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ARTE E EDUCAÇÃO RESSONÂNCIAS E REPERCUSSÕES

Arte_e_educacao_ressonancias_e_repercussoes

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Você não é de bugre? — ele continuou.<br />

Que sim, respondi<br />

Veja que bugre só pega por desvios, não anda em<br />

estradas —<br />

Pois é nos desvios que encontra as melhores<br />

surpresas e os ariticuns maduros.<br />

(Manoel de Barros)<br />

O presente texto é um fragmento da pesquisa de doutorado em desenvolvimento<br />

sobre a história e as experiências educativas suscitadas no Curso<br />

de Especialização em Arte/Educação da eca/usp, que esteve ativo entre<br />

1984 e 2001. Este estudo partiu, inicialmente, do desejo de conhecer mais<br />

profundamente esse curso, que tive a oportunidade de vivenciar intensamente<br />

como aluno em 2001 (a última turma, sem sabê-lo) e que iria<br />

marcar inexoravelmente minha vida como pessoa e como educador, a<br />

partir de então. Um fragmento narrativo dessa marca será apresentado<br />

na segunda parte deste texto. Na primeira busco tecer algumas considerações<br />

sobre as ideias de três autores que se debruçaram sobre a questão<br />

da narrativa como chave epistemológica de compreensão do próprio<br />

homem no mundo: Walter Benjamin, Regina Machado e Paul Ricoeur.<br />

Suas obras têm me mobilizado a pensar o desenvolvimento deste estudo,<br />

sobretudo em relação ao feliz encontro com a “narrativa” como conceito<br />

primordial para se construir efetivamente uma história do curso e de fazer<br />

emergir as experiências significativas que permaneceram nas memórias<br />

das pessoas que estiveram envolvidas. A necessidade desse encontro foi<br />

somente possível, pois uma limitação foi identificada logo no início dos<br />

trabalhos: os documentos registrados que tive acesso sobre o curso perfaziam<br />

uma vasta reunião de papeis, tanto nos arquivos da Comissão de<br />

Cultura e Extensão da eca (cce/eca) quanto nos do Núcleo de Apoio à<br />

Cultura e Extensão em Promoção da Arte na Educação (Nace/Nuape),<br />

em grande maioria de natureza organizacional sobre o seu funcionamento<br />

ao longo dos anos, mas que pouco diziam sobre as concepções de ensino<br />

de arte e, menos ainda, das experiências mobilizadas durante as aulas.<br />

Em outras palavras, pelos papeis podemos interpretar como o curso se<br />

estabeleceu e manteve seu funcionamento durante o período, embora não<br />

revelem as preciosas singularidades que as pessoas vivenciaram e compartilharam.<br />

A narrativa surgiu, então, como uma real possibilidade de<br />

se buscar este outro viés significativo, aflorado pelo esforço da memória<br />

daqueles que estiveram envolvidos no curso ao longo de sua história. Mas,<br />

como a narrativa, de fato, poderia contribuir para esta reflexão? Que aspectos<br />

narrativos podemos tomar como base para um olhar renovado para<br />

as nossas próprias experiências que nos afetam e se fundem com a nossa<br />

própria percepção de ser e estar no mundo? Eu, pesquisador e testemunha<br />

do Curso de Especialização, poderia ser um narrador dessa história, afinal<br />

de contas? São essas questões que motivaram esta escrita.<br />

A narrativa como construção da história<br />

Desde a aurora da humanidade, em meio a agruras da dura sobrevivência,<br />

o homem tem buscado formas de interagir no mundo, ultrapassar<br />

barreiras de sua existência e, por fim, permanecer. É de supor que uma<br />

das maiores conquistas do homem para essa superação foi finalmente<br />

conseguir se comunicar e estabelecer o diálogo entre as pessoas (cuja falta,<br />

na verdade, continua sendo o desafio arquimilenar da humanidade).<br />

Essa valiosa conquista não apenas libertou o homem de sua condição<br />

de ser no eterno presente — uma espécie animal no sistema natural —,<br />

como permitiu que enxergasse além das fronteiras de seu tempo de vida<br />

e percebesse que poderia perpetuar suas formas de existência. Daí nascem<br />

a tradição, a cultura, a educação e o desejo de prevalecer sempre,<br />

impulsionando sua própria transformação, fazendo que a humanidade<br />

atravessasse, não sem conflitos, os percalços dos caminhos que levaram<br />

até o mundo como vivemos hoje. A narrativa surge, então, como uma<br />

das formas mais intrínsecas desse processo de desenvolvimento, carregada<br />

de memórias, imaginações, experiências, afetividades, reflexões e<br />

sentidos — a humanidade podia contar, perpetuar e transformar sua história:<br />

o homem tem sentido.<br />

Walter Benjamin, no célebre ensaio “O narrador: considerações sobre<br />

a obra de Nikolai Leskov”, de 1936, desenvolve importante reflexão<br />

sobre a narrativa (sobretudo, da tradição oral) como forma de excelên-<br />

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