Jornal O Nacional 26 e 27-05-18
Edição digital do Jornal O Nacional de final de semana, 26 e 27 de maio de 2018.
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cotidiano<br />
www.onacional.com.br<br />
sábado e domingo, <strong>26</strong> e <strong>27</strong> de maio de 20<strong>18</strong> 9<br />
GREVE DOS CAMINHONEIROS<br />
Proposta de governo é paliativa, analisa Moises Cristiano<br />
• Economista Moises Cristiano<br />
defende que solução para a alta dos<br />
combustíveis passa pela redução da<br />
carga tributária e revisão da política<br />
de reajuste de preços da Petrobras<br />
LARISSA PALUDO<br />
onacional@onacional.com.br<br />
Em curto prazo, a elevação nos preços dos combustíveis<br />
se explica pelo aumento do barril do petróleo<br />
no mercado internacional e da alta do dólar.<br />
Em análise mais detalhada, sofre influência pela<br />
mudança da Petrobras na política de reajuste de<br />
preços, de acordo com análise do economista Moises<br />
Cristiano. Em julho do ano passado, a estatal<br />
anunciou que a gasolina e o diesel sofreriam oscilações<br />
frequentes de preços, acompanhando o mercado<br />
internacional.<br />
Desde a data, a área técnica de marketing e comercialização<br />
da companhia obteve delegação para<br />
realizar ajustes nos preços, a qualquer momento,<br />
inclusive diariamente. A única exigência é que os<br />
reajustes acumulados por produto estejam, na média<br />
Brasil, dentro de uma faixa determinada (-7% a<br />
+7%), respeitando a margem estabelecida pelo Grupo<br />
Executivo de Mercado e Preços (GEMP). Qualquer<br />
alteração fora dessa faixa terá de ser autorizada<br />
pelo GEMP. Conforme Cristiano, esses aumentos<br />
constantes foram um reflexo dessa mudança de política<br />
da estatal. As elevações são o motivo principal<br />
da paralisação dos caminhoneiros.<br />
Visando solucionar a greve da categoria, que já<br />
afeta o país, o governo anunciou, na noite de quinta-<br />
-feira (24), um pacote de propostas as entidades que<br />
representam os caminhoneiros. Entre os pontos,<br />
está a redução à zero do tributo sobre o Cide em<br />
20<strong>18</strong> para o óleo diesel, a garantia da redução de 10%<br />
na refinaria por 30 dias, e o repassar os reajustes do<br />
preço do diesel com uma periodicidade mínima de<br />
30 dias. Para o economista, essas medidas são paliativas<br />
porque não atacam o problema, da alta dos<br />
combustíveis, na raiz. Confirma a entrevista completa<br />
com Moises Cristiano.<br />
ON: Do ponto de vista econômico, que<br />
fatores contribuíram para essa revolta da<br />
população?<br />
Moises Cristiano: Principalmente o fato de que<br />
existe um insumo que é bastante utilizado na produção<br />
que é o combustível. Esse combustível está presente<br />
em toda a cadeia produtiva. O produtor utiliza<br />
o combustível e depois na hora de fazer o transporte<br />
também se utiliza o diesel, e isso significa o que?<br />
É um custo que ele está presente em toda cadeia<br />
produtiva. Como a Petrobras utiliza agora esse sistema<br />
de fazer a paridade do preço do combustível<br />
aqui no Brasil com o preço internacional, porque ela<br />
importa grande parte do combustível que ela utiliza,<br />
isso fez com que ela reajustasse os preços, desde<br />
julho de 2017, conforme o valor do barril de petróleo<br />
e também conforme a oscilação do dólar. Isso fez<br />
com que os preços aumentassem de forma muito<br />
próxima. Foram seis aumentos antes de começar os<br />
protestos e esses aumentos vieram por dois motivos<br />
principais, que são: o barril de petróleo chegou<br />
a U$ 80 e o dólar que aqui no Brasil subiu bastante.<br />
O que ocasionou essa subida do barril de petróleo e<br />
também do dólar? No caso do petróleo, é a questão<br />
de oferta e demanda. No mundo diminuiu a oferta<br />
de petróleo, principalmente depois que os Estados<br />
Unidos saíram do acordo nuclear com o Irã. Como o<br />
Irã é um grande produtor de petróleo, isso fez com<br />
que diminuísse a oferta de petróleo, ou pelo teve<br />
esse temor pelo mundo inteiro. Diminuindo a oferta,<br />
aumentou o preço. No caso do dólar, tem o fator<br />
também de possibilidade de inflação no mundo por<br />
causa desse preço maior do petróleo. Além disso,<br />
muitos investidores tiraram, aqui do país, os seus investimentos<br />
e levaram para os Estados Unidos, que<br />
são considerados os papéis mais seguros do mundo.<br />
Aliado a isso, os papéis do Tesouro norte americano,<br />
que são os treasuries, aumentaram o valor que eles<br />
pagam para quem investe neles. Isso fez com que<br />
muitos investidores tirassem os seus recursos de<br />
economias emergentes, que é o caso do Brasil e da<br />
Argentina, e fez com que o dólar subisse bastante.<br />
Então o que aconteceu? Aumentou o preço do petróleo,<br />
aumentou o dólar e, naturalmente, como a<br />
Petrobras faz a paridade do preço internacional, o<br />
preço do combustível aumentou bastante no Brasil.<br />
ON: É possível definir essa greve como<br />
de proletários ou de patronal? Ou ainda uma<br />
greve de vários setores e instituições?<br />
Moises Cristiano: Essa greve partiu da indignação<br />
e desse ganho menor dos transportadores.<br />
Porque como o combustível está no custo de produção,<br />
acaba diminuindo o ganho e a tua renda.<br />
“A solução real mesmo seria<br />
diminuir a carga tributária<br />
e rever essa política que<br />
está sendo adotada pela<br />
Petrobras de fazer a paridade<br />
com os preços internacionais.”<br />
Moises Cristiano,<br />
economista<br />
Você diminuindo a renda, naturalmente que você<br />
também tem os gastos e com isso você começa a<br />
perceber que está ganhando menos, você começa<br />
a consumir menos e tem menos dinheiro para<br />
pagar suas contas. Então [o movimento] surgiu<br />
justamente de um protesto de caminhoneiros<br />
que estão indignados com esse aumento do custo<br />
para eles trabalharem. O Cade (Conselho Administrativo<br />
de Defesa Econômica) está investigando<br />
se existe ou não a presença dos empresários<br />
fazendo uma pressão sobre o governo para diminuir<br />
o custo do combustível porque esse custo<br />
também impacta no lucro das empresas. As empresas<br />
não poderiam fazer esse tipo de protesto,<br />
apenas funcionários dessas empresas. O governo,<br />
como uma forma de pressionar, está fazendo essa<br />
investigação para saber se não foram os empresários<br />
quem fizeram toda essa pressão, que é contra<br />
a lei. Mas o que motivou principalmente? O<br />
valor alto do combustível que impacta muito no<br />
custo de produção.<br />
ON: Sobre a questão do acordo, de<br />
reduziu o preço do diesel e de retirar o<br />
tributo do ICMS, do PIS e Cofins, qual a tua<br />
análise sobre essa proposta do governo?<br />
Moises Cristiano: A proposta do governo é paliativa,<br />
porque não ataca o problema como um<br />
todo. Nós temos no Brasil uma alta carga tributária<br />
que incide sobre os combustíveis. Essa carga tributária<br />
contribui para que o combustível fique mais<br />
caro e isso, naturalmente, é algo que o governo poderia<br />
ver saídas. Como o governo decidiu durante<br />
15 dias apenas fazer esse congelamento e avisar os<br />
transportadores de que iria aumentar e o quanto<br />
vai aumentar depois de 30 dias, o governo deu<br />
uma solução paliativa. Mas a solução real mesmo<br />
seria diminuir a carga tributária e rever essa política<br />
que está sendo adotada pela Petrobras de fazer<br />
a paridade com os preços internacionais. Só que<br />
isso pode causar outros problemas, por exemplo, a<br />
Petrobras, como uma empresa que está no mercado<br />
e faz essa paridade, ela simplesmente não pode<br />
deixar de passar o valor que ela paga para quem<br />
está fornecendo para ela. Não pode deixar de passar<br />
esse valor para quem está comprando dela.<br />
Isso significa que é uma solução paliativa para um<br />
problema que deve ser atacado na sua base, que é a<br />
diminuição dos tributos que incidem nos combustíveis,<br />
que são 45% do preço final que a gente paga<br />
no combustível.<br />
ON: Na questão do impacto da paralisação<br />
dos caminhoneiros e de logística, como<br />
chegamos nessa dependência do setor<br />
rodoviário?<br />
Moises Cristiano: Aí é uma questão estrutural.<br />
A gente vê que o modal rodoviário é responsável<br />
por 90% do transporte no país. Principalmente<br />
dos alimentos e, enfim de tudo que a gente precisa.<br />
O abastecimento do país é pelo modal rodoviário.<br />
Eu entendo como sendo uma questão estrutural<br />
porque não foi investido em outros tipos<br />
de modais logísticos, como por exemplo, o ferroviário,<br />
o hidroviário, para fazer com que se tirasse<br />
essa possibilidade de só fazer os transportes<br />
através das rodovias. O que precisa? Precisaria de<br />
investimentos e do Brasil pensar estruturalmente<br />
para diversificar os modais de logística para que<br />
saísse desses 90% de dependência do transporte<br />
rodoviário.