01.04.2017 Views

livro-um-toque-de-clc3a1ssicos1

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

conhecimento. Sob essa ótica, o movimento e a transformação, no nível fenomênico, eram<br />

consi<strong>de</strong>rados mera aparência ou concebidos como cons<strong>um</strong>ação <strong>de</strong> <strong>um</strong> ciclo inexorável que em<br />

nada afeta o ser das coisas, constituído <strong>de</strong>s<strong>de</strong> sempre, e sempre idêntico a si mesmo.<br />

Gradualmente, os caminhos da razão e da história irão se aproximando até que formas mais<br />

dinâmicas <strong>de</strong> enten<strong>de</strong>r a realida<strong>de</strong> acabarão por ocupar o lugar das concepções anteriores.<br />

A filosofia i<strong>de</strong>alista <strong>de</strong> Georg wilheim Friedrich Hege1 (1770-1831) é <strong>um</strong> ponto<br />

alto <strong>de</strong>ssa trajetória. Para o pensador alemão, “tudo o que é real é racional, e tudo o que é<br />

racional é real”. A realida<strong>de</strong> histórica <strong>de</strong>senvolve-se enquanto manifestação da razão, n<strong>um</strong><br />

processo incessante <strong>de</strong> auto-superação <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ado pelo conflito e pela contradição que lhe<br />

são inerentes. Tal é “o movimento dialético, esse caminho que produz a si mesmo”. A noção<br />

<strong>de</strong> dialética origina-se no pensamento clássico grego e é retomada e reformulada por Hegel<br />

que, discorrendo sobre a dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> apreendê-la, diz:<br />

Assim como a opinião se pren<strong>de</strong> rigidamente à oposição do verda<strong>de</strong>iro e do falso,<br />

assim, diante <strong>de</strong> <strong>um</strong> sistema filosófico, ela cost<strong>um</strong>a esperar <strong>um</strong>a aprovação ou <strong>um</strong>a<br />

rejeição e, na explicação <strong>de</strong> tal sistema, cost<strong>um</strong>a ver somente ou <strong>um</strong>a ou outra. A<br />

opinião não concebe a diversida<strong>de</strong> dos sistemas filosóficos como o progressivo<br />

<strong>de</strong>senvolvimento da verda<strong>de</strong>, mas na diversida<strong>de</strong> vê apenas contradição. 1<br />

O finito 2<br />

<strong>de</strong>ve, portanto, ser apreendido a partir do seu oposto, o mfinito, o<br />

universal, e é essa relação entre o particular e a totalida<strong>de</strong> que Hegel <strong>de</strong>nomina unida<strong>de</strong><br />

dialética. 3 O fenômeno torna-se inteligível ao ser articulado à totalida<strong>de</strong> em que se insere, ao<br />

ser constituído conceitualmente. Na base <strong>de</strong>sse empreendimento está o sujeito - que é quem<br />

realiza o esforço conceitual orientado a transcen<strong>de</strong>r a simples observação dos “fatos”,<br />

estruturando-os em <strong>um</strong> sistema totalizante. Este, no entanto, será sempre transitório, passível<br />

<strong>de</strong> superação, <strong>de</strong>vido ao auto-movimento do conceito, que reflete a busca pela verda<strong>de</strong> em<br />

que se empenha o pensamento científico e filosófico. Aplicada aos fenômenos historicamente<br />

produzidos, a ótica dialética cuida <strong>de</strong> apontar as contradições constitutivas da vida social que<br />

resultam na negação e superação <strong>de</strong> <strong>um</strong>a <strong>de</strong>terminada or<strong>de</strong>m.<br />

1 HEGEL. A fenomenologia do espírito, p. 6. O pensamento <strong>de</strong> Hegel continua a ser pouco assimilável pela<br />

mentalida<strong>de</strong> oci<strong>de</strong>ntal, especialmente suas reflexões sobre o ser e o não-ser, que ultrapassam os princípios da<br />

i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> e da não-contradição da lógica clássica. Hegel procura mostrar que o sensível, o que vemos, é, logo a<br />

seguir, o que não é. Se o “aqui” é <strong>um</strong>a árvore, quando lhe voltamos as costas, essa verda<strong>de</strong> <strong>de</strong>saparece e se<br />

transforma no seu contrário, o “aqui” passa então a ser <strong>um</strong>a casa. O “aqui” permanece e lhe é indiferente ser casa<br />

ou árvore. Da mesma maneira, o “agora” que é noite transforma-se <strong>de</strong>pois em <strong>um</strong> não-existente quando o dia<br />

amanhece. “Aqui” e “agora” são universais e o objeto é inessencial.<br />

2 Isto é: o acontecimento singular, a aci<strong>de</strong>ntalida<strong>de</strong>, o fato, o fenômeno contingente, o imediato, o particular ou a<br />

parte.<br />

3 “O verda<strong>de</strong>iro é o todo. Mas o todo é somente a essência que atinge a completu<strong>de</strong> por meio do seu<br />

<strong>de</strong>senvolvimento”, diz Hegel, assim, “o fruto surge em lugar da flor como verda<strong>de</strong> da planta”. HEGEL. A<br />

fenomenologia do espírito, p. 13 e 6.

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!