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De Maria nunquam satis<br />
Arquivo <strong>Revista</strong><br />
São Pio X - Catedral de Sant’Ana,<br />
Mogi das Cruzes, São Paulo<br />
Com tudo isto, a atmosfera jansenista<br />
foi varrida de dentro dos meios<br />
católicos. O surto modernista e, mais<br />
tarde, o surto neomodernista não<br />
conseguiram anular as grandes vitórias<br />
que a Igreja alcançara contra<br />
seus adversários internos.<br />
Mas, poder-se-ia perguntar, o<br />
que resultou daí, para a luta da<br />
Igreja com seus adversários externos?<br />
Não se diria que o inimigo está<br />
mais forte do que nunca e que<br />
nos aproximamos daquela era sonhada<br />
pelos iluministas há tantos<br />
séculos, de naturalismo científico<br />
cru e integral, dominado pela<br />
técnica materialista; da república<br />
universal ferozmente igualitária,<br />
de inspiração mais ou menos filantrópica<br />
e humanitária, de cujo ambiente<br />
sejam varridos todos os resquícios<br />
de uma religião sobrenatural?<br />
Não está aí o comunismo, não<br />
está aí o perigoso deslizar da própria<br />
sociedade ocidental, pretensamente<br />
anticomunista, mas que no<br />
fundo também caminha para a realização<br />
desse “ideal”?<br />
Gemendo nas<br />
trevas e na dor<br />
Sim. E a proximidade<br />
desse perigo é até maior<br />
do que geralmente se pensa.<br />
Mas ninguém atenta<br />
para um fato de importância<br />
primordial. É que enquanto<br />
o mundo vai sendo<br />
modelado para a realização<br />
desse sinistro desígnio,<br />
um profundo, um imenso,<br />
um indescritível mal-estar<br />
se vai apoderando dele. É<br />
um mal-estar muitas vezes<br />
inconsciente, que se apresenta<br />
vago e indefinido<br />
até mesmo quando é consciente,<br />
mas que ninguém<br />
ousaria contestar.<br />
Dir-se-ia que a humanidade<br />
inteira sofre violência,<br />
que está sendo posta<br />
em uma fôrma que não convém à<br />
sua natureza e que todas as suas fibras<br />
sadias se contorcem e resistem.<br />
Há um anseio imenso por<br />
outra coisa, que ainda não<br />
se sabe qual é. Mas, enfim,<br />
fato talvez novo desde<br />
que começou, no século<br />
XV, o declínio da Civilização<br />
Cristã, o mundo inteiro<br />
geme nas trevas e na<br />
dor, precisamente como o<br />
filho pródigo quando chegou<br />
ao último da vergonha<br />
e da miséria, longe do<br />
lar paterno. No próprio<br />
momento em que a iniquidade<br />
parece triunfar, há<br />
algo de frustrado em sua<br />
aparente vitória.<br />
A experiência nos mostra<br />
que é de descontentamentos<br />
assim que nascem<br />
as grandes surpresas<br />
da História. À medida<br />
que a contorção se acentuar,<br />
acentuar-se-á o mal-<br />
-estar. Quem poderá dizer<br />
que magníficos sobressaltos daí podem<br />
provir?<br />
No extremo do pecado e da dor,<br />
está muitas vezes, para o pecador, a<br />
hora da misericórdia divina...<br />
Ora, esse sadio e promissor mal-<br />
-estar é, a meu ver, um fruto da ressurreição<br />
da fibra católica com os<br />
grandes acontecimentos que acima<br />
enumerei, ressurreição esta que repercutiu<br />
favoravelmente sobre o que<br />
havia de restos de vida e de sanidade<br />
em todas as áreas de cultura do<br />
mundo.<br />
Uma grande conversão<br />
Foi por certo um grande momento,<br />
na vida do filho pródigo, aquele<br />
em que seu espírito embotado pelo<br />
vício adquiriu nova lucidez e sua<br />
vontade, novo vigor, na meditação<br />
da situação miserável em que caíra e<br />
da torpeza de todos os erros que o<br />
haviam conduzido para fora da casa<br />
paterna. Tocado pela graça, encontrou-se,<br />
com mais clareza do que<br />
nunca, diante da grande alternativa.<br />
O regresso do filho pródigo - Catedral de São<br />
Lourenço, San Feliú de Llobregat, Espanha<br />
Flávio Lourenço<br />
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