para uma nova e gloriosa árvore: o Reino de Maria.<br />

O<br />

que<br />

se dava com mamãe no<br />

que diz respeito à sua inocência?<br />

Olhar posto num ponto<br />

luminoso indefinido<br />

Em sua alma havia um esplendor.<br />

É próprio ao Quadrinho 1 indicá-lo<br />

com perfeição. Aliás, esse Quadrinho<br />

– como outras coisas que ela tem feito<br />

–, roça no milagroso, porque não<br />

posso admitir que, com base numa<br />

fotografia, um pintor que nunca a viu<br />

tenha dado a ele muito mais expressão<br />

do que há na própria foto dela.<br />

O que o quadro tem de imponderável<br />

é o olhar, manifestado por ela<br />

muitas vezes, fixo num ponto luminoso<br />

indefinido, o qual ela não se saciava<br />

de ver e que lhe enchia a alma<br />

de luz. Esse ponto luminoso indicava<br />

haver em seu interior uma zona<br />

de meditação muito alta e contínua,<br />

cuja ação alcandorava a alma, iluminando-a<br />

e alvejando-a cada vez mais.<br />

Os cabelos brancos dela, já ao fim<br />

da vida, às vezes comoviam-me, porque<br />

pareciam o resplendor de algo<br />

enternecedor e comovedoramente<br />

prateado que ela possuía. E a impressão<br />

é que no Quadrinho ela medita<br />

olhando uma luz prateada.<br />

Exercícios de transcendência<br />

ao admirar a natureza<br />

Havia no espírito dela um ponto<br />

altíssimo, era o campo da inocência<br />

dela.<br />

Lembro-me de certa vez tê-la escutado<br />

falar com papai. Ambos estavam<br />

olhando o eterno panorama de<br />

dois idosos que não saem de casa: a<br />

praça da frente, um bonito pôr do sol<br />

visto através do arvoredo, para o lado<br />

da Rua Alagoas; a cidade era menos<br />

poluída do que é hoje.<br />

Às tantas ela disse a papai: “Meu<br />

velho, veja que sol bonito vem ali!<br />

Que pôr do sol maravilhoso! Nós<br />

vamos morrer daqui a pouco e proponho<br />

que façamos um trato: à vista<br />

deste pôr do sol, aquele que ficar<br />

na Terra por mais tempo rezará uma<br />

Ave-Maria pelo outro.”<br />

Percebi por este fato o quanto aquele<br />

crepúsculo representava para ela e<br />

que alto exercício de transcendência<br />

ela fazia a respeito de algo da natureza.<br />

Numa outra ocasião, por questões<br />

de segurança, mandei cortar os galhos<br />

de uma árvore que ficava próxima à<br />

casa. Ela não tinha a noção do perigo<br />

que aquilo representava e percebi que<br />

o fato de ela não poder contemplar<br />

mais as folhas daquela árvore e a projeção<br />

da luz que elas faziam, traçando<br />

de noite sombras na parede branca<br />

do meu escritório, era como algo do<br />

Céu que se fechava para ela. E notei,<br />

naquela mansidão exímia dela, apenas<br />

6


Arquivo <strong>Revista</strong><br />

Gabriel K.<br />

um “ai” de um cordeiro que leva<br />

outra alfinetada e mais nada.<br />

Posição ápice de uma alma<br />

Mamãe era da geração de vovó,<br />

mas à maneira de uma simplificação:<br />

ela ficava entre a geração dela<br />

e a anterior, representando muito<br />

do século XIX. Esta é a posição<br />

contrarrevolucionária ápice de uma<br />

alma: ficar a meio caminho da geração<br />

que a antecedeu, sem ser uma<br />

pessoa anacrônica, não sendo de nenhum<br />

modo de sua própria geração.<br />

No século XIX ainda restavam muitos<br />

valores medievais que os homens<br />

amavam sem os ver com clareza. Por<br />

exemplo, na perspectiva de Santa Teresinha,<br />

como seria propriamente a Idade<br />

Média? Vemos, no entanto, que a<br />

união dela com o pai, Luís Martin, era<br />

por ver nele uma gota da Cristandade<br />

medieval posta no século XIX, mas<br />

não como algo que se destacou e perseverou.<br />

O século XIX ainda era túmido<br />

de coisas medievais, donde inclusive<br />

surgir um movimento neogótico.<br />

Não quero fazer uma equiparação<br />

entre mamãe e Santa Teresinha, mas<br />

descrevo um ponto de semelhança.<br />

Santa Teresinha não fez grandes<br />

obras. O que ela teve foi uma altíssima<br />

inocência, com a qual realizou<br />

atos que lhe deram um valor insondável,<br />

os quais, segundo a escola e a doutrina<br />

dela, eram coisas comuns. Não<br />

era comum aceitar a morte como ela<br />

aceitou. Pode haver muita gente que<br />

morra aceitando a morte, até em termos<br />

edificantes. Mas Santa Teresinha<br />

tinha muito mais do que isso.<br />

Santa Teresinha, creio eu, foi a última<br />

flor da França, e, por isso, a última<br />

flor da Cristandade. Ela deu origem<br />

a uma família de almas universal<br />

e não mais especificamente francesa,<br />

mas voltada para o futuro. É uma semente<br />

que ficou da árvore sacrossanta<br />

da França e deu origem a outras<br />

maravilhas.<br />

Neste sentido, o que foi mamãe<br />

para mim? Que relação o campo de<br />

inocência dela tem com o da minha<br />

inocência? E que relação esse campo<br />

de inocência tem com o papel dela<br />

dentro da História?<br />

Da semente modesta<br />

ressurge a Cristandade<br />

do Reino de Maria<br />

Mamãe retivera sobretudo os lados<br />

bons do século XIX, que eram<br />

as tradições medievais ainda vivas;<br />

e sua alma era uma continuação<br />

disso. De maneira que eu comecei<br />

a amar nela a Idade Média, e muitas<br />

vezes pensava: como é parecida<br />

com mamãe!<br />

Contudo, mamãe não tinha<br />

uma noção exata do que tinha<br />

sido a Idade Média. Ela gostava<br />

muito das coisas góticas, mas sua<br />

alma era mais gótica do que ela notava<br />

no gótico. Ela foi um eco fidelíssimo,<br />

embora subconsciente, dessa<br />

gloriosa era de fé e enquanto o mundo<br />

inteiro ia decaindo e abandonando<br />

o espírito da Idade Média, ela gerou<br />

um filho entusiasta da Cristandade<br />

medieval.<br />

Ela é o hífen, a ponte entre tudo o<br />

que houve outrora e o futuro. Ela representava<br />

o último pranto do passado,<br />

chorando por morrer. E o filho<br />

dela, Nossa Senhora destinou para<br />

fundar uma família de almas que seria<br />

o raiar da Idade Média ressurrecta<br />

no Reino de Maria.<br />

A palavra hífen diz pouco: é a última<br />

semente de uma árvore esplendorosa<br />

que morre, mas da qual vai nascer<br />

outra árvore ainda maior. Essa semente<br />

foi ela: modesta, pequena, ignorada,<br />

sem deixar atrás de si outro rastro a não<br />

ser esse, mas deixando esse. E esse é o<br />

grande papel histórico dela, a grande<br />

missão; e talvez, sem ela saber, deu nascimento<br />

à Contra-Revolução. v<br />

(Extraído de conferência de<br />

30/10/1977)<br />

1) Quadro a óleo que muito agradou a<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>, pintado por um de seus<br />

discípulos, com base nas últimas fotografias<br />

de Dona Lucilia. Cf. <strong>Revista</strong><br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> n. 119, p. 6-9.<br />

7


De Maria nunquam satis<br />

Flãvio Aliança<br />

Imaculada Conceição<br />

Igreja de São Francisco,<br />

Arcos de la Frontera,<br />

Espanha<br />

O dogma da Imaculada Conceição:<br />

marco inicial do reinado de Maria<br />

Contra uma tempestade de paixões inconfessáveis, de ódios<br />

ameaçadores, de desesperos furiosos, a alguns doía-lhes aceitar<br />

que Deus houvesse realçado tanto uma criatura. Somente a<br />

voz intrépida e majestosa do Vigário de Cristo, fiada apenas no<br />

auxílio do Céu, poderia proclamar como dogma a Imaculada<br />

Conceição de Maria Santíssima. Somente Ela, como em<br />

Lourdes, pode transformar o momento de terríveis castigos<br />

no qual vivemos numa hora de admirável misericórdia.<br />

Em 1854, pela Bula Ineffabilis<br />

Deus, o grande Papa<br />

Pio IX definia como dogma<br />

a Imaculada Conceição de Nossa<br />

Senhora. Em 1858, de 11 de fevereiro<br />

a 16 de julho, Nossa Senhora<br />

aparecia dezoito vezes, em<br />

Lourdes, a uma filha do povo, Bernadette<br />

Soubirous, declarando ser<br />

a Imaculada Conceição. A partir<br />

dessa ocasião, tiveram início<br />

os milagres. E a grande maravilha<br />

de Lourdes começou a brilhar aos<br />

olhos de todo o mundo, até nossos<br />

dias. O milagre confirmando<br />

o dogma, eis em resumo a relação<br />

entre o acontecimento de 1854 e o<br />

de 1858.<br />

8


Século XIX: problemas<br />

análogos aos de nossos dias<br />

O que, entretanto, é menos conhecido<br />

pelo grande público é a relação<br />

desses dois grandes fatos com<br />

os problemas dos meados do século<br />

XIX, tão diversos dos de hoje, mas<br />

ao mesmo tempo tão e tão parecidos<br />

com eles.<br />

Ao definir o dogma da Imaculada<br />

Conceição, o Papa Pio IX despertou<br />

em todo o orbe civilizado repercussões<br />

ao mesmo tempo díspares e<br />

profundas.<br />

De um lado, em grande parte<br />

dos fiéis, a definição do dogma suscitou<br />

um entusiasmo imenso. Ver<br />

um Vigário de Jesus Cristo erguer-<br />

-se na plenitude e na majestade<br />

de seu poder para<br />

proclamar um dogma, em<br />

pleno século XIX, era presenciar<br />

um desafio admiravelmente<br />

sobranceiro e arrojado<br />

ao ceticismo triunfante,<br />

que já então corroía<br />

até as entranhas a civilização<br />

ocidental.<br />

Acresce que esse dogma<br />

era marial. Ora, o liberalismo,<br />

outra praga do século<br />

XIX, tende por sua própria<br />

natureza ao interconfessionalismo,<br />

à afirmação de tudo<br />

o que as várias religiões têm<br />

em comum (o que em última<br />

análise se reduz a um vago<br />

deísmo), e a uma subestimação,<br />

quando não a uma formal<br />

rejeição de tudo quanto<br />

as separa. Assim, a proclamação<br />

de um novo dogma<br />

mariano – precisamente<br />

como ocorreu em alguns arraiais<br />

com a definição recente<br />

da Assunção – se afigurava<br />

aos interconfessionalistas<br />

ocultos ou declarados de<br />

1854 uma séria e inesperada<br />

barreira para a realização de<br />

seus desígnios.<br />

O dogma chocou a fundo<br />

o espírito igualitário<br />

da Revolução<br />

Mais ainda, o novo dogma, em si<br />

mesmo considerado, chocava a fundo<br />

o espírito essencialmente igualitário<br />

da Revolução que, a partir de<br />

1789, reinava despoticamente no<br />

Ocidente. Ver uma simples criatura<br />

de tal maneira elevada sobre todas<br />

as outras, por um privilégio inestimável,<br />

concedido no primeiro instante<br />

de seu ser, é coisa que não podia<br />

nem pode deixar de doer aos filhos<br />

da Revolução que proclamava a<br />

igualdade absoluta entre os homens<br />

como o princípio de toda ordem, de<br />

toda justiça e de todo bem. Aos não<br />

Gruta das aparições de Nossa Senhora em Lourdes<br />

católicos, como aos católicos mais<br />

ou menos infectados do espírito de<br />

1789, doía-lhes aceitar que Deus tivesse<br />

instalado com tanto realce, na<br />

Criação, um elemento de tão caracterizada<br />

desigualdade.<br />

Por fim, a própria natureza do privilégio<br />

é antipática para espíritos liberais.<br />

Se alguém admite o pecado<br />

original com toda a sequela de desregramentos<br />

da alma e misérias do<br />

corpo que ele acarretou, há de aceitar<br />

que o homem precisa de uma autoridade,<br />

a cujo império tem de viver<br />

sujeito. Ora, a definição da Imaculada<br />

Conceição implicava numa reafirmação<br />

implícita do ensinamento da<br />

Igreja a este respeito.<br />

Pedro K.<br />

A Virgem Imaculada<br />

esmagou a cabeça<br />

da serpente<br />

Todavia, por mais que tudo<br />

isto seja, não estava só<br />

nisto o que ousaríamos chamar<br />

o sal do glorioso acontecimento<br />

da definição do<br />

dogma. É impossível pensar<br />

na Virgem Imaculada sem<br />

ao mesmo tempo lembrar a<br />

serpente, cuja cabeça Ela esmagou<br />

triunfal e definitivamente<br />

com o calcanhar.<br />

O espírito revolucionário<br />

é o próprio espírito do demônio<br />

e seria impossível, para<br />

uma pessoa de fé, não reconhecer<br />

a parte que o demônio<br />

tem no aparecimento<br />

e na propagação dos erros<br />

da Revolução, desde a<br />

catástrofe religiosa do século<br />

XVI até a catástrofe política<br />

do século XVIII e tudo<br />

quanto a esta se seguiu.<br />

Ora, ver assim afirmado<br />

o triunfo de sua máxima, de<br />

sua invariável, de sua inflexível<br />

inimiga, era, para o poder<br />

das trevas, a mais horrível<br />

das humilhações. De on-<br />

9


De Maria nunquam satis<br />

Arquivo <strong>Revista</strong><br />

Beato Pio IX - Museu de São João de Latrão, Roma<br />

de um concerto de vozes humanas e<br />

rugidos satânicos por todo o mundo,<br />

semelhante a uma imensa e fragorosa<br />

tempestade. Ver que contra essa<br />

tempestade de paixões inconfessáveis,<br />

de ódios ameaçadores, de desesperos<br />

furiosos, se erguia só e intrépida,<br />

a figura majestosa do Vigário<br />

de Cristo, desarmada de todos<br />

os recursos da Terra e fiada apenas<br />

no auxílio do Céu, era fonte, para os<br />

verdadeiros católicos, de um júbilo<br />

igual ao que sentiram os Apóstolos<br />

vendo erguer-se, na tempestade desencadeada<br />

sobre o Lago de Genesaré,<br />

a figura divinamente varonil do<br />

Salvador, a comandar soberanamente<br />

os ventos e o mar: “Venti et mare<br />

obediunt ei” (Mt 8, 27).<br />

Início da derrocada<br />

da Revolução<br />

Assim como diante dos hunos se<br />

deixaram derrotar ou debandaram<br />

todos os generais e governadores do<br />

Império Romano, assim também,<br />

diante da Revolução, estavam em deplorável<br />

derrota ou debandada, em<br />

número incontável, os que na sociedade<br />

temporal deveriam defender<br />

a Igreja e a Civilização Cristã.<br />

Nessa situação de uma nobre<br />

e solene dramaticidade,<br />

Pio IX, como São Leão<br />

Magno, era o único a enfrentar<br />

o adversário e a lhe<br />

impor a retirada.<br />

Recuar? A proposição<br />

parece ousada. Entretanto,<br />

nada mais verdadeiro.<br />

A partir de 1854, a Revolução<br />

começou a sofrer suas<br />

grandes derrotas.<br />

É certo que, na aparência<br />

como na realidade, ela<br />

continuou a desenvolver<br />

seu império sobre a Terra.<br />

O igualitarismo, a sensualidade,<br />

o ceticismo foram<br />

alcançando vitórias sempre<br />

mais radicais e extensas.<br />

Mas algo de novo surgiu. E este<br />

algo, que é modesto, apagado, insignificante<br />

de aspecto, por sua vez<br />

vem crescendo incoercivelmente e<br />

acabará por matar a Revolução.<br />

A Igreja é o centro<br />

da História<br />

Para compreender bem esse ponto<br />

fundamental, cumpre ter em mente<br />

o papel da Igreja na História, e da<br />

devoção a Nossa Senhora, na Igreja.<br />

A Igreja é, nos planos de Deus, o<br />

centro da História. É a Esposa Mística<br />

de Cristo, que Ele ama com amor único<br />

e perfeito e à qual quis sujeitar todas<br />

as criaturas. Claro está que o Esposo<br />

nunca abandona a Esposa, e que<br />

é sumamente cioso da glória d’Ela.<br />

Assim, na medida em que seu elemento<br />

humano se conserva fiel a<br />

Nosso Senhor Jesus Cristo, a Igreja<br />

nada deve temer. Até as maiores<br />

perseguições servirão à sua glória. E<br />

as honras e prosperidades mais marcadas<br />

não esmorecerão no povo fiel o<br />

senso do dever e o amor à Cruz. Isto<br />

no plano espiritual.<br />

De outro lado, no plano temporal, se<br />

os homens abrirem sua alma à influência<br />

da Igreja, estará franqueado a eles<br />

o caminho de todas as prosperidades e<br />

grandezas. Pelo contrário, se a abandonarem,<br />

estarão na trilha de todas as ca-<br />

Gabriel K.<br />

São Leão Magno impede a entrada de Átila em Roma - Museus Vaticanos<br />

10


tástrofes e abominações.<br />

Para um povo que chegou<br />

a pertencer ao grêmio da<br />

Igreja, só há uma ordem de<br />

coisas normal, que é a Civilização<br />

Cristã. E essa civilização,<br />

superior a todas as<br />

outras, tem por princípio vital<br />

a Religião Católica.<br />

Condições de florescimento<br />

da Igreja<br />

Por sua vez, há para a<br />

Igreja três condições de<br />

florescimento tão essenciais,<br />

que se avantajam<br />

sobre todas as outras. Delas<br />

já tenho falado muito.<br />

Nunca, porém, será suficiente<br />

insistir.<br />

Antes de tudo, está a<br />

piedade eucarística. Nosso<br />

Senhor presente no<br />

Santíssimo Sacramento é<br />

o Sol da Igreja. D’Ele nos<br />

vêm toda as graças. Mas<br />

estas graças têm de passar<br />

por Maria. Pois é Ela<br />

a Medianeira universal, por Quem vamos<br />

a Jesus e por Quem Jesus vem a<br />

nós. A devoção marial intensa, esclarecida,<br />

filial é, pois, a segunda condição<br />

para o florescimento da virtude.<br />

Se Nosso Senhor no Santíssimo Sacramento<br />

está presente, mas não nos fala,<br />

sua voz se faz ouvir para nós através<br />

do Sumo Pontífice. De onde a docilidade<br />

ao Sucessor de São Pedro é o<br />

fruto próprio e lógico da devoção à Sagrada<br />

Eucaristia e a Nossa Senhora.<br />

Quando, pois, essas três devoções<br />

florescem, cedo ou tarde a Igreja<br />

triunfa. E, a contrario sensu, quando<br />

elas estão em declínio, cedo ou tarde<br />

a Civilização Cristã decai.<br />

Lourdes, estrondosa<br />

confirmação do dogma<br />

Comunhão - Catedral do Salvador, Aix-en-Provence, França<br />

De há muito, vinham sendo os<br />

meios católicos da Europa e da América<br />

trabalhados por uma verdadeira<br />

lepra, que era o jansenismo. Essa heresia<br />

tinha em mira precisamente enfraquecer<br />

a Igreja, minando a devoção<br />

ao Santíssimo Sacramento sob as<br />

aparências de um falso respeito. Exigia<br />

tais disposições para que se aproximasse<br />

alguém da Sagrada Mesa, que<br />

as pessoas, infelizmente muito numerosas,<br />

por ela influenciadas, deixavam<br />

quase completamente de comungar.<br />

De outro lado, o jansenismo movia<br />

uma campanha insistente contra a devoção<br />

a Nossa Senhora, que acusava<br />

de desviar de Jesus Cristo em lugar de<br />

conduzir a Ele. E, por fim, essa heresia<br />

movia luta incessante contra o Papado<br />

e especialmente contra a infalibilidade<br />

do Sumo Pontífice.<br />

A definição do dogma da Imaculada<br />

Conceição foi o primeiro dos<br />

grandes reveses sofridos pelo inimigo<br />

interno. Com efeito, nasceu daí<br />

uma imensa caudal de<br />

piedade mariana, que se<br />

vem avolumando cada<br />

vez mais.<br />

Para provar que tudo<br />

nos vem por Maria, quis<br />

a Providência que fosse<br />

marial o primeiro grande<br />

triunfo.<br />

Mas, para glorificar<br />

ainda melhor sua Mãe,<br />

Nosso Senhor fez mais.<br />

Em Lourdes, como estrondosa<br />

confirmação do<br />

dogma, fez o que nunca<br />

antes se vira: instalou no<br />

mundo o milagre, por assim<br />

dizer, em série e a título<br />

permanente. Até então,<br />

o milagre aparecera na<br />

Igreja esporadicamente.<br />

Mas, em Lourdes, as curas<br />

mais cientificamente comprovadas<br />

e de origem mais<br />

autenticamente sobrenatural<br />

se dão, há cem anos,<br />

a bem dizer a jato contínuo,<br />

à face de um século<br />

confuso e desnorteado.<br />

Desse braseiro de fé, aceso com a<br />

definição da Imaculada Conceição,<br />

desprendeu-se, como uma chama,<br />

um imenso anelo. Os melhores, os<br />

mais doutos, os mais qualificados elementos<br />

da Igreja desejavam a proclamação<br />

do dogma da infalibilidade papal.<br />

Mais do que ninguém, queria-o<br />

o grande Pio IX. E da definição desse<br />

dogma veio para o mundo um surto<br />

de devoção ao Papa, que constituiu<br />

para a impiedade nova derrota.<br />

Flávio Lourenço<br />

O inimigo, mais forte<br />

do que nunca<br />

Por fim, veio o pontificado de São<br />

Pio X e com ele o convite aos fiéis<br />

para a comunhão frequente e até diária,<br />

bem como para a comunhão<br />

das crianças. E a era dos grandes<br />

triunfos eucarísticos começou a brilhar<br />

radiosa para toda a Igreja.<br />

11


De Maria nunquam satis<br />

Arquivo <strong>Revista</strong><br />

São Pio X - Catedral de Sant’Ana,<br />

Mogi das Cruzes, São Paulo<br />

Com tudo isto, a atmosfera jansenista<br />

foi varrida de dentro dos meios<br />

católicos. O surto modernista e, mais<br />

tarde, o surto neomodernista não<br />

conseguiram anular as grandes vitórias<br />

que a Igreja alcançara contra<br />

seus adversários internos.<br />

Mas, poder-se-ia perguntar, o<br />

que resultou daí, para a luta da<br />

Igreja com seus adversários externos?<br />

Não se diria que o inimigo está<br />

mais forte do que nunca e que<br />

nos aproximamos daquela era sonhada<br />

pelos iluministas há tantos<br />

séculos, de naturalismo científico<br />

cru e integral, dominado pela<br />

técnica materialista; da república<br />

universal ferozmente igualitária,<br />

de inspiração mais ou menos filantrópica<br />

e humanitária, de cujo ambiente<br />

sejam varridos todos os resquícios<br />

de uma religião sobrenatural?<br />

Não está aí o comunismo, não<br />

está aí o perigoso deslizar da própria<br />

sociedade ocidental, pretensamente<br />

anticomunista, mas que no<br />

fundo também caminha para a realização<br />

desse “ideal”?<br />

Gemendo nas<br />

trevas e na dor<br />

Sim. E a proximidade<br />

desse perigo é até maior<br />

do que geralmente se pensa.<br />

Mas ninguém atenta<br />

para um fato de importância<br />

primordial. É que enquanto<br />

o mundo vai sendo<br />

modelado para a realização<br />

desse sinistro desígnio,<br />

um profundo, um imenso,<br />

um indescritível mal-estar<br />

se vai apoderando dele. É<br />

um mal-estar muitas vezes<br />

inconsciente, que se apresenta<br />

vago e indefinido<br />

até mesmo quando é consciente,<br />

mas que ninguém<br />

ousaria contestar.<br />

Dir-se-ia que a humanidade<br />

inteira sofre violência,<br />

que está sendo posta<br />

em uma fôrma que não convém à<br />

sua natureza e que todas as suas fibras<br />

sadias se contorcem e resistem.<br />

Há um anseio imenso por<br />

outra coisa, que ainda não<br />

se sabe qual é. Mas, enfim,<br />

fato talvez novo desde<br />

que começou, no século<br />

XV, o declínio da Civilização<br />

Cristã, o mundo inteiro<br />

geme nas trevas e na<br />

dor, precisamente como o<br />

filho pródigo quando chegou<br />

ao último da vergonha<br />

e da miséria, longe do<br />

lar paterno. No próprio<br />

momento em que a iniquidade<br />

parece triunfar, há<br />

algo de frustrado em sua<br />

aparente vitória.<br />

A experiência nos mostra<br />

que é de descontentamentos<br />

assim que nascem<br />

as grandes surpresas<br />

da História. À medida<br />

que a contorção se acentuar,<br />

acentuar-se-á o mal-<br />

-estar. Quem poderá dizer<br />

que magníficos sobressaltos daí podem<br />

provir?<br />

No extremo do pecado e da dor,<br />

está muitas vezes, para o pecador, a<br />

hora da misericórdia divina...<br />

Ora, esse sadio e promissor mal-<br />

-estar é, a meu ver, um fruto da ressurreição<br />

da fibra católica com os<br />

grandes acontecimentos que acima<br />

enumerei, ressurreição esta que repercutiu<br />

favoravelmente sobre o que<br />

havia de restos de vida e de sanidade<br />

em todas as áreas de cultura do<br />

mundo.<br />

Uma grande conversão<br />

Foi por certo um grande momento,<br />

na vida do filho pródigo, aquele<br />

em que seu espírito embotado pelo<br />

vício adquiriu nova lucidez e sua<br />

vontade, novo vigor, na meditação<br />

da situação miserável em que caíra e<br />

da torpeza de todos os erros que o<br />

haviam conduzido para fora da casa<br />

paterna. Tocado pela graça, encontrou-se,<br />

com mais clareza do que<br />

nunca, diante da grande alternativa.<br />

O regresso do filho pródigo - Catedral de São<br />

Lourenço, San Feliú de Llobregat, Espanha<br />

Flávio Lourenço<br />

12


Ou arrepender-se e voltar, ou perseverar<br />

no erro e aceitar até o mais trágico<br />

final as suas consequências. Tudo<br />

quanto uma educação reta nele<br />

implantara de bom como que renascia<br />

maravilhosamente nesse instante<br />

providencial. Enquanto, de outro<br />

lado, a tirania dos maus hábitos<br />

nele se afirmava quiçá mais terrível<br />

do que nunca. Deu-se o embate interno.<br />

Ele escolheu o bem. E o resto<br />

da história, pelo Evangelho o conhecemos.<br />

Não nos estaremos aproximando<br />

desse momento? Todas as graças acumuladas<br />

para a humanidade pecadora<br />

por esse novo surto de devoção à<br />

Sagrada Eucaristia, a Nossa Senhora<br />

e ao Papa não produzirão, precisamente<br />

nos lances trágicos<br />

de uma crise apocalítica<br />

que parece inevitável,<br />

a grande conversão?<br />

O futuro, só Deus o<br />

conhece. A nós, homens,<br />

é lícito, entretanto, conjeturá-lo<br />

segundo as regras<br />

da verossimilhança.<br />

Estamos vivendo uma<br />

terrível hora de castigos.<br />

Mas esta hora também<br />

pode ser uma admirável<br />

hora de misericórdia. A<br />

condição para isso é que<br />

olhemos para Maria, a<br />

Estrela do Mar, que nos<br />

guia em meio às tempestades.<br />

Durante cem anos,<br />

movida de compaixão<br />

para com a humanidade<br />

pecadora, Nossa Senhora<br />

tem alcançado para<br />

nós os mais estupendos<br />

milagres. Esta piedade<br />

se terá extinguido?<br />

Têm fim as misericórdias<br />

de uma Mãe, e da melhor<br />

das mães? Quem ousaria<br />

afirmá-lo? Se alguém duvidasse,<br />

Lourdes lhe serviria<br />

de admirável lição<br />

de confiança. Nossa Senhora há de<br />

nos socorrer.<br />

Lourdes e Fátima<br />

Há de nos socorrer. Expressão<br />

em parte verdadeira e em parte falsa.<br />

Pois na realidade Ela já começou<br />

a nos socorrer. A definição dos dogmas<br />

da Imaculada Conceição e da<br />

infalibilidade papal, a renovação da<br />

piedade eucarística, têm seu prosseguimento<br />

nos fastos mariais dos pontificados<br />

subsequentes a São Pio X.<br />

Nossa Senhora apareceu em Fátima<br />

sob Bento XV. Precisamente no dia<br />

em que Pio XII era sagrado Bispo,<br />

13 de maio de 1917, deu-se a primeira<br />

aparição. Sob Pio XI, a mensagem<br />

de Fátima se foi espraiando suave e<br />

Coroação de Maria Santíssima - Basílica de São Simpliciano, Milão<br />

seguramente por toda a Terra. Nessa<br />

mesma ocasião, o 75º aniversário<br />

das aparições de Lourdes foi festejado<br />

pelo Sumo Pontífice com invulgar<br />

júbilo, tendo ele delegado o então<br />

Cardeal Pacelli para o representar<br />

nas festividades. O pontificado<br />

de Pio XII se imortalizou pela definição<br />

do dogma da Assunção e pela<br />

Coroação de Nossa Senhora como<br />

Rainha do Mundo. Nesse pontificado,<br />

o Emmo. Cardeal Masella,<br />

tão caro aos brasileiros, coroou em<br />

nome do Papa Pio XII a Imagem da<br />

Santíssima Virgem em Fátima.<br />

São outras tantas luzes que, da<br />

gruta de Massabielle à Cova da Iria,<br />

constituem um fio brilhante.<br />

Flávio Lourenço<br />

O Reinado do<br />

Imaculado Coração<br />

de Maria<br />

E este artigo se detém<br />

em Fátima. Nossa Senhora<br />

delineou perfeitamente, em<br />

suas aparições, a alternativa.<br />

Ou nos convertemos, ou<br />

um tremendo castigo virá.<br />

Mas, no fim, o Reinado do<br />

Imaculado Coração se estabelecerá<br />

no mundo.<br />

Em outros termos, de<br />

qualquer maneira, com<br />

mais ou com menos sofrimentos<br />

para os homens,<br />

o Coração de Maria<br />

triunfará.<br />

O que quer dizer, afinal,<br />

que, de acordo com a<br />

Mensagem de Fátima, os<br />

dias do domínio da impiedade<br />

estão contados. A definição<br />

do dogma da Imaculada<br />

Conceição marcou<br />

o início de uma sucessão<br />

de fatos que conduzirá ao<br />

Reinado de Maria. v<br />

(Extraído de<br />

Catolicismo n. 86,<br />

fevereiro de 1958)<br />

13


Eco fidelíssimo da Igreja<br />

J.P. Ramos<br />

Natal,<br />

um imenso perdão para os homens<br />

Augusto Ovelha<br />

Por ocasião do Natal, Nosso Senhor<br />

faz tábula rasa do passado e aparece<br />

aos homens como um Menino<br />

frágil, não propenso ao castigo,<br />

mas tendente ao sorriso, ao perdão,<br />

à misericórdia, convidando-nos a<br />

nos enternecer a propósito d’Ele.<br />

Devemos dizer uma palavra<br />

a respeito do período<br />

do Advento e para isso<br />

foi separado um comentário contido<br />

no Missal Quotidiano e Vesperal.<br />

Motivos pelos quais o<br />

Natal deve ser precedido<br />

pela penitência<br />

A alegria de possuir em breve a<br />

Nosso Senhor Jesus Cristo é uma das<br />

notas dominantes do Advento. No começo<br />

contida, logo dá-se-lhe livre curso,<br />

chegando à exaltação no Natal. A<br />

ideia da purificação das almas, que<br />

está intimamente ligada à da volta de<br />

Cristo, encontra-se nessa época em<br />

cada página do Breviário e do Missal.<br />

Os hinos, a escolha dos Salmos, a pregação<br />

dos Profetas, a do Precursor, as<br />

orações dos quatro domingos, o versículo<br />

tantas vezes repetido: “Rectas facite<br />

semitas ejus”, tornai retos os seus<br />

14


caminhos, falam da necessidade de<br />

preparar nossas almas para a vinda do<br />

Salvador.<br />

Na Idade Média, prescreveu-se o<br />

jejum durante o Advento, chamado<br />

a Quaresma do Natal. Velavam-se as<br />

imagens como no tempo da Paixão.<br />

Ainda hoje são usados paramentos roxos,<br />

símbolos da Penitência 1 .<br />

Houve uma tal decadência do<br />

mundo a partir da Idade Média, que<br />

a Igreja, para se tornar habitável pelos<br />

homens entre os quais as verdades<br />

tinham diminuído, foi obrigada<br />

a condescender com muitas fraquezas<br />

humanas que não são diretamente<br />

pecados, com os quais ela não pode<br />

pactuar de nenhum modo. Mas,<br />

realmente, se há uma plenitude de<br />

razão para que a Semana Santa seja<br />

precedida de quarenta dias de penitência,<br />

há também altíssimas razões,<br />

uma conveniência extraordinária,<br />

para que o Natal seja precedido<br />

de penitência.<br />

A fim de induzir o povo de Israel<br />

à penitência, o Senhor mandou<br />

o maior dos profetas, São João Batista,<br />

para endireitar os caminhos<br />

de Nosso Senhor – não eram caminhos<br />

materiais, mas das almas –, para<br />

preparar, retificar as almas das<br />

pessoas que constituíam o povo de<br />

Israel, a fim de ouvirem a palavra<br />

do Deus Encarnado. E ele pregou<br />

o jejum e a penitência como condição<br />

para o Messias ser bem recebido.<br />

Portanto, é de grande vantagem,<br />

conveniência e propriedade preceder<br />

ao Natal uma longa penitência.<br />

Hoje ela é afrouxada pela fraqueza<br />

dos homens, mas, na Idade Média,<br />

o Advento era uma verdadeira Quaresma.<br />

A Igreja, porém, sempre afirma<br />

o princípio, mesmo quando condescende<br />

com alguma coisa por necessidade<br />

pastoral. Ela conservou, então,<br />

os paramentos roxos e toda uma liturgia<br />

com textos penitenciais, preparando-nos<br />

exatamente para essa<br />

penitência.<br />

Desejo ardente, permanente<br />

e contínuo de Nosso<br />

Senhor em salvar<br />

Qual é a penitência que devemos<br />

fazer e considerar por ocasião do<br />

Natal? Qual é a graça que devemos<br />

pedir nessa ocasião?<br />

Nosso Senhor Jesus Cristo, na<br />

noite de Natal, nasceu com o intuito<br />

de tornar-Se conhecido pelos homens<br />

e de levá-los a Deus; de disseminar<br />

a virtude na Terra, fundando<br />

a Igreja Católica, o seu instrumento<br />

para a propagação da virtude e para<br />

o combate contra o mal.<br />

Em consequência dessa verdade,<br />

devemos nos preparar para a festa<br />

de Natal certos do ardente, permanente<br />

e contínuo desejo de Nosso<br />

Senhor de reconduzir todos os homens<br />

à vida eterna, de salvar a humanidade,<br />

de renovar as condições<br />

espirituais do mundo, a fim de facilitar<br />

o caminho do Céu. É por isso que<br />

celebramos a festa do nascimento de<br />

Nosso Senhor Jesus Cristo.<br />

Ocasião de uma<br />

grande anistia<br />

As almas que acompanham o Natal<br />

com piedade têm meios para perceber<br />

isso. Ao mesmo tempo, há<br />

uma espécie de sensação, em todo o<br />

mundo, de renovação, de esperança,<br />

de grande perdão e isso, ao meu ver,<br />

sem o sobrenatural isso não existiria.<br />

É impossível não sentir, na noite<br />

de Natal, como o Céu se torna mais<br />

próximo da Terra. Há como que uma<br />

anistia, como que um imenso perdão<br />

para os homens. Nosso Senhor<br />

faz como que tábula rasa do passado<br />

Apostolado de São João Batista - Museu Nacional de Arte da Catalunha, Barcelona<br />

Flávio Lourenço<br />

15


Eco fidelíssimo da Igreja<br />

e aparece aos homens pecadores como<br />

menino pequeno, frágil. Portanto,<br />

não propenso ao castigo, pelo contrário,<br />

tendente ao sorriso, ao perdão, à<br />

misericórdia, convidando-nos a nos<br />

enternecer a propósito d’Ele, a termos<br />

compaixão d’Ele e prometendo<br />

assim a sua compaixão para conosco.<br />

O Natal vem com a sensação de<br />

que todo um passado errado tem<br />

oportunidade de se pôr em dia, uma<br />

vida torta tem ocasião de se endireitar<br />

e há graças de suavidade, de doçura,<br />

de bondade para todas as almas que se<br />

aproximam do Presépio nessa ocasião.<br />

Portanto, para nos preparar, devemos<br />

colocar isso diante dos nossos<br />

olhos: por pior que seja a situação<br />

do mundo, por mais triste que<br />

seja a situação da Igreja, nós, ao menos<br />

na nossa vida espiritual individual,<br />

temos essa possibilidade de receber,<br />

nessa ocasião, um grande perdão,<br />

uma grande anistia e a renovação<br />

de todas as condições de nossa<br />

vida espiritual, a abertura de uma<br />

era nova, desde que participemos do<br />

Natal santamente e com boas disposições.<br />

E, então, desde hoje, disponhamos<br />

nossa alma para isso.<br />

Como se preparar para o Natal<br />

O modo de nos prepararmos consiste,<br />

antes de tudo, em recorrer a<br />

Nossa Senhora. Porque Ela, por vontade<br />

de Deus, é Medianeira de todas<br />

as graças. As nossas orações chegam<br />

a Nosso Senhor Jesus Cristo por meio<br />

d’Ela, como também os atendimentos<br />

“baixam” de Nosso Senhor Jesus<br />

Cristo para nós por meio d’Ela.<br />

Portanto, a primeira coisa a fazer<br />

é voltar os olhos a Nossa Senhora pedindo<br />

que prepare nossa alma pela<br />

confiança, fazendo-nos prelibar essa<br />

suavidade extraordinária do Natal;<br />

fazendo-nos compreender que<br />

um passado ruim, de infidelidade, de<br />

incorrespondências, pode ser recuperado<br />

por um grande perdão da noite<br />

de Natal e, para isso, virão graças extraordinárias,<br />

não merecidas, que vão<br />

retificar a nossa vida. Nossa Senhora<br />

é quem nos prepara para receber<br />

e corresponder a essas graças. É com<br />

esse espírito que nos voltamos a Ela.<br />

O Evangelho narra que São João<br />

Batista estremeceu de gáudio quando<br />

ouviu a voz de Nossa Senhora.<br />

Foi Ela quem preparou para Cristo<br />

aquele que era chamado a preparar<br />

todos os homens para Cristo. A partir<br />

disso se compreende como uma<br />

palavra de Nossa Senhora é capaz de<br />

santificar.<br />

Peçamos a Ela que fale no interior<br />

de nossas almas e nos prepare para<br />

o Santo Natal segundo essas disposições,<br />

colocando-nos numa atmosfera<br />

de penitência, de recolhimento,<br />

de contrição de nossos pecados, para<br />

a compreensão da misericórdia e do<br />

perdão que precisamos, e que vamos<br />

receber pelo favor d’Ela.<br />

A nossa primeira meditação sobre<br />

a noite de Natal seria essa. v<br />

(Extraído de conferência<br />

16/12/1969)<br />

1) Não dispomos dos dados desta ficha.<br />

Visitação - Museu Diocesano de Santa Afra, Augsburgo, Alemanha<br />

Flávio Lourenço<br />

16


Friedrich Kaulbach (CC3.0)<br />

Perspectiva pliniana da História<br />

Coroação de<br />

Carlos Magno<br />

Maximilianeum,<br />

Munique<br />

Posição de luta e seriedade<br />

nas ternas alegrias do Natal<br />

Há um verdadeiro abismo entre a compreensão atual de Natal e a dos<br />

povos antigos. Estes tinham a concepção religiosa, varonil e profunda<br />

do papel de Jesus Cristo como ponto de partida de toda obra que deve<br />

perdurar; o mundo moderno, pelo contrário, sem aspirar ao sobrenatural,<br />

o reduz a um espírito laico e igualitário e a um cruzar febril de presentes.<br />

No texto a ser considerado<br />

a seguir, D. Guéranger<br />

1 enuncia um pensamento<br />

muito bonito: Nosso Senhor<br />

quis marcar, na memória dos povos,<br />

o dia do Santo Natal com fatos que,<br />

em relação à nossa proporção humana<br />

são enormes, embora tudo quanto<br />

exista, por maior que seja, é infinitamente<br />

menor do que o nascimento<br />

do Filho de Deus.<br />

O dia do Natal e a<br />

conquista de novos povos<br />

A fim de gravar mais profundamente<br />

a importância de um dia consagrado<br />

na memória dos povos cristãos<br />

da Europa. Dos preferidos nos<br />

caminhos da divina misericórdia, o<br />

soberano Mestre dos acontecimentos<br />

quis que o reino dos francos nascesse<br />

no dia de Natal de 496 quando,<br />

no batistério de Reims, no meio<br />

das pompas e das solenidades, Clóvis<br />

“o duro sicambro”, tornando-se doce<br />

como um cordeiro, foi mergulhado<br />

por São Remígio na fonte da salvação,<br />

da qual saiu para inaugurar<br />

a primeira monarquia católica entre<br />

as monarquias novas, este reino de<br />

França, como alguém disse: o mais<br />

belo “depois do Reino do Céu”.<br />

Um século mais tarde, em 597, exatamente<br />

101 anos depois, foi a vez da<br />

raça anglo-saxônica: o apóstolo da<br />

ilha dos bretões, o monge Santo Agostinho,<br />

avançava na conquista das almas<br />

após ter convertido ao verdadeiro<br />

Deus o Rei Etelberto. Dirigindo-se<br />

para York, aí pregou a palavra da vida<br />

a um povo inteiro, o qual uniu-se<br />

para pedir o Batismo. O dia do Natal<br />

foi marcado para a regeneração desses<br />

novos discípulos de Cristo.<br />

Também no dia do seu nascimento,<br />

Cristo conta com mais uma nação sob<br />

o seu império. Um outro nascimento<br />

ilustre deveria ainda embelezar este feliz<br />

aniversário. Em Roma, na Basílica<br />

de São Pedro, nas solenidades do Natal<br />

do ano 800, nascia o Sacro Império<br />

Romano, ao qual estava reservada<br />

a missão de propagar o reino de Cris-<br />

17


Perspectiva pliniana da História<br />

to nas regiões bárbaras do<br />

Norte e de manter a unidade<br />

europeia sob a direção<br />

do Pontífice Romano.<br />

Nesse dia, São Leão III<br />

colocava a coroa imperial<br />

sobre a cabeça de Carlos<br />

Magno e a terra surpresa<br />

reviu o reino de César em<br />

um Augusto, não mais sucessor<br />

dos Césares e Augustos<br />

da Roma pagã,<br />

mas revestido desse título<br />

glorioso pelo vigário daquele<br />

a quem chamamos,<br />

nos santos oráculos, o Rei<br />

dos Reis e o Senhor dos<br />

Senhores.<br />

Nascer para a<br />

vida sobrenatural<br />

no dia de Natal<br />

James William Edmund Doyle (CC3.0)<br />

O autor acentua a fundação de três<br />

grandes monarquias, das quais a maior<br />

delas é sem dúvida a de Carlos Magno,<br />

o Império Romano do Ocidente<br />

que renasce. A Providência quis que isso<br />

fosse realizado no dia de Natal, para<br />

ilustrar, com acontecimentos mais recentes,<br />

essa data de cunho eterno.<br />

De outro lado, entretanto, é preciso<br />

considerar que a ideia de marcar o começo<br />

de determinada obra no dia do<br />

Natal contém em si algo de muito profundo.<br />

Porque Nosso Senhor é o Caminho,<br />

e todo caminho que não tenda<br />

a Ele é um desvio; Ele é a Verdade,<br />

e toda verdade que não se harmonize,<br />

ou que não seja uma parte da d’Ele, é<br />

um erro; Ele é a Vida, e toda vida que<br />

não nasça desta vida é morte.<br />

Assim sendo, era natural que um<br />

povo iniciasse o novo curso na ordem<br />

da verdade, na ordem de um caminho<br />

e da nova vida sobrenatural,<br />

no dia do nascimento d’Aquele que<br />

é o Homem-Deus, d’Aquele que nos<br />

criou, nos remiu, nos salvou.<br />

Como é belo inaugurar no Natal<br />

um reino, outrora pagão, que antes<br />

errava pelos caminhos da barbárie,<br />

Santo Agostinho de Cantuária pregando ao Rei Etelberto e sua corte<br />

entrar nas vias da civilização, tomando<br />

uma nova via, que é Jesus Cristo.<br />

Um reino que vivia na ordem do pecado<br />

e afastado da graça de Deus e<br />

que, pelo Batismo, nasce para a vida<br />

sobrenatural. A verdade, o caminho<br />

e a vida de um povo inauguram-<br />

-se num dia de Natal!<br />

Senso religioso varonil,<br />

com base na Fé<br />

Esses episódios indicam bem o<br />

quanto havia de profundamente religioso<br />

no pensamento dos homens<br />

antigos e como o senso de religião<br />

deles não era superficial, feito de pequenas<br />

práticas, de curtas saudações<br />

aos Santos; de gente que passa pela<br />

igreja, faz umas genuflexões diante<br />

do Santíssimo meio encarquilhadas,<br />

enferrujadas, com ar abobado.<br />

Florescia neles uma religião varonil,<br />

feita não apenas de sulcos de<br />

sentimentos, os quais têm seu papel,<br />

mas não são o fator principal. O elemento<br />

determinante é a Fé e seu devido<br />

aprofundamento pela meditação<br />

e oração, com todas as consequências<br />

lógicas, de maneira a formar<br />

um edifício intelectual mental sólido,<br />

estruturado, durável,<br />

resistente a todos os<br />

embaraços e chegando<br />

até o fim.<br />

Essa é a verdadeira<br />

formação religiosa com<br />

base na Fé, da qual se<br />

origina um raciocínio pujante,<br />

capaz de chegar às<br />

últimas consequências<br />

na ordem do pensamento;<br />

da qual nasce uma<br />

vontade fortalecida pela<br />

graça, capaz de tirar todas<br />

as consequências na<br />

ordem da ação.<br />

É, pois, dessa concepção<br />

profunda do papel<br />

de Jesus Cristo como<br />

ponto de partida de<br />

tudo e, portanto, da vida<br />

dos reinos e das nações, que impulsionavam<br />

o “batismo” de uma nação,<br />

o começo dela, sua regeneração,<br />

na noite sacrossanta de Natal!<br />

Revivendo os Natais<br />

de outrora...<br />

Ora, quando passamos dessas<br />

considerações para o Natal a que em<br />

breve vamos assistir, convém-nos fazer<br />

algumas considerações a título<br />

de “Ambientes e Costumes”.<br />

Pensemos na pequena cidade de<br />

Reims medieval, com suas ruas tortuosas<br />

e sinuosas, com uma população<br />

que reside em casinhas pequenas perto<br />

da catedral, a qual já tem algum tamanho,<br />

mas que será substituída posteriormente<br />

pelo edifício gótico; imaginemos<br />

os povos – acostumados a<br />

dormir cedo – levantarem-se durante<br />

a noite, numa espécie de epopeia, para<br />

ir à Missa da meia-noite.<br />

Imaginemos também, ainda próximo<br />

à conversão de Clóvis, os francos<br />

recém-convertidos percorrerem<br />

as ruas rezando e cantando, para<br />

irem à igreja celebrar o Natal; pensemos<br />

no Natal inglês, de cem anos<br />

depois, ou no romano de outros cem<br />

18


ou duzentos anos depois, quando o<br />

povo afluiu à Basílica de Latrão para<br />

ver o Papa coroar Carlos Magno como<br />

Imperador.<br />

Reflitamos nesse Império que<br />

nasce, nesse homem de estatura fabulosa,<br />

Carlos Magno, venerado como<br />

santo em vários lugares da Europa;<br />

pensemos no Papa São Leão III,<br />

que o coroa e o conduz pela mão a<br />

um balcão, de onde será aclamado<br />

pelo povo...<br />

Natal laico e comercial<br />

de nossos dias<br />

Como tudo isto é diferente do Natal<br />

considerado em nossos dias, completamente<br />

comercializado, transformado<br />

em ocasião para promoção<br />

de vendas, em cruzar febril de presentes;<br />

há lojas que já possuem banco<br />

de compensação. Telefona-se e<br />

diz:<br />

— Senhor Fulano, há aqui três<br />

caixas de whisky reservadas. Quer<br />

que eu as mande para sua casa?<br />

— Não! Mande para Beltrano ou<br />

Sicrano.<br />

Aquele produto, sem sair da caixa,<br />

circula como uma espécie de<br />

whisky telefônico ou de papel, fica<br />

pertencendo a várias pessoas sem ter<br />

pertencido a ninguém. E, sem dúvida,<br />

terminará na loja no dia do Natal,<br />

se não, no estômago de um embriagado.<br />

É um Natal laico, no qual as manifestações<br />

religiosas são postas de<br />

lado, em que se ouve um bater de<br />

carrilhões transmitido pelo radiofone<br />

numa atmosfera adocicada, como<br />

a de certas entidades filantrópicas de<br />

“homens de boa vontade”, nas quais<br />

não se sente o surto de fé da Idade<br />

Média. É uma espécie de Natal de<br />

sonegação, sem apetecer ao Céu, ao<br />

absoluto, sem aspirar ao sobrenatural,<br />

mas todos organizados para levar<br />

uma vidinha nesta Terra.<br />

Há um verdadeiro abismo entre<br />

ambas concepções de Natal e<br />

nós devemos ter isto em mente para<br />

protestar e firmar em nosso interior<br />

uma atmosfera profundamente<br />

oposta. Qual?<br />

Verdadeira postura face<br />

ao Natal de nossos dias<br />

É uma atmosfera de alegria porque<br />

o Menino Jesus nasceu; mas<br />

de tristeza pelo fato de que tudo<br />

se passa como se quisessem matá-<br />

-Lo novamente. Basta considerar os<br />

acontecimentos em Roma, a situação<br />

do Ocidente, este último alento<br />

da Civilização Cristã que estamos<br />

vivendo. Nós não podemos nos associar<br />

a este espírito laico e igualitário.<br />

Temos que levar no interior de<br />

nossa alma o Natal de Clóvis, de São<br />

Remígio, de Carlos Magno, de São<br />

Leão III. E como é esse Natal? É<br />

uma consideração séria do mistério<br />

da Natividade, uma compreensão da<br />

enorme graça que nos foi dada, dos<br />

deveres trazidos por ela e do propósito<br />

de combater. Porque, “quem me<br />

ama, ama a quem me ama e odeia a<br />

quem me odeia.” Disso não há por<br />

onde escapar!<br />

Assim como não acredito ser meu<br />

amigo um homem que se enterneça<br />

para comigo, mas, ao ver-me injuriado,<br />

não me defenda contra quem<br />

me agrediu e não lute contra ele, assim<br />

Nosso Senhor não tem razão para<br />

tomar como séria nossa ternura<br />

– ainda que seja tão legitimamente<br />

terníssima do Natal –, se nosso coração<br />

não estiver cheio de tristeza,<br />

de deliberação de atacar e combater<br />

por aquilo que se faz contra Ele<br />

e contra o Reino de Maria. É esta seriedade,<br />

esta tristeza que devemos<br />

pedir ao Menino Jesus, por meio de<br />

Nossa Senhora, na Missa do Galo.<br />

Peçamos para termos um Natal de<br />

Cruzado e não aquele caricatamente<br />

chamado “o Natal dos homens de<br />

boa vontade.”<br />

v<br />

(Extraído de conferência de<br />

23/12/1965)<br />

1) Não dispomos dos dados bibliográficos<br />

dessa obra.<br />

Batismo de Clóvis - Galerias Históricas do Museu do Palácio de Versailles<br />

G.Garitan (CC3.0)<br />

19


Samuel Holanda<br />

C<br />

alendário<br />

Santo Habacuc<br />

1. São Leôncio, bispo (†c. 433). Primeiro<br />

bispo conhecido da diocese de<br />

Fréjus. Apoiou a fundação monástica<br />

de Santo Honorato, na ilha de Lérins.<br />

2. Santo Habacuc, profeta (†Antigo<br />

Testamento). Oitavo Profeta Menor;<br />

profetizou o cativeiro do seu povo,<br />

a ruína do império dos caldeus e<br />

a libertação dos judeus por Ciro; em<br />

sua profecia também encontramos<br />

menção à libertação do gênero humano,<br />

trazida por Nosso Senhor.<br />

3. I Domingo do Advento.<br />

São Francisco Xavier, presbítero<br />

(†1552).<br />

4. São Félix de Bolonha, bispo<br />

(†431/432). Exerceu o ministério de<br />

diácono em Milão, durante o episcopado<br />

de Santo Ambrósio, a cujo santo<br />

passamento assistiu.<br />

Santa Adraílde (ou Ada), abadessa<br />

(†d. 692). Dirigiu o mosteiro de Santa<br />

Maria de Le Mans, na Nêustria, na<br />

atual França.<br />

5. São Sabas, abade (†532). Nasceu<br />

na Capadócia. Retirou-se para o deserto<br />

da Judeia. Mais tarde instituiu<br />

dos Santos – ––––––<br />

um novo estilo de vida eremítica em<br />

sete mosteiros, que se chamaram “lauras”,<br />

nas quais os eremitas se reuniam<br />

sob a direção de um superior. Resplandeceu<br />

pelo exemplo de santidade e lutou<br />

com ardor pela Fé de Calcedônia.<br />

6. Santa Vitória, mártir (†s. V).<br />

Martirizada durante a perseguição dos<br />

Vândalos, na África Setentrional, no<br />

tempo de Hunerico, rei ariano, juntamente<br />

com outros santos, entre eles<br />

Santa Dionísia e seu filho Majórico.<br />

7. Santo Ambrósio, bispo e Doutor<br />

da Igreja (†397).<br />

Santo Eucário<br />

São João o Silencioso (ou Hesicaste),<br />

monge (†558). Renunciou ao episcopado<br />

de Colônia, na antiga Armênia,<br />

optando por viver como monge na<br />

laura de São Sabas, servindo com humildade<br />

os irmãos e em austera solidão<br />

e silêncio.<br />

8. Solenidade da Imaculada Conceição<br />

da Bem-Aventurada Virgem<br />

Maria.<br />

Santo Eucário, bispo (†s. III). Considerado<br />

o primeiro prelado da sede<br />

episcopal de Tréveris, na Gália Bélgica,<br />

na atual Alemanha.<br />

Flávio Lourenço<br />

9. São João Diego Cuauhtlatoatzin<br />

(†1548). Índio vidente de Nossa Senhora<br />

de Guadalupe.<br />

10. II Domingo do Advento.<br />

11. São Dâmaso I, papa (†384). Em<br />

tempos muito difíceis, reuniu numerosos<br />

sínodos para defender a Fé de Niceia<br />

contra os cismas e diversas heresias. Estimulou<br />

São Jerônimo a traduzir os Livros<br />

Sagrados para o latim e honrou piedosamente<br />

os sepulcros dos mártires,<br />

adornando-os com inscrições em versos.<br />

12. Nossa Senhora de Guadalupe.<br />

Padroeira da América Latina.<br />

Beato Tiago Capócci, bispo (†1308).<br />

Sendo eremita de Santo Agostinho, foi<br />

chamado a dirigir a Igreja de Benevento<br />

e depois a de Nápoles; durante seu<br />

governo, iluminou-as com sua sabedoria,<br />

doutrina e prudência. Empenhou-<br />

-se no processo de canonização de São<br />

Pedro Celestino.<br />

13. Santa Luzia, virgem e mártir<br />

(†304/305). Martirizada em Siracusa,<br />

na Sicília.<br />

Beato João (Francisco) Marinóni,<br />

presbítero (†1562). Membro dos Teatinos,<br />

colaborou com São Caetano<br />

Santa Eugênia<br />

Flávio Lourenço<br />

20


–––––––––––––– * Dezembro * ––––<br />

para a reforma do clero e a salvação<br />

das almas.<br />

14. São João da Cruz, presbítero e<br />

Doutor da Igreja (†1591).<br />

Beato Protásio (António Cubells<br />

Minguell), mártir (†1936). Religioso<br />

da Ordem de São João de Deus. Morto<br />

em ódio à religião durante a perseguição<br />

contra a Igreja, na Guerra Civil<br />

Espanhola.<br />

15. São Valeriano, bispo (†d. 460).<br />

Bispo de Avensa, na África Setentrional.<br />

Com mais de oitenta anos de idade,<br />

na perseguição dos vândalos foi<br />

intimado pelo rei ariano Genserico a<br />

entregar os objetos sagrados da Igreja.<br />

Como se recusou, viveu por muito<br />

tempo a céu aberto na via pública,<br />

terminando o curso de sua vida como<br />

confessor da verdadeira Fé.<br />

16. Santo Adão, bispo (†875). Honrou<br />

egregiamente a memória dos santos<br />

redigindo um Martirológio.<br />

Beata Maria dos Anjos (Mariana<br />

Fontanella), virgem (†1717). Pertencia<br />

à Ordem das Carmelitas; tornou-<br />

-se insigne pelas suas penitências e<br />

pela virtude da obediência.<br />

17. III Domingo do Advento.<br />

18. Santos Nanfamão, Migínio, Sanámis<br />

e Lucita, mártires (†data inc.).<br />

Segundo o testemunho do pagão Máximo<br />

de Madaura numa carta a Santo<br />

Agostinho, o povo cristão devotava-<br />

-lhes grande veneração.<br />

19. São Gregório de Auxerre, bispo<br />

(†s. VI). Foi o duodécimo bispo de<br />

Auxerre, França, deixando marcada a<br />

diocese com sua santidade.<br />

20. São Filogônio, bispo (†324). Chamado<br />

por vontade divina do ofício de<br />

advogado ao governo da Igreja de Antioquia,<br />

foi um dos primeiros que, juntamente<br />

com o bispo Santo Alexandre e<br />

companheiros, combateram contra Ario<br />

pela fé católica. São João Crisóstomo celebra-o<br />

com um eloquente panegírico.<br />

21. São Pedro Canísio, presbítero e<br />

Doutor da Igreja (†1597).<br />

Beato Pedro Friedhofen, religioso<br />

(†1860). Após passar por diversas vicissitudes,<br />

fundou em Weitersburg,<br />

Alemanha, a Congregação dos Irmãos<br />

da Misericórdia de Maria Auxiliadora.<br />

22. Santa Francisca Xavier Cabrini,<br />

virgem (†1917).<br />

Quarenta e três santos monges<br />

mártires (†c. séc. IV.). Comemora-se<br />

em Rahiti, região do Egito, esses heróis<br />

da Fé mortos pelos blémios, povo<br />

nômade daquela região, em ódio à religião<br />

cristã.<br />

23. São Torlaco, bispo (†1193). Governou<br />

a diocese de Skálholt, na Islândia;<br />

empenhou-se na reforma dos<br />

costumes do clero e do povo.<br />

São João de Kenty, presbítero<br />

(†1473). Dedicou-se, durante muitos<br />

anos, ao ensino na Universidade de<br />

Cracóvia e depois assumiu o ministério<br />

pastoral da paróquia de Olkusz,<br />

onde associou às suas grandes virtudes<br />

o testemunho de uma reta fé e foi para<br />

os seus colaboradores e discípulos<br />

exemplo de piedade e caridade para<br />

com o próximo.<br />

24. IV Domingo do Advento.<br />

25. Natal de Nosso Senhor Jesus<br />

Cristo.<br />

Santa Eugênia, mártir (†s. III/IV).<br />

Romana martirizada provavelmente<br />

no reinado de Valeriano, enterrada<br />

no cemitério de Aproniano, junto<br />

à Via Latina.<br />

26. Santo Estêvão, diácono e protomártir<br />

(†s. I).<br />

São Zenão, bispo (†d. 400). Regeu<br />

a diocese de Maiuma, na Palestina,<br />

e edificou uma basílica dedicada aos<br />

santos mártires Eusébio, Nestábio e<br />

Zenão, seus primos.<br />

São João de Kenty<br />

27. São João, Apóstolo e Evangelista<br />

(†s. I).<br />

28. Santos Inocentes, mártires (†s. I).<br />

São Teonas, bispo (†300). Mestre e<br />

predecessor de São Pedro mártir.<br />

29. São Tomás Becket, bispo e mártir<br />

(†1170).<br />

São Trófimo, bispo (†s. III). Considerado<br />

o primeiro bispo de Arles, na Provença,<br />

região da Gália, atual França.<br />

30. São Bernardo de Rebolledo e<br />

João de Luna, mártires (†1400). Da<br />

Ordem dos Mercedários, foram capturados<br />

por piratas quando navegavam<br />

pela costa da África, onde iriam<br />

cumprir missão. Conduzidos a Marselha,<br />

foram torturados até a morte.<br />

Beata Eugenia Ravasco, virgem e<br />

fundadora (†1845). Natural de Milão,<br />

fundou o Instituto das Irmãs Filhas<br />

dos Sagrados Corações de Jesus<br />

e Maria.<br />

31. Festa da Sagrada Família.<br />

São Silvestre I, papa († 335). Governou<br />

a Igreja no período de paz outorgada<br />

pelo Imperador Constantino<br />

I. Foi um dos primeiros santos canonizados<br />

sem ter sofrido o martírio.<br />

Gabriel K.<br />

21


Hagiografia<br />

Superexcelência<br />

da missão do<br />

Gabriel K.<br />

Discípulo<br />

amado<br />

São João Evangelista é o Apóstolo da<br />

dedicação, da fidelidade, da pureza<br />

e do amor. Por ter sido fiel ao pé da<br />

Cruz, teve a honra de receber Nossa<br />

Senhora por Mãe. Essa graça lhe abriu<br />

caminho para muitas outras, como as<br />

grandes visões na Ilha de Patmos.<br />

São João Evangelista - Irmandade<br />

do Santíssimo Sacramento, Sevilha<br />

Flávio Lourenço<br />

A mãe de São Tiago e de São João intercede junto a Jesus por seus<br />

filhos - Museu de Belas Artes, Grenoble, França<br />

Neste mês a Igreja celebra a<br />

festa de São João Evangelista.<br />

D. Guéranger 1 , a seu<br />

respeito, diz o seguinte:<br />

A caminho do martírio<br />

Em sua ambição materna, Salomé<br />

havia apresentado seus dois filhos<br />

a Jesus pedindo para eles os primeiros<br />

lugares em seu Reino.<br />

O Salvador falou, então, do cálice<br />

que deviam beber e predisse que um<br />

dia esses dois discípulos o beberiam,<br />

por sua vez. O mais velho, Tiago, o<br />

Maior, um dos Apóstolos, deu primeiro<br />

ao seu Mestre o sinal de seu amor.<br />

22


João, o mais jovem, foi chamado<br />

também para mostrar, com sua vida,<br />

seu testemunho sobre a divindade<br />

de Jesus. Mas era preciso, para o martírio<br />

de um tal Apóstolo, um teatro digno<br />

dele. A Ásia Menor, evangelizada<br />

por seus cuidados, não era um lugar<br />

bastante ilustre para a glória de um tal<br />

combatente. Roma, somente Roma, onde<br />

Pedro estabelecera sua sede e derramara<br />

o seu sangue, onde Paulo curvara<br />

a sua cabeça sobre o gládio, merecia<br />

a honra de ver em seus muros o augusto<br />

ancião, o discípulo que Jesus amou,<br />

o único sobrevivente do Colégio Apostólico,<br />

que se dirigia ao martírio.<br />

Flávio Lourenço<br />

Submerso no azeite fervente,<br />

rejuvenesce milagrosamente<br />

Martírio de São João Evangelista - São Lourenço de Morunys, Espanha<br />

Quando foi levado para Roma,<br />

ele já era muito velho, por isso se diz<br />

que era um venerando ancião que ia<br />

para Roma para sofrer o martírio.<br />

João compareceu em presença da justiça<br />

romana no ano de 95. Era acusado<br />

de ter propagado, numa vasta província<br />

do Império, o culto de um judeu crucificado<br />

sob Pôncio Pilatos. Ele deve perecer<br />

e a sentença conclui que um suplício vergonhoso<br />

e cruel desembaraçará a Ásia de<br />

um velho e supersticioso rebelde.<br />

O pregador de Cristo deve aí ser mergulhado.<br />

Chegou o momento em que<br />

o filho de Salomé vai participar do cálice<br />

de seu Mestre. O coração de João<br />

alegra-se. Após lhe terem infligido uma<br />

cruel flagelação, os carrascos colocam o<br />

ancião no lugar do suplício.<br />

Mas, ó prodígio! O azeite fervente<br />

perdeu o seu calor, nenhum sofrimento<br />

afeta os membros do Apóstolo.<br />

Quando ele é retirado dessa tortura,<br />

tinha recobrado todo o vigor que os<br />

anos lhe haviam arrebatado.<br />

Imaginem que cena linda: um velho,<br />

com o semblante venerando e virginalmente<br />

puro como era o de São João,<br />

um ancião de barba e cabelos brancos,<br />

com um espírito muito contemplativo,<br />

com um ar ao mesmo tempo varonil e<br />

angelical, todo recurvado e alquebrado<br />

pelos anos, entrar num caldeirão de<br />

azeite. Em volta, as pessoas permanecem<br />

na expectativa: “Agora o velho se<br />

desintegrará ali dentro.”<br />

De repente, o azeite para de ferver<br />

e cessa aquele barulho da trepidação<br />

das bolhas que se formam. O Apóstolo,<br />

embora com os cabelos brancos e<br />

com alguns traços da velhice, sai rejuvenescido<br />

de dentro do caldeirão. Ele recobrou<br />

todo vigor da juventude no esplendor<br />

da idade madura e da ancianidade.<br />

Desce da caldeira e vai andando<br />

com passo altaneiro e, como veremos<br />

daqui a pouco, depois foi para Patmos,<br />

onde teve as visões do Apocalipse.<br />

Imaginem a atitude estarrecida de<br />

todo mundo diante desse fato. Nunca<br />

ninguém conseguiu voltar anos<br />

atrás no calendário; porém, isto consegue<br />

aquele ancião, conservando a<br />

venerabilidade na juventude.<br />

Naturalmente os soldados o prendem.<br />

Ele vai com eles, em passo<br />

marcial, até o cárcere, deixando todo<br />

mundo estupefato atrás de si. Vitória<br />

espetacular, lapidar, completa!<br />

Uma promessa cheia<br />

de mistérios<br />

Ora, não podemos esquecer que,<br />

após a Ressureição, São Pedro perguntou<br />

a Jesus qual seria a sorte do discípulo<br />

amado, ao que Nosso Senhor declarou<br />

de forma misteriosa: “Que te<br />

importa se eu quero que ele fique até<br />

que eu venha?” E logo o Evangelho<br />

continua: “Correu por isso o boato entre<br />

os irmãos de que aquele discípulo<br />

não morreria” (Jo 21, 22 – 23).<br />

A meu ver, o tema teria a sua explicação<br />

mais meticulosa e mais completa<br />

na seguinte perspectiva. Suponhamos<br />

que, por uma razão qualquer, já<br />

havia entre os discípulos uma suspeita<br />

de que São João Evangelista teria<br />

uma atuação muito longa para o futuro,<br />

donde a pergunta: Ele então não<br />

morrerá? E associaram as duas coisas.<br />

Mas, Nosso Senhor distinguiu as<br />

duas questões. Ele disse a São Pedro o<br />

seguinte: “Eu quero que ele fique até<br />

que eu venha. Não quero dizer se ele<br />

vai morrer ou não. E o que você tem<br />

23


Hagiografia<br />

com essa pergunta?” Por este lado, parece<br />

que os Apóstolos tinham mais interesse<br />

em saber se São João morreria<br />

ou não, do que em saber se ele ficava<br />

longo tempo na terra, ou não. Para os<br />

Apóstolos, o problema devia ser muito<br />

maior, porque eles deviam ter medo<br />

de morrer e pensavam: “Esse vai ser<br />

um felizardo que não morre?” O que,<br />

na perspectiva deles, se compreende.<br />

Portanto, São João, no seu Evangelho<br />

tomou a hipótese de ele ficar e<br />

se colocou mais ou menos à margem<br />

da discussão.<br />

Único Apóstolo coroado<br />

com o martírio de desejo<br />

Continua a ficha.<br />

A crueldade do Pretório é vencida<br />

e João, mártir do desejo, conservou-se<br />

para a Igreja alguns anos ainda.<br />

Aqui há uma coisa muito bonita.<br />

No caso de São João, há uma espécie<br />

de triunfo da confiança. Porque a graça<br />

do martírio e da resistência a ele é<br />

uma graça especial dada àqueles que<br />

são chamados. Poderia ser que não<br />

fosse dada a ele a graça de enfrentar<br />

aquela situação e fosse, portanto, em<br />

direção ao caldeirão de azeite quente,<br />

com um medo medonho, mas confiante<br />

em que não seria queimado.<br />

São João Evangelista sabia que<br />

ainda tinha uma missão para cumprir.<br />

Era natural, de um lado, que<br />

quisesse morrer, mas, de outro, que<br />

não quisesse morrer. Ele tinha desejado<br />

ardentemente o martírio, tinha<br />

tido toda coragem para enfrentá-lo.<br />

Mas, sem ser martirizado, opera-se<br />

o milagre e sai de lá de dentro com<br />

a coroa do martírio de desejo para o<br />

cumprimento de sua missão.<br />

Missão que supera as do<br />

Antigo Testamento<br />

Então, São João chega a Patmos,<br />

uma ilhota no meio do Mediterrâneo.<br />

Ali, sua vida atinge o verdadeiro<br />

apogeu; o Céu se abre e começam<br />

todas as visões do Apocalipse. É o<br />

último fim da união dessa alma extraordinária<br />

com Deus.<br />

Entretanto, para o comum das<br />

pessoas, o Apocalipse, por exemplo,<br />

não figura na fisionomia moral nem<br />

na psico-iconografia de São João.<br />

Sabe-se que o Apocalipse existe,<br />

mas é um livro misterioso, tão complicado<br />

e tão tonitruante, tão fora<br />

das medidas de doçura comuns,<br />

que não vale a pena deter-se nele,<br />

pois é um livro feito mais para ser<br />

interpretado no momento em que<br />

os acontecimentos se verificarem do<br />

que com antecedência. E por isso é<br />

misterioso.<br />

Talvez porque a hora da Providência<br />

não tenha chegado, a iconografia<br />

não costuma representar São<br />

João recebendo as visões na Ilha de<br />

Patmos. É mais fácil apresentar, por<br />

exemplo, Henoc ou Elias recebendo<br />

uma visão na Ilha de Patmos, de pé,<br />

numa atitude grandiosa. Seria uma<br />

coisa fabulosa!<br />

Ora, não é essa a posição em que<br />

fica São João Evangelista. A meu ver,<br />

por uma certa inversão de valores<br />

que há em nossa cabeça, decorrente<br />

do modo como nos expõem o Novo<br />

Testamento, São João se apresenta<br />

menos extraordinário do que certas<br />

pessoas do Antigo Testamento.<br />

Moisés, por exemplo, recebendo<br />

as tábuas da Lei, parece-nos mais<br />

majestoso do que São João Evangelista<br />

reclinando a cabeça sobre o<br />

Samuel Hollanda<br />

Um decreto imperial o exilou para<br />

a Ilha de Patmos, onde o Céu lhe deve<br />

manifestar o destino futuro do Cristianismo<br />

até o fim dos tempos.<br />

Moisés recebendo as tábuas da Lei - Catedral de Colônia<br />

24


Flávio Lourenço<br />

Oração no Horto - Museu Diocesano, Freising, Alemanha<br />

Última Ceia - Museu de Unterlinden, Colmar, França<br />

peito de Nosso Senhor, ou comungando,<br />

ou dizendo de si: “o discípulo<br />

a quem Jesus amava”. Entretanto,<br />

são coisas fantásticas! Como São<br />

João, ao pé da Cruz, recebendo Nossa<br />

Senhora como Mãe, é menos do<br />

que Moisés recebendo a Lei no alto<br />

do Sinai? É um disparate! Afinal,<br />

as coisas são grandes na medida<br />

em que se relacionam com Nosso<br />

Senhor.<br />

São João era o discípulo amado,<br />

tinha repousado a cabeça sobre o<br />

peito de Nosso Senhor, na Quinta-<br />

-feira Santa, e, portanto, teve o privilégio<br />

incomparável, depois de Nossa<br />

Senhora, de ser o primeiro devoto<br />

do Sagrado Coração de Jesus, ouvindo-Lhe<br />

as pulsações que, naquela<br />

hora, pulsavam de amor por todos<br />

os homens.<br />

Depois, hélas, ele fez o horror que<br />

conhecemos: dormiu no Horto das<br />

Oliveiras, e também fugiu. Mas ele<br />

era o Apóstolo virgem e as almas virgens,<br />

mesmo nas suas situações mais<br />

tristes, encontram recursos e forças<br />

para cumprir o dever que, infelizmente,<br />

as almas não virgens não<br />

têm. Por outro lado, Deus protege e<br />

atrai a si as almas virgens. Com certeza,<br />

em atenção à virgindade de São<br />

João, Nossa Senhora obteve que ele<br />

fosse chamado.<br />

No auge do amor, São<br />

João recebeu o auge<br />

da recompensa<br />

Pois bem, no alto do Calvário, o<br />

discípulo do amor estava representando<br />

um auge. Por isso teve a honra<br />

não só de estar no auge do amor<br />

ali naquele momento, mas também<br />

de representar todos os Apóstolos<br />

e evitar que a vergonha do Colégio<br />

Apostólico fosse completa.<br />

E nesse auge do amor, São João<br />

recebeu o auge da recompensa. Porque<br />

não pode haver dom maior do<br />

que receber Nossa Senhora como<br />

presente. Quando Nosso Senhor disse:<br />

“Mulher, eis aí teu filho” e depois<br />

disse a ele: “Eis aí tua Mãe”, ele recebeu<br />

um presente inestimável.<br />

Alguém pode imaginar qual é o<br />

valor disso? Infinitamente abaixo de<br />

Deus, mas insondável e incalculavelmente<br />

acima de todas as outras criaturas,<br />

está Maria Santíssima. Não há<br />

palavras para exprimir o que significa<br />

receber Nossa Senhora de presente.<br />

Ela é o canal de todas as graças, é<br />

a obra-prima de Deus.<br />

Flávio Lourenço<br />

25


Hagiografia<br />

Flávio Lourenço<br />

Nossa Senhora nos dias de hoje, em<br />

que ninguém mais quer saber de escravidão,<br />

nem de dedicação, de fidelidade,<br />

de pureza, de amor, nem de<br />

nada disso; pelo contrário, preferem<br />

saber das coisas da Revolução.<br />

Temos esse traço comum com São<br />

João Evangelista: Nossa Senhora<br />

nos foi dada de um modo muito particular,<br />

porque Ela obteve para nós<br />

a graça de sermos dos pouquíssimos<br />

que estão ao pé da Cruz.<br />

Misteriosas relações de<br />

alma entre Mãe e filho<br />

Calvário - Convento do Santo Espírito, Toro, Espanha<br />

Alguns comentadores dizem que<br />

São Pedro, se estivesse presente, teria<br />

recebido Nossa Senhora, pois Ela era<br />

um tal tesouro, que devia estar com o<br />

chefe da Igreja. Mas, isso não se deu.<br />

Em todo caso, um fato é positivo:<br />

se Nossa Senhora foi dada por Mãe<br />

a João porque era o discípulo casto,<br />

era o discípulo a quem Nosso Senhor<br />

amava, mas também porque ele<br />

foi o único Apóstolo fiel que permaneceu<br />

no Calvário quando nenhum<br />

outro Apóstolo estava presente, é<br />

natural que, nesta hora em que tantos<br />

Apóstolos estão ausentes, Nossa<br />

Senhora seja dada de novo por Mãe<br />

àqueles que estão junto à Cruz.<br />

E estar ao pé da Cruz significa ser<br />

fiel à verdadeira ortodoxia da Igreja<br />

Católica, significa ser escravo de<br />

São João recebeu Nossa Senhora<br />

como Mãe e, ato contínuo, começou a<br />

agir com Ela como filho. Porque, diz<br />

o Evangelho, a partir daquela hora ele<br />

recebeu Maria em sua casa; e não apenas<br />

em sua casa, mas na sua família.<br />

Nossa Senhora começou a agir como<br />

um membro da família dele. Aí começaram<br />

as relações misteriosas de alma<br />

que tal adoção criou, as quais eu creio<br />

estarem imensamente ligadas com a<br />

Sagrada Escravidão de São Luís Grignion<br />

de Montfort.<br />

O Apóstolo virgem teve uma relação<br />

de alma excelente, insondável, misteriosa,<br />

pela qual se vinculou a Nossa<br />

Senhora de um modo que nós nem podemos<br />

calcular. Por isso, é mais do que<br />

lícito imaginar o seguinte: em todos os<br />

transes de sua vida, ele conservou essa<br />

união intimíssima com Ela.<br />

De maneira que, no momento<br />

em que São João foi mergulhado na<br />

caldeira de azeite, por exemplo, ele<br />

manteve os olhos e o pensamento<br />

postos em Nossa Senhora. Quem sabe,<br />

também, se no momento em que<br />

o azeite deixou de trepidar, Nossa<br />

Senhora apareceu no Céu sorrindo<br />

para ele. Em todo caso, como o rejuvenescimento<br />

foi uma graça, é certo<br />

que lhe veio pelas mãos de Maria.<br />

E isso abria caminho para uma graça<br />

muito maior: completar a sua vida<br />

de contemplativo recebendo as grandes<br />

visões na Ilha de Patmos.<br />

26


Nós podemos imaginá-lo indo pelo<br />

Mediterrâneo, numa pequena<br />

nau, acompanhado pelos soldados<br />

que o cercavam; descer nessa ilha,<br />

começar a rezar a Nossa Senhora e,<br />

pela intercessão d’Ela, receber aquelas<br />

revelações maravilhosas.<br />

Como entre essas visões existem<br />

revelações sobre os últimos tempos e<br />

sobre a história da Igreja, é bem provável<br />

que os dias contemporâneos tenham<br />

sido postos aos olhos de São<br />

João. Não é de todo impossível pensar<br />

que ele tenha tido também a visão<br />

daqueles que Nossa Senhora haveria<br />

de suscitar para lutar pela glória<br />

d’Ela nas tristezas contemporâneas.<br />

São João morreu de amor<br />

Por último temos uma outra ficha<br />

2 a respeito da morte de São João<br />

Evangelista:<br />

João rezava com os braços estendidos,<br />

de pé, junto à sepultura. Lançou<br />

seu manto dentro dela, desceu, deitou-<br />

-se e rezou novamente.<br />

Uma grande luz desceu sobre ele.<br />

Ainda falou com seus discípulos. Esses<br />

estavam junto à sepultura, choravam<br />

e rezavam. Vi então algo maravilhoso:<br />

enquanto João estava deitado e<br />

morria placidamente, vi como um resplendor<br />

sobre ele, uma figura luminosa<br />

e com ele mesmo saindo de seu corpo<br />

como de um envoltório, desaparecendo<br />

na mesma luz e resplendor.<br />

Vi também que o corpo de João não<br />

está na Terra. Veio entre o leste e o oeste<br />

um espaço luminoso semelhante a um<br />

sol, e o vejo ali como se intercedesse a<br />

favor dos demais, como se recebesse algo<br />

de cima e os desse aos de baixo. Vejo<br />

este lugar como pertencente à Terra,<br />

porém é todo elevado sobre ela. De nenhum<br />

modo se pode chegar até lá.<br />

Santo Antonino narra esses mesmos<br />

fatos da forma como narra Catarina<br />

Emmerich.<br />

A tradição confirma o que foi visto<br />

pela vidente na morte do Santo.<br />

Santo Agostinho, São Gregório<br />

de Tours, Santo Hilário, São Gregório<br />

Nazianzeno, Santo Alberto Magno,<br />

São Tomás de Vilanova e outros<br />

são de parecer que João morreu efetivamente,<br />

mas que seu corpo foi tirado<br />

da terra e que agora vive, como Henoc<br />

e Elias, para voltar no fim dos tempos<br />

a fim de pregar às nações.<br />

Essa foi a lindíssima morte de São<br />

João. Não morreu por doença, nem<br />

mesmo por velhice, embora tivesse chegado<br />

a uma extrema velhice, mas por<br />

uma, como que, deliberação de morrer.<br />

Ou seja, ele tinha conhecimento<br />

de qual era o momento em que morreria<br />

e sabia que devia morrer num<br />

ápice de amor. Não de um amor sentimental<br />

e tolo, mas como nós entendemos<br />

o amor ao absoluto. O Apóstolo<br />

virgem morreu num apogeu de<br />

amor ao absoluto, de amor a Deus,<br />

que é a personificação de todas as<br />

coisas belas, grandes e nobres; ou<br />

por outra, da beleza, grandeza e nobreza<br />

existentes nas coisas que Ele<br />

criou. Então, nesse ato de amor a<br />

Deus, ele ia morrer.<br />

Com certeza São João Evangelista<br />

morreu de amor, como Santa Tere-<br />

São João redige o Apocalipse - Igreja de São Paulo, Valladolid, Espanha<br />

Flávio Lourenço<br />

27


Hagiografia<br />

Flávio Lourenço<br />

Pregação de São João Evangelista na véspera de sua morte -<br />

Igreja de São Lourenço de Morunys, Espanha<br />

sa de Jesus. Foi tão grande a plenitude<br />

do amor que o corpo não suportou<br />

mais a pressão desse amor e a alma<br />

se destacou dele. De maneira que ele<br />

foi para a sepultura como um homem<br />

são. Chegou lá, colocou o seu manto<br />

dentro da sepultura, depois ele mesmo<br />

entrou e deitou-se ali, e começou<br />

a morrer. Já pertencendo mais<br />

ao mundo dos mortos do que dos vivos,<br />

ele começou a rezar. Seus discípulos,<br />

em torno da sepultura, choram<br />

e rezam. Choram porque vão perder<br />

o mestre, mas, de outro lado, rezam<br />

por causa da grandeza incomparável<br />

da cena a que estão assistindo. Então,<br />

uma luz desce do céu e cobre São<br />

João Evangelista. Essa luz é, evidentemente,<br />

uma graça do Céu, é uma<br />

ação especial de Deus, que o envolve<br />

todo e ele morre dentro dessa luz, banhado<br />

por essa ação de Deus.<br />

Em algum lugar, São João<br />

exerce seu ofício de medianeiro<br />

de dentro de um invólucro. Mas depois,<br />

numa região que lembra muito<br />

a doutrina da mediação, ele fica pairando<br />

no ar e todas as graças são dadas<br />

a ele para serem distribuídas, e<br />

todos os pedidos lhe são encaminhados<br />

para levá-los a Deus, naturalmente<br />

com Nossa Senhora como intermediária.<br />

São João ressuscitado, com seu<br />

corpo glorioso, fica nesse lugar onde<br />

seu corpo vai juntar-se também,<br />

à maneira de Henoc e de Elias, que<br />

também estão num ponto desconhecido,<br />

mas da Terra. E nesse alto lugar,<br />

o discípulo amado exerce seu<br />

ofício de medianeiro. Ele então paira<br />

sobre toda a humanidade e sobre<br />

ele paira Nossa Senhora.<br />

Também não é impossível a hipótese<br />

levantada por Anna Catarina<br />

Emmerich de que esse lugar seja o<br />

mesmo de Henoc e de Elias e eles tenham,<br />

portanto, a alegria e a honra<br />

incomparável de conversar com São<br />

João, de ter com ele um convívio,<br />

um contato no qual, com certeza, o<br />

Evangelista conta a Elias, que foi,<br />

por assim dizer, o fundador, o grande<br />

precursor da devoção a Nossa Senhora,<br />

ele conta a Elias todas as maravilhas<br />

de suas relações com Nossa<br />

Senhora. Assim prepara o Profeta<br />

para o resto da missão terrena que<br />

ainda deve exercer.<br />

Flávio Lourenço<br />

Seu corpo é visto pelos discípulos<br />

– Catarina Emmerich o vê – destacando-se,<br />

como se ele mesmo saísse<br />

A alma do Apóstolo Virgem sobe ao Céu - Igreja de São Lourenço de Morunys, Espanha<br />

28


A figura de Henoc é<br />

muito misteriosa, pouco<br />

se sabe a respeito dela,<br />

mas naturalmente, se<br />

é verdade a hipótese que<br />

eu levanto, também São<br />

João prepara Henoc para<br />

sua volta.<br />

E assim, quando nós<br />

recebermos Henoc e<br />

Elias, receberemos dois<br />

profetas que privaram milhares<br />

de anos com São<br />

João Evangelista e que<br />

trazem as mais sublimes<br />

doutrinas, os conhecimentos<br />

mais extraordinários.<br />

Agora, eu pergunto:<br />

não será que Henoc e<br />

Elias têm a missão de revelar<br />

coisas que São João<br />

Evangelista lhes contou?<br />

Não será que muita coisa<br />

oficiosa – nunca pertencendo<br />

à Revelação oficial,<br />

é evidente – poderá<br />

ser comunicada nessa ocasião<br />

e encherá de júbilo os<br />

fiéis dos últimos tempos, e<br />

dará à Igreja um conteúdo<br />

de doutrina, uma perfeição de conhecimentos<br />

incomparável?<br />

É algo que nós podemos e devemos<br />

admitir, e a nossa piedade deve<br />

se comprazer. Não quero dizer que<br />

devemos admitir como coisa certa,<br />

mas como possível, pois é uma dessas<br />

hipóteses piedosas que fazem<br />

bem à alma e a verdadeira piedade<br />

recomenda cultivá-las.<br />

Pedidos ao Apóstolo amado<br />

Assim, nesta festa de São João<br />

Evangelista, cabe-nos fazer a ele um<br />

pedido, ou melhor, ele é tão grande<br />

que vários pedidos poderíamos fazer.<br />

Um primeiro pedido é a graça da<br />

devoção a Nossa Senhora. Que ele<br />

nos dê uma participação de sua devoção<br />

a Ela; dê uma devoção cheia<br />

de conhecimentos arcanos, transcendentais,<br />

que poucos conhecem, mas<br />

Visão de São João na Ilha de Patmos - Museu<br />

Diocesano, Santarém, Portugal<br />

que as almas piedosas podem conhecer<br />

com o auxílio da graça de Deus.<br />

Em segundo lugar peçamos que<br />

ele, como modelo de pureza, alcance<br />

para nós aquela pureza transcendental<br />

que ele também teve.<br />

Em terceiro lugar peçamos aquele<br />

dom de intimidade com Nossa Senhora<br />

e com Nosso Senhor como<br />

ele teve e que caracterizou sua vida<br />

de piedade por uma nota, ao mesmo<br />

tempo de suprema veneração,<br />

de proximidade e de aconchego, fazendo<br />

com que essa relação fosse sumamente<br />

reconfortante. É, portanto,<br />

uma piedade toda ela imbuída da<br />

virtude da confiança.<br />

Que Nossa Senhora nos dê, por<br />

intercessão de São João Evangelista,<br />

esta confiança cega n’Ela, de tal<br />

maneira que se uma graça nos é necessária,<br />

saibamos que, pedindo por<br />

Flávio Lourenço<br />

meio d’Ela, nós obteremos,<br />

ainda que seja o<br />

apaziguamento do azeite<br />

ardente das tribulações,<br />

das contrariedades<br />

e das provações das<br />

quais toda alma se reergue<br />

com o apoio de Nossa<br />

Senhora.<br />

E, por fim, imploremos<br />

esse admirável amor<br />

do absoluto, que fazia<br />

dele o Apóstolo amado.<br />

Ele amava Nosso Senhor<br />

porque era O Absoluto,<br />

e O Absoluto o amava<br />

porque se sentia amado<br />

por ele.<br />

Essas são as graças<br />

que nós devemos pedir<br />

a São João Evangelista.<br />

Que ele seja nosso<br />

altíssimo mediador perante<br />

Maria Santíssima<br />

e que nos obtenha d’Ela<br />

todos esses favores e todos<br />

os outros que Ela,<br />

na sua imensa misericórdia,<br />

queira nos outorgar:<br />

a nós todos que estamos<br />

aqui, a todos os membros do movimento;<br />

a todos aqueles que dentro<br />

do movimento estão particularmente<br />

tentados ou provados, sofrendo<br />

dificuldades especiais; e àquelas almas<br />

com vocação, que perambulam<br />

pelo mundo até virem pertencer a<br />

nós e que passam por tantas tentações<br />

e tantas dificuldades.<br />

Para todos esses, que Nossa Senhora<br />

obtenha, conceda, no dia de<br />

São João Evangelista, dons prenunciativos<br />

dessas enormes graças das<br />

quais acabo de falar. v<br />

(Extraído de conferências de<br />

5/5/1966, 27/12/1966, 9/4/1971,<br />

22/3/1989)<br />

1) Não dispomos dos dados desta ficha.<br />

2) Idem.<br />

29


Apóstolo do pulchrum<br />

Mensagens de Deus<br />

numa tarde de ocaso<br />

Viver é saber analisar os aspectos transcendentes, os imponderáveis<br />

sobrenaturais que cercam os ambientes e a natureza. Nesta<br />

escola de amor a Deus, ensina-nos <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> a haurir e<br />

compreender o que são, nesta Terra, as promessas do Céu.<br />

Ao adentrar em uma de nossas sedes 1 , na qual se<br />

encontra um amplo jardim, fiz uma reflexão que<br />

apresento aqui, tal como se pôs em meu espírito.<br />

Reflexões durante o “Sol materno do ocaso”<br />

Estávamos precisamente no momento em que o Sol se<br />

punha e ainda deitava réstias de luz através das árvores,<br />

iluminando parte dos canteiros. A imagem de Nossa<br />

Fotos: Arquivo <strong>Revista</strong><br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> em 1984,<br />

no Praesto Sum<br />

30


Senhora das Graças, sorridente e bondosa, parecia<br />

ter uma homogeneidade especial com esse Sol, tornado<br />

menos intenso e dardejante, mais familiar e<br />

doce… É o que eu poderia quase chamar o “Sol materno<br />

do ocaso”.<br />

Por serem as árvores esguias, os raios baixavam<br />

desde muito alto até embaixo, formando linhas<br />

oblíquas, uns sulcos de luz muito grandes e bonitos,<br />

em meio à relativa penumbra verde.<br />

Reinava no jardim uma calma e uma paz que<br />

davam a impressão de que nem os passarinhos ousavam<br />

perturbar. Há momentos em que eles são<br />

muito engraçadinhos, saltitam, fazem desordem e<br />

“pintam o caneco”. Essa atitude lhes convém para<br />

o período da manhã, quando o Sol está na alegria<br />

de subir, ou quando se encontra em sua plenitude.<br />

Ora, quando o Astro-Rei começa a se pôr, os<br />

pássaros parecem tornar-se mais discretos e toda<br />

a movimentação da natureza acompanha o sono<br />

que vem entrando em tudo; um outro tipo de beleza<br />

impregna a atmosfera do parque.<br />

31


Apóstolo do pulchrum<br />

Essa doçura que acabo<br />

de descrever tem uma<br />

qualquer relação com o<br />

traçado da avenida de entrada:<br />

em certo momento,<br />

ela inflecte com uma<br />

curva delicada e suave,<br />

apresentando algo em comum<br />

com as amenidades<br />

da natureza.<br />

Quando o automóvel<br />

segue o seu curso, tem-se<br />

a impressão de que tudo<br />

o que há de imponderável<br />

e doce, de distinto, de<br />

agradável e de bondoso<br />

na natureza, toma mais<br />

uma dimensão, porque<br />

já não é apenas luz e cor,<br />

mas também movimento.<br />

Pouco mais adiante,<br />

vê-se a parte lateral de uma das casas do complexo, que,<br />

àquela hora reveste-se de algo de aconchegado; é o local<br />

onde todos se reúnem, se aquecem, todos são amigos e se<br />

juntam para terem o bom convívio de uma noite…<br />

Continuando o percurso, passa-se diante do cruzeiro<br />

e rezam-se as jaculatórias: “Ave Crux, spes unica! Mater<br />

Dolorosa, ora pro nobis!” O automóvel avança mais um<br />

pouco, o necessário para que essas impressões fiquem<br />

para trás e, sem choque, chega-se, por fim, ao esplendor<br />

do Pátio de Nossa Senhora da Glória, onde estão hasteados<br />

os nossos estandartes. Já é outra atmosfera, outro<br />

ambiente, como que um outro mundo a nos falar de batalhas.<br />

E assim estava terminada minha entrada nesta sede,<br />

numa tarde de verão… Poderíamos dizer que tudo isso<br />

constitui três quadros sucessivos e distintos: o primeiro,<br />

da entrada; o segundo, da casa; e o terceiro, do pátio. O<br />

que eles significam?<br />

Melancolia discreta,<br />

bem-estar e sossego<br />

Há momentos em que<br />

a natureza se apresenta<br />

com as delicadezas e as<br />

discrições, com essa gota<br />

de cansaço, de sono e de<br />

tristeza próprias ao anoitecer.<br />

Nisso está representado<br />

um quê da virtude,<br />

própria às almas,<br />

quando se encontram em<br />

certos estados: são muito<br />

doces e suaves, espargem<br />

em torno de si uma<br />

melancolia discreta – nada<br />

de torrencial – agradável,<br />

na qual quase se<br />

poderia dizer preponderar<br />

uma nota de bem-es-<br />

32


Alegria da intimidade<br />

seguida do desejo de luta<br />

Num segundo quadro de consideração,<br />

há outros momentos nos quais se<br />

apreciam, não os deleites da natureza<br />

livre e solta, do vento, das folhas secas<br />

correndo um pouco sobre o chão, mas se<br />

gosta do fechado, do íntimo, do aconchegado,<br />

do concentrado, do defendido contra<br />

o que está fora…<br />

Essas são aquelas horas em que o homem<br />

tem a alegria de encontrar no outro<br />

um semelhante! Alegria de ser compreendido<br />

e de compreender; alegria da<br />

intimidade, do aconchego de quem sabe<br />

e pode confiar.<br />

Não é apenas a confiança, porque as<br />

portas estão trancadas e o lobo não entra,<br />

mas é porque as almas estão abertas,<br />

pode-se falar e se expandir.<br />

É quase um primeiro universo que<br />

cessa e um outro que entra, todo ele feito<br />

de impressões e sensações diversas, mas<br />

em que a alma humana sente o prazer de<br />

ter passado por um e ter entrado em outro.<br />

É uma espécie de viagem de estado<br />

de espírito em estado de espírito.<br />

Depois das serenidades tranquilas,<br />

das intimidades reconfortantes, a alma<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> em visita ao Præsto Sum, em 1982<br />

tar, mais do que de tristeza,<br />

que é, sobretudo, o<br />

sossego…<br />

No fundo há, em todas<br />

as almas, momentos<br />

nos quais elas são assim,<br />

como em toda natureza<br />

há momentos em que ela<br />

se apresenta assim. Há,<br />

portanto, um como que<br />

estado de espírito pairando<br />

por cima de todas<br />

as coisas, o qual, em determinado<br />

momento, envolve<br />

o homem, convida-<br />

-o e lhe diz: “Meu filho,<br />

é a hora de ser deste modo!<br />

Compreenda isto como<br />

é!”<br />

33


Apóstolo do pulchrum<br />

Eu aprofundo e digo o seguinte: quando<br />

noto uma serenidade ou um aconchego assim<br />

num ambiente, uma tal explosão de glória,<br />

tenho a impressão de que um Anjo paira<br />

ali; eu não o vejo, mas entrevejo o fulgor irradiado<br />

por ele nas coisas, como algo transcendente<br />

se exprimindo ali. Esse algo, o que é?<br />

São exatamente as criaturas narrando a<br />

glória de Deus, e eu, através delas, contemplando<br />

aspectos d’Ele. É possível que numa<br />

casa abençoada como esta os aspectos<br />

de Deus se façam ver não só pela natureza,<br />

mas por graças que coincidem com a mensagem<br />

que ela traz, fazendo-nos ver algo a<br />

mais do que a simples natureza mostra.<br />

Daí vem um imponderável religioso em<br />

todos os aspectos que se sucedem, ao analisar<br />

os ambientes de uma sede como esta.<br />

“Como sois grande, infinito e<br />

belo! Para Vós eu nasci!”<br />

tem o desejo de ação, quer ver a glória que se mostra! Ela,<br />

que há pouco queria repouso e aconchego, anseia por lutar,<br />

bradar, proclamar, avançar, abrir o peito! É disso que<br />

ela gosta, e aí está quase um outro aspecto do universo.<br />

Ação angélica e imponderável religioso<br />

Só nesse trajeto, quantas considerações se podem fazer…!<br />

Quando o homem sabe viver, passa, por assim dizer,<br />

por três universos só nesse percurso! E quantos universos<br />

assim há pelo mundo! Isso é levar uma vida interessante;<br />

assim vale a pena viver, é curioso, e muito mais<br />

que curioso, é belo, é nobre viver!<br />

No fundo, o que significa isso? Se minha alma tem aspirações<br />

sucessivas de se encontrar nesses vários universos,<br />

é porque o Universo criado por Deus – no qual eu incluo<br />

o rei da Criação, que é o homem – pode apresentar<br />

quadros diferentes assim. Ora, o que quer dizer cada um<br />

deles? Há uma mensagem de Deus dentro disso? A Escritura<br />

diz: “Narram os céus a glória de Deus e o firmamento<br />

anuncia a obra de suas mãos” (Sl 18, 2). Pergunto:<br />

há narrações da glória de Deus dentro disso?<br />

Então fica posto o elemento necessário<br />

para uma oração:<br />

Na noite de nossa vida, quando tivermos<br />

os anoiteceres suaves e poéticos – não<br />

a velhice tempestuosa que de mim está<br />

querendo a Providência, mas, como eu vi<br />

numa dama, tão suave e tão poética – nesta<br />

ocasião, como na aurora de nossa vida,<br />

Deus nos fará ver como que aspectos do<br />

que Ele mostrará de Si mesmo no Céu.<br />

As delicadezas, as harmonias e as cores já um pouco<br />

noturnas do ocaso, exprimem algo de especialmente belo:<br />

os aspectos de Deus no Céu, expressos por uma delicadeza<br />

infinita, por uma serenidade sem nome, por uma<br />

capacidade de penetrar em nossas almas, agradando-as,<br />

manejando-as com afeto, enchendo-as com a presença<br />

d’Ele, sem nós sabermos como.<br />

Haverá outros momentos em que, no Céu, nós veremos<br />

o aconchego de Deus, e pensaremos: “A Terra passou,<br />

a vida passou; as batalhas passaram, a possibilidade<br />

de pecar passou! Nós estamos radicados no Céu para<br />

todo o sempre, somos impecáveis! Deus nos tem eternamente!<br />

E – ó maravilha! – nós O temos por toda a eternidade!<br />

Esta multidão de Anjos e homens eleitos que vivem<br />

na bem-aventurança, eles serão os meus íntimos pelos<br />

séculos dos séculos sem fim… Cada vez nós nos conheceremos<br />

e nos amaremos mais! Cada vez mais formaremos<br />

um só junto a Ele!”<br />

Haverá as grandes glórias de Deus, os momentos em<br />

que Ele Se manifestará a nós de tal maneira, que nem<br />

34


saberemos como glorificá-Lo: “Senhor, como Vós sois<br />

grande, infinito e belo! Para Vós eu nasci!”<br />

Na eternidade não se podem distinguir o tempo nem<br />

os momentos, falo por acomodação de linguagem. Mas<br />

há torrentes de graças que dizem uma coisa e torrentes<br />

de graças que dizem outra. E Deus Se mostra por um aspecto<br />

e por outro, e por outro, por todos os séculos, para<br />

nós O contemplarmos pela eternidade!<br />

Então, ao fazermos esse pequeno trajeto, quando o dia<br />

é favorável, devemos haurir essas impressões e compreender<br />

que são promessas do Céu. E devemos amar as<br />

almas que, vendo essas coisas, são susceptíveis de amá-<br />

-las. Porque, na medida em que as amam, elas assemelham-se<br />

a isso, na medida em que elas mesmas ficam<br />

assim, são o reflexo de Deus mais próximo de nós. E se,<br />

por exemplo, duas ou três pessoas capazes de sentir isso<br />

e conversar sobre isso se sentassem num banco de<br />

jardim e falassem, teriam uma união de almas parecida<br />

com a que se tem no Céu. Viver é isto! v<br />

(Extraído de conferência de 21/12/1984)<br />

1) Trata-se do Êremo Præsto Sum, situado numa espaçosa<br />

chácara, no Bairro Santana, em São Paulo. Do portão de<br />

entrada ao acesso às casas, percorria-se um amplo jardim,<br />

comentado neste artigo por <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>.<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> durante<br />

conferência no Præsto Sum,<br />

em 1984<br />

35


Cântico novo,<br />

Danilo I.<br />

alegria dos<br />

Anjos!<br />

Em virtude do singular<br />

privilégio de sua Imaculada<br />

Conceição, Nossa<br />

Senhora teve, no primeiro<br />

instante de seu ser, um inteiro<br />

e lúcido conhecimento de Deus,<br />

e já aí Lhe manifestou o ato de<br />

amor mais perfeito que até então<br />

fora dado ao Criador. Ela<br />

O adorou, rendeu-Lhe graças<br />

e Lhe ofereceu uma reparação<br />

pelos pecados dos homens.<br />

Esse ato de amor da Santíssima<br />

Virgem, que foi um cântico<br />

novo, essa elevada e inigualável<br />

oração representou, para os<br />

Anjos bons, a primeira entrada<br />

de sua Rainha na corte celestial.<br />

Pode-se imaginar com que<br />

transportes de alegria eles saudaram<br />

a Imaculada Conceição!<br />

(Extraído de conferência de 7/12/1966)<br />

Imaculada Conceição - Igreja dos<br />

Jesuítas, Yaguarón, Paraguai

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