Revista PÚBLICA - 1ª Edição
Revista PÚBLICA é uma publicação digital da Pública-Central do Servidor. Um espaço de análise, debate, opinião e conteúdos para pensar o segmento dos servidores públicos, serviços públicos e estrutura do Estado brasileiro.
Revista PÚBLICA é uma publicação digital da Pública-Central do Servidor. Um espaço de análise, debate, opinião e conteúdos para pensar o segmento dos servidores públicos, serviços públicos e estrutura do Estado brasileiro.
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<strong>Revista</strong><br />
<strong>1ª</strong> <strong>Edição</strong><br />
02/2017<br />
A VOZ DOS SERVIDORES, SUAS CAUSAS<br />
E O DEBATE DO CENÁRIO BRASILEIRO<br />
Por uma Escola de<br />
Trânsito Segura<br />
e Logística de<br />
Transporte<br />
Sub-Representação feminina<br />
na política é desafio,<br />
inclusive para atuação das<br />
entidades sindicais<br />
Entrevista Exclusiva<br />
com Maria Lúcia<br />
Fatorelli: Dívida Pública<br />
em Foco
2 Pública - Central do Servidor<br />
Pública - Central do Servidor<br />
3<br />
EDITORIAL<br />
ÍNDICE<br />
A VOZ DOS SERVIDORES,<br />
SUAS CAUSAS E O DEBATE<br />
DO CENÁRIO BRASILEIRO<br />
Estamos em um momento do país no qual<br />
precisamos contribuir para o desarmamento<br />
das intolerâncias, recuperação de um diálogo<br />
amplo e sem rótulos, e fomentar a boa arte de<br />
fazer política.<br />
Lançamos a <strong>Revista</strong> <strong>PÚBLICA</strong>, em seu<br />
número piloto, com a sincera vontade de<br />
contribuir para o enriquecimento do debate e<br />
do conhecimento.<br />
Nossa intenção é recuperar espaços de<br />
opinião e análise em contraposição a<br />
estes tempos de muitas ideias formadas<br />
rapidamente e na maior partes das vezes sem<br />
informações expositivas adequadas.<br />
A <strong>PÚBLICA</strong> nasceu com a ideia da pluralidade<br />
e persegue em suas atividades essa<br />
característica. Formar e informar melhor.<br />
A <strong>Revista</strong> <strong>PÚBLICA</strong> pretende ser um espaço<br />
aberto para debates, artigos, entrevistas,<br />
manifestações de entidades, especialistas,<br />
agentes públicos e políticos, oferecendo<br />
oportunidades de voz a percepções nem<br />
sempre contempladas pela imprensa no dia<br />
a dia.<br />
O formato digital mostra-se a opção<br />
irreversível do mundo da tecnologia. Adotamos<br />
com gosto e convicção, acreditando que é a<br />
melhor forma de multiplicação livre.<br />
A <strong>Revista</strong> estará sendo editada<br />
trimestralmente e também terá edições<br />
especiais temáticas.<br />
Boa leitura.<br />
NILTON PAIXÃO<br />
Presidente <strong>PÚBLICA</strong><br />
CENTRAL DO SERVIDOR<br />
Luta pela manutenção da CGU<br />
ganha webdoc - p. 4<br />
Atens SN contrapõe argumento<br />
de déficit na previdência em cartilha<br />
A entidade produziu documentário<br />
de 15 minutos com a narrativa da<br />
mobilização ocorrida quandp da<br />
notícia da perda da identidade da CGU,<br />
Controladoria Geral da União. (...) p. 4<br />
Contrapor os argumentos apresentados pelo governo interino de Michel Temer de que a Previdência Social no Brasil é deficitária<br />
e alertar (...) p. 6<br />
Rejuvenescendo a comunicação sindical<br />
Sindicato desde sempre foi organização social, e por muitos anos focou suas lutas na conquista de trabalho digno (...) p. 8<br />
Serviço público valorizado beneficia cidadão<br />
Temos presenciado uma constante desvalorização do serviço público,<br />
arquitetado com o claro intuito de desmontar (...) p. 9<br />
Reforma da previdência pública<br />
A Previdência Social é “a bola da vez” e o Governo Temer já<br />
conclamou seus Ministros a “entrarem em campo” para o<br />
convencimento (...) p. 12
4 Pública - Central do Servidor<br />
Pública - Central do Servidor<br />
5<br />
Meritocracia & Democracia<br />
Meritocracia é a junção do latim meritum com o grego cracia, cujo significado literal é<br />
“poder do mérito”, e que designa um sistema sócio-econômico que toma o resultado da<br />
ação humana de cada indivíduo como critério organização social (...) p. 30<br />
Previdência: perversidades na regra de transição<br />
Duas crianças morreram atropeladas<br />
na tarde de sábado em Saracuruna, em<br />
Duque de Caxias, na Baixada Fluminense.<br />
Outras duas pessoas, uma delas a mãe<br />
das vítimas, também ficaram feridas no<br />
acidente e foram levadas para o (...) p. 10<br />
Se a reforma passar nos termos propostos, o valor de todas as aposentadorias pelo regime geral (INSS), a partir<br />
da promulgação da emenda, será calculado com base em 51% (...) p. 32<br />
Evolução legislativa incentiva compliance na administração pública<br />
O significado metafórico dos verbos querer, poder e saber reedita, em ambiente de crise, como aquele em que se encontra<br />
o país, persistentes questões na relação (...) p. 36<br />
Sub-representação feminina na política é desafio, inclusive<br />
para atuação das entidades sindicais<br />
Giovana Perlin é diretora da Pública, do Sindilegis, servidora do setor de educação da Câmara dos Deputados, estudiosa<br />
e pensadora a respeito da inserção (...) p. 15<br />
Equilíbrio das contas públicas<br />
Por uma escola do trânsito seguro e<br />
logística de transporte - p. 10<br />
Securitização de créditos tributários não é saída para crise fiscal, defende<br />
presidente Rodrigo Spada<br />
A prática financeira conhecida como securitização, que permite, a grosso modo, antecipar dívidas ativas oriundas de<br />
créditos tributários, cedendo-os a uma entidade adquirente, por meio da (...) p. 38<br />
Entidades Policiais fazem campanha publicitária de divulgação da condição<br />
diferenciada da atividade policial<br />
Na tarde de ontem, 1, a Federação Nacional dos Policiais Federais (Fenapef) e juntamente com a Federação Nacional dos<br />
Policiais Rodoviários Federais (FenaPRF) se reuniram para dar prosseguimento às discussões de ações (...) p. 40<br />
O planejamento das finanças públicas pressupõe a aprovação de leis de iniciativa do Poder Executivo, compreendendo o<br />
plano (...) p. 18<br />
PEC dos gastos: retrocesso social e privilégios<br />
Votada no Senado em segundo turno nesta terça-feira, 13, a PEC 55/2016, do teto de gastos, implicará um retrocesso<br />
social (...) p. 19<br />
Entrevista exclusiva com<br />
Maria Lucia Fatorelli: Dívida Pública em foco<br />
A professora e auditora Maria Lúcia Fatorelli tem ganho protagonismo no<br />
Brasil na denúncia e desconstrução da estruturação da (...) p. 20<br />
Para professor da Unicamp,<br />
reformar o sistema previdenciário<br />
para aperfeiçoá-lo, como se faz em<br />
outros países, é “aceitável”: “Mas<br />
não para destruí-lo, como pretende<br />
equipe de Temer”. (...) p. 34<br />
‘Perversa, reforma da Previdência ignora<br />
desigualdades sociais’, diz Eduardo Fagnani - p. 34
6 Pública - Central do Servidor<br />
Pública - Central do Servidor<br />
7<br />
ATENS SN CONTRAPÕE ARGUMENTO DE<br />
DÉFICIT NA PREVIDÊNCIA EM CARTILHA<br />
Redação<br />
Contrapor os argumentos apresentados pelo governo<br />
interino de Michel Temer de que a Previdência Social<br />
no Brasil é deficitária e alertar a sociedade sobre as<br />
ameaças à aposentadoria dos trabalhadores. É com<br />
este objetivo que o ATENS Sindicato Nacional, em<br />
conjunto com as demais entidades e movimentos que<br />
compõem a Frente Parlamentar Mista em Defesa da<br />
Previdência Social, lançam uma cartilha sobre o tema.<br />
O documento desmistifica o déficit e apresenta<br />
propostas para uma Previdência Social Pública, Justa<br />
e Solidária em contraponto à proposta do Planalto de<br />
aumentar a idade mínima para aposentadoria.<br />
Sob a argumentação de que a Previdência amargaria<br />
atualmente um rombo de R$ 146 bilhões, a equipe<br />
econômica de Temer trabalha para formular uma<br />
proposta de reforma a ser enviada ao Congresso. O<br />
governo defende que a medida seria essencial para<br />
equilibrar o orçamento e conter o endividamento.<br />
Contudo, o posicionamento governista tem sido<br />
duramente criticado por parlamentares e especialistas<br />
que se debruçam sobre o assunto.<br />
Para a Diretoria do ATENS SN, essa base de<br />
argumentação serve apenas aos interesses de<br />
mercado, que querem potencializar os lucros com<br />
a retirada dos valores sociais que representam os<br />
direitos dos trabalhadores.<br />
Frente Parlamentar<br />
A Frente Parlamentar Mista em Defesa da Previdência<br />
Social está sendo recriada por iniciativa do Senador<br />
Paulo Paim (PT-RS) e do Deputado Federal Arnaldo<br />
Faria de Sá (PTB-SP), em conjunto com diversas<br />
associações, sindicatos e entidades nacionais,<br />
estaduais, municipais e distritais, defendendo a<br />
manutenção dos direitos sociais e uma reforma<br />
estrutural da captação de recursos nos termos<br />
da legislação atual, com o propósito de garantir a<br />
segurança jurídica e atuarial do sistema de Seguridade<br />
Social Brasileiro.<br />
O material produzido pela Frente Parlamentar Mista<br />
em Defesa da Previdência Social está disponível<br />
online para consulta pública.<br />
LUTA PELA MANUTENÇÃO DA CGU<br />
GANHA WEBDOC<br />
Redação<br />
A entidade produziu documentário de 15 minutos com<br />
a narrativa da mobilização ocorrida quandp da notícia<br />
da perda da identidade da CGU, Controladoria Geral<br />
da União.<br />
O órgão tão lembrado como um dos precursores<br />
nas atividades de controle público e transparência,<br />
esteve ameaçado em sua continuidade de existência<br />
nos primeiros meses do Governo Temer. A tentativa<br />
na oportunidade era que fosse totalmente absorvido<br />
pelo Ministério da Transparência e Anticorrupção.<br />
A reação criativa e acirrada dos servidores da CGU<br />
incluiu até mesmo lavagem simbólica de gabinetes<br />
do Governo, criando ações captadas pelos jornais e tv<br />
e com repercussão nacional, conseguindo passar o<br />
contexto de retrocesso da medida.<br />
Todos esses dias e roteiro de ações de luta pela<br />
manutenção da integridade da CGU foram filmados e<br />
reunidos agora em um documentario para circulação<br />
na web, um web doc.<br />
ASSISTA AQUI
8 Pública - Central do Servidor<br />
Pública - Central do Servidor<br />
9<br />
ARTIGO<br />
REJUVENESCENDO<br />
A COMUNICAÇÃO SINDICAL<br />
SERVIÇO PÚBLICO VALORIZADO<br />
BENEFICIA O CIDADÃO<br />
SERGIO LERRER<br />
Jornalista<br />
Especialista em Comunicação Pública<br />
MÁRCIO SEQUEIRA DA SILVA<br />
Sócio Diretor da PPCS Advogados Associados<br />
Membro da Comissão Especial de Direito Social do Conselho Federal da OAB<br />
Sindicato desde sempre foi organização social, e por<br />
muitos anos focou suas lutas na conquista de trabalho<br />
digno, remuneração digna e assistência básica. Eram<br />
tempos das gerações que associavam este trabalho<br />
ao sustento, sobrevivência da familia e agradeciam ao<br />
destino não faltar nada em suas casas e para seus<br />
filhos.<br />
O mundo mudou e as gerações mudaram. Essa época<br />
da sociedade conectada tem como principais “atores”<br />
o pessoal das gerações x,y e z, os millenials. Eles são<br />
menos coletivistas, tem fartura de alimentos e de<br />
consumo, e querem mais do que trabalho, querem ser<br />
felizes, de preferência já.<br />
A comunicação sindical está desafiada a<br />
acompanhar essa transição e revolucionar suas<br />
ferramentas, linguagem e vocabulário.<br />
possivel? Será nesta década ou mais<br />
adiante?<br />
Site com fotos do dia do Presidente<br />
e personalismo já era, isso é<br />
abuso de poder e exibicionismo às<br />
custas do dinheiro sindical.<br />
Grandes análises de conjuntura<br />
completamente fora de moda, é<br />
deseducado insistir em querer<br />
a toda hora “conscientizar“<br />
e fazer a cabeça dos outros,<br />
como se fossem alienados e<br />
desinformados.<br />
Será<br />
O trabalhador é antes de mais nada cidadão. É<br />
funcionário, mas pode ter um filho empreendedor. Quer<br />
resolver seu lado, mas não às custas de desequilibrar<br />
a sustentação de sua atividade. Portanto, se interessa<br />
pelo setor, pela cidade e pelo mundo.<br />
Sindicato assim passa a ser - ou deveria - organização<br />
fonte de referência técnica e de conhecimento de sua<br />
área. Vai convencer e persuadir, porque sua solução<br />
é boa para todos, a mais racional, para o trabalhador,<br />
contratante e sociedade. Esse raciocínio constante,<br />
com a inclusão de todos, é o ponto de partida para um<br />
diálogo de construção.<br />
A comunicação sindical tem que estar nas novas<br />
plataformas de informação e relacionamento digital,<br />
mas precisa tomar cuidado: não adianta mudar para<br />
casa nova, com orgulho de manter a mesma “roupa<br />
velha”.<br />
Temos presenciado uma constante desvalorização<br />
do serviço público, arquitetado com o claro intuito<br />
de desmontar as estruturas estáveis do estado, na<br />
tentativa de transferir a responsabilização dos erros<br />
de gestão e da má administração aos servidores<br />
públicos.<br />
A mídia desinformada, comprou a ideia de que<br />
todos os problemas da administração pública estão<br />
nos salários e benefícios dos servidores estáveis,<br />
esquecendo que é necessária uma estrutura sólida<br />
do estado para assegurar o cumprimento das<br />
garantias constitucionais e do estado social, base da<br />
Constituição da República de 1988.<br />
Inobstante esta batalha travada “contra tudo e<br />
contra todos”, o Poder Judiciário também demonstra<br />
sua parcela de inconformidade com os servidores<br />
públicos. Recente decisão do Supremo Tribunal<br />
Federal, de outubro de 2016, mudou entendimento<br />
antes consolidado e decidiu que a administração<br />
pública deve fazer o corte do ponto dos grevistas.<br />
Cortar o ponto é não pagar salário, é impossibilitar<br />
a subsistência dos servidores e, na prática, significa<br />
acabar como direito constitucional de greve. A posição<br />
do STF encerra, hoje, com a legítima forma de protesto<br />
contra perdas ainda maiores e extinção de direitos que<br />
se avizinham.<br />
Diz-se isto, pois, desde 1998, por meio das Emendas<br />
Constitucionais n. 20, 41 e 47, os servidores públicos<br />
passaram por modificações cruciais nas regras<br />
previdenciárias, como a perda da paridade e da<br />
aposentadoria integral. Aqueles que detém um<br />
mínimo de conhecimento ou de informação estão<br />
preocupados com sua subsistência e de sua família<br />
depois da aposentadoria. A tranquilidade adquirida<br />
com a estabilidade, desaparece com a preocupação<br />
com um futuro incerto e turbulento, mormente, quando<br />
novas significativas mudanças na Previdência são<br />
vistas num horizonte próximo.<br />
Em razão da experiência adquirida pelo<br />
assessoramento jurídico aos servidores públicos e<br />
suas entidades, entendemos que a união verdadeira e<br />
sólida dos servidores públicos é a forma de manter a<br />
dignidade e o respeito que a categoria merece.<br />
A <strong>PÚBLICA</strong> – Central do Servidor tem papel essencial<br />
na demonstração, aos cidadãos, que os princípio<br />
constitucionais da impessoalidade, moralidade e<br />
eficiência nunca abandonaram o serviço público e<br />
isso se deve à constante busca pela qualificação e<br />
profissionalização dos servidores efetivos.<br />
A comunicação predominantemente<br />
é do mundo digital, curta, rápida,<br />
multimidia e gamificada. Não<br />
precisa ser chato para ser sério,<br />
nem tedioso para ser relevante.
10 Pública - Central do Servidor<br />
Pública - Central do Servidor<br />
11<br />
POR UMA ESCOLA DO<br />
TRÂNSITO SEGURO E<br />
LOGÍSTICA DE TRANSPORTE<br />
MÁRCIO AZEVEDO<br />
Vice Presidente Nacional <strong>PÚBLICA</strong><br />
Diretor Jurídico SinPRF/RJ<br />
Doutorando em Direito e Ciências Sociais (UM/ARG)<br />
O resultado desta nefasta combinação de fatores é a<br />
completa impunidade no Trânsito e uma população, que<br />
por não acreditar na Justiça que deveria ser aplicada pelo<br />
Estado, resolve, como no caso de Duque de Caxias (Região<br />
Metropolitana do Rio de Janeiro), fazer Justiça com as<br />
próprias mãos.<br />
É chegada a hora de: 200 milhões em ação pelo Trânsito<br />
Seguro no Brasil.<br />
Precisamos avançar em direção à consolidação da<br />
perícia de trânsito para a PRF. Perícia Técnica de<br />
Trânsito, de natureza civil (não criminal que busca<br />
autoria e materialidade de crime), que busca identificar<br />
as causas do Acidente de Trânsito e quantificar a<br />
monta dos danos decorrentes.<br />
Laudo de Levantamento de Acidente (LLA/PRF),<br />
tal como está no Dec. 1655/95. 21 anos que a PRF<br />
deveria estar contribuindo com a Justiça, lavrando o<br />
LLA/PRF, mas ainda estamos caminhando a passos<br />
de tartaruga e somente a PRF/SE faz, com convênio<br />
com o TJSE, a emissão do LLA/PRF.<br />
Veja o que a Escola do Trânsito Seguro e Logística de<br />
Transporte (UNA<strong>PÚBLICA</strong>) poderá fazer pelo Brasil.<br />
Iremos atacar os principais fatores de impunidade, da<br />
principal causa mortis violenta deste País, os Crimes<br />
de Trânsito.<br />
Duas crianças morreram atropeladas na tarde de<br />
sábado em Saracuruna, em Duque de Caxias, na<br />
Baixada Fluminense. Outras duas pessoas, uma delas<br />
a mãe das vítimas, também ficaram feridas no acidente<br />
e foram levadas para o Hospital estadual Adão<br />
Pereira Nunes, segundo o jornal Extra. Logo depois<br />
do acidente, o motorista do veículo foi espancado a<br />
pauladas por populares, levou três tiros e morreu. Ele<br />
chegou a ser levado para a mesma unidade hospitalar,<br />
mas não resistiu aos ferimentos. O carro dele foi<br />
incendiado antes da chegada da Polícia Militar.<br />
O Estado Brasileiro só pune com prisão UM em cada<br />
MIL crimes de trânsito que resultaram em morte.<br />
A certeza da incompetência do Estado em punir os<br />
crimes de trânsito, faz com que a população opte pela<br />
barbárie da Justiça com as próprias mãos. A maior<br />
causa de morte violenta no Brasil não é arma de fogo,<br />
nem faca, nem foice; é o trânsito. O Trânsito, no Brasil,<br />
é o recordista de mortes, deixando aproximadamente<br />
60.000 famílias sem os seus entes queridos para<br />
ajudar no sustento do lar.<br />
O resultado deste Ciclo Bipartido é a não preservação<br />
do local do Crime de Trânsito e, por conseguinte, a<br />
não realização de uma PERÍCIA em local preservado.<br />
Sem a PERÍCIA em local preservado não haverá<br />
indícios de prova para sustentar qualquer punição e<br />
os Juízes, dada a morosidade costumeira do Poder<br />
Judiciário, irão aplicar o “in dúbio pro réu”, anos<br />
após a ocorrência do Crime de Trânsito, isto se não<br />
tiver ocorrido a prescrição intercorrente (no curso do<br />
processo criminal).<br />
Em resumo temos:<br />
Perícias não realizadas a contento, em regra, por<br />
falta de preservação do local do Crime de Trânsito ou<br />
por falta de interesse dos Peritos em Trânsito ou por<br />
falta de interesse dos Peritos em fazer, bem feita, a<br />
Perícia de Local de Acidente;<br />
Policiais Rodoviários Federais, médicos e resgatistas que<br />
atuam na Rodovia Presidente Dutra, acompanhados pelo<br />
programa Anjos da Estrada, do canal Discovery.<br />
A perícia de trânsito, seja feita pela PRF, seja feita<br />
pelas PMs, irá garantir a efetividade da aplicação<br />
da Justiça, evitando a impunidade que assola as<br />
mentes e corações de todas as quase 60.000 famílias<br />
brasileiras que perdem seus entes queridos em<br />
Acidentes de Trânsito ano a ano em terras brasileiras.<br />
Não bastasse isto, iremos contribuir para a redução<br />
dos Acidentes de Trânsito no percurso casa/trabalho/<br />
casa (in itinere), que deixa, ano a ano, mais de 500.000<br />
trabalhadores incapacitados para o trabalho e,<br />
portanto, sem condições de prover o sustento para<br />
os seus lares, tornando-se eternos dependentes da<br />
combalida verba previdenciária do INSS.<br />
A Escola Nacional do Trânsito Seguro e Logística de Transporte, apesar da grandiosidade do desafio, será um marco no<br />
tratamento público à principal causa de morte violenta e de inabilitação laboral de trabalhadores neste Brasil: os chamados<br />
Acidentes de Trânsito.<br />
Aproximadamente 60.000 mortes no Trânsito todos<br />
os anos. Apenas uma pessoa condenada à prisão,<br />
pela morte causada no Trânsito, a cada mil mortes<br />
provocadas na direção de veículo automotor. Não por<br />
menos é chegada a hora de: 200 milhões em ação pelo<br />
Trânsito Seguro no Brasil.<br />
Polícias de Ciclo Partido (Ostensivas e<br />
Judiciárias) que não se comunicam para a solução<br />
dos Crimes de Trânsito;<br />
Apoie essa ideia<br />
Leis brandas e Polícias Bipartidas. Uma receita<br />
perfeita para a impunidade no Trânsito. As Polícias<br />
responsáveis pelo atendimento da ocorrência do<br />
acidente de trânsito (PRF/PM), não são as Polícias<br />
responsáveis pela investigação da autoria e<br />
materialidade dos Crimes de Trânsito (PCs).<br />
Poder Judiciário moroso, que distante do<br />
momento do Crime de Trânsito, ou absolve o<br />
criminoso do volante por falta de provas (ausência<br />
de perícia ou perícia inconclusiva) ou absolve por<br />
prescrição intercorrente.
12 Pública - Central do Servidor<br />
Pública - Central do Servidor<br />
13<br />
REFORMA NA<br />
PREVIDÊNCIA<br />
<strong>PÚBLICA</strong><br />
A Previdência Social é “a bola da vez” e o Governo<br />
Temer já conclamou seus Ministros a “entrarem em<br />
campo” para o convencimento da população brasileira<br />
a respeito do rombo (mentiroso) da Conta Previdência,<br />
no intuito maior de conseguir aprovar no Congresso<br />
Nacional uma ampla Reforma Constitucional que<br />
suprima direitos previdenciários conquistados através<br />
de décadas pela classe trabalhadora, seja da iniciativa<br />
privada, seja do setor público.<br />
Não por acaso, recentemente a imprensa fez noticiar<br />
as palavras do Ministro da Educação, José Mendonça<br />
Filho (DEM), a respeito dos “privilégios” que, segundo<br />
o Ministro, os Professores no Brasil usufruem e<br />
que devem ser retirados, dentre estes “privilégios”<br />
a aposentadoria com cinco anos a menos em se<br />
comparando com os demais trabalhadores. Vale a<br />
lembrança de que o Ministro da Educação é um dos<br />
ferrenhos defensores do Agronegócio no Brasil, setor<br />
este que sabidamente se valeu, nas últimas décadas,<br />
de mão de obra assalariada, sem carteira assinada<br />
e, portanto, sem incidência de tributos trabalhistas<br />
e previdenciários por parte dos Grandes Patrões do<br />
Agronegócio.<br />
MÁRCIO AZEVEDO<br />
Vice Presidente Nacional <strong>PÚBLICA</strong><br />
Diretor Jurídico SinPRF/RJ<br />
Doutorando em Direito e Ciências Sociais (UM/ARG)<br />
Apesar dos Patrões do Agronegócio historicamente<br />
não recolherem tributos trabalhistas e previdenciários<br />
de seus empregados rurais, o Governo mantém as<br />
chamadas Aposentadorias Rurais, mesmo que o<br />
trabalhador do campo e o seu Patrão do Agronegócio<br />
nunca tenham vertido um centavo para a Previdência,<br />
INSS. Bastando ao trabalhador rural, para que comece<br />
a receber a Aposentadoria Rural, apresentar uma<br />
“declaração de trabalho no campo”, assinada por um<br />
ou mais dentre os Patrões do Agronegócio.<br />
Talvez a melhor palavra para falarmos da<br />
Aposentadoria Rural não seja “privilégio”, mas sim<br />
“benefício assistencial”. O benefício assistencial,<br />
por sua natureza, não tem como contrapartida a<br />
contribuição prévia para a Previdência Social por<br />
parte daquele que o recebe, por isto mesmo, tal<br />
como a LOAS, a Aposentadoria Rural é um “benefício<br />
assistencial” que o Governo Federal resolveu pagar<br />
para os trabalhadores do campo, mesmo sem nunca<br />
o INSS ter recebido um real que seja dos empregados<br />
rurais ou dos Patrões do Agronegócio.<br />
Fico imaginando se esta benesse que o Governo<br />
Federal mantém na forma de Aposentadoria Rural,<br />
sem recolhimento prévio para o INSS, virasse<br />
moda em outros setores da economia nacional.<br />
Imaginemos! O Industriário não assina a carteira do<br />
empregado, deixando de recolher verbas trabalhistas<br />
e previdenciárias, durante décadas, e ao fim este<br />
trabalhador da Indústria, que nunca contribuiu também,<br />
tem direito a Aposentadoria do INSS. Os Comerciantes<br />
e Comerciários resolvem fazer o mesmo e também<br />
contratam seus empregados sem carteira assinada,<br />
portanto sem recolhimento de verbas trabalhistas e<br />
previdenciárias, mas depois de décadas de trabalho,<br />
sem recolhimento de previdência, estes empregados<br />
do Comércio são abraçados pelo bondoso Governo<br />
que lhes dá uma Aposentadoria do INSS.<br />
ARTIGO<br />
Imaginemos a hipótese dos Patrões da Indústria e do<br />
Comércio, fazerem igual aos patrões do Agronegócio<br />
e depois o INSS ter de pagar a todos os empregados<br />
que nunca contribuíram para o INSS. Pois é! Parece<br />
absurdo e é um absurdo pensar numa coisa destas,<br />
mas este privilégio existe para os patrões do<br />
Agronegócio, sem que exista para os Patrões da<br />
Indústria e do Comércio.<br />
No Brasil, o único patrao que pode, sem punição do<br />
Governo, contratar mão de obra por décadas, sem<br />
assinar carteira, sem recolher verbas trabalhistas e<br />
previdenciárias, e que, depois, pode dar uma simples<br />
declaração de trabalho para o seu empregado<br />
se aposentar, responde pelo nome de patrão do<br />
Agronegócio. Será que os Industriários da CNI e os<br />
Comerciários da CNC sabem desta farra em favor dos<br />
patrões do Agronegócio da qual eles não participam<br />
senão como osque pagam a conta da farra? Sabemos<br />
que os patrões do Agronegócio mandam no Congresso<br />
Nacional e não são incomodados jamais. Por isto<br />
se dão ao luxo de, a cada ano mais, criarem outras<br />
Bolsas Agronegócio, além de ampliarem as Bolsas<br />
Agronegócio já existentes.<br />
A família Azevedo é da Cafeicultura de Minas Gerais<br />
e Espírito Santo. Todas as minhas férias escolares na<br />
adolescência foram tiradas na fazenda do meu avô,<br />
Agenor Azevedo, Cafeicultor. Conheço bem a indústria<br />
do café e sei das muitas vantagens para os Produtores<br />
Rurais e do muito sofrimento dos trabalhadores rurais<br />
para, com o seu trabalho, darem lucros astronômicos<br />
para os patrões do Agronegócio. Não sou contra o<br />
Governo Federal dar um salário ao trabalhador rural<br />
que completou 65 anos de idade sem que nunca tenha<br />
tido sua carteira de trabalho assinada ao longo de, em<br />
regra, 50 anos de trabalho duro no campo.Sou contra o<br />
Governo Federal tirar mais de R$ 90 bilhões por ano da<br />
Conta Previdência Social (gerada pelos trabalhadores<br />
e patrões que contribuíram com a Previdência) para<br />
pagar as Aposentadorias Rurais. O Governo Federal<br />
que tire estes mais de R$ 90 bilhões da Conta Tesouro<br />
Nacional.<br />
Multipliquemos por 30 anos os mais de R$ 90 bilhões<br />
que o Governo Federal tira, todos os anos, da Conta<br />
Previdência Social para pagar Aposentadoria Rural<br />
e chegaremos ao valor de R$ 2,7 trilhões retirados<br />
indevidamente da Previdência Social entre 1987 e<br />
2016. Será que esta Bolsa Agronegócio chamada de<br />
Aposentadoria Rural e retirada da Previdência Social<br />
nos últimos 30 anos (R$ 2,7 trilhões) ajudaria a tampar<br />
o rombo (mentiroso) que o Governo Federal alega ter,<br />
como razão para a Reforma da Previdência em 2017?<br />
Eu acho que R$ 2,7 trilhões ajudariam um pouquinho.<br />
Que o Governo Federal continue pagando a<br />
Aposentadoria Rural, dando este subsídio para os<br />
patrões do Agronegócio, mas que faça isto tirando o<br />
dinheiro da Conta Tesouro Nacional e não da Conta<br />
Previdência Social, para depois mentir à Nação<br />
Brasileira dizendo que existe rombo na Previdência<br />
e que este rombo justifica a Reforma da Previdência<br />
em 2017. Eu quero os R$ 2,7 trilhões da Previdência<br />
Pública de volta na Conta Previdência Social e quero<br />
também que a partir de 2017 o Governo Federal tire os<br />
mais de R$ 90 bilhões do Bolsa Agronegócio, na forma<br />
de Aposentadoria Rural, da Conta Tesouro Nacional.O<br />
Governo Federal está praticando contabilidade<br />
criativa com os patrões do Agronegócio, dando<br />
subsídio de mais de R$ 90 bilhões, disfarçando este<br />
subsídio chamando de Aposentadoria Rural e, com<br />
isto, afetando o equilíbrio concorrencial internacional<br />
das commodities agrícolas.<br />
Previdência Social e Assistência Social são duas<br />
das três pernas, que formam o tripé da Seguridade<br />
Social. Em outras palavras: Previdência é uma<br />
coisa.Assistência Social é outra coisa. O Governo<br />
Federal tem que parar de “sangrar” indevidamente<br />
a Conta Previdência, retirando dela, Previdência,<br />
bilhões e bilhões para pagar Assistência Social<br />
(Aposentadoria Rural e LOAS, por exemplo), além<br />
de juros e amortizações da Dívida Pública. Que o<br />
Governo Federal tire esses bilhões da Conta Tesouro<br />
Nacional, pois se o dinheiro não estivesse saindo da<br />
Conta Previdência Social, indevidamente, não seria<br />
necessário taxar os Servidores Públicos Inativos, nem<br />
seria necessário o Governo estar pretendendo acabar<br />
com o Abono Permanência no Serviço Público, menos<br />
ainda seria necessário o Ministro da Educação estar<br />
defendendo o fim da justa aposentadoria especial<br />
dos Professores e Professoras dos ensinos infantil,<br />
fundamental e médio.<br />
Ou seja, caso o que não é Previdência, mas sim<br />
Assistência Social (Aposentadoria Rural e LOAS)<br />
saísse da Conta Previdência Social e fosse para a<br />
Conta Tesouro Nacional, o rombo (mentiroso) da<br />
Previdência Social deixaria de computar R$ 91 BI + R$<br />
35 bi = R$ 126 bilhões, em 2015, e ficaria a certeza de<br />
que a previdência foi superavitária em R$ 5,1 bolhões<br />
em 2015.
14 Pública - Central do Servidor<br />
Pública - Central do Servidor<br />
15<br />
Rombo ou superávit? O Governo Federal mente<br />
A mentira do Governo Federal sobre o rombo da<br />
dizendo que há rombo na Previdência Social e que<br />
Previdência Social deve ser combatida com a verdade<br />
os Professores tem “privilégios” que devem ser<br />
dos números do próprio Governo, sem a “contabilidade<br />
retirados, mas a verdade é que o próprio Governo é<br />
criativa”, é claro. Você, Servidor Público, sabedor<br />
responsável por este “rombo”, por tirar, irregularmente,<br />
destas mentiras contadas pelo Governo e destas<br />
bilhões e bilhões da Conta Previdência Social para<br />
verdades ditas aqui neste Artigo, não pode aceitar a<br />
pagar Assistência Social (Aposentadoria Rural e<br />
supressão dos seus direitos previdenciários. Junte-se<br />
LOAS), sendo certo que deveria tirar da Conta Tesouro<br />
à <strong>PÚBLICA</strong>, Central do Servidor, para juntos lutarmos<br />
Nacional.<br />
esta batalha em favor da verdade e dos direitos de<br />
aposentadoria e pensão dos Servidores Públicos em<br />
todo o Brasil.<br />
Dados do Governo Federal dão conta de que:<br />
1<br />
2<br />
Aposentadoria Rural (sem contrapartida de recolhimento previdenciário) =<br />
PREJUÍZO para a Previdência Pública de R$ 91 BILHÕES em 2015.<br />
Aposentadoria Urbana (com recolhimento previdenciário) = SUPERÁVIT de<br />
R$ 5,1 BILHÕES em 2015.<br />
ENTREVISTA<br />
SUB-REPRESENTAÇÃO<br />
FEMININA NA POLÍTICA É DESAFIO,<br />
INCLUSIVE PARA ATUAÇÃO DAS<br />
ENTIDADES SINDICAIS<br />
Redação<br />
Giovana Perlin é diretora da Pública, do Sindilegis,<br />
servidora do setor de educação da Câmara dos<br />
Deputados, estudiosa e pensadora a respeito da<br />
inserção da mulher na política. Recentemente, ela<br />
participou do debate “A Mulher no Setor Público”,<br />
promovido pela Pública, e vem fazendo um trabalho<br />
de análise e elucidação das circunstâncias pelas<br />
quais a mulher no Brasil tem ficado de fora dos<br />
processos de representação política de maneira<br />
equilibrada.<br />
A redação do site da Pública tem procurado<br />
abrir espaços para evidenciar temas e ênfases<br />
necessárias na pauta da sociedade e no debate<br />
público. A entrevista abaixo formula considerações<br />
de Giovana sobre a questão da mulher na política.<br />
Giovana Perlin, diretora da Pública,<br />
do Sindilegis e servidora do setor de<br />
educação da Câmara dos Deputados.<br />
Foto: (divulgação).<br />
3<br />
LOAS (sem contrapartida de recolhimento previdenciário) = PREJUÍZO de<br />
R$ 35 BILHÕES para a Conta Previdência Social em 2015.<br />
<strong>PÚBLICA</strong> - A cota de candidatura para mulheres na<br />
campanha eleitoral foi medida insuficiente para<br />
trazer a mulher para a política?<br />
Giovana Perlin: Quase 20 anos depois da vigência<br />
da cota mínima de 30% de candidaturas femininas<br />
em cada partido, e levando em conta que 52% do<br />
eleitorado do país é composto por mulheres, houve<br />
aumento do número de mulheres concorrendo às<br />
vagas, mas não houve mudança em relação ao<br />
número de eleitas. Ou seja, de lá para cá, o resultado<br />
das cotas foi praticamente zero.<br />
Um problema complexo exige soluções complexas.<br />
A mera destinação de vagas para candidaturas não<br />
é suficiente para oportunizar e viabilizar a ocupação e<br />
permanência da mulher na política. Hoje avalio que, como<br />
muitas outras permissões implantadas no Brasil e no<br />
mundo, algumas são meras maquiagens para a realidade<br />
que se impõe. Ou seja, a estrutura institucionalizada da<br />
política possui um formato muito peculiar que só permite<br />
entrar no jogo quem já faz parte do jogo ou quem chega<br />
com capital para jogar. Com isso quero dizer que quando a<br />
cota foi permitida, já se sabia que ela não seria suficiente<br />
para ameaçar o status quo vigente.<br />
Para especialistas e estudiosos, a sub-representação<br />
feminina no cenário político está relacionada a barreiras<br />
impostas dentro dos partidos e não a uma descrença do<br />
eleitorado na capacidade da mulher. Trata-se de mais
16 your magazine<br />
Pública - Central do Servidor<br />
17<br />
um teto de vidro e de uma falácia:<br />
permitiu-se que a mulher adentrasse<br />
em um jogo de cartas marcadas.<br />
<strong>PÚBLICA</strong> - Você que está na Câmara<br />
dos Deputados, dá para testemunhar<br />
que o universo da política é demasiado<br />
masculino?<br />
Giovana Perlin: Sem dúvida e a partir<br />
de diversos ângulos. O mundo da<br />
política foi desenhado pelos homens<br />
para ser ocupado por homens. As<br />
formas de negociação, a mudança de<br />
vocabulário e a falta de transparência<br />
quando uma mulher entra no debate,<br />
a desqualificação da mulher para<br />
tratar de assuntos diversificados,<br />
principalmente quando relacionados a<br />
“hard politics”, a associação reiterada<br />
de temas e papeis tradicionalmente<br />
femininos com as parlamentares,<br />
estão entre os exemplos.<br />
Um exemplo interessante está no<br />
fato de que os homens muitas vezes<br />
fecham acordos ou negócios em<br />
ambientes como restaurantes e<br />
festas, com bebida e mulheres. São<br />
ambientes dos quais, geralmente, as<br />
mulheres são excluídas ou nem são<br />
convidadas a entrar.<br />
<strong>PÚBLICA</strong> - Por outro lado, falta as<br />
lideranças femininas atuação mais<br />
agressiva para estas barreiras serem<br />
quebradas?<br />
Giovana Perlin: Não diria mais<br />
agressiva, mas mais robusta,<br />
preparada e apoiada. As mulheres<br />
são muito qualificadas para falar e<br />
se posicionar em diversos assuntos<br />
e setores, mas para a atuação<br />
política muitas vezes se sentem<br />
desqualificadas.<br />
Outro aspecto importante é que<br />
enquanto a história de envolvimento<br />
político dos homens é construída em<br />
ambientes socialmente masculinos –<br />
empresas, órgãos públicos, cúpulas<br />
sindicais – a das mulheres ou é<br />
construída a partir da história da<br />
família (pai ou marido político), ou<br />
é construída a partir de espaços<br />
tradicionalmente feminilizados, como<br />
“<br />
OS HOMENS MUITAS VEZES<br />
FECHAM ACORDOS OU NEGÓCIOS EM<br />
AMBIENTES COMO RESTAURANTES E<br />
FESTAS, COM BEBIDA E MULHERES. SÃO<br />
AMBIENTES DOS QUAIS, GERALMENTE,<br />
AS MULHERES SÃO EXCLUÍDAS<br />
OU NEM SÃO CONVIDADAS A ENTRAR.”<br />
escolas ou centros comunitários. <strong>PÚBLICA</strong> - Quais os atributos<br />
Isso cria acessos paralelos e<br />
adicionais com os quais a mulher<br />
pode contribuir e fazer a diferença na<br />
desiguais de ingresso na política. gestão pública?<br />
Questões que envolvem decisões Giovana Perlin: Mulheres podem<br />
orçamentárias, investimentos em contribuir de todas as formas. Não<br />
infraestrutura, grandes licitações, penso que a contribuição feminina<br />
legislação agrária ou energética, são seja advinda do que chamam<br />
dominadas pelos homens nas duas<br />
pontas da negociação. São espaços<br />
feminilidade ou atributos relacionados<br />
à maternidade e ao cuidado.<br />
tradicionalmente ocupados por<br />
homens e também considerados mais<br />
importantes. Questões que envolvem<br />
A questão da participação da mulher<br />
é mais relacionada à questão da<br />
cuidados das crianças, educação e participação de qualquer minoria,<br />
família, não possuem grandes polos como os negros. Ninguém faria<br />
de negociação, e são considerados pergunta similar ao movimento negro!<br />
periféricos quando comparados<br />
àqueles que envolvem grandes Queremos entrar no processo, pois<br />
empresários e investimentos.<br />
isso nos é negado hoje, não mais<br />
como um direito que não temos, mas<br />
As mulheres que atuam nos setores como uma limitação invisível. Não<br />
mais valorizados são geralmente vamos contribuir com delicadeza ou<br />
muito absorvidas pelas demandas do<br />
trabalho e da família, e da tentativa<br />
beleza. Isso os homens também têm<br />
e algumas mulheres prescindem!<br />
de conciliar esses mundos. Isso faz<br />
com que não tenham tempo, suporte<br />
e energia para participar das granes<br />
negociações, ou seja, ficam alijadas<br />
do mundo político.<br />
Precisamos contribuir com a nossa<br />
perspectiva. É nosso direito entrar na<br />
festa, mas as portas estão fechadas.<br />
Não é uma questão de como vamos<br />
contribuir. Vamos contribuir da mesma forma como<br />
os homens contribuem. Talvez a melhor diferença<br />
seja que não estamos tão contaminadas com as<br />
regras informais do sistema, ou seja, podemos<br />
implantar novas formas de jogar o jogo político, sem<br />
o ranço acumulado historicamente de corrupção,<br />
improbidade, imoralidade…<br />
<strong>PÚBLICA</strong> - Seria importante a Pública empunhar<br />
esta bandeira de maneira mais efetiva?<br />
Giovana Perlin: A Pública já abraçou esta ideia. Nossa<br />
diretoria possui várias mulheres. Participamos<br />
ativamente, como podemos, das movimentações e<br />
decisões. A Pública foi rascunhada inicialmente por<br />
uma dupla: um homem e uma mulher.<br />
A Pública luta para que haja mais suporte para a<br />
participação de mulheres no movimento sindical<br />
público, principalmente porque as mulheres<br />
servidoras possuem especificidades<br />
que tornam a sua situação ainda<br />
mais dramática em determinados<br />
pontos. Pessoalmente estou muito<br />
empenhada e motivada a ajudar as<br />
mulheres servidoras a participarem<br />
da política.<br />
Mas para isso precisamos avançar na<br />
legislação voltada para a participação<br />
sindical do servidor público. Estamos<br />
trabalhando nisso.<br />
<strong>PÚBLICA</strong> - Seria<br />
importante a Pública<br />
empunhar esta bandeira<br />
de maneira mais<br />
efetiva?<br />
Giovana Perlin: Sem<br />
dúvida. O movimento<br />
sindical público precisa formar,<br />
apoiar e incentivar as lideranças<br />
femininas, fornecendo cuidadores<br />
para os períodos de reuniões<br />
e movimentações, cursos<br />
de formação de lideranças<br />
femininas, apoio e suporte para os<br />
filhos das mulheres sindicalistas,<br />
apoio financeiro, nos casos em<br />
que a instituição não remunera<br />
pelo afastamento para trabalho<br />
sindical, entre outros.<br />
<strong>PÚBLICA</strong> - No mundo tivemos<br />
grandes mudanças em nações,<br />
com a Presidente da Alemanha, Chile e outras, como<br />
no Brasil, além da possível eleição de Hillary Clinton<br />
nos Estados Unidos. É um movimento que sinaliza<br />
esse período de busca de equilíbrio de gênero nas<br />
lideranças públicas?<br />
Giovana Perlin: Sim e não. O que se observa é que<br />
nem sempre uma mulher na liderança significa um<br />
reconhecimento de igualdade de gênero no país. O<br />
fato pode ser meramente circunstancial ou estar<br />
relacionado a um marido ou líder poderoso envolvido<br />
que apenas usou a figura daquela mulher com fins<br />
eleitorais. Temos que avaliar caso a caso. Igualdade<br />
de gênero é um conjunto de indicadores em relação.<br />
Como disse no início da entrevista, trata-se de um<br />
problema complexo. O Brasil é um caso no qual<br />
a eleição de uma mulher para a presidência não<br />
significa igualdade de gênero.
18 Pública - Central do Servidor<br />
Pública - Central do Servidor<br />
19<br />
EQUILÍBRIO DAS<br />
CONTAS <strong>PÚBLICA</strong>S<br />
O planejamento das finanças públicas pressupõe a<br />
aprovação de leis de iniciativa do Poder Executivo,<br />
compreendendo o plano plurianual, as diretrizes<br />
orçamentárias e os orçamentos anuais, em<br />
obediência à Constituição Federal.<br />
A partir de maio de 2000, o planejamento público foi<br />
aperfeiçoado em face da edição da Lei Complementar<br />
nº 101, conhecida como a Lei de Responsabilidade<br />
Fiscal, que enfatizou os mecanismos de<br />
planejamento, equilíbrio e transparência da gestão<br />
pública.<br />
Tudo começa com a aprovação do Plano Plurianual.<br />
Este representa o instrumento de planejamento<br />
público, que tem como finalidade estabelecer as<br />
diretrizes, os objetivos e as metas para as despesas<br />
de capital e outras delas decorrentes e para as<br />
relativas aos programas de duração continuada,<br />
contemplando o período de 4 anos.<br />
As despesas de capital são representadas<br />
basicamente pelos investimentos em obras que<br />
ultrapassam o exercício financeiro, sendo o impacto<br />
medido pela sua implementação. Surgem, daí, as<br />
despesas permanentes resultantes dessas ações<br />
governamentais.<br />
Já os programas de duração continuada são criados<br />
pelo governo para enfrentamento de problemas<br />
diversos conhecidos por intermédio de indicadores.<br />
Em sua essência, os programas de governo<br />
objetivam a solução ou minimização de demandas<br />
sociais.<br />
MOACIR MARQUES DA SILVA<br />
Agente de Fiscalização do TCMSP<br />
Diretor da Escola Superior de Gestão<br />
e Contas Públicas Conselheiro<br />
Eurípedes Sales<br />
Portanto, ao preparar esse plano, o governo deve<br />
conhecer as despesas de custeio para manutenção<br />
das atividades dos órgãos da administração pública,<br />
como por exemplo: despesas com pessoal, juros da<br />
dívida, aquisição de bens de consumo, serviços de<br />
terceiros, manutenção de equipamentos, despesas<br />
com água, energia, telefone etc.<br />
Há que se ressaltar que praticamente a metade<br />
da arrecadação é destinada ao pagamento de<br />
servidores, cujos limites de gastos foram fixados<br />
pela lei de responsabilidade fiscal em 50% da<br />
receita corrente líquida na União e 60% nos Estados<br />
e Municípios.<br />
Em educação, a Constituição Federal determina uma<br />
aplicação mínima de recursos, sendo pelo menos<br />
18% por parte da União e 25% por parte dos Estados<br />
e Municípios.<br />
Sobre os serviços públicos de saúde, a União deve<br />
aplicar o correspondente ao valor empenhado no<br />
exercício financeiro anterior, acrescido do percentual<br />
correspondente à variação nominal do Produto<br />
Interno Bruto; os Estados e o Distrito Federal<br />
devem aplicar, no mínimo, 12% da arrecadação dos<br />
impostos; e os Municípios devem aplicar, no mínimo,<br />
15%.<br />
Após apuração das despesas obrigatórias,<br />
contratuais e administrativas, será possível avaliar<br />
qual a real capacidade de investimento do ente.<br />
Isso significa dizer que, quanto mais enxuto o gasto<br />
de custeio da administração pública ou quanto<br />
mais eficiente a gestão, mais recursos sobram para<br />
os investimentos, inclusive e principalmente para<br />
aqueles de cunho social.<br />
A gestão fiscal responsável pressupõe gastar<br />
somente aquilo que é arrecadado, sob pena de o<br />
gestor incorrer em infrações administrativas ou até<br />
mesmo em crime fiscal, conforme previsto na Lei<br />
Federal 10.028/2000.<br />
E para elaboração do orçamento, o legislador<br />
criou uma peça de planejamento intermediário, de<br />
periodicidade anual, que disciplina a elaboração<br />
da lei orçamentária para o exercício financeiro<br />
subsequente. Trata-se da lei de diretrizes<br />
orçamentárias.<br />
ARTIGO<br />
Nem precisaria dizer que os investimentos e<br />
programas sociais são os mais prejudicados em<br />
caso de queda da arrecadação ou inchaço da<br />
máquina pública pela ineficiência da gestão.<br />
Ao prever metas de resultado para receita e<br />
despesa, a gestão pública passou a ser mais<br />
técnica, portanto dependente de ferramentas de<br />
gerenciamento dos recursos, criando para esse fim,<br />
dentre outras, a figura da limitação de empenho.<br />
Esta tem por objetivo evitar o comprometimento de<br />
recursos acima da capacidade arrecadadora do ente<br />
federado, evitando-se, assim, a geração de déficits e<br />
RUDINEI MARQUES<br />
Vice Presidente <strong>PÚBLICA</strong><br />
Presidente UNACON Sindical<br />
Presidente Fonacate<br />
Votada no Senado em segundo turno nesta terçafeira,<br />
13, a PEC 55/2016, do teto de gastos, implicará<br />
um retrocesso social sem precedentes, e poderá<br />
inviabilizar o serviço público nas próximas décadas.<br />
Em primeiro lugar, a proposta foi concebida de forma<br />
autoritária, praticamente imposta pelas forças de<br />
mercado que dão sustentação ao governo federal,<br />
sem uma ampla discussão com a sociedade e com<br />
os especialistas na matéria. Fortemente abalado<br />
por denúncias de corrupção, e com descrédito<br />
generalizado junto à opinião pública, o governo<br />
Temer vê nessa medida - e em outras tantas de<br />
igual caráter, como a da jornada intermitente, a da<br />
prevalência do negociado sobre o legislado e a da<br />
reforma da Previdência - a tábua de salvação que<br />
poderá conduzi-lo ao final do mandato.<br />
Além disso, é forçoso reconhecer que o Brasil,<br />
apesar de ser um país rico, conta com uma das<br />
piores distribuições de renda do planeta. Poucos<br />
concentram em suas mãos a maior parte da<br />
riqueza nacional. Assim, uma parcela expressiva<br />
da população depende do Estado, vale dizer, de<br />
mantendo as contas equilibradas.<br />
Por fim, a lei orçamentária anual será elaborada em<br />
consonância com as metas e prioridades da lei de<br />
diretrizes orçamentárias, onde todas as despesas e<br />
receitas conhecidas são incluídas, em atendimento<br />
ao princípio da universalidade.<br />
Do exposto, é possível concluir que os<br />
investimentos e programas sociais em favor da<br />
sociedade encontram limite na arrecadação e que a<br />
disponibilidade de recursos depende diretamente da<br />
boa gestão dos gastos de custeio.<br />
PEC DOS GASTOS: RETROCESSO<br />
ARTIGO<br />
SOCIAL E PRIVILÉGIOS<br />
serviços públicos e de programas sociais. Com a<br />
emenda constitucional, haverá uma contenção de<br />
investimentos em áreas como saúde e educação,<br />
reduzindo a proteção social e, por conseguinte,<br />
prejudicando aqueles que mais necessitam de<br />
serviços públicos.<br />
Deve-se observar, ainda que a medida tenha por<br />
objetivo conter o avanço da dívida pública brasileira,<br />
que atualmente atinge patamares exorbitante em<br />
relação ao PIB, que os segmentos que lucram com<br />
essa mesma dívida não foram atacados pela medida.<br />
Ao contrário, serão preservados e não dividirão<br />
a conta do ajuste fiscal. Em suma, enquanto a<br />
sociedade enfrentará duas décadas de restrição de<br />
gastos sociais, as grandes fortunas e a especulação<br />
financeira seguirão amealhando capital e faturando<br />
em cima da terceira maior taxa de juros do planeta.<br />
O governo Temer deveria lembrar que as<br />
manifestações de 2013, que forneceram o<br />
combustível inicial para o afastamento da expresidente<br />
Dilma, cobravam justamente a prestação<br />
de serviços públicos de qualidade.
20 Pública - Central do Servidor<br />
Pública - Central do Servidor<br />
21<br />
ENTREVISTA EXCLUSIVA<br />
COM MARIA LUCIA FATORELLI:<br />
DÍVIDA <strong>PÚBLICA</strong> EM FOCO<br />
A professora e auditora Maria Lúcia Fatorelli denuncia e<br />
desconstrói a estruturação da dívida pública e vetores de<br />
expansão<br />
ENTREVISTA<br />
Redação<br />
A professora e auditora Maria Lúcia Fatorelli tem<br />
ganho protagonismo no Brasil na denúncia e<br />
desconstrução da estruturação da dívida pública e<br />
seus vetores de expansão. De maneira pedagógica,<br />
ela elenca e revela artifícios e vícios de renovação<br />
da dívida e seu aumento, onde o ganho é sempre da<br />
chamada banca financeira. O resultado, segundo<br />
ela, é um sistema de dependência econômica,<br />
sub exploração das riquezas do país, falta de<br />
investimentos públicos e privilégio para o mercado<br />
financeiro, bancos e principais intermediários e<br />
aplicadores.<br />
A revista da <strong>PÚBLICA</strong> solicitou uma entrevista<br />
exclusiva para a fundadora do Movimento da<br />
Auditoria Cidadã da Dívida (www.auditoriacidada.<br />
org.br). Acompanhe a seguir.<br />
obrigação de todos os cidadãos e<br />
cidadãs que tomam conhecimento<br />
dessas irregularidades procurar<br />
contribuir para a mudança desse<br />
cenário, da melhor forma possível.<br />
Temos procurado fazer a nossa<br />
parte, por meio de trabalho voluntário<br />
e participação cidadã efetiva,<br />
dedicando-nos à Auditoria Cidadã da<br />
Dívida.<br />
<strong>PÚBLICA</strong> - Como foi sua experiência<br />
na auditoria da dívida do Equador?<br />
Maria Lúcia Fatorelli: O Equador<br />
é o exemplo internacionalmais<br />
importante de auditoria da dívida<br />
pública, pois além de apresentar<br />
relevantes resultados, provou a<br />
eficiência da ferramenta de auditoria.<br />
Em 2007 o presidente Rafael Correa<br />
editou o Decreto 472, mediante o qual<br />
criou uma comissão para realizar<br />
auditoria da dívida interna e externa<br />
equatoriana, nomeando diversos<br />
membros nacionais equatorianos<br />
e 6 (seis) internacionais. Todos<br />
os membros internacionais eram<br />
vinculados a alguma instituição<br />
relacionada ao questionamento do<br />
endividamento público, por isso tive<br />
a honra de ser uma dessas 6 pessoas,<br />
representando a Auditoria Cidadã da<br />
Dívida. O resultado do trabalho foi<br />
impressionante, pois respaldou o ato<br />
soberano do presidente, que permitiu<br />
a anulação de 70% da dívida externa<br />
em títulos (títulos Global 2012 e<br />
2030). Os recursos liberados têm<br />
sido investidos principalmente em<br />
saúde e educação.<br />
Equador, no período de 2000 a justamente o trabalho relacionado<br />
2011. Observe que a partir de 2007, com a dívida externa junto a<br />
quando o presidente Rafael Correa<br />
assume o poder e cria a comissão de<br />
auditoria, já se percebe uma queda<br />
no volume de recursos destinados<br />
bancos privados internacionais, do<br />
qual participei, que possibilitou a<br />
anulação de parte relevante da dívida<br />
externa equatoriana.<br />
à dívida. Em 2008, logo após a<br />
entrega do relatório, ocorreria o<br />
vencimento de uma grande parcela<br />
de juros. Diante das evidências de<br />
ilegalidades, ilegitimidades e até<br />
No Brasil, a PEC 55 visa impedir<br />
essa inversão de prioridades, na<br />
medida em que insere, no texto da<br />
Constituição Federal, o privilégio<br />
fraudes comprovadas pela auditoria, dos gastos financeiros com a<br />
o presidente suspendeu o pagamento<br />
dos juros e destinou os recursos<br />
dívida, mantendo sob teto rígido,<br />
por 20 anos, todos os investimentos<br />
integralmente para as áreas de necessários ao desenvolvimento<br />
saúde e educação. Pela primeira vez<br />
na história inverteu-se a equação e o<br />
socioeconômico e ao atendimento<br />
dos direitos sociais.<br />
volume destinado aos gastos sociais<br />
superou os gastos com a dívida. <strong>PÚBLICA</strong> - Aqui alegam que a<br />
No ano seguinte - 2009 – quando o<br />
presidente consegue anular 70% da<br />
Auditoria poderia trazer traumas na<br />
capacidade de fluência financeira<br />
dívida externa em títulos, que era do país e ainda mais rejeição<br />
justamente a parcela mais onerosa da comunidade de investidores<br />
da dívida equatoriana, há uma queda<br />
brutal nos gastos com a dívida<br />
internacionais. Tem fundo de verdade<br />
ou não?<br />
e o gastos sociais sobressaem,<br />
mantendo o ritmo crescente.<br />
Maria Lúcia Fatorelli: É evidente<br />
que não. Isso não tem o menor<br />
É importante observar que a partir de<br />
2011 os gastos com a dívida voltam<br />
a crescer, o que mostra que o país<br />
não ficou isolado e continuou tendo<br />
acesso a créditos financeiros.<br />
fundamento. A auditoria se baseia<br />
em dados e documentos oficiais<br />
e deveria ser uma rotina. Aliás, a<br />
sociedade está exigindo isso da<br />
classe política. O que pode justificar<br />
não fazer uma auditoria das nossas<br />
Essa experiência foi extremamente<br />
importante e gratificante, pois foi<br />
contas? Faríamos isso em nossa<br />
casa e em qualquer empresa onde<br />
INVERSIÓN SOCIAL<br />
Evolución Comparada con Respecto a la Deuda Pública<br />
<strong>PÚBLICA</strong> - Porque a Auditoria da Dívida Pública<br />
virou sua principal missão e “cruzada”? Ela<br />
revela os principais desafios e contradições do<br />
modelo do Brasil?<br />
Maria Lúcia Fatorelli: Brasil é um país de<br />
imensas potencialidades. Somos o país da<br />
abundância, sob todos os aspectos, e vivemos<br />
em inaceitável cenário de escassez, amargando<br />
desigualdades sociais e enorme atraso em<br />
nosso desenvolvimento socioeconômico.<br />
Diversos pilares sustentam esse cenário de<br />
escassez, sendo que um dos principais é o Sistema<br />
da Dívida, isto é, a utilização do instrumento<br />
do endividamento público à avessas, escoando<br />
continuamente grandes volumes de recursos<br />
para o setor financeiro privado, ao invés de<br />
aportar recursos viabilizadores de investimentos<br />
importantes para o país e a sociedade.<br />
A realização da auditoria da dívida pública é<br />
fundamental para desmascarar esse desvio e<br />
modificar esse cenário. Entendemos que é uma<br />
A auditoria permitiu uma inversão<br />
nos gastos governamentais, o<br />
que possibilitou a erradicação do<br />
analfabetismo, a multiplicação<br />
dos salários dos professores, a<br />
recuperação do sistema de saúde<br />
pública que já não existia no país,<br />
além da realização de diversos<br />
investimentos geradores de emprego.<br />
O gráfico ao lado mostra o<br />
comportamento dos investimentos<br />
sociais em comparação com os<br />
gastos com a dívida pública no
22 Pública - Central do Servidor<br />
Pública - Central do Servidor<br />
23<br />
quiséssemos garantir bons frutos.A<br />
auditoria irá garantir a transparência<br />
dos registros e negociações que<br />
envolvem a chamada dívida pública<br />
e, aliás, a transparência é um preceito<br />
constitucional que deve reger todo<br />
ato público. É uma questão de<br />
respeito com quem está pagando<br />
essa elevada conta.<br />
A dívida pública brasileira nunca<br />
foi auditada, como determina a<br />
Constituição Federal, e, conforme<br />
denunciado inclusive por Comissões<br />
do Congresso Nacional, é repleta de<br />
indícios de ilegalidade, ilegitimidade<br />
e até fraudes, tais como a suspeita<br />
de renúncia à prescrição, diversas<br />
transformações de passivos<br />
privados em dívidas públicas, além<br />
de mecanismos financeiros que<br />
geram dívida sem contrapartida<br />
alguma ao país ou à sociedade,<br />
a exemplo das escandalosas<br />
operações de swap cambial e<br />
operações compromissadas, antes<br />
mencionadas.<br />
Absurdo é continuarmos pagando<br />
“dívidas” fraudulentas às custas<br />
de tantas vidas e do atraso<br />
socioeconômico do nosso país.<br />
Absurdo é não sabermos quem são<br />
os beneficiários de quase a metade<br />
do orçamento federal, pois todas as<br />
operações da dívida são sigilosas.<br />
Absurdo é manter intocável essa<br />
chamada dívida que tem servido de<br />
justificativa para todo esse pacote<br />
de medidas (PEC 55, PLP 257, PEC da<br />
DRU, contrarreforma da Previdência,<br />
Privatizações etc.) e sequer sabemos<br />
com certeza que dívida é essa, como<br />
ela surgiu e cresceu. A realização da<br />
auditoria é urgente.<br />
Os que alegam risco de traumas<br />
temem a realização da auditoria, pois<br />
esta irá comprovar que o instrumento<br />
de endividamento público está<br />
funcionando de forma fraudulenta,<br />
utilizando mecanismos que geram<br />
obrigações financeiras onerosas,<br />
sem contrapartida alguma ao país<br />
ou à sociedade, e ainda transferem<br />
recursos ao setor financeiro,<br />
provocando danos patrimoniais,<br />
econômicos, financeiros e sociais ao país.<br />
É muito importante perceber que muitos querem desqualificar a auditoria<br />
porque não querem a transparência. Precisamos que fazer o que é correto,<br />
buscar a verdade. O setor financeiro, que está dominando o mundo todo, faz<br />
um verdadeiro terrorismo contra a auditoria, alegando que sua realização<br />
provocaria consequências drásticas... Ora, isso não tem o menor sentido.<br />
Ademais, se estivesse tudo correto em relação à chamada dívida pública,<br />
por que não realizar a auditoria? É evidente que temem a revelação das<br />
irregularidade e fraudes que têm garantido a transferência de imensos<br />
volumes de recursos ao setor financeiro.<br />
Estatísticas do próprio Banco Central demonstram que em 2015, apesar da<br />
desindustrialização, da queda no comércio, do desemprego e da retração do<br />
PIB em quase 4%, o LUCRO DOS BANCOS foi 20% superior ao de 2014, e teria<br />
sido 300% maior não fossem as exageradas provisões feitas pelos bancos,<br />
que atingiram R$ 183,7 bilhões , procedimento que ainda por cima reduz seus<br />
lucros tributáveis.<br />
A PEC 55 vai aumentar ainda mais o privilégio dos bancos, pois ela visa<br />
aumentar a gastança financeira com a chamada dívida pública que beneficia<br />
principalmente o setor financeiro.<br />
LUCRO DOS BANCOS (R$ bilhões)<br />
<strong>PÚBLICA</strong> - A dívida pública brasileira<br />
deu enorme salto nestes últimos 10<br />
anos. Qual o motivo pelo qual isso<br />
ocorreu?<br />
R$1,252 trilhão. Conforme publicado<br />
pelo Banco Central, só em 2015 o<br />
estoque de títulos da dívida interna<br />
aumentou R$ 732 bilhões, saltando<br />
de R$3,204 trilhões para R$3,937<br />
Maria Lúcia Fatorelli: De fato. A trilhões, em apenas 11 meses de 2015<br />
dívida pública tem crescido de (31/01 a 31/12/2015), como pode<br />
forma exponencial, principalmente a<br />
interna(DPMFi). Em 2005, o estoque<br />
ser conferido na primeira coluna do<br />
quadro reproduzido a seguir.<br />
de títulos da dívida interna estava em<br />
Quadro XXXVI - Títulos públicos federais<br />
Esse crescimento brutal do estoque da Dívida Interna, de R$3,204 trilhões para R$3,937 trilhões, em apenas 11 meses<br />
de 2015, deveu-se à destinação de recursos para cobrir operações ILEGAIS, tais como:<br />
Pagamento de juros abusivos e contabilização de juros<br />
como se fosse amortização (o que é inconstitucional,<br />
pois fere o Art. 167, III, da Constituição Federal, o qual<br />
impede a emissão de títulos da dívida para pagar<br />
despesas correntes, como salários e juros por exemplo);<br />
Cabe ressaltar que o volume de investimentos ficou<br />
limitado a apenas R$ 9,6 bilhões em 2015, o que confirma<br />
que todo esse crescimento do estoque da dívida foi<br />
consumido nas referidas operações que retroalimentam<br />
o Sistema da Dívida.<br />
Em geral, as pessoas acreditam que a dívida pública<br />
corresponde ao que aprendemos na teoria, isto é,<br />
Remuneração da sobra de caixa dos bancos (por meio abrangeria recursos recebidos em decorrência de<br />
das operações compromissadas que chegaram perto<br />
de R$ 1 trilhão em 2015, ou seja, quase 20% do PIB), e<br />
empréstimos contraídos pelo Estado. Caso tivéssemos<br />
recebido a montanha de recursos equivalentes ao<br />
vultoso crescimento da dívida verificado em 2015 (R$<br />
732 bilhões), não estaríamos enfrentando crise alguma.<br />
Não recebemos esses recursos. Eles foram aplicados na<br />
Prejuízos do Banco Central com operações de retroalimentação dos mesmos mecanismos que geraram<br />
swap cambial (ilegais, conforme TC-012.015/2003- ainda mais dívida pública e decorrem principalmente<br />
0: “Não há, na Lei n.º 4.595/64 ou em outra legislação,<br />
dispositivo que autorize o Banco Central a atuar no<br />
ramo de seguros ou que o autorize a assumir posições<br />
de agente segurador de capital, muito menos a<br />
especular com variações cambiais, assumindo posições<br />
da política monetária suicida exercida pelo Banco<br />
Central. Recomendo a leitura do artigo “O Banco Central<br />
está suicidando o Brasil”, disponível em: http://www.<br />
gazetadopovo.com.br/opiniao/artigos/o-banco-centralesta-suicidando-o-brasil-dh5s162swds5080e0d20jsmpc<br />
que podem dar muito lucro ou muito prejuízo.”).
24 Pública - Central do Servidor<br />
Pública - Central do Servidor<br />
25<br />
<strong>PÚBLICA</strong> - Hoje o Brasil não deve<br />
mais ao FMI. Isso foi positivo,<br />
negativo ou a dívida pública estar<br />
com particulares, ou instituições, é<br />
indiferente?<br />
Maria Lúcia Fatorelli: Apesar do<br />
pagamento ao FMI em 2005, o<br />
Brasil continua submetendo-se<br />
às suas determinações de forma<br />
abrangente. O modelo econômico<br />
aplicado no país tem sido um dos<br />
principais sustentáculos do cenário<br />
de escassez, cabendo ressaltar a sua<br />
histórica submissão à imposição de<br />
medidas impostas por organismos<br />
internacionais – Banco Mundial e<br />
Fundo Monetário Internacional -<br />
que interferem em todas as áreas<br />
- financeira, tributária, agrícola,<br />
mineral, ambiental, investimentos<br />
sociais.<br />
No caso do Banco Mundial, essa<br />
interferência se dá desde os anos<br />
70, por meio de projetos que<br />
alcançam todas as áreas tanto em<br />
âmbito federal como estadual e até<br />
em diversos municípios:Educação;<br />
Saúde; Previdência; Modelo<br />
Tributário; Moradia; Saneamento;<br />
Água; Meio ambiente; Agricultura;<br />
Modernização de entidades públicas,<br />
ministérios, secretarias de governo;<br />
Mineração, Florestas e demais<br />
recursos naturais. Contraímos<br />
dívidas externas em todas as<br />
esferas e permitimos que o Banco<br />
Mundial tenha acesso a informações<br />
estratégicas.<br />
O FMI tem influenciado de maneira<br />
expressa as decisões econômicas<br />
adotadas no Brasil desde o início<br />
dos anos 80, quando foi assinada<br />
a primeira Carta de Intenções.<br />
Desde então, o impedimento para<br />
a realização de investimentos nas<br />
empresas estatais estratégicas<br />
e lucrativas, seguida de pressão<br />
para a privatização das mesmas;<br />
a adoção de juros elevados e uma<br />
série de medidas em todas as áreas<br />
da economia, além da exigência de<br />
negociações absurdas da dívida<br />
pública têm sido uma constante<br />
por parte do FMI. Já pagamos<br />
o que devíamos ao Fundo e até<br />
emprestamos US$10 bilhões, mas<br />
seguimos, de forma contraditória e<br />
ilógica, curvados aos seus ditames.<br />
Documentos comprovam a<br />
interferência do FMI por meio<br />
de recomendações, seguidas de<br />
monitoramento até a implantação,<br />
relacionadas a uma série de políticas<br />
que invariavelmente servem a<br />
interesses do setor financeiro<br />
nacional e internacional, por<br />
exemplo:<br />
de títulos da dívida interna estava em<br />
R$1,252 trilhão. Conforme publicado<br />
pelo Banco Central, só em 2015 o<br />
estoque de títulos da dívida interna<br />
aumentou R$ 732 bilhões, saltando<br />
de R$3,204 trilhões para R$3,937<br />
trilhões, em apenas 11 meses de 2015<br />
(31/01 a 31/12/2015), como pode<br />
ser conferido na primeira coluna do<br />
quadro reproduzido a seguir.<br />
Implantação de contrarreformas<br />
que retiram direitos sociais e<br />
aumentam os privilégios financeiros,<br />
como a da Previdência;<br />
Aprovação de lei assegurando a<br />
independência do Banco Central, o<br />
que significa sua privatização;<br />
Adoção de regime de metas de<br />
inflação baseada em juros elevados<br />
e restrição da base monetária, o<br />
que não serve para controlar a<br />
inflação que existe no Brasil e tem se<br />
prestado a amarrar os investimentos<br />
produtivos e transferir grande volume<br />
de recursos ao setor financeiro;<br />
Redução da presença de bancos<br />
públicos e aumento da participação<br />
da banca estrangeira; entre várias<br />
outras.<br />
Sob a interferência desses<br />
organismos internacionais, todo<br />
o modelo econômico se volta aos<br />
interesses financeiros. Quando<br />
compreendemos essa subserviência,<br />
entendemos porque certas políticas<br />
aparentemente ilógicas são adotadas<br />
e permanecem ao longo de distintos<br />
governos, especialmente no que se<br />
refere ao modelo tributário, à política<br />
monetária e ao Sistema da Dívida.<br />
<strong>PÚBLICA</strong> - Porque a dívida<br />
pública brasileira, sendo<br />
inferior proporcionalmente ao<br />
PIB comparando com países<br />
desenvolvidos, é um fator tão<br />
determinante assim?<br />
Maria Lúcia Fatorelli: Em primeiro<br />
lugar porque tem sido gerada por<br />
mecanismos financeiros sem<br />
contrapartida alguma ao país ou à<br />
sociedade, como antes mencionado,<br />
e, adicionalmente, porque o Brasil<br />
pratica as taxas de juros mais<br />
elevadas do planeta. É um processo<br />
insustentável; uma sangria que faz<br />
com que o Brasil, um dos países<br />
mais ricos do mundo, seja um dos<br />
mais injustos em termos de direitos<br />
humanos e sociais.<br />
<strong>PÚBLICA</strong> - O processo da dívida<br />
pública é histórico ou é algo que<br />
ficou perverso mais recentemente?<br />
Maria Lúcia Fatorelli: É histórico,<br />
e vem se tornando cada vez mais<br />
perverso. Historicamente, a dívida<br />
pública não tem funcionado como<br />
instrumento de financiamento, mas<br />
como o que denominamos Sistema<br />
da Dívida, conforme alguns exemplos<br />
que podemos mencionar:<br />
Por ocasião da declaração de<br />
nossa independência a “dívida”<br />
herdada de Portugal já constituiu a<br />
prática do Sistema da Dívida, pois<br />
assumimos a obrigação de pagar a<br />
dívida à Inglaterra, porém, o dinheiro<br />
nunca chegou aqui, caracterizandose<br />
a ausência de contrapartida;<br />
Na década de 30, a auditoria<br />
da dívida externa feita por Getúlio<br />
Vargas provou que apenas 40% do<br />
estoque estava documentado por<br />
contratos, o que permitiu rever tanto<br />
o estoque como o fluxo de recursos<br />
que eram transferidos do país,<br />
abrindo espaço para o avanço de<br />
conquistas sociais e econômicas;<br />
Na década de 70, a análise dos contratos<br />
disponibilizados à CPI da Dívida Pública (realizada<br />
na Câmara dos Deputados em 2009/2010)<br />
verificou que os mesmos não comprovaram nem<br />
20% da evolução do estoque da dívida externa<br />
com bancos privados internacionais naquela<br />
fase da Ditadura Militar, ou seja, restaram sem<br />
comprovação cerca de 80% do estoque da dívida<br />
externa;<br />
Na década de 80, dívidas do setor privado<br />
(nacional e internacional instalado no país)<br />
foram transferidas a cargo do Banco Central do<br />
Brasil, que se tornou “devedor”, embora não tenha<br />
recebido um centavo. Novamente a atuação do<br />
Sistema da Dívida.<br />
Em 1992, há forte suspeita de prescrição<br />
da dívida externa com bancos privados<br />
internacionais, o que significa um crime de lesa<br />
pátria. Apesar dos fortes indícios, isso nunca foi<br />
investigado.<br />
Em 1994, a mesma dívida externa com bancos<br />
privados internacionais suspeita de prescrição<br />
foi transformada em títulos da dívida externa, no<br />
chamado Plano Brady, realizado em Luxemburgo.<br />
Logo em seguida esses títulos foram utilizados<br />
como moeda para comprar empresas privatizadas<br />
e também foram trocados por novos títulos tanto<br />
da dívida interna como externa.<br />
Ainda na década de 90, várias operações<br />
geraram dívida pública, como os escandalosos<br />
salvamentos bancários por meio dos esquemas<br />
PROER e PROES, por exemplo.<br />
Historicamente, todo o processo foi agravado<br />
pela aplicação de juros elevadíssimos e<br />
mecanismos financeiros que geram dívida, como<br />
a remuneração sobra caixa dos bancos, swap<br />
cambial, contabilização de juros como se fosse<br />
amortização, anatocismo, prejuízos do Banco<br />
Central etc.<br />
Diante dessa sangria histórica de recursos,<br />
cabe perguntar: até quando vamos aceitar<br />
submeter todo o país ao Sistema da Dívida?<br />
<strong>PÚBLICA</strong> - A colocação de papéis da dívida, via<br />
Tesouro Direto, foi uma iniciativa boa para gerar<br />
relação direta entre mercado e o Tesouro ou não<br />
muda nada?<br />
Maria Lúcia Fatorelli: O Tesouro Direto cria a<br />
impressão de que a dívida pública é um negócio<br />
correto, pois qualquer um pode acessar e comprar.<br />
E, de fato, essa pode ser considerada uma parte<br />
legítima da dívida, pois efetivamente entregamos<br />
recursos para a compra dos títulos, no entanto, ele<br />
não é direto. Basta entrar no site do Tesouro para<br />
comprar um título que seja. Você vai chegar numa<br />
tela em que vai ter que escolher uma instituição<br />
financeira. E essa instituição financeira vai te<br />
cobrar uma comissão que não é barata.<br />
A compra direta de títulos leiloados pelo Banco<br />
Central só pode ser feita pelo seleto grupo de<br />
instituições denominadas dealers. São eles que<br />
participam dos leilões e ditam as taxas de juros,<br />
pois só compram os títulos quando os juros<br />
alcançam o patamar que desejam. Esse modelo<br />
constitui um verdadeiro abuso e uma submissão<br />
inaceitável das autoridades monetárias do país.<br />
Chega a ser uma vergonha.<br />
É por isso que, invariavelmente, os títulos vêm<br />
sendo vendidos muito acima da<br />
Selic [taxa básica de juros]. Em 2012, quando a<br />
Selic chegou a 7,25%, os títulos chegaram a ser<br />
vendidos com taxas de juros superiores a 10%.<br />
Além disso, os dealers sempre compram os títulos<br />
com deságio. Se o título vale 1000 reais, ele compra<br />
por 960 reais ou até menos, depende da pressão<br />
que ele quer impor ao governo.<br />
Veja a diferença. Se você compra no Tesouro<br />
Direto, você não vai ter desconto. Pelo contrário,<br />
você vai ter que pagar uma comissão. E você<br />
também não vai mandar nos juros. É uma operação<br />
totalmente distinta da operação direta de verdade<br />
que acontece lá no leilão dos bilhões de títulos<br />
pelo Banco Central.
26 Pública - Central do Servidor<br />
Pública - Central do Servidor<br />
27<br />
<strong>PÚBLICA</strong> - Hoje o Brasil paga quanto do seu orçamento de juros e o quanto isso impacta nos investimentos públicos?<br />
Maria Lúcia Fatorelli: Em 2015, conforme dados do SIAFI, foram destinados à dívida pública 42,43% do Orçamento Geral<br />
da União, ou seja, R$ 962.210.391.323,00, conforme gráfico a seguir.<br />
Orçamento Geral da União 2015 (Executado) Total = R$ 2,268 trilhão<br />
Nós somamos o valor dos juros e amortizações<br />
informados no SIAFI, tendo em vista a constatação<br />
de irregular contabilização de grande parte dos<br />
juros como se fosse amortização.<br />
Conforme quadro seguinte, o SIAFI indica o<br />
valor de R$ 208,36 bilhões para o pagamento da<br />
despesa com “Juros e Encargos da Dívida” e o<br />
valor de R$ 753,85 bilhões para o pagamento de<br />
“Amortizações/Refinanciamento da Dívida”:<br />
Caso o valor de R$753,85 bilhões indicado no<br />
SIAFI tivesse sido empregado em “Amortização”,<br />
o estoque da dívida teria caído fortemente,<br />
certo? Caso tivesse sido empregado somente<br />
no “Refinanciamento” (também chamado de<br />
“rolagem”, ou seja, a troca de dívida que está<br />
vencendo por outra), o estoque da dívida teria<br />
se mantido constante, certo? No entanto, o que<br />
ocorreu com o estoque da dívida interna em 2015?<br />
LOA 2015 – Execução Orçamentária por Grupo Natureza de Despesa – GND<br />
Conforme publicado pelo Banco<br />
Central, em 2015 o estoque de títulos<br />
da dívida interna aumentou R$ 732<br />
bilhões, saltando de R$3,204 trilhões<br />
para R$3,937 trilhões, em apenas 11<br />
meses de 2015 (31/01 a 31/12/2015),<br />
como antes mencionado. Constatase,<br />
portanto, que a dívida não foi<br />
amortizada e nem simplesmente<br />
rolada ou refinanciada, mas, ao<br />
contrário, cresceu fortemente em<br />
2015. Isso ocorre porque grande<br />
parte dos juros nominais está<br />
sendo contabilizada como se fosse<br />
amortização.<br />
Desde a CPI da Dívida Pública<br />
concluída em 2010 , temos<br />
denunciado esse procedimento,<br />
que constitui uma “mega pedalada<br />
fiscal” e vem sendo adotado desde<br />
o Plano Real, quando a atualização<br />
monetária automática foi, em tese,<br />
abolida.<br />
Esse procedimento é ilegal e tem<br />
permitido tratamento privilegiado<br />
aos gastos com juros, ao mesmo<br />
tempo em que promove o<br />
crescimento exponencial do estoque<br />
da dívida interna, além de significar<br />
uma afronta direta à Constituição<br />
Federal especificamente o art. 167,<br />
III, conhecido como “regra de ouro”.<br />
Assim, considerando que o valor<br />
indicado na rubrica “Juros e<br />
Encargos da Dívida Pública” do SIAFI<br />
corresponde apenas a uma parte<br />
dos juros nominais, sendo que a<br />
outra parte dos juros está embutida<br />
na rubrica “amortização” ou<br />
“refinanciamento”, e tendo em vista<br />
que não existe a devida transparência<br />
em relação a esse cálculo paralelo,<br />
não há outra alternativa senão
28 Pública - Central do Servidor<br />
Pública - Central do Servidor<br />
29<br />
TV DO SERVIDOR PÚBLICO<br />
MAIS UMA INOVAÇÃO DA <strong>PÚBLICA</strong><br />
somarmos as rubricas “Juros” e “Amortizações<br />
e Refinanciamento”, a fim de indicar o montante<br />
destinado a gastos com a dívida pública.<br />
A PEC 55 irá agravar ainda mais essa ilegalidade,<br />
na medida em que estabelece teto somente para as<br />
despesas primárias por 20 anos, a fim de aumentar<br />
ainda mais a destinação de recursos para a<br />
chamada dívida pública que nunca foi auditada.<br />
<strong>PÚBLICA</strong> - Essa situação nossa é similar à de<br />
países com dívidas similares ou tem peculiaridades<br />
próprias?<br />
Maria Lúcia Fatorelli: O Sistema da Dívida já foi<br />
identificado em diversos países, porém:<br />
Nenhum país do mundo pratica taxas de juros<br />
tão elevadas como a brasileira;<br />
Nenhum país do mundo enxuga liquidez<br />
(operações compromissadas) com títulos que<br />
remuneram diariamente a taxas tão elevadas<br />
como o Brasil, e em patamar que alcança quase<br />
20% do PIB;<br />
Nenhum país do mundo realiza swap cambial<br />
em moeda própria e transfere centenas de bilhões<br />
de reais de prejuízo para a conta dos juros da<br />
dívida;<br />
Nenhum país do mundo acumulou tamanho<br />
volume de reservas cambiais às custas da<br />
emissão de dívida interna com os juros mais<br />
elevados do mundo;<br />
Nenhum país do mundo garante lucros tão<br />
elevados ao setor financeiro, como o Brasil;<br />
Nenhum país do mundo inseriu, no texto<br />
constitucional, o impedimento aos avanços dos<br />
investimentos sociais e econômicos por período<br />
de 20 anos (!) para privilegiar os gastos com a<br />
dívida.<br />
Esses são apenas alguns exemplos de como o que<br />
ocorre no Brasil é um abuso inigualável.<br />
Adicionalmente, constatamos novo esquema de<br />
geração de dívida pública, mediante a utilização<br />
de novas empresas estatais não dependentes que<br />
emitem debêntures. Trata-se de esquema ilegal,<br />
fraudulento, semelhante ao que foi utilizado na<br />
Europa e quebrou a Grécia e outros países, no<br />
entanto, o formato utilizado no Brasil é ainda<br />
mais escandaloso, pois possibilita remuneração<br />
abusiva, superior a 20% ao ano. Não há nada<br />
similar no mundo!<br />
<strong>PÚBLICA</strong> - Qual sua visão para a dívida pública<br />
poder ter uma solução, do ponto de vista de ruptura<br />
ou não ruptura? O quando dela pode ser “tóxica”, de<br />
origem questionável?<br />
Maria Lúcia Fatorelli: As diversas investigações<br />
realizadas inclusive por comissões do Congresso<br />
Nacional comprovaram graves indícios de<br />
ilegalidade, ilegitimidade e até fraudes na geração<br />
da chamada dívida pública brasileira, como já<br />
mencionado.<br />
A nossa bandeira é a realização de completa<br />
auditoria dessa dívida, desde a sua origem, com<br />
participação popular. A partir dessa auditoria será<br />
possível traçar um plano de ação.<br />
Atualmente estamos agindo no escuro, sem o<br />
devido conhecimento dessa dívida, e, apesar dos<br />
graves indícios de irregularidades, seguimos<br />
priorizando o seu pagamento e dos juros mais<br />
elevados do mundo de forma absurda, chegando<br />
ao cúmulo de inserir esse privilégio no texto<br />
constitucional, amarrando, 20 anos(!), toda a<br />
possibilidade de desenvolvimento socioeconômico<br />
e jogando o país em retrocesso inimaginável, para<br />
que sobre mais recursos ainda para o pagamento<br />
de juros da chamada dívida...<br />
Diversas entidades da sociedade civil estão<br />
abraçando esse tema e o povo está acordando.<br />
Sem dúvida veremos mudanças profundas nesse<br />
inaceitável cenário atual, comandado por políticos<br />
em grande parte denunciados e financiados pelo<br />
setor financeiro e grandes corporações que se<br />
alimentam do Sistema da Dívida.<br />
O que é?<br />
A Pública está lançando o projeto da TV DO SERVIDOR PÚBLICO. É um projeto<br />
inédito, pioneiro e inovador. Vai colocar a comunicação nacional e integrada do<br />
servidor público em todo país em um novo patamar, de audiência, geração de<br />
conteúdo e como ação política.<br />
É uma TV Online em plataforma de web, com programação 24 hs, e ao mesmo tempo disponibilidade de todos os<br />
programas produzidos, de acordo com as entidades, conteúdos e categorias.<br />
A qualquer hora do dia, no celular, no computador, no tablet ou notebook, poderão ser assistidos nesta mesma<br />
plataforma programas produzidos por segmentos do Executivo, do Legislativo ou do Judiciário, de diversos Estados e<br />
municípios brasileiros.<br />
Essa ação permitirá que servidores de qualquer local do país pautem seus conteúdos e questões<br />
para seus colegas de todo Brasil.<br />
Ação Política<br />
A TV DO SERVIDOR PÚBLICO fará transmissões ao vivo de Brasília, debates<br />
e talk shows ao vivo, usando linguagem simples e própria para a internet<br />
e o mundo digital, abrindo janela para manifestações de agentes políticos,<br />
lideranças, parlamentares e analistas.<br />
Tudo sob o prisma das melhorias desejadas ao Estado brasileiro, ao avanço da<br />
sociedade, a serviço de demandas de carreiras do serviço público e do próprio<br />
serviço público.<br />
Tal volume de intervenções, temas e debates, servirá como espaço de ação<br />
política junto a Governo, Congresso e imprensa.<br />
Modernização da Comunicação Sindical<br />
A TV DO SERVIDOR PÚBLICO será uma poderosa ferramenta em prol da<br />
comunicação e assertividade política dos servidores públicos como um<br />
todo, estejam suas entidades filiadas a Pública, Central do Servidor ou não.<br />
Pois como veículo de comunicação será apartidário e plural, espelhando o<br />
contraditório natural.<br />
A TV emerge como instrumento moderno do mundo digital, utilizando-se do<br />
audiovisual como o meio mais convergente de audiência de nossos tempos.<br />
Utiliza-se assim de uma linguagem das gerações X, Y e Z, em um esforço de<br />
captação de corações e mentes da sociedade conectada.
30 Pública - Central do Servidor<br />
Pública - Central do Servidor<br />
31<br />
ARTIGO<br />
MERITOCRACIA<br />
& DEMOCRACIA<br />
ALEX CANUTO<br />
Presidente da Associação Nacional dos<br />
Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental (ANESP),<br />
Bacharel em Direito pela USP e Mestre em Public Policy pela Hertie School of Governance de Berlin<br />
Meritocracia é a junção do latim meritum com<br />
o grego cracia, cujo significado literal é “poder<br />
do mérito”, e que designa um sistema sócioeconômico<br />
que toma o resultado da ação humana<br />
de cada indivíduo como critério organização<br />
social, que valoriza o fruto do trabalho de cada<br />
pessoa com base nas suas habilidades pessoais<br />
e no seu esforço. Esse reconhecimento do direito<br />
do indivíduo ao fruto do seu trabalho tende a<br />
estimular o empreendedorismo, o desenvolvimento<br />
tecnológico, e a produtividade, gerando benefícios<br />
para toda a sociedade.<br />
A meritocracia não substitui a democracia, mas<br />
coexiste com ela. Assim como os poderes executivo,<br />
legislativo e judiciário constituem um sistema<br />
de freios e contrapesos, para que os próprios<br />
poderes controlem mutuamente possíveis abusos,<br />
democracia (“poder do povo”) e meritocracia<br />
constituem um novo patamar de checks-andbalances,<br />
mais sofisticado que a tradicional<br />
tripartição de poderes, que dá mais desenvoltura<br />
e eficiência à ação do Estado, contrabalanceando<br />
representatividade e produtividade.<br />
Dentro da máquina pública, há espaços de poder<br />
que devem ser eminentemente democráticos<br />
e representativos de um lado, tais como o<br />
Parlamento, e de outro aqueles que devem<br />
priorizar a produtividade. É nestes últimos onde<br />
se opera a aplicação da lei, a gestão pública,<br />
a prestação de serviços à sociedade; onde ser<br />
requer conhecimento para otimização de recursos,<br />
para melhor aplicação das leis produzidas pelas<br />
instâncias representativas. E esses espaços de<br />
aplicação das leis e dos recursos públicos devem<br />
priorizar a meritocracia, sob pena de entrarem em<br />
um círculo vicioso de ineficiência.<br />
Por isso que o Poder Judiciário é um espaço<br />
eminentemente meritocrático, no qual a investidura<br />
de seus membros se dá por uma avaliação de mérito,<br />
conhecida como concurso público. E por isso que<br />
o Poder Executivo é uma espécie de meio termo,<br />
no qual apenas o seu chefe e seu substituto direto<br />
são escolhidos por um mecanismo democrático,<br />
conhecido como eleições, mas depende de um<br />
grande contingente de mão-de-obra especializada<br />
para gerir a gigantesca máquina pública sob seu<br />
comando. Este contingente é, ou pelo menos<br />
deveria ser, investido em cargos públicos por<br />
critérios meritocráticos.<br />
Quando a meritocracia surge e começa a ganhar<br />
força no debate público brasileiro, ainda em fins do<br />
século passado, logo fica claro que sua aplicação ao<br />
serviço público propiciaria ganhos de gestão. Com<br />
ela, é possível fazer florescer um modelo de gestão<br />
de competências baseado em reconhecimento do<br />
esforço, da capacidade e da produtividade de cada<br />
servidor ou servidora como critério essencial para<br />
investidura em cargos públicos e em posições de<br />
liderança.<br />
É somente com o formação de uma comunidade<br />
meritocrática dentro e entorno do serviço<br />
público nas últimas décadas, que começou-se a<br />
se desenhar uma alternativa de substituição ao<br />
patrimonialismo, nepotismo, ao aparelhamento<br />
do Estado e ao clientelismo (que vou chamar de<br />
PNAC). E é justamente por se contrapor a essas<br />
vanguardas do atraso que a meritocracia vem se<br />
consolidando nas últimas décadas. Quem tem a<br />
ganhar com isso é toda a sociedade, que tende a<br />
ter um Estado mais eficiente, gerido por pessoas<br />
capazes e motivadas, e que preste serviços<br />
públicos com mais qualidade.<br />
Contudo, na medida em que as instituições<br />
meritocráticas vêm se fortalecendo e ocupando os<br />
espaços antes dominados pelas forças do atraso,<br />
estas começam a reagir. Uma vez que é difícil<br />
construir um discurso que justifique nomeação de<br />
apadrinhados ou captura da máquina pública, os<br />
opositores da meritocracia traçam uma estratégia<br />
que a ataca por outro flanco, associando-a à ideia de<br />
elitismo, atacando não com argumentos que tentem<br />
justificar o PNAC, mas apelando para a ideologia<br />
da ação afirmativa, que quase sempre se traduz em<br />
cotas para determinados grupos sociais de ocasião<br />
ocuparem espaços públicos e políticos, sob os mais<br />
variados pretextos de representatividade. Isso<br />
provocou um deslocamento do debate, que antes<br />
era de “meritocracia x PNAC”, para “meritocracia<br />
x cotas”, como se estes últimos fossem conceitos<br />
antagônicos e inconciliáveis. Mas não são, pois<br />
meritocracia só é antagônica ao PNAC.<br />
Tentar fazer com que os espaços de gestão de<br />
leis e de recursos públicos sejam investidos<br />
eminentemente por representatividade é uma<br />
distorção tão grande como pretender que a<br />
investidura de representantes do povo em um<br />
Parlamento seja feita por mérito e não por voto,<br />
por concurso e não por eleições. Nesse sentido,<br />
também é falacioso acreditar que simplesmente<br />
a representatividade (seja baseada em votos ou<br />
em cotas) irá gerar uma melhor produtividade<br />
dos serviços prestados pelo Estado, pois não há<br />
relação de causa e efeito entre esses fatores.<br />
O fato de um indivíduo representar um segmento<br />
social não o faz mais competente para o exercício<br />
de uma função pública, apenas o faz porta-voz<br />
deste segmento. Nesse sentido, a investidura<br />
de agentes públicos por representatividade não<br />
os estimula a ser mais produtivos, mas apenas a<br />
tentar manter ou ampliar sua representatividade.<br />
Isso pode até gerar mais debates, mas não gera<br />
mais resultados. Não por acaso, esse argumento<br />
da representatividade tem sido historicamente<br />
usado no Brasil para lotear o Estado, distribuindo<br />
cargos às forças políticas que dão sustentação<br />
a cada governo do nosso presidencialismo de<br />
coalização, nas três esferas federativas. Tudo de<br />
forma proporcionalmente representativa da força<br />
de cada grupo político.<br />
Por tudo isso, é preciso posicionar adequadamente<br />
este debate, definido claramente quem são as<br />
forças antagônicas retrógadas que obstruem<br />
a consolidação da meritocracia. Esta não se<br />
estabelece se não for contrabalanceada por<br />
uma democracia forte, sob pena de se converter<br />
em aristocracia e em seguida se deturpar numa<br />
oligarquia, na linha de evolução dos ciclos de<br />
poder de Maquiavel. Por fim, meritocracia pode e<br />
deve coexistir com democracia, mas não há como<br />
coexistir com ditaduras (sejam militares ou do<br />
proletariado).
32 Pública - Central do Servidor<br />
Pública - Central do Servidor<br />
33<br />
PREVIDÊNCIA:<br />
PERVERSIDADES NA<br />
REGRA DE TRANSIÇÃO<br />
ANTÔNIO AUGUSTO DE QUEIROZ<br />
Jornalista, analista político e diretor de Documentação do Diap<br />
Se a reforma passar nos termos<br />
propostos, o valor de todas as<br />
aposentadorias pelo regime geral<br />
(INSS), a partir da promulgação da<br />
emenda, será calculado com base<br />
em 51% das médias de contribuições,<br />
acrescida de 1% por ano de contribuição,<br />
exceto apenas para quem já tenha<br />
direito adquirido.<br />
As regras de transição nas reformas previdenciárias,<br />
tanto no Brasil quanto no exterior, costumam ser<br />
generosas, com longos períodos para respeitar o<br />
direito “acumulado” e não frustrar completamente a<br />
expectativa de direito. Foi assim na reforma de FHC<br />
e, via PEC paralela, na do Lula.<br />
A Proposta de Emenda à Constituição (PEC)<br />
287/16, do governo Temer, ao contrário da tradição,<br />
restringe drasticamente as possibilidades transição,<br />
especialmente para os segurados do Regime Geral<br />
de Previdência Social (RGPS), que congrega os<br />
trabalhadores da iniciativa privada, contratados pela<br />
Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e filiados<br />
ao Instituto Nacional de Seguro Social (INSS).<br />
O segurado do INSS que, na data da promulgação<br />
da Proposta de Emenda à Constituição, ainda for<br />
não aposentado ou ainda não tiver preenchido os<br />
requisitos para requerer o benefício, será incluído<br />
nas novas regras e não será beneficiado pelas<br />
regras de transição, exceto se tiver idade igual ou<br />
superior a 45 anos, no caso da mulher, e 50, no caso<br />
do homem.<br />
O “felizardo” que for “beneficiado” pelas regras de<br />
transição poderá se aposentar antes dos 65 de<br />
idade, o novo requisito, porém terá que pagar um<br />
“pedágio” de 50% sobre o tempo que faltar nessa<br />
data para completar os 30 anos de contribuição, se<br />
mulher, ou os 35, se homem.<br />
Esse segurado, entretanto, será “beneficiado”<br />
apenas em relação ao requisito da idade, ou seja,<br />
não será exigida dele a idade mínima de 65 anos,<br />
mas sua aposentadoria será calculada com base<br />
nas novas regras, quais sejam: 51% da média dos<br />
salários de contribuição, acrescida de 1% por cada<br />
ano de contribuição.<br />
Assim, mesmo que o segurado faça parte da<br />
transição (tenha idade igual ou superior a 45m/50h),<br />
não valem mais as regras de cálculo anteriores<br />
(fórmula 85/95, o fator previdenciário, a média das<br />
maiores contribuições, etc). Estas só permanecem<br />
para o segurado que, mesmo já tendo condições<br />
de requerer o benefício na data da promulgação<br />
da emenda, ainda não o fez, sendo preservado pelo<br />
direito adquirido.<br />
Além disto, as novas regras de cálculo,<br />
diferentemente do atual, que somente considera<br />
80% dos maiores salários de contribuição, passará<br />
a levar em conta todas as contribuições feitas ao<br />
longo da vida laboral, a partir de julho de 1994,<br />
rebaixando ainda mais a média.<br />
ARTIGO<br />
Portanto, se a reforma passar nos termos<br />
propostos, o valor de todas as aposentadorias<br />
pelo regime geral (INSS), a partir da promulgação<br />
da emenda, será calculado com base em 51% das<br />
médias de contribuições, acrescida de 1% por ano<br />
de contribuição, exceto apenas para quem já tenha<br />
direito adquirido.<br />
Não bastasse tudo isso, a PEC elimina a<br />
aposentadoria por tempo de contribuição e institui<br />
uma nova aposentadoria por idade, com exigência<br />
superior à regra atual, penalizando duramente as<br />
mulheres, além de ampliar o tempo de contribuição<br />
mínimo exigido de 15 para 25 anos, num verdadeiro<br />
retrocesso social. A nova regra alcança, inclusive, os<br />
atuais segurados que não tenham sido protegidos<br />
pela regra de transição.<br />
O valor da aposentadoria do segurado do INSS,<br />
portanto, poderá variar entre 76% da média das<br />
contribuições, no caso de quem requerer o benefício<br />
após 25 anos de contribuição, e 100% da média, desde<br />
que o segurado comprove 49 anos de contribuição.<br />
Sem esses dois critérios, os futuros segurados não<br />
poderão se aposentar, exceto no caso de invalidez<br />
ou de aposentadoria por atividade insalubre, quando<br />
a redução poderá ser de até<br />
10 anos na idade e cinco<br />
no tempo de contribuição.<br />
Em qualquer hipótese, há<br />
ampliação dos requisitos<br />
e redução do valor do<br />
benefício em relação às<br />
regras atuais.<br />
No caso dos servidores<br />
públicos, a transição é um<br />
pouco menos perversa,<br />
mas também é prejudicial.<br />
O servidor com mais de<br />
50 anos de idade e a<br />
servidores com mais de<br />
45 podem ser incluídos na<br />
regra de transição, tanto<br />
em relação à nova idade<br />
quanto em relação ao<br />
cálculo do benefício, desde:<br />
1) que tenha ingressado<br />
no serviço público antes<br />
de 2004, 2) comprove 20<br />
anos de serviço público no<br />
momento da aposentadoria, 3) pague um pedágio de<br />
50% sobre o tempo que faltava para aposentadoria<br />
no momento da promulga da reforma, e 4) contem<br />
com 30 anos de contribuição, se mulher, ou 35, se<br />
homem.<br />
Todos os demais, atuais e futuros, serão<br />
submetidos às novas regras, inclusive quanto<br />
a cálculo do benefício, nos exatos termos dos<br />
segurados do INSS. Em qualquer hipótese, como se<br />
vê, há ampliação dos requisitos e redução do valor<br />
do benefício em relação às regras atuais.É somente<br />
com o formação de uma comunidade meritocrática<br />
dentro e entorno do serviço público nas últimas<br />
décadas, que começou-se a se desenhar uma<br />
alternativa de substituição ao patrimonialismo,<br />
nepotismo, ao aparelhamento do Estado e ao<br />
clientelismo (que vou chamar de PNAC). E é<br />
justamente por se contrapor a essas vanguardas do<br />
atraso que a meritocracia vem se consolidando nas<br />
últimas décadas. Quem tem a ganhar com isso é<br />
toda a sociedade, que tende a ter um Estado mais<br />
eficiente, gerido por pessoas capazes e motivadas,<br />
e que preste serviços públicos com mais qualidade.
34 Pública - Central do Servidor<br />
Pública - Central do Servidor<br />
35<br />
‘PERVERSA, REFORMA<br />
DA PREVIDÊNCIA IGNORA<br />
DESIGUALDADES SOCIAIS’,<br />
DIZ EDUARDO FAGNANI<br />
CIDA DE OLIVEIRA DA REDE BRASIL ATUAL<br />
http://www.redebrasilatual.com.br<br />
Para professor da Unicamp, reformar o<br />
sistema previdenciário para aperfeiçoálo,<br />
como se faz em outros países, é<br />
“aceitável”: “Mas não para destruí-lo,<br />
como pretende equipe de Temer”.<br />
De acordo com Fagnani, as desigualdades sociais<br />
forjadas pelos 300 anos de escravidão, pelo<br />
atraso de anos de democracia interrompida e<br />
agravadas pela reforma neoliberal de FHC, que<br />
atacou a Constituição, tornam o projeto de reforma<br />
previdenciária de Temer ainda mais perverso, injusto<br />
e cheio de distorções.<br />
anos, indo para uma época anterior à da criação da<br />
CLT.”<br />
No seu entender, a Previdência carece de<br />
aperfeiçoamento, como buscam as reformas<br />
previdenciárias em outros países. “É normal que<br />
se faça reforma da Previdência, com mudanças<br />
para aperfeiçoamento, mas não uma reforma como<br />
pretende o governo Temer, que destrua o sistema<br />
que representa proteção para pelo menos 160<br />
milhões de pessoas. O que está em disputa aqui é<br />
capturar um orçamento que corresponde a 8% do<br />
PIB”, destacou.<br />
Ele mencionou alternativas como a criação de um<br />
fundo a partir de recursos do petróleo, como foi feito<br />
na Noruega, e ressaltou a necessidade de reforma<br />
tributária com o fim de isenções fiscais e o combate<br />
à sonegação de impostos. “No Brasil são mais de<br />
60 setores isentos de contribuição, como igrejas e<br />
clubes, o que representa 25% de tudo que a União<br />
recebe. Em termos de sonegação de impostos,<br />
só perdemos para a Rússia”, afirmou, lembrando<br />
distorções tributárias que cobram imposto de renda<br />
sobre o salário dos trabalhadores mas isentam<br />
proprietários de iates –, bem como o combate à<br />
sonegação.<br />
Fagnani participou de debate mediado pelo<br />
jornalista Luís Nassif, que discutiu ameaças à<br />
seguridade social. A mesa contou com a presença<br />
do advogado especialista em previdência e assessor<br />
sindical Antonio José Arruda Rebouças.<br />
Sem desprezar a desigualdade de forças na disputa<br />
que envolve a reforma previdenciária, Rebouças<br />
destacou que a desvantagem dos trabalhadores<br />
deve ser enfrentada com maior presença dos<br />
sindicatos. “Ao contrário dos patrões, os sindicatos<br />
não vão às cortes supremas da Justiça e nem à<br />
imprensa. É preciso ir às ruas, às redes sociais<br />
e denunciar à população. Sem informação, a<br />
população não vai ter consciência dos fatos”, disse.<br />
O advogado destacou ainda ataques já em curso<br />
na Previdência, como o cada vez mais comum<br />
cancelamento de benefícios para trabalhadores.<br />
São Paulo – A reforma da Previdência que está<br />
sendo desenhada pela equipe econômica do governo<br />
interino de Michel Temer (PMDB) foi duramente<br />
criticada na tarde de ontem (22), primeiro dia<br />
do “4º Congresso Internacional de Ciências do<br />
Trabalho, Meio Ambiente, Direito e Saúde: acidentes,<br />
adoecimentos e sofrimentos do mundo do trabalho”,<br />
na Faculdade de Direito da USP, no Largo São<br />
Francisco, na capital paulista. Realizado pela<br />
Fundação Jorge Duprat Figueiredo de Segurança e<br />
Medicina do Trabalho (Fundacentro), o evento vai<br />
até a próxima sexta-feira (26).<br />
“Querem que todo mundo se aposente com mais<br />
de 65 anos de idade, com mais de 35 anos de<br />
contribuição, o que não existe em nenhum lugar do<br />
mundo. Não dá para ter o mesmo padrão de países<br />
feito a Dinamarca, onde as condições de vida são<br />
muito melhores para toda a população, que vive em<br />
média 8 anos a mais que os brasileiros. No Brasil, a<br />
maioria da população começa a trabalhar cedo, sem<br />
estudo, para ajudar a família, em empregos de baixa<br />
qualidade. Não tem as mesmas condições de vida e<br />
de saúde da classe média, que ingressa mais tarde<br />
no mercado de trabalho, em postos mais elevados,<br />
com melhores salários”, disse.<br />
Professor do Instituto de Economia e pesquisador<br />
do Centro de Estudos Sindicais e Economia do<br />
Trabalho da Unicamp, Eduardo Fagnani atacou<br />
a política macroeconômica do governo interino<br />
de Michel Temer (PMDB-SP), que ele chama de<br />
“impeachment do processo civilizatório”, pautada<br />
na austeridade fracassada na Europa, com redução<br />
de direitos sociais e trabalhistas e privatização das<br />
poucas empresas públicas que sobraram. “Uma<br />
receita que o próprio FMI condena por não reduzir<br />
as desigualdades. Não dá para aceitar a tese ou<br />
consenso de que sem acabar com a Constituição<br />
não se faz ajuste”, disse.<br />
O professor da Unicamp criticou também a proposta<br />
do governo interino de acabar com as regras<br />
diferenciadas para os trabalhadores rurais e urbanos<br />
e com a correção com base na variação do salário<br />
mínimo. “A maior parte da pobreza do país está na<br />
zona rural do nordeste brasileiro, onde há cinco<br />
estados que a população vive em média 69 anos.<br />
É grande a desigualdade. Como podemos aceitar?<br />
É verdade que em alguns anos a maior parcela da<br />
população será idosa, mas não podemos aceitar o<br />
fatalismo demográfico. Existem alternativas para<br />
viabilizar aposentadorias. Com tantos ataques (pelo<br />
governo Temer), o Brasil tende a retroceder 100<br />
Reforma da Previdência vai aprofundar pobreza no campo e<br />
acentuar as desigualdades sociais no país
36 Pública - Central do Servidor<br />
Pública - Central do Servidor<br />
37<br />
OPINIÃO<br />
EVOLUÇÃO LEGISLATIVA<br />
INCENTIVA COMPLIANCE NA<br />
ADMINISTRAÇÃO <strong>PÚBLICA</strong><br />
JESSÉ TORRES PEREIRA JUNIOR E THAÍS MARÇAL<br />
Consultor Jurídico<br />
O significado metafórico dos verbos querer, poder<br />
e saber reedita, em ambiente de crise, como aquele<br />
em que se encontra o país, persistentes questões<br />
na relação “novas soluções-velhos problemas” da<br />
gestão pública brasileira.<br />
Cada verbo corresponde a um dos três planos em<br />
que se desdobra toda ação humana – estratégico,<br />
gerencial e operacional –, e repercute na gestão dos<br />
serviços públicos. O verbo querer se apresenta no<br />
plano estratégico, que é aquele no qual se definem<br />
os princípios, conceitos e prioridades balizadores<br />
do planejamento, este a traduzir o que a sociedade,<br />
por meio de seus governantes, tem por desejável<br />
para o desenvolvimento e a qualidade de vida. O<br />
verbo poder se move no plano gerencial, para o fim<br />
de mobilizar os meios e distribuir as competências<br />
para manejá-los nas estruturas organizacionais,<br />
almejando a realização dos resultados previstos no<br />
planejamento estratégico.<br />
O verbo saber exprime o conhecimento necessário<br />
e as habilitações indispensáveis a fazer com<br />
que a estrutura atue e produza, com eficiência e<br />
eficácia, aqueles resultados, em tempo adequado.<br />
Nenhum desses verbos corresponde a ações que,<br />
isoladamente, sejam capazes de alcançar os<br />
objetivos do bem comum que a ninguém exclua dos<br />
benefícios que a sociedade tenha por desejáveis e<br />
compartilháveis.<br />
O querer — a chamada “vontade política” —, sem<br />
o poder e o saber, não passa de voluntarismo<br />
inconsequente, ou, pior, de consequências<br />
desastrosas. O poder – que estrutura a governança,<br />
ou seja, as cadeias de comando -, sem o querer e<br />
o saber, nada mais é do que manifestação egoísta<br />
e prepotente, que desequilibra qualquer sistema. O<br />
saber — que responde pela governabilidade, ou seja,<br />
saber fazer acontecer —, sem o querer e o poder,<br />
desagua em anarquia e frustração.<br />
É nesse cenário que se tem mostrado relevante o<br />
conceito de compliance, incorporado pela legislação<br />
brasileira mais recente (as leis de responsabilidade<br />
das pessoas jurídicas e o estatuto das empresas<br />
estatais) com o fim de tornar obrigatória, nas<br />
organizações públicas e privadas, a adoção de<br />
programas, técnicas e procedimentos de permanente<br />
acompanhamento da gestão, a partir, sobretudo,<br />
dos princípios da legalidade, impessoalidade,<br />
moralidade, publicidade e eficiência, que o art. 37<br />
da Constituição da República adota como regentes<br />
da administração pública.<br />
No âmbito das contratações do estado e de suas<br />
empresas — palco tanto de investimentos para<br />
o desenvolvimento quanto de propinas para o<br />
retrocesso -, a vigente Lei Geral das Licitações<br />
e Contratações (8.666/1993), embora não faça<br />
referência expressa ao conceito, não deixou de<br />
se ocupar, em várias de suas disposições, com<br />
a transparência, a fiscalização e o controle das<br />
relações entre particulares e a administração<br />
pública, quando contratam a realização de compras,<br />
obras, serviços e alienações de objetos de interesse<br />
público. Faltaram-lhe, talvez, o foco sistêmico e o<br />
apoio tecnológico, embrionários na gestão pública<br />
brasileira do final do século XX.<br />
Dá-se, agora, importância à certificação dos<br />
programas de integridade (compliance) pelo<br />
Ministério da Transparência, Fiscalização e<br />
Controladoria-Geral da União (CGU), de modo a<br />
qualificá-los com o selo Pró-Ética. É de esperarse<br />
que os certificadores atentem para a efetiva<br />
combinação do querer (vontade política), do poder<br />
(governança) e do saber (governabilidade). Diante<br />
do número de empresas inscritas (195) e daquelas<br />
contempladas com o selo (25), em 2016, percebe-se<br />
que há muito a avançar em matéria de boas práticas<br />
de gestão, envolventes daqueles três verbos<br />
harmonicamente integrados.<br />
No horizonte internacional, normas de natureza<br />
legislativa e administrativa propõem a<br />
sistematização do tema. A título ilustrativo, confirase,<br />
nos Estados Unidos, a FCPA (Foreign Corrupt<br />
Practices Act), de 1977, bem como a Sarbanes-<br />
Oxley Act, de 2002, editadas em resposta a diversos<br />
escândalos envolvendo corrupção corporativa com<br />
repercussão na esfera pública.<br />
No Brasil, a evolução legislativa recente tende a<br />
incentivar práticas de compliance na administração<br />
pública (vg, art. 6º, III, da Lei 13.334/2016) e entre<br />
as entidades privadas que com ela venham a se<br />
relacionar. Soa como um caminho viável, no projeto<br />
que tramita no Congresso Nacional para atualizar a<br />
Lei 8.666/1993, incluir, como requisito para contratar<br />
com o poder público, que a empresa licitante tenha<br />
implantado programa de compliance certificado<br />
pelo Ministério da Transparência, Fiscalização e<br />
Controladoria-Geral da União (CGU) com o selo Pró-<br />
Ética, a impulsionar a efetividade dos princípios<br />
que norteiam a atividade pública entre os órgãos<br />
públicos e as empresas que com eles venham a<br />
contratar, todos adotantes de melhores práticas de<br />
governança corporativa. A menos que se tema que<br />
a emissão do selo venha a inaugurar outro nicho de<br />
tratamento favorecido.
38 Pública - Central do Servidor<br />
Pública - Central do Servidor<br />
39<br />
SECURITIZAÇÃO DE CRÉDITOS<br />
TRIBUTÁRIOS NÃO É SAÍDA<br />
PARA CRISE FISCAL, DEFENDE<br />
PRESIDENTE RODRIGO SPADA<br />
Palestrantes da área no seminário da<br />
segunda-feira do dia 28 de novembro.<br />
ASCOM AFRESP<br />
A prática financeira conhecida como securitização,<br />
que permite, a grosso modo, antecipar dívidas ativas<br />
oriundas de créditos tributários, cedendo-os a uma<br />
entidade adquirente, por meio da emissão de títulos<br />
lastreáveis no mercado de capitais, foi debatida em<br />
seminário nesta segunda-feira (28).<br />
Promovida pela Unafisco Nacional, a Afresp foi<br />
palco da discussão intitulada “Securitização de<br />
créditos tributários: Noções principais, projetos em<br />
discussão do Poder Legislativo, as experiências de<br />
Porto Alegre e do Estado de São Paulo”. Palestrantes<br />
da área, representantes de entidades de classe e o<br />
presidente da casa, Rodrigo Spada, nortearam o<br />
evento com elucidações.<br />
“A securitização é um risco para toda a sociedade.<br />
A classe entende que o problema fiscal deve ser<br />
combatido através de medidas contra a corrupção,<br />
evasão fiscal e sonegação de impostos”, defendeu<br />
o presidente Rodrigo Keidel Spada durante abertura<br />
do evento após cumprimentar os presentes.<br />
Há uma interpretação equívoca sendo evocada por<br />
muitos de que a securitização, no modelo em que<br />
se discute a nível nacional, eliminaria ou reduziria<br />
os riscos referentes à emissão ou cessão de valores<br />
creditórios, consolidando uma estrutura sólida de<br />
disseminação de capitais. A tese é defendida pelo<br />
Diretor de Defesa Profissional e Assuntos Técnicos<br />
da Unafisco Nacional e auditor fiscal, Mauro Silva,<br />
durante sua explanação no evento.<br />
Ele argumenta que a cessão de créditos facilita a<br />
quebra de isonomia e capacidade contributiva, já<br />
que dá ensejo à confusão e extinção do crédito<br />
tributário em benefício ao devedor original. “Os<br />
grandes parcelamentos, no caso da Receita<br />
Federal, com valores altos concentrados em poucas<br />
empresas, podem motivar a cessão de crédito recém<br />
adquirido ao devedor original”, explica.<br />
Recentemente o governo federal pretende, mediante<br />
projeto de lei nº 204/2016 (em tramitação no<br />
Senado Federal), receber dívidas parceladas por<br />
contribuintes junto à Receita Federal e Procuradoria-<br />
Geral da Fazenda. Todo o montante deve ser<br />
convertido em cotas de fundo creditício para serem<br />
vendidos no mercado. Objetivo é encorpar o fluxo de<br />
caixa com potencial para atrair o montante de até<br />
R$ 66 bilhões de reais.<br />
Se aprovado, o PLS irá promover aos estados uma<br />
cultura de ode aos parcelamentos, sejam eles<br />
convencionais ou especiais. Ou seja, um estímulo<br />
à inadimplência e sonegação, já que a empresa<br />
deixa de pagar o tributo e investe em recursos na<br />
expectativa de um novo programa de parcelamento.<br />
A Receita Federal estima que cerca de R$ 18,6<br />
bilhões deixam de ser arrecadados por causa dos<br />
parcelamentos especiais. Já a Unafisco, acredita<br />
que o valor pode chegar ao montante de 50 bilhões.<br />
Por outro lado, Mauro Silva também defende que a<br />
PLS é a flexibilização da aplicação dos conceitos da<br />
Lei de Responsabilidade Fiscal, criando o que ele<br />
chama de ‘ficção jurídica’, já que os dispositivos da<br />
LRF são bruscamente anulados. “Como lei de mesma<br />
hierarquia, se aprovada, servirá como motivação de<br />
anistia a todas as violações já perpetradas contra<br />
LRF”, reforça.<br />
As implicações para os auditores fiscais são<br />
variadas e vão desde precarização do trabalho do<br />
fisco – ao fortalecer as instituições privadas na<br />
condição de cessionárias dos direitos creditórios<br />
parcelados –, bem como o aumento do lucro das<br />
instituições financeiras ao lavar um auto, julgar<br />
uma impugnação ou realizar cobranças.<br />
Caso de Porto Alegre<br />
O auditor fiscal aposentado do Rio Grande do Sul<br />
e membro da Febrafite, João Pedro Casorotto,<br />
apresentou dados do estudo “O caso de Porto<br />
Alegre e de Congêneres Estaduais e Municipais”<br />
(acesse o documento na íntegra).<br />
A premissa de Casorotto é de que a criação<br />
de pretensas sociedades de economia mista<br />
fortalecem o aumento do endividamento dos<br />
estados e municípios através da emissão de títulos<br />
da dívida pública (debêntures). O caso é objeto de<br />
estudo em Porto Alegre, já que a Câmara Municipal<br />
editou a lei ordinária nº 11.991 de 30 de dezembro<br />
de 2015, permitindo ao poder executivo a criação<br />
destes modelos de sociedades mistas, conhecido<br />
como “Investe POA” (Empresa de Gestão de Ativos<br />
do Município de Porto Alegre S.A).<br />
As características da ‘Investe POA’ vão desde<br />
atuação em secretarias municipais e em alguns<br />
casos também não obedece a Lei de Acesso à<br />
Informação pois é sustentada pela Lei de Sociedades<br />
Anônimas. Segundo Casarotto, essas caraterísticas<br />
desqualificam a administração pública, pois tais<br />
empresas dentro deste modelo assumem funções e<br />
responsabilidades da administração direta.<br />
Companhia Paulista de Securitização<br />
A CPSEC foi criada em 15 de outubro de 2009 com<br />
fins específicos para trabalhar com a securitização.<br />
Objetivo geral da Companhia é adquirir os direitos<br />
creditórios originados no estado de São Paulo. A<br />
capilaridade da companhia e sua complexidade<br />
foi apresentada pelo coautor da ação popular que<br />
pretende anular as cessões e securitizações da<br />
CPSEC, diretor de assuntos jurídicos do Sinafreso,<br />
Márcio Rielli.<br />
A complexidade do sistema da companhia provoca<br />
um vazio nas operações. “Isso faz com que a dívida<br />
ativa não saia do lugar, a cessão de crédito não<br />
ocorre de fato, pois a transferência se aperfeiçoaria<br />
com a tradição dos parcelamentos dos programas<br />
e seus devedores”, enaltece afirmando a presunção<br />
elevada do custo das operações.<br />
Cronologia da securitização<br />
A medida econômica que funciona como suporte<br />
para a emissão de títulos, iniciou-se em 1970,<br />
ocasião em que o mercado da securitização nos<br />
Estados Unidos aumentava exponencialmente<br />
motivado pela crise bancária no país e impulsionado<br />
pela recessão mundial. Inicialmente, o processo que<br />
se constituía em venda de empréstimo hipotecário,<br />
mais tarde se estabeleceu no mercado de papeis<br />
lastreados por ativos, em 1985.<br />
No Brasil, a prática iniciou-se em meados da<br />
década de 1980. Na época, o processo, conhecido<br />
como “securitização parcial”, era realizado pela<br />
entidade detentora de recebíveis. Primeiramente a<br />
entidade realizava a emissão de valores mobiliários<br />
(debêntures), com garantia real na forma de penhor<br />
de créditos. Dez anos depois, o país avança na<br />
chamada ‘securitização de ativos empresarias’,<br />
operação na qual há transferência dos ativos<br />
de origem da companhia operacional a uma<br />
securitizadora que emite valores mobiliários (de<br />
maneira pública ou privada).
40 Pública - Central do Servidor<br />
12/2016<br />
Pública - Central do Servidor<br />
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ENTIDADES POLICIAIS FAZEM CAMPANHA<br />
PUBLICITÁRIA DE DIVULGAÇÃO DA CONDIÇÃO<br />
DIFERENCIADA DA ATIVIDADE POLICIAL<br />
AGÊNCIA FENAPEF<br />
http://fenaprf.org.br/<br />
Na tarde de ontem, 1, a Federação Nacional<br />
dos Policiais Federais (Fenapef) e juntamente<br />
com a Federação Nacional dos Policiais<br />
Rodoviários Federais (FenaPRF) se reuniram<br />
para dar prosseguimento às discussões de ações<br />
de publicidade que demonstrem a condição<br />
diferenciada da atividade policial e buscar sua<br />
valorização e reconhecimento pela sociedade.<br />
Morre um policial no Brasil a cada 17 horas, segundo<br />
“mortômetro” divulgado pela Ordem dos Policiais<br />
do Brasil. A criminalidade vem cada vez mais<br />
perseguindo os policiais e fazendo com que ele seja<br />
um alvo 24 horas por dia, durante o expediente e<br />
fora dele, inclusive depois que se aposenta, ele leva<br />
essa condição para toda a vida.<br />
Estudos apontam que a profissão de policial no<br />
Brasil é a mais estressante de todos os ofícios, uma<br />
vez que estão entre os profissionais que mais sofrem<br />
tensão no trabalho, por estarem constantemente<br />
expostos ao perigo e agressões, no enfrentamento<br />
de situações de conflito, que demandam sua pronta<br />
intervenção.<br />
a Constituição Federal diferencia em cinco anos<br />
o tempo de aposentadoria para os servidores que<br />
exercem atividade com risco de vida, como é o caso<br />
dos servidores policiais, repetindo o que se aplica<br />
mundialmente para os profissionais da área.<br />
A Fenapef, FenaPRF e Sinpol/DF realizaram uma<br />
parceria e contrataram o estudo da expectativa de<br />
vida dos policiais federais, policiais rodoviários<br />
federais e policiais civis do Distrito Federal que está<br />
sendo realizado pela Fundação Getúlio Vargas –<br />
FGV.<br />
Participaram da reunião o presidente da Federação<br />
Nacional dos Policiais Federais Luís Antônio<br />
Boudens, o vice-presidente da Fenapef e presidente<br />
do Sindipol/DF Flávio Werneck, a Diretora de<br />
Comunicação da Fenapef e Diretora da OPB<br />
Magne Cristine, o Diretor de Estratégia Sindical<br />
da Fenapef, Júlio César, o Presidente da FenaPRF,<br />
Pedro Calvalcanti, e o representante da empresa<br />
de comunicação responsável pelo projeto de<br />
publicidade.<br />
Os policiais trabalham em escalas que são<br />
definidas a partir da dinâmica das atividades e<br />
que em muitas vezes excedem o horário normal de<br />
trabalho e exigem turnos excedentes, sobreavisos e<br />
plantões. É grande o número de doenças físicas e<br />
psicológicas decorrentes do exercício da atividade<br />
e além dessas adversidades inerentes à atividade<br />
policial, as instituições policiais, em geral, não<br />
dispõem de assistência psicológica ou assistência<br />
à saúde, o que agrava o quadro de adoecimentos e<br />
mortes, inclusive por suicídio.<br />
Foto: (divulgação).<br />
As entidades esperam que o Governo não deixe<br />
de considerar essas condições diferenciadas de<br />
trabalho dos policiais no projeto de reforma da<br />
previdência que vem sendo anunciado. Atualmente