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Jornal da Bairrada<br />
6 PRAÇA PÚBLICA | OPINIÃO<br />
20 | julho | 2017<br />
Opinião<br />
Ora vamos lá! Aprendamos a ler<br />
Manuel Armando<br />
Padre<br />
Continuo a pensar<br />
ou a defender que os<br />
antigos moldes de<br />
ensino criavam nas<br />
pessoas um caminho<br />
para a cultura e não<br />
deixavam ninguém<br />
para trás. Todos<br />
tinham oportunidade<br />
de subir de divisão<br />
nos campeonatos da<br />
aprendizagem.”<br />
Quase me deu um “fanico” –<br />
como diziam, em tempos, as gentes<br />
simples da minha aldeia – ou<br />
ia desmaiando quando, num noticiário<br />
televisivo de meio-dia, ouvi<br />
a penalizante e triste notícia que<br />
afirmava estar o nosso país à beira<br />
de ser campeão das repetências no<br />
primeiro ano da escolaridade obrigatória.<br />
Os meninos não transitam<br />
para o degrau seguinte porque não<br />
sabem ler.<br />
Pasmei, embora soubesse, por conhecimento<br />
directo e provado, que<br />
o caso é uma perturbante, e até vergonhosa,<br />
verdade.<br />
Fiquei a cismar no porquê da situação.<br />
Concluí, no meu raciocínio<br />
livre, que o facto de não passarem<br />
de ano não será tanto por os catraios<br />
não aprenderem a ler mas, isso sim,<br />
pela razão de alguém não saber ensinar.<br />
Porém, vamos a entender-nos.<br />
Neste alguém e nesta constatação,<br />
acuso e englobo os compêndios e<br />
quem os elabora, os métodos e seus<br />
mentores, o Estado com os Ministérios<br />
da Educação, os actuais professores<br />
– nestes tempos, involuntariamente<br />
espartilhados e impedidos<br />
de usarem métodos mais certeiros<br />
– a família e mais aquele sem-número<br />
de outros agentes que incluirão o<br />
elenco de responsáveis.<br />
Trazendo ao de cima este problema,<br />
tais comentários fizeram-me<br />
recuar aos tempos de antanho – e<br />
quantas saudades deles, – quando<br />
rompíamos os fundilhos dos calções<br />
na cadeira improvisada da Escola,<br />
onde não se manejavam máquinas<br />
de calcular nem os computadores<br />
que parecem saber tudo mas<br />
nada ensinam em ordem à iniciação<br />
prática da leitura, nas primeiras<br />
letras, sílabas e frases completas<br />
como ainda no que concerne à<br />
escrita sem erros ou gralhas ignorantes.<br />
Nessa referida época passada,<br />
tudo se procurava inserir e guardar,<br />
pela repetição constante, no disco<br />
rígido da nossa memória.<br />
Fui agora rever, lembrando, o Livro<br />
da Primeira Classe, onde aprendi<br />
as letras e a juntá-las em sílabas<br />
aos pares, a ler palavras soltas, a<br />
enunciar pequenas frases com<br />
maiúsculas as quais, depois, iam<br />
diminuindo de tipo, consoante o<br />
desenrolar da aprendizagem.<br />
Lembro a tamanha alegria, e mesmo<br />
vaidade, quando qualquer um<br />
de nós atingia, no segundo período<br />
de aulas – note-se bem isso – o texto<br />
continuado, em letras minúsculas<br />
que aprendíamos, até de cor, para<br />
darmos boa nota do nosso esforço<br />
e vontade de aprender.<br />
Em preito de homenagem ao velho<br />
método e a quem assim ensinou<br />
tão generosamente, recobro aqui o<br />
texto que todos ansiávamos alcançar,<br />
o mais depressa possível. Era<br />
quase uma carta de alforria.<br />
Ei-lo:<br />
“A DONA DE CASA”<br />
«Emilita é muito esperta e desembaraçada<br />
e gosta de ajudar a mãe.<br />
- Minha mãe, eu já sei varrer a cozinha,<br />
arrumar as cadeiras e limpar<br />
o pó. Deixe-me pôr hoje a mesa para<br />
o jantar.<br />
- Está bem, minha filha. Quando<br />
fores grande, hás-de ser boa dona<br />
de casa».<br />
Uma maravilha. Tal trecho é um<br />
marco importante e histórico para<br />
quem aprendeu, em bases sólidas, a<br />
arte e o gosto de ler.<br />
Ah, e a escrever também porque<br />
uma coisa e outra, isto é, a leitura e<br />
a escrita eram essencialmente companheiras<br />
inseparáveis.<br />
Faziam-se cópias, ditados e redacções<br />
– agora, composições – com esmero<br />
e atenção.<br />
Nessa altura, cada erro de ortografia<br />
era “premiado” com algumas<br />
boas palmatoadas. Abrindo um parêntesis,<br />
eu digo: - hoje, com o propalado<br />
“Novo Acordo Ortográfico”,<br />
ressalvam-se muitos erros, quando<br />
alguém confunde o não saber escrever<br />
com as tais novas regras.<br />
Continuo a pensar ou a defender<br />
que os antigos moldes de ensino<br />
criavam nas pessoas um caminho<br />
para a cultura e não deixavam<br />
ninguém para trás. Todos tinham<br />
oportunidade de subir de divisão<br />
nos campeonatos da aprendizagem.<br />
Então, vamos lá a aprender a ler<br />
e a escrever e jamais permitiremos<br />
ser considerados “os coitaditos”,<br />
dentro de uma sociedade evoluída.<br />
Texto escrito ao abrigo do anterior acordo<br />
ortográfico, por vontade expressa do autor<br />
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