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SaúdeOnline nº 03

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JORNAL<br />

SAÚDE NLINE<br />

WWW.SAUDEONLINE.PT<br />

MARÇO 2017 | N.º 3 | ANO I | MENSAL @ Este jornal é gratuito, pelo que não pode ser comercializado @ Diretor: Miguel Múrias Mauritti<br />

LIPOFUSCINOSES CERÓIDES NEURONAIS (NCL)<br />

PRIMEIRO TRATAMENTO APRESENTA RESULTADOS PROMISSORES<br />

Em entrevista ao nosso<br />

jornal, Sofia Quintas,<br />

neuropediatra do Hospital de<br />

Santa Maria, em Lisboa aborda a<br />

associação entre lipofuscinoses<br />

ceróides neuronais (NCL) e a epilepsia,<br />

as particularidades deste grupo<br />

de doenças raras de sobrecarga<br />

lisossomal e ainda o primeiro recurso<br />

terapêutico conhecido dirigido à NCL<br />

do tipo 2, também conhecida como<br />

Doença de Batten infantil<br />

tardia e Doença de<br />

Jansky–Bielschowsky.<br />

INDÚSTRIA<br />

Merck KGaA aposta na<br />

investigação portuguesa<br />

De regresso aos lucros, a multinacional<br />

alemã quer reforçar as parcerias com<br />

instituições científicas portuguesas e<br />

continuar a apostar numa relação que<br />

também serve de ponte para outros países<br />

que têm o português como língua oficial.<br />

PÁG. 24<br />

NACIONAL<br />

Governo quer proibir transferência de<br />

doentes oncológicos do privado para<br />

o público durante tratamentos<br />

É necessário encontrar um modelo para que “nenhum doente<br />

oncológico seja confrontado com um outro médico, outra equipa<br />

ou, pior ainda, com alterações de estratégias terapêuticas”<br />

a meio do tratamento defendeu o Ministro no Parlamento.<br />

PÁG. 28<br />

PÁG. 06<br />

LÁPIS AZUL<br />

Saúde?<br />

Confiança<br />

e outros<br />

desabafos!<br />

A Saúde é um sector<br />

de actividade em<br />

que o dinheiro nunca<br />

chega. Nem nunca<br />

chegará.<br />

PÁG. 04<br />

CONSENSOS NA SAÚDE<br />

RedeMut responde<br />

a desafio<br />

do Presidente<br />

da República<br />

Em resposta ao<br />

apelo para um<br />

entendimento político<br />

e social para a Saúde,<br />

sugerido no início do<br />

mês pelo Presidente<br />

da República, a<br />

RedeMut difundiu<br />

um comunicado<br />

onde reiteira, a sua<br />

disponibilidade para<br />

protocolar sistemas<br />

complementares de<br />

saúde ligados ao<br />

setor social.<br />

PÁG. 08<br />

NACIONAL<br />

Portugal pela<br />

primeira vez<br />

“a verde”<br />

no gráfico<br />

europeu de<br />

consumo de<br />

tabaco<br />

Portugal aparece pela<br />

primeira vez “a verde”<br />

no gráfico dos países<br />

da União Europeia<br />

onde mais se fuma.<br />

PÁG. 13<br />

Indústria<br />

farmacêutica:<br />

Ministério<br />

promete reduzir<br />

dívida em 200<br />

milhões já<br />

em maio<br />

A dívida do<br />

Estado à indústria<br />

farmacêutica<br />

cresceu 80 milhões<br />

de euros nos dois<br />

primeiros meses<br />

do ano.<br />

PÁG. 10<br />

Hospital da Feira<br />

pioneiro em<br />

discetomias<br />

lombares<br />

totalmente<br />

endoscópicas<br />

PÁG. 14<br />

SIM avisa que<br />

vai ser difícil<br />

cumprir lei<br />

dos atestados<br />

para cartas de<br />

condução<br />

O presidente<br />

do Sindicato<br />

Independente dos<br />

Médicos (SIM) afirma<br />

que dificilmente será<br />

possível cumprir<br />

a emissão de<br />

atestados médicos<br />

para cartas de<br />

condução nos<br />

centros de saúde<br />

a partir de abril.<br />

PÁG. 16


SUMÁRIO<br />

19 «GSK Bringing Innovation<br />

to Respiratory».<br />

No âmbito do XXXII Congresso de Pneumologia, a<br />

GSK organizou uma mesa dedicada ao percurso evolutivo<br />

das opções terapêuticas para a doença pulmonar<br />

obstrutiva crónica (DPOC) e da asma. Adam<br />

Hawkins, Area Medical Lead (Europe) da GSK, Ian<br />

Naya, Diretor científico global para a área e Elsa<br />

Fragoso, pneumologista do Hospital de Santa Maria,<br />

foram os oradores convidados.<br />

06 Governo quer proibir<br />

transferência de doentes<br />

oncológicos do privado para<br />

o público durante tratamentos<br />

É necessário encontrar um modelo para que<br />

“nenhum doente oncológico seja confrontado<br />

com um outro médico, outra equipa ou,<br />

pior ainda, com alterações de estratégias<br />

terapêuticas” a meio do tratamento defendeu o<br />

Ministro no Parlamento.<br />

08 Consensos na Saúde<br />

RedeMut responde a desafio<br />

do Presidente da República<br />

Em resposta ao apelo para um entendimento<br />

político e social para a Saúde, sugerido no início<br />

do mês pelo Presidente da República, a RedeMut<br />

difundiu um comunicado onde reiteira, a sua<br />

disponibilidade para protocolar sistemas complementares<br />

de saúde ligados ao setor social .<br />

10 Dívida vencida à Indústria<br />

Farmacêutica volta a derrapar<br />

em Fevereiro<br />

A dívida vencida dos Hospitais do SNS à Indústria<br />

Farmacêutica ascendia, em Fevereiro, a 672<br />

milhões de euros, mais 59 milhões do que em<br />

janeiro e mais 128 do que em dezembro.<br />

13 Portugal pela primeira<br />

vez “a verde” no gráfico europeu<br />

de consumo de tabaco<br />

Portugal aparece pela primeira vez “a verde”<br />

no gráfico dos países da União Europeia onde<br />

mais se fuma.<br />

14 Hospital da Feria pioneiro<br />

em discetomias lombares<br />

totalmente endoscópicas<br />

O Centro Hospital do Entre Douro e Vouga<br />

(CHEDV) revelou ter realizado com sucesso<br />

as primeiras cirurgias endoscópicas a<br />

hérnias discais pelo Serviço Nacional de<br />

Saúde, num procedimento menos invasivo,<br />

com agressão mínima e mais fácil<br />

recuperação.<br />

16 SIM avisa que vai<br />

ser difícil cumprir lei dos<br />

atestados para cartas de<br />

condução<br />

O presidente do Sindicato Independente<br />

dos Médicos (SIM) afirma que dificilmente<br />

será possível cumprir a emissão de atestados<br />

médicos para cartas de condução nos<br />

centros de saúde a partir de abril<br />

24 Merck KGaA aposta na<br />

investigação portuguesa<br />

De regresso aos lucros, a multinacional<br />

alemã quer reforçar as parcerias com instituições<br />

científicas portuguesas e continuar<br />

a apostar numa relação que também serve<br />

de ponte para outros países que têm o português<br />

como língua oficial.<br />

28 Lipofuscinoses ceróides<br />

neuronais (NCL)<br />

Primeiro tratamento apresenta<br />

resultados promissores<br />

Em entrevista ao nosso jornal, Sofia Quintas,<br />

neuropediatra do Hospital de Santa<br />

Maria, em Lisboa aborda a associação entre<br />

lipofuscinoses ceróides neuronais (NCL) e a<br />

epilepsia, as particularidades deste grupo<br />

de doenças raras de sobrecarga lisossomal<br />

e ainda o primeiro recurso terapêutico<br />

conhecido dirigido à NCL do tipo 2, também<br />

conhecida como Doença de Batten infantil<br />

tardia e Doença de Jansky–Bielschowsky.<br />

FICHA TÉCNICA | Publicação online de informação geral e médica<br />

SAÚDE NLINE<br />

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Edição e Redação<br />

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Hélder R Baptista<br />

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E-mail. jcoracao@saudeonline.pt<br />

Isenção de registo na ERC, nos termos<br />

da alinea a) do <strong>nº</strong>1 do artigo 12º do<br />

decreto regulamentar <strong>nº</strong>8/99, de 9 de junho<br />

Periodicidade<br />

Informação permanente<br />

Ano de fundação: 2016


SAÚDE ONLINE | OPINIÃO<br />

LÁPIS AZUL<br />

Saúde? Confiança e outros desabafos!<br />

Competência em Medicina<br />

Farmacêutica da Ordem<br />

dos Médicos<br />

rui.cernadas@gmail.com<br />

A<br />

Saúde é um sector de<br />

actividade em que o dinheiro<br />

nunca chega. Nem<br />

nunca chegará.<br />

As necessidades aumentam<br />

sempre. A minha geração estava<br />

na Universidade quando o<br />

“25 de Abril” ocorreu.<br />

O País modificou-se imenso e<br />

em quase tudo está melhor. Mas<br />

em vários aspectos parece ter<br />

voltado ao que era.<br />

Por exemplo, um país de emigração<br />

como então, outra vez! Com<br />

gente a partir para todo o lado e<br />

a todo o preço, à procura de trabalho<br />

ou de bem melhores condições<br />

de compensação salarial<br />

e já não há guerra, nem serviços<br />

militares…<br />

Evoluímos e voltando às diferenças,<br />

as nossas tropas e forças<br />

de segurança são agora destacadas<br />

para honrosas missões,<br />

muitas vezes ditas humanitárias,<br />

também elas e merecidamente<br />

com melhores condições remuneratórias<br />

do que quando os jovens<br />

militares seguiam para os<br />

teatros de guerra coloniais.<br />

O SNS vive cíclica e repetidamente<br />

o paradoxo de precisar<br />

de mais dinheiro e de agravar<br />

o défice. Sem engenharias financeiras.<br />

Por culpa, diga-se<br />

com clareza, de uma discussão<br />

e decisão alargada e autentica<br />

sobre o seu financiamento.<br />

Mas há sempre desperdícios,<br />

enormes dizem.<br />

Tenho visto distintos Colegas<br />

que, com todo o respeito, volta<br />

e meia escrevem e afirmam que,<br />

por culpa dos medicamentos,<br />

muito caros e das prescrições<br />

da Classe.<br />

Sobram os exemplos e até há<br />

semanas li um jornal diário, habitualmente<br />

dedicado às coscuvilhices<br />

das figuras mediáticas<br />

que, os médicos é que são os<br />

culpados do buraco do SNS e<br />

das contas públicas por receitarem<br />

tantos “plavixes”, tantos<br />

“omeprazois”, tantos antidepressivos…<br />

Na verdade, nesse mesmo dia,<br />

um dos meus doentes convidou-<br />

-me – com os olhos brilhantes e<br />

um sorriso incontido no olhar e<br />

na boca – para ir ver o seu carro<br />

novo, acabadinho de sair do<br />

stand. Ao longo destes quase 40<br />

anos de percurso profissional, foi<br />

a segunda vez que isto me aconteceu.<br />

De braço dado com ele,<br />

desci as escadas e fomos ver a<br />

viatura nova, lavadinha e brilhante,<br />

cheirando a novo por todo o<br />

lado e bela na sua juventude.<br />

E disse-me:<br />

- “Sabe, há carros muito melhores<br />

e muito mais caros, mas a<br />

gene tem de saber o que pode<br />

gastar!”<br />

Concordei com ele e dei-lhe os<br />

parabéns.<br />

Quis ele ainda precisar melhor:<br />

- “Se o doutor me disser que<br />

para a minha saúde o remédio<br />

que entende custa cem, é porque<br />

acha que eu preciso dele,<br />

mesmo tendo outro que podia<br />

custar quarenta. Mas o carro não<br />

é nenhum remédio!”<br />

A confiança que os nossos<br />

doentes têm em nós médicos é<br />

um bem precioso e um testemunho<br />

do verdadeiro contrato que<br />

se estabelece entre médicos<br />

e doentes.<br />

É por isso que, mais do que nunca<br />

e nunca como agora, em período<br />

de crise grave, financeira,<br />

económica e de valores, é tão<br />

importante que os médicos se<br />

distingam pelo seu comportamento<br />

profissional e cívico.<br />

E que possam ser, em torno da<br />

sua Ordem, os bastiões da defesa<br />

dos interesses dos cidadãos<br />

e do próprio SNS.<br />

4 NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE | MARÇO 2017 WWW.SAUDEONLINE.PT


SAÚDE ONLINE | NACIONAL<br />

Governo quer proibir transferência de<br />

doentes oncológicos do privado para o<br />

público durante tratamentos<br />

Em resposta a deputados<br />

do CDS na comissão parlamentar<br />

de Saúde, onde<br />

foi ouvido no passado dia 15 de<br />

março, Adalberto Campos Fernandes<br />

disse que é necessário<br />

encontrar um modelo para que<br />

“nenhum doente oncológico<br />

seja confrontado com um outro<br />

médico, outra equipa ou, pior<br />

ainda, com alterações de estratégias<br />

terapêuticas” a meio<br />

do tratamento.<br />

Para isso, o ministro da Saúde<br />

refere que o Ministério pretende<br />

“tomar uma iniciativa legislativa”<br />

e diz que será necessário chamar<br />

ao processo a Ordem dos<br />

Médicos, a Ordem dos Enfermeiros<br />

e os representantes dos<br />

hospitais privados.<br />

Nos últimos anos, têm sido muitos<br />

os casos de doentes que, seguidos<br />

em instituições privadas<br />

através de seguros de saúde,<br />

tiveram de interromper os tratamentos<br />

e ir para as unidades<br />

públicas.<br />

Este ano, a Entidade Reguladora<br />

da Saúde emitiu um parecer<br />

a recomendar que os hospitais<br />

privados informem os<br />

doentes sobre os custos dos<br />

tratamentos.<br />

OMD<br />

Dentistas querem seguro estatal para<br />

a saúde oral<br />

“Seria um seguro estatal com um<br />

mecanismo do tipo do da ADSE<br />

(o subsistema de saúde dos<br />

funcionários públicos)”,<br />

indica o bastonário,<br />

Orlando Monteiro da Silva.<br />

A<br />

Ordem dos Médicos Dentistas<br />

propõe a criação<br />

de um seguro estatal que<br />

funciona à semelhança da ADSE<br />

dos funcionários públicos<br />

O bastonário Orlando Monteiro<br />

da Silva defende que o seguro<br />

estatal irá permitir o alargamento<br />

do acesso dos portugueses a<br />

cuidados de saúde oral, atualmente<br />

muito reduzidos no Serviço<br />

Nacional de Saúde (SNS).<br />

Monteiro da Silva acredita que<br />

seria uma forma de “investimento<br />

sustentado na saúde”, porque,<br />

a longo prazo, permitiria melhorar<br />

a saúde oral dos portugueses<br />

e evitar complicações futuras e<br />

doenças que trarão mais custos<br />

no futuro.<br />

“Seria um seguro estatal com um<br />

mecanismo do tipo do da ADSE<br />

(o subsistema de saúde dos<br />

funcionários públicos)”, indica<br />

o bastonário.<br />

Esta proposta integra um pacote<br />

de medidas sugeridas pelas<br />

várias ordens profissionais<br />

ligadas à Saúde e foi discutida<br />

num debate realizado<br />

no sábado.<br />

De acordo com um estudo do<br />

ano passado, o Estado precisaria<br />

de 280 milhões de euros<br />

anuais para dar acesso a<br />

todos os utentes a cuidados<br />

de medicina dentária em regime<br />

de convenção com consultórios<br />

privados.<br />

O custo anual de 280 milhões<br />

de euros permitiria incluir cerca<br />

de 90% dos cuidados de saúde<br />

para todos os utentes do SNS.<br />

Ou seja, naqueles custos estão<br />

contemplados os cuidados e tratamentos<br />

mais frequentes, como<br />

extrações, desvitalizações ou<br />

limpezas.<br />

A Ordem dos Médicos Dentistas<br />

propõe também um reforço<br />

do programa de saúde oral,<br />

que através dos cheques dentista<br />

tem permitido acesso a<br />

tratamentos a grávidas. idosos,<br />

crianças da escola pública e<br />

doentes com VIH/sida.<br />

No seu todo, o programa de<br />

saúde oral onde está integrado<br />

o cheque dentista já beneficiou<br />

2,5 milhões de utentes desde<br />

2008, tendo sido usados mais<br />

de três milhões de cheques, em<br />

oito anos.<br />

6 NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE | MARÇO 2017 WWW.SAUDEONLINE.PT


SAÚDE ONLINE | NACIONAL<br />

CONSENSOS NA SAÚDE<br />

RedeMut responde a desafio do<br />

Presidente da República<br />

Na sua intervenção num encontro<br />

das Ordens Profissionais da<br />

Saúde, que decorreu em Lisboa,<br />

sobre ‘o futuro do financiamento<br />

da Saúde em Portugal’, o<br />

Presidente da República, Marcelo<br />

Rebelo de Sousa, defendeu, um<br />

acordo entre os partidos políticos<br />

e os parceiros sociais para uma<br />

lei plurianual na área da saúde.<br />

Em resposta ao apelo para um entendimento político e social para a Saúde,<br />

sugerido no início do mês pelo Presidente da República, a RedeMut difundiu<br />

um comunicado onde reiteira, a sua disponibilidade para protocolar sistemas<br />

complementares de saúde ligados ao setor social.<br />

“A RedeMut é um projeto inovador,<br />

nascido por iniciativa de<br />

um conjunto de associações<br />

mutualistas portuguesas que decidiram<br />

unir esforços em torno<br />

do objetivo comum de prestar<br />

cuidados de saúde à comunidade<br />

de associados que as<br />

integram”, explica a instituição<br />

em comunicado.<br />

A organização afirma ser possível<br />

a realização de um acordo<br />

entre partidos políticos e parceiros<br />

sociais, numa lei plurianual<br />

na área da saúde, se os<br />

diversos atores o milhão de portugueses<br />

membros de associações<br />

mutualistas.<br />

“Só em 2015, da medicina geral<br />

à cirurgia, nas unidades de cuidados<br />

de saúde da RedeMut foram<br />

prestadas mais de 154 mil consultas<br />

médicas, quase 30 mil atos<br />

de enfermagem, 340 mil exames<br />

complementares de diagnóstico e<br />

terapêutica e 12 mil cirurgias”, refere<br />

na mesma nota.<br />

Atualmente, em Portugal, as mutualidades<br />

asseguram o acesso a<br />

cuidados de saúde a cerca de um<br />

milhão de pessoas, com unidades<br />

médicas espalhadas de norte a<br />

sul do país bem equipadas, com<br />

equipas técnicas qualificadas e a<br />

preços reduzidos.<br />

“Mas por incrível que pareça estas<br />

clínicas totalmente apetrechadas<br />

não estão otimizadas,<br />

dispondo de recursos técnicos e<br />

humanos que podiam, e deviam,<br />

ser rentabilizados em benefício da<br />

saúde dos portugueses”, pode ler-<br />

-se no documento.<br />

A RedeMut é, atualmente, a maior<br />

organização mutualista do país,<br />

sendo constituída por 21 associações<br />

que representam mais de<br />

90% do valor do setor. No seu trabalho<br />

quotidiano promove e partilha<br />

a prestação de cuidados de<br />

saúde e bem-estar e apoio social<br />

à comunidade de associados mutualistas,<br />

defendendo o modelo<br />

mutualista de proteção social.<br />

Assim, a organização denúncia o<br />

facto de os responsáveis políticos<br />

da área da saúde não privilegiarem<br />

a validade deste setor como<br />

uma via complementar ao SNS e<br />

de permitirem a indefinição total<br />

quanto ao papel das associações<br />

mutualistas no setor da saúde.<br />

Na sua intervenção num encontro<br />

das Ordens Profissionais da Saúde,<br />

que decorreu em Lisboa, sobre<br />

‘o futuro do financiamento da<br />

Saúde em Portugal’, o Presidente<br />

da República, Marcelo Rebelo de<br />

Sousa, defendeu, um acordo entre<br />

os partidos políticos e os parceiros<br />

sociais para uma lei plurianual<br />

na área da saúde.<br />

“Era bom para o país que não se<br />

estivesse todos os anos a discutir<br />

a cada orçamento como é a Saúde<br />

em Portugal. Os problemas<br />

da Saúde são a prazo: a demografia,<br />

as doenças crónicas, os<br />

cuidados continuados, o planeamento<br />

de novas estruturas são a<br />

prazo”, afirmou Marcelo Rebelo<br />

de Sousa aos jornalistas, depois<br />

de ter discursado.<br />

A Lei de Bases da Saúde reconhece<br />

um papel especial às instituições<br />

particulares de solidariedade social,<br />

prevendo a possibilidade de estas<br />

entidades integrarem o SNS através<br />

de relações de parceria com<br />

o Estado.<br />

8 NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE | MARÇO 2017 WWW.SAUDEONLINE.PT


SAÚDE ONLINE | NACIONAL<br />

Ministério promete reduzir<br />

dívida em 200 milhões<br />

já em maio<br />

A dívida do Estado à indústria farmacêutica voltou a<br />

crescer nos dois primeiros meses do ano.<br />

TEXTO: RICARDO SANTOS FERREIRA E MIGUEL MAURITTI<br />

RSFERREIRA@JORNALECONOMICO.PT<br />

O<br />

regresso da tendência<br />

de aumento da dívida<br />

do Estado à indústria<br />

farmacêutica nos primeiros dois<br />

meses do ano obrigou a uma<br />

reunião do ministro da Saúde<br />

com representantes da indústria<br />

farmacêutica, ontem, na qual foi<br />

prometida uma redução de 200<br />

milhões de euros dos valores<br />

em débito, já no mês de maio,<br />

apurou o Jornal Económico, de<br />

fontes ligadas ao processo.<br />

Tendo em conta a dívida vencida<br />

em fevereiro – contas cujo prazo<br />

de pagamento de pagamento já<br />

expirou há mais de 90 dias –<br />

este abate de 200 milhões de<br />

euros representaria uma quebra<br />

de um terço do valor em dívida.<br />

As dívidas dos hospitais públicos<br />

às empresas farmacêuticas<br />

têm aumentado todos os meses,<br />

depois do pagamento extraordinário<br />

feito pelo governo,<br />

em dezembro.<br />

PSD e CDS-PP já pediram audições<br />

no Parlamento para esclarecer<br />

o porquê da derrapagem<br />

constante.<br />

Na reunião de ontem ficou também<br />

o compromisso do Ministério<br />

da Saúde de desbloqueio de<br />

processo de aprovação de até<br />

100 novas moléculas ou indicações<br />

terapêuticas, que também<br />

constituía uma reclamação da<br />

indústria farmacêutica.<br />

10 NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE | MARÇO 2017 WWW.SAUDEONLINE.PT


SAÚDE ONLINE | NACIONAL<br />

DÍVIDA VOLTOU A SUBIR EM<br />

JANEIRO E FEVEREIRO<br />

Depois de ter chegado a 926,6<br />

milhões de euros, em novembro,<br />

a dívida total dos hospitais<br />

públicos à indústria farmacêutica<br />

caiu 15,8%, para 779,9<br />

milhões de euros, fechando o<br />

ano abaixo dos 800 milhões de<br />

euros, o que aconteceu pela primeira<br />

vez desde julho.<br />

O processo de pagamento da<br />

dívida vencida foi feito a um<br />

ritmo ainda mais forte, registando<br />

uma quebra de 24,5%, para<br />

517,8 milhões de euros, segundo<br />

dados da Apifarma – Associação<br />

Portuguesa da Indústria<br />

Farmacêutica, que têm por base<br />

uma amostragem de 74 empresas<br />

suas associadas.<br />

No entanto, este processo de<br />

regularização foi sol de pouca<br />

dura: a dívida vencida subiu<br />

8,6% em janeiro, para 562,3 milhões<br />

de euros, e voltou a crescer<br />

6,3% em fevereiro, para<br />

597,9 milhões de euros; a dívida<br />

total voltou a galgar a fasquia<br />

dos 800 milhões de euros<br />

logo em janeiro, agravando-se<br />

3,6%, para 808 milhões de euros,<br />

voltando a subir 4,5% no<br />

mês seguinte, para 844,6 milhões<br />

de euros.<br />

Isto quer dizer que a dívida total<br />

derrapou 8,3% nos dois primeiros<br />

meses do ano, enquanto a<br />

dívida vencida cresceu a um ritmo<br />

quase duplo, de 15,4%. Em<br />

valor, a dívida total reforçou-se<br />

em 64,7 milhões de euros e a<br />

dívida vencida ainda acumulou<br />

mais, 80,1 milhões de euros.<br />

Em termos homólogos (face a<br />

igual mês do ano anterior), a dívida<br />

total cresceu 15,2% em fevereiro,<br />

enquanto a dívida vencida<br />

subiu 43,3%.<br />

Em reacção, os partidos da oposição<br />

já pediram esclarecimentos<br />

na Assembleia da República,<br />

a serem prestados na comissão<br />

parlamentar da Saúde. O CDS-<br />

-PP pediu para serem ouvidas a<br />

Apifarma e, também, a Apormed<br />

– Associação Portuguesa das<br />

Empresas de Dispositivos Médicos,<br />

defendendo ser “funda-<br />

mental que não se comprometa<br />

a prestação de cuidados de saúde,<br />

a qualidade e a sustentabilidade<br />

do SNS [Serviço Nacional<br />

de Saúde]”. O PSD, por seu turno,<br />

quer esclarecimentos da Associação<br />

Portuguesa de Hospitalização<br />

Privada e, também, da<br />

Administração Central do Sistema<br />

de Saúde e da Associação<br />

Nacional dos Administradores<br />

Hospitalares.<br />

Nem o Ministério da Saúde nem<br />

a Apifarma quiseram prestar declarações.<br />

SNS ESTÁ MAIS<br />

SUSTENTÁVEL<br />

Pesem os dados “negativos” de<br />

evolução da dívida, o SNS está<br />

mais sustentável. Em 2016 o<br />

financiamento<br />

aumentou e a<br />

despesa cresceu<br />

menos do que<br />

tinha acontecido<br />

em 2015. A<br />

conclusão vem<br />

plasmada num<br />

estudo sobre<br />

sustentabilidade<br />

na saúde<br />

desenvolvido<br />

pela Nova Information<br />

Management<br />

School<br />

(Nova IMS), da<br />

Universidade<br />

Nova de Lisboa,<br />

cujos resultados<br />

foram apesentados<br />

na passada<br />

«A dívida total<br />

derrapou 8,3% nos<br />

dois primeiros<br />

meses do ano, enquanto<br />

a<br />

dívida vencida<br />

cresceu a um<br />

ritmo quase duplo,<br />

de 15,4%.<br />

Em valor, a dívida<br />

total reforçou-se em<br />

64,7 milhões<br />

de euros e a dívida<br />

vencida ainda<br />

acumulou mais, 80,1<br />

milhões de euros.»<br />

terça-feira em<br />

Lisboa.<br />

De acordo com o<br />

trabalho da Nova<br />

IMS, em 2015 o<br />

financiamento do SNS fixou-se<br />

em 8,65 mil milhões de euros<br />

(mais 0,4%) e no ano passado<br />

este valor subiu 3,1% para os<br />

8,93 mil milhões de euros.<br />

Já a despesa, que tinha crescido<br />

1,7% para os 9,<strong>03</strong> mil milhões<br />

de euros em 2015, no ano<br />

passado subiu menos, atingindo<br />

os 9,13 mil milhões de euros<br />

(mais 1,2%), o que contribuiu<br />

para aumentar o índice de sustentabilidade<br />

do SNS (passou<br />

de 100.2 para 102.2).<br />

O trabalho indica ainda que os<br />

portugueses têm uma perceção<br />

errada dos custos das taxas moderadoras<br />

na saúde e estimam<br />

valores acima dos reais, mas<br />

consideram que apesar de tudo<br />

são adequados (38,1%).<br />

O estudo aponta diferenças<br />

entre o montante que os portugueses<br />

julgam que custa<br />

(11,92 euros) e o que realmente<br />

custa (7,00 euros) a<br />

taxa moderadora para uma<br />

consulta externa/especialidade<br />

num hospital público.<br />

Nos episódios de urgência, o<br />

valor que os portugueses julgam<br />

(16,88 euros) que custa a taxa<br />

moderadora também é maior<br />

do que o real no<br />

caso da urgência<br />

básica (14,00<br />

euros) e polivalente<br />

(16,00 euros).<br />

O valor estimado<br />

apenas é<br />

inferior ao custo<br />

real no caso das<br />

urgências médico-cirúrgicas<br />

(18,00 euros).<br />

Em relação aos<br />

efeitos dos custos<br />

reais dos<br />

cuidados de saúde<br />

no bolso dos<br />

portugueses, o<br />

estudo revela<br />

que 10,7% deixaram<br />

de ir às<br />

urgências por<br />

falta de dinheiro,<br />

que 3,9% não<br />

fizeram exames<br />

de diagnóstico,<br />

que 3,4% perderam uma consulta<br />

externa/especialidade num<br />

hospital público e que 2,4%<br />

não foram a uma consulta com<br />

o médico de clínica geral ou<br />

médico de família num centro<br />

de saúde.<br />

Quanto aos que deixaram de<br />

comprar medicamentos prescritos<br />

pelos médico por causa do<br />

seu custo, o estudo indica que<br />

estes números têm vindo a cair<br />

desde 2014, mas ainda assim<br />

foram 11,8% os que inquiridos<br />

que referiram tal realidade (contra<br />

14,2% em 2015).<br />

Comentando os resultados<br />

apresentados, o Ministro da<br />

Saúde, presente na sessão<br />

de apresentação, afirmou que<br />

2016 foi “um ponto de viragem”<br />

no Serviço Nacional de Saúde e<br />

que o estudo hoje apresentado<br />

prova que as taxas moderadoras<br />

“estavam a ser um agente<br />

de barreira no acesso ao SNS,<br />

sobretudo aos mais pobres”, salientou<br />

Adalberto Campos Fernandes,<br />

que relembrou que, já<br />

há “mais de seis milhões e 300<br />

mil isentos”.<br />

“Estamos a atentos e, se for<br />

preciso intervir no próximo orçamento<br />

de forma mais diferenciada<br />

e qualificada, fá-lo-emos”,<br />

rematou o ministro.<br />

O estudo da Nova (IMS) realizado<br />

no âmbito do projeto europeu<br />

Saúde Sustentável deu a conhecer<br />

os dados do indicador de<br />

saúde sustentável apresentado<br />

no ano passado. Paralelamente<br />

foram analisadas as tendências<br />

evolutivas dos indicadores<br />

de atividade, despesa e qualidade<br />

(percecionada e técnica),<br />

incluídos novos vetores no capítulo<br />

da qualidade de vida e<br />

um novo indicador que mede o<br />

contributo do SNS para a melhoria<br />

do estado de saúde da<br />

população.<br />

Dos resultados obtidos, destaca-se<br />

os primeiros dados resultantes<br />

do indicador de sustentabilidade<br />

da saúde que<br />

resultam do cruzamento entre<br />

as dimensões da qualidade<br />

(qualidade percecionada pelos<br />

cidadãos e qualidade técnica<br />

efetiva do SNS), da atividade<br />

e da despesa que confirmam o<br />

aumento positivo do indicador<br />

de sustentabilidade face ao<br />

ano anterior (100,2 em 2015 e<br />

102,2 em 2016), o que significa<br />

que houve uma evolução do<br />

SNS no sentido da sustentabilidade<br />

uma vez que a qualidade<br />

e a atividade cresceram a uma<br />

taxa superior à despesa.<br />

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MARÇO 2017 | NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE 11


SAÚDE ONLINE | NACIONAL<br />

Portugueses desconhecem valores exatos<br />

das taxas moderadoras<br />

“No caso das urgências a<br />

perceção está mais alinhada<br />

com a realidade, assim como<br />

nos cuidados primários. Onde<br />

se verifica maior diferença<br />

é nas taxas nas consultas<br />

externas dos hospitais”,<br />

explicou Pedro Simões Coelho,<br />

investigador da Nova IMS.<br />

Os portugueses têm uma perceção errada dos custos das taxas moderadoras na saúde<br />

e estimam valores acima dos reais, considerando apesar de tudo que são adequados,<br />

indica um estudo, que tem vindo a ser feito desde 2014.<br />

Segundo o trabalho da<br />

Nova Information Management<br />

School (Nova<br />

IMS), da Universidade Nova de<br />

Lisboa, apresentado no início<br />

de março, em Lisboa, mais de<br />

um em cada três (38,1%) portugueses<br />

considera adequadas<br />

as taxas moderadoras praticadas<br />

no Serviço Nacional de<br />

Saúde (SNS).<br />

Mais de metade dos inquiridos<br />

(50,1%) considera adequados<br />

ou muito adequados os valores<br />

pagos pelos medicamentos<br />

que lhes foram prescritos nos<br />

últimos 12 meses, pouco mais<br />

do que os que consideram adequada<br />

a comparticipação do<br />

Estado para a medicação prescrita<br />

(49,1%).<br />

No entanto, a perceção que os<br />

portugueses têm da realidade<br />

dos valores das taxas moderadoras<br />

é na maioria dos casos<br />

errada. O estudo indica que<br />

há uma diferença entre o que<br />

os portugueses julgam que custa<br />

(11,92 euros) e o que realmente<br />

custa (7,00 euros) a taxa moderadora<br />

para uma consulta externa/<br />

especialidade num hospital público.<br />

Nos episódios de urgência, o valor<br />

que os portugueses julgam (16,88<br />

euros) que custa a taxa moderadora<br />

também é maior do que o real<br />

no caso da urgência básica (14,00<br />

euros) e polivalente (16,00 euros).<br />

O valor estimado apenas é inferior<br />

ao custo real no caso das urgências<br />

médico-cirúrgicas (18,00 euros).<br />

“No caso das urgências a perceção<br />

está mais alinhada com a realidade,<br />

assim como nos cuidados primários.<br />

Onde se verifica maior diferença<br />

é nas taxas nas consultas<br />

externas dos hospitais”, explicou<br />

Pedro Simões Coelho, investigador<br />

da Nova IMS.<br />

Relativamente aos efeitos dos custos<br />

reais dos cuidados de saúde no<br />

bolso dos portugueses, o estudo<br />

revela que 10,7% deixaram de ir<br />

às urgências por falta de dinheiro,<br />

que 3,9% não fizeram exames de<br />

diagnóstico, que 3,4% perderam<br />

uma consulta externa/especialidade<br />

num hospital público e que 2,4%<br />

não foram a uma consulta com o<br />

médico de clínica geral ou médico<br />

de família num centro de saúde.<br />

No que diz respeito àqueles que<br />

deixaram de comprar medicamentos<br />

prescritos pelos médicos por<br />

causa do seu custo, verifica-se que<br />

os números têm vindo a diminuir<br />

desde 2014, sendo que 11,8% ainda<br />

afirmaram esta realidade (contra<br />

14,2% em 2015).<br />

“Este potencial de cuidados de saúde<br />

perdidos está em queda muito<br />

acentuada. Estimamos que cerca<br />

de 11% dos episódios urgência<br />

não se realizaram por esta razão<br />

[falta de dinheiro], mas eram quase<br />

14,5%. Nas consultas externas são<br />

3%, mas eram 8%.(...) Ainda é elevado,<br />

estimamos por exemplo que<br />

12% não compraram medicamentos<br />

por causa do preço, mas em<br />

2014 eram 16%. A tendência é para<br />

uma evolução positiva”, considerou<br />

Pedro Simões Coelho.<br />

“Esta evolução positiva resulta de<br />

várias coisas em simultâneo: da<br />

redução efetiva nas taxas moderadoras,<br />

de um alargamento de<br />

segmentos de população isenta<br />

de taxas moderadora e a verdade<br />

é que, para certos segmentos da<br />

população utilizadores do SNS,<br />

observámos um aumento de rendimento<br />

disponível”, afirmou o investigador.<br />

Com um universo de mais de oito<br />

milhões de cidadãos com mais<br />

de 18 anos, o estudo abrangeu a<br />

realização de 500 entrevistas, em<br />

fevereiro, cujos resultados foram<br />

“extrapolados para o universo segundo<br />

uma pós-estratificação que<br />

tem por base as variáveis género e<br />

classe etária”.<br />

O trabalho foi apresentado durante<br />

a conferência Sustentabilidade na<br />

Saúde, organizada pela TSF e pela<br />

farmacêutica AbbVie.<br />

LUSA/SO<br />

12 NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE | MARÇO 2017 WWW.SAUDEONLINE.PT


SAÚDE ONLINE | NACIONAL<br />

PORTUGAL<br />

pela primeira vez “a verde” no gráfico<br />

europeu de consumo de tabaco<br />

“Finalmente, Portugal, embora<br />

na tangente, é representado já<br />

a verde, o que quer dizer que<br />

conseguimos fazer um trabalho<br />

aceitável, que modificou a<br />

posição do nosso país”, revelou<br />

Vítor Veloso, presidente da Liga<br />

Portuguesa Contra o Cancro<br />

(LPCC).<br />

Portugal aparece pela primeira<br />

vez “a verde” no gráfico<br />

dos países da União<br />

Europeia onde mais se fuma.<br />

A revelação é do presidente da<br />

Liga Portuguesa Contra o Cancro<br />

(LPCC), Vítor Veloso.<br />

“Finalmente, Portugal, embora na<br />

tangente, é representado já a verde,<br />

o que quer dizer que conseguimos<br />

fazer um trabalho aceitável,<br />

que modificou a posição do nosso<br />

país”, disse Vítor Veloso, que falava<br />

a propósito da “7.ª Conference<br />

of Tobacco or Health”, que decorreu<br />

entre os dias 23 e 25 de março,<br />

no Porto.<br />

Segundo o responsável, “há dois<br />

anos, quando o mesmo gráfico foi<br />

apresentado na 6.ª conferência, o<br />

nosso país estava representado a<br />

vermelho, porque ainda não tinha<br />

atingido os mínimos”.<br />

“Agora, embora de forma tangencial,<br />

passamos para o verde,<br />

o que efetivamente significa que<br />

temos feitos avanços em relação<br />

ao tabaco, tendo diminuído o consumo,<br />

o que se fez não só através<br />

da legislação que é cada vez mais<br />

apertada, mas também pelas<br />

campanhas que têm sido feitas”,<br />

sublinhou.<br />

Contudo, o presidente da LPCC<br />

salientou que há ainda um “longo<br />

caminho a percorrer” em relação à<br />

resolução dos problemas ligados<br />

ao tabagismo. No encontro, irá<br />

discutir-se “como é que a União<br />

Europeia pode lutar em relação aos<br />

‘inimigos’ que são, sem dúvida alguma,<br />

as tabaqueiras, que têm um<br />

poder político e económico superior<br />

ao dos países”, referiu.<br />

“É uma ‘guerra’ entre a legislação<br />

e a fuga que as tabaqueiras<br />

tentam com as novas formas de<br />

fumo, para camufladamente fugir<br />

a essas leis e a essas exigências.<br />

Exemplo disso são os cigarros<br />

eletrónicos”, sustentou.<br />

Defendeu, por isso, “a necessidade<br />

de alterar a legislação que<br />

atualmente só consagra determi-<br />

nados tipos de fumo”.<br />

A contrafação, o contrabando de<br />

tabaco e os medicamentos de<br />

cessação tabágica, que são eficazes<br />

e vão ser contemplados<br />

pelo Serviço Nacional de Saúde<br />

com “uma redução drástica de<br />

preços”, foram outros temas em<br />

análise no congresso.<br />

Vítor Veloso lembrou que “o tabaco<br />

é responsável por 90% dos<br />

cancros de pulmão e é responsável<br />

também por 20 a 30% de<br />

todos os cancros nas diferentes<br />

localizações”.<br />

Um novo estudo da Organização<br />

Mundial de Saúde alerta para o<br />

impacto “sem paralelo” do tabagismo<br />

na saúde pública e os investigadores<br />

avisam que as doenças<br />

associadas ao tabaco são<br />

responsáveis por quase 6% dos<br />

gastos mundiais em saúde, num<br />

total de 400 mil milhões de euros.<br />

O objetivo da “7.ª Conference of<br />

Tobacco or Health”, que decorreu<br />

de 23 a 25 de março, no Porto, foi<br />

mobilizar os cidadãos, tornandoos<br />

mais conscientes e capazes<br />

de melhorar a sua saúde, promovendo<br />

e apoiando políticas de<br />

controlo do tabagismo na Europa<br />

e no Mundo.<br />

“Como o impacto do tabaco na<br />

Europa e no mundo ainda é devastador,<br />

é de extrema importância<br />

que o controle do tabagismo<br />

seja atualmente uma prioridade<br />

de agenda”, considerou o presidente<br />

da LPCC.<br />

Com este Congresso pretendeu-<br />

-se “partilhar e desenvolver conhecimentos,<br />

bem como a tomada<br />

de decisões que permitam uma<br />

Europa e um mundo sem tabaco”,<br />

acrescentou.<br />

A sessão de abertura do encontro<br />

contou com a presença do Presidente<br />

da República, Marcelo Rebelo<br />

de Sousa, da rainha de Espanha<br />

Leticia Ortiz, do Comissário<br />

Europeu da Saúde e dos ministros<br />

da saúde de Portugal e Espanha.<br />

MM/LUSA<br />

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MARÇO 2017 | NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE 13


SAÚDE ONLINE | NACIONAL<br />

INOVAÇÃO<br />

Hospital da Feria pioneiro em<br />

discectomias lombares totalmente<br />

endoscópicas<br />

O Centro Hospitalar de Entre Douro e Vouga (CHEDV) revelou ter realizado com sucesso as primeiras cirurgias<br />

endoscópicas a hérnias discais pelo Serviço Nacional de Saúde, num procedimento menos invasivo,<br />

com agressão mínima e mais fácil recuperação.<br />

“O Hospital São Sebastião é o<br />

primeiro hospital público do país<br />

a realizar esta cirurgia inovadora<br />

que, sendo muito menos<br />

invasiva do que uma intervenção<br />

convencional aberta, representa<br />

maior conforto para o doente e<br />

menos tempo de internamento<br />

pós-cirúrgico”, afirmou Miguel<br />

Paiva, presidente do conselho de<br />

administração do CHEDV.<br />

Em causa estão quatro discectomias<br />

(excisão parcial<br />

ou total de um disco<br />

intervertebral herniado) lombares<br />

totalmente endoscópicas,<br />

realizadas em Santa Maria da<br />

Feira pelo Serviço de Ortopedia<br />

e Unidade de Coluna do Hospital<br />

São Sebastião, que é um<br />

dos três sob administração do<br />

CHEDV.<br />

“O Hospital São Sebastião é o<br />

primeiro hospital público do país<br />

a realizar esta cirurgia inovadora<br />

que, sendo muito menos invasiva<br />

do que uma intervenção<br />

convencional aberta, representa<br />

maior conforto para o doente e<br />

menos tempo de internamento<br />

pós-cirúrgico”, afirmou Miguel<br />

Paiva, presidente do conselho<br />

de administração do CHEDV.<br />

Segundo o responsável, este<br />

tipo de intervenção “tem ainda<br />

a vantagem de diminuir a exposição<br />

do doente ao ambiente<br />

hospitalar e de reduzir os<br />

inerentes custos do SNS com<br />

essa estadia”.<br />

No essencial, cada uma das<br />

referidas discectomias concretizou-se<br />

com recurso a duas pequenas<br />

incisões: uma por onde<br />

circulou o endoscópio, aparelho<br />

que, munido de uma fonte de luz<br />

e uma câmara, permite ao médico<br />

identificar o local em que<br />

pretende intervir e controlar os<br />

seus movimentos através de um<br />

visor; e outra pela qual foi manuseado<br />

o instrumento cirúrgico<br />

com que o médico retirou da vér-<br />

tebra do doente o disco que lhe<br />

vinha causando a hérnia.<br />

Segundo Miguel Paiva, a vantagem<br />

desse procedimento é que<br />

permite fazer a mesma operação<br />

que a técnica aberta, mas<br />

apenas com uma incisão mínima,<br />

sem destruição muscular e<br />

quase sem qualquer lesão ao<br />

nível de ligamentos e ossos, o<br />

que se traduz numa “agressão<br />

cirúrgica mínima, ótimos resultados<br />

cosméticos graças a uma<br />

cicatriz quase impercetível - inferior<br />

a um centímetro - e uma taxa<br />

de infeção próxima de 0%”.<br />

Além disso, a discectomia endoscópica<br />

pode ser feita “com<br />

internamentos de apenas um<br />

dia e o pós-operatório é habitualmente<br />

pouco doloroso”.<br />

Artur Teixeira, responsável pela<br />

Unidade de Coluna do CHEDV,<br />

admite que o tratamento menos<br />

agressivo da hérnia discal já há<br />

muito era um objetivo do Serviço<br />

de Ortopedia do Hospital São<br />

Sebastião.<br />

“Em 1999 começámos pela utilização<br />

do microscópio como<br />

forma de potenciar a visão e permitir<br />

uma pequena incisão”, recordou<br />

o médico, acrescentando<br />

que em 2006 foram introduzidas<br />

“técnicas minimamente invasivas<br />

que permitiram uma grande<br />

evolução no sentido de diminuir<br />

a extensão da cicatriz, que então<br />

passou a ser de cerca de dois<br />

centímetros, e agora o tratamento<br />

da hérnia discal através desta<br />

técnica totalmente endoscópica<br />

vem dar continuidade a esse<br />

percurso”.<br />

O ortopedista quer, por isso,<br />

alargar o procedimento a mais<br />

utentes com necessidades idênticas,<br />

estimando que “cerca de<br />

150 doentes por ano poderão<br />

beneficiar da nova técnica”.<br />

Para Miguel Paiva, esse recurso<br />

a práticas cirúrgicas “inovadoras<br />

e muito diferenciadas mostra<br />

bem que unidades hospitalares<br />

de média dimensão como<br />

o CHEDV também dispõem de<br />

profissionais que se distinguem<br />

pela qualidade e pioneirismo”.<br />

No caso particular do Serviço<br />

de Ortopedia, realçou que os<br />

médicos da unidade funcional<br />

de coluna “realizam técnicas<br />

de elevada diferenciação, o<br />

que tem sido reconhecido com<br />

vários prémios e publicações em<br />

revistas científicas”.<br />

14 NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE | MARÇO 2017 WWW.SAUDEONLINE.PT


SAÚDE ONLINE | NACIONAL<br />

SIM avisa que vai ser difícil cumprir lei<br />

dos atestados para cartas de condução<br />

O presidente do SIM, Carlos Arroz,<br />

avisa que as instalações em<br />

que trabalha como médico de<br />

família “não cumprem as normas<br />

regulamentares em termos<br />

de condições estruturais e de<br />

mobiliário”.<br />

O<br />

presidente do Sindicato<br />

Independente dos<br />

Médicos (SIM) afirma<br />

que dificilmente será possível<br />

cumprir a emissão de atestados<br />

médicos para cartas de condução<br />

nos centros de saúde para o<br />

início deste mês.<br />

Carlos Arroz, presidente do<br />

SIM, escreveu ao diretor-geral<br />

da Saúde a avisar sobre os impedimentos<br />

que podem levar<br />

à não-emissão dos atestados<br />

para as cartas de condução.<br />

“Estando consciente de que<br />

o eventual impedimento para<br />

emitir atestado para a carta de<br />

condução (…) me poderá colocar<br />

em situação disciplinar, tomo a liberdade<br />

de, por este meio, livre<br />

e atempadamente o comunicar”,<br />

escreve o presidente do SIM na<br />

carta que foi divulgada no site<br />

do Sindicato.<br />

ADesde o início do mês que os<br />

atestados médicos deveriam passar<br />

a ser transmitidos de forma eletrónica<br />

pelo Ministério da Saúde ao<br />

Instituto da Mobilidade e Transportes,<br />

permitindo o registo automático<br />

da avaliação médica realizada ao<br />

condutor, com eventual registo das<br />

restrições.<br />

O presidente do SIM avisa que as<br />

instalações em que trabalha como<br />

médico de família “não cumprem<br />

as normas regulamentares em termos<br />

de condições estruturais e de<br />

mobiliário”.<br />

Acrescenta também que é difícil<br />

realizar o exame necessário já que<br />

o gabinete médico não é e nunca<br />

foi dotado do equipamento médico<br />

que é referido na orientação emitida<br />

pela Direção-geral da Saúde<br />

(DGS) para dar cumprimento ao<br />

diploma legal.<br />

“Porque o acesso a eventuais pareceres<br />

necessários esbarra na<br />

dificuldade de marcação de consulta<br />

no Serviço Nacional de Saúde<br />

(SNS) para as especialidades mais<br />

requeridas (oftalmologia, cardiologia,<br />

neurologia, psiquiatria, otorrinolaringologia)”,<br />

é outro dos argumentos<br />

invocados pelo presidente<br />

do Sindicato dos Médicos.<br />

Carlos Arroz acrescenta ainda que<br />

a relação médico-doente que os<br />

médicos de medicina geral e familiar<br />

vão sedimentando pode também<br />

ficar em causa.<br />

Em fevereiro, um grupo de médicos<br />

de família lançou um alerta<br />

público, manifestando-se contra a<br />

emissão de atestados para a carta<br />

de condução nos centros de saúde,<br />

considerando que pode bloquear a<br />

atividade das unidades e que é incompatível<br />

com o seu trabalho.<br />

O facto de os centros de saúde<br />

não estarem vocacionados para<br />

fazer a avaliação para o atestado,<br />

nomeadamente o exame de audição<br />

e visão, e o tempo que é necessário<br />

para realizar este tipo de<br />

peritagem são alguma s das queixas<br />

dos médicos.<br />

LUSA/SO<br />

16 NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE | MARÇO 2017 WWW.SAUDEONLINE.PT


SAÚDE ONLINE | NACIONAL<br />

DESPESAS EM SAÚDE<br />

Gastar Mais Não Significa Tratar Melhor...<br />

Esta afirmação é seguramente<br />

consensual e foi agora<br />

reforçada num interessante<br />

estudo publicado no Journal of<br />

the American Medical Assocation<br />

(JAMA Internal Medicine, a 13 de<br />

Março) pelo Professor Yusuke<br />

Tsugawa, responsável pelo Departamento<br />

de Gestão e Políticas<br />

de Saúde da Harvard T. H. Chan<br />

School of Public Health, em Boston.<br />

Os gastos em Saúde tendem a ser<br />

crescentes, dados os custos dos<br />

novos medicamentos, das novas<br />

técnicas de diagnóstico, dos avanços<br />

cirúrgicos, etc e, portanto, é<br />

inevitável que tal aconteça. Se a<br />

isso somarmos o aumento da esperança<br />

média de vida, temos cada<br />

paciente a requerer mais cuidados<br />

de saúde, mais complexos e mais<br />

onerosos, durante um período de<br />

tempo cada vez maior.<br />

Por tudo isso, e não só por isso,<br />

uma gestão responsável e consciente<br />

dos recursos disponíveis é<br />

essencial e deve ser praticada por<br />

todos: médicos, enfermeiros, gestores<br />

e pelos próprios pacientes<br />

que, com frequência, se automedicam<br />

e se submetem a exames desnecessários.<br />

A Medicina tem evoluído muito no<br />

sentido da tecnologia mas, como já<br />

escrevi, não pode nunca afastar-se<br />

das suas raízes, do saber baseado<br />

na experiência e na intuição, no<br />

diálogo e na interacção com os pacientes.<br />

A subjectividade da prática<br />

médica é atenuada pela tecnologia<br />

mas não poderá nunca ser abolida,<br />

por mais exames que se realizem<br />

e tratamentos que se prescrevam.<br />

Por outro lado, os fenómenos de litígio<br />

têm-se revelado mais comuns<br />

e geram nos médicos a prática de<br />

uma Medicina mais defensiva, na<br />

qual os exames são requisitados,<br />

não por serem considerados necessários,<br />

mas apenas para que<br />

nunca possa ser invocada a sua<br />

ausência. E aqui surge mais desperdício,<br />

mais perda de tempo,<br />

maior risco de efeitos secundários<br />

e, sobretudo, uma Medicina descaracterizada<br />

e pouco eficaz.<br />

Temos a noção de que o número<br />

de tomografias computorizadas,<br />

de ressonâncias magnéticas de<br />

análises laboratoriais requisitadas<br />

sem uma necessidade bem fundamentada<br />

é significativo, do mesmo<br />

modo que são utilizados antibióticos<br />

e outros medicamentos sem<br />

uma indicação clínica válida. E tudo<br />

isto significa gastar mais sem tratar<br />

melhor. Pelo contrário...<br />

Voltando ao trabalho aqui referido,<br />

verificou-se que os doentes<br />

tratados por médicos que pedem<br />

exames mais dispendiosos apresentam<br />

a mesma probabilidade de<br />

serem readmitidos no hospital ou<br />

de morrerem num intervalo de 30<br />

dias do que os doentes acompanhados<br />

por médicos que recorrem<br />

a exames e tratamentos menos<br />

onerosos.<br />

Nos Estados Unidos da América,<br />

os gastos com saúde variam muito<br />

de umas regiões para outras<br />

e mesmo entre hospitais de uma<br />

mesma comunidade. Provavelmente,<br />

o mesmo ocorrerá noutros<br />

países, incluindo Portugal.<br />

Por outro lado, o que este estudo<br />

revela é que existem diferenças importantes,<br />

no que se refere a gastos,<br />

entre médicos de um mesmo<br />

hospital, o que permitiu avaliar o<br />

potencial impacto dessas diferenças<br />

no prognóstico dos doentes.<br />

Essa diferença pode ser superior<br />

a 40% e não é fácil entender como<br />

podem médicos de uma mesma unidade<br />

exibir abordagens tão distintas<br />

no tratamento dos seus doentes...<br />

Provavelmente, não existirá uma<br />

explicação válida para tais disparidades<br />

e elas poderão ser meramente<br />

aleatórias.<br />

Uma possível explicação poderá residir<br />

no nível de experiência de cada<br />

médicos. Profissionais menos experientes<br />

poderão tender a solicitar<br />

mais exames de modo a compensarem<br />

a sua menor vivência clínica...<br />

Mas o ponto relevante, mais do que<br />

se procurar razões para estas observações,<br />

é constatar que a qualidade<br />

dos cuidados prestados aos<br />

doentes e o seu prognóstico clínico<br />

é equivalente quando se comparam<br />

médicos que gastam mais com<br />

aqueles que gastam menos.<br />

Para lá destes aspectos, muito interessantes<br />

e a merecerem reflexão,<br />

resulta deste estudo algo que já<br />

todos nós sabemos mas é crucial<br />

recordar: o desperdício em saúde é<br />

grande e importa ser identificado e<br />

corrigido. Sendo cada vez mais verdade<br />

que a saúde é cara, despesas<br />

redundantes ou potencialmente<br />

prejudiciais deverão ser eliminadas,<br />

assim se libertando recursos<br />

que poderão ser adequadamente<br />

utilizados.<br />

Este estudo focou-se nos médicos<br />

internistas mas as suas conclusões<br />

podem ser extrapoladas para outros<br />

profissionais de saúde.<br />

Luís Gouveia Andrade<br />

Médico Oftalmologista<br />

Hospital CUF Infante Santo.<br />

Curiosamente, as variações nos<br />

gastos foram mais significativas<br />

dentro de um mesmo hospital do<br />

que entre hospitais diferentes.<br />

Como tal, a implementação de políticas<br />

que visem uma melhor utilização<br />

dos recursos em saúde deve<br />

ter em conta os médicos individualmente<br />

e não cada hospital per se.<br />

A dificuldade reside em como executar<br />

semelhante medida. A prática<br />

médica é, por definição, subjectiva<br />

e não se pode exigir que todos os<br />

médicos abordem os doentes da<br />

mesma forma, sob pena de despersonalizar<br />

e descaracterizar a<br />

essência da Medicina.<br />

Como tal, o melhor caminho será<br />

a sensibilização e a elaboração de<br />

estudos como este que estimulam à<br />

reflexão e que, seguramente, ajudarão<br />

cada um de nós a pensar sobre<br />

o modo como exercemos a nossa<br />

actividade. Desse modo, seremos<br />

capazes de identificar os passos<br />

que podemos dar para salvaguardar<br />

recursos que são de todos, sem<br />

nunca comprometermos a saúde<br />

dos doentes que em nós confiam.<br />

Medidas de carácter mais restritivo<br />

ou punitivo dificilmente permitirão<br />

bons resultados e não me revejo<br />

em estratégias que recompensem<br />

ou penalizem os profissionais de<br />

acordo com o custo-efectividade do<br />

seu trabalho...<br />

Texto escrito de acordo com a grafia<br />

anterior ao acordo ortográfico de<br />

1990.<br />

Texto integral disponível na edição<br />

online.<br />

18 NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE | MARÇO 2017 WWW.SAUDEONLINE.PT


REPORTAGEM<br />

ESPECIAL<br />

GSK BRINGING INNOVATION TO RESPIRATORY<br />

XXXII CONGRESSO<br />

DE PNEUMOLOGIA 2016<br />

No XXXII Congresso de Pneumologia, que decorreu na Praia da Falésia, no Algarve, a 11 e 12 de Novembro,<br />

a GSK organizou um simpósio subordinado ao tema «GSK Bringing Innovation to Respiratory». Os oradores<br />

convidados passaram em revista o percurso evolutivo das opções terapêuticas para a doença pulmonar<br />

obstrutiva crónica (DPOC) e da asma, pela voz do Dr. Adam Hawkins, Area Medical Lead (Europe) GSK<br />

Respiratory Franchise e abordaram a utilização dos mais recentes avanços terapêuticos, como a dupla<br />

broncodilatação, na prática clínica, com casos clínicos apresentados pela Dr.ª Elsa Fragoso, pneumologista<br />

do Hospital de Santa Maria, em Lisboa. Coube ao Dr. Ian Naya, Diretor científico global para a área<br />

respiratória da GSK, apresentar a evidência científica que sustenta os bons resultados obtidos pela dupla<br />

broncodilatação, nomeadamente a associação umeclidínio/vilanterol, na melhoria da sintomatologia do<br />

doente com DPOC e na prevenção das exacerbações.


XXXII Congresso de Pneumologia<br />

ESPECIAL<br />

XXXII CONGRESSO DE PNEUMOLOGIA<br />

O papel das associações<br />

terapêuticas no tratamento da<br />

DPOC<br />

Dr. Ian Naya<br />

Diretor científico global para a área<br />

respiratória da GSK<br />

Estamos preparados para a dupla<br />

broncodilatação na terapêutica da<br />

DPOC?<br />

Foi a partir desta pergunta que o<br />

Dr. Ian Naya, conduziu a apresentação<br />

no simpósio organizado pela GSK.<br />

O especialista começou por lembrar<br />

que, nos últimos anos, as linhas de<br />

orientação GOLD – Global Initiative<br />

for Chronic Obstructive Lung Disease<br />

– já recomendavam a terapêutica<br />

individualizada, nomeadamente a<br />

dupla broncodilatação com antagonistas<br />

do recetor muscarínico M3<br />

(LAMA) e agonistas beta-2 de longa<br />

ação (LABA), em doentes fortemente<br />

sintomáticos, mas apenas como escolha<br />

alternativa à monoterapia.<br />

Todavia, recordou o especialista, “a<br />

evidência está em constante mudança”<br />

e a revisão das normas GOLD<br />

irá trazer mudanças que apontam<br />

para “um aumento da importância<br />

da terapêutica combinada”. Isto<br />

porque, explicou o palestrante, as<br />

novas orientações clínicas emanadas<br />

da European Respiratory Society deverão<br />

“centrar-se mais nos sintomas<br />

e reduzir a ênfase posta até aqui<br />

na perda da função pulmonar na<br />

DPOC”<br />

Esta mudança de perspetiva vem<br />

ao encontro dos resultados observados<br />

no trabalho publicado em<br />

2011 por Dransfield MT et al no<br />

Primary Care Respiratory Journal.<br />

Este ensaio, conduzido em 56 centros<br />

nos Estados Unidos da América<br />

incluiu 1084 doentes em monoterapia<br />

broncodilatadora com tiotrópio<br />

ou outro broncodilatador de ação<br />

prolongada e concluiu que metade<br />

dos indivíduos avaliados, mesmo<br />

os considerados de risco moderado,<br />

continuavam “altamente sintomáticos<br />

com um score mMRC [do Medical<br />

Research Council] de dois ou<br />

superior”. No mesmo trabalho, nos<br />

doentes considerados de risco, a percentagem<br />

de indivíduos em monoterapia<br />

que mantinha quadros sintomatológicos<br />

expressivos subia para<br />

os 59%.<br />

O Dr. Ian Naya recordou também<br />

os resultados do estudo ECLIPSE,<br />

publicado em 2013 por Agusti A et<br />

al no European Respiratory Journal,<br />

que veio demonstrar, igualmente,<br />

que “os doentes que tinham patologia<br />

moderada apresentavam risco<br />

acrescido se tivessem sintomatologia<br />

significativa”.<br />

Tendo em conta estes dois trabalhos,<br />

sublinhou o orador, “ficou claro que<br />

os doentes em maior risco são os<br />

doentes com mais sintomatologia<br />

e não os que apresentavam exacerbações<br />

frequentes”, o que se reflete<br />

no número de hospitalizações e na<br />

sobrevivência dos doentes. Sendo<br />

assim, defendeu, a sintomatologia<br />

deve passar a ser tida em consideração<br />

na determinação do risco do<br />

doente com DPOC e não apenas<br />

as exacerbações.<br />

RACIONAL CIENTÍFICO<br />

PARA O USO DA<br />

ASSOCIAÇÃO DE<br />

BRONCODILATADORES<br />

A utilização da dupla broncodilatação<br />

pode ser uma aliada do controlo<br />

da sintomatologia do doente com<br />

DPOC, nomeadamente a associação<br />

umeclidínio/vilanterol (UMEC/<br />

VI). Isto porque, explicou o Dr. Ian<br />

Naya, o umeclidínio, um antagonista<br />

do recetor muscarínico M3, vai<br />

bloquear a contração<br />

do músculo liso das<br />

vias respiratórias, ao<br />

mesmo tempo que o<br />

vilanterol, um agonista<br />

beta-2 de longa<br />

ação, vai estimular<br />

o relaxamento do<br />

músculo liso das vias<br />

respiratórias, sustentando<br />

desta forma o<br />

conceito de otimização da broncodilatação,<br />

na utilização conjunta destes<br />

dois fármacos.<br />

Sobre a seleção de doentes para<br />

receber a terapêutica dupla, os dados<br />

demonstram que há sempre<br />

espaço para uma evolução positiva<br />

com a dupla broncodilatação.<br />

Isso mesmo ficou demonstrado<br />

com o estudo de Donohue JF et<br />

al, publicado no jornal Respiratory<br />

Medicine (Resp Med), que<br />

avaliou a utilização da monoterapia<br />

com vilanterol e umeclidínio<br />

e da associação fixa das duas<br />

«A insuflação<br />

pulmonar é o<br />

fator que melhor<br />

se correlaciona<br />

com a intolerância<br />

ao esforço»<br />

moléculas. Ficou claro neste trabalho<br />

que “com terapêutica dupla<br />

há sempre espaço para uma melhoria<br />

de desempenho da função respiratória<br />

dos doentes. E não podemos<br />

excluir doentes apenas porque num<br />

primeiro momento respondem bem<br />

à monoterapia”, sublinhou o orador.<br />

Outros trabalhos também demonstraram<br />

que a variabilidade<br />

da resposta dos doentes é menor<br />

com a terapêutica combinada.<br />

Foi o caso do trabalho publicado<br />

por Maleki-Yazdi M et al. no Resp<br />

Med e do artigo da autoria de Decramer<br />

et al publicado na Lancet<br />

Respiratory Medicine que compararam<br />

a associação UMEC/VI vs.<br />

tiotrópio em doentes<br />

com dispneia moderada<br />

e grave. Ambas<br />

as investigações<br />

demonstraram “que<br />

houve uma melhoria<br />

da função pulmonar<br />

e que essa melhoria<br />

foi consistente” com<br />

uma variabilidade<br />

a rondar os 3% nos<br />

grupos que receberam a terapêutica<br />

combinada, ao invés da variabilidade<br />

de respostas entre 38% e<br />

60% obtidas no grupo de doentes<br />

que recebeu tiotrópio. Na perspetiva<br />

do especialista “isto significa que<br />

ao usar uma monoterapia, como o<br />

tiotrópio, temos menos garantia da<br />

resposta que teremos ao tratamento<br />

do que com a dupla broncodilatação”,<br />

sendo que, acrescentou, com a<br />

dupla broncodilatação é possível alcançar<br />

objetivos terapêuticos que nunca<br />

tinham sido observados com monoterapia.<br />

Dr. Ian Naya


ESPECIAL<br />

XXXII Congresso de Pneumologia<br />

UM LONGO CAMINHO EM<br />

PROL DOS DOENTES<br />

Em jeito de primeira conclusão dos<br />

dados apresentados, o Dr. Ian Naya<br />

frisou ser claro que a dupla broncodilatação<br />

é eficaz na redução dos<br />

sintomas na dispneia moderada e<br />

grave em doentes com DPOC, pelo<br />

que, todas as combinações LABA/<br />

LAMA estão indicadas para o alívio<br />

dos sintomas.<br />

O PAPEL DA DUPLA BRON-<br />

CODILATAÇÃO NA MELHO-<br />

RIA DO ESTADO DE SAÚDE<br />

A terminar, o palestrante falou ainda<br />

dos ensaios clínicos de fase III sobre<br />

a eficácia a seis meses da combinação<br />

UMEC/VI, trabalhos realizados<br />

apenas com doentes que se enquadram<br />

nos grupos B e D de acordo<br />

com as orientações GOLD 2015, que<br />

já usavam broncodilatadores,<br />

mas apresentavam<br />

na grande<br />

maioria um comprometimento<br />

grave ou<br />

muito grave da função<br />

pulmonar com<br />

scores de dispneia<br />

segundo a escala<br />

mMRC de dois ou<br />

superiores.<br />

Um desses trabalhos, publicado em<br />

2013 por Donohue JF et al no Resp<br />

Med, foi um estudo que comparou a<br />

combinação UMEC/VI com placebo<br />

e onde, destacou o orador, se verificou<br />

“uma clara melhoria do estado de<br />

saúde com a associação”, com menos<br />

recurso à medicação de emergência e<br />

melhorias significativas na dispneia.<br />

«A DPOC<br />

causa um impacto<br />

profundo na<br />

qualidade de vida<br />

do doente»<br />

No mesmo sentido apontam as conclusões<br />

do ensaio conduzido por<br />

Maleki-Yazdi M et al, publicadas<br />

em 2014, no Resp Med. Este ensaio<br />

comparou a combinação UMEC/VI<br />

com o tiotrópio e verificou que a<br />

dupla broncodilatação diminuiu<br />

o recurso a medicação de urgência<br />

em 62% e melhorou o score geral<br />

de saúde dos doentes em 43%<br />

quando comparado com o tratamento<br />

standard.<br />

E se todas as associações LABA/<br />

LAMA estão indicadas para o<br />

alívio da sintomatologia, haverá<br />

também um papel destas associações<br />

na redução do risco de exacerbações?<br />

Em termos de classe, o Diretor científico<br />

global para a área respiratória<br />

da GSK citou os<br />

resultados de uma<br />

meta-análise publicada<br />

em 2015<br />

por Oba Y. et al no<br />

jornal Thorax dos<br />

16 ensaios disponíveis<br />

com todos os<br />

broncodilatadores<br />

comparando a associação<br />

LABA/LAMA, com a ação<br />

das duas moléculas separadamente<br />

e com placebo. As conclusões demonstraram<br />

que com a dupla broncodilatação<br />

o risco de exacerbações<br />

foi diminuido em 34% versus placebo;<br />

que comparado com LABA<br />

a diminuição do risco é de 18% e<br />

quando comparado com LAMA há<br />

uma diminuição de 8%.<br />

Dr. Adam Hawkins<br />

Area Medical Lead da GSK<br />

O<br />

Dr. Adam Hawkins, Area<br />

Medical Lead da GSK,<br />

abriu o simpósio com uma<br />

pequena viagem histórica ao percurso<br />

percorrido pela companhia no<br />

desenvolvimento de fármacos na área<br />

respiratória.<br />

A relevância do trabalho desenvolvido<br />

pela GSK é notória pois, recordou<br />

o responsável, “todos se lembram o<br />

que era o tratamento da asma antes<br />

do aparecimento do salbutamol”. Este<br />

agonista dos recetores adrenérgicos<br />

β2 de curta duração, desenvolvido<br />

por Sir David Jack, trouxe uma alteração<br />

significativa no alívio do<br />

broncoespasmo em condições como<br />

a asma e a DPOC, com correspondente<br />

melhoria da qualidade de vida<br />

dos doentes.<br />

Nos anos 90 foi desenvolvido o Serevent<br />

® como um agonista de longa<br />

duração, ainda usado hoje no tratamento<br />

da DPOC.<br />

O Dr. Adam Hawkins recordou ainda<br />

que por trás do desenvolvimento de<br />

todo o portfólio terapêutico da companhia<br />

estiveram sempre grandes<br />

estudos, entre os quais o GOAL, o<br />

TORCH, o ECLIPSE, o SUMMIT<br />

e o IMPACT.<br />

Em termos de investigação mais recente,<br />

o orador mencionou trabalhos<br />

como o SUMMIT, publicado por Vestbo<br />

J et al no European Respiratory<br />

Journal em 2013. Este ensaio aleatorizou<br />

mais de 16 mil doentes com<br />

DPOC em quatro braços comparando<br />

a associação furoato de fluticasona<br />

(FF)/vilanterol (VI) com as moléculas<br />

em separado e com placebo.<br />

Entretanto a GSK, para além da<br />

eficácia, considerou importante estudar<br />

a efetividade da utilização da<br />

associação FF/VI tendo realizado<br />

um estudo open label, o Salford Lung<br />

Study (COPD) onde cerca de 2800<br />

doentes com DPOC foram acompanhados<br />

durante um ano em contexto<br />

de cuidados de saúde primários.<br />

A primeira conclusão deste trabalho é<br />

que a maioria das pessoas (88%) com<br />

registo de pelo menos uma exacerbação<br />

moderada a grave no último ano<br />

estava sob terapêutica com corticosteroides<br />

inalados (ICS).<br />

Os resultados demonstraram ainda<br />

que, com a abordagem clássica, o<br />

número de exacerbações rondava<br />

as 1,9 anuais, enquanto que com a<br />

terapêutica à base da associação FF/<br />

VI com LAMA a ocorrência descia<br />

para as 1,74, uma redução de 8,4%.<br />

“E quando comparamos a associação<br />

ICS/LABA mais LAMA com Relvar ®<br />

mais LAMA a redução do número de<br />

exacerbações anuais também chega<br />

aos 8% mostrando que é uma terapêutica<br />

mais efetiva”, acrescentou<br />

o orador.<br />

O Dr. Adam Hawkins avançou ainda<br />

que estará para breve a divulgação<br />

das conclusões do estudo SLS Asthma,<br />

conduzido por Woodcock et<br />

al, um trabalho na mesma linha do<br />

Salford Lung Study, que acompanha<br />

mais de 4000 mil doentes com asma,<br />

em FF/VI open label.<br />

Também para o próximo ano são esperadas<br />

novidades relativamente ao<br />

estudo IMPACT - COPD Exacerbation<br />

Reduction Study avalia o<br />

efeito de FF/UMEC/VI vs. UMEC/<br />

VI e vs. FF/VI na prevenção das<br />

exacerbações moderadas e graves.<br />

Para os próximos anos, o orador<br />

garantiu que a GSK continuará a<br />

trabalhar em conjunto com a comunidade<br />

académica e científica<br />

para o desenvolvimento de novos<br />

marcos terapêuticos no tratamento<br />

da asma e da DPOC.<br />

Apesar de ser difícil prever o futuro,<br />

o responsável crê que este trará<br />

“a oportunidade de personalizar a<br />

medicina e os tratamentos com os<br />

biomarcadores e adaptar a terapêutica<br />

ao mapa genético de cada doente”,<br />

concluiu.<br />

Dr. Adam Hawki


XXXII Congresso de Pneumologia<br />

ESPECIAL<br />

DA EVIDÊNCIA À PRÁTICA CLÍNICA<br />

“Como clínicos que somos<br />

é nossa a Arte de integrar a<br />

evidência e ajustá-la à clínica,<br />

ao tratamento e às características<br />

particulares de cada doente<br />

com bom senso”. Foi com estas<br />

palavras que a Dr.ª Elsa Fragoso,<br />

pneumologista no Centro Hospitalar<br />

de Lisboa Norte deu início à<br />

preleção que trouxe ao simpósio,<br />

alicerçada na apresentação de dois<br />

casos clínicos.<br />

A especialista começou, contudo,<br />

por lembrar que, na gestão<br />

da terapêutica farmacológica da<br />

DPOC em ambulatório, os objetivos<br />

devem passar também pelo<br />

controlo da sintomatologia e não<br />

apenas pelo controlo da função<br />

respiratória medida pelo FEV1 e<br />

o foco deve ser sempre a redução<br />

da morbi-mortalidade causada por<br />

esta patologia.<br />

Na apresentação dos dois casos<br />

clínicos, a especialista tentou responder<br />

à questão: a dupla broncodilatação<br />

como terapêutica<br />

inicial deverá ser estratégia para<br />

que doentes?<br />

O primeiro caso clínico apresentado<br />

foi o de uma mulher de 59 anos,<br />

ex-fumadora seguida em consulta<br />

externa de Pneumologia desde 2015<br />

após atendimento no serviço de urgência<br />

com um quadro compatível<br />

com exacerbação aguda. Na história<br />

clínica, havia o relato de dispneia de<br />

esforço e tosse com escassa expetoração<br />

e mucosa ocasional, não havendo<br />

a registar exacerbações desde<br />

o episódio que levou ao diagnóstico.<br />

Em termos de comorbilidades, esta<br />

doente tem diagnosticado um quadro<br />

de hipertensão medicado.<br />

Relativamente ao quadro respiratório,<br />

houve pouca resposta ao broncodilatador,<br />

com muita insuflação<br />

pulmonar, muita sintomatologia e<br />

compromisso significativo da função<br />

respiratória tendo esta doente<br />

sido enquadrada no grupo B das<br />

orientações GOLD.<br />

Perante este cenário a especialista<br />

decidiu-se pela associação fixa<br />

LABA/LAMA ab initio, sendo que<br />

se registou uma “franca melhoria<br />

sintomática sob dupla broncodilatação”<br />

e a doente “mantém-se sem exacerbações”,<br />

relatou a pneumologista.<br />

Segundo a Dr.ª Elsa Fragoso, “quando<br />

se fala na evolução respiratória<br />

destes doentes, verifica-se pela evidência<br />

que a perda de função é mais<br />

acentuada nas frases precoces da<br />

doença”. Nessa medida, seria importante<br />

perceber como se comporta<br />

a dupla broncodilatação em doentes<br />

naïve e foi o que o trabalho de Donohue<br />

JF. et al, publicado em 2013<br />

no RM, tentou responder. Segundo<br />

este estudo, a associação UMEC/<br />

VI provou ser superior a cada uma<br />

das moléculas em separado e, como<br />

seria de esperar, mostrou ser melhor<br />

que o placebo no tratamento dos<br />

doentes naïve.<br />

Mas não são apenas os níveis de<br />

FEV1 a registar melhorias com a<br />

associação, sendo também de registar<br />

“uma melhoria da capacidade inspiratória<br />

versus placebo e essa melhoria<br />

ocorre pelo aumento da capacidade<br />

residual funcional”, acrescentou<br />

a médica.<br />

Já o segundo caso clínico apresentado<br />

pela oradora dizia respeito a um<br />

homem de 60 anos, ex-fumador, seguido<br />

em consulta deste 2013. Como<br />

história clínica havia a reportar um<br />

cansaço fácil, dispneia de esforço<br />

e tosse, sem exacerbações nos últimos<br />

dois anos, com dispneia grave<br />

(mMRC 4) e que era, claramente, um<br />

doente do quadrante GOLD D, com a<br />

função respiratória muito comprometida,<br />

de fenótipo enfisematoso e com<br />

várias comorbilidades (prótese mecânica<br />

aórtica, fibrilhação auricular<br />

paroxística, cardiopatia hipertensiva<br />

e depressão).<br />

A Dr.ª Elsa Fragoso optou também<br />

pela associação fixa LABA/LAMA<br />

para este doente, explicando a sua decisão<br />

com o fato de que o doente com<br />

o fenótipo exacerbador, assim como o<br />

não exacerbador, tende a ser estável<br />

ao longo do tempo. “Todos temos na<br />

nossa consulta doentes gravíssimos<br />

que nunca exacerbam e doentes que,<br />

mesmo com terapêutica maximizada,<br />

estão sempre a exacerbar”, explicou,<br />

frisando que isso mesmo foi<br />

demonstrado no estudo de Hurst JR<br />

et al publicado no NEJM em 2010.<br />

Já o trabalho de Han MK et al, publicado<br />

na Lancet Respiratory Medicine<br />

em 2013, tentou perceber,<br />

dentro dos quadrantes GOLD, se<br />

havia diferenças em termos de risco<br />

futuro de exacerbações em função<br />

das características particulares de<br />

cada um desses grupos. As conclusões<br />

demonstraram que os grupos<br />

“são muito heterogéneos e os doentes,<br />

pertencendo ao mesmo grupo,<br />

podem beneficiar de terapêuticas radicalmente<br />

diferentes”, sublinhou a<br />

oradora, advogando a necessidade da<br />

terapêutica ter “de ser personalizada,<br />

individualizada”.<br />

O trabalho de Agusti A e de LM Fabbri<br />

publicado na Lancet Respiratory<br />

Medicine em 2014 tentou fazer uma<br />

simplificação da terapêutica, mantendo<br />

o princípio de que a um doente<br />

não exacerbador e pouco sintomático<br />

deve ser oferecida monoterapia para<br />

começar e aos doentes muito sintomáticos<br />

ou que permanecem muito<br />

sintomáticos após a instituição de<br />

uma monoterapia deve ser oferecida<br />

dupla broncodilatação.<br />

A Dr.ª Elsa Fragoso reconhece que<br />

esta é uma simplificação necessária e<br />

útil para o dia-a-dia dos pneumologistas,<br />

mas advoga que não é suficiente”.<br />

Na opinião da pneumologista,<br />

é necessário integrar na decisão clínica<br />

“outros dados como a história<br />

prévia de asma, as comorbilidades<br />

e a presença de insuficiência respiratória<br />

crónica”.<br />

1975 1996 1997 2000 2008 2014 2015<br />

VENTILAN® SEREVENT® FLIXOTAIDE® SERETAIDE® AVAMYS® RELVAR® ANORO®<br />

2016<br />

INCRUSE®<br />

E NUCALA®<br />

[este último recentemente<br />

lançado usado na asma]<br />

Timeline<br />

Dr. a Elsa fragoso


SAÚDE ONLINE | INDÚSTRIA<br />

Merck KGaA aposta na<br />

investigação portuguesa<br />

A multinacional alemã desenvolve medicamentos em Portugal e quer continuar a<br />

apostar numa relação que também serve de ponte para outros países que têm o<br />

português como língua oficial.<br />

A<br />

multinacional farmacêutica<br />

Merck KGaA considera<br />

Portugal um mercado importante,<br />

não pela sua dimensão,<br />

mas pelas parcerias, porque funciona<br />

como ponte para os mercados<br />

dos países que também<br />

TEXTO: MIGUEL MÚRIAS MAURITTI<br />

falam português e pelo investimento<br />

em investigação. E esta<br />

é uma relação para continuar e<br />

ser reforçada, garantiu ao <strong>SaúdeOnline</strong><br />

o presidente da empresa<br />

germânica, em Darmstadt, na<br />

Alemanha, sede da empresa.<br />

A Merck é o maior grupo europeu<br />

de biotecnologia e divide a<br />

sua operação em três diferentes<br />

áreas: Healthcare, Life Science<br />

and Performance Materials.<br />

No caso de Portugal, as parcerias<br />

são estratégicas para o desenvolvimento<br />

de novos medicamentos.<br />

O Instituto de Biologia Experimental<br />

e Tecnológica (IBET),<br />

com o qual a multinacional alemã<br />

colabora desde 1997, é o único<br />

fornecedor da Merck de cristais<br />

de proteínas. Anualmente, produz<br />

para a multinacional alemã<br />

entre 450 a 600 cristais de diferentes<br />

proteínas e seus complexos<br />

obtidos através de uma<br />

técnica denominada cristalografia<br />

de raios-X. Estes cristais são<br />

24 NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE | MARÇO 2017 WWW.SAUDEONLINE.PT


SAÚDE ONLINE | INDÚSTRIA<br />

“Para além da comercialização<br />

dos nossos produtos, temos<br />

excelentes parcerias com<br />

instituições portuguesas, como o<br />

Instituto de Biologia Experimental<br />

e Tecnológica e as fundações<br />

Gulbenkian e Champalimaud,<br />

particularmente na área das<br />

neurociências”, afirmou Stefan<br />

Oschmann, CEO da Merck KGaA<br />

apontando que se trata de uma<br />

“cooperação que se estende,<br />

a partir de Portugal, aos países<br />

de língua portuguesa,<br />

como o Brasil, Angola,<br />

Moçambique, Cabo Verde<br />

e Timor”.<br />

utilizados no desenvolvimento<br />

de medicamentos dirigidos a alvos<br />

específicos, que podem ser<br />

uma proteína de uma bactéria<br />

causadora de infeções, ou uma<br />

proteína humana envolvida no<br />

desenvolvimento de tumores<br />

cancerosos ou outras doenças,<br />

como a diabetes. A informação<br />

estrutural obtida através desta<br />

técnica permite desenhar modificações<br />

sucessivas à molécula,<br />

de uma forma informada e racional,<br />

poupando muitos recursos e<br />

obtendo, no final, uma molécula<br />

altamente eficaz e específica<br />

para o alvo terapêutico que se<br />

pretende atingir.<br />

No ano passado, o volume de<br />

investimento da Merck em projetos<br />

de investigação desenvolvidos<br />

no IBET ultrapassou o<br />

milhão de euros.<br />

Também em parceria com o<br />

IBET, está a ser desenvolvido<br />

um projeto pioneiro de combate à<br />

malária, que conta com um financiamento<br />

inicial de 500 mil euros.<br />

O objetivo é encontrar medicamentos<br />

que atuem na fase hepática<br />

da infeção, ou seja, quando<br />

o parasita ainda está no fígado,<br />

antes de começar a destruir os<br />

glóbulos vermelhos do sangue. O<br />

projeto conta ainda com a colaboração<br />

do Instituto de Medicina<br />

Molecular (IMM) da Universidade<br />

de Lisboa. Trata-se de um trabalho<br />

inovador, uma vez que não<br />

existem atualmente modelos laboratoriais<br />

que permitam o estudo<br />

desta fase do ciclo da infeção.<br />

Questionado sobre se as dificuldades<br />

que marcam o setor farmacêutico<br />

em Portugal, particularmente<br />

no que toca à aprovação e<br />

comparticipação de medicamentos<br />

e aos prazos de pagamento<br />

por parte do Estado poderiam<br />

levar a empresa – à semelhança<br />

do que já aconteceu com outras<br />

multinacionais farmacêuticas – a<br />

concentrar as suas operações<br />

em Espanha, Oschmann garantiu<br />

que essa possibilidade não<br />

estava a ser equacionada.<br />

“Temos excelentes relações com<br />

as instituições portuguesas, por<br />

um lado, e, por outro, pensamos<br />

que as especificidades de cada<br />

mercado aconselham a existência<br />

de uma organização dedicada<br />

em cada país”, explicou.<br />

A Merck é a mais antiga farmacêutica<br />

do mundo, que no próximo<br />

ano comemora 350 anos<br />

de existência e que conta, a nível<br />

global, com cerca de 50 mil<br />

colaboradores.<br />

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MARÇO 2017 | NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE 25


SAÚDE ONLINE | INDÚSTRIA<br />

Ano de sucesso permitiu<br />

lucro recorde<br />

A multinacional germânica viu as vendas, o EBIT e<br />

o lucro aumentarem a ritmos de dois dígitos, com<br />

compras e crescimento orgânico.<br />

A<br />

farmacêutica Merck KGaA<br />

fechou 2016 com resultados<br />

positivos, em<br />

crescendo, depois de anos de<br />

alguma aparente estagnação.<br />

“[Foi] um ano de sucesso para a<br />

companhia”, afirmou Stefan Oschmann,<br />

presidente executivo da<br />

empresa alemã, na conferência<br />

TEXTO: MIGUEL MÚRIAS MAURITTI<br />

anual de apresentação de resultados,<br />

em Darmstadt, na Alemanha,<br />

sede da empresa.<br />

As vendas do grupo cresceram<br />

17%, para 15 mil milhões de euros;<br />

os resultados antes juros e<br />

impostos (EBIT) aumentaram<br />

18,3%, para 2,18 mil milhões de<br />

euros e os resultados líquidos<br />

subiram 46%, para um recorde<br />

de 1,62 mil milhões de euros.<br />

As previsões da empresa apontam<br />

para um desempenho positivo<br />

também em 2017, ainda que<br />

com um ritmo de expansão mais<br />

moderado.<br />

Este bom desempenho da Merck<br />

resulta da conjugação de<br />

uma evolução positiva nas três<br />

áreas de negócio da multinacional:<br />

Healthcare (medicamentos),<br />

Ciências da Vida (soluções e<br />

reagentes para investigação de<br />

proteínas e biologia celular, bem<br />

como produtos e serviços para o<br />

desenvolvimento de agentes biofarmacêuticos)<br />

e Performance<br />

Materials (de onde se destacam<br />

os cristais líquidos, em que a<br />

empresa é responsável por mais<br />

de 60% da produção mundial).<br />

Mas fica a dever-se, sobretudo,<br />

ao impacto da integração da<br />

Sigma-Aldrich, fabricante americano<br />

de componentes químicos<br />

e de técnicas de laboratório,<br />

adquirida pela Merck em 2015,<br />

por cerca de 17 mil milhões de<br />

dólares (cerca de 16 mil milhões<br />

de euros), a maior aquisição da<br />

história da empresa.<br />

26 NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE | MARÇO 2017 WWW.SAUDEONLINE.PT


SAÚDE ONLINE | INDÚSTRIA<br />

Recorde-se que com a compra,<br />

em 2006, da suíça Serono, a<br />

Merck tornou-se o maior grupo<br />

de biotecnologia da Europa.<br />

Nas áreas de Healthcare e Ciências<br />

da Vida, o crescimento orgânico<br />

de 4,6%, na primeira área, e<br />

de 6,3%, na segunda, em 2016<br />

face a 2015, teve como motor<br />

o incremento das vendas – particularmente<br />

nos EUA – de produtos<br />

para o tratamento da infertilidade,<br />

bem como de terapias<br />

para carcinomas basocelulares<br />

e do Xalkori, fármaco indicado<br />

no tratamento de primeira linha<br />

de adultos com cancro do pulmão<br />

de não-pequenas células<br />

comercializado em parceria com<br />

a Pfizer.<br />

Outro contributo veio do fim do<br />

pagamento de direitos sobre o<br />

Kuvan, medicamento indicado<br />

para o tratamento da hiperfenilalaninemia<br />

associada à fenilcetonúria<br />

– comercializado em<br />

parceria com a BioMarin Pharmaceutical<br />

– e sobre o Rebif,<br />

terapia líder de mercado no tratamento<br />

da esclerose múltipla<br />

recidivante, comercializado em<br />

co-marketing também com a<br />

Pfizer.<br />

Mas mais do que os resultados<br />

de 2016, são<br />

as expectativas<br />

para 2017 que<br />

animam a gestão<br />

de topo da<br />

multinacional<br />

alemã, particularmente<br />

na<br />

área farmacêutica,<br />

com<br />

medicamentos<br />

prestes a chegar<br />

ao mercado.<br />

Um deles<br />

é a Cladribina,<br />

fármaco para o tratamento da<br />

esclerose múltipla, cujo pedido<br />

de autorização de introdução<br />

no mercado foi já validado pela<br />

Agência Europeia do Medicamento<br />

(EMA).<br />

«Este bom desempenho<br />

da Merck resulta<br />

da conjugação de uma<br />

evolução positiva nas<br />

três áreas de negócio<br />

da multinacional:<br />

Healthcare.»<br />

Também este ano, a Merck espera<br />

poder iniciar a comercialização<br />

do Avelumab, um medicamento<br />

desenvolvido em parceria com a<br />

Pfizer, para o tratamento de pacientes<br />

com carcinoma metastático<br />

de células de Merkel (CCM).<br />

O novo fármaco,<br />

recebeu<br />

da autoridade<br />

americana do<br />

medicamento<br />

(FDA, na sigla<br />

inglesa) as designações<br />

de<br />

terapia inovadora<br />

disruptiva<br />

e de medicamento<br />

órfão<br />

tendo-lhe ainda<br />

sido concedido<br />

o estatuto de<br />

avaliação prioritária, “o que permite<br />

prever para breve uma decisão<br />

daquela entidade reguladora”,<br />

afirmou ao Económico Petra<br />

Wicklandt, diretora global de Desenvolvimento<br />

Químico e Farmacêutico<br />

da Merck. O potencial<br />

da nova terapia é enorme: durante<br />

a Reunião Anual da American<br />

Society of Clinical Oncology<br />

(ASCO), em junho e 2016, foram<br />

apresentados 14 abstracts<br />

com dados do Avelumab para<br />

sete tipos diferentes de cancro,<br />

incluindo duas apresentações<br />

orais. Mas é no tratamento do<br />

carcinoma metastático de células<br />

de Merkel (CCM) que se<br />

centra atualmente a aposta da<br />

Merck no novo produto. “Como<br />

atualmente não existem tratamentos<br />

aprovados para este<br />

tipo de cancro raro e agressivo,<br />

estes dados clinicamente significativos<br />

representam um avanço<br />

para este tipo de tumores<br />

de difícil tratamento”, explicou<br />

ao Jornal Económico Luciano<br />

Rossetti, Diretor Global R&D<br />

da companhia.<br />

O pipeline da companhia, inclui<br />

ainda 11 compostos em ensaios<br />

de fase I e seis em ensaios de<br />

fase II.<br />

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MARÇO 2017 | NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE 27


SAÚDE ONLINE | ENTREVISTA<br />

LIPOFUSCINOSES CERÓIDES NEURONAIS (NCL)<br />

Primeiro tratamento apresenta<br />

resultados promissores<br />

No âmbito do 13.º Simpósio Internacional Da Sociedade Portuguesa De Doenças Metabólicas, que decorreu em<br />

Évora, de 16 a 18 de março, a comissão científica do evento convidou Sofia Quintas, neuropediatra do Hospital de<br />

Anta Maria, em Lisboa, a abordar a associação entre lipofuscinoses ceróides neuronais (NCL) e a epilepsia. Em<br />

entrevista ao nosso jornal, a especialista explica as particularidades deste grupo de doenças raras de sobrecarga<br />

lisossomal, da prevalência à sintomatologia e diagnóstico, e ainda sobre o primeiro recurso terapêutico conhecido<br />

dirigido à NCL do tipo 2 (NCL2), também conhecida como Doença de Batten infantil tardia e Doença de Jansky–<br />

Bielschowsky, doença subjacente da CLN2… Que já se encontra em fase de ensaio clínico em humanos,<br />

conduzido por investigadores do Hospital Universitário Hamburgo<br />

28 NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE | MARÇO 2017 WWW.SAUDEONLINE.PT


SAÚDE ONLINE | ENTREVISTA<br />

«As NCL são doenças<br />

neurometabólicas<br />

raras, hereditárias,<br />

graves, progressivas e<br />

degenerativas em que<br />

os doentes afectados<br />

podem apresentar epilepsia,<br />

perda de visão,<br />

mioclonias e regressão<br />

progressiva do desenvolvimento<br />

motor e<br />

cognitivo até à demência<br />

e estado vegetativo.<br />

A expectativa de vida é<br />

baixa.»<br />

ção causal nos alelos do gene<br />

CLN2.<br />

<strong>SaúdeOnline</strong> | A comunicação<br />

que fez no 13.º Simpósio<br />

Internacional de Doenças<br />

Metabólicas foi sobre lipofuscinoses<br />

ceróides neuronais<br />

(NCL), um grupo de<br />

doenças ultra raras de sobrecarga<br />

lisossomal. Quais<br />

são as particularidades desta<br />

doença?<br />

Sofia Quintas | As NCL são<br />

doenças neurometabólicas raras,<br />

hereditárias, graves, progressivas<br />

e degenerativas em<br />

que os doentes afectados podem<br />

apresentar epilepsia, perda<br />

de visão, mioclonias e regressão<br />

progressiva do desenvolvimento<br />

motor e cognitivo até à<br />

demência e estado vegetativo.<br />

A expectativa de vida é baixa.<br />

Numa situação normal, as<br />

enzimas do lisossoma de-<br />

gradam macromoléculas em<br />

componentes mais pequenos,<br />

permitindo a sua assimilação<br />

pelo organismo. Quando este<br />

processo falha, a célula torna-<br />

-se incapaz de excretar os resíduos<br />

e estes acumulam-se<br />

nos lisossomas. Este depósito<br />

anormal de lipopigmentos, que<br />

lembra ceróide e lipofuscina,<br />

leva a um funcionamento anormal<br />

dos neurónios e outros tipos<br />

de células, conduzindo às<br />

manifestações físicas da doença<br />

sendo o cérebro o órgão<br />

mais afetado nas NCL.<br />

Existem 6 categorias de NCL,<br />

classificadas consoante a<br />

apresentação clínica mas com<br />

grande variabilidade da idade<br />

do início dos sintomas e progressão<br />

da doença. Crê-se<br />

que, no seu conjunto, as NCL<br />

afetem cerca de 1 indivíduo em<br />

cada 100.000 nascimentos em<br />

todo o mundo.<br />

SO | A NCL deve-se a uma<br />

deficiência na atividade enzimática.<br />

Relativamente à Lipofuscinose<br />

ceróide neuronal<br />

do tipo 2 (CLN2), também<br />

conhecida como Doença de<br />

Batten infantil tardia e Doença<br />

de Jansky–Bielschowsky,<br />

qual é a enzima em causa?<br />

SQ | Nesta doença, a enzima<br />

em défice é a peptidase 1 do<br />

tripeptidyl (TPP-1), e é considerado<br />

“gold standard” o diagnóstico<br />

obtido através da análise<br />

da atividade enzimática (em<br />

gota de sangue seco, leucócitos<br />

ou fibroblastos) juntamente<br />

com os resultados da análise<br />

genética, identificando a muta-<br />

SO | Qual a prevalência desta<br />

doença?<br />

SQ | Ao ser uma doença genética<br />

autossómica recessiva, os<br />

dois progenitores têm que ser<br />

portadores de um alelo afectado<br />

do gene e apenas 1 em<br />

cada 4 filhos tem a probabilidade<br />

de ser afetado. De acordo<br />

com dados publicados, há uma<br />

estimativa de prevalência de<br />

0,15 em cada 100 mil nados<br />

vivos em Portugal.<br />

SO | Os primeiros sintomas<br />

da doença surgem em crianças<br />

pequenas. Em que idade<br />

surge geralmente? O que é<br />

afetado?<br />

SQ | Aos 18 meses de idade<br />

já é possível observar atraso<br />

e/ou regressão na linguagem,<br />

atraso motor e, entre os 3-4<br />

anos de idade, observa-se a<br />

diminuição da acuidade visual,<br />

ataxia e epilepsia. Esta epilepsia<br />

é de difícil tratamento, sendo<br />

a perda de funções mentais<br />

acelerada. No espaço de dois<br />

anos, estas crianças ficam em<br />

estado vegetativo com marcada<br />

atrofia cerebral, ataxia, disartria<br />

e mioclonias, com uma<br />

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MARÇO 2017 | NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE 29


SAÚDE ONLINE | ENTREVISTA<br />

esperança de vida de cerca de<br />

8-12 anos.<br />

SO | A epilepsia refratária e o<br />

atraso na linguagem na primeira<br />

infância são referidos<br />

como primeiras manifestações.<br />

Como podem os médicos<br />

estar alerta para estes sinais<br />

de modo a se conseguir<br />

um diagnóstico precoce?<br />

SQ | Estes dois sintomas são<br />

comuns mas vê-los em conjunto<br />

na primeira infância deve ser<br />

o alerta para qualquer profissional<br />

de saúde. Todos podemos<br />

trabalhar na divulgação destes<br />

sintomas já que, agora com a<br />

possibilidade de terapêutica<br />

específica, ao estimular os colegas<br />

a pedir as análises para<br />

rastrear esta patologia, pode<br />

levar a um diagnóstico precoce,<br />

crucial para a possibilidade<br />

de alterar a progressão desta<br />

doença devastadora.<br />

SO | Neste momento, que<br />

soluções existem para as<br />

crianças afetadas?<br />

SQ | O tratamento paliativo<br />

«A terapia de substituição<br />

enzimática com<br />

Cerliponase alfa é a<br />

primeira terapia disponível<br />

de todas as NCL e<br />

os resultados do ensaio<br />

estão a mostrar que,<br />

com este tratamento,<br />

há uma alteração na<br />

progressão da doença,<br />

já que 65% estão sem<br />

agravamento clínico<br />

e 87% dos doentes<br />

CLN2 estão em melhor<br />

condição ao fim de 48<br />

semanas de tratamento,<br />

quando comparando<br />

com a história natural<br />

da doença»<br />

ajuda a confortar o doente e<br />

família, passando pelo acompanhamento<br />

de uma equipa<br />

multidisciplinar de modo a mitigar<br />

as complicações associadas<br />

através de terapias ocupacionais<br />

e da fala, gestão dos problemas<br />

gastrointestinais, das funções<br />

respiratórias e da dor e ansiedade.<br />

Também se realiza tratamento<br />

farmacológico de epilepsia, mioclonias<br />

e espasticidade.<br />

Vários tratamentos dirigidos à<br />

doença em si estão em fase de<br />

investigação.<br />

SO | Na sua intervenção, abordou<br />

a questão de uma terapêutica<br />

dirigida à doença subjacente<br />

da CLN2 e que já está<br />

em fase de ensaio clínico em<br />

humanos. Que avanço está<br />

em causa?<br />

SQ | Nestes doentes a enzima<br />

TPP-1 tem um funcionamento<br />

deficitário e este tratamento<br />

providencia uma forma recombinante<br />

da enzima de modo a<br />

compensar o funcionamento<br />

anormal da célula. Uma vez<br />

que o cérebro é o principal órgão<br />

afetado e esta enzima não<br />

consegue atravessar a barreira<br />

hematoencefálica, é necessário<br />

ser administrada de modo<br />

Intracerebroventricular (ICV)<br />

a cada 2 semanas. Ou seja, é<br />

a primeira vez que se usa ICV<br />

para infusão e a primeira vez<br />

que se usa ICV em terapia de<br />

substituição enzimática.<br />

SO | A terapia de substituição<br />

enzimática com Cerliponase<br />

alfa é inovadora em que<br />

sentido?<br />

SQ | É a primeira terapia disponível<br />

de todas as NCL e os resultados<br />

do ensaio estão a mostrar<br />

que, com este tratamento, há<br />

uma alteração na progressão da<br />

doença, já que 65% estão sem<br />

agravamento clínico e 87% dos<br />

doentes CLN2 estão em melhor<br />

condição ao fim de 48 semanas<br />

de tratamento, quando comparando<br />

com a história natural<br />

da doença. Com esta possibilidade<br />

de mudar a progressão<br />

da doença, há agora uma esperança<br />

para estes doentes<br />

e famílias.<br />

30 NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE | MARÇO 2017 WWW.SAUDEONLINE.PT


SAÚDE ONLINE | REPORTAGEM<br />

“Raros”… Sem consultas na<br />

Casa dos Marcos<br />

Proposta de<br />

contratualização<br />

de consultas de<br />

especialidade aguarda<br />

há mais de um ano a<br />

aprovação da tutela<br />

TEXTO: MIGUEL MÚRIAS MAURITTI<br />

“Paula Brito e Costa, Presidente da Raríssimas”<br />

O<br />

s Familiares de doentes<br />

com suspeita de doença<br />

rara ou desconhecida<br />

que recorrem às consultas disponibilizadas<br />

na Casa dos Marcos,<br />

único centro do mundo de<br />

recursos integrados – clínicos e<br />

sociais - para doentes com patologias<br />

raras, têm que suportar<br />

os custos das mesmas - incluindo<br />

exames de diagnóstico - que<br />

em média ascendem a cerca de<br />

2500 euros, podendo em algumas<br />

situações atingir entre 7 e 8<br />

mil euros.<br />

Uma situação que resulta do facto<br />

de o Ministério da Saúde não<br />

ter ainda aprovado a proposta de<br />

contratualização de consultas de<br />

especialidade da Unidade Clínica<br />

de Ambulatório com a Associação<br />

Raríssimas, proprietária<br />

daquele centro, apresentada ao<br />

Ministério da Saúde em janeiro<br />

de 2016.<br />

Um silêncio que se mantém, pesem<br />

os alertas da Associação<br />

para a necessidade de resolução<br />

do problema, o último dos quais<br />

em carta dirigida ao Secretário<br />

de Estado da Saúde, Manuel<br />

Delgado, a 5 de janeiro último.<br />

Nos termos da proposta de acordo,<br />

a que o nosso jornal teve<br />

acesso, a raríssimas compromete-se<br />

a realizar, no primeiro ano<br />

de vigência do contrato-programa,<br />

2800 primeiras consultas e<br />

5600 subsequentes.<br />

A estimativa dos responsáveis<br />

da associação, plasmada na<br />

proposta entregue a Manuel<br />

Delgado, baseia-se nos pedidos<br />

que diariamente chegam aos diferentes<br />

centros que a instituição<br />

possui no Continente e nas Regiões<br />

Autónomas. “Todos os dias<br />

nos surgem casos de pessoas à<br />

procura de ajuda”, testemunha<br />

Paula Brito e Costa, presidente<br />

da Raríssimas, que acrescenta:<br />

“muitos não conseguem suportar<br />

os custos das consultas, pelo<br />

que são obrigados a recorrer<br />

aos serviços públicos, onde em<br />

algumas áreas mais carenciadas<br />

se registam dificuldades de<br />

referenciação e listas de espera,<br />

bem como de acesso aos centros<br />

de referência hospitalares<br />

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MARÇO 2017 | NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE 31


SAÚDE ONLINE | REPORTAGEM<br />

“No átrio de entrada, das instalações<br />

da Moita, destaca-se o busto de<br />

Marco, o “menino raro” que inspirou<br />

a fundação da Raríssimas e a criação<br />

da Casa dos Marcos”.<br />

para doenças raras. Obstáculos<br />

colocadas pelas administrações<br />

hospitalares, que têm de acomodar<br />

os custos associados ao<br />

diagnóstico e tratamento das<br />

doenças raras nos já muito espartilhados<br />

orçamentos anuais.<br />

“O que se verifica é que o acesso<br />

dos doentes com doença rara<br />

aos serviços vai sendo adiado”,<br />

afirma a responsável.<br />

Ao Jornal Económico, Paula Brito<br />

e Costa, manifestou incompreensão<br />

com a falta de resposta<br />

do Ministério da Saúde. “A nossa<br />

“A Casa dos Marcos dispõe de um<br />

conjunto de equipamentos que<br />

permitem a realização de múltiplas<br />

atividades. Na imagem, o auditório,<br />

utilizado em sessões formativas e<br />

reuniões científicas organizadas<br />

pela Raríssimas” .<br />

proposta de contratualização<br />

está em perfeita sintonia com<br />

as opções plasmadas na Estratégia<br />

Integrada para as doenças<br />

Raras 2015-2020, aprovada pelo<br />

anterior Governo em fevereiro<br />

de 2015. Nem sequer pedimos<br />

a contratualização de todas as<br />

especialidades, mas apenas as<br />

de genética, neuropediatria, pediatria<br />

do desenvolvimento e psiquiatria,<br />

essenciais à fixação de<br />

um diagnóstico”.<br />

O custo por consulta apresentado<br />

na proposta apresentada<br />

pela raríssimas é o mesmo que<br />

os serviços de saúde do Serviço<br />

Nacional de Saúde (SNS) cobram<br />

por consulta de especialidade:<br />

72.22 Euros por primeira<br />

consulta e 70.22 Euros para consultas<br />

subsequentes.<br />

Relativamente aos custos dos<br />

testes genéticos imprescindíveis<br />

ao diagnóstico deste grupo de<br />

doenças, a Associação propõe,<br />

não a atribuição de uma verba,<br />

mas que os mesmos sejam realizados<br />

no Instituto Nacional de<br />

Saúde Ricardo Jorge (INSA), no<br />

âmbito do contrato programa entre<br />

o Ministério da Saúde e o laboratório<br />

nacional de referência<br />

nesta área. “Somos uma associação.<br />

Não ganhamos dinheiro<br />

com os serviços que prestamos,<br />

pelo que faz todo o sentido que<br />

sendo o INSA uma instituição<br />

do Estado, o Ministério contrate<br />

diretamente com a instituição a<br />

realização dos testes solicitados<br />

pelos nossos médicos”, afirma<br />

Paula Brito e Costa.<br />

A presidente da Raríssimas<br />

manifesta-se ainda surpreendida<br />

com o facto de a falta de reposta<br />

da tutela relativamente às<br />

consultas de especialidade contrastar<br />

com a postura face aos<br />

demais serviços prestados pela<br />

associação. “Não conseguimos<br />

entender como é que num centro<br />

integrado, único no mundo,<br />

todas as valências tenham sido<br />

alvo de contratos-programa com<br />

a Saúde e Segurança Social, à<br />

exceção da Unidade Clínica de<br />

Ambulatório, que é, por assim<br />

dizer, a “porta de entrada” para<br />

as demais valências”. De facto,<br />

aponta, todos os outros serviços<br />

que compõem o centro integrado<br />

estão lotados: o Lar Residencial,<br />

32 NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE | MARÇO 2017 WWW.SAUDEONLINE.PT


SAÚDE ONLINE | REPORTAGEM<br />

“Paula Brito e Costa junto ao painel de<br />

bandeira de países cujos responsáveis de<br />

Saúde visitaram a Casa dos Marcos.<br />

(24 camas); a residência autónoma<br />

(com capacidade para cinco<br />

doentes); a Unidade de Cuidados<br />

Continuados Integrados,<br />

de Curta, média e Longa Duração<br />

e Manutenção (a única<br />

financiada parcialmente pela<br />

Saúde), que dá resposta a 39<br />

pessoas; o Centro de Atividades<br />

Ocupacionais que recebe<br />

diariamente cerca de 30 pessoas,<br />

igualmente assistidas no<br />

centro de desenvolvimento e<br />

reabilitação e cerca de 70 em<br />

regime de ambulatório. “A Raríssimas<br />

pode dar uma resposta<br />

imediata às necessidades<br />

nesta área, acrescentando valor”,<br />

o que só acontece, sublinha<br />

“quando respondo às necessidades<br />

do doente”, o que<br />

não é possível garantir sem<br />

que esteja garantido, também,<br />

o acesso às consultas da Unidade<br />

Clínica de Ambulatório”<br />

sublinha a responsável.<br />

Refeitório da “Casa dos Marcos”, na Moita. O centro de atividades ocupacionais da<br />

instituição recebe diariamente 30 pessoas, igualmente assistidas no Centro de<br />

Desenvolvimento e Reabilitação e cerca de 70, em regime ambulatório”.<br />

WWW.SAUDEONLINE.PT<br />

Ao nível do ambulatório, onde<br />

a raríssimas desenvolve um<br />

trabalho reconhecido internacionalmente<br />

no diagnóstico<br />

do desconhecido, a Casa dos<br />

Marcos conta com 22 especialidades.<br />

O facto de esta capacidade<br />

estar concentrada numa<br />

única instituição é explicada,<br />

pela presidente da Raríssimas,<br />

com o facto de ser “caro diagnosticar<br />

bem”. Um valor que<br />

é, ainda assim, mais baixo do<br />

que o gasto com outras opções,<br />

assegura. Isto porque, diz, “se<br />

tivermos em conta os falsos<br />

diagnósticos e a multiplicidade<br />

de testes inconclusivos que os<br />

doentes, na maioria dos casos<br />

realizam antes de chegarem<br />

até nós…. Permitimos uma<br />

poupança muito significativa”.<br />

Para além da Casa dos Marcos,<br />

a Raríssimas dispõe de<br />

centros de intervenção multidisciplinar,<br />

os Centros RarÍS-<br />

SIMOS, na Madeira, Açores (S.<br />

Roque do Pico), Maia, Tavira e<br />

Viseu, que prestam serviços de<br />

reabilitação intensiva, de acordo<br />

com os planos individualizados<br />

fixados pelos especialistas<br />

da Casa dos Marcos, coração<br />

de toda a organização. “Este é<br />

o centro de desenvolvimento,<br />

porque é aqui que dispomos<br />

da equipa multidisciplinar que<br />

aborda a criança numa perspetiva<br />

neurológica, condição<br />

genética e também da sua condição<br />

social, que permite a fixação<br />

de um plano personalizado<br />

que pode ser implementado<br />

nos demais centros que dispomos<br />

a nível nacional”, conclui a<br />

presidente da Associação.<br />

MARÇO 2017 | NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE 33


Asmáticos podem avaliar controlo<br />

da doença através de teste online<br />

SAÚDE ONLINE | NACIONAL<br />

AGSK lança o Teste de<br />

Controlo da Asma (ACT),<br />

um teste online, em português,<br />

dirigido a doentes asmáticos<br />

com idade igual ou superior a<br />

quatro anos.<br />

O ACT é constituído por cinco perguntas<br />

que incidem no impacto da<br />

asma nas situações do dia-a-dia,<br />

na eventual necessidade de medicação<br />

de alívio, assim como a<br />

frequência dos sintomas.<br />

De acordo com a Direção-Geral<br />

de Saúde (DGS), em Portugal<br />

existe um milhão de asmáticos e<br />

cerca de metade não tem a doença<br />

controlada.<br />

O ACT é lançado no âmbito do<br />

projeto Vencer a Asma, que arrancará<br />

em breve, uma campanha da<br />

GSK, com o apoio de sociedades<br />

médicas e associações profissionais<br />

e de doentes com intervenção<br />

e destaque na sensibilização<br />

sobre doenças respiratórias, que<br />

alerta para os problemas com o<br />

objetivo de ajudar o doente a ter<br />

um dia a dia sem limitações.<br />

COSYREL® disponível<br />

desde 1 de abril<br />

AServier, anunciou há dias<br />

que se encontra disponível<br />

no mercado, desde o passado<br />

dia 1 de abril, uma nova solução<br />

terapêutica, o COSYREL ® ,<br />

indicado no tratamento da hipertensão<br />

arterial, da doença coronária<br />

e da insuficiência cardíaca.<br />

O COSYREL ® é a primeira associação<br />

fixa que reúne no mesmo<br />

comprimido um β-bloqueante, o<br />

bisoprolol e um inibidor do enzima<br />

de conversão da angiotensina, o<br />

perindopril, dois medicamentos<br />

com evidência demonstrada no<br />

controlo da pressão arterial e na<br />

melhoria do prognóstico cardiovascular<br />

de doentes hipertensos<br />

e coronários.<br />

De forma a permitir uma melhor<br />

adaptação à clínica, o<br />

COSYREL ® está disponível em<br />

quatro dosagens que associam<br />

5 ou 10 mg de bisoprolol a 5 ou<br />

10 mg de perindopril; o primeiro<br />

número corresponde à dose de<br />

bisoprolol e o segundo à de perindopril:<br />

– COSYREL ® 5mg/5mg; Embalagens<br />

de 10 e 30 comprimidos<br />

– COSYREL ® 5mg/10mg; Embalagem<br />

de 30 comprimidos<br />

– COSYREL ® 10mg/5mg;<br />

– COSYREL ®<br />

10mg/10mg;Embalagem de 30<br />

comprimidos<br />

As quatro dosagens de<br />

COSYREL ® encontram-se<br />

todas comparticipadas pelo<br />

Escalão de Comparticipação<br />

B: Regime geral:69%; Regime<br />

especial: 84%.<br />

Projeto de psico-oncologia<br />

para apoiar doentes com<br />

linfoma no Porto<br />

A<br />

Associação de Apoio aos<br />

Doentes com Leucemia e<br />

Linfoma (ADLL) vai avançar<br />

com um projeto de psico-oncologia<br />

destinado, numa primeira<br />

fase, aos pacientes com linfoma.<br />

O projeto passa pela realização de<br />

reuniões onde haverá “explicação<br />

aos presentes das diferentes fases<br />

da doença, como evolui e o que<br />

devem esperar, por outros doentes<br />

que lidam com o linfoma há mais<br />

anos, decorrendo sob a supervisão<br />

de uma psicóloga”, explicou a<br />

responsável Fátima Ferreira, presidente<br />

da Associação.<br />

“Numa primeira fase, as reuniões<br />

irão decorrer de duas em duas semanas,<br />

num total de seis encontros,<br />

abrangendo entre oito e dez<br />

pessoas, que não têm, obrigatoriamente<br />

de ser doentes, podendo<br />

juntar-se familiares ou cuidadores<br />

diretos”, contou.<br />

Nas reuniões estarão presentes<br />

uma psicóloga e doentes que já viveram<br />

diferentes fases da doença<br />

que explicarão “aos participantes<br />

de que forma a doença evolui”,<br />

num trabalho que pretende ser de<br />

“preparação e de troca de experiências”.<br />

Os encontros decorrerão nas<br />

instalações da associação, em<br />

Pedrouços, na Maia, e, numa<br />

segunda fase, a ADLL pretende<br />

também abranger “os doentes de<br />

Mieloma”, num universo difícil de<br />

calcular “porque há sempre doentes<br />

novos”.<br />

“São doenças que, muitas vezes,<br />

precisam de ser tratadas ao longo<br />

dos anos porque tornam-se<br />

doenças crónicas e esse acompanhamento<br />

tem de acontecer”,<br />

explicou.<br />

WWW.SAUDEONLINE.PT MARÇO 2017 | NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE 35


SAÚDE ONLINE | ENTREVISTA<br />

ENTREVISTA A DUARTE VILAR, DIRETOR EXECUTIVO DA<br />

ASSOCIAÇÃO PARA O PLANEAMENTO DA FAMÍLIA<br />

Meio século a promover a saúde e<br />

dos direitos sexuais e reprodutivos<br />

Fundada em 1967, a Associação para o Planeamento da Família (APF), organização não governamental pioneira<br />

em Portugal no planeamento familiar, nos anos 60 e 70, e da educação sexual nas escolas, nas décadas de 80<br />

e 90, mantém ainda hoje intensa atividade nestas áreas e em muitas outras, como a do combate à infeção pelo<br />

VIH/SIDA, a erradicação da mutilação genital feminina ou o apoio às vítimas de tráfico de seres humanos. Em<br />

entrevista ao <strong>SaúdeOnline</strong>, Duarte Vilar, Diretor Executivo da Associação guia-nos numa viagem pela história da<br />

APF e aponta os novos desafios em que a Associação está empenhada.<br />

Uma intervenção focada<br />

na promoção da saúde<br />

e dos direitos sexuais e<br />

reprodutivos, que se concretiza<br />

através da educação para a saúde,<br />

apoiando os destinatários das<br />

suas ações a fazerem escolhas<br />

informadas.<br />

Em março último, foi apresentada<br />

mais uma iniciativa, em que a<br />

APF surge como parceira de um<br />

vasto conjunto de instituições: a<br />

Plataforma Europeia de Conhecimento<br />

– Unidos para Acabar<br />

com a Mutilação Genital Feminina<br />

(MGF), numa cerimónia presidida<br />

pela Secretária de Estado da<br />

Igualdade Catarina Marcelino.<br />

Refira-se que também na MGF, a<br />

APF foi pioneira em Portugal na<br />

abordagem do problema, promovendo<br />

o conhecimento sobre o<br />

tema desde o final dos anos 90,<br />

fomentando advocacy com parlamentares<br />

e decisores políticos,<br />

produzindo materiais educativos<br />

e de formação sobre este problema,<br />

até então quase desconhecido<br />

da maioria dos portugueses e<br />

encarado pelos profissionais de<br />

saúde e pelas autoridades em geral,<br />

como uma singularidade, exótica<br />

e brutal, que afetava meninas,<br />

raparigas e mulheres em países<br />

longínquos, sobretudo de África.<br />

Na luta contra a MGF a APF assumiu<br />

também um papel decisivo<br />

no Grupo de Trabalho Intersectorial<br />

e esteve envolvida em vários<br />

projetos com organizações comu-<br />

WWW.SAUDEONLINE.PT MARÇO 2017 | NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE 37


editorial<br />

SAÚDE ONLINE | ENTREVISTA<br />

nitárias, nomeadamente junto da<br />

comunidade guineense residente<br />

em Portugal, a mais afetada pelo<br />

problema. “A MGF passou a ser<br />

encarada como um problema de<br />

crescente importância, em termos<br />

de direitos e da saúde sexual e reprodutiva<br />

no nosso país, afetando<br />

milhares de mulheres e meninas,<br />

residentes sobretudo na<br />

área da Grande Lisboa”, aponta<br />

Duarte Vilar, Diretor Executivo<br />

da Associação.<br />

“A Plataforma Europeia de Conhecimento<br />

– Unidos para Acabar<br />

com a Mutilação Genital Feminina<br />

(MGF) dá continuidade a um projeto<br />

anterior comum a vários países<br />

europeus, que disponibilizava<br />

um curso e-learnig sobre MGF,<br />

disponível em quatro idiomas.<br />

A APF foi uma das associações<br />

parceiras desse projeto pioneiro”,<br />

explica aquele responsável.<br />

De acordo com os dados mais<br />

recentes disponíveis, em 2013 viviam<br />

em Portugal 9614 mulheres<br />

originárias de 28 países onde<br />

a MGF é praticada. No distrito<br />

de Lisboa, estas comunidades<br />

encontram-se sobretudo nos<br />

municípios de Sintra, Loures,<br />

Cascais, Lisboa, Amadora e<br />

Odivelas e, no distrito de Setúbal,<br />

nos municípios da Moita,<br />

Seixal, Barreiro e Almada.<br />

A comunidade mais significativa<br />

é a da Guiné Bissau (8063 mulheres),<br />

seguida pelo Senegal<br />

(470 mulheres), Guiné Conacri e<br />

Nigéria (419 e 156 mulheres, respetivamente).<br />

De acordo com o relatório do estudo<br />

“Mutilação Genital Feminina:<br />

prevalências, dinâmicas socioculturais<br />

e recomendações para<br />

a sua eliminação”, coordenado<br />

pelo Professor Manuel Lisboa, do<br />

Centro Interdisciplinar de Ciências<br />

Sociais da Faculdade de Ciência<br />

Sociais e Humanas da Universidade<br />

Nova de Lisboa, publicado<br />

em março de 2015, considerando<br />

o número de mulheres maiores de<br />

15 anos residentes em Portugal,<br />

oriundas de países onde a MGF<br />

é praticada, e tendo como referência<br />

as taxas de prevalência da<br />

MGF nos seus países de origem,<br />

estima-se que vivam em Portugal<br />

6576 mulheres que foram submetidas<br />

a esta prática (5246 mulheres<br />

entre os 15 e 49 anos e 1330<br />

mulheres com mais de 50 anos).<br />

O estudo estima ainda em 1830,<br />

o número de crianças menores de<br />

15 anos que foram submetidas a<br />

esta prática ou em risco de o virem<br />

a ser.<br />

Outra fonte relevante sobre a realidade<br />

portuguesa relativamente<br />

à MGF resultou de uma parceria<br />

entre a Divisão de Saúde Sexual,<br />

Reprodutiva, Infantil e Juvenil<br />

(DSSRI J) da Direção Geral de<br />

Saúde (DGS) e os Serviços Partilhados<br />

do Ministério da Saúde<br />

(SPMS), em 2013, que permitiu<br />

introduzir na Plataforma de Dados<br />

da Saúde um separador específico<br />

para o registo de situações<br />

de MGF nos centros de saúde<br />

e hospitais do Serviço Nacional<br />

de Saúde (SNS). Até Junho de<br />

2016, foram registados 130 casos<br />

de MGF.<br />

Um relatório elaborado pela DGS<br />

que incluiu todos os casos de mutilação<br />

genital feminina registados<br />

entre abril de 2014 e dezembro<br />

de 2015, identificou um total de<br />

99 mulheres, a maioria das quais<br />

(60) originárias da Guiné Bissau,<br />

seguindo-se em número de casos<br />

a Guiné Conacri (20).<br />

De salientar que de acordo com<br />

os elementos recolhidos pelas<br />

diferentes fontes, todos os casos<br />

de MGF detetados em Portugal<br />

foram “importados”. Os intervalos<br />

de idades mais prevalentes<br />

aquando da MGF foram os 4-9<br />

anos, seguindo-se os 1-3 anos<br />

de idade.<br />

“Esta constatação levou a que<br />

o problema, que não estava na<br />

“agenda” política e da Saúde,<br />

assumisse relevância crescente”,<br />

aponta Duarte Vilar. “E foi posta<br />

na “agenda” pela APF, que foi a<br />

primeira ONG a abordar o tema<br />

da MGF em Portugal”, sublinha.<br />

O retrato planetário da MGF é<br />

avassalador, particularmente em<br />

África, onde atinge prevalências<br />

dificilmente imagináveis, com<br />

a Somália e a Guiné Conacri a<br />

liderarem o ranking desta prática<br />

brutal. De acordo com dados<br />

da UNICEF, 98% das mulheres<br />

destes dois países subsaarianos<br />

foram sujeitas a excisão…. No<br />

Egipto, a percentagem é também<br />

muito elevada (91%). Fora de África,<br />

há também registo da prática<br />

na Indonésia, Iraque e no Curdistão.<br />

A OMS estima que em todo<br />

o mundo mais de 200 milhões de<br />

meninas e mulheres tenham sido<br />

vítimas de MGF.<br />

FALÁCIA RELIGIOSA<br />

Pese associar-se a prática da<br />

MGF ao islamismo, os especialistas<br />

alertam para a existência<br />

de elementos que contrariam<br />

essa perceção, reconhecendo<br />

todavia a forte prevalência de<br />

MGF em comunidades muçulmanas<br />

e mesmo o apoio à prática<br />

de autoridades religiosas<br />

de alguns países. É o caso da<br />

Malásia, onde em Abril de 2009,<br />

o Concelho para os assuntos<br />

religiosos emitiu uma Fatwa<br />

(Decisão jurídica baseada na<br />

lei islâmica) onde afirma que a<br />

MGF integra os ensinamentos<br />

do Islão, pelo que deve ser observada<br />

pelos muçulmanos, ainda<br />

que advogue o abandono dos<br />

métodos violentos utilizados em<br />

algumas regiões.<br />

Já na Mauritânia, país onde se<br />

estima que 70% das mulheres<br />

sejam excisadas, um grupo de<br />

professores islâmicos emitiu<br />

uma Fatwa banindo o procedimento<br />

em janeiro de 2010.<br />

Dois anos antes, no Egipto, o<br />

Grande Mufti, a mais alta autoridade<br />

religiosa do país, assinou<br />

uma resolução condenando a<br />

prática.<br />

“A MGF é uma prática milenar,<br />

que precedeu o judaísmo, o<br />

cristianismo e o islamismo. Já<br />

se praticava no Egipto no tempo<br />

dos faraós. Embora surja associada<br />

ao Corão, não há nada no<br />

Livro Sagrado do Islamismo que<br />

a preconize. De acordo com os<br />

historiadores, as filhas do Profeta<br />

não foram sujeitas a essa<br />

prática, o que constitui uma referência<br />

muito importante para os<br />

muçulmanos”, acrescenta Duarte<br />

Vilar.<br />

Para este responsável, a irradicação<br />

da MGF passa, antes de<br />

mais, “por um intenso trabalho<br />

com as comunidades afetadas,<br />

que é o que a APF está a fazer;<br />

pela sensibilização e informação<br />

das pessoas para o problema”.<br />

Uma tarefa difícil, reconhece,<br />

A MGF é praticada com recursos a métodos arcaicos, por curandeiros<br />

e anciões. As complicações que resultam desta prática conduzem,<br />

frequentemente, a infeções graves e á morte das meninas sujeitas<br />

à brutalidade.<br />

38 NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE | MARÇO 2017 WWW.SAUDEONLINE.PT


SAÚDE ONLINE | ENTREVISTA<br />

porque a MGF é elemento “integrante<br />

de tradições fortemente<br />

enraizadas nas comunidades<br />

que a praticam e que são assumidas<br />

por muitos como veículo<br />

de integração na comunidade e<br />

até como uma prática benéfica.<br />

Uma mulher não excisada não<br />

é aceite em algumas comunidades.<br />

Não consegue constituir<br />

família, já que a excisão é, para<br />

muitos, condição necessária<br />

para o casamento. Neste contexto,<br />

são as próprias famílias<br />

que pressionam para a prática<br />

da MGF, como fator de integração<br />

social” explica.<br />

Pese a importância de que se<br />

reveste em alguns contextos<br />

culturais, “começam a emergir,<br />

quer no seio das comunidades<br />

migrantes, quer nos próprios<br />

países onde a MGF é “endémica”,<br />

movimentos contra a mesma.<br />

“São cada vez menos os<br />

que a apoiam publicamente”,<br />

afirma Duarte Vilar. “Entre os<br />

apoiantes são sobretudo as gerações<br />

mais velhas, que ainda<br />

dão suporte à prática. Os jovens,<br />

mais informados, tendem<br />

a abandoná-la”, acrescenta.<br />

No terreno, a APF desenvolve<br />

as suas ações recorrendo a elementos<br />

da própria comunidade.<br />

Atualmente estão em curso dois<br />

projetos, de formação de agentes<br />

comunitários originários das<br />

comunidades mais afetadas –<br />

sobretudo a guineense.<br />

“Outra estratégia adotada pelas<br />

diversas entidades envolvidas<br />

no combate à MGF é a da criação<br />

de redes envolvendo múltiplos<br />

atores sociais, para a<br />

prevenção de casos”, explica<br />

o Diretor Executivo da Associação.<br />

Quando, por exemplo, um dos<br />

elementos da rede identifica<br />

uma menina que corre o risco<br />

de ser mutilada no decurso de<br />

uma viagem ao país natal durante<br />

as férias, é dado o alerta<br />

e age-se no sentido de impedir<br />

que tal aconteça. Outro exemplo<br />

é o da sinalização de casos de<br />

risco por profissionais de saúde.<br />

“Temos o caso de profissionais<br />

de um centro de saúde da periferia<br />

de Lisboa que identificaram<br />

uma situação, que comunicaram<br />

de imediato à Comissão Nacional<br />

de Proteção das Crianças e<br />

Jovens em Risco (CNPCJ) da<br />

região, que agiu prontamente”. .<br />

No entanto, como refere Duarte<br />

Vilar estes casos não têm sido<br />

frequentes.<br />

SANSÃO PENAL NÃO BASTA<br />

PARA POR COBRO À PRÁTICA<br />

Não faltam dispositivos legais<br />

que protegem as mulheres<br />

contra a MGF. Desde logo os<br />

tratados internacionais em que<br />

Portugal é parte e que a condenam,<br />

explícita ou implicitamente,<br />

como Declaração Universal dos<br />

Direitos Humanos (1948) ou a<br />

Convenção para a Prevenção e<br />

o Combate à Violência contra as<br />

Mulheres e a Violência Doméstica<br />

(2013).<br />

Também no direito interno não<br />

faltam instrumentos que penalizam<br />

a MGF. De facto, embora<br />

até 15 de Setembro de 2015, o<br />

Código de Direito Penal previsse<br />

no Artigo 144º, o crime de ofensas<br />

corporais graves, o termo<br />

Mutilação Genital Feminina não<br />

estava mencionado expressamente<br />

na norma. Uma lacuna<br />

integrada pelo facto de os trabalhos<br />

preparatórios da mesma<br />

mencionarem que a MGF pode<br />

ser considerada como uma forma<br />

de “privar ou afetar a capacidade<br />

de fruição sexual de<br />

alguém”.<br />

A legislação penal portuguesa<br />

institui também o princípio da<br />

extraterritorialidade, que implica<br />

que a MGF possa ser punida,<br />

mesmo que cometida fora<br />

do país.<br />

Devido à ratificação da Conferência<br />

de Istambul por Portugal,<br />

em Agosto de 2015, a MGF tornou-se<br />

um crime autónomo no<br />

Código Penal Português, através<br />

da Lei <strong>nº</strong> 83/2015. Através<br />

desta Lei, designadamente da<br />

nova redação do Artigo 144º-A,<br />

as práticas de MGF passaram<br />

a ser crime punível por lei com<br />

pena de prisão de 2 a 10 anos.<br />

São também considerados crime<br />

todos os atos preparatórios<br />

de MGF, puníveis com pena de<br />

prisão até 3 anos, nomeadamente<br />

levar as mulheres ou crianças<br />

a viajar para fora do país com o<br />

objetivo de serem submetidas a<br />

MGF ou colaborar na organização<br />

das viagens, ou ajudar, incentivar<br />

ou adquirir apoio para<br />

praticar MGF dentro ou fora do<br />

país, nomeadamente promover<br />

recolhas de fundos para pagar<br />

a MGF.<br />

“É claro que não basta termos<br />

leis que protejam as meninas e<br />

mulheres desta forma tão brutal<br />

de violência. Frequentemente as<br />

tradições sobrepõem-se à Lei.<br />

Há que mudar mentalidades e<br />

é isso que a APF procura fazer<br />

junto das comunidades onde<br />

a MGF é parte integrante da<br />

identificação cultural”, preconiza<br />

Duarte Vilar. “Uma mudança que<br />

já está a verificar-se, diz: “Nas<br />

próprias comunidades a norma<br />

começa a ser a não-aceitação<br />

da MGF. É uma mudança que<br />

leva o seu tempo, como sempre<br />

acontece quando estão em causa<br />

costumes muito enraizados<br />

culturalmente”. E também porque<br />

não basta mudar mentalidades<br />

e práticas nas comunidades<br />

migrantes. É necessário atuar<br />

nos países de origem, na raiz do<br />

problema”, defende. E a verdade<br />

é que muito embora a MGF seja<br />

tipificada como crime em todos<br />

eles, continua a ser praticada…<br />

Nada que a APF não esteja<br />

acostumada. “Veja-se o caso do<br />

planeamento familiar. Quando<br />

a APF começou a trabalhar o<br />

tema, na década de sessenta do<br />

século passado, era olhada com<br />

desconfiança por alguns setores<br />

da sociedade de então, alguns<br />

deles manifestamente contra.<br />

“Algumas semanas depois de<br />

a associação ter aparecido publicamente<br />

pela primeira vez, o<br />

Patriarcado de Lisboa advertiu<br />

publicamente a Associação para<br />

não promover o uso da pílula<br />

WWW.SAUDEONLINE.PT MARÇO 2017 | NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE 39


editorial<br />

SAÚDE ONLINE | ENTREVISTA<br />

contracetiva. Uma advertência<br />

acompanhada de intimidação:<br />

as contas bancárias da APF foram<br />

temporariamente bloqueadas<br />

pelo Governo”, recorda<br />

Duarte Vilar. Ora, acrescenta o<br />

responsável, “a verdade é que<br />

a pílula já era comercializada<br />

em Portugal desde 1961… E<br />

foi sempre um êxito comercial,<br />

ainda que inicialmente fosse indicada<br />

para a regulação do ciclo<br />

menstrual e não como meio contracetivo”.<br />

Com a revolução de 74, o planeamento<br />

familiar passou a integrar a<br />

política de saúde.<br />

Vencida a “guerra da contraceção,<br />

muitas outras batalhas foram<br />

sendo travadas ao longo dos<br />

anos, com a APF a cerrar fileiras,<br />

na linha da frente. “A educação<br />

sexual nas escolas, por exemplo,<br />

é uma batalha que ainda decorre.<br />

Embora garantida na lei, a sua<br />

implementação nas escolas não<br />

está generalizada, salienta”….<br />

A despenalização do aborto foi<br />

outra das frentes onde a APF esteve<br />

empenhada. Com resultados<br />

impressionantes:<br />

“10 anos após a despenalização,<br />

a redução do <strong>nº</strong> de abortos tem<br />

sido regular mas, o essencial,<br />

foram os ganhos em saúde que<br />

se obtiveram, com a erradicação<br />

da mortalidade materna devido<br />

a complicações dos abortos<br />

clandestinos e inseguros, e uma<br />

enorme redução de outras complicações<br />

associadas a esta prática”,<br />

salienta o dirigente da APF.<br />

Mesmo os receios que surgiram<br />

relativamente à banalização do<br />

recurso à “pílula do dia seguinte”<br />

foram desmentidos pela realidade:<br />

“Não houve banalização do<br />

recurso a este método. Depois<br />

de um primeiro período – após a<br />

introdução no mercado do medicamento<br />

– de aumento das vendas<br />

o número de embalagens<br />

vendidas tem vindo a diminuir.<br />

É utilizada, mas não veio substituir<br />

os métodos contracetivos<br />

habituais”, salienta Duarte Vilar.<br />

“Dados de 2015, de um estudo<br />

realizado pela Sociedade Portuguesa<br />

de Ginecologia, com<br />

uma amostra muito significativa,<br />

mostram que 95% das mulheres<br />

que precisam de recorrer a<br />

contraceção, o fazem. Um estudo<br />

realizado alguns anos antes<br />

(2007/2008) apontava para<br />

87%. Ou seja, verificou-se um<br />

aumento estatisticamente significativo<br />

do recurso aos métodos<br />

contracetivos “padrão”.<br />

Quando uma mulher passa por<br />

uma situação de risco de gravidez<br />

indesejada, porque não<br />

utilizou contraceção, ou esta<br />

falhou, recorre à contraceção<br />

de emergência ou à interrupção<br />

voluntária da gravidez caso tenha<br />

engravidado”. Nestas situações,<br />

é abordado com a mulher<br />

o risco associado, o que, acreditamos,<br />

potencia uma alteração<br />

do padrão de comportamento”,<br />

salienta. Os dados disponíveis<br />

suportam esta perceção. Como<br />

também informam que o recurso<br />

à contraceção de emergência ou<br />

à interrupção voluntária da gravidez<br />

resulta de uma utilização<br />

inconsistente – irregular - dos<br />

métodos contracetivos por parte<br />

do casal e em casos mais raros,<br />

da não utilização de quaisquer<br />

métodos.<br />

MEIO SÉCULO NA VANGUAR-<br />

DA DA SAÚDE SEXUAL E<br />

REPRODUTIVA<br />

No ano em que comemora<br />

meio século de existência, a<br />

APF já definiu novos alvos de<br />

intervenção: “paradoxalmente,<br />

não existe em Portugal um Plano<br />

Nacional de Saúde Sexual<br />

e Reprodutiva. Uma lacuna<br />

que tem como explicação provável,<br />

explica Duarte Vilar, “o<br />

facto de pensarmos que está<br />

tudo resolvido, o que não é<br />

verdade. Sendo incontestável<br />

que se registaram grandes progressos,<br />

a verdade é que ainda<br />

há muito por fazer. Esta é uma<br />

das áreas em que é necessário<br />

atuar, pelo que o iremos fazer”,<br />

afirma o responsável. Mas há<br />

mais, acrescenta: “É necessário<br />

aprofundar o ensino da saúde<br />

sexual nas escolas; como<br />

também é necessário intervir<br />

mais na pós-adolescência, na<br />

faixa etária dos 19 aos 24/29<br />

O retrato planetário da MGF é avassalador, particularmente em<br />

África, onde atinge prevalências dificilmente imagináveis, com<br />

a Somália e a Guiné Conacri a liderarem o ranking desta prática<br />

brutal. De acordo com dados da UNICEF, 98% das mulheres destes<br />

dois países subsaarianos foram sujeitas a excisão…. No Egipto, a<br />

percentagem é também muito elevada (91%). Fora de África, há<br />

também registo da prática na Indonésia, Iraque e no Curdistão.<br />

anos que é a que regista, por<br />

exemplo, maior número de interrupções<br />

voluntárias da gravidez.<br />

É uma faixa em que o<br />

número de indivíduos sexualmente<br />

ativos é mais elevado.<br />

Os últimos dados de que dispomos<br />

relativamente aos jovens<br />

até aos 18 anos de idade,<br />

mostram que menos de metade<br />

são sexualmente ativos. Já<br />

na faixa etária seguinte, esse<br />

valor é muito mais elevado.<br />

E é também a faixa etária em<br />

que encontramos maior incidência<br />

de infeções, disfunções<br />

e violência sexual”. O que nos<br />

suscita a necessidade de uma<br />

maior intervenção.<br />

As mulheres migrantes integram<br />

outro dos grupos em que<br />

a APF pretende intervir, em<br />

termos de informação. “É um<br />

grupo que nos continua a preocupar<br />

porque apresenta algum<br />

deficit de cultura contracetiva,<br />

o que as torna mais vulneráveis<br />

perante situações de risco”,<br />

explica Duarte Vilar.<br />

Mesmo 50 anos depois, continua<br />

a ser necessário melhorar a educação<br />

e a escolha contracetivas<br />

para que, efetivamente, mulheres<br />

e homens possam escolher<br />

os métodos contracetivos que<br />

mais se adequam às suas características.<br />

Os homens são outro dos grupos<br />

que têm sido menos tocados<br />

nestes anos de mudança.<br />

Há uma enorme lacuna em termos<br />

de informação dirigida a<br />

este grupo. Que se traduz num<br />

também enorme desconhecimento<br />

sobre métodos contracetivos<br />

disponíveis. Um exemplo<br />

é o da vasectomia, um procedimento<br />

que embora seja eficaz, é<br />

muito pouco utilizado em Portugal<br />

comparativamente com outros<br />

países”, exemplifica. Um deficit<br />

que, diz, “resulta principalmente de<br />

lacunas dos programas de saúde,<br />

que desde o início se centraram na<br />

mulher e na criança, descurando<br />

completamente os jovens adultos”.<br />

Texto integral disponível na edição<br />

online.<br />

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