Artigo Jornal Expresso
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Entrevista<br />
3<br />
Segunda-feira, 16 de Janeiro de 2017<br />
Atlântico <strong>Expresso</strong><br />
Investigadora Isabel Albergaria não tem dúvidas<br />
“Devemos procurar relançar os jardins históricos<br />
como valioso património cultural da Região,<br />
convertendo-os num produto turístico”<br />
Na actual conjuntura, “em que o turismo de jardins conhece um crescimento e uma popularidade sem precedentes, a nível<br />
mundial”, a investigadora da Universidade dos Açores, Isabel Albergaria considera que “o que devemos procurar é relançar<br />
os jardins históricos como valioso património cultural da Região, convertendo-os num produto turístico.<br />
Além da sua protecção, reabilitação e valorização, fundamental do ponto de vista patrimonial, essa operação permitirá<br />
diversificar, qualificar e enriquecer a oferta turística do destino Açores”.<br />
Qual a importância da realização do colóquio<br />
internacional GardenTourism in Portugal<br />
and Around The World?<br />
O colóquio subordinado ao tema do Turismo<br />
de Jardins, que irá decorrer em São Miguel de 24<br />
a 26 de Fevereiro, reúne algumas das personalidades<br />
mais influentes ligadas ao tema a nível internacional<br />
e nacional, permitindo a abordagem de<br />
diversas perspectivas complementares que se colocam<br />
no processo de conservação, recuperação,<br />
avaliação e promoção turística dos jardins históricos.<br />
O evento será promovido pelo Observatório<br />
de Turismo dos Açores em parceria com a Universidade<br />
dos Açores/Fundação Gaspar Frutuoso<br />
e o Centro de Historia d´Aquém e d´Além Mar,<br />
sendo uma iniciativa enquadrada no âmbito do<br />
projeto financiado pelo PO AÇORES 2020 “Green<br />
Gardens - Azores”, o qual tenho o prazer de<br />
coordenar. É muito importante conhecer os casos<br />
de sucesso na gestão e promoção dos jardins como<br />
recurso cultural e consolidar redes técnico-científicas<br />
e comerciais internacionais que nos permitirão<br />
dar passos seguros no sentido da afirmação<br />
do destino Açores, particularmente neste nicho de<br />
mercado do Turismo Cultural e Criativo.<br />
Aproveito para anunciar que estão abertas inscrições<br />
a todos os interessados, podendo-se fazêlo<br />
através do site do OTA: http://www.otacores.<br />
com/greenga.<br />
Em sua opinião, qual a importância do turismo<br />
de jardins para S. Miguel?<br />
O turismo de jardins em S. Miguel não é novo.<br />
Na história do turismo regional deve salientar-se a<br />
notoriedade granjeada pelos jardins de Ponta Delgada<br />
desde o século XIX, fundamental na criação<br />
do primeiro cartaz turístico da ilha, como bem<br />
prova o Guia do Viajante da Ilha de S. Miguel,<br />
escrito por Félix Sotto-Mayor em 1898. Hoje<br />
estamos bem longe da modalidade praticada então,<br />
em que a visita aos jardins dependia da cortesia<br />
dos proprietários privados que franqueavam<br />
as portas dos seus preciosos tesouros aos estrangeiros<br />
e nacionais recém-chegados a São Miguel.<br />
Na actual conjuntura em que o turismo de jardins<br />
conhece um crescimento e uma popularidade sem<br />
precedentes, a nível mundial, o que devemos procurar<br />
é relançar os jardins históricos como valioso<br />
património cultural da Região, convertendo-os<br />
num produto turístico. Além da sua protecção,<br />
reabilitação e valorização, fundamental do ponto<br />
de vista patrimonial, essa operação permitirá diversificar,<br />
qualificar e enriquecer a oferta turística<br />
do destino Açores.<br />
Os proprietários privados/entidades responsáveis<br />
regionais estão despertos para a<br />
importância do desenvolvimento deste tipo de<br />
turismo para a nossa região?<br />
Para responder directamente a esta questão<br />
diria que sim e não. Sente-se efetivamente que<br />
há um caminho percorrido nas últimas décadas<br />
tanto por parte dos proprietários como pelas entidades<br />
governamentais e do público em geral no<br />
sentido do reconhecimento dos jardins históricos.<br />
Pessoalmente, empenhei-me há já muitos anos<br />
por esse reconhecimento e sinto-me feliz por ver<br />
que o ponto onde nos encontramos hoje é bem diferente<br />
do panorama vivido há 20 anos. Os mais<br />
emblemáticos jardins de S. Miguel têm sido alvo<br />
de intervenções de restauro e reabilitação por<br />
equipas profissionais, classificação patrimonial e<br />
acções de promoção e divulgação, encontrandose<br />
hoje um bom numero que está aberto a visitas<br />
públicas. Por outro lado, haveria muito mais a fazer<br />
neste domínio. Para entrar no mercado global<br />
do turismo de jardins, é necessário investir, investigar<br />
e intervir de forma consertada e apoiada.<br />
Tanto do lado dos apoios governamentais como<br />
do lado do espirito associativo dos proprietários<br />
é necessário ir mais além e considerar que o turismo<br />
de jardins só se constrói se existir o que em<br />
dinâmica social se designa por massa critica. Todos<br />
sabemos que o Parque Terra Nostra tem um<br />
lugar assegurado no pódio dos jardins dos Açores<br />
e estará previsivelmente sempre entre os lugares<br />
mais visitados da ilha de S. Miguel, mas isso não<br />
significa que possa construir sozinho um destino<br />
de turismo de jardins nos Açores.<br />
Uma visita que realizei há uns meses a um<br />
dos mais prestigiados certames da horticultura<br />
europeia, em França - a Journée des Plantes –<br />
permitiu-me constatar como o tema do turismo<br />
de jardins é tomado a sério pelos departamentos<br />
regionais e nacionais que tutelam a cultura, o<br />
ambiente e o turismo. Noutros pontos da Europa,<br />
como ouviremos falar durante o coloquio que se<br />
avizinha, equipas de entidades públicas e privadas<br />
trabalham em prol da manutenção e divulgação<br />
deste património verde, que integra um importante<br />
segmento da cultura europeia. Em Portugal,<br />
e especialmente nos Açores, é necessário rever,<br />
a montante e a jusante, tanto a adequação da legislação<br />
e medidas protetoras a estes “imóveis<br />
de interesse publico” com características peculiares<br />
por se tratarem de estruturas vivas, como<br />
a criação de redes de apoio técnico e científico,<br />
e sistemas de incentivo, fundamentais para que a<br />
aposta no desenvolvimento dos jardins históricos<br />
se torne uma realidade.<br />
Que mais-valias poderá trazer este tipo de<br />
turismo para os Açores?<br />
Numa Região como a nossa que beneficia de<br />
um clima temperado, uma distribuição regular da<br />
chuva ao longo do ano e solos férteis, os jardins<br />
são por assim dizer produtos “naturais”. Mais<br />
ainda: a imagem dos Açores associada às belas<br />
paisagens e ambientes naturalizados só poderá<br />
sair reforçada se for apoiada por uma ampla “cultura<br />
verde” onde se incluam os jardins históricos,<br />
certamente, mas também outras criações mais<br />
modernas e ambientalmente sustentáveis que<br />
possam justificar e dar continuidade a esse desígnio<br />
histórico e cultural. No turismo de jardins do<br />
futuro poderão estar os clássicos jardins botânicos<br />
oitocentistas ao lado das quintas ajardinadas onde<br />
as culturas tradicionais encontrem no turismo novos<br />
mercados de proximidade, espaços verdes e<br />
parques públicos articulados com as apetências<br />
de lazer e os requisitos ambientais e ecológicos,<br />
hotéis botânicos que façam jus à marca diferenciadora<br />
dos Açores, modernas formas de matas<br />
ajardinadas em que o conceito lúdico se alie ao<br />
económico e produtivo. Esta é a minha utopia.<br />
Voltando à questão em termos mais pragmáticos<br />
e imediatos: o segmento do turismo de jardins<br />
constitui, em minha opinião, a única forma<br />
de viabilizar a conservação dos jardins históricos,<br />
potenciado uma cadeia de valor gerado ao longo<br />
de um processo que começa na valorização e especialização<br />
da mão-de-obra e termina na projecção<br />
da marca Açores associada a um segmento turístico<br />
exigente, culto e geralmente com elevado poder<br />
económico. Acresce que o turismo de jardins<br />
não é tão fortemente marcado pela sazonalidade<br />
como outros produtos turísticos. Haja em vista o<br />
segmento das camélias, flor de inverno que por<br />
essa razão é merecedora de um verdadeiro culto,<br />
e que tem conhecido um interesse crescente nos<br />
Açores; foi em atenção a elas, aliás, que foram<br />
escolhidas as datasdo colóquio que está a ser preparado.<br />
O que destaca dos temas em debate?<br />
Quem ler o programa que está a ser divulgado<br />
perceberá como são variados os temas em debate,<br />
as perspetivas e as experiencias concretas trazidas<br />
pelo painel de oradores. No plano das orientações<br />
e recomendações internacionais teremos personalidades<br />
ligadas às instancias da UNESCO através<br />
do Comité internacional de Paisagens Culturais<br />
(ICOMOS-IFLA); no domínio académico teremos<br />
as perspetivas de quem estuda o fenómeno<br />
do turismo de jardins de um ponto de vista social<br />
e económicosistemático e de quem se dedica ao<br />
ensino e investigação de metodologias deinventário,<br />
de recuperação e de restauro de jardins;<br />
no plano empresarial e promocional teremos<br />
perspetivas sobre o marketing e as estratégias de<br />
comunicação e mediação cultural na especialidade<br />
de jardins. Estou certa de que os temas e os<br />
intervenientes envolvidos despertarão o interesse<br />
dos agentes locais ligados à atividade turística, das<br />
entidades publicas e privadas que tutelam espaços<br />
com essas características, bem como do publico<br />
em geral. Finalmente, gostaria de salientar que a<br />
organização deste evento já despertou atenções<br />
fora da região, sendo inclusivamente noticiado na<br />
página electrónica do Institut Européen des Jardins<br />
& Paysages.<br />
Ana Coelho