You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
Hagiografia<br />
com essa pergunta?” Por este lado, parece<br />
que os Apóstolos tinham mais interesse<br />
em saber se São João morreria<br />
ou não, do que em saber se ele ficava<br />
longo tempo na terra, ou não. Para os<br />
Apóstolos, o problema devia ser muito<br />
maior, porque eles deviam ter medo<br />
de morrer e pensavam: “Esse vai ser<br />
um felizardo que não morre?” O que,<br />
na perspectiva deles, se compreende.<br />
Portanto, São João, no seu Evangelho<br />
tomou a hipótese de ele ficar e<br />
se colocou mais ou menos à margem<br />
da discussão.<br />
Único Apóstolo coroado<br />
com o martírio de desejo<br />
Continua a ficha.<br />
A crueldade do Pretório é vencida<br />
e João, mártir do desejo, conservou-se<br />
para a Igreja alguns anos ainda.<br />
Aqui há uma coisa muito bonita.<br />
No caso de São João, há uma espécie<br />
de triunfo da confiança. Porque a graça<br />
do martírio e da resistência a ele é<br />
uma graça especial dada àqueles que<br />
são chamados. Poderia ser que não<br />
fosse dada a ele a graça de enfrentar<br />
aquela situação e fosse, portanto, em<br />
direção ao caldeirão de azeite quente,<br />
com um medo medonho, mas confiante<br />
em que não seria queimado.<br />
São João Evangelista sabia que<br />
ainda tinha uma missão para cumprir.<br />
Era natural, de um lado, que<br />
quisesse morrer, mas, de outro, que<br />
não quisesse morrer. Ele tinha desejado<br />
ardentemente o martírio, tinha<br />
tido toda coragem para enfrentá-lo.<br />
Mas, sem ser martirizado, opera-se<br />
o milagre e sai de lá de dentro com<br />
a coroa do martírio de desejo para o<br />
cumprimento de sua missão.<br />
Missão que supera as do<br />
Antigo Testamento<br />
Então, São João chega a Patmos,<br />
uma ilhota no meio do Mediterrâneo.<br />
Ali, sua vida atinge o verdadeiro<br />
apogeu; o Céu se abre e começam<br />
todas as visões do Apocalipse. É o<br />
último fim da união dessa alma extraordinária<br />
com Deus.<br />
Entretanto, para o comum das<br />
pessoas, o Apocalipse, por exemplo,<br />
não figura na fisionomia moral nem<br />
na psico-iconografia de São João.<br />
Sabe-se que o Apocalipse existe,<br />
mas é um livro misterioso, tão complicado<br />
e tão tonitruante, tão fora<br />
das medidas de doçura comuns,<br />
que não vale a pena deter-se nele,<br />
pois é um livro feito mais para ser<br />
interpretado no momento em que<br />
os acontecimentos se verificarem do<br />
que com antecedência. E por isso é<br />
misterioso.<br />
Talvez porque a hora da Providência<br />
não tenha chegado, a iconografia<br />
não costuma representar São<br />
João recebendo as visões na Ilha de<br />
Patmos. É mais fácil apresentar, por<br />
exemplo, Henoc ou Elias recebendo<br />
uma visão na Ilha de Patmos, de pé,<br />
numa atitude grandiosa. Seria uma<br />
coisa fabulosa!<br />
Ora, não é essa a posição em que<br />
fica São João Evangelista. A meu ver,<br />
por uma certa inversão de valores<br />
que há em nossa cabeça, decorrente<br />
do modo como nos expõem o Novo<br />
Testamento, São João se apresenta<br />
menos extraordinário do que certas<br />
pessoas do Antigo Testamento.<br />
Moisés, por exemplo, recebendo<br />
as tábuas da Lei, parece-nos mais<br />
majestoso do que São João Evangelista<br />
reclinando a cabeça sobre o<br />
Samuel Hollanda<br />
Um decreto imperial o exilou para<br />
a Ilha de Patmos, onde o Céu lhe deve<br />
manifestar o destino futuro do Cristianismo<br />
até o fim dos tempos.<br />
Moisés recebendo as tábuas da Lei - Catedral de Colônia<br />
24