Semana Digestiva
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<strong>Semana</strong> digestiva 2018<br />
Professora Dra. Isabel Pedroto<br />
A melhor forma de tratar a anemia<br />
num cirrótico, no contexto<br />
de uma hemorragia digestiva<br />
Foi o tema principal da intervenção da Professora Dra. Isabel Pedroto, diretora<br />
do serviço de Gastrenterologia do Centro Hospitalar do Porto. A médica apresentou<br />
dois casos clínicos sobre esta patologia, numa mesa-redonda subordinada ao tema:<br />
“Atualizações em Cirrose Hepática”, inserida na <strong>Semana</strong> <strong>Digestiva</strong> 2018, a reunião<br />
magna da gastrenterologia portuguesa, que decorreu de 20 a 23 de junho, na Invicta.<br />
Compreender e tratar<br />
a anemia num cirrótico<br />
“Sabemos que<br />
na cirrose hepática,<br />
sobretudo na doença<br />
hepática crónica,<br />
a anemia está presente<br />
em 75% destes<br />
doentes”<br />
A abordagem<br />
às formas de anemia<br />
mais frequentes,<br />
as ferropénicas, “passa<br />
pelo tratamento<br />
da causa e pela<br />
reposição de ferro”
“Abordar uma anemia<br />
num cirrótico é como<br />
abordar uma anemia<br />
num doente não cirrótico”<br />
Na sua apresentação, a especialista começou por salientar a prevalência<br />
da anemia na cirrose hepática: “Sabemos que na cirrose<br />
hepática, sobretudo na doença hepática crónica, a anemia está<br />
presente em 75% destes doentes”, afirmou.<br />
“A etiologia é maioritariamente complexa e multifatorial e gerir a<br />
anemia nestes doentes não é fácil, desde logo pela multiplicidade<br />
de possíveis causas subjacentes” salientou, para logo acrescentar:<br />
“Abordar uma anemia num cirrótico é como abordar uma anemia<br />
num doente não cirrótico. Temos que ter presente que, independentemente<br />
da etiologia da doença hepática há frequentemente<br />
muitos fatores envolvidos e que esses fatores estão, na maior parte<br />
das vezes, sobrepostos e interligados. Se na cirrose de etiologia<br />
alcoólica estes fatores estão bem documentados, na cirrose hepática<br />
de etiologia vírica, pelos vírus da hepatite B ou C, o álcool é muitas<br />
vezes não só um cofator da progressão da doença, mas também um<br />
elemento a considerar no estudo da anemia”.<br />
A Profª Dra. Isabel Pedroto referiu também que os estudos mostram<br />
que “o consumo de álcool é maior e mais prolongado nos doentes<br />
com hepatite C”, acrescentando que nestes casos as anemias<br />
“hemolíticas ou autoimunes também devem ser equacionadas”.<br />
CMF - Carboximaltose férrica<br />
ANEMIAS FERROPÉNICAS…. AS MAIS FREQUENTES<br />
“De entre as formas de anemia que nos surgem na prática clínica<br />
diária, as mais frequentes são as anemias ferropénicas, cuja abordagem<br />
passa pelo tratamento da causa e pela reposição de ferro.<br />
Frequentemente o diagnóstico desta forma de anemia não é simples, em<br />
muitos casos porque as análises que habitualmente pedimos podem não<br />
ser tão fiáveis nos doentes hepáticos quanto o são nos outros doentes”.<br />
O fígado tem um papel absolutamente crucial na homeostase do ferro.<br />
Além de ser um importante armazenador, “importador”, e “exportador”<br />
de ferro, o fígado produz quatro proteínas essenciais para a sua regulação<br />
a nível sistémico: transferrina, ceruloplasmina, hepcidina e ferritina.<br />
Assim, um desequilíbrio a nível hepático irá quase seguramente causar<br />
uma perturbação na regulação do ferro. Além disto, nos doentes hepáticos,<br />
o diagnóstico da anemia ferropénica é difícil.<br />
A Professora Dra. Isabel Pedroto explicou ainda que a hepcidina regula a<br />
absorção de ferro a nível duodenal por bloquear a ferroportina, o transportador<br />
de ferro responsável pelo efluxo de ferro da célula duodenal<br />
para a circulação. Na cirrose hepática, com a diminuição de produção<br />
de proteínas pelo fígado, “níveis baixos de hepcidina estão relacionados<br />
com uma maior gravidade da doença e uma maior incidência de carcinoma<br />
hepatocelular”, referiu.<br />
Uma auditoria a 1313 doentes concluiu que:<br />
- Nos doentes transfundidos, as tranfusões<br />
revelaram-se desnecessárias e potencialmente<br />
prejudiciais<br />
- Há que transfundir o menos possível, uma<br />
vez que existem melhores alternativas
COMO GERIR A ANEMIA FERROPÉNICA NUM DOENTE CIRRÓTICO<br />
Chegada aqui, a também Professora Catedrática Convidada de<br />
Gastrenterologia do ICBAS, lançou a questão: “Então, como vamos nós gerir<br />
esta anemia ferropénica num doente cirrótico?” “Estas perdas num doente<br />
cirrótico surgem habitualmente num contexto de hipertensão portal (que<br />
representam cerca de 70% dos casos de hemorragia digestiva). E na hemorragia<br />
aguda, como sabemos, o papel das drogas vasoativas é inquestionável<br />
e quanto mais cedo, melhor.… não há tempo a perder”. “Depois” prosseguiu<br />
a especialista, “segue-se o tratamento endoscópico e, simultaneamente,<br />
a questão: quando nos surge um doente com 6, 7 ou 8 de hemoglobina,<br />
temos de transfundir ou não?”, questionou. “Uma auditoria inglesa realizada<br />
muito recentemente, que analisou dados de 1313 doentes, mostrou<br />
que daqueles que foram transfundidos –cirróticos com hemorragia digestiva<br />
hipertensiva – 26% tinham mais de 8 g/dL de hemoglobina e em 44%<br />
dos casos mais de 7 g/dL de hemoglobina. Os auditores chegaram à conclusão<br />
de que estes doentes fizeram transfusões desnecessárias. Estes<br />
dados confirmam, não só que a adesão às normas de orientação clínica é<br />
frágil, como também, por outro lado, que temos alternativas para estes<br />
doentes e devemos transfundir o menos possível”, defendeu.<br />
“Vamos dar ferro a um cirrótico? E o risco de infeção?” – questionou a<br />
“Quem é que precisa mais de ferro?<br />
- Doentes com mais comorbilidades<br />
- Passíveis de terem complicações”<br />
Professora Dra. Isabel Pedroto: “Os resultados de todos os estudos observacionais<br />
retrospetivos já realizados, permitem afirmar que, relativamente<br />
ao risco de infeção, a evidência é extremamente pequena (relativamente<br />
à heterogeneidade dos estudos). Ou seja, quem é que precisa<br />
mais de ferro? São os doentes com mais comorbilidades, passíveis de<br />
terem mais complicações. É muito difícil tirarmos quaisquer conclusões<br />
sobretudo na população cirrótica na qual os dados são ainda mais<br />
escassos. Nestes, em particular, o ideal é transfundir o menos possível<br />
obviando um aumento do gradiente da pressão portal. Devo acrescentar<br />
que, na nossa prática clínica, não registamos quaisquer efeitos adversos”,<br />
revelou a especialista.<br />
Se houver infeção ativa, há que ponderar<br />
a decisão a tomar<br />
“Podemos dizer, isso sim, que há doentes com um elevado risco de infeção.<br />
Nestes casos, temos de ponderar. Se houver infeção ativa, não vamos<br />
fazer, mas temos de ponderar o risco das nossas decisões – sejam<br />
elas terapêuticas ou não - em todos os doentes. Sobretudo ponderar até<br />
onde podemos ir, e todos sabemos que cada doente é único, cirrótico ou<br />
não-cirrótico”.<br />
“Importa também dizer que a anemia é uma complicação da doença<br />
hepática, sobretudo a anemia por deficiência de ferro. É uma anemia<br />
que nós muitas vezes não valorizamos porque estes parâmetros estão<br />
camuflados. O tratamento é muito simples, tratamos a fonte (a perda)<br />
e substituímos o ferro”. Porque “less is more”, concluiu.<br />
CASOS PRÁTICOS<br />
Professora Dra. Isabel Pedroto apresentou dois casos de hemorragia digestiva (anemia) em dois doentes cirróticos:<br />
1º CASO<br />
n Homem de 72 anos, cirrose pelo vírus<br />
da Hepatite C, genótipo 1B<br />
n Seguido desde 2012 na consulta de<br />
hepatologia (Hemoglobina 13,5 g/dL)<br />
n Curou a Hepatite C em 2015. Manteve-<br />
-se o programa de rastreio do carcinoma<br />
hepatocelular e de estadiamento da hipertensão<br />
portal (Hemoglobina de 12,4<br />
g/dL)<br />
n 15 DEZ 2017:<br />
– Diagnóstico na consulta: Ferropenia marcada.<br />
Hemoglobina de 8,8 g/dL, Ferro 23<br />
μg/dL, transferrina 292 mg/dL, ferritina 18<br />
ng/mL e saturação de transferrina de 6%<br />
– Tratamento com carboximaltose férrica<br />
intravenosa. Foi pedida uma endoscopia<br />
digestiva alta, que revelou uma angiodisplasia<br />
gástrica e hemorragia não hipertensiva<br />
n 26 DEZ 2017: Cinética do ferro – Hemoglobina<br />
9,6 g/dL, Ferro 61 μg/dL, transferrina<br />
290, ferritina 218 ng/mL e saturação<br />
de transferrina de 15%<br />
n 18 JAN 2018: Cinética do ferro – Hemoglobina<br />
12,2 g/dL, Ferritina 196 ng/mL e<br />
saturação de transferrina de 25%<br />
n 7 FEV 2018: Cinética do Ferro – Hemoglobina<br />
13,1 g/dL, Ferritina 230 ng/mL e<br />
saturação de transferrina de 31%<br />
2º CASO<br />
n Homem de 73 anos, com cirrose; apresentava<br />
queixas abdominais e cansaço<br />
n Hemoglobina 11,4 g/dL, ferritina 15 ng/mL e<br />
saturação de transferrina de 7%<br />
n Tratamento com carboximaltose férrica.<br />
Passado um mês, fez uma colonoscopia, que<br />
revelou uma neoplasia do cólon. Foi operado<br />
com sucesso<br />
n Hemoglobina 12 g/dL, ferritina 722 ng/mL<br />
e saturação de transferrina de 29%. Em nova<br />
avaliação, hemoglobina já estava nos 12,8 g/dL<br />
FRJ-GST-0718-020