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ARTE E EDUCAÇÃO RESSONÂNCIAS E REPERCUSSÕES

Arte_e_educacao_ressonancias_e_repercussoes

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advindas das brasilidades. Sendo assim, a técnica utilizada sempre buscou<br />

reafirmar um padrão construído no longínquo estrangeiro, para reacender<br />

as formas e movimentos estéticos de Okinawa e não se atentar à<br />

corporeidade exclusiva do executante. Seus alunos, imigrantes, descendentes,<br />

mestiços e indivíduos não descendentes passavam por transformações<br />

consideráveis em seus corpos, remontando um passado, o qual,<br />

muitas vezes jamais havia vivido. Satoru ainda recriava em sua escola<br />

um cenário tradicional, mantendo desde uma filosofia do ser ou uma<br />

etiqueta (reigi sahô — 礼 儀 作 法 ) até elementos decorativos, como flores<br />

(ikebana – 生 花 ) e obras caligráficas tradicionais (shodô – 書 道 ).<br />

Em total contraponto, Yoko sensei procurava criar modificações nas<br />

coreografias tradicionais para atender as necessidades de suas alunas, as<br />

quais, na sua grande maioria, eram mulheres idosas. Desse modo, nas<br />

danças masculinas, cujas exigências sobrevoam sobre uma versatilidade<br />

e vigor do corpo, suas alunas estariam em grande desvantagem, caso<br />

Yoko sensei não promovesse uma adaptação possível. Durante muitos<br />

momentos da entrevista, Yoko sensei diz acreditar que brasileiros, mesmo<br />

imigrantes a viver no Brasil, têm corpos distintos, transformados,<br />

influenciados pelo viver em outro lugar, exigindo das danças e coreografias,<br />

um olhar renovado.<br />

Assim como as diferenças encontradas no espaço e na ação sobre seus<br />

alunos, Satoru sensei e Yoko sensei ainda se diferenciam grandemente<br />

quanto aos seus objetivos para com a dança. Enquanto Satoru sensei prima<br />

pela perfeição na execução técnica, conservação de valores okinawanos,<br />

hierarquização de seus alunos pelo tempo de treino, assim como na<br />

relação mestre-discípulo, Yoko sensei revelou-se preocupada com aspectos<br />

adjacentes à dança, como a manutenção de um bom estado de saúde,<br />

o diálogo e a escuta e o valioso momento de encontro entre seus alunos.<br />

Numa óptica última e posterior, o pesquisador relatou em suas anotações<br />

a dinâmica transitiva em seu corpo, narrando em primeira pessoa<br />

cada microprocesso desse longo contato entre ele e seus interlocutores.<br />

Foi, num primeiro momento, aluno de Satoru sensei durante dois anos,<br />

vivendo intensamente a rotina comum da colônia okinawana, assim<br />

como os costumes enraizados no dôjô tradicional. Aprendeu a se articular<br />

como um descendente uchinanchu 4 para expandir as barreiras de sua<br />

própria identidade e encontrar respostas para suas próprias característi-<br />

cas corpóreas, como seus olhos amendoados, seus cabelos pretos e lisos,<br />

sua pele clara, levemente amarelada. Ainda revisitou memórias antigas<br />

para dar significado a alguns hábitos, até então comuns e inquestionados,<br />

de seus familiares, como a feitura de alguns pratos, o formato de encontro<br />

em datas festivas, a relação entre membros etc. Por fim, vislumbrou<br />

a completude, ao acordar uma porção adormecida de si, totalmente<br />

escondida em seus costumes ocidentais, quando, ao observar o outro<br />

(membros da colônia okinawana, professores e alunos e Ryûkyû Buyô) e<br />

fazer parte de um universo corpóreo distante, trouxe o significado não<br />

somente à prática, mas aos valores etnográficos. O mergulho numa realidade<br />

completamente avessa não quer propiciar o conhecimento do outro,<br />

apenas, mas a ciência de si, para contrapor o egocentrismo dos que<br />

pesquisam sob os pesquisados. Desse modo, mesmo ainda não amplamente<br />

admitida, as transformações são legítimas, sendo impossível a impermeabilidade<br />

do eu diante dos milhares de fazeres do outro no mundo.<br />

Considerações finais<br />

Por fim, o corpo registro foi o termo encontrado para gerir a síntese desta<br />

pesquisa e experiência, tratando-se de algo em total desenvolvimento<br />

e aperfeiçoamento teórico-prático. Em suma, o corpo é o local em que as<br />

relações entre pesquisador, professor e alunos foram estabelecidas, parecendo<br />

provocar modificações plausíveis de serem lidas e interpretadas.<br />

Nesse jogo de espelhos e reconstruções, os papéis do sujeito parecem se<br />

confundir, uma vez que as alterações no eu provindas da relação ensino-<br />

-aprendizagem são mútuas. Desse modo, quem ensina e aprende? Está o<br />

aluno somente a aprender, uma vez que suas necessidades redirecionam<br />

a didática do professor em aula? E está o professor somente a ensinar,<br />

sabendo-se que a leitura dos estados físicos e psicológicos de seus alunos<br />

é um constante aprendizado sobre o outro?<br />

Espera-se para estudos futuros o reforço dessas compreensões, assim<br />

como a colocação do pesquisador em outros processos de ensino-aprendizagem,<br />

distantes de meios exclusivamente ligados à sua etnicidade,<br />

para reforçar o dado advindo de uma experiência corpórea completamente<br />

inédita.<br />

4. Uchinanchu é o termo okinawano para se referir aos indivíduos de seu próprio povo.<br />

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