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<strong>LiteraLivre</strong> nº 2<br />
acinzentada. Era um interior dentro da mata mesmo. Árvores para todo<br />
lado. Mas ele não havia notado. Será que era pela abundância? Existiria,<br />
então, um mundo por baixo do outro, que ele só estava vendo agora,<br />
assim, de repente, na pressa de fechar o portão? Aquela mente teria<br />
enlouquecido de fechar portões e guardar-se na sala, no quarto, na<br />
própria intimidade?<br />
Olhou, nos olhos, o gato da casa, mas seus olhos não diziam nada<br />
do que ele queria saber. Aqueles olhos reptilianos e frios. Que tipo de<br />
sentimentos existiria neles? Existiria culpa? Ou culpa, talvez, seja uma<br />
invenção humana? Ficou sem resposta, aflito, procurando alguma coisa<br />
naqueles olhos amarelos. Eles estavam vivos, assim como ele também<br />
está vivo. Pensou: Serei eu o que o meu corpo é? É dos meus olhos<br />
negros, então, que brota toda essa agonia? Olhou ao redor para as<br />
paredes e espantou-se de ver o mundo dividido em dois: o das paredes<br />
e o das pedras sobre pedras.<br />
Levantou-se. Caminhou até o portão, novamente. Olhou a rua e<br />
viu as pedras, os paralelepípedos, o vegetal entre eles. Sentiu que sua<br />
casa esmagava alguma coisa viva, com a ajuda do seu peso dentro dela.<br />
Saiu.<br />
A rua estava vazia. O céu imenso. A tarde terminava. Andou.<br />
Começou uma caminhada. Por vários minutos não pensou em nada.<br />
Calou-se. Ficou mudo pelo que via. Era tudo muito frágil e vivo. Dos<br />
insetos aos urubus. Foi andando tanto que o seu corpo começou a suar.<br />
Aí sentiu mais o corpo, ou melhor, flagrou-se sentindo, com consciência.<br />
Estava pulsante. A mente esgotou-se. Consumiu-se em uma vertigem<br />
de cansaço. A noite já estava esfriando. E isso lhe causou um calafrio. A<br />
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