Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
<strong>LiteraLivre</strong> nº 2<br />
Corte “Americano”<br />
Regina Ruth Rincon Caires<br />
Campinas/SP<br />
No início da década de 1970, para tirar o sossego dos pais dos<br />
garotos, a moda era cabelo longo.<br />
Aloísio, embodocado na timidez dos seus treze anos, filho mirrado<br />
de um negro e de uma cabocla, órfão de pai desde que nascera, vivia<br />
com a mãe e mais um irmão.<br />
Meio carapinha, ele dormia todas as noites com a cabeça enfiada<br />
numa velha meia para tentar driblar a rebeldia dos longos cabelos.<br />
Quando acabava de lavá-los, com a velha tesoura aparava as pontas<br />
daqui e dali, ritual que fazia escondido, longe dos olhos da mãe e do<br />
irmão mais velho. Os dois não aprovavam aquela profusa cabeleira que<br />
deixava Aloísio com o semblante ainda mais franzino, disforme. Era uma<br />
cabeça desproporcionalmente volumosa sustentada por um corpo<br />
minguado. Imagem triste.<br />
Certo dia, Paulo, seu irmão, ofereceu-lhe, de presente de<br />
aniversário, um corte de cabelo na barbearia do Seu Alípio. Aloísio ficou<br />
todo cheio! Cortar o cabelo numa barbearia era artigo de luxo. Desde<br />
que se dera por gente e até certo tempo atrás, seu cabelo sempre fora<br />
cortado pela mãe. Sairia da barbearia todo faceiro, cheirando a álcool, a<br />
talco ou à água velva!<br />
No dia combinado, Aloísio recebeu uma cédula de dinheiro do<br />
31