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Tammy Falkner - Os Irmãos Reed #5 - Enfim Encontrando Esperança

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ENFIM ENCONTRANDO ESPERANÇA<br />

TAMMY FALKNER<br />

NIGHT SHIFT PUBLISHING


<strong>Enfim</strong> encontrando esperança<br />

<strong>Enfim</strong> encontrando esperança<br />

Copyright © 2015 por <strong>Tammy</strong> <strong>Falkner</strong><br />

Sinopse:<br />

Daniel<br />

Faith<br />

Daniel<br />

Faith<br />

Daniel<br />

Faith<br />

Daniel<br />

Faith<br />

Daniel<br />

Faith<br />

Daniel<br />

Daniel<br />

Faith<br />

Faith<br />

Daniel<br />

Faith<br />

Querido leitor,<br />

Conheça outros livros de <strong>Tammy</strong> <strong>Falkner</strong>


E N F I M E N C O N T R A N D O E S P E R A N Ç A<br />

(<strong>Os</strong> irmãos <strong>Reed</strong> 5)<br />

Tradução: Andréia Barboza


C O P Y R I G H T © 2 0 1 5 P O R T A M M Y F A L K N E R - M E B<br />

Copyright da tradução © 2015 por Andréia Barboza<br />

Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei nº 9.610, de 19/02/1998. Nenhuma parte deste<br />

livro, sem autorização prévia por escrito da autora, poderá ser reproduzida ou transmitida, sejam<br />

quais forem os meios empregados: eletrônicos, mecânicos, fotográficos, gravação ou quaisquer<br />

outros, exceto para o uso de breves citações em resenhas do livro. Fontes usadas com a permissão da<br />

Microsoft.<br />

A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na Lei n° 9.610/98 e punido pelo artigo<br />

184 do Código Penal.


S I N O P S E :<br />

"Você vai encontrar Faith na loja de relógios", diz Peter <strong>Reed</strong>.<br />

Daniel tem uma lista de coisas a fazer antes de o relógio bater as doze badaladas em trinta e um<br />

de dezembro.<br />

1. Fazer uma tatuagem<br />

2. Andar em um trenó na neve<br />

3. Assistir a um musical da Broadway<br />

4. Comprar castanhas quentes de um vendedor de rua<br />

5. Comer um hambúrguer de uma libra no Rocko’s<br />

6. Beber chocolate quente em um banco do parque<br />

7. Consertar seu relógio<br />

O relógio de Daniel parou de funcionar quando ele perdeu seus homens, sua perna e a esperança<br />

no Afeganistão. Um encontro inesperado no estúdio de tatuagem <strong>Reed</strong>’s o leva à Faith, uma ruiva<br />

com os olhos verdes mais belos que ele já viu.<br />

Daniel tem a intenção de realizar todos os itens da sua lista, antes que o relógio marque meianoite<br />

e Faith se propõe a ajudá-lo. Ela é bondade e luz, mas ele não está pronto para deixar seu<br />

calor e brilho envolvê-lo.<br />

Faith cuida de sua avó idosa e sabe como a vida é preciosa. Mas será que ela conseguirá<br />

ajudar Daniel a realizar seus desejos antes que seja tarde demais? Ela tem menos de vinte e<br />

quatro horas.<br />

Tic-tac tic-tac


D A N I E L<br />

Ouço o barulho da sineta tocar sob a porta quando entro no estúdio de tatuagem. O grande letreiro<br />

vermelho piscando o nome <strong>Reed</strong>’s dá a dica de que o local está aberto. Passo a mão nos cabelos,<br />

tirando a neve, e sopro o hálito quente em minhas mãos em concha. Está congelando lá fora. É meianoite,<br />

o que significa que já é oficialmente dia trinta e um de dezembro em Nova York. Claro, está<br />

muito frio. Falta um dia para o ano novo e tenho vinte e quatro horas para conseguir realizar as<br />

lembranças de uma vida. Porque, à meia-noite, no último segundo de 2013, tenho que ter finalizado a<br />

minha lista. Pego um pedaço de papel do bolso e releio o que está escrito, muito rapidamente.<br />

1. Fazer uma tatuagem<br />

2. Andar em um trenó na neve<br />

3. Assistir a um musical da Broadway<br />

4. Comprar castanhas quentes de um vendedor de rua<br />

5. Comer um hambúrguer de uma libra no Rocko’s<br />

6. Beber chocolate quente em um banco do parque<br />

7. Consertar meu relógio<br />

Olho ao redor da loja. Há uma série de artes interessantes na parede e uma mulher que parece<br />

uma fadinha aproxima-se de mim. Ela está usando uma roupa estilo retrô e seu cabelo está enrolado e<br />

preso como se ela fosse uma modelo dos anos sessenta. Em seu crachá está escrito Friday. O nome<br />

combina com ela.<br />

― Em que posso ajudá-lo? ― ela pergunta, respirando lentamente. Sua expressão parece<br />

cansada e imediatamente me pergunto o que aconteceu com ela para deixá-la com essa expressão,<br />

mas não me atrevo a perguntar.<br />

― Você deixou a quarta e a quinta em casa? ― deixo a brincadeira com o significado do seu<br />

nome escapar.<br />

Sua sobrancelha direita arqueia e ela olha para mim. Imediatamente, desejo poder engolir meu<br />

comentário, mas, então, ela começa a rir. E não é uma risadinha. É uma grande gargalhada. Ela<br />

balança o dedo para mim e indica para que eu a siga. Então, ela se senta na mesa, ficando de frente<br />

para mim e fala.<br />

― Suponho que você está aqui para fazer uma tatuagem.<br />

Olho ao redor.


― Na verdade, achei que aqui era um bordel. Estou no lugar errado? ― Tento me levantar, mas<br />

minha prótese estúpida não permite que eu me mova rápido como desejo. Ela bate contra a mesa e eu<br />

faço uma careta.<br />

― Você está bem? ― ela pergunta baixinho. Seus olhos não desviam para minha perna. Ela<br />

continua olhando para o meu rosto. A maioria das pessoas costumam olhar para a minha perna antes<br />

de olhar novamente para mim.<br />

― Tudo bem ― resmungo.<br />

― Bom, não podemos ajudá-lo se é um bordel que você procura ― ela fala e olha para os<br />

homens que estão fazendo tatuagem. Eles são muito fortes, loiros e um pouco intimidantes. E eles não<br />

parecem ser o tipo de caras que vão gostar do meu senso de humor como ela. Ela diminui o tom de<br />

voz para um sussurro. ― A última vez que tentei vender meu corpo aqui, os meninos não gostaram.<br />

― Ela ri. <strong>Os</strong> caras fazem uma carranca ainda maior e eu me pergunto se devo ir embora.<br />

Olho para o meu relógio. Não sei por que continuo a olhar para ele, já que não funciona desde a<br />

explosão no Afeganistão, que levou meus amigos, minha perna e minha sanidade. Continuo usando-o<br />

como se esperasse que ele fosse funcionar a qualquer segundo, mas sei que isso não acontecerá.<br />

Minha vida acabou. Ou, pelo menos, terá acabado à meia-noite de amanhã. Olho para o relógio na<br />

parede. Faltam vinte e três horas e cinquenta e dois minutos para que eu acabe o que o destino<br />

começou. Vou começar a corrigir o que saiu errado.<br />

Friday balança a mão na frente do meu rosto e afasta meus pensamentos.<br />

― Olá-á ― ela canta.<br />

― Desculpe-me ― murmuro.<br />

Solto um breve suspiro. É tão fácil ser sugado para memórias. <strong>Os</strong> gritos. A dor. O caos. Olho<br />

para o seu belo rosto.<br />

― Eu gostaria de fazer uma tatuagem ― eu falo. ― Um relógio, talvez, marcando meia-noite e<br />

com fogos de artifício disparando em volta dele. ― Fogos de artifício. Bombas. É tudo a mesma<br />

coisa.<br />

Ela balança a cabeça.<br />

― Podemos fazer. ― Ela começa a desenhar em um pedaço de papel. Alguns minutos depois,<br />

vira o papel, para que eu possa olhar. É incrivelmente perfeito, na verdade. ― Algo assim? ― ela<br />

pergunta.<br />

Eu concordo. Mal posso falar. Quando o relógio chegar naquele momento, terei partido.<br />

― Está perfeito ― sussurro. Olho para o meu relógio. Faço muito isso quando estou nervoso,<br />

não por esperar ver a hora passar.<br />

Friday chama alguém por cima do ombro e um dos caras responde. Ele está limpando sua mesa e<br />

faz um gesto. Ela lhe mostra o desenho e ele balança a cabeça, mordendo o lábio com um piercing,<br />

parecendo pensativo.<br />

― Eu faço ― ele fala. ― Mas esta é a última da noite. ― Ele sorri para mim. ― Tenho uma<br />

mulher quente e macia esperando em minha cama, em casa.<br />

― Caramba ― Friday exclama. ― Eu também. ― Ela sorri para mim.<br />

Um dos caras, o mais alto deles, empurra o ombro dela de brincadeira.<br />

― Você é a fantasia de todo homem, Friday ― ele fala, estendendo a mão para mim. ― Paul ―<br />

ele se apresenta e, então, volta a falar com Friday novamente. ― Pare com isso ou o cara vai ficar<br />

todo animando achando que tem chance de conquistar você.


Ele aperta os olhos e inclina-se para mim.<br />

― Isso não vai acontecer ― ele fala em voz baixa. ― Tento há anos.<br />

Ele faz um gesto para que eu me sente.<br />

― Onde você quer? ― Paul pergunta, enquanto aquele que usa um crachá com o nome Pete, lava<br />

as mãos.<br />

Levanto a barra da manga. Meu braço é um dos poucos lugares em meu corpo que não tem<br />

cicatrizes das queimaduras.<br />

― Aqui ― respondo.<br />

― Acho melhor que você tire isso para não atrapalhar ― Pete fala e faz um gesto para minha<br />

camisa.<br />

Eu estava com medo, mas este é meu último dia na terra. Quem se importa com a aparência do<br />

meu peito? Puxo a camisa sobre a cabeça e ouço Friday suspirar ao ver meu peito nu. Parece muito<br />

pior do que realmente é.<br />

― Desculpe-me ― Friday murmura quando Paul a olha atravessado. Ela senta na minha frente e<br />

seus olhos finalmente pousam na fina extensão de titânio que vem do meu sapato. ― O que<br />

aconteceu? ― ela pergunta em voz baixa.<br />

Pete transfere o desenho para o meu braço e começa a tatuar minha pele. Não dói muito. Solto um<br />

suspiro.<br />

― Uma explosão ― respondo.<br />

― Foi grave? ― ela respira fundo e coloca uma mão apoiando o queixo e o cotovelo sobre a<br />

mesa.<br />

Eu concordo.<br />

― Foi terrível. Todos os meus homens morreram. ― Levanto a perna da minha calça. ― Perdi a<br />

perna e me queimei muito. Mas sobrevivi.<br />

― O universo deve ter coisas melhores reservadas para você ― ela fala.<br />

Paul bufa.<br />

― Friday, por favor ― ele adverte.<br />

Eu deveria ter morrido com eles.<br />

― Duvido ― respondo. ― Vou partir em vinte e quatro horas ― falo. Essa é uma mentira. Bem,<br />

mais ou menos. Nem tanto. ― Vou me juntar a minha equipe.<br />

Friday sorri.<br />

― Bem, parece bom.<br />

Sim, Só tenho pensado nisso há um bom tempo.<br />

Quero mudar de assunto, então, lembro-me da lista em meu bolso.<br />

― Vocês sabem onde consigo uma relojoaria na cidade? Alguém que possa consertar um relógio?<br />

<strong>Os</strong> homens olham de um para o outro e um deles responde.<br />

― Henry’s.<br />

― Sabe se eles abrem amanhã? ― pergunto. ― Bem, hoje, eu acho.<br />

Preciso estar com o relógio consertado até amanhã à noite. Antes da meia-noite. Está na minha<br />

lista.<br />

― Ligue para ele, Paul ― Pete fala. Ele tira seu telefone do bolso e joga para Paul, que brinca<br />

com ele até que Pete faz um som de desagrado.<br />

― Não é muito tarde para ligar? ― pergunto. Olho de um para o outro.


― A esposa de Henry sofreu um derrame há dois anos. Ele trabalha em horários alternativos para<br />

que possa cuidar dela. Talvez ele ainda esteja aberto. Se não, Paul pode deixar uma mensagem. ―<br />

Ele dá de ombros. ― Não custa tentar.<br />

Paul balança a cabeça e vejo-o sorrir quando alguém atende. Ele explica que tenho um relógio<br />

com defeito, coloca a mão sobre o bocal e olha para mim.<br />

― Você pode dar um pulo lá quando terminarmos aqui? ― ele pergunta. ― Ainda estão abertos.<br />

Eu concordo.<br />

― Claro, seria ótimo.<br />

Paul fala ao telefone por mais um minuto e desliga.<br />

― Como ela está? ― Pete pergunta.<br />

Paul balança a cabeça.<br />

― Ela não está bem, parece pronta para desistir. Acho que ela só está resistindo por causa de<br />

Henry. ― Ele suspira. ― Vou anotar o endereço para você. Fica na esquina, do lado direito da rua.<br />

Na galeria.<br />

Ele me dá as instruções enquanto Pete termina a tatuagem. Olho para o desenho e sorrio. Ficou<br />

lindo. Posso riscar um item da minha lista.<br />

― Procure Faith ― ele fala. ― Na loja de relógios.<br />

― Faith? ― pergunto, quase fungando ao pensar no significado do nome. Não acredito em fé.<br />

Não mais.<br />

― Faith é neta de Henry. Ela ajuda a cuidar da avó e trabalha na loja quando ele não está. ― Ele<br />

levanta a mão para indicar a altura dela, que deve ser pouco abaixo do seu ombro. ― Ruiva e<br />

baixinha. Realmente adorável. Faz o tipo “bibliotecária bonitona”.<br />

― Faith é uma garota? ― pergunto. Não é algum estado mítico?<br />

Paul balança a cabeça lentamente.<br />

― Oh, certo ― suspiro. Prefiro falar com uma garota do que falar sobre fé, esperança, Deus ou<br />

qualquer uma daquelas coisas que não tenho mais.<br />

Pago o serviço e sigo para a frente da loja. Antes que eu saia, Friday puxa minha manga. Olho<br />

para baixo, ela fica na ponta dos pés e beija minha bochecha.<br />

― Boa sorte para você ― ela diz baixinho.<br />

― Obrigado ― murmuro. De repente, pareço ter um caroço em minha garganta e não sei por quê.<br />

Pete encolhe os ombros em seu casaco.<br />

― Vou com você até o Henry’s. Não é bom andar sozinho por este bairro a essa hora da noite. ―<br />

Ele olha para Paul, que imagino que seja seu irmão. Eles são muito parecidos, mas o mais velho é<br />

grande o suficiente para encher uma porta. Ele não sorri tão facilmente quanto Pete. ― Vai levar<br />

Friday em casa? ― Pete pergunta a Paul.<br />

Paul resmunga alegremente e envolve Friday em seus braços musculosos.<br />

― Se for preciso... ― ele fala e passa a mão no cabelo de Friday. Ela dá um tapa em sua mão,<br />

mas ele a puxa de volta para um abraço. Ela se encaixa nele e exala. Ele olha para ela, como se<br />

estivesse confuso. Ela sorri. ― Você está pronta? ― ele pergunta.<br />

Ela acena com a cabeça e suas bochechas coram.<br />

― Não vá me levar para casa achando que vou convidá-lo a entrar ― ela fala, brincando.<br />

― Um dia, Friday, não vou lhe dar escolha sobre me convidar para entrar.<br />

Ela congela e sua respiração acelera.


Pete balança meu ombro ao passar por mim.<br />

― Está pronto? ― ele pergunta. Aceno e enfio as mãos nos bolsos. ― Vejo vocês amanhã ― ele<br />

fala por cima do ombro.<br />

― Grandes planos para a véspera de ano novo? ― pergunto quando chegamos a calçada. A neve<br />

está caindo com ainda mais força, e eu puxo meu capuz por sobre a cabeça. Escorrego um pouco na<br />

neve e Pete desacelera o passo. Ele não menciona minha perna. Só diminui o passo. ― Obrigado ―<br />

murmuro.<br />

― Pelo quê? ― ele pergunta e olha para o meu rosto.<br />

― Nada ― respondo. Talvez eu esteja apenas imaginando que ele esteja diminuindo o passo por<br />

mim. Preocupo-me muito com minha deficiência e às vezes acho que todo mundo se preocupa<br />

também.<br />

― Vou levar minha garota para ver os fogos amanhã ― ele fala.<br />

― Hoje à noite ― corrijo-o e olho para o meu relógio quebrado.<br />

― Ah, sim ― ele fala e sorri. ― Hoje à noite. ― Ele expira e solta fumaça pela boca. De<br />

repente, ele para, entra em uma galeria e começa a descer as escadas. ― Você vem? ― ele pergunta<br />

quando fico parado olhando para ele como um idiota. ― É aqui ― explica.<br />

Desço as escadas devagar, pois descer degraus é muito difícil para mim. Se ele não estivesse<br />

aqui, talvez eu descesse pulando em um pé só. Seria muito mais fácil que descer um por um, mas<br />

muito menos gracioso.<br />

Passamos por uma porta e entramos em um porão repleto de relógios.<br />

Há relógios de parede, cucos e de mesa. Um trem de brinquedo soa próximo da entrada e eu<br />

sorrio para o barulho que ele faz.<br />

― Impressionante, não é? ― Pete pergunta.<br />

Sim, é incrível.<br />

No fundo da sala, um senhor está sentado em uma longa mesa, com engrenagens e peças<br />

espalhadas ao seu redor. Ele usa óculos com lentes de aumento e uma luminária ilumina seu espaço<br />

de trabalho. Ele não olha para cima, mas Pete chama seu nome.<br />

― Henry ― ele fala em voz alta.<br />

O homem olha para nós através dos óculos.<br />

― Pete ― ele fala, colocando as ferramentas para o lado e limpando a graxa das mãos. ― Que<br />

surpresa agradável.<br />

Pete se aproxima para apertar a mão dele, mas o senhor puxa-o para um abraço.<br />

― É bom ver você, Henry ― Pete fala. ― Como está Nan?<br />

Henry balança a cabeça e seu olhar parece distante.<br />

― Ainda não está totalmente recuperada ― ele fala e Pete aperta seu ombro. ― Bem, pelo<br />

menos ela está em casa ― Henry completa.<br />

Ele me olha e aponta para Pete.<br />

― Este rapaz e seus irmãos mudaram minha mobília de lugar para que eu pudesse trazer minha<br />

Nan para casa.<br />

Pete olha para baixo e não diz nada.<br />

Henry estende a mão.<br />

― Sou Henry ― diz ele. ― Quem é você?<br />

― Daniel ― respondo. ― Sinto muito por incomodá-lo tão tarde da noite, mas Pete disse que


você poderia me ajudar com meu relógio. ― Tiro-o do pulso e entrego a ele.<br />

Ele puxa os óculos para baixo e olha atentamente para ele, virando-o.<br />

― É bem antigo ― ele fala. ― Não me lembro de já ter trabalhado em um deste.<br />

Ele pertenceu a meu avô.<br />

― Você acha que pode consertá-lo? ― pergunto. Ele o leva para uma mesa próxima e abre a<br />

parte de trás, avaliando as engrenagens de dentro como se realmente soubesse para o que está<br />

olhando.<br />

― Talvez ― ele resmunga.<br />

De repente, ouço um baque vindo lá de cima e o velho se assusta. Ele coloca o relógio na mesa e<br />

vai para as escadas.<br />

― Você precisa de ajuda? ― Pete pergunta.<br />

― Vô! ― Ouço uma voz feminina no topo da escada.<br />

O senhor sobe as escadas e Pete o segue. Ambos desaparecem. Enfio as mãos nos bolsos e<br />

caminho ao redor, olhando para todos os relógios antigos. O homem deve apenas consertá-los. Ele<br />

não tem um showroom ou uma loja. O trem continua fazendo seu burburinho e eu sinto um sorriso<br />

abrir no canto dos meus lábios.<br />

A porta no topo da escada se abre e pés ligeiros passam por ela. Vejo um par de chinelos e a<br />

calça de um pijama listrado. E, de repente, estou olhando para os olhos mais verdes e bonitos que já<br />

vi.


F A I T H<br />

Tropeço no último degrau e ele estende a mão para me segurar. Ele parece pouco firme em seus pés,<br />

mas pula e me segura com força contra seu corpo sólido. Tenho a sensação de que ele cairia antes de<br />

me deixar cair, o que é bastante estranho de sentir.<br />

― Sinto muito ― murmuro.<br />

Puxo meu suéter para perto do meu corpo, envolvendo-o em mim. Eu deveria tê-lo vestido em<br />

vez de descer de pijama, mas simplesmente não tenho energia suficiente para mais nada. Estou<br />

trabalhando o tempo todo e, quando não estou no trabalho, ajudo meu avô e cuido de Nan. Sinto que<br />

não durmo há dias. E provavelmente não durmo mesmo. Quase tive um ataque cardíaco quando Nan<br />

tentou sair da cama e levou um tombo. Eu deveria ter ficado acordada para tomar conta dela, não<br />

podia ter caído no sono. Eu sabia que o vovô estava lá embaixo. Às vezes, ele também precisa de<br />

uma pausa. Ele ainda trabalha durante o dia como porteiro em um condomínio, além de consertar<br />

relógios em seu tempo livre.<br />

E ele ama minha vó.<br />

O amor deles é diferente de tudo que já vi. Não dava para comparar nem mesmo meu próprio<br />

casamento. Quando Nan estava internada, ele passava as noites lá e dormia em uma cadeira ao lado<br />

da cama todas as noites, pois dizia que não conseguia dormir sem ela, então, de que adiantaria<br />

dormir em casa? Quando ele a trouxe para casa, eu vim para ficar com eles. Ainda não sei se sou<br />

uma ajuda ou um obstáculo, mas sinto-me melhor ficando aqui, desde que eu não faça algo estúpido<br />

como adormecer.<br />

O homem pigarreia. Devo ter viajado. Vovô diz que faço muito isso. É por isso que sou boa em<br />

consertar relógios. É um trabalho lento, metódico e permite que minha mente viaje.<br />

― Não queria cair em cima de você ― eu falo. Sinto minhas bochechas aquecerem.<br />

Ele é lindo. Assustadoramente. Tem cabelos castanhos e profundos olhos cor de chocolate. Seu<br />

rosto tem uma sombra de barba por fazer e ele não sorri. Por que ele não sorri?<br />

Ele se abaixa para arrumar a perna da calça e vejo o metal que sai de dentro do seu sapato. Olho<br />

para seu rosto e vejo que ele me observa atentamente. Será que é por isso que ele não sorri? Estendo<br />

a minha mão, na falta de algo melhor a fazer.<br />

― Sou Faith ― eu falo. Ele segura minha mão e a aperta suavemente, seus olhos presos nos<br />

meus, e quase posso ver uma pequena faísca em seu olhar escuro. Mas que se apaga tão rapidamente<br />

quanto apareceu.<br />

― Daniel ― ele responde. ― Está tudo bem lá em cima?


Ele olha para a porta fechada.<br />

― Vovó tentou levantar-se e caiu. ― Balanço minha cabeça. A cabeça de vovó ainda é lúcida,<br />

mas seu corpo não acompanha e ela ainda não compreende suas limitações. ― Pete está lá em cima<br />

encantando-a para levá-la de volta para a cama. ― Eu rio. Esse rapaz tem um jeito especial de lidar<br />

com as pessoas.<br />

― <strong>Os</strong> <strong>Reed</strong>s ― ele fala ― parecem ótimas pessoas.<br />

Reviro os olhos.<br />

― <strong>Os</strong> cinco rapazes juntos pode ser um tanto opressor.<br />

Tive uma queda por Pete <strong>Reed</strong> durante um tempo, mas depois que ele conheceu Reagan e vi o<br />

quanto eles são perfeitos um para outro, descartei isso rapidamente.<br />

― São cinco irmãos? ― ele pergunta, coçando a cabeça. ― Acho que só conheci dois.<br />

Começo a contar com os dedos.<br />

― Paul, Matt, Logan, Sam e Pete, por ordem de idade. Sam e Pete são gêmeos, embora Sam jure<br />

que é oito minutos mais velho.<br />

Vou até onde vovô começou a mexer no relógio de Daniel.<br />

― Este é o seu? ― pergunto, pegando meus óculos e sentando-me na cadeira. Curvo a luminária<br />

de vovô na direção do relógio. Olho para ele e, embora eu jamais tenha trabalhado em um desses,<br />

acho que sou capaz de consertá-lo.<br />

― Foi do meu avô.<br />

Olho para ele.<br />

― O que aconteceu com ele?<br />

Ele afasta o olhar.<br />

― Uma explosão no Afeganistão.<br />

― Foi assim que você se feriu? ― pergunto, mas minha mente já está focada no funcionamento<br />

interno do relógio.<br />

― Sim ― ele fala com um suspiro.<br />

― Então seu relógio não funciona desde a explosão? ― pergunto. Estou tentando descobrir qual<br />

poderia ser o problema, já que as engrenagens giram quando eu as rodo manualmente.<br />

― Nada tem funcionado direito desde a explosão ― ele fala. Sua voz parece grave, de repente, e<br />

eu olho para cima.<br />

― O que você quer dizer?<br />

― O relógio ― ele esclarece, mas tenho certeza de que ele queria falar sobre sua vida. Ele<br />

caminha até perto de mim e senta-se em um banquinho. Parece inquieto e me deixa um pouco nervosa<br />

agora que está tão perto de mim. Mas vovô e Pete estão bem no andar de cima.<br />

Olho para ele.<br />

― Quer que o conserte, certo? ― pergunto.<br />

Ele balança a cabeça.<br />

― Mais do que tudo. ― Ele solta um suspiro. ― Sinto que o tempo parou naquele dia e nunca<br />

mais continuou a passar.<br />

Eu concordo, mas não posso olhar para ele. Ele está me dizendo mais do que deseja e fico com<br />

medo de que pare ao perceber que estou realmente ouvindo.<br />

― Você perdeu algum amigo? ― Continuo trabalhando no relógio, retirando peça por peça.<br />

― Perdi todos os meus homens. ― Sua voz fica rouca e ele tosse para limpar a garganta. ―


Todo mundo. Perdi tudo e todos.<br />

― Onde está sua família? ― pergunto.<br />

Sinto a brisa quente da sua exalação pesada.<br />

― Tudo se foi.<br />

Finalmente olho para cima.<br />

― Sinto muito.<br />

Ele balança a cabeça, levanta-se e começa a vagar pela loja. Uma hora mais tarde, coloco todas<br />

as peças de volta dentro do relógio e o fecho. Deve voltar a funcionar. Mas, simplesmente, ele não<br />

funciona. E não sei por quê. Solto um longo suspiro.<br />

― O que há de errado? ― ele pergunta diretamente atrás de mim. Sinto o calor da sua respiração<br />

na parte de trás do meu pescoço e os pelos em meus braços ficam eriçados.<br />

― Nada ― respondo e começo a desmontá-lo novamente. Olho por cima do meu ombro para ele.<br />

― Está com pressa?<br />

Ele dá de ombros e para ao meu lado, pega uma caneta e começa a girá-la sobre a mesa. Olho<br />

para ele.<br />

― Desculpe-me ― ele fala timidamente e para de girar a caneta com um tapa. ― Então, você<br />

mora aqui? ― ele pergunta. ― Em Nova York? O tempo todo?<br />

Concordo e continuo a desmontar o relógio. Relógios são feitos com uma série de engrenagens,<br />

mesmo esse tão antigo. Certifico-me de que cada uma está funcionando, enquanto coloco-as no lugar.<br />

Não há engrenagens quebradas ou peças faltando. Nada foi abalado ou ficou solto por causa<br />

explosão.<br />

― Sim ― respondo rapidamente.<br />

― Você sempre morou aqui? ― ele pergunta.<br />

― Não ― murmuro. ― Mudei para cá quando minha avó ficou doente. Antes disso, eu morava<br />

na Flórida.<br />

― Você gosta daqui? ― pergunta ele.<br />

Dou de ombros.<br />

― É um lugar tão bom quanto qualquer outro.<br />

― Por que você não é casada? ― ele pergunta.<br />

Olho para cima.<br />

― O que faz você pensar que não sou?<br />

Ele sorri, mas não chega a seus olhos.<br />

― Porque qualquer homem em seu juízo perfeito não a deixaria fora de suas vistas.<br />

Levanto a cabeça. Ele fica de pé e vaga pela loja novamente, como se não tivesse dito nada<br />

demais.<br />

― Não sei do que você está falando ― murmuro.<br />

Ele coloca a mão na orelha como se não tivesse me escutado e sorri.<br />

― O que foi isso? ― ele pergunta.<br />

― Não importa. ― Meu olhar se fixa em seus lábios. Ele lambe o lábio superior e tenho que me<br />

forçar a desviar o olhar.<br />

― Algo de errado? ― ele pergunta. Seus olhos focam em minha boca e ele se aproxima de mim.<br />

Será que ele está pensando em me beijar?<br />

Olho para o relógio. Afasto o suéter, porque, de repente, ficou muito quente aqui.


― Não ― respondo.<br />

Olho para as peças do seu relógio que estão espalhadas por toda a minha mesa. A porta do andar<br />

de cima se abre e Pete caminha até que diminui o passo e olha para Daniel e eu.<br />

― O que eu perdi? ― ele sorri.<br />

― Cale a boca ― eu resmungo.<br />

― Oh ― ele sussurra e acena com a cabeça, dando um soquinho em meu ombro enquanto passa<br />

por mim. Rosno para ele, que ri.<br />

― Como está Nan? ― pergunto. ― Ainda chateada?<br />

― Só porque você ainda está trabalhando ― ele fala e bagunça meu cabelo com sua mão grande.<br />

― Não seja tão dura consigo mesma ― ele fala em voz baixa. ―, poderia ter acontecido com<br />

qualquer um.<br />

Aceno, mordendo meu lábio inferior para não chorar. Vovó tem ficado cada vez mais debilitada.<br />

Não há muito que possamos fazer por ela, exceto esperar e cuidar para que fique confortável.<br />

― Ela estava falando sobre uns relógios antigos ― Pete fala. Ele pega um pacote de batata frita<br />

que eu estava comendo mais cedo e serve-se.<br />

Sorrio. Vovô comprou-lhe um pequeno relógio engraçado fabricado na Alemanha quando eles se<br />

casaram. Mas precisou vender na época das vacas magras, cerca de trinta anos atrás. Vovô vivia<br />

vasculhando na internet para encontrar outro.<br />

― Ele nunca vai encontrar algo como aquele relógio, nem poderá pagar. Já encontramos várias<br />

réplicas porcarias, mas ele quer um verdadeiro para dar a ela, ou nada.<br />

― Que tipo de relógio? ― Daniel pergunta.<br />

― Era um relógio alemão com uma grande casa entalhada em madeira e, a cada hora, dançarinos<br />

saíam de dentro dele e deslizavam para frente e para trás. ― Encolho os ombros. ― Só isso que me<br />

lembro.<br />

― É raro? ― Pete pergunta.<br />

Concordo.<br />

― É muito caro para que vovô possa comprar outro.<br />

Eu adoraria comprar para eles se o encontrasse e tivesse dinheiro suficiente.<br />

― Nan costumava contar histórias de amor a respeito dos dançarinos que saíam de dentro da<br />

casa de madeira. ― Arqueio as sobrancelhas para os homens. ― Segundo ela, havia uma série de<br />

trocas de beijos dentro daquela casa.<br />

Meus avós sempre tiveram uma paixão louca um pelo outro e, às vezes, me pergunto se algum dia<br />

terei isso. Talvez eu esteja esperando por um amor como o deles, não sei. Não preciso continuar,<br />

pois Pete já está sorrindo.<br />

― Henry era um safadinho ― Pete fala alegremente.<br />

Balanço a cabeça, mas, secretamente, não quero repreendê-lo. Ele está certo.<br />

― Ela começou a falar sobre isso novamente há algumas semanas. Sei que ele quer comprar um<br />

para ela, mas acho que não vai conseguir.<br />

O telefone de Pete vibra e ele sorri de algo que aparece na tela. Ele olha para nós.<br />

― Reagan vai me colocar para fora se eu não chegar em casa logo.<br />

― É melhor você se apressar ― falo rindo.<br />

― Ela me ama ― ele fala, com um olhar feliz. Pete está apaixonado e eu não poderia estar mais<br />

feliz por ele.


Ele olha para mim.<br />

― Quanto custa um relógio desses? ― pergunta.<br />

― Quase o valor de um carro ― eu falo. ― Eu mesma já pensei em comprar.<br />

Ele faz uma careta.<br />

― Sim, eu imaginei. Pensei em comprar também.<br />

Daniel estica a mão para Pete.<br />

― Obrigado pela ajuda para encontrar a loja ― ele fala, apertando a mão de Pete.<br />

― Ei, quer encontrar conosco amanhã à noite? Você poderia assistir a queima de fogos de<br />

artificio com a gente.<br />

Daniel balança a cabeça.<br />

― Tenho que estar num lugar à meia-noite ― ele fala. ―, mas obrigado.<br />

Pete dá uma batidinha em seu ombro, então me abraça e sai. Posso ouvi-lo assoviando enquanto<br />

começa a subir as escadas.<br />

Monto o relógio de Daniel novamente.<br />

― Ainda não está funcionando.<br />

Seus lábios franzem em descontentamento.<br />

― Esperava que alguém conseguisse consertá-lo antes que fosse tarde demais.<br />

― Tarde demais para quê? ― pergunto.<br />

― Para mim ― ele responde.<br />

― Nunca é tarde demais para você, bobo ― digo a ele


D A N I E L<br />

Senti as flores da esperança tentarem florescer em meu peito. Não sentia esperança há muito tempo.<br />

Esfrego a mão distraidamente sobre o peito tentando afastar a dor, porque meu coração acelera.<br />

Estive morto por dentro por muito tempo desde que acordei no hospital, sem a perna, sem amigos e<br />

sem futuro. Mas, de repente, sinto que estou prestes a desmaiar.<br />

― Você está bem? ― Faith pergunta. Ela levanta-se e vem em minha direção, tocando meu rosto<br />

com uma mão hesitante. Olha dentro dos meus olhos e me faz desejar abraçá-la e contar todos os<br />

meus problemas.<br />

― Sim ― murmuro. Mas não estou. Não estou nada bem. ― Tenho Transtorno do estresse póstraumático<br />

― falo. ― Meu TEPT é muito grave.<br />

― Desde o acidente? ― ela pergunta. Sua voz é suave e eu aconchego meu rosto na palma da sua<br />

mão como um gatinho. Ela sorri e me permite.<br />

― Por causa das patrulhas. Por matar pessoas. Ver pessoas mortas. Pelo que minha vida se<br />

transformou.<br />

Ela se move em direção a um sofá do outro lado da sala e eu me sento em uma das extremidades.<br />

Faith senta-se do outro lado, colocando os pés em cima do sofá e puxa uma manta para se cobrir,<br />

jogando-a sobre meu colo também. Meu peito dói novamente e eu o esfrego tentando afastar a dor.<br />

― O que dói? ― ela pergunta.<br />

― Tudo ― digo em voz baixa. Nunca falei sobre essa merda. Nunca. Mas ela está me fazendo<br />

perguntas e não é meu comandante ou a porra de um médico que vai querer me dar remédios até que<br />

eu fique grogue e não sinta mais nada. Até que eu esqueça as coisas que vi. Mas não quero esquecêlas.<br />

Preciso lembrar, porque se eu não me lembrar de suas vidas, quem o fará? ― O tempo parou<br />

para mim naquele dia ― falo. Apoio a cabeça em minhas mãos e tento me concentrar em respirar.<br />

― Você precisa de um saco de papel para respirar dentro dele? ― ela pergunta.<br />

Eu rio.<br />

― Talvez em um minuto.<br />

― Conte-me sobre esse dia ― ela pede.<br />

Balanço a cabeça.<br />

― Não posso falar sobre isso.<br />

― Por que não? ― Faith sussurra.<br />

― Porque dói voltar para lá ― admito. Prefiro ficar dormente.<br />

― Todos eles morreram? ― ela pergunta em voz baixa.


Concordo.<br />

― Quantos eram? ― Ela ajeita o cobertor para que eu fique mais coberto e sinto seu pé desliza<br />

para debaixo da minha coxa. Sorrio. Gosto disso. Gosto muito mais do que deveria.<br />

― Éramos dez ― respondo.<br />

― Quais eram seus nomes?<br />

Meu peito dói pra cacete agora, bem como minha garganta, que faz eu me sentir como se tivesse<br />

um nódulo que não me deixa engolir o passado. Quando olho para ela, seus olhos brilham com<br />

lágrimas não derramadas. Merda. Deixei-a triste.<br />

― Sinto muito ― falo. ― Eu não deveria sobrecarregá-la com isso.<br />

― Não se preocupe ― ela fala, rindo levemente. ― Não é como se eu tivesse algum lugar para<br />

ir agora.<br />

Fecho os olhos. Ainda posso ver seus rostos. Posso ver como eles eram antes e como ficaram<br />

depois da explosão. E é isso que me assombra.<br />

― Tinha Jimmy. Ele tinha dezenove anos e gostava de jogar pôquer. Aquele garoto me depenou<br />

em cada partida que jogamos.<br />

Ela encosta o rosto na parte de trás do sofá, se aconchega nas almofadas e boceja.<br />

― Quem mais? ― ela pergunta.<br />

― Ron, Bobby, David, John e Bubbah. Eram todos do Tenessee e se conheceram na base.<br />

― Bubbah? ― Ela ri.<br />

― Ele tinha o cabelo vermelho flamejante e seu nome verdadeiro era Seamus O’Malley.<br />

― Bubbah soa muito melhor. ― Ela sorri e meu peito dói um pouco mais.<br />

― Alex era um pé no saco. Ele costumava roubar nossos sapatos quando estávamos no chuveiro<br />

e os escondia. Não queria usá-los. Ele só queria que a gente não conseguisse usá-los também. ―<br />

Sinto falta de suas brincadeiras. ― Jeff era o meu irmão de outra mãe. Eu o conhecia há muito tempo.<br />

― Mais dois? ― ela pergunta e fica com dois dedos erguidos.<br />

Concordo.<br />

― Rex e Rick. Eram como gêmeos. Eles iam a todos os lugares juntos.<br />

Ela balança a cabeça, esfregando a bochecha no sofá e me fazendo desejar que estivesse contra<br />

meu peito para que eu pudesse sentir sua respiração em mim. Merda.<br />

― Rick sobreviveu à explosão comigo ― deixo escapar.<br />

Ela levanta a cabeça.<br />

― Entendi você dizer que todos tinham morrido.<br />

― Ele foi queimado. Quase tanto quanto eu, mas me pegou quando percebeu que minha perna<br />

fora arrancada e me carregou por sobre seu ombro.<br />

Sinto meu estômago se agitar e acho que se eu não parar agora vou vomitar. Mas, então, ela se<br />

aproxima de mim e deita a cabeça em meu ombro. Ela precisa tirar os pés de debaixo da minha coxa<br />

ao se aproximar, então, eu os coloco em meu colo e os cubro com a manta. Ela se acomoda contra<br />

mim. Posso sentir seu coração batendo, pressionado contra o meu braço.<br />

― O que aconteceu? ― ela sussurra.<br />

Minha voz falha e eu me esforço para continuar.<br />

― Ele nos levou para um lugar que considerávamos seguro, mas, quando estávamos fazendo a<br />

travessia, ele foi atingido por franco-atiradores. Ele caiu e eu tentei pegá-lo e arrastá-lo comigo, mas<br />

os médicos nos alcançaram e me afastei. Mais tarde, me disseram que ele havia morrido. ― Ele me


salvou e, então, morreu, porra. Ele poderia ter me deixado lá e fugido, mas não o fez.<br />

Sinto minhas bochechas úmidas e odeio isso. Faith não olha para mim. Ela está lá e sinto as<br />

lágrimas em meu ombro.<br />

― Droga, não queria fazer você chorar ― falo, segurando seu rosto e ela olha em meus olhos.<br />

― O que te faz continuar? ― ela pergunta. Sua boca está tão perto da minha que posso sentir o<br />

cheiro da batata frita que ela estava comendo antes. Lambo meus lábios. Quero beijá-la. Mas não<br />

posso começar nada. Meus dias estão contados depois de tudo isso.<br />

― Não sei se posso continuar ― admito. ― Alguns dias são muito difíceis.<br />

― Quanto tempo demorou para aprender a usar essa perna? ― ela pergunta. Sua mão toca em<br />

minha coxa e eu aperto o músculo.<br />

― Muito tempo.<br />

Ela limpa o rosto em minha manga e solta um suspiro. Sei que ela viu meu rosto molhado, mas<br />

não me importo. Não sei por quê. Eu deveria. Afinal, homens não choram, né?<br />

― Homens choram, sim ― ela sussurra.<br />

Merda. Falei isso em voz alta?<br />

― Se você acha ― falo levianamente. Seco meu rosto.<br />

― Você já se perguntou por que sobreviveu? ― ela pergunta.<br />

― A cada maldito dia ― grunho. Eu não era digno. Não era bom o suficiente. Deveria ter sido<br />

outra pessoa. Eu não tinha mãe, esposa, nem mesmo uma namorada em casa. Eu era sozinho, exceto<br />

pela minha tropa.<br />

― Você acredita em fé? ― ela pergunta.<br />

Olho para ela.<br />

― Você quer dizer fé em Deus?<br />

Ela balança a cabeça.<br />

― A fé de que existe algo maior que você.<br />

Ela levanta um dedo quando abro a boca para falar. Não acredito em fé, Deus, predestinação ou<br />

qualquer uma dessas besteiras. Não mais.<br />

― Não estou dizendo fé em alguma entidade que esteja no comando da sua vida. Estou falando da<br />

fé de que você está intrinsecamente ligado a outras pessoas. Que nunca está sozinho, mesmo no dia<br />

em que você se sente mais solitário.<br />

― Não entendo.<br />

― Imagine fios invisíveis. Eles se conectam às pessoas. Assim como você esteve ligado a seus<br />

pais até que os perdeu. Então, quando você se desconectou deles, ainda esteve ligado a outras<br />

pessoas, como os rapazes da sua tropa. Seus segmentos não se quebram quando você perde alguém.<br />

Você está conectado a essa pessoa e à memória dela para sempre. Mas seus fios multiplicam-se. A<br />

cada encontro, novas conexões fazem parte de você.<br />

Ela fica quieta por um segundo e não sei o que dizer, porque consigo mentalizar o que ela está<br />

falando. E, cara, é bonito demais. Mas não é real. Meus fios foram cortados e eles não podem se<br />

conectar a outra pessoa. Não mais. Estou tão cansado de estar sozinho, merda.<br />

― Desculpe-me, Faith, mas acho que isso é besteira.<br />

Ela se senta e segura o meu rosto em suas mãos.<br />

― Não é besteira ― diz ela. ― Então, cale a boca e se conecte comigo, caramba.<br />

Balanço minha cabeça e puxo suas mãos do meu rosto.


― Não quero conexões.<br />

― Quer, sim. Todo mundo anseia por conexões. Por que você acha que as pessoas fazem sexo?<br />

Porque é uma conexão. ― Ela bufa e, meu Deus, é o ruído mais adorável que já ouvi. ― Não que eu<br />

queira fazer sexo com você ou algo do tipo ― ela esclarece, mas um sorriso aparece em seu rosto.<br />

― Você quer fazer sexo comigo ― brinco, porque provocar é mais fácil do que me forçar a sentir<br />

algo de verdade.<br />

― Não quero nada com você a menos que seja capaz de se conectar. ― Ela joga o cobertor para<br />

o lado. ― Você não está quebrado, Daniel. Você só está se curando. E quando estiver totalmente<br />

curado, seus fios irão procurar novas conexões. ― Ela se levanta e coloca as mãos nos quadris. ―<br />

Nós imploramos por conexões e quando você desiste delas é como se estivesse morto.<br />

Estou morto por dentro.<br />

― Você está tão triste que me faz desejar agarrar-me à você e fazê-lo voltar à vida, mas você é a<br />

única pessoa que pode fazer isso, Daniel.<br />

Ela se afasta de mim.<br />

― Onde você está indo? ― pergunto. Quero segurar sua mão, entrelaçar meus dedos nos dela e<br />

puxá-la para o meu colo para que eu possa segurá-la. Quero senti-la. Quero... mas não posso.<br />

Simplesmente não posso.<br />

― Trabalhar em seu relógio ― ela fala com um suspiro pesado.<br />

Faço um movimento para me levantar, mas ela empurra meu ombro.<br />

― Fique ― ela fala. ― Faça uma pausa. ― Ela me cobre com o cobertor, prendendo-o em torno<br />

de mim, tomando mais cuidado do que qualquer um teve comigo em muito tempo.<br />

― Só preciso que você conserte meu relógio, Faith ― digo.<br />

Ela morde os lábios.<br />

― Isso não é tudo o que você precisa, Daniel ― ela fala baixinho.<br />

Seus lábios tocam minha testa. Sua respiração me atinge e sinto como se eu estivesse prestes a<br />

desabar quando um soluço está prestes a sair. Engulo-o antes que ele saia.<br />

― Isso é o suficiente ― grunho.<br />

― Eu sei ― ela fala. ― Obrigada por me contar a sua história ― ela diz baixinho. ― Sinto<br />

muito por você ter sobrevivido.<br />

Eu sei o que isso significa.<br />

― Eu também ― respondo.


F A I T H<br />

Observo-o de onde estou, sentada do outro lado da sala, e vejo que ele está atormentado por seus<br />

próprios pensamentos e reações. Quero consolá-lo, mas não acho que posso fazer qualquer coisa por<br />

ele agora. Ele se instala no sofá e parece tão confuso que quero rastejar em seu colo e cuidar dele.<br />

Mas não posso. Ele não aceitaria se eu tentasse.<br />

Acredito na fé e no amor. Acho que existe algo maior do que eu e a crença orienta minhas<br />

conexões com os outros. Ela fortalece os fios que nos unem. Acredito na bondade, positividade e luz.<br />

Posso ver que Daniel não permitiu que a luz entrasse por um longo tempo. Onde não há luz, os<br />

sentimentos não podem crescer.<br />

Não posso ser a luz que brilha sobre ele a menos que ele esteja disposto a abrir-se e me deixar<br />

entrar. Ele sequer precisa deixar que seja eu a entrar, mas espero que permita que alguém o faça.<br />

Agora, ele dorme no sofá. Por volta das duas da manhã, ele, finalmente, caiu no sono. Puxo o<br />

cobertor sob seu queixo como se ele fosse um bebê e ele recua. Não tento acordá-lo, mas seus sonhos<br />

parecem desagradáveis. Tenho medo de que se eu tentar acordá-lo ele vá se assustar. Então, passo<br />

rapidamente a mão sobre seu rosto e o deixo.<br />

Preciso tomar um banho e me vestir. Ainda estou de pijama. Vou até o andar de cima e coloco a<br />

cabeça dentro do quarto de Nan. Vovô se enrolou na cama hospitalar com ela e os dois estão<br />

ressonando. Eles passam a maioria das noites assim. Observo-os por um momento e me pergunto o<br />

que vai ser dele quando ela se for. O quanto ele vai chorar... quanto sentirá falta dela... será que ele<br />

vai desligar suas conexões como Daniel ou buscará outras?<br />

Tomo um banho, visto uma camiseta, um casaco e jeans; coloco minhas meias mais grossas e<br />

minhas botas. Ainda há neve no chão e pode ficar muito frio no porão. Mas quero terminar o relógio<br />

de Daniel. Coloco café em duas canecas, só para garantir, caso ele esteja acordado. Se não estiver,<br />

bebo as duas.<br />

Abro a porta do porão e posso ouvi-lo roncar suavemente. Ele colocou os pés sobre o sofá e o<br />

cobertor está puxado acima do seu peito. Bem, um pé. A prótese está no chão, à sua frente.<br />

Aparentemente, ele ficou confortável quando viu que eu tinha ido embora.<br />

Trabalho em seu relógio até o sol nascer e bebo ambas as canecas de café. Não consigo consertar<br />

o maldito relógio, não importa quantas vezes eu o desmonte. Não sei mais o que posso fazer. Vovô<br />

desce as escadas e olha para mim. Sua testa franze. Ele está carregando uma jarra de café. Eu não<br />

dormi na noite anterior, mas dormi um pouco de dia, ontem, quando Nan estava dormindo. Ela tem<br />

esses ciclos malucos de sono.


― Ainda trabalhando nessa coisa? ― ele pergunta baixinho, aproximando-se de mim.<br />

Levanto minhas mãos em sinal de rendição.<br />

― Desmontei e montei até perder a conta ― explico. ― Não consigo pensar em um motivo para<br />

não funcionar.<br />

Ele entrega uma caneca de café fresco para mim.<br />

Vovô levanta os óculos no nariz e olha para o relógio.<br />

― Algo está quebrado, mas não tenho certeza de que é algo que você será capaz de consertar,<br />

Faithzinha ― ele fala. Gosto quando ele diz meu nome no diminutivo. ― Às vezes, certas coisas<br />

estão além do nosso controle.<br />

― Não funciona desde a explosão ― explico. ― Aquela em que ele perdeu a perna e a equipe.<br />

Vovô olha para ele.<br />

― Não notei a perna na noite passada ― ele fala e suspira. Então, olha em meus olhos. ― Você<br />

quer consertá-lo ou ao relógio?<br />

― Ah, pare ― eu reclamo. ― É só um relógio. Simplesmente não consigo descobrir o que há de<br />

errado com ele.<br />

― De repente, ele simplesmente desistiu, Faith. ― Ele começa a mexer no relógio. ― Você sabe<br />

o que quero dizer, não sabe? ― Ele olha em meus olhos e depois volta para o relógio. ― Acho que<br />

esse desistiu há um tempo.<br />

Sinto que vovô está falando mais do que sobre o relógio quebrado. Ele está falando sobre o<br />

homem. E tenho medo de que ele esteja certo.<br />

― Ele tem pelo que lutar? ― vovô pergunta baixinho. Suas palavras não passam de um<br />

murmúrio.<br />

― Você pode consertar? ― pergunto. ― Ele está sozinho. ― Olho para ele. Está se mexendo.<br />

― As pessoas nunca estão sozinhas, Faithzinha. Você sabe disso. ― Ele olha para mim com um<br />

olhar revelador.<br />

― Eu sei, mas, às vezes, a gente se sente assim.<br />

Ele me olha através dos óculos.<br />

― Você não está falando sobre si mesma, está? Se estiver, terei que jogá-la na fogueira.<br />

Reviro os olhos.<br />

― Você não tem um depósito de lenha, vovô.<br />

― Você não faz ideia ― ele grunhe.<br />

― Estava falando sobre ele ― admito. ― Mas ele disse que vai se juntar a sua equipe amanhã.<br />

Isso deve ser bom, não é?<br />

Vovô acena. Com o canto do olho, vejo Daniel sentar-se. Ele passa a mão pelo cabelo e esfrega<br />

os olhos com as palmas das mãos. Puxa a perna da calça para cima e coloca a prótese de volta.<br />

Levantando-se cautelosamente, ele testa seu peso sobre ambos os membros. Então, caminha até nós.<br />

― Bom dia ― vovô fala, mas sua atenção está no relógio.<br />

― Bom dia ― Daniel responde. Ele olha para mim e sorri timidamente. Ele é doce e meu<br />

coração acelera no peito, o que me assusta um pouco.<br />

― Café? ― pergunto.<br />

Ele balança a cabeça e me olha agradecido. Então, pego a caneca extra que trouxe mais cedo para<br />

ele e a encho.<br />

― Preto está bom? ― pergunto.


Ele sorri.<br />

― Perfeito. ― Ele toma um gole e acena para o relógio. ― Conseguiu fazê-lo funcionar?<br />

Mordo meus lábios e balanço a cabeça.<br />

― Sinto muito. Já o desmontei várias vezes e não consigo encontrar nenhuma razão para ele não<br />

estar funcionando.<br />

― Sempre achei que a explosão afrouxou as coisas dentro dele.<br />

Balanço a cabeça novamente.<br />

― Tudo parece bem no seu interior.


D A N I E L<br />

Meu relógio está exatamente como eu: morto por dentro. E não deseja voltar a vida, assim como eu<br />

não quero.<br />

Henry fecha o relógio e o entrega a mim.<br />

― Estou muito triste ― ele fala. ― Queria poder ajudá-lo com isso.<br />

Pego o relógio e o coloco de volta em meu braço.<br />

― Obrigado por tentar ― eu digo. Aperto sua mão e ele segura a minha com força. Enfio a mão<br />

no bolso de trás da calça e puxo a minha carteira. ― Quanto lhe devo?<br />

Henry balança a cabeça.<br />

― Nada. Não conseguimos consertar. Você não tem que pagar nada. ― Ele acena para mim e<br />

volta para o quarto. No último minuto, ele vira para trás e fala ― Feliz ano novo, meu filho.<br />

― Obrigado, senhor ― respondo. A porta se fecha atrás dele.<br />

Faith solta um suspiro pesado.<br />

― Ele parece tão cansado ― ela fala. ― Mas continua caminhando. Nunca desiste. ― Sua<br />

respiração parece pesada.<br />

― Você dormiu? ― pergunto.<br />

Ela balança a cabeça.<br />

― Ainda não.<br />

Seu cabelo está solto por sobre os ombros. Antes, ele estava preso num belo nó bagunçado no<br />

alto da sua cabeça. Ela usa jeans e camiseta e parece confortável. Aceno com o polegar em direção<br />

ao sofá.<br />

― Espero que não tenha causado problemas por ter dormido no sofá. Quando acordei, você não<br />

estava mais aqui.<br />

Ela sorri.<br />

― Fui dar uma olhada em Nan e tomar um banho. ― Ela segura meu braço e olha para o relógio,<br />

mordendo o lábio inferior. ― Sinto muito por não conseguir consertá-lo. Sei que era importante para<br />

você.<br />

Dou de ombros.<br />

― Não tem importância. ― Pelo menos, não terá após esta noite. ― Era apenas uma das coisas<br />

na lista do que preciso fazer hoje.<br />

Ela estreita os olhos para mim.<br />

― O que mais tem na sua lista?


― Só umas coisas estúpidas ― murmuro, mais para mim do que para ela.<br />

― Tais como...? ― Ela deixa a pergunta pairando no ar entre nós.<br />

Sinto minhas bochechas corarem. Não sei por que me sinto envergonhado por causa da minha<br />

lista.<br />

― Eu queria fazer uma tatuagem, então, fiz uma na noite passada.<br />

― Oh ― ela murmura, iluminando-se visivelmente. ― Posso ver?<br />

Meu rosto esquenta ainda mais. Levanto a manga e deixo-a olhar para ela. Em vez de tocar a<br />

tatuagem, seus dedos tocam timidamente as queimaduras em meu antebraço, logo abaixo.<br />

― Isso aconteceu no Afeganistão? ― ela pergunta. Sua mão treme contra a minha pele e quero<br />

puxá-la para mim. Mas não tenho nada para lhe oferecer. Nada mesmo.<br />

Concordo. Ergo minha manga um pouco mais, na esperança de que pare de desenhar esse<br />

pequeno círculo em meu antebraço. No entanto, secretamente, espero que ela não pare. Na verdade,<br />

quero que ela abra a mão e pressione-a para minha pele. Quero mantê-la lá. Solto um suspiro e ela<br />

está tão perto de mim que seu cabelo levanta.<br />

― Bela tatuagem ― ela fala. Concordo com a cabeça e puxo a manga da camiseta para baixo.<br />

Ela sorri. ― Quer ver a minha?<br />

Ela puxa a manga da sua camiseta e gira seu pulso para cima. Ela tem um pequeno símbolo do<br />

infinito em seu pulso. É delicado, feminino e combina com ela.<br />

― Infinito amor e gratidão ― diz ela. Ela vira o braço e mostra o G escondido no meio da<br />

tatuagem com a ponta do dedo para que eu possa vê-lo. O final do símbolo do infinito tem a forma de<br />

um coração.<br />

― Infinito amor e gratidão ― repito. Esta mulher me tira o fôlego o tempo todo. ― Pelo que<br />

você é grata? ― Olho em seus olhos verdes.<br />

Ela solta um suspiro.<br />

― Seria melhor perguntar pelo que não sou grata hoje. ― Ela começa a limpar a mesa de<br />

trabalho. ― Sou grata por ter acordado hoje. ― Ela sorri. ― Bem, ontem.<br />

― O que mais? ― pergunto enquanto encosto meu quadril na beira da mesa.<br />

Ela vira e levanta o cabelo da parte de trás de seu pescoço.<br />

― Tenho outra aqui ― diz ela, sorrindo para mim por cima do ombro.<br />

― Outra tatuagem? ― pergunto. Eu queria saber pelo que mais ela era grata.<br />

Ela balança a cabeça e eu me aproximo. Afasto os fios de cabelo da sua nuca. Ela estremece<br />

levemente, mas continua sorrindo.<br />

― Uma borboleta ― eu digo. ― Que original.<br />

― Eu tinha dezoito anos ― ela reclama, mas está sorrindo, então, sei que ela não ficou<br />

aborrecida.<br />

― Foi uma daquelas coisas de rebeldia? ― pergunto.<br />

Ela balança a cabeça.<br />

― Me envolvi em tantos problemas ― ela fala e solta um suspiro risonho. ― Achei que meu pai<br />

ia me matar.<br />

― Tem mais alguma? ― pergunto.<br />

Seu rosto cora.<br />

― Onde? ― pergunto.<br />

― Outros lugares ― ela murmura. De repente, ela parece muito interessada em limpar a mesa de


trabalho.<br />

― Que lugares? ― provoco. Meu coração está mais leve agora do que já esteve em muito tempo.<br />

Não tenho certeza se gosto disso.<br />

― Se quer saber, tenho uma na bunda, tá?<br />

Ela se vira, afasta-se de mim e tudo que consigo fazer é olhar para sua bunda. Ela preenche muito<br />

bem o jeans, mas estou morrendo de vontade de ver a tatuagem.<br />

― Posso ver? ― pergunto. Um sorriso surge em meus lábios. É um sentimento tão estranho que<br />

não sei o que fazer com ele.<br />

Ela bufa.<br />

― Você consegue fazer com que as garotas tirem as calças com esse papinho? ― ela pergunta e<br />

enche outra caneca de café para mim quando me vê beber a última gota.<br />

― Obrigado ― falo e olho em seus olhos verdes. ― Não tenho uma garota há um bom tempo ―<br />

eu digo. Faço um movimento em direção à minha perna. ― Levei um bom tempo para aprender a usar<br />

essa coisa.<br />

― Ainda não terminou de aprender a usá-la? ― ela pergunta e sorri para mim por cima da borda<br />

da caneca.<br />

Concordo.<br />

― É um aprendizado diário. ― Deixo meu olhar vagar pelo seu corpo. Ela me olha e cruza os<br />

braços sob seus seios. ― Desculpe-me ― murmuro. ― Você é linda demais.<br />

Ela sorri e cora, ficando ainda mais bonita. Estou ferrado. Porra, totalmente ferrado.<br />

― Acho que devo deixá-la voltar ao trabalho ― falo. ― Ou para a cama. Ou seja lá o que você<br />

faz durante o dia. ― Olho para a porta. ― Sabe a que horas os vendedores começam a vender<br />

castanha e chocolate quente?<br />

Sua testa franze.<br />

― Você come castanha e chocolate quente no café da manhã?<br />

― Está na minha lista. ― Tiro-a do bolso e olho para ela. Minha lista de coisas a fazer é muito<br />

boba. Agora que estou olhando para ela, penso nisso. Eu, provavelmente, deveria ir para o hotel e<br />

dormir.<br />

Ela se inclina para olhar para a minha lista.<br />

― O que mais tem nela? ― Seus olhos se arregalam e ela fala. ― Uma peça da Broadway? Na<br />

véspera de Ano Novo?<br />

Concordo.<br />

― Posso ir? ― ela sussurra, agarrando meu braço enquanto olha nos meus olhos. ― Me leva<br />

com você?


F A I T H<br />

Não posso acreditar que pedi isso a ele. Quero engolir as palavras de volta, mas elas já saíram. O<br />

olhar em seu rosto é dolorosamente intenso. Ele arqueia uma sobrancelha, tentando agir como se não<br />

estivesse assustado, mas tenho certeza de que está.<br />

― Você quer assistir a uma peça na Broadway? Comigo?<br />

Concordo com a cabeça, mordendo meu lábio inferior. Seu olhar recai sobre a minha boca,<br />

demorando-se ali. Ele aperta os lábios.<br />

― Sempre quis ir. ― Dou de ombros. Sinto-me envergonhada.<br />

― Minha mãe costumava me levar todos os anos. Fazíamos uma caminhada pela cidade,<br />

comíamos castanhas quentes, bebíamos chocolate e fazíamos todas as coisas que estão na minha lista<br />

de ano novo. ― Ele dá de ombros, parecendo desconfortável. ― Nem sei o que está passando hoje à<br />

noite.<br />

― Cinderela ― sussurro. ― Com músicas de Rodgers e Hammerstein. ― Às vezes, sinto-me<br />

como a Cinderela. Cuido de todo mundo, mas ninguém cuida de mim. Não mais. Vovô está ocupado<br />

com Nan e ela está muito doente para fazer mais do que sobreviver. Meus pais pensam que sou<br />

invencível, mas preciso de ajuda também. Só não quero que ninguém saiba disso. Balanço a mão no<br />

ar. ― Olha, deixa para lá. ― digo. ― Esquece. Foi um impulso bobo.<br />

― Você precisa pegar sua bolsa? ― ele pergunta sorrindo e, pela primeira vez, vejo cor em seu<br />

rosto.<br />

Bato levemente em meus bolsos. Estou com meu cartão de crédito e minha identidade. É só isso<br />

que preciso. Mas eu precisaria vestir algo melhor para ir ao teatro.<br />

― Você está falando sério? ― pergunto. ― Quer mesmo que eu vá com você?<br />

Ele dá de ombros, mas ainda está sorrindo. Ele parece mais jovem quando sorri. E é tão bonito<br />

que me deixa sem ar.<br />

― Preciso pedir permissão ao seu avô? ― ele sussurra brincando.<br />

Concordo. Ele provavelmente precisa. Ele se senta e olha para mim, parecendo assustado.<br />

― Preciso, não é? ― ele pergunta.<br />

Concordo com a cabeça novamente.<br />

― É uma coisa cavalheiresca a se fazer ― respondo, brincando.<br />

― Caramba, você vai mesmo me colocar para fazer isso? ― ele murmura, mas ainda está<br />

sorrindo.<br />

Sim, vou fazê-lo correr atrás, porque ele precisa batalhar pelo que quer.


― Você pode subir enquanto pego umas coisas para que possamos sair? ― pergunto. Olho para<br />

seu rosto. Ainda não tenho certeza se ele realmente quer que eu vá ou se está apenas me agradando.<br />

Ele balança a cabeça e sorri, subindo as escadas. Ao chegar no topo, ele para.<br />

― Devo bater? ― ele pergunta.<br />

Passo por ele para abrir a porta e ele desce um degrau, parecendo um pouco instável. Ah, merda.<br />

Eu o fiz subir as escadas com a prótese. Sou uma idiota. Ele inspira quando fica atrás de mim, fecha<br />

os olhos e faz hum baixinho. Olho para ele. Ele está me cheirando? Paro apenas para ver seu rosto.<br />

Ele parece tranquilo. Meu coração acelera quando ele abre os olhos castanhos e olha para os meus.<br />

― Você me cheirou? ― sussurro.<br />

― Sim ― ele responde e sorri. Parece mais jovem do que quando entrou na loja e meu coração<br />

acelera. Sua voz é suave quando ele responde. ― Você tem um cheiro agradável.<br />

― Agradável? ― eu bufo. ― É o que toda garota quer ouvir.<br />

Ele sorri.<br />

― Que foi? ― ele pergunta. ― Agradável é bom.<br />

― Bebês cheiram agradavelmente. ― Faço uma careta. ― Banheiros públicos também.<br />

Ele ri.<br />

― Acho que sua definição de bom é muito diferente da minha. ― Ele passa a mão no rosto, como<br />

se estivesse disfarçando um sorriso.<br />

Empurro um dedo em seu peito.<br />

― O que é tão engraçado? ― pergunto.<br />

― Bebês fedem. Assim como banheiros públicos. ― Ele inclina-se para frente e sinto sua<br />

respiração quente contra meu pescoço. Ele inspira profundamente. Sua voz é rouca quando ele fala.<br />

― Você tem razão. Seu cheiro não é agradável. É gostoso. ― Seu nariz toca a lateral do meu<br />

pescoço suavemente e meus braços se arrepiam.<br />

― Bom? ― Respiro pesadamente. Na verdade, é quase como se eu estivesse engasgando. Como<br />

uma criança comendo cachorro quente e ele fica preso na garganta.<br />

Ele balança a cabeça.<br />

― Não. Eu disse gostoso. ― Ele se inclina para perto de mim novamente e fecha os olhos,<br />

inalando profundamente.<br />

― É desodorante e café ― respondo e tusso em meu punho fechado, porque minha garganta está<br />

apertada.<br />

Ele balança a cabeça.<br />

― É você. ― Ele olha nos meus olhos.<br />

De repente, a porta se abre e eu quase caio dentro de casa. Mas vovô me segura e me estabiliza.<br />

― Vocês dois vão ficar aí nas escadas ou vão entrar? ― ele pergunta e bate o pé. Ele parece<br />

irritado, mas ainda está sendo legal. Por enquanto. Ele olha para Daniel. ― Achei que você tinha se<br />

despedido de nós há alguns minutos.<br />

― Ele tentou ― murmuro. Vovô está implicando com ele. E gostando. Ele não tem tido chance de<br />

se divertir ultimamente. ― Mas eu implorei para que ele me levasse junto.<br />

Vovô franze a testa.<br />

― Ir com ele onde? ― ele grunhe.<br />

― Para o quarto dele no hotel, assim não precisamos ficar nas escadas. ― Passo por vovô e vou<br />

para o meu quarto. Posso ouvir Daniel tossir e sinto-me contente por estar no meu quarto, porque não


consigo parar de rir. Vou até o banheiro e pego alguns produtos de higiene pessoal, minha maquiagem<br />

e remexo no armário a procura de um vestido. Encontro um que estava dobrado sobre a prateleira e<br />

coloco-o na minha bolsa. Pego um par de sapatos em seguida. Olho ao redor. Só preciso disso. Volto<br />

para a cozinha, onde imagino que vovô esteja com Daniel, mas eles não estão lá. Ouço o estrondo de<br />

uma risada saudável vinda do quarto de Nan e enfio a cabeça pela porta. Congelo ao vê-la sentandose.<br />

Ela está flertando com ele e ele flerta de volta. Suas faces estão rosadas e vovô está sorrindo. Ele<br />

gosta de ver vovó feliz. Nada o deixa mais satisfeito que a visão de seu sorriso.<br />

Ele olha para mim e sorri, balançando a cabeça para Daniel. Vovô gosta dele. Eu também gosto,<br />

mas não tenho certeza se ele quer ser amado. Daniel fica de pé.<br />

― Está pronta para irmos? ― ele pergunta.<br />

Concordo com a cabeça. Ele segura a mão de Nan e a leva até seus lábios. O rosto dela fica<br />

corado e ele diz como foi maravilhoso conhecer uma mulher tão jovem e bonita e, então, pisca para<br />

mim. Nan sorri ainda mais. De repente, sinto lágrimas formando-se em meus olhos e pisco<br />

furiosamente para contê-las.<br />

― Chegaremos tarde ― falo.<br />

― Quão tarde? ― Vovô enfia as mãos nos bolsos e fica de pé.<br />

Olho para Daniel.<br />

― Quão tarde? ― pergunto.<br />

― Deixarei você em casa antes da meia-noite ― ele fala, parecendo, de repente, muito sério.<br />

Esqueci que ele tem um lugar para ir à meia-noite.<br />

― Certifique-se de que isso aconteça ― vovô o adverte.<br />

Daniel sorri e passa um dedo na ponta do nariz.<br />

Ele me leva em direção à porta com uma mão no centro das minhas costas. Saímos e caminhamos<br />

lentamente, descendo as escadas. O sol está brilhante e eu levanto a mão para cobrir meus olhos.<br />

― Onde você tem que estar à meia-noite? ― pergunto.<br />

― Tenho algo a fazer ― ele responde e, de repente, parece triste. Sinto muito por ter perguntado.<br />

― Certo ― falo. ― Aonde quer ir primeiro? ― pergunto.<br />

― Provavelmente deveríamos ir até o hotel e checarmos se podemos conseguir ingressos para o<br />

show.<br />

― Quer tomar chocolate quente antes? ― pergunto.<br />

Seus olhos se arregalam.<br />

― Agora?<br />

Sorrio. Ele tem uma lista e vou ajudá-lo a realizar todos os itens dela.


D A N I E L<br />

Suas botas trituram a neve quando ela caminha pela calçada, deixando o caminho livre para mim e<br />

minha perna ruim. É doce da parte dela, mas não é necessário. Seguro o cotovelo dela e puxo-a para<br />

mim. Quase caio no processo, mas vale a pena quando ela cai sobre mim. Ela é quente e macia e<br />

cheira tão bem. Respiro fundo, sabendo que não vou ficar por muito tempo com ela. Vou aproveitar<br />

cada minuto que tenho.<br />

― Você maltrata todos os seus encontros? ― ela pergunta e não consigo segurar o sorriso.<br />

― Não foi uma grosseira. ― Toco na ponta do seu nariz frio com o dedo. ― Foi uma manobra<br />

tática bem coreografada, digna de uma medalha, se me permite dizer.<br />

Ela arqueia a sobrancelha esquerda.<br />

― Só dou medalhas para uma coisa, soldado. E como o conheci hoje, duvido seriamente que<br />

você vai ganhar uma neste encontro.<br />

Estreito meus olhos para ela. Ela é tão linda que me deixa excitado. Tento ajeitar sutilmente<br />

minha calça. Ela sorri ainda mais, suas bochechas corando.<br />

― Você realmente disse isso? ― pergunto. Mas estou sorrindo tanto que meu rosto dói.<br />

― Disse o quê? ― ela pergunta, parecendo inocente. ― Não sei do que você está falando. ―<br />

Seu olhar vai em direção ao meu colo. Ela enfia os dedos nos passadores da minha calça e me puxa<br />

em sua direção até que estejamos colados da cintura para baixo. Faço uma careta, porque sei que ela<br />

pode sentir.<br />

― Desculpe-me ― sussurro.<br />

― Por quê? ― ela sussurra de volta.<br />

― Por ser um cara ― eu digo.<br />

Ela aponta para o sul.<br />

― Ah, é isso? E eu estava pensando que sou irresistível.<br />

Isso também. Levanto minha mão e seguro seu rosto. Sua pele é macia e quente. Minhas mãos são<br />

calejadas e ásperas, e quase odeio ter que tocá-la com as mãos assim. Respiro fundo para me<br />

fortalecer e quando estou prestes a afastar minha mão, ela a cobre com a sua. Faith vira a cabeça e<br />

coloca os lábios contra a minha palma.<br />

― Você me faz querer acordar ― eu digo. Fecho os olhos assim que as palavras tocam o ar frio,<br />

porque não tive a intenção de dizê-las em voz alta.<br />

― Então, acorde, preguiçoso ― diz ela de volta, brincando. Ela se aproxima um pouco mais até<br />

que seu peito toca o meu.


― Não sei se posso. O tempo parou para mim há muito tempo. ― Olho para o meu relógio.<br />

― Olhe ao seu redor ― diz ela calmamente. Há um leve sorriso no rosto, e seus olhos não se<br />

afastam do meu enquanto olho a cidade. Ela está começando a acordar. As pessoas correm de um<br />

lugar para o outro, e o tráfego está se movendo. ― O tempo não parou. Você, sim.<br />

Nossas respirações se misturam à nossa frente. A minha respiração está cada vez mais perto dela.<br />

Na inspiração seguinte, estará dentro dela. E eu nunca estarei.<br />

― Você está vindo comigo hoje por que acha que pode me consertar? ― pergunto.<br />

Ela balança a cabeça.<br />

― Não. Você me prometeu Cinderela ― ela fala. Desta vez, ela cora ainda mais do que quando<br />

estávamos flertando. ― Sempre quis assistir. ― Ela encolhe os ombros. ― Está em minha lista.<br />

Por que alguém com tanto para viver precisa de uma lista?<br />

― O que mais está na sua lista?<br />

Ela balança a cabeça novamente.<br />

― Um monte de coisas tolas. ― Ela se vira e começa a caminhar ao meu lado. Mais a frente, ela<br />

aponta para um vendedor de rua. ― Compre-me um pouco de chocolate quente ― ela pede, batendo<br />

o ombro no meu. Seu toque é delicado. Acho que ela sabe que não seria preciso muito para me<br />

derrubar. Mas gosto do jeito que ela brinca comigo. Não brinco com ninguém há muito tempo.<br />

― O que a senhorita quiser ― falo.<br />

Sua expressão fica sóbria.<br />

― Não diga isso a menos que você realmente queira ― ela adverte. Passo a xícara de chocolate<br />

quente para ela, que envolve as mãos ao redor e inspira. Ela sorri sobre a borda. ― Obrigada ― ela<br />

fala baixinho.<br />

Sigo-a até um banco do parque e ela se senta. Tenho certeza de que sua bunda vai congelar no<br />

metal, mas Faith parece não se importar. Ela bebe seu chocolate devagar, saboreando cada gota, sem<br />

falar nada; apenas fica sentada calmamente.<br />

― Minha mãe e eu fazíamos isso toda véspera de ano novo ― falo.<br />

Faith me olha e se aproxima, pressionando sua coxa contra a minha. Seu calor envolve minha<br />

perna através da calça. Coloco um braço atrás dela, na parte de trás do banco.<br />

― Sua mãe partiu também.<br />

Concordo. Então, eu grunho. Sinto-me constrangido, mas ela não parece se importar.<br />

― Câncer ― eu falo.<br />

― Antes ou depois de você se machucar? ― ela pergunta.<br />

― Antes. ― Bebo meu chocolate e finjo interesse nele. Mas a única coisa que me interessa é<br />

beijá-la.<br />

― Então, vocês dois vinham aqui, na véspera de ano novo, sempre juntos? ― Ela coloca a mão<br />

em minha coxa. É confortável, ao mesmo tempo que não.<br />

Concordo.<br />

― Você sente falta dela. ― Não é uma pergunta. É uma declaração.<br />

― Em alguns dias, como um louco.<br />

― Vocês eram próximos? ― Sua mão aperta minha coxa. É um toque delicado, mas mais<br />

poderoso do que qualquer coisa que eu senti em um tempo muito longo.<br />

― Muito.<br />

Ela boceja e cobre a boca. Sinto-me terrível por mantê-la acordada a noite toda trabalhando em


meu relógio.<br />

― Você quer que eu te leve para casa para que você possa dormir um pouco? Eu poderia buscála<br />

à noite, a tempo para o show.<br />

― A enfermeira de Nan estará de volta em breve, então, ela manterá vovó acordada para que<br />

possa dormir à noite. Ela nunca dorme, mas a enfermeira sempre tenta. ― Ela balança a cabeça,<br />

bocejando novamente. ― E eu não confio em você por conta própria.<br />

Ela não pode saber que eu planejei. Pode? Meu coração começa a bater mais rápido.<br />

― O que você quer dizer?<br />

Ela sorri.<br />

― Tenho medo de que você não volte para me buscar. ― Ela fica séria e olha em meus olhos. ―<br />

Além disso, quero fazer o programa da véspera de ano novo. ― Ela vira-se para mim, seus olhos<br />

procurando os meus. ― A menos que você não queira a minha companhia.<br />

Quero a companhia dela, realmente quero.<br />

― São quase oito horas ― falo. ― Temos algumas horas até o Rocko’s abrir e podermos dar<br />

andamento à minha lista. O que você quer fazer até lá?<br />

― Pode me levar para a cama? ― ela pergunta, bocejando novamente.<br />

― Cama? ― Minha voz falha.<br />

Ela balança a cabeça e a deita em meu ombro.<br />

― Poderíamos tirar um cochilo. Talvez, eu possa ser persuadida a me aconchegar.<br />

Não consigo pensar em nada que eu queira mais, então, pego sua mão e puxo-a.<br />

― Você é sempre tão fácil de se levar para a cama? ― pergunto. Estou brincando, mas ao mesmo<br />

tempo... não. Sei que não vou fazer sexo com ela.<br />

Sua respiração falha. E, pela primeira vez durante todo o dia, ela não olha em meu rosto.<br />

― Seu quarto não teria duas camas, não é?<br />

Balanço a cabeça.<br />

― É uma king ― respondo.<br />

― Vai ter que servir ― ela fala, entrelaça os dedos nos meus e caminhamos em direção ao meu<br />

hotel. Nunca me senti tão esperançoso. Pelo menos, não há muito tempo. ― Você vai ficar do seu<br />

lado? ― ela pergunta.<br />

Dou uma risada.<br />

― Pareço idiota?


F A I T H<br />

Sabe aquele momento do filme quando a menina entra no porão escuro para descobrir o que estava<br />

fazendo tal ruído e você senta, gritando com a TV? Não, não vá lá! Há um assassino à sua espera<br />

para cortar sua garganta lá no escuro! Sim, este é o meu momento. Daniel abre a porta do quarto e<br />

se afasta para que eu possa entrar. Seguro a lapela da sua jaqueta e olho para ele.<br />

― Você não vai me machucar, não é?<br />

Sua testa franze.<br />

― Humm ― ele murmura.<br />

― Alguma vez você matou alguém? ― pergunto, rapidamente.<br />

Ele balança a cabeça.<br />

― Estive na guerra.<br />

Balanço a cabeça freneticamente.<br />

― Fora da linha do dever? Já decapitou uma mulher estranha e estúpida que foi para o seu quarto<br />

de hotel poucas horas após tê-lo conhecido?<br />

Ele ri. É uma gargalhada profunda e soa tão maravilhosa.<br />

― Você acha que eu diria se tivesse feito? ― Ele me vira, dá um tapa em minha bunda e fala. ―<br />

Entre no antro do pecado, moça. Estou bem atrás de você com minhas algemas.<br />

A porta fecha atrás de nós e eu levo uma unha até minha boca e começo a roê-la. Talvez, esta não<br />

fosse uma ideia tão inteligente. Daniel enfia a mão no bolso e tira um canivete.<br />

― Por que você tem uma faca? ― pergunto e dou dois passos para trás.<br />

Ele ri e me olha nos olhos.<br />

― Homens de verdade carregam facas no bolso ― ele fala. ― Nunca se sabe quando você vai<br />

precisar cortar alguma coisa. ― Ele ergue o braço e coloca a faca na minha mão, fechando meu<br />

punho ao redor dela. ― Assim, você pode se proteger de qualquer coisa que possa te atingir ― ele<br />

sussurra e aperta meu nariz. ― Inclusive eu.<br />

― Você tem outras armas? ― pergunto.<br />

Ele balança a cabeça.<br />

― Tenho uma arma no cofre. ― Desta vez, ele se ocupa e não olha para mim.<br />

― Carregada? ― pergunto.<br />

Ele balança a cabeça e sorri.<br />

― Por que você tem uma arma? ― pergunto.<br />

― Porque tenho o direito de portar armas ― diz ele com um encolher de ombros. Ele aponta


para a minha mão. ― Mas, agora que você tem uma faca, não tem com o que se preocupar.<br />

― A não ser que você a tome e use-a contra mim.<br />

Ele tira o casaco e o pendura na parte de trás de uma cadeira.<br />

― Se eu quisesse fazer isso, já teria feito, bobona ― ele fala e aperta os olhos, finalmente<br />

olhando para mim. ― Por que você veio aqui comigo? ― pergunta ele. ― De verdade?<br />

Devo dizer a ele? Devo falar que vi o desespero em seus olhos? Devo dizer-lhe que sei como ele<br />

está se sentindo sem esperança? Devo dizer-lhe que eu o entendo?<br />

― Já me senti tão perdida quanto você ― respondo em voz baixa.<br />

― Não estou perdido ― ele fala. Sua voz fica subitamente áspera e rouca. ― Estou exatamente<br />

onde quero estar.<br />

― Não estou falando de localização ― falo.<br />

― Nem eu ― ele responde. Sua voz ainda está tensa e tenho certeza de que o ofendi.<br />

― Queria ajudá-lo com sua lista ― falo e mordo os lábios para não dizer mais nada que possa<br />

ofendê-lo.<br />

― Por quê? ― ele pergunta enquanto remexe em sua mala, puxando para fora uma cueca nova e<br />

uma camiseta. Ele joga um par de jeans por cima do ombro.<br />

Dou um suspiro. Isso está ficando cada vez pior.<br />

― Porque eu posso?<br />

Ele se aproxima de mim lentamente.<br />

― A verdade, Faith ― diz ele. ― Você estava querendo me mostrar a luz? Para salvar a minha<br />

alma miserável?<br />

― Honestamente? ― pergunto. Mordo meu lábio inferior e ele observa minha boca de perto,<br />

lambendo a sua.<br />

― Não, minta para mim ― ele brinca. Mas sei que está falando sério.<br />

― Só queria te fazer sorrir ― falo ―, só isso. ― Minha voz falha. ― Quer que eu vá embora?<br />

Ele levanta três dedos.<br />

― Três coisas ― diz ele e mostra um dedo. ― Um: você não pode tentar me consertar, certo?<br />

Concordo. Posso tentar consertá-lo sem que ele saiba, não posso?<br />

Ele levanta dois dedos.<br />

― Dois: não vou cortar quaisquer partes vitais de sua anatomia. ― Seus olhos deslizar<br />

lentamente para cima e para baixo do meu corpo. ― Gosto de todas as suas partes exatamente como<br />

elas são. Enquanto você está respirando. A não ser que você fosse um travesti, então, eu ia querer<br />

mudar algo em você.<br />

― Qual é o número três? ― pergunto.<br />

Ele levanta três dedos.<br />

― Três ― ele fala e suspira. ― Não vou me apaixonar por você. De forma alguma. ― Ele<br />

caminha lentamente em minha direção. Rolo o canivete em minha mão e ele ri. Ele está sorrindo,<br />

apesar de tudo. ― Agora, se você concorda com minhas regras, te vejo quando sair do chuveiro. ―<br />

Ele inclina-se para frente e toca minha testa com os lábios. Ele permanece lá, respirando fundo.<br />

― Você está me cheirando de novo ― sussurro.<br />

― Eu sei ― ele sussurra de volta.<br />

Finalmente, Daniel levanta a cabeça e sinto um vazio em minha pele onde o seu beijo estava. Ele<br />

vai até o banheiro e fecha a porta atrás de si. Afundo na beirada da cama, porque não quero ir para


qualquer outro lugar.<br />

Puxo minha bota, que está suja e molhada. Deveria ter colocado um par de meias que<br />

combinassem. Uma delas é rosa neon com estampa de leopardo e a outra é camuflada. Puxo a<br />

camiseta e coloco-a ao meu lado, sem saber o que fazer comigo mesma.<br />

Acho que isso não é diferente de ir para casa com um estranho qualquer, não é? Não. Pelo menos,<br />

este estranho conheceu meus avós e eles sabem que estou com ele, então, não é como se ninguém<br />

soubesse de mim. Não preciso fugir e acabar com isso. Estou aqui, agora, e não vou a lugar nenhum.<br />

Bocejo novamente. Quero tirar uma soneca. Minhas pálpebras estão ficando mais pesadas a cada<br />

minuto.<br />

A porta do banheiro se abre e ele enfia a cabeça para fora. Seu cabelo está molhado e bagunçado.<br />

Ele sorri para mim e parece, particularmente, jovem.<br />

― Pode me fazer um favor? ― ele pergunta. Parte do seu peito está para fora e posso ver que ele<br />

está vestindo uma camiseta.<br />

Olho ao redor. Será que ele esqueceu algo?<br />

― O quê? ― pergunto.<br />

― Pode fechar os olhos? ― Ele faz uma careta.<br />

― Por quê? ― Ok, essa foi uma pergunta estúpida. Mas agora já saiu.<br />

Ele franze a testa.<br />

― Pode só fazer, por favor?<br />

Cubro os olhos com as mãos e ouço-o pular pelo tapete. É uma batida constante. Ele tirou a perna<br />

e não quer que eu veja? Mantenho meus olhos cobertos até que a cama se desloca ao meu lado e sinto<br />

as cobertas levantarem.<br />

― Pode abri-los agora ― diz ele. ― É um pouco deselegante ficar pulando pelo tapete ― ele se<br />

apressa a explicar.<br />

Seguro sua mão.<br />

― Você pode fazer o que precisa. Isso não afetará o quanto gosto de você.<br />

― É só que... ― ele começa. ― Tirei a prótese para tomar banho e é um saco colocá-la de volta<br />

para tirar de novo. E eu sou bom em saltos.<br />

Ele é sincero de uma forma que acho bonita.<br />

― Mas não bom o suficiente para que eu assista.<br />

― Definitivamente, não.<br />

― Talvez, em nosso segundo encontro ― falo.<br />

Ele não me olha nos olhos. Ele joga as cobertas sobre o que assumo ser o meu lado.<br />

― Vamos lá ― diz ele. ― Pegue a sua faca. ― Ele ri.<br />

Levanto-me e fecho as cortinas, deixando nada mais que uma pequena abertura para que a luz<br />

entre no quarto. Vejo-o colocar as mãos atrás da cabeça, enquanto olha para mim.<br />

― Você não pode dormir de calça jeans ― ele fala. ― Vai ficar desconfortável.<br />

― Está tentando me deixar nua? ― pergunto.<br />

― Sim ― diz ele, diretamente. ― Está funcionando?<br />

― Não ― respondo.<br />

― Há um pacote de boxers fechado na minha sacola de viagem se você quiser usar.<br />

Vou até sua bolsa e remexo até encontrar um pacote fechado de cuecas. Levo-a para o banheiro,<br />

tiro a calça jeans e visto-a. Olho no espelho e me pergunto: “O que estou fazendo?”


Vou tirar uma soneca, é isso que vou fazer.<br />

Volto para o quarto. Ele desliga a lâmpada de cabeceira e agora, finalmente, está escuro. Deito<br />

sob as cobertas e viro-me para ele.<br />

― Gosto de vê-la usando a minha boxer ― ele sussurra.<br />

Eu também, mas não digo nada.<br />

― Você vai dormir mesmo? ― ele pergunta baixinho.<br />

― Sim ― respondo.<br />

― Você prometeu se aconchegar a mim ― diz ele. É pouco mais do que um sussurro, mas posso<br />

ouvi-lo.<br />

Faço uma pausa.<br />

― Será que devo?<br />

Suas mãos envolvem minha cintura e ele passa o braço ao meu redor, puxando-me para que ele<br />

fique alinhado atrás de mim, como se fôssemos duas colheres em uma gaveta. Como Nan e vovô<br />

costumam dormir. Posso sentir suas coxas atrás das minhas e minha bunda está em seu colo.<br />

― Ou você colocou a arma no bolso ou está muito feliz em me ver ― falo, ao senti-lo<br />

pressionado contra meu traseiro.<br />

― Shh ― ele sussurra, afasta meu cabelo e sinto um beijo rápido em minha nuca. ― Vá dormir<br />

― diz ele. ― Vou protegê-lo de todo o mal.<br />

Sorrio para o meu travesseiro.<br />

― Tudo bem. Faça com que eu me apaixone por você. Não me importo.<br />

Daniel fica tenso atrás de mim, mas não responde. Seus dedos brincam com a barra da minha<br />

camisa até que ele encontra a bainha e, então, desliza a mão por baixo, pressionando a palma da mão<br />

contra a minha pele. Não me atrevo a respirar por medo de que ele se afaste e o momento perfeito<br />

passe.


D A N I E L<br />

Acordo com um corpo quente enrolado no meu. Estou deitado de costas e ela está com a cabeça na<br />

dobra do meu braço. Ele está dormente e eu flexiono os dedos, tentando fazer com que o sangue flua.<br />

Mas não quero me mover. Deus, não quero que ela se mova. Gosto da forma como ela está<br />

pressionada contra meu corpo. Gosto pra caralho e não vou fazer a porra de nenhum movimento. Se<br />

alguma vez já desejei que o tempo parasse, foi agora.<br />

Faith se contorce e sua perna pressiona a minha, então, puxo-a para mais perto de mim. Meu pau<br />

está tão duro que eu poderia martelar pregos com ele, mas não quero usá-lo. Bem, eu estaria<br />

mentindo se dissesse que não quero deslizar para dentro dela e fazê-la minha. Mas não posso. Ela<br />

não é minha. Mas ela está em meus braços e posso fingir que ela é minha por enquanto. Até que ela<br />

acorde.<br />

A mão de Faith está sobre o meu peito e ela, timidamente, ergue os dedos e os trilha de um lado<br />

para o outro. Seu toque dispara direto para o meu pau e se eu não já não estivesse duro ao extremo<br />

antes, estou como aço agora. Disfarço um gemido.<br />

― Daniel ― ela sussurra.<br />

― Faith ― sussurro de volta.<br />

― Você está acordado? ― ela pergunta, sussurrando, mas não levanta a cabeça.<br />

― Não. ― Não quero acordar. Quero ficar neste mundo de sonhos onde posso manter esta<br />

menina em meus braços.<br />

Sua perna se move e toca meu pau.<br />

― Você está acordado ― diz ela calmamente. Ela esconde o rosto em meu peito e posso sentir<br />

seu sorriso contra ele.<br />

― Shh ― eu digo. ― Deixe-me fingir que estou dormindo para que eu possa mantê-la aqui um<br />

pouco mais.<br />

Ela se acalma. Em seguida, sua perna sobe um pouco mais e ela pressiona contra mim.<br />

― Vou voltar a dormir ― diz ela.<br />

― Acho uma ótima ideia ― respondo.<br />

Seu corpo está macio e relaxado contra mim. Toco em suas coxas com a ponta dos dedos e ela<br />

ronrona contra o meu peito. Começo pela parte de trás do joelho e sigo passando pela boxer até<br />

sentir o elástico da calcinha. Rolo para encará-la e ela respira contra o meu peito. Sua perna está<br />

sobre o meu quadril, e posso sentir o calor úmido entre suas coxas perto de meu pau. Ele pulsa, mas<br />

ela não parece importar-se.


― Você quer que eu vire para o outro lado? ― ela pergunta.<br />

Sim, porque ter meu pau pressionado pela abertura da sua boceta seria muito melhor.<br />

― Não ― respiro fundo. ― Volte a dormir.<br />

― Não posso. Não enquanto você está me tocando. ― Ela ri contra meu peito e eu puxo-a para<br />

mais perto e passo os braços ao seu redor. Ela esfrega o rosto em meu peito. ― Que horas são? ―<br />

pergunta.<br />

Olho para o relógio.<br />

― Mil e trezentos ― respondo como falamos no exército.<br />

― Oh, ainda é cedo. ― Ela boceja.<br />

― Volte a dormir ― digo, empurrando-a.<br />

― Você vai voltar a dormir? ― ela pergunta.<br />

― Vou, se você quiser ― respondo. ― Deixe-me segurá-la um pouco mais. Por favor.<br />

Ela balança a cabeça, o nariz passando para cima e para baixo em meu peito.<br />

― Ok. ― Ela inclina o rosto para o meu. ― Você ligou para ver se podemos conseguir ingressos<br />

para esta noite? ― ela pergunta.<br />

Ah, merda.<br />

― Não. ― Tento sentar, mas seu braço está envolvendo a minha cintura.<br />

― Não se mova ainda ― diz ela. ― Gosto de ficar assim.<br />

Eu também. Puxo-a para mais perto de mim e rolo, de forma que ela tem que ir comigo. Ela grita<br />

e o som me faz rir. Seguro o cabo do telefone com o indicador e puxo-o para mim. Sem deixá-la se<br />

afastar, ligo para o concierge para perguntar sobre ingressos. Ele me liga ao setor de eventos.<br />

― Sinto muito ― diz o homem. ― Não temos mais bilhetes para os espetáculos de hoje à noite.<br />

Estão todos esgotados.<br />

Meu coração quase para.<br />

― Nada? ― pergunto.<br />

― Tenho alguns para o show das três horas ― diz ele. ― Mas nada mais tarde.<br />

Coloco a mão sobre o telefone e falo com ela.<br />

― Quão rapidamente você pode ficar pronta?<br />

Ela sorri e se mexe para levantar. Ela está linda demais com o cabelo bagunçado e uma dobra no<br />

rosto, no lugar onde estava apoiada em minha camisa.<br />

― Muito rapidamente ― diz ela, dançando no lugar e prendendo a respiração enquanto espera<br />

por uma resposta.<br />

― Quero duas entradas para as três horas ― falo. Ela grita e dança em um círculo. É quando<br />

noto seus pés. Que porra é essa que ela está vestindo? Ela está usando meias até os joelhos que não<br />

são iguais. Sorrio. Não consigo segurar. Ela está simplesmente adorável. E está sexy na minha boxer.<br />

Admito.<br />

― Vou primeiro para o banheiro! ― ela fala, pega a bolsa e corre para se arrumar. Termino de<br />

comprar os ingressos e empurro as cobertas. Posso ouvir o chuveiro ligado. Visto uma calça social e<br />

camisa de botão. Então, ligo para o concierge, porque quero fazer algo de bom, que vai surpreendêla<br />

e fazê-la sorrir.<br />

Estou amarrando a gravata quando ouço a porta do banheiro abrir.<br />

― Posso usar sua escova de cabelo? ― ela pergunta pela pequena fresta na porta.<br />

― Pode usar qualquer coisa minha ― falo. Ela abre a porta o suficiente para sorrir para mim.


Seu cabelo está enrolado em uma toalha e seu rosto está sem maquiagem. Preciso dizer, ela está tão<br />

sexy como estava há um minuto atrás.<br />

A porta se fecha com um clique. Posso ouvir o secador de cabelo e imagino que ela vá ficar<br />

linda. Sorrio. É um sentimento estranho e minhas bochechas estão doendo. Mas é bom. É uma<br />

sensação muito boa. Passo a minha mão em meu rosto desalinhado. Não vou ter tempo de fazer a<br />

barba. Acho que ela não vai se importar.<br />

A porta se abre e ela sai. Ela caminha lentamente como se não imaginasse que está balançando a<br />

porra do meu mundo. Ela estava linda antes, mas, bom Deus, agora ela me tira o fôlego. Ela está<br />

usando um vestido colado que valoriza suas curvas. Ele tem um decote baixo e um cinto fino que<br />

contorna seus quadris, exatamente onde minhas mãos querem estar. Cerro os punhos e me forço a<br />

ficar parado.<br />

Seu vestido cai, logo abaixo dos joelhos e as pernas estão nuas, parecendo incrivelmente longas.<br />

― Oh, meu Deus ― murmuro. Eu soo como uma adolescente.<br />

― Estou bem? ― ela pergunta.<br />

Faço o movimento de um giro com o dedo, porque quero vê-la totalmente. Ela gira lentamente,<br />

olhando para mim por cima de seu ombro, mordendo o lábio inferior. Suas costas estão nuas.<br />

― Sim ― eu digo. Engulo em seco. ― Você está bem.<br />

Não consigo formar uma frase agora.<br />

Ela vira de costas para mim.<br />

― Diga-me a verdade ― ela pede. ― Você pode ver que não estou usando calcinha?<br />

Puta merda.


F A I T H<br />

Sinto-me estúpida. Até que a boca dele se abre e ele não consegue proferir som algum. Então, sintome<br />

bonita. E poderosa. E absolutamente desejada.<br />

― Bem ― ele começa e para de engolir. ―, eu não havia percebido até você dizer. Mas, agora,<br />

só vou ser capaz de pensar nessa porra. ― Seu olhar não deixa minha bunda enquanto ele lambe os<br />

lábios. Volto-me para encará-lo e aponto para o canto da sua boca.<br />

― Você tem um pouco de baba bem ali ― falo.<br />

Ele passa a mão na boca, na direção onde apontei.<br />

― Não tenho ― ele fala, olhando para a parte de trás da mão. ― Mas eu poderia ter, em um<br />

segundo, no entanto. ― Ele faz aquela coisa com o dedo novamente. ― Vire-se de novo? ― ele<br />

pede, mas está sorrindo e não há safadeza em seus olhos.<br />

Viro-me muito, muito lentamente e ele deixa escapar um gemido.<br />

― Sério ― falo. ―, estou bem para ir ao teatro?<br />

― Bem, achei que você usaria suas meias descombinadas.<br />

Sinto meu rosto esquentar.<br />

― Elas não combinariam com meus sapatos ― respondo. Sento-me na beira da cama e calço os<br />

sapatos, afivelando as tiras finas ao redor dos tornozelos. Fico cinco centímetros mais alta, o que<br />

significa que agora estou quase da altura do nariz dele.<br />

― Então... ― ele começa, mas, em seguida, para e balança a cabeça.<br />

― O quê? ― pergunto.<br />

― Nada ― ele responde, mas está sorrindo.<br />

Inclino a cabeça para ele, que está feliz.<br />

― Não diga que não é nada. Pergunte o que quer saber.<br />

― Então ― diz ele novamente. Em seguida, ele sorri amplamente, ainda mais do que antes. ―<br />

Por que você não está usando calcinha?<br />

Estou gostando disso. Viro e mostro minhas costas.<br />

O vestido é tão colado que marca a linha da calcinha. ― Dou de ombros. ― E o sutiã é óbvio.<br />

Ele engole em seco e seus olhos escuros ficam ainda mais escuros.<br />

― Você não está usando sutiã também ― diz ele. Não é uma pergunta. Seus olhos permanecem na<br />

direção do meu peito.<br />

Aponto para cima do meu ombro.<br />

― Vestido sem costas, lembra? ― pergunto. ― Você está bem?


Ele se senta no sofá, puxa uma almofada para seu colo e depois esfrega a mão pelo rosto. Ele<br />

coloca a cabeça para trás e rosna.<br />

― Oh ― eu digo. Finalmente eu entendo. ― Oh ― digo um pouco mais alto, porque uma<br />

lâmpada, simplesmente, acendeu em minha cabeça. ― Você está... tendo algumas ah... hum... questões<br />

de cobiça.<br />

Ele levanta a cabeça e me olha nos olhos.<br />

― Estou tendo algumas “há uma mulher bonita e gostosa nua sob um vestido que me deixa<br />

louco na minha frente” questões.<br />

Tento me afastar, pois meu rosto, provavelmente, deve estar completamente vermelho.<br />

― Uau ― sussurro.<br />

Ele está atrás de mim em menos de dois segundos.<br />

― Sinto muito ― diz ele. ― Não tive a intenção de ser grosseiro. Mas você tem me deixado tão<br />

excitado que não sei o que fazer comigo mesmo. ― Sua voz soa tranquila. ― Faz muito tempo que<br />

não sinto nada, Faith, e estou um pouco aterrorizado.<br />

― Você está sentindo coisas agora? ― pergunto. Não consigo segurar meu sorriso.<br />

Ele dá um passo para mais perto e sinto a forte pressão da sua masculinidade contra o meu<br />

traseiro.<br />

― Sim ― diz ele. Suas mãos traçam minha bunda onde minha roupa íntima deveria estar.<br />

Respiro fundo, porque estou prestes a desmaiar.<br />

― Deus ― sussurro.<br />

― Não ― diz ele. ― Apenas Daniel. ― Ele empurra o meu cabelo para o lado e seus lábios<br />

tocam minha nuca. Tenho que segurar no encosto da cadeira ao meu lado para ficar de pé.<br />

― Ei, Daniel ― digo em voz baixa. Ele vira meu rosto para ele, e posso sentir cada centímetro<br />

dele contra a minha barriga.<br />

― O quê? ― Ele respira fundo.<br />

― Da próxima vez que você estiver sozinho com uma mulher, em uma situação romântica, não a<br />

chame de gostosa, ok? ― Disfarço uma risada. Não consigo evitar a brincadeira.<br />

Ele dá um passo para trás e passa a mão pelo rosto.<br />

― Por que não posso chamá-la do que é? ― ele pergunta, mas está me provocando. Ele está<br />

sorrindo tão amplamente que posso ver cada dente em sua boca. Porra, ele tem um sorriso bonito. E<br />

tira o meu fôlego.<br />

― Porque não é muito romântico. ― Bato levemente no lado do seu rosto de brincadeira e ele<br />

vira a cabeça, capturando minha mão em sua boca por muito mais tempo do que deveria.<br />

Ele ri ao falar:<br />

― Eu realmente não estava tentando ser romântico naquele momento.<br />

Solto uma risada.<br />

― Percebi.<br />

― Eu só queria que você soubesse como eu estava me sentindo. ― Ele ainda está rindo.<br />

Quero vê-lo rir assim todos os dias, pelo resto de nossas vidas. Ah, Merda. De onde veio isso?<br />

Dou um passo para trás, assustada. Um dia é uma coisa. A vida é outra.<br />

― O que há de errado? ― ele pergunta e segura meu rosto com as duas mãos.<br />

― Nada ― respondo suavemente.<br />

― Algo está errado ― diz ele olhando para mim.


― Vamos nos atrasar se não nos mexermos ― advirto. ― Você está pronto?<br />

Ele balança a cabeça, mas sua testa está franzida.<br />

Ele me acompanha até a porta e saímos para o corredor. Estou com a bolsa sobre meu ombro e<br />

ele entrelaça os dedos nos meus. Ele puxa-os suavemente até que eu olhe para ele.<br />

― Me desculpe, agi como um bruto ― diz ele, olhando nos meus olhos e sinto que eu poderia<br />

mergulhar neles e ficar lá para sempre. Mas não posso.<br />

Ergo meu polegar e o indicador e mostro-lhe o pequeno espaço entre eles.<br />

― Tenho uma pequena confissão a fazer. Bem pequenininha ― digo.<br />

Sua testa franze.<br />

― Diga.<br />

Não olho para ele quando falo.<br />

― Eu meio que gostei.<br />

― Gostou do quê? ― ele pergunta e quando compreende, sorri. ― Oh. ― Ele balança o polegar<br />

na direção do quarto. ― Gostosa faz isso com você, hein? ― ele fala.<br />

Ele está sorrindo de novo e fica tão bonito quando está feliz. Ele nasceu bonito, mas quando está<br />

feliz, ele brilha. Ele bate no meu ombro com o seu.<br />

― Deixa sua calcinha molhada. ― Ele cobre a boca. ― Oops ― diz ele. ― Você não está<br />

usando.<br />

― Shh! ― Resmungo, quando outras pessoas entram no elevador com a gente. Ele me puxa para<br />

que eu fique na frente dele, uma mão em minha cintura enquanto a outra desce e aperta minha bunda.<br />

Meu coração acelera. Bato em sua mão atrás de mim e seguro-a, puxando-a para frente para<br />

pressioná-lo contra a minha barriga. Mas, então, seu polegar desliza pela parte inferior do meu peito.<br />

― Pare com isso ― sussurro, olhando para ele no espelho. Ele enfia o rosto em meu pescoço e ri<br />

contra a minha pele.<br />

Não sei de onde veio essa intimidade, mas isso parece tão certo. E tão errado ao mesmo tempo,<br />

porque sei que ele não está em um momento da sua vida em que pode aceitar mais de mim. E não<br />

posso pedir-lhe para me dar nada, porque ele não tem mais nada no buraco que é seu coração. Ele<br />

tem que preenchê-lo para si mesmo antes que possa dar algo para mim. Eu sei disso, e isso me deixa<br />

triste. Mas ele ri novamente em meu pescoço e eu esqueço minha apreensão. Tenho o resto da noite<br />

para desfrutar.<br />

Chegamos a rua e, imediatamente, desejo ter um casaco. Mas tudo o que eu tinha era minha<br />

camiseta e a calça jeans que estavam enfiados na minha bolsa. Tremo levemente. Imediatamente, ele<br />

tira o paletó e coloca sobre meus ombros.<br />

― Não posso deixá-la congelar ― ele fala.<br />

― E quanto a você? ― pergunto, puxando seu casaco para mais perto. ― Vai ficar com frio.<br />

Ele ri.<br />

― Posso aproveitar para refletir um pouco. ― Ele balança as sobrancelhas para mim e enlaça<br />

meus dedos novamente. Então, ele aponta. Há um carro esperando na rua. Um daqueles puxado por<br />

um cavalo. ― Sua carruagem lhe espera ― diz ele.<br />

Olho para ele.<br />

― Quando você organizou isso? ― pergunto.<br />

Ele balança a cabeça.<br />

― Quando você estava no chuveiro.


Sorrio para ele e olho em seus olhos.<br />

― Estava em sua lista.<br />

― Na sua também ― ele diz e se inclina para beijar o meu nariz.<br />

Estreito meus olhos para ele.<br />

― Como você sabia disso?<br />

― Toda garota não sonha em andar em uma carruagem puxada por cavalos? ― ele fala, mas<br />

continua sorrindo. Daniel me ajuda a subir na plataforma e assobia baixinho quando o vento sopra<br />

minha saia, fazendo meus joelhos aparecerem.<br />

― Oh, quer parar? ― eu peço. Mas espero, secretamente, que ele não pare.


D A N I E L<br />

Não faço ideia do que aconteceu durante o show. Passei muito tempo observando Faith. Ela estava<br />

em transe. Conteve o fôlego quando sentiu medo, colocou a mão no peito quando se assustou e<br />

apertou minha coxa quando quis ter certeza de que vi o que ela viu. Mas tudo o que vejo é ela. Seus<br />

olhos se enchem de lágrimas e pego meu lenço — porque os homens sempre carregam lenços por<br />

essa razão — e entrego-o a ela. Ela enxuga os olhos e me lança um olhar.<br />

― Vejo você ― digo baixinho para ela.<br />

― Bem, espero que sim ― ela sussurra de volta.<br />

Olho em seus olhos.<br />

― Não, Faith. Quero dizer que eu realmente a vejo. Completamente. Por inteiro.<br />

Ela afasta o olhar de mim para o palco. Mas aperta minha mão e pisca os olhos novamente.<br />

Faith não fala mais nada até o final do espetáculo, quando se levanta e bate palma junto com o<br />

público. Ela se vira para mim.<br />

― Antes que eu me esqueça de te dizer, tive um dia muito bom.<br />

Um sorriso surge em meus lábios. Sigo-a para fora do teatro com a mão em suas costas.<br />

― Está pronto para irmos ao Rocko’s? ― ela pergunta.<br />

Estou, absolutamente, morrendo de fome. A única coisa que nós comemos foi um lanche que<br />

comprei no intervalo. Ela passou o dia inteiro comigo e tem que estar tão faminta quanto eu.<br />

― É perto, certo? ― Lembro-me de ir lá com a minha mãe, mas tem muitos anos.<br />

― Podemos caminhar ― diz ela com um aceno de cabeça.<br />

― Quem sabe não tenha um bom vento forte? ― provoco. Seu rosto cora novamente. Nunca vou<br />

me cansar disso.<br />

― Sonhe, soldado ― ela brinca.<br />

Escolhemos uma mesa e peço ao garçom um hambúrguer de uma libra. O Rocko’s tem uma<br />

espécie de hall da fama e quem consegue comer o hambúrguer grande inteiro tem sua foto adicionada<br />

ao mural e o sanduíche é gratuito. Nunca consegui fazer isso, mas estou com muito mais fome do que<br />

das outras vezes que tentei. Isso para não falar que estou mais velho. Faith pede uma porção de<br />

batatas fritas.<br />

― Não quer hambúrguer? ― pergunto.<br />

Ela balança a cabeça e sorri.<br />

― Essa é minha primeira rodada ― ela fala enquanto bebe um refrigerante de cereja e parece<br />

muito feliz. Hoje o dia foi realmente perfeito.


― Qual é a sua história, Faith? ― pergunto. Desejei saber o dia todo. Ninguém, em seu perfeito<br />

juízo, a deixaria partir depois de estar com ela. ― Você me fez colocar minhas tripas para fora.<br />

Agora é sua vez.<br />

Ela balança a cabeça e morde os lábios.<br />

― Você não quer ouvir a minha história ― diz ela, parecendo infeliz e seu rosto empalidece.<br />

Seguro sua mão na minha.<br />

― Quero ― eu digo. ― Por que nem um homem te arrebatou? ― pergunto.<br />

― Lá vem você de novo com essa história de arrebatar ― diz ela.<br />

Rio em voz alta, pendendo a cabeça para trás. Meu coração incha. Ri mais hoje do que fiz em<br />

muitos anos.<br />

Sussurro, brincando.<br />

― Pelo menos eu não disse arrebatou você nua.<br />

Ela cruza as pernas sob a mesa, o que me faz rir ainda mais.<br />

― Arrebatou nua e molhada ― ela diz baixinho. O calor de suas palavras atinge direto o meu<br />

pau. Ela ri.<br />

Mas eu sei o que ela está fazendo. Ela está tentando se safar da minha pergunta. Sou o mestre de<br />

evasão, então, eu sei.<br />

― Conte-me a sua história, Faith. Por que não está em um relacionamento?<br />

Ela balança a cabeça. É um movimento rápido, quase como se estivesse preparando-se.<br />

― Eu estava.<br />

― Casada? ― pergunto.<br />

Ela acena com a cabeça e inclina-se para trás. Ela está, propositadamente, colocando distância<br />

entre nós. Estou bem com isso, por enquanto.<br />

― Sim, por dois anos.<br />

― O que aconteceu? ― pergunto. ― Ele só pode ser idiota se deixou você partir.<br />

Ela sorri, mas é triste.<br />

― Ele morreu. ― Ela tosse como se precisasse limpar a garganta e pisca furiosamente,<br />

balançando uma de suas mãos na frente do rosto. ― Jurei que não faria isso hoje ― diz ela, rindo,<br />

mas é um som aquoso.<br />

― Como ele morreu?<br />

Ela limpa a garganta novamente.<br />

― Motorista bêbado. Hoje, está fazendo dois anos.<br />

― Ah, merda ― eu digo. Levanto-me e sento ao seu lado para que possa abraçá-la, mas ela me<br />

empurra.<br />

― Estou bem ― diz ela. ― Não vou chorar. Não por muito tempo. ― Ela ri novamente.<br />

Seguro seu rosto e olho em seus olhos verdes.<br />

― Chorar é bom.<br />

Ela solta um suspiro.<br />

― Foi um dia maravilhoso ― diz ela. ― Muito obrigada por me afastar dessas lembranças<br />

tristes. ― Ela sorri e desta vez é real. ― Eu realmente gostei do nosso dia.<br />

― Queria que você tivesse me contado antes ― eu digo. ― Teria me esforçado mais.<br />

Ela ri.<br />

― Hoje foi maravilhoso ― ela suspira e encosta a testa em meu peito. Seguro a parte de trás de


sua cabeça, acariciando o comprimento do seu cabelo. Ela me permite por um minuto e, em seguida,<br />

o garçom está de volta com a comida. Não volto para o meu lado da mesa. Fico bem onde estou, pois<br />

é onde quero estar.<br />

― Você o amava muito ― eu digo. Não tenho que perguntar. Eu só sei.<br />

Ela mergulha uma batata frita no ketchup.<br />

― Muito ― Faith concorda e, então, ela enche a boca de batata.<br />

Aceno e dou uma mordida em meu hambúrguer.<br />

― Você saiu com outras pessoas desde então? ― pergunto. Talvez eu estivesse sendo muito<br />

invasivo, mas ela me perguntou sobre as queimaduras e meus homens, então, acho que está tudo bem.<br />

Ela balança a cabeça.<br />

― Saí algumas vezes ― diz ela. ― Mas é... ― Ela para e respira profundamente. ― ... difícil. É<br />

difícil superar isso.<br />

Olho em seus olhos.<br />

― Por que você quis passar o dia comigo? Para esquecer?<br />

Ela balança a cabeça.<br />

― Por um lado, sim. E eu esqueci. Depois de muito tempo, por hoje, esqueci. Mas vi em você a<br />

mesma solidão que senti depois que ele morreu. Eu queria ajudá-lo para que você se sentisse melhor.<br />

― Ela encolhe os ombros.<br />

― E você conseguiu. Me fazer sentir melhor, quero dizer. ― Meu coração está batendo como um<br />

louco e explode em minha mente que esta mulher, aparentemente feliz, e que me trouxe tanta alegria,<br />

passou por uma tragédia há dois anos, nesta mesma data. ― Queria me sentir melhor por você, Faith.<br />

Ela balança a cabeça novamente e coloca a mão sobre meu coração. Cubro-a com a minha.<br />

― Fique melhor por você, Daniel. Apenas por você.<br />

Concordo. Mas não posso ficar melhor. Não se eu continuar com meus planos para esta noite. Oh,<br />

inferno.<br />

― O que há de errado? ― ela pergunta, franzindo a testa. ― Você, de repente, pareceu perdido.<br />

― Nada ― eu digo e dou uma mordida em meu hambúrguer.<br />

― Você está mentindo, mas tudo bem ― diz ela, voltando a comer suas batatas fritas.<br />

Depois de algumas mordidas, percebo que não posso mais comer o hambúrguer. Solto um<br />

suspiro.<br />

― Não posso mais. ― Gemo e empurro o prato para longe.<br />

― Eu sabia! ― ela grita, balançando um punho no ar e pega o meu hambúrguer. Ela dá uma<br />

mordida nele.<br />

Faço uma cara feia.<br />

― Você está se divertindo com a minha dor, não é?<br />

― Sim ― ela responde com a boca cheia de hambúrguer. Mas ela está sorrindo e, caramba, ela<br />

fica tão bonita quando sorri.<br />

― Sinto muito pelo seu marido ― eu digo. Eu deveria deixá-la sozinha, mas não quero.<br />

― Eu também ― diz ela ―, mas lamentar sobre isso não vai trazê-lo de volta. Ele queria que eu<br />

fosse feliz. E estou feliz. ― Ela encolhe os ombros, segura o meu rosto em sua mão suave e me puxa<br />

para olhar para ela. ― Realmente, você foi uma dádiva de Deus hoje, Daniel. Você me afastou dos<br />

meus problemas e tornou meu dia maravilhoso. E vou agradecer a você para sempre por isso.<br />

Comemos em silêncio por alguns minutos. Ela sorri para mim e diz:


― Temos que comprar castanhas.<br />

Eu gemo.<br />

― Não aguento comer mais nada.<br />

Ela se inclina em meu ombro, de brincadeira.<br />

― Temos que terminar sua lista. ― Ela pega a minha mão e vira o relógio para cima, balançando<br />

a cabeça. ― Sinto muito por não ter conseguido consertar seu relógio ― diz ela.<br />

― É apenas um relógio.<br />

― O tempo não parou, Daniel ― diz ela. ― Você, sim.<br />

― Eu sei. ― Mas não sei como consertá-lo. Hoje, me senti muito bem, mas, e amanhã?<br />

― Você está pronto para ir? ― ela pergunta.<br />

Concordo. Não estou realmente pronto para ir. Mas acho que nós devemos. Está ficando mais<br />

escuro e preciso levá-la de volta para casa. Mas ainda não estou completamente pronto para deixá-la<br />

ir.<br />

Paramos e compramos castanhas quentes mesmo que nós dois estejamos muito cheios para comêlas.<br />

Em seguida, pegamos um táxi para voltar para a casa dela. Ela recita o endereço e os números<br />

ficam na minha cabeça. Ela parece tranquila no caminho de volta. E eu odeio a ideia de quebrar o<br />

silêncio. É confortável. Coloco a mão sobre sua coxa e aperto-a suavemente. Ela coloca sua mão<br />

sobre a minha, me olha e inclina a cabeça em meu ombro.<br />

O táxi para e eu saio, estendendo a mão, em seguida, para ajudá-la a sair. Não a solto enquanto a<br />

levo até a porta.<br />

― Quero beijar você ― deixo escapar. Quero-a com cada fibra do meu ser.<br />

Ela balança a cabeça.<br />

― Não, a menos que você pretenda voltar amanhã. E no dia seguinte. E no próximo. ― Ela<br />

morde os lábios. Uma mecha de cabelo fica preso em seu lábio e eu o solto, colocando-o atrás da<br />

orelha.<br />

Não posso prometer-lhe qualquer coisa.<br />

― Obrigada por passar o dia comigo ― eu digo em voz baixa. Ela dá um passo para cima do<br />

degrau e estamos nariz com nariz. Sua respiração cheira a batata frita e ketchup.<br />

― Obrigada, Daniel ― diz ela. ― Eu realmente apreciei o dia de hoje. Precisava disso mais do<br />

que você imagina.<br />

Concordo. Não sei o que dizer a ela agora.<br />

― Adeus, Daniel ― ela sussurra.<br />

― Adeus, Faith ― sussurro de volta. Fecho meus olhos e respiro o perfume que é todo dela.<br />

Café, desodorante... Faith.<br />

Faith entra e fecha a porta com um click suave. Ela não demora. Não hesita. Apenas vai.<br />

Pego o táxi de volta para o meu hotel e decido dar uma volta pela cidade, já que ainda tenho<br />

tempo até a meia-noite. Caminho e desfruto da agitação e percebo as pessoas ao meu redor pela<br />

primeira vez depois de muito tempo. Sorrio para uma mulher idosa, que sorri de volta para mim.<br />

Seguro o braço dela para ajudá-la a atravessar a rua, mesmo que eu seja quase tão lento quanto ela.<br />

Pego o brinquedo de uma menina que cai do seu carrinho e ela sorri para mim. Há felicidade ao meu<br />

redor. Por que perdi isso por tanto tempo? Por que não pude ver o que estava bem diante de mim?<br />

Ando por aí até a minha perna começa a doer e percebo que faltam quinze para a meia-noite.<br />

Preciso me apressar, se vou fazer o que me propus. Entro no quarto. Planejei tudo isso tão bem, por


tanto tempo. Abro o cofre e pego a arma. Pego também os comprimidos para o caso de eu ser cagão<br />

demais para usar a arma. Arrumo tudo no balcão do banheiro e fico olhando para eles.<br />

Sento-me na borda da banheira e deixo os minutos passarem. Olho para a TV, onde posso ouvir a<br />

contagem regressiva. Pego a arma e giro o tambor de munição. Minhas mãos estão tremendo pra<br />

cacete.<br />

Espero.<br />

Respiro pesadamente.<br />

Menos de um minuto para a meia-noite. Pedi, propositadamente, um quarto perto de onde soltam<br />

os fogos de artifício na esperança de que fossem abafar o som dos tiros.<br />

Pelo menos, é o que eu esperava.<br />

Quem vai limpar a bagunça quando eu me for?<br />

Que pergunta estúpida.


D A N I E L<br />

P<br />

aro de contar, porque ouço um novo som no quarto. Olho ao redor. Tic. Tac. Tic. Tac. Olho para<br />

o meu relógio. É mais baixo que o mais fraco dos sussurros, mas consigo ouvi-lo sobre os fogos de<br />

artifício. É meia-noite. É ano novo. E meu relógio, simplesmente, começou a funcionar.<br />

Puta merda.<br />

Jogo a arma no balcão do banheiro, como se ela estivesse quente. Dou um passo para trás e<br />

seguro meus cabelos, puxando-os com força. Ando em círculos. Passou da meia-noite e o tempo<br />

começou a passar novamente para mim.<br />

Solto um suspiro profundo, olhando meu peito baixar com o ar. Meu peito se enche e a glória do<br />

que vejo nele me atinge. Estou vivo. Meu relógio não parou, afinal de contas.<br />

Mas o que eu estava prestes a fazer... é uma merda séria. Preciso de ajuda. Não posso resolver<br />

isso sozinho. Eu sei disso. Mas, pela primeira vez em muito tempo, tenho esperança e fé de que não<br />

estou sozinho.<br />

Puta merda. Meu relógio está funcionando. Pressiono a palma da mão em meu rosto e o esfrego.<br />

Chamo meu comandante, porque ele vai ser capaz de me ajudar. Assusto-o quando começo a<br />

falar, mas ele me entende. E promete que vai me ajudar. Ele agiliza as coisas para que eu consiga<br />

ajuda para o TEPT e a depressão. Ele resolve isso enquanto me mantém no celular. Posso ouvi-lo<br />

gritando ordens em seu telefone fixo e isso me faz sorrir.<br />

Eu não estou sozinho.<br />

Eu não estou sozinho.<br />

Eu não estou sozinho.<br />

Estou tremendo enquanto espero o carro que virá me buscar. Mas tem algo mais que preciso<br />

fazer. Abro meu computador e acesso a internet. Tenho dinheiro sobrando da apólice de seguro de<br />

vida de minha mãe. Nunca tive ninguém com quem gastar. Mas agora tenho.<br />

Finalmente, encontro o que eu estou procurando. Ligo para o número e percebo que eles estão em<br />

Nova York. Grito com a caixa postal que é uma emergência e fico imaginando se eles vão pensar que<br />

estou ficando louco. Talvez esteja. Mas, quase que imediatamente, alguém me liga de volta. Digo-lhe<br />

o que preciso. Ela concorda em atender meu pedido. Dito um bilhete rápido para ser entregue junto e<br />

ela promete colocá-lo na caixa quando for despachar a encomenda. A loja fica em Nova York. Eles<br />

podem postar para Faith, pelo correio, amanhã, ela fala.<br />

Espero pelo meu carro.<br />

Esperar por ajuda.


E não estou sozinho.


F A I T H<br />

Acordei pensando em Daniel. Gostaria de saber onde ele está e o que está fazendo. Visto-me e vou<br />

ver como Nan está. Vovô está lendo para ela. Ela gosta de ouvi-lo. Isso a acalma.<br />

De repente, ouço uma batida na porta. Uma mulher está no degrau inferior e olha para mim. Ela<br />

está segurando uma caixa.<br />

― Você é Faith? ― ela pergunta.<br />

Eu concordo.<br />

― Você é uma mulher de sorte ― ela diz e ri. ― Ele me disse para enviar pelo correio, mas eu<br />

queria ver a mulher que receberia isto. Espero que você não se importe. ― Ela aperta minha mão,<br />

olhando nos meus olhos.<br />

― Não entendo... ― eu digo.<br />

― Abra a caixa ― diz ela com um sorriso amável. Ela se vira e fala ― Feliz Ano Novo! ― por<br />

cima do ombro.<br />

― Feliz Ano Novo ― murmuro de volta.<br />

Levo a caixa para dentro e coloco-a sobre a mesa. Abro a caixa primeiro, porque sério, quem<br />

abriria o cartão primeiro?<br />

Olho para dentro e não posso acreditar no que estou vendo. É um relógio.<br />

Olho para ele e não posso acreditar em meus olhos. É um relógio alemão com uma grande casa<br />

entalhada em madeira com pequenos dançarinos que saem de dentro dele e deslizam para frente e<br />

para trás. Imediatamente, me pergunto o que se passa entre eles quando se escondem na casa. Sorrio.<br />

― Quem poderia ter enviado isso? ― sussurro para mim mesma, mas já sei. Posso sentir em meu<br />

coração.<br />

― Vovô! ― chamo. ― Veja!<br />

Carrego o relógio para o quarto de Nan e o seguro para eles verem. Está, realmente, em ótimo<br />

estado. Ele, provavelmente, custou uma grana preta.<br />

Nan grita:<br />

― Meu relógio! Você trouxe meu relógio de volta! ― Ela olha para o vovô e diz: ― Eu sabia<br />

que você iria encontrá-lo!<br />

― Nan ― ele repreende.<br />

Mas cubro a mão dele com a minha. Ela está tão feliz. Ele para de falar.<br />

― Eu te amo tanto ― diz Nan. Ela segura o vovô e puxa-o para beijá-la. Ele ri contra seus<br />

lábios. Enxugo meus olhos e me esgueiro para fora do quarto, porque estou morrendo de vontade de


ler o cartão.<br />

Abro-o.<br />

Faith,<br />

Dizem que o tempo não espera por ninguém, mas ele esperou por mim uma vez e espero que<br />

você espere por mim agora.<br />

Daniel<br />

PS - Você consertou o meu relógio. Obrigado.


F A I T H<br />

Tiro os óculos e coloco a carta para o lado. A carta mais recente de Daniel me faz sentir<br />

esperançosa. Ele está melhorando a cada dia com a terapia. Daniel era um homem muito ativo<br />

quando estava no exército, e tornou-se alguém sem nenhuma atividade ao perder a perna. Ele era um<br />

corredor e, de repente, não podia mais correr. <strong>Os</strong> médicos acham que isso contribuiu para sua<br />

depressão. A TEPT é um pouco mais difícil de curar, mas ele está fazendo progressos. Suas cartas<br />

estão repletas de alegria e piadas. E algumas insinuações sensuais.<br />

Já se passaram quatro meses desde que ele enviou o relógio e eu adoraria encontrá-lo,<br />

especialmente, em um dia como hoje. Hoje, enterramos Nan e sinto como se alguém tivesse pego um<br />

pedaço da minha alma. No entanto, sinto-me forte ao mesmo tempo. Sei que ela não está sofrendo e é<br />

isso que importa. <strong>Os</strong> últimos meses foram muito difíceis para ela. Nós a vimos declinar e vovô<br />

jamais saiu do seu lado.<br />

Ela nos fez colocar em seu quarto o relógio que Daniel mandou, ainda que, de hora em hora, ele<br />

fizesse todo aquele barulho. Ela adorou. Falou de Daniel muitas vezes, mesmo o tendo encontrado<br />

uma única vez. Acho que ela sabia o que sinto por ele. Li algumas de suas cartas para ela. Ou, pelo<br />

menos, as partes que não tinham insinuações. Só queria poder vê-lo.<br />

Ouço alguém me chamar da porta.<br />

― Faith! ― É o vovô. O carro fúnebre deve estar aqui.<br />

― Estou indo ― respondo. Pego meu guarda-chuva, pois o tempo parece instável.<br />

Meus pais estão aqui. Eles vieram várias vezes neste último mês, o que foi bom para eles e para<br />

Nan. E bom para mim, também, cá entre nós. Assistir Nan enfraquecer a cada dia foi difícil. Fez-me<br />

sentir impotente e sozinha.<br />

Nan morreu há uma semana. Não estou triste por isso. Hoje é um dia especial em que poderemos<br />

honrar sua vida. Pedimos aos visitantes que fossem à igreja usando roupas que usariam em uma festa,<br />

porque Nan teria gostado disso.<br />

Chegamos à igreja antes de todo mundo e entramos em uma sala reservada para aguardar a missa<br />

iniciar. Vovô e eu ficamos sozinhos no local por alguns minutos quando ele vira para mim, de<br />

repente. Ele segura meus ombros e olha em meus olhos. Acho que ele está encolhendo ao longo dos<br />

anos. Mas isso não parece incomodá-lo. Ele me olha e fala:<br />

― Não desperdice um minuto, Faith. Nem um único minuto.<br />

Lágrimas enchem meus olhos. Não consigo evitar.<br />

― Ok ― sussurro.


― Você tem que agarrar o amor quando ele a encontrar ― ele continua. ― Às vezes, dá trabalho.<br />

E, às vezes, é maravilhoso. Mas nunca deixe de valorizá-lo. Porque, quando sua vida acaba e você<br />

olha para trás, essa é a única porra que importa, Faith. Eu juro.<br />

― Estamos em uma igreja ― sussurro para ele, brincando.<br />

― Eu sei ― vovô sussurra de volta. Ele olha para o meu rosto novamente. ― Não desperdice um<br />

minuto, Faithzinha ― diz ele. ― Entendeu?<br />

― Acho que sim.<br />

― Mesmo em um dia como hoje, agarre o amor quando o encontrar. ― Ele olha por cima do<br />

ombro e sorri. Eu me viro e congelo. De pé, na porta, está Daniel. Ele está usando seu uniforme de<br />

gala e está tão incrivelmente bonito que rouba meu ar.<br />

Olho para vovô, porque quase sinto que preciso de permissão para ser feliz hoje. É quase errado.<br />

Mas parece tão certo também.<br />

― Agarre-o, Faith ― ele sussurra com veemência. ― Nunca o deixe ir.<br />

Ele passa por mim e sai pela porta.<br />

― Daniel ― murmuro.<br />

Daniel não se move. Ele está segurando uma rosa e sorri. Enxugo as lágrimas do meu rosto e,<br />

então, desisto. Corro em direção a ele, que envolve seus braços ao meu redor e me abraça com força.<br />

Soluço sobre seu uniforme de gala, mas ele parece não se importar.<br />

― Oi, Faith ― ele, finalmente, diz quando os meus soluços diminuem.<br />

Olho para ele.<br />

― Estou tão feliz por você estar aqui.<br />

Ele enxuga as lágrimas do meu rosto e olha para os meus lábios como se quisesse me beijar.<br />

― Tenho uma pergunta para você ― diz ele.<br />

― O quê? ― pergunto.<br />

Olho em seus olhos castanhos, desejando mergulhar neles e nunca mais sair de lá.<br />

― Você está usando calcinha? ― ele pergunta, brincando.<br />

Ele puxa uma mecha do meu cabelo e eu sorrio. Não consigo evitar. Era exatamente o que eu<br />

precisava. Ele é o que preciso.<br />

― Sim ― respondo. ― Mas você pode consertar isso mais tarde.<br />

Ele congela em meus braços e seu corpo enrijece.<br />

― Promete? ― ele sussurra.<br />

― Palavra de honra ― respondo. Fico na ponta dos pés e pressiono meus lábios nos dele. É o<br />

nosso primeiro beijo. Ele me toca, sua boca hesitante e macia. É doce e respeitoso, mas não é o que<br />

quero. Mordisco seu lábio inferior.<br />

Ele geme.<br />

― Estamos na igreja ― ele fala, afastando-se.<br />

― Eu sei, mas vovô nem me preparou antes, então, acho que um beijo só não tem problema. ―<br />

Eu rio. É um som agudo, mas estou muito feliz por ele estar aqui. ― Eu não fazia ideia que você<br />

estava vindo.<br />

― Jamais perderia o dia de hoje ― ele fala, inclinando meu rosto. ― Sei o quanto ela<br />

significava para você.<br />

― Quanto tempo você pode ficar? ― pergunto.<br />

― O tempo que você me aguentar ― diz ele.


Meu coração acelera. Ouço uma batida na porta e, ao abri-la, e encontro vovô do outro lado.<br />

― Eles estão acomodando a família ― diz ele.<br />

Daniel solta sua mão da minha para ir sentar-se com os visitantes e sinto sua perda<br />

imediatamente. Começo a protestar, mas, antes que eu consiga, vovô nos enxota para frente e diz aos<br />

organizadores:<br />

― Ele é da família. Deixe-o passar.<br />

Daniel sorri e vem com a gente, deslizando para o banco. Ele se inclina para apertar a mão do<br />

meu pai e sinto-me tão feliz por ele estar aqui que sequer posso ficar sentada a poucos centímetros de<br />

distância dele. Não consigo só segurar sua mão. Entrelaço meu braço no seu e seguro-o firmemente.<br />

Mamãe sorri para mim e pisca.<br />

Coloco minha cabeça em seu ombro durante a missa e sinto-o apertar minha mão com mais força<br />

quando começo a soluçar. Ele é a minha força hoje. Eu serei a sua em outro dia. É assim que<br />

funciona, certo?


D A N I E L<br />

Ficamos juntos durante toda a missa e na reunião que ocorre em seguida. Surpreendo-me quando o<br />

avô de Faith me puxa para o lado, porque seu apartamento ainda está cheio de pessoas. Nan foi muito<br />

amada, aparentemente. Ele me leva até seu escritório, onde enche duas taças com algum tipo de<br />

líquido âmbar. Entrega um para mim e brinda comigo.<br />

Levo a taça aos lábios, pois não quero ser rude. Aquilo queima por todo o caminho até meu<br />

estômago.<br />

― Vai fazer crescer cabelo em seu peito ― ele fala.<br />

Eu rio e tomo outro gole. Normalmente, não bebo. E realmente não quero isso, mas ele está<br />

bebendo o dele. Não posso imaginar o quão difícil tudo isso é para ele.<br />

― Tenho algo para você ― diz ele, abrindo a gaveta da mesa. Ele me entrega uma pequena caixa<br />

de joias.<br />

― Era de Nan ― diz. Ele engole a saliva tão pesadamente que posso ouvir. ― Ela queria que<br />

ficasse com Faith.<br />

Abro a caixa e vejo um conjunto de alianças de noivado. Meus olhos se arregalam e olho para<br />

ele.<br />

― Agarre o amor quando encontrá-lo, filho ― ele fala e levanta uma sobrancelha para mim. ―<br />

Você estava planejando pedi-la, não é? ― ele pergunta. ― O pai dela comentou que você ligou para<br />

ele na semana passada.<br />

― Sim, senhor ― murmuro. Eu não esperava isso. Este tipo de apoio é algo que eu não tive por<br />

um longo tempo, com exceção da minha equipe e Faith.<br />

Ele ergue seu copo para mim.<br />

― Não desperdice um minuto ― diz ele sobre a borda do copo. ― Nem um único minuto. ―<br />

Seus olhos se enchem de lágrimas e ele se movimenta em direção à porta. ― Agora, saia daqui e me<br />

deixe com a minha dor por um segundo.<br />

― Obrigado, senhor ― eu digo. ― Prometo que vou cuidar dela.<br />

Ele bufa.<br />

― Eu sei. Porque vou ter que te matar se você não cuidar. Odeio ficar com sangue nas mãos. ―<br />

Ele parece tão sério que não posso dizer se está brincando ou não. Mas, então, ele bufa de novo. E<br />

faz um gesto em direção à porta. ― Fora! ― diz ele.<br />

No corredor, encontro com Pete <strong>Reed</strong>, o rapaz que me acompanhou até a loja de relógios na<br />

primeira noite. Suas mãos estão cheias de caixas de bolo.


― Pete ― cumprimento-o.<br />

Ele balança a cabeça.<br />

― Não. Eu sou Sam. ― Mas ele aperta minha mão depois de transferir as caixas para o outro<br />

braço. Olho por cima do ombro e vejo o que deve ser o resto dos <strong>Reed</strong> bem atrás dele. Reconheço<br />

Paul e Pete - os gêmeos são iguaizinhos - e Paul apresenta os demais. Eles estão acompanhados de<br />

três meninas: Emily, Reagan e Friday, que sorri para mim. As três mulheres são impressionantes, mas<br />

não são tão bonitas quanto a minha garota. Olho ao redor e, finalmente, a encontro na sala. Ela está<br />

falando com algumas pessoas que não conheço. Peço licença aos <strong>Reed</strong> e caminho em sua direção.<br />

As pessoas com quem ela está conversando se afastam quando me aproximo e coloco o braço ao<br />

redor da sua cintura.<br />

― Acabou por aqui? ― pergunto e beijo seu nariz.<br />

― Sim ― diz ela envolvendo os braços ao meu redor e me apertando com força. ― Então ― ela<br />

começa e olha para mim, mordendo o lábio inferior.<br />

Fico duro imediatamente, não consigo evitar. Sou um cara.<br />

― Então? ― repito.<br />

― Então, você se lembra do que perguntou sobre a minha calcinha? ― ela sussurra de<br />

brincadeira.<br />

Disfarço um gemido. Mas aceno.<br />

― Está tentando me matar? ― pergunto em sua orelha.<br />

― Então ― ela ronrona e olha para mim de novo. ― Eu meio que... tirei...<br />

É isso aí. Seguro sua mão e a levo em direção à porta.<br />

― Você precisa se despedir de alguém? ― pergunto enquanto a puxo.<br />

Ela balança a cabeça e ri.<br />

― Acho que não ― Mas ela enfia a cabeça para dentro do quarto de seu avô e diz: ― Eu te amo,<br />

vovô!<br />

― Eu te amo, Faithzinha ― ele responde em voz alta e balança uma mão no ar. ― Saia daqui,<br />

menina. Não perca um minuto.<br />

― Sim, senhor ― ela responde.<br />

Faith sorri para mim e, desta vez, é ela quem está me puxando em direção à porta. Chamamos um<br />

táxi e entro logo após dela, levantando suas pernas sobre meu colo. Passo a mão pela parte de trás da<br />

sua coxa, seguindo pelo caminho onde a calcinha deveria estar. Mas não está lá.


F A I T H<br />

O corredor nunca termina. Pelo menos, é o que parece. Daniel está segurando minha mão e não fala<br />

nada enquanto subimos de elevador, nem faz qualquer som quando abre a porta, afastando-se para<br />

que eu possa entrar na sua frente. Ele fecha a porta atrás de nós e não diz absolutamente nada.<br />

Ele caminha na minha direção. Seus olhos estão selvagens e se corpo rígido.<br />

― Não estamos na igreja agora ― ele fala.<br />

― Não ― respondo, mas não posso deixar de manter o sorriso estúpido na minha cara.<br />

Ele me puxa para si e vou de bom grado. Seus lábios não são suaves agora. De jeito nenhum. Ele<br />

me lambe, sugando minha respiração. Segura meu rosto, mantendo-me cativa enquanto me beija.<br />

Finalmente, ele se afasta. Não consigo sequer abrir os olhos. Quando os abro e encontro-o sorrindo<br />

para mim.<br />

― Uau ― murmuro.<br />

Ele começa a tirar o casaco e o pendura no armário.<br />

― Você quer tirar uma soneca? ― ele pergunta, mas ainda está sorrindo. Ele parece um menino e<br />

é incrivelmente bonito.<br />

Fecho as cortinas do quarto, que agora está envolto em trevas. Então, puxo meu vestido sobre a<br />

cabeça. Meu sutiã sai em seguida. Estou nua e logo em seguida, estou em seus braços.<br />

Ele ainda está com a camisa, então, puxo-a sobre sua cabeça e ele me ajuda, rindo. Suas calças<br />

caem a seguir. Ele se senta na beira da cama e tira a prótese.<br />

― Sou meio desajeitado ― diz ele.<br />

― Não me importo ― eu digo. Subo, nua, em seu colo. Suas mãos me devoram, deslizando-as<br />

até alcançar meus seios. Ele testa suavemente o peso, gemendo ao inclinar a cabeça e capturar meu<br />

mamilo em sua boca.<br />

― Perfeitos ― ele sussurra.<br />

Sua mão vai para a parte de trás da minha cabeça, entrelaçando os dedos em meus cabelos e<br />

puxando minha cabeça para trás enquanto mordisca meu pescoço. Com um braço ao redor do meu<br />

corpo, ele nos vira e olha para mim.<br />

― Você é real? ― ele pergunta.<br />

Puxo seu cabelo até que ele se aproxime mais de mim.<br />

― E você? ― pergunto.<br />

Ouço uma embalagem de alumínio se rasgando e ele, rapidamente, coloca o preservativo. Então,<br />

ele afunda em mim, deslizando lentamente para o meu calor. É um empurrão lento até que sinto-me


ser esticada e completa. Por ele. Uma lágrima cai no canto do meu olho e ele a beija, secando-a.<br />

― Você está bem? ― ele pergunta e não se move.<br />

Concordo com a cabeça e viro para que possa beijar seu pulso. Inclino meus quadris para que ele<br />

possa ir ainda mais fundo e suspiro quando ele começa a se mover. Ele me beija e me envolve em<br />

seus braços, segurando-me enquanto entra e sai, entra e sai. Ele levanta minha perna para que eu a<br />

passe ao redor da sua cintura e, de repente, atinge um ponto que eu não sabia que existia. Grito e ele<br />

sorri.<br />

― Quero aprender tudo o que te faz feliz ― ele murmura contra a minha boca. Sua mão se<br />

estende até meus cachos e ele me acaricia. Ele olha para baixo, entre nós, e fala.<br />

― Droga.<br />

― O que foi? ― pergunto. Fico tensa embaixo dele.<br />

― Você está realmente nua ― ele fala rindo e atinge meu centro. Seus dedos encontram meu<br />

calor e eu fico sem fôlego e ofegante debaixo dele. Chego ao auge e ele diminui o ritmo para que eu<br />

possa aproveitar a onda de prazer. Pulso em torno dele, que espera até que meu tremor pare. Em<br />

seguida, ele beija meu nariz e empurra com firmeza dentro de mim.<br />

― Deus, você é tão gostosa ― ele fala e olha em meus olhos o tempo todo até que atinge o auge.<br />

Ele fica tenso, geme e goza dentro de mim.<br />

Ele relaxa em cima de mim e eu aperto mais as pernas ao seu redor.<br />

― Deus, Faith ― ele suspira.<br />

Ele rola de costas e me puxa com ele.<br />

― Você realmente veio para ficar? ― pergunto. ― Para sempre?<br />

Ele olha para mim.<br />

― Finalmente encontrei você, Faith. Não vou a lugar nenhum.<br />

Beijo seu peito.<br />

― Amo você, Daniel.<br />

Ele me aperta e diz:<br />

― Eu também te amo.<br />

Não posso imaginar nada melhor do que este momento.<br />

― Posso sentir você sorrindo ― diz ele, a barriga tremendo com uma risada.<br />

― Acostume-se com isso.<br />

― Então, vou ganhar uma medalha por ter feito você gozar? ― ele pergunta, apertando-me em<br />

seus braços.<br />

― Foi muito impressionante.<br />

― Oh, merda ― ele fala de repente e endurece debaixo de mim.<br />

― O quê? ― pergunto, levantando minha cabeça.<br />

Ele geme.<br />

― Esqueci completamente de fazer a coisa toda de ajoelhar, te dar o anel e pedir sua mão em<br />

casamento.<br />

― O quê? ― pergunto, sentando-me. Meu coração dispara em meu peito.<br />

― Bem, você estava nua e sem calcinha. A única coisa que eu conseguia pensar era em comer<br />

você.<br />

― Daniel ― digo, pressionando um dedo sobre seus lábios. ― Não diga me comer. É grosseiro.<br />

Ele ri contra o meu dedo. Em seguida, seus olhos se estreitam e ele me vira para debaixo dele.


― Você gosta quando sou grosseiro. ― Ele beija meu rosto.<br />

― Meio que me excita ― eu digo, com uma risada e, então, sussurro para ele. ― Onde está o<br />

meu anel?<br />

― No bolso do casaco ― ele sussurra de volta.<br />

Vou até o armário e remexo nos bolsos até encontrá-lo. Levo a caixa para ele. Nua.<br />

― Esse é o pior pedido de todos ― ele fala e faz um gesto em direção ao seu colo. Ele sequer<br />

tirou o preservativo.<br />

― Sim. É o pior pedido de todos. Anda logo com isso ― falo rindo.<br />

― Você tem que se casar comigo, porque tenho o anel perfeito. ― ele abre a tampa da caixa e eu<br />

o vejo. É o mesmo anel que vi no dedo de Nan por toda a minha vida. Meus olhos enchem de<br />

lágrimas e eu nem tento controlá-las.<br />

― Oh, Daniel. É o melhor pedido de todos ― eu falo. ― Melhor.<br />

― Você vai contar aos nossos filhos que estávamos nus quando pedi você em casamento? ― ele<br />

pergunta enquanto tira o anel da caixa e eu estendo minha mão. Ela treme e ele a estabiliza. Ele<br />

desliza o anel em meu dedo e eu olho para ele. Em seguida, abraço-o com força.<br />

Ele acabou de dizer filhos?<br />

― Você quer ter filhos? ― eu pergunto e olho para ele.<br />

― Inferno, sim ― diz ele.<br />

― Eu também ― falo e o beijo. E não paro mais. Nunca mais.


Q U E R I D O L E I T O R ,<br />

Por favor, tenha em mente que a situação que Daniel passou nasceu da minha cabeça. Não é real. No<br />

entanto, muitas, muitas pessoas na vida real sofrem muito como ele sofreu, e muito mais.<br />

Quero deixar três pensamentos, se você não se importar:<br />

Se você acordar e não conseguir encontrar algo que o faça seguir em frente, peça ajuda.<br />

Se você está pensando em suicídio ou acha que alguém que você ama pode estar considerando<br />

isso, há recursos nacionais que podem ajudar. No Brasil, você pode encontrar ajuda no CVV –<br />

Centro de valorização da vida. Clique para conversar com um profissional treinado ou ligue 141.<br />

3. Nunca deixe de oferecer sua gratidão e carinho à pessoas que estão passando por processos de<br />

transição de volta para casa.<br />

Com carinho,<br />

<strong>Tammy</strong>.


C O N H E Ç A O U T R O S L I V R O S D E T A M M Y F A L K N E R<br />

<strong>Os</strong> irmãos <strong>Reed</strong><br />

Tatuagem, toque e tentação<br />

Sagaz, sexy e secreto<br />

Calmamente, cuidadosamente, completamente<br />

Balas e beijos<br />

<strong>Enfim</strong> encontrando esperança

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