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O mito português<br />
| Catarina Príncipe<br />
Ao olhar para o panorama europeu, todos os antigos partidos sociais-democratas<br />
estão a desmoronar-se. À excepção de um: Portugal,<br />
que é apresentado como um lustroso exemplo de recuperação<br />
económica depois do memorando da troika, com um programa anti-austeritário<br />
liderado pelo Partido Socialista (PS) com apoio da<br />
esquerda, que foi miraculosamente capaz de pôr o país de volta<br />
aos mercados financeiros. Mas será mesmo assim? A que custo?<br />
Portugal não é a Grécia<br />
O slogan repetido uma e outra vez pelo antigo primeiro-ministro,<br />
Pedro Passos Coelho, durante o mandato da troika está, na verdade,<br />
correcto. Mas não da forma que ele queria que fosse percepcionado.<br />
Portugal não é a Grécia não porque a austeridade foi diferente,<br />
não foi. Durante os quatro anos do memorando, o desemprego e a<br />
pobreza dispararam, o mercado laboral foi ainda mais liberalizado,<br />
houve uma subida de 35% nos impostos, os bancos foram resgatados,<br />
serviços públicos sub-financiados, centenas de milhares de<br />
pessoas emigraram. Nem Portugal era a Grécia porque a economia<br />
ou o estado era mais forte. Pelo contrário, Portugal tem uma estrutura<br />
de estado e uma economia mais dependente do centro da<br />
Europa devido ao processo de destruição dos sectores produtivos<br />
durante os 40 anos de integração europeia. Este processo não foi diferente<br />
do da Grécia. A diferença assenta noutro lado: Portugal era<br />
para ser, desde o início, o exemplo de como a austeridade funciona.<br />
Para se entender a situação política actual, existe outra diferença<br />
importante entre Portugal e a Grécia. Em 2010, aquando da introdução<br />
do memorando de entendimento, era o PASOK que governava<br />
o país. É por esta razão que hoje falamos de “pasokização”:<br />
a erosão dos agora liberalizados partidos da social democracia,<br />
devido ao seu processo de (neo)liberalização. Embora este processo<br />
não se tenha iniciado com o PASOK – deu-se por toda a Europa<br />
e durante os últimos 30 anos os partidos sociais democratas<br />
(SD) impuseram os cortes mais gravosos, sendo a Agenda 2010<br />
de Schröder um exemplo claro– foi na Grécia que o processo se<br />
clarificou com o desaparecimento do partido. Pelo contrário, em<br />
Portugal, embora três partidos tenham assinado o memorando de<br />
entendimento ( CDS-PP, PSD e PS) foi a PàF que governou o país<br />
durante esses quatro anos. Isto criou uma situação política diferente:<br />
o PS foi visto como a oposição à austeridade hard, e assim a<br />
margem para os partidos de esquerda anti-austeridade crescerem,<br />
diminui-se. Embora o descontamento popular tenha despoletado<br />
mobilizações anti-austeridade, o sentimento de descontentamento<br />
nunca se traduziu para partidos políticos organizados. A possibilidade<br />
reduzida de uma insurgência de esquerda, em Portugal,<br />
foi a outra razão pela qual Portugal foi escolhido como exemplo.<br />
A União Europeia, e em particular a Alemanha, precisava de uma<br />
narrativa positiva para os resultados das medidas de austeridade.<br />
Seria políticamente desastroso para a Merkel – ela própria continuou<br />
com o dumping salarial e com os cortes sociais – permitir um<br />
cenário onde a a austeridade só poderia ser implementada numa<br />
situação de extrema crise política e social ou, pior, permitir a superação<br />
da austeridade por forças de esquerda. Neste sentido, Portugal<br />
apresentou-se como a melhor possibilidade para se provar que<br />
a austeridade funciona, se implementada numa situação de baixa<br />
contestação social e de seguidismo acrítico das regras que a Troika<br />
impôs. Portugal requisitou o fundo de resgate um ano depois<br />
da Grécia, em 2011, e desde o início, que foi considerado? como o<br />
“bom aluno”. Repetiu-se até à exaustão que “Portugal não é a Gré-<br />
“Se Portugal servir como exemplo<br />
para um possível realinhamento<br />
dos antigos partidos social-democratas,<br />
terá que<br />
servir como um exemplo de<br />
cautela para a esquerda radical”<br />
PRAXIS MAG | 3