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Arquivo <strong>Revista</strong><br />
Gabriel K.<br />
um “ai” de um cordeiro que leva<br />
outra alfinetada e mais nada.<br />
Posição ápice de uma alma<br />
Mamãe era da geração de vovó,<br />
mas à maneira de uma simplificação:<br />
ela ficava entre a geração dela<br />
e a anterior, representando muito<br />
do século XIX. Esta é a posição<br />
contrarrevolucionária ápice de uma<br />
alma: ficar a meio caminho da geração<br />
que a antecedeu, sem ser uma<br />
pessoa anacrônica, não sendo de nenhum<br />
modo de sua própria geração.<br />
No século XIX ainda restavam muitos<br />
valores medievais que os homens<br />
amavam sem os ver com clareza. Por<br />
exemplo, na perspectiva de Santa Teresinha,<br />
como seria propriamente a Idade<br />
Média? Vemos, no entanto, que a<br />
união dela com o pai, Luís Martin, era<br />
por ver nele uma gota da Cristandade<br />
medieval posta no século XIX, mas<br />
não como algo que se destacou e perseverou.<br />
O século XIX ainda era túmido<br />
de coisas medievais, donde inclusive<br />
surgir um movimento neogótico.<br />
Não quero fazer uma equiparação<br />
entre mamãe e Santa Teresinha, mas<br />
descrevo um ponto de semelhança.<br />
Santa Teresinha não fez grandes<br />
obras. O que ela teve foi uma altíssima<br />
inocência, com a qual realizou<br />
atos que lhe deram um valor insondável,<br />
os quais, segundo a escola e a doutrina<br />
dela, eram coisas comuns. Não<br />
era comum aceitar a morte como ela<br />
aceitou. Pode haver muita gente que<br />
morra aceitando a morte, até em termos<br />
edificantes. Mas Santa Teresinha<br />
tinha muito mais do que isso.<br />
Santa Teresinha, creio eu, foi a última<br />
flor da França, e, por isso, a última<br />
flor da Cristandade. Ela deu origem<br />
a uma família de almas universal<br />
e não mais especificamente francesa,<br />
mas voltada para o futuro. É uma semente<br />
que ficou da árvore sacrossanta<br />
da França e deu origem a outras<br />
maravilhas.<br />
Neste sentido, o que foi mamãe<br />
para mim? Que relação o campo de<br />
inocência dela tem com o da minha<br />
inocência? E que relação esse campo<br />
de inocência tem com o papel dela<br />
dentro da História?<br />
Da semente modesta<br />
ressurge a Cristandade<br />
do Reino de Maria<br />
Mamãe retivera sobretudo os lados<br />
bons do século XIX, que eram<br />
as tradições medievais ainda vivas;<br />
e sua alma era uma continuação<br />
disso. De maneira que eu comecei<br />
a amar nela a Idade Média, e muitas<br />
vezes pensava: como é parecida<br />
com mamãe!<br />
Contudo, mamãe não tinha<br />
uma noção exata do que tinha<br />
sido a Idade Média. Ela gostava<br />
muito das coisas góticas, mas sua<br />
alma era mais gótica do que ela notava<br />
no gótico. Ela foi um eco fidelíssimo,<br />
embora subconsciente, dessa<br />
gloriosa era de fé e enquanto o mundo<br />
inteiro ia decaindo e abandonando<br />
o espírito da Idade Média, ela gerou<br />
um filho entusiasta da Cristandade<br />
medieval.<br />
Ela é o hífen, a ponte entre tudo o<br />
que houve outrora e o futuro. Ela representava<br />
o último pranto do passado,<br />
chorando por morrer. E o filho<br />
dela, Nossa Senhora destinou para<br />
fundar uma família de almas que seria<br />
o raiar da Idade Média ressurrecta<br />
no Reino de Maria.<br />
A palavra hífen diz pouco: é a última<br />
semente de uma árvore esplendorosa<br />
que morre, mas da qual vai nascer<br />
outra árvore ainda maior. Essa semente<br />
foi ela: modesta, pequena, ignorada,<br />
sem deixar atrás de si outro rastro a não<br />
ser esse, mas deixando esse. E esse é o<br />
grande papel histórico dela, a grande<br />
missão; e talvez, sem ela saber, deu nascimento<br />
à Contra-Revolução. v<br />
(Extraído de conferência de<br />
30/10/1977)<br />
1) Quadro a óleo que muito agradou a<br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>, pintado por um de seus<br />
discípulos, com base nas últimas fotografias<br />
de Dona Lucilia. Cf. <strong>Revista</strong><br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> n. 119, p. 6-9.<br />
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