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Ed. Novembro

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JORNAL<br />

SAÚDE NLINE<br />

WWW.SAUDEONLINE.PT<br />

NOVEMBRO 2018 | N.º 16 | ANO 3 | MENSAL | PREÇO: 3€<br />

Diretor: Miguel Múrias Mauritti<br />

ENTREVISTA PÁG. 16<br />

SILVIA GUICHARDO,<br />

Diretora-geral da GSK Portugal<br />

Com a<br />

aproximação do fim<br />

do prazo para a saída do<br />

Reino Unido da União Europeia,<br />

as multinacionais com sede<br />

no país preparam planos de<br />

contingência para atenuar<br />

potenciais falhas nos circuitos<br />

de distribuição<br />

de produtos.<br />

USF GENESIS<br />

PÁG. 24<br />

UMA INICIATIVA<br />

ENTREVISTA<br />

“Imunoterapia já é utilizada em mais de metade<br />

dos casos de melanoma avançado”.<br />

Na sequência do VI Simpósio do Melanoma, o Saúde<br />

Online esteve à conversa com a presidente do Intergrupo<br />

Português do Melanoma.<br />

PÁG. 28<br />

OPINIÃO<br />

PÁG. 4<br />

MARIA JOSÉ PASSOS<br />

JOÃO ARAÚJO CORREIA<br />

Presidente da Sociedade<br />

de Medicina Interna<br />

“Comunicar com o<br />

doente: um passo<br />

para deixar de fumar”<br />

Equipa já conseguiu abranger toda a população<br />

É o fim do mais<br />

temido dos<br />

exames. Alunos<br />

respondem ao<br />

Harrison pela<br />

última vez.<br />

Ao fim de 40 anos,<br />

o exame de acesso<br />

à especialidade<br />

vai mudar. Nova<br />

prova entra em<br />

vigor em 2019 e,<br />

ao contrário do<br />

Harrison, privilegia o<br />

raciocínio clínico.<br />

PÁG. 5<br />

Número de<br />

reações adversas a<br />

medicamentos não<br />

para de aumentar.<br />

Há 30 casos<br />

por dia.<br />

Números de situações<br />

reportadas à Autoridade<br />

Nacional do Medicamentos<br />

(Infarmed) quase duplicou<br />

nos primeiros seis<br />

meses do ano. Infarmed<br />

apela ao reporte com<br />

campanha dirigida, este<br />

ano, a grávidas, bebés<br />

e crianças.<br />

PÁG. 30


SUMÁRIO<br />

ENTREVISTA: SILVIA GUICHARDO, DIRETORA-GERAL DA GSK PORTUGAL<br />

GlaxoSmithKline apela a diálogo<br />

para garantir sustentabilidade do SNS<br />

Com a aproximação do fim do prazo para a saída do Reino Unido<br />

da União Europeia, as multinacionais com sede no país preparam<br />

planos de contingência para atenuar potenciais falhas nos circuitos<br />

de distribuição de produtos.<br />

pág. 16<br />

04 Opinião<br />

João Correia<br />

Comunicar com o doente:<br />

um passo para deixar de fumar<br />

05 É o fim do mais temido dos<br />

exames. Alunos respondem ao<br />

Harrison pela última vez<br />

Ao fim de 40 anos, o exame de acesso à<br />

especialidade vai mudar. Nova prova entra<br />

em vigor em 2019 e, ao contrário do Harrison,<br />

privilegia o raciocínio clínico. Este ano, centenas<br />

de candidatos vão ficar novamente fora das vagas.<br />

06 Opinião<br />

Luísa Lagarto<br />

Black Friday não traz “desconto” nos sintomas<br />

de Oniomania.<br />

10 Entrevista<br />

Prof. Rui Loureiro, Membro do Board do<br />

European Health Futures Forum (EHFF)<br />

“Setor farmacêutico português é um exemplo<br />

de resiliência”.<br />

13 Depressão resistente<br />

poderá vir a ser diagnosticada<br />

através de um simples<br />

teste sanguíneo<br />

Dados da investigação, agora revelados, sugerem<br />

esta forma de depressão pode estar associada<br />

à deficiência de uma molécula, a acetilcarnitina<br />

(ALC), e que medir os níveis sanguíneos dessa<br />

molécula pode ser uma maneira eficaz de<br />

diagnosticar o distúrbio.<br />

14 Profissão<br />

Manuel Tavares de Matos<br />

Dores nas costas podem ser sintomas de<br />

espondilartrose.<br />

20 Entrevista<br />

António Pais Martins, Chefe de Serviço de<br />

Anestesiologia do Hospital São Francisco Xavier<br />

Na semana em que assinalou o Dia Mundial da<br />

Anestesia, o Saúde Online esteve à conversa<br />

com o Chefe de Serviço de Anestesiologia<br />

do Hospital São Francisco Xavier. António<br />

Pais Martins destaca a segurança dos<br />

procedimentos anestésicos nos dias de hoje e<br />

garante que a incidência de efeitos secundários<br />

no pós-operatório tem vindo a diminuir.<br />

24 Especial | Rota da Saúde<br />

USF Genesis<br />

28 Entrevista<br />

Maria José Passos, presidente do Intergrupo<br />

Português do Melanoma<br />

Na sequência do VI Simpósio do Melanoma,<br />

que decorreu no final de outubro, o Saúde<br />

Online esteve à conversa com a presidente<br />

do Intergrupo Português do Melanoma.<br />

Maria José Passos destaca a importância do<br />

diagnóstico precoce e o aparecimento de novas<br />

terapêuticas mas alerta para o aumento da<br />

incidência da doença em Portugal.<br />

30 Número de reações adversas<br />

a medicamentos não para de<br />

aumentar. Há 30 casos por dia<br />

32 Entrevista<br />

Paulo André Fernandes, infeciologista e exdiretor<br />

do programa Programa de Prevenção<br />

e Controlo de Infeções e de Resistência aos<br />

Antimicrobianos da DGS. Resistência aos<br />

antibióticos agrava-se “É a própria medicina<br />

moderna que está em causa”.<br />

34 Opinião<br />

Vasco Barreto<br />

Vacinação reduz o número de casos e de<br />

mortes por pneumonia.<br />

FICHA TÉCNICA | Publicação online de informação geral e médica<br />

SAÚDE NLINE<br />

Endereço internet<br />

www.saudeonline.pt<br />

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Luís Araújo | laraujo@saudeonline.pt<br />

Digital & Marketing Manager:<br />

Inês Rodrigues | irodrigues@saudeonline.pt<br />

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Miguel Múrias Mauritti<br />

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<strong>Ed</strong>ição e Redação<br />

Saúde Online - Comunicação, MMLA, Lda.<br />

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de Figueiredo Araújo<br />

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E-mail. jcoracao@saudeonline.pt<br />

Isenção de registo na ERC, nos termos<br />

da alinea a) do nº1 do artigo 12º do<br />

decreto regulamentar nº8/99, de 9 de junho<br />

Periodicidade<br />

Informação permanente<br />

Ano de fundação: 2016


SAÚDE ONLINE | OPINIÃO<br />

COMUNICAR COM O DOENTE<br />

Um passo para deixar de fumar<br />

João Araújo Correia,<br />

Internista e presidente da<br />

Sociedade Portuguesa de<br />

Medicina Interna<br />

O<br />

tabagismo,<br />

caraterizado<br />

pelo consumo e/ou<br />

dependência de tabaco,<br />

é uma doença crónica que afeta<br />

mais de 20% da população<br />

portuguesa, sendo também uma<br />

das principais causas de morte<br />

no nosso país.<br />

Segundo a Organização Mundial<br />

de Saúde, este hábito nefasto<br />

para a saúde pública tem vindo<br />

a aumentar drasticamente a nível<br />

mundial, estimando-se que<br />

entre 2025 e 2030 o número de<br />

mortes por ano se fixe em cerca<br />

de 10 milhões. Este cenário<br />

requer uma preocupação acrescida<br />

dos profissionais de saúde,<br />

dado que o consumo de tabaco<br />

pode implicar que o indivíduo<br />

desenvolva diversas complicações<br />

de saúde.<br />

No que respeita ao sistema respiratório,<br />

estão associados ao<br />

tabagismo o cancro do pulmão,<br />

a asma, a bronquite, o enfisema<br />

e, principalmente, a Doença<br />

Pulmonar Obstrutiva Crónica<br />

(DPOC). Além destes, o consumo<br />

tabágico fomenta igualmente<br />

o desenvolvimento da doença<br />

coronária, acidente vascular cerebral,<br />

doença aterosclerótica<br />

cardiovascular, osteoporose, úlcera,<br />

infertilidade, e muito outros.<br />

Com a finalidade de melhorar a<br />

sua qualidade de vida e longevidade,<br />

muitos são os indivíduos<br />

que tentam deixar de fumar. Contudo,<br />

a cessação tabágica demonstra<br />

ser um processo de difícil<br />

concretização: somente 25% das<br />

tentativas de abstinência com ajuda<br />

médica conseguem ultrapassar<br />

uma semana de tratamento.<br />

É, por isso, essencial, que os especialistas<br />

de Medicina Interna,<br />

em conjunto com profissionais de<br />

psicologia, pneumologia, nutrição<br />

e enfermagem definam um plano<br />

de cessação tabágica adaptado<br />

a cada indivíduo, de forma a assegurar<br />

o sucesso do tratamento<br />

e, por sua vez, reduzir a probabilidade<br />

de ocorrerem recaídas.<br />

Importa inclusive que o internista<br />

esteja sensibilizado para o papel<br />

da comunicação com o doente.<br />

Dado o impacto psicológico que<br />

este processo acarreta, muitas<br />

vezes associado ao aumento<br />

dos níveis de stress e ansiedade,<br />

é crucial que o médico transmita<br />

confiança e empatia com o<br />

paciente, através do aconselhamento<br />

e acompanhamento ao<br />

longo do tratamento, assim como<br />

através da consciencialização<br />

para os riscos do tabaco e para<br />

os benefícios de deixar de fumar.<br />

Entre os benefícios a médio-<br />

-prazo estão o aumento da esperança<br />

e qualidade de vida, a<br />

melhoria da saúde cardiovascular,<br />

a diminuição da falta de ar,<br />

tosse e obstrução brônquica, o<br />

aumento da probabilidade de ter<br />

filhos mais saudáveis, e muito<br />

mais. Já a curto prazo, os resultados<br />

são diversos: segundo<br />

a agência norte-americana de<br />

Centros de Controlo e Prevenção<br />

de Doenças, 20 minutos<br />

após deixar de fumar, a frequência<br />

cardíaca e a pressão arterial<br />

do indivíduo normalizam os<br />

seus níveis; já 10 anos depois, o<br />

risco de desenvolver cancro do<br />

pulmão reduz para metade.<br />

Desta forma, a Sociedade Portuguesa<br />

de Medicina Interna, em<br />

conjunto com os seus núcleos de<br />

estudo, tem investido em campanhas<br />

de sensibilização junto da<br />

população e, principalmente, na<br />

formação de internistas e outros<br />

profissionais de saúde, de forma<br />

a que estejam preparados para<br />

responder às necessidades e especificidades<br />

de cada doente. Só<br />

assim poder-se-á contribuir para<br />

uma sociedade mais saudável,<br />

mais ativa e com maior esperança<br />

de vida.<br />

« O tabagismo,<br />

é uma doença<br />

crónica que afeta<br />

mais de 20%<br />

da população<br />

portuguesa, sendo<br />

também uma<br />

das principais<br />

causas de morte<br />

no nosso país »<br />

4 NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE | NOVEMBRO 2018


ESTUDAR MEDICINA<br />

NACIONAL | SAÚDE ONLINE<br />

É o fim do mais temido dos<br />

exames. Alunos respondem ao<br />

Harrison pela última vez<br />

Ao fim de 40 anos, o exame<br />

de acesso à especialidade<br />

vai mudar. Nova<br />

prova entra em vigor em 2019 e,<br />

ao contrário do Harrison, privilegia<br />

o raciocínio clínico. Este ano,<br />

centenas de candidatos vão ficar<br />

novamente fora das vagas.<br />

É já esta quinta-feira que quase<br />

três milhares de licenciados<br />

em Medicina vão testar os seus<br />

conhecimentos de modo a assegurarem<br />

um lugar na formação<br />

especializada. No entanto, este<br />

ano, os 2879 alunos vão fazer o<br />

exame Harrison, que já se realiza<br />

há mais de 40 anos, pela última<br />

vez. No próximo ano, entrará em<br />

vigor um novo modelo de prova.<br />

Com o número de candidatos<br />

às especialidades a aumentar<br />

de ano para ano e o número de<br />

vagas praticamente estagnado,<br />

aumenta a pressão sobre<br />

os candidatos para que tirem<br />

uma boa nota. Hoje, às 15 horas,<br />

os alunos estarão frente<br />

a frente com o Harrison, uma<br />

prova baseada exclusivamente<br />

naquela que é considerada<br />

a “bíblia da Medicina” – o livro<br />

“Harrison’s Principles of Internal<br />

Medicine” – e que é constituída<br />

por 100 perguntas de escolha<br />

múltipla divididas por cinco temas:<br />

Cardiologia, Pneumologia,<br />

Nefrologia, Hematologia e<br />

Gastrenterologia. Para além da<br />

complexidade das matérias, a<br />

vastidão da obra, com quase<br />

1000 páginas, é uma dificuldade<br />

acrescida para os candidatos,<br />

que têm de memorizar todos os<br />

conteúdos do livro.<br />

Para além dos alunos que terminaram<br />

a licenciatura este ano em<br />

Portugal, podem ainda fazer a<br />

prova aqueles que se formaram<br />

no estrangeiro e os que querem<br />

repetir o Harrison por não terem<br />

conseguido vaga na especialidade.<br />

Este é, aliás, um cenário<br />

que tem repetido nos últimos<br />

anos. Em 2017, por exemplo,<br />

676 candidatos ficaram de fora,<br />

uma vez que havia 2341 candidatos<br />

para apenas 1665 vagas.<br />

Os lugares para os diplomados<br />

deste ano só serão conhecidos<br />

em 2019 mas o cenário de desproporção<br />

tende a agravar-se,<br />

aumentando o contingente de<br />

médicos indiferenciados.<br />

Como não existe nenhuma classificação<br />

mínima que garanta a<br />

tão desejada vaga na especialidade<br />

escolhida, o objetivo dos<br />

alunos é conseguir uma nota<br />

perto dos 100%. Por exemplo,<br />

uma nota a rondar os 80% pode<br />

não chegar para um aluno conseguir<br />

vaga em Dermatologia<br />

ou Oftalmologia, mas pode ser<br />

suficiente para a entrada na<br />

formação em Medicina Interna<br />

ou Medicina Geral e Familiar,<br />

especialidades menos procuradas<br />

pelas novas gerações, que<br />

evitam o excesso de trabalho<br />

na urgência e a sobrecarga de<br />

doentes nos centros de saúde,<br />

adianta o Expresso.<br />

Mudança em 2019<br />

O debate sobre fim do Harrison<br />

já se arrasta há alguns anos. Em<br />

2004, o Conselho Nacional do<br />

Internato Médico alertava para<br />

a necessidade de mudanças<br />

no exame e, em 2009, foram<br />

as próprias faculdades a propor<br />

alterações. Uma das críticas<br />

apontadas à prova assentava no<br />

facto de existirem cada vez mais<br />

alunos a conseguirem notas acima<br />

dos 90%, o que dificulta a ordenação<br />

da entrada nas vagas.<br />

Outra era a própria configuração<br />

do exame, que dava primazia à<br />

memorização sobre o raciocínio.<br />

Contudo, só em 2012 o Ministério<br />

da Saúde decidiu criar um<br />

grupo de trabalho (que juntou<br />

representes da tutela, dos alunos,<br />

da Ordem dos Médicos e<br />

da ACSS) para avaliar o assunto.<br />

Depois de cinco anos de reflexão,<br />

os intervenientes assinaram,<br />

em abril do ano passado,<br />

um protocolo para avançar com<br />

a criação de uma nova prova<br />

com critérios diferentes.<br />

O Gabinete da Prova Nacional<br />

de Acesso, liderado pelo professor<br />

catedrático Serafim Magalhães,<br />

vai ser o responsável para<br />

construção da nova prova, com<br />

a ajuda da organização americana<br />

National Border Medical Examiners,<br />

onde os membros do<br />

gabinete foram fazer formação.<br />

Para o dia 23 de novembro está<br />

marcado um teste-piloto, que já<br />

tem mais de mil alunos inscritos<br />

– movidos, talvez, pela curiosidade<br />

de saberem como vai ser<br />

a prova em 2019. Lisboa, Porto,<br />

Coimbra, Braga e Covilhã são as<br />

cidades escolhidas para acolher<br />

o teste-piloto. Já se sabe, no entanto,<br />

que, ao contrário do Harrison<br />

(que tinha uma duração de<br />

duas horas e meia), a nova prova<br />

vai ser dividida em duas partes,<br />

de 120 minutos cada, e com um<br />

intervalo de uma hora pelo meio.<br />

Outra mudança já conhecida é<br />

o número de questões. Agora<br />

serão 150 perguntas de escolha<br />

múltipla, que vão incidir também<br />

sobre as especialidades de cirurgia,<br />

ginecologia-obstetrícia,<br />

pediatria e psiquiatria, que não<br />

estavam contempladas no Harrison.<br />

As questões de Medicina<br />

Interna vão contar 50% para a<br />

nota final e os restantes 50% serão<br />

ocupados pelas outras especialidades.<br />

Ao contrário do Harrison,<br />

o novo exame vai privilegiar<br />

o raciocínio clínico.<br />

NOVEMBRO 2018 | NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE 5


SAÚDE ONLINE | PROFISSÃO<br />

Black Friday não traz “desconto”<br />

nos sintomas de Oniomania<br />

Luisa Lagarto,<br />

Psiquiatra da Unidade<br />

Psiquiátrica Privada<br />

de Coimbra<br />

A<br />

oniomania,<br />

também<br />

designada por Perturbação<br />

Compulsiva por<br />

Compras, é considerada uma<br />

doença psiquiátrica caraterizada<br />

por um desejo recorrente<br />

e descontrolado de realizar<br />

compras. Estima-se que atinja<br />

6 por cento da população<br />

geral, e a maioria dos estudos<br />

indica que cerca de 90<br />

por cento são mulheres.<br />

Os principais sintomas consistem<br />

em comportamentos<br />

repetitivos, pensamentos<br />

intrusivos e preocupações<br />

relacionadas com compras<br />

e impulsos para comprar, os<br />

quais são vivenciados como<br />

irresistíveis e de difícil controlo.<br />

Os doentes descrevem<br />

uma sensação de tensão e<br />

de ansiedade crescente, que<br />

só alivia quando a compra<br />

é realizada. Posteriormente<br />

geram-se habitualmente<br />

sentimentos de culpa, angústia<br />

e preocupação. É frequente<br />

serem adquiridos objetos<br />

supérfluos e de elevado valor,<br />

conduzindo a problemas financeiros<br />

graves.<br />

A oniomania tem início no final<br />

da adolescência ou na segunda<br />

década de vida, o que<br />

poderá estar relacionado com<br />

a emancipação do núcleo familiar,<br />

acesso a contas bancárias<br />

e uso compulsivo do computador,<br />

particularmente a utilização<br />

de sites onde é possível fazer<br />

compras online.<br />

Estes comportamentos provocam<br />

sofrimento no indivíduo,<br />

são consumidores de tempo e<br />

podem originar problemas ao<br />

nível pessoal, familiar, legal e<br />

financeiro. Sintomas de depressão,<br />

ansiedade, distúrbios alimentares<br />

e/ou uso de substâncias<br />

são comuns nos doentes<br />

que sofrem desta doença.<br />

É importante distinguir estes<br />

comportamentos daqueles que<br />

decorrem dentro dos padrões<br />

considerados normais. Os gastos<br />

excessivos episódicos que<br />

ocorrem em ocasiões especiais<br />

(festas, aniversários, férias,<br />

etc.) não configuram necessariamente<br />

este diagnóstico, principalmente<br />

se não estiverem<br />

associados à preocupação ou<br />

angústia, e se não implicarem<br />

consequências adversas.<br />

Ainda não estão esclarecidas<br />

as causas desta perturbação,<br />

mas sabe-se que estão envolvidos<br />

fatores neurobiológicos,<br />

psicológicos e sociais. Traços<br />

obsessivos e impulsividade são<br />

características da personalidade<br />

que estão frequentemente associadas<br />

à doença. Alguns fatores<br />

socioculturais são reforçadores<br />

deste tipo de comportamentos,<br />

particularmente a crença de que<br />

a aquisição de bens representa<br />

ascensão social, poder, prestígio<br />

e autonomia financeira.<br />

Para além disso, o estímulo para<br />

o consumo e a disponibilidade de<br />

uma ampla gama de produtos podem<br />

contribuir para o desenvolvimento<br />

da doença. As estratégias<br />

de marketing relacionados com<br />

promoções atrativas, como a<br />

época da “Black Friday”, podem<br />

conduzir a um aumento<br />

do risco para as compulsões<br />

por compras, agravando assim<br />

os sintomas.<br />

O curso da doença é normalmente<br />

crónico e intermitente.<br />

O tratamento envolve<br />

acompanhamento psiquiátrico<br />

regular, psicoterapia e<br />

intervenção farmacológica.<br />

As intervenções em grupo<br />

são benéficas, dado que<br />

proporcionam um ambiente<br />

de apoio e encorajamento<br />

mútuos. A terapia de casal<br />

também pode ser necessária,<br />

caso se verifique problemática<br />

no relacionamento conjugal<br />

precipitada pela doença.<br />

Para prevenir a compulsão<br />

por compras, os doentes são<br />

orientados no sentido de alterarem<br />

os seus comportamentos<br />

e hábitos de vida. Por<br />

exemplo, sugere-se para estes<br />

doentes: evitar épocas de<br />

promoções, evitar frequentar<br />

regularmente centros comerciais<br />

ou fazê-lo em companhia,<br />

não levar cartão de crédito<br />

ou usar crédito limitado,<br />

fazer listas previamente para<br />

adquirir apenas o que é necessário,<br />

e evitar a utilização<br />

sites de compras online.<br />

6 NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE | NOVEMBRO 2018


SAÚDE ONLINE | OPINIÃO<br />

DIA MUNDIAL DA DIABETES<br />

Complicações vasculares da<br />

Diabetes: prevenir para evitar<br />

Isabel Mangas,<br />

Endocrinologista do Centro<br />

Hospitalar Universitário<br />

do Porto<br />

Desde 1991 que a Federação<br />

Internacional da Diabetes<br />

(IDF) e a Organização<br />

mundial de Saúde (OMS)<br />

comemoram, no dia 14 de novembro,<br />

o Dia Mundial da Diabetes.<br />

A partir de 2006, o Dia Mundial<br />

da Diabetes passou a contar<br />

com o apoio da Organização das<br />

Nações Unidas (ONU). A ONU<br />

reconheceu a diabetes mellitus<br />

(DM) como uma doença crónica,<br />

debilitante e com elevados custos,<br />

principalmente quando associada<br />

a complicações graves.<br />

O número de pessoas afetadas<br />

em todo o mundo com DM reflete<br />

a magnitude do problema.<br />

Segundo os dados da IDF, existem<br />

atualmente cerca de 425 milhões<br />

de pessoas com diabetes<br />

em todo o mundo. Em Portugal,<br />

segundo a mesma fonte, estima-<br />

-se que a prevalência de diabetes<br />

na população adulta seja de<br />

13,9%. Isto significa que mais de<br />

um milhão de portugueses neste<br />

grupo etário tem DM.<br />

A DM é uma doença caracterizada<br />

por uma hiperglicemia crónica<br />

resultante de deficiência na<br />

secreção e/ou ação da insulina.<br />

A DM tipo 1 ocorre em 5-10%<br />

dos doentes com DM e é devida<br />

a uma destruição autoimune das<br />

células beta pancreáticas. A DM<br />

tipo 2 (DM2) é responsável por<br />

cerca de 90 a 95% dos casos<br />

de DM, mas a sua etiologia não<br />

é completamente conhecida:<br />

sabe-se que não há destruição<br />

autoimune das células beta pancreáticas<br />

e que os doentes não<br />

têm outra causa conhecida de<br />

diabetes (doenças do pâncreas<br />

exócrino, destruição pancreática,<br />

fármacos…).<br />

A DM2 pode permanecer não<br />

diagnosticada por muitos anos:<br />

a hiperglicemia desenvolve-se<br />

gradualmente e, em estados<br />

iniciais, não é suficientemente<br />

grave para o doente apresentar<br />

sintomas. Isto contribui para<br />

que, em todo o mundo, uma em<br />

duas pessoas com diabetes<br />

ainda não esteja diagnosticada.<br />

Desde o início da doença<br />

até ao desenvolvimento dos<br />

sintomas, estes doentes apresentam<br />

um elevado risco de<br />

desenvolverem complicações<br />

micro e macrovasculares. A<br />

deteção precoce, o diagnóstico<br />

e o tratamento podem salvar<br />

vidas e prevenir ou retardar<br />

significativamente as complicações<br />

devastadoras relacionadas<br />

com esta doença como a<br />

doença renal crónica, a retinopatia,<br />

a neuropatia, a doença<br />

cardíaca e a doença cerebrovascular,<br />

nomeadamente o acidente<br />

vascular cerebral (AVC) .<br />

Atualmente, há evidência de<br />

que, em muitos casos, a DM2<br />

pode ser prevenida e tratada<br />

adotando-se um estilo de vida<br />

saudável: (1) uma alimentação<br />

saudável, focando-se na qualidade<br />

dos alimentos ingeridos<br />

– substituir hidratos de carbono<br />

(HC) refinados por HC complexos;<br />

preferir como fonte de<br />

proteínas o peixe, as aves e as<br />

leguminosas, evitando as carnes<br />

vermelhas; evitar gorduras<br />

saturadas e gorduras trans e<br />

aumentar o consumo de ácidos<br />

gordos ómega 3 e 6; (2) redução<br />

da ingestão de sal, principalmente<br />

em doentes com DM<br />

e HTA, (3) redução do consumo<br />

de álcool, (4) abstinência tabágica<br />

e (5) atividade física no<br />

mínimo de 150 minutos semana<br />

de exercício moderado a intenso.<br />

O principal objetivo destas<br />

alterações é diminuir a adiposidade<br />

visceral e, deste modo,<br />

diminuir a insulinorresistência,<br />

o que permite melhorar o perfil<br />

glicémico, lipídico e metabólico.<br />

Para a maioria dos doentes<br />

com DM, o grande desafio é,<br />

« A comemoração<br />

do Dia Mundial<br />

da Diabetes surge<br />

como um alerta,<br />

porque muito<br />

pode ser feito para<br />

prevenir, melhorar a<br />

qualidade de vida e<br />

reduzir a morbidade<br />

e mortalidade das<br />

pessoas que vivem<br />

com DM »<br />

precisamente, esta mudança<br />

no estilo de vida, pelo que é<br />

fundamental o empoderamento<br />

do doente.<br />

A comemoração do Dia Mundial<br />

da Diabetes surge como<br />

um alerta, porque muito pode<br />

ser feito para prevenir, melhorar<br />

a qualidade de vida e reduzir a<br />

morbidade e mortalidade das<br />

pessoas que vivem com DM.<br />

8 NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE | NOVEMBRO 2018


SAÚDE ONLINE | ENTREVISTA<br />

PROF. DR. RUI LOUREIRO<br />

Membro do Board do European<br />

Health Futures Forum (EHFF)<br />

“Setor farmacêutico<br />

português é um<br />

exemplo de resiliência”<br />

Especialista em Farmacêutica Industrial e membro do Board do<br />

European Health Futures Forum (EHFF), Rui Loureiro defende que é<br />

preciso olhar para o setor farmacêutico como estratégico e global,<br />

ao mesmo tempo que em Portugal se deve observar e aprender<br />

com os casos de sucesso de outros países.<br />

“A<br />

indústria farmacêutica tem um papel<br />

estruturante e criador de valor<br />

para o país no seu todo, mas precisa<br />

de ser encarada como tal e de forma<br />

integrada... Pelos seus múltiplos atores<br />

e nas várias vertentes, incluindo política”.<br />

Quem o defende é o Professor Rui Loureiro,<br />

especialista em Farmacêutica Industrial.<br />

Para o também membro do Board European<br />

Health Futures Forum (EHFF), Portugal<br />

deve observar e aprender com os casos<br />

de sucesso de outros países. A Espanha fê-<br />

-lo. Resultado: hoje, 21% da I&D industrial<br />

em Espanha tem origem na indústria farmacêutica”.<br />

Em entrevista exclusiva ao nosso<br />

jornal, o docente da Faculdade de Farmácia<br />

da Universidade de Lisboa, defende ainda<br />

que “o Estado deve olhar para a I&D dos<br />

farmacêuticos como uma área e um setor<br />

estratégico, indutor de emprego qualificado<br />

e com enorme potencial de exportação – na<br />

verdade, algo como um cluster farmacêutico,<br />

criador de sinergias virtuosas e a vários<br />

níveis. Um deles, assinala, é o do turismo<br />

de Saúde. “Temos tudo para que dê<br />

certo: uma boa infraestrutura e uma oferta<br />

robusta, naturalmente indissociável de idiossincrasias<br />

próprias e favoráveis do país,<br />

do clima à cultura, geografia e segurança.<br />

Portugal é hoje procurado por pacientes de<br />

todo o mundo, que aqui vêm à procura de<br />

realizar intervenções específicas, como cirurgias<br />

às cataratas, angioplastias coronárias,<br />

artoplastias da anca, colicistectomias,<br />

entre muitas outras.”<br />

Miguel Múrias Mauritti (MMM) | As Farmácias<br />

de Oficina vivem um tempo de<br />

profundas alterações, com a falência de<br />

um número muito elevado de operadores.<br />

Trata-se de uma situação conjuntural<br />

ou estrutural?<br />

Prof. Dr. Rui Loureiro (RL) | É preciso olhar<br />

para as Farmácias de oficina como parte<br />

integrante de uma rede mais vasta, na qual<br />

a falência de um dos pontos afeta o todo<br />

e mesmo outras áreas e o público. Assim,<br />

os problemas que se têm vindo a registar<br />

ao nível da viabilidade do negócio, afetam,<br />

desde logo, o acesso dos cidadãos a cuidados<br />

de saúde prestados por uma rede de<br />

prestadores (farmácias de oficina) que cobrem,<br />

como nenhum outro, todo o território<br />

nacional. E uma rede relativamente à qual<br />

existe uma boa percepção, por parte da população,<br />

tanto da qualidade técnica como<br />

da qualidade percebida, sendo apontada<br />

por uma percentagem muito significativa<br />

como primeiro ponto de contacto com o sistema<br />

nacional de saúde.<br />

10 NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE | NOVEMBRO 2018


ENTREVISTA | SAÚDE ONLINE<br />

MMM | Como foi possível que isso acontecesse?<br />

RL | Desde logo, por a Farmácia não ter<br />

sido considerada, pelo Estado, como integrando<br />

o setor industrial, se considerarmos<br />

todo o ciclo, da investigação à produção e<br />

à dispensa ao público. Como também não<br />

foi valorada como prestadora de um serviço<br />

público, realizado por técnicos muito diferenciados.<br />

Um serviço, cuja prestação acarreta<br />

custos de diversa ordem (pessoal, fornecedores,<br />

bancários e de seguros, rendas, entre<br />

outros). Ao invés de reconhecer o setor<br />

como “estratégico”, protegendo-o, os anos<br />

de Troika levaram a Investigação e Desenvolvimento<br />

(I&D) dos Farmacêuticos portugueses<br />

para os cuidados intensivos, fruto de<br />

uma queda vertiginosa e direta nas margens<br />

da atividade, que suportavam essa I&D.<br />

MMM | A queda foi assim tão dramática?<br />

RL | Sem dúvida: de 22.63% entre 2010<br />

e 2016, o que representa uma quebra de<br />

544.8 milhões de euros em apenas 6 anos.<br />

MMM | Ainda assim, o setor revelou uma<br />

resiliência notável. Como é que explica<br />

essa resiliência?<br />

RL | Há três coisas das quais, globalmente,<br />

não prescindimos: alimentação, cuidados de<br />

saúde e segurança. Não necessariamente<br />

por esta ordem. Portanto, qualquer setor que<br />

trabalhe a área da saúde e as suas sinergias,<br />

tanto para consumo nacional, como para o<br />

mercado externo, apresenta uma maior resiliência.<br />

Não quer dizer que não sofra com os<br />

solavancos da economia global. Por exemplo,<br />

Angola era, antes da “crise”, um importante<br />

destino de exportação de produtos made in<br />

Portugal. Ora, como todos sabemos, hoje,<br />

Angola atravessa uma crise, em muito devido<br />

à queda do preço do petróleo nos mercados<br />

internacionais. Ainda assim, quer o anterior,<br />

quer o atual Governo, embora tenham aplicado<br />

restrições cambiais para a maioria dos<br />

setores, libertaram recursos em moeda forte<br />

para dois setores considerados vitais: alimentação<br />

e Saúde. Isto mostra a resiliência e o<br />

interesse de se investir neste setor e em que<br />

surjam spin-offs de centros de investigação,<br />

especializadas desde construção de hospitais,<br />

softwares clínicos, redes de comunicação<br />

para saúde, medicamentos, e todos os<br />

demais serviços associados. O Estado deve<br />

olhar para a I&D dos farmacêuticos como<br />

uma área e um setor estratégico, indutor de<br />

emprego qualificado e com enorme potencial<br />

de exportação – na verdade, algo como um<br />

cluster farmacêutico, criador de sinergias virtuosas<br />

e a vários níveis.<br />

MMM | Os impactos foram apenas internos?<br />

RL | Não foram apenas internos, mas esses<br />

foram muito significativos. Em resultado de<br />

algumas medidas concretas, como a descida<br />

substancial nos preços de referência dos<br />

medicamentos, muitas empresas foram forçadas<br />

a desinvestir em I&D essencial à sua<br />

atividade, acabando muitas delas por serem<br />

assimiladas por players internacionais – tudo<br />

isto ao mesmo tempo que, também devido a<br />

essas medidas, a nossa quota de mercado<br />

na Europa caiu de 2.25% para 1.7%, fazendo-nos<br />

“derrapar” da 10ª para a 13ª posição<br />

no ranking europeu.<br />

Não menos negligenciáveis foram as perdas<br />

ao nível dos recursos humanos qualificados<br />

e altamente qualificados, que<br />

recuaram 21.7%, naquela que constituiu<br />

uma perda de talentos sem precedentes no<br />

País. E no rescaldo da Troika, está ainda<br />

muito a ser feito para inverter a situação.<br />

Há pequenas medidas que estão a ocorrer<br />

agora e que ajudam a que a queda não seja<br />

tão pronunciada tanto como nos tempos da<br />

Troika, mas diria que essa está longe de<br />

estabilizar – ou, mais ainda, de permitir<br />

uma evolução autossustentável.<br />

MMM | A verdade é que outros mercados,<br />

como aqui o vizinho espanhol, passaram<br />

pelo mesmo tipo de constrangimentos<br />

tendo recuperado a pujança inicial.<br />

RL | Nem mais. A nossa vizinha Espanha,<br />

igualmente afetada pela austeridade, conseguiu<br />

“dar a volta” e hoje é líder na produtividade<br />

por funcionário, tendo conseguido<br />

gerar cerca de 40 mil empregos diretos estáveis,<br />

93% dos quais com contratos sem<br />

termo e 59% de quadros qualificados.<br />

MMM | Como é que o conseguiram?<br />

RL | Através da adoção de medidas cruciais,<br />

com impactos concretos. Por exemplo, assumindo<br />

a I&D farmacêutica como setor estratégico.<br />

Resultado: hoje, 21% da I&D industrial<br />

em Espanha tem origem na indústria<br />

farmacêutica. Isso é muito relevante.<br />

MMM | Em Portugal, o Governo não tem<br />

adotado medidas nesse sentido?<br />

RL | Têm sido aprovadas algumas medidas<br />

positivas, é certo, mas também é verdade<br />

que há ainda muito por fazer. E os nossos<br />

concorrentes internacionais não param; estão<br />

em contínua evolução, importando as<br />

medidas que avaliam como bem-sucedidas<br />

além-fronteiras. Convém não esquecer que<br />

este setor é profundamente competitivo tanto<br />

a nível nacional como internacional.<br />

E, definitivamente, é o que nós também<br />

temos que começar a fazer urgentemente:<br />

olhar para mercados semelhantes ao nosso,<br />

como o belga, e ver o que podemos fazer<br />

para conseguirmos sermos tão ou mais<br />

bem-sucedidos.<br />

Sendo certo que Portugal é uma pequena<br />

economia aberta e, como tal, particularmente<br />

sensível aos estímulos externos e com<br />

pouca capacidade para impor regras, isso<br />

não quer dizer que tenhamos que ser sempre<br />

frágeis. Há muitos exemplos de países<br />

com a mesma dimensão que o nosso que<br />

se desenvolveram: o Luxemburgo no setor<br />

bancário, a Bélgica nos ensaios clínicos ou<br />

a Suíça na indústria farmacêutica. Portanto,<br />

não é uma inevitabilidade.<br />

O grande desafio do país passa por olhar<br />

para este setor de uma forma global, desde<br />

a indústria às farmácias, passando pelos<br />

armazenistas, os centros de investigação<br />

públicos e privados, as universidades,<br />

e começar a ver todas estas vertentes<br />

como peças de um puzzle que precisam<br />

de ligações fortes. No fundo, o tal cluster<br />

farmacêutico estratégico e criador de valor<br />

referido acima.<br />

MMM | Deu o exemplo da Bélgica, que é um<br />

caso de sucesso no que respeita à atração<br />

de ensaios clínicos. Como é que Portugal<br />

poderia alcançar o mesmo sucesso?<br />

RL | De facto, a Bélgica é um bom exemplo.<br />

Trata-se de um país com uma dimensão<br />

semelhante à de Portugal, onde o setor farmacêutico<br />

enfrenta as mesmas dificuldades<br />

que o nosso no que toca à aprovação de novos<br />

medicamentos e à construção/constituição<br />

de preços, como nós. Contudo, no que<br />

respeita aos ensaios clínicos, aí tudo funciona<br />

bem.... É preciso perceber o que estão<br />

a fazer de diferente, o que ajuda a atrair os<br />

investidores internacionais, e replicar em<br />

Portugal. E quem diz ensaios clínicos, diz<br />

muitas outras áreas deste importante setor<br />

na vida das pessoas.<br />

Agora, não se deve híper-simplificar a questão<br />

restringindo o potencial a um único módulo<br />

de toda a rede, como os ensaios clínicos.<br />

Estes são um dos muitos módulos nos<br />

quais devemos apostar, para criar ligações<br />

que permitam perceber toda essa rede e as<br />

suas interações, para conseguirmos compreendê-la<br />

no seu todo.<br />

Isto para dizer que temos aí um interessante<br />

benchmark, um referencial de um país com<br />

a mesma dimensão e com a mesma estrutura<br />

que o nosso, mas com um desempenho<br />

muito superior. Como referi acima, importa<br />

encontrar a resposta à questão: o que é que<br />

estão a fazer melhor do que nós.<br />

NOVEMBRO 2018 | NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE 11


SAÚDE ONLINE | ENTREVISTA<br />

MMM | A verdade é que já exportamos<br />

mais medicamentos do que vinho do Porto.<br />

Mas é algo pouco falado. Não há muita<br />

consciência de que o setor tenha peso.<br />

RL | Aí está uma situação que urge mudar.<br />

O setor deveria tornar-se mais visível, para<br />

mostrar que, apesar dos danos provocados<br />

pelo programa de assistência externa da<br />

Troika, que afetaram a economia como um<br />

todo, ainda assim o setor farmacêutico foi<br />

um claro exemplo de resiliência – quando<br />

comparado com outros setores de atividade.<br />

As exportações estão de novo a aumentar,<br />

mas é preciso fazer com que cresçam mais.<br />

MMM | Não se sente no terreno que alguma<br />

coisa esteja a ser feita nesse sentido...<br />

RL | Tem surgido legislação nova sempre num<br />

sentido positivo. Aliás, este Governo criou recentemente<br />

uma entidade para gerir ensaios<br />

clínicos. Devo, por outro lado, sublinhar que<br />

boa parte da nossa legislação formal é igual<br />

ao espaço europeu. Ou seja, estamos sujeitos<br />

às mesmas condições de regulação que<br />

os nossos parceiros europeus.<br />

MMM | Existem condições para evoluir no<br />

sentido de alterar o paradigma do consumo<br />

interno e passar a exportar serviços?<br />

RL | Já exportamos medicamentos, dispositivos<br />

médicos, serviços e profissionais. Estamos<br />

a investir em formar pessoas e recursos<br />

bastante caros. Cursos como Medicina, Farmácia<br />

e Biologia, que implicam laboratórios<br />

e recursos técnicos e tecnológicos significativos,<br />

são, por inerência, mais onerosos do<br />

que, por exemplo, cursos como Letras ou<br />

Economia – também muito importantes, mas<br />

menos dispendiosos.<br />

Há um investimento enorme do país, quer<br />

público, quer privado e em instituições de investigação<br />

nesta área como o I3S ou Centro<br />

Champalimaud. Agora, quando olhamos para<br />

esta realidade como um todo, verificamos<br />

que a rede de pontos existe efetivamente,<br />

mas que as ligações entre eles são fracas…<br />

muitas vezes planas.<br />

MMM | Por isso não conseguimos alcançar<br />

os mesmos resultados…<br />

RL | Exatamente. É por isso que defendo que<br />

é imprescindível percebermos os porquês<br />

que justificam os melhores desempenhos<br />

de países como a Bélgica, Espanha ou Áustria.<br />

Temos bons exemplos, onde podemos<br />

ir buscar o melhor de tudo. E não apenas no<br />

que toca a ensaios clínicos. Há muitas mais<br />

áreas em que podemos e devemos apostar.<br />

Até temos na nossa história exemplos de<br />

sucesso em termos de empreendedorismo.<br />

Veja-se a Escola de Sagres, no século XV.<br />

O Infante D. Henrique tinha recursos para<br />

investir e reinvestir, interesse e liderança, e<br />

foi buscar o que de melhor havia no mundo<br />

e começou a fazer protótipos e a aprender<br />

com a experiência. Éramos muito inovadores<br />

nessa área. E, enquanto toda a gente<br />

andava entretida no Mediterrâneo, nós estávamos<br />

já a explorar outras geografias, aquilo<br />

que em gestão se designa de “estratégia<br />

do Oceano Azul” – por contraponto à “estratégia<br />

do Oceano Vermelho”. Isto é, em vez<br />

de concorrermos em áreas em que outros<br />

estavam à nossa frente, apostámos num ‘nicho’<br />

ainda por explorar... e criando inovação<br />

com valor. Se calhar, a pergunta que devemos<br />

aqui fazer é: o que nos pode diferenciar<br />

em termos de ensaios de clínicos.<br />

MMM | Tudo numa perspetiva de benchmarking?<br />

RL | Sim, mas usando o conceito corretamente.<br />

Em Portugal, muita gente acha que<br />

benchmarking é comparar números. Ora, o<br />

benchmarking passa, não por observar os<br />

números em si, mas a forma como se atingiram<br />

os resultados.<br />

MMM | O que mais caberia na “Estratégia<br />

de oceano Azul?”<br />

RL | O turismo de Saúde é definitivamente<br />

uma dessas áreas. Temos tudo para que dê<br />

certo: uma boa infraestrutura e uma oferta<br />

robusta, naturalmente indissociável de idiossincrasias<br />

próprias e favoráveis do país,<br />

do clima à cultura, geografia e segurança.<br />

Portugal é hoje procurado por pacientes de<br />

todo o mundo, que aqui vêm à procura de<br />

realizar intervenções específicas, como cirurgias<br />

às cataratas, angioplastias coronárias,<br />

artoplastias da anca, colicistectomias,<br />

entre muitas outras. Temos que aproveitar<br />

esta oportunidade e investir seriamente no<br />

setor – mas, uma vez mais, de uma forma<br />

integrada e multissectorial. Nem o turismo<br />

é apenas Economia, nem as farmacêuticas<br />

são apenas Saúde. É preciso abordar os setores<br />

estratégicos do país como um todo.<br />

MMM | Acredita que o Brexit poderá, de<br />

alguma forma, ser potenciador de oportunidades<br />

de negócio?<br />

RL | Sem dúvida. Sabia que na Holanda e na<br />

Inglaterra não se faz hemodiálise a partir dos<br />

70 anos? Em Portugal não é assim. Esse<br />

pequeno exemplo mostra o como não é difícil<br />

transformar uma aparente ameaça numa<br />

clara oportunidade. É a eterna questão do<br />

copo meio-cheio ou meio-vazio. Aliás, não é<br />

displicente o número de ingleses que veio viver<br />

para Portugal, pelo clima, mas também<br />

porque o SNS inglês não lhes permitia fazer<br />

a hemodiálise, da mesma forma que também<br />

não é displicente existirem pacotes de<br />

férias para pacientes e suas famílias. Afinal,<br />

como é sabido, um doente hemodialisado<br />

e os seus próximos vivem condicionados –<br />

para não referir mesmo aprisionados – com<br />

a necessidade constante de cuidados.<br />

MMM | Em relação aos ensaios clínicos, é<br />

uma das áreas de que recorrentemente se<br />

fala como uma janela de oportunidade para<br />

Portugal, embora nunca mais a vemos colocada<br />

na parede. Ainda estamos muito<br />

longe em relação à Bélgica, por exemplo.<br />

RL | No que respeita a ensaios clínicos, as<br />

empresas querem (e precisam de) rapidez<br />

nos processos de aprovação e de implementação.<br />

Porém, isso está muito dependente<br />

da legislação e da mecânica de aplicação<br />

dessa legislação. É verdade que se<br />

têm registado progressos, mas há ainda um<br />

longo caminho a percorrer neste campo.<br />

MMM | Esse é um argumento que tem sido<br />

apresentado por todos, mas como é que<br />

se consegue chegar aí?<br />

RL | Estas são políticas que requerem prazos<br />

médios e longos de implementação, já que<br />

exigem um pensamento estratégico e integrado,<br />

naturalmente tendo sempre em conta<br />

os desenvolvimentos a nível internacional.<br />

Ainda que envolva diversos passos (decididos)<br />

ao longo do percurso, é algo que não<br />

se resolve num ano económico ou mesmo<br />

numa legislatura. É verdade que, na prática,<br />

é sempre mais difícil. Mas acredito que, com<br />

as políticas certas, consistentemente aplicadas,<br />

consigamos passar, em dez anos, dos<br />

atuais quase mil milhões em exportações<br />

para 2 mil milhões de Euros. Naturalmente,<br />

não chegamos lá com medidas avulsas e<br />

aos solavancos. Há uma necessidade clara<br />

de integração e de todo o setor como um<br />

agente económico multifacetado e com diversas<br />

dimensões que passam pela saúde,<br />

pela economia, pelas exportações...<br />

Para concluir, a indústria farmacêutica tem<br />

um papel estruturante e criador de valor para<br />

o país no seu todo, mas precisa de ser encarada<br />

como tal e de forma integrada... pelos<br />

seus múltiplos atores e nas várias vertentes,<br />

incluindo política. Mas, tal como evidenciam<br />

os números, o que falta para sermos vistos<br />

em Portugal como já somos internacionalmente?<br />

Como tenho questionado em várias<br />

instâncias, não deveríamos acarinhar e potenciar<br />

um setor que cria valor, reputação e<br />

emprego de qualidade em Portugal?<br />

12 NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE | NOVEMBRO 2018


INVESTIGAÇÃO | SAÚDE ONLINE<br />

Investigadores australianos desenvolvem teste<br />

capaz de detetar cancro em 10 minutos<br />

“O próximo passo é desenvolver<br />

mais testes com populações<br />

maiores e mais tipos de cancro”,<br />

afirmou Matt Trau<br />

Uma equipa de cientistas<br />

australianos desenvolveu<br />

um novo teste experimental<br />

que consegue, em apenas 10<br />

minutos, detetar cancro utilizando<br />

ADN, obtido a partir de uma simples<br />

amostra de sangue. Trata-se<br />

de um passo importante para melhorar<br />

o diagnóstico e fazê-lo numa<br />

fase inicial da doença, o que pode<br />

ser determinante para o sucesso<br />

do tratamento. “O resultado foi<br />

uma surpresa completa e uma<br />

descoberta por acaso”, admite<br />

Matt Trau, da Universidade de<br />

Queensland, na Austrália. O teste<br />

ainda está numa fase preliminar<br />

de desenvolvimento, mas a<br />

equipa acredita que ele pode vir<br />

a transformar-se no futuro numa<br />

ferramenta acessível e barata<br />

para aplicação clínica.<br />

Duas investigadoras do laboratório<br />

(especializado em nanotecnologia<br />

e diagnóstico molecular)<br />

dirigido por Matt Trau estavam<br />

a fazer sequências de ADN de<br />

amostras de tumores quando<br />

descobriram um padrão que parece<br />

ser comum em quatro tipos<br />

de cancro: mama, colorretal, linfoma<br />

e próstata. Descoberto o<br />

padrão, os cientistas desenvolveram<br />

um teste capaz de identificar<br />

essa assinatura molecular<br />

a partir de uma amostra de sangue.<br />

Os investigadores descobriram<br />

que as moléculas presentes<br />

no referido padrão aderiam a<br />

partículas de ouro, quando colocados<br />

numa substância aquosa.<br />

Quando existem estruturas de<br />

ADN cancerígeno as partículas<br />

de ouro mudam de cor.<br />

“Concebemos um teste simples<br />

usando nanopartículas de ouro<br />

que mudam instantaneamente<br />

de cor para determinar se as<br />

nanoestruturas 3D do ADN do<br />

cancro estão presentes”, resume<br />

Trau. O trabalho foi desenvolvido<br />

ao longo dos últimos quatro anos<br />

mas só agora foi descrito num artigo<br />

publicado na revista científica<br />

Nature Communications.<br />

Em apenas 10 minutos, o teste<br />

determina se o resultado é positivo<br />

ou negativo. No entanto,<br />

por esta altura, o teste ainda tem<br />

uma taxa de 10% de falsos positivos<br />

- o que significa que tem de<br />

ser melhorado - e é também incapaz<br />

de determinar de que tipo de<br />

cancro se trata nem em que estádio<br />

se encontra. Os cientistas<br />

também não sabem a partir de<br />

que fase da doença é identificável<br />

a assinatura molecular.<br />

A equipa testou 200 amostras de<br />

ADN de doentes com e sem cancro<br />

mas ainda há um longo caminho<br />

a percorrer. “O próximo passo<br />

é desenvolver mais testes com<br />

populações maiores e mais tipos<br />

de cancro”, disse Matt Trau ao<br />

jornal i. A confirmar-se este alargamento<br />

de que fala Trau, este<br />

teste pode tornar-se o primeiro<br />

teste de diagnóstico experimental<br />

para detetar a doença.<br />

Depressão resistente poderá vir<br />

a ser diagnosticada através de<br />

um simples teste sanguíneo<br />

Dados da investigação,<br />

agora revelados, sugerem<br />

esta forma de depressão<br />

pode estar associada à<br />

deficiência de uma molécula, a<br />

acetilcarnitina (ALC), e que medir<br />

os níveis sanguíneos dessa<br />

molécula pode ser uma maneira<br />

eficaz de diagnosticar o distúrbio.<br />

Um novo estudo, publicado na<br />

revista Proceedings of the National<br />

Academy of Sciences<br />

(PNAS), sugere que poderá estar<br />

para breve a disponibilização<br />

de um teste sanguíneo de diagnóstico<br />

da depressão severa.<br />

Uma nova investigação, realiza-<br />

da pelo Professor de neuroendocrinologia<br />

Bruce McEwen e pela<br />

pesquisadora associada Carla<br />

Nasca – ambos da<br />

Universidade Rockefeller<br />

de Nova<br />

York, em colaboração<br />

com Natalie<br />

Rasgon, professora<br />

de psiquiatria da<br />

Escola de Medicina<br />

da Universidade de<br />

Stanford, na Califórnia,<br />

mostra que<br />

a depressão resistente ao tratamento<br />

é caracterizada pela redução<br />

dos níveis sanguíneos de<br />

uma molécula específica, pelo<br />

que poderá ser diagnosticada<br />

com recurso a uma simples análise<br />

sanguínea.<br />

A maioria dos indivíduos com depressão<br />

responde ao tratamento<br />

antidepressivo. No entanto, até<br />

30% deles não apresentam sinais<br />

de melhora, ou beneficiam<br />

apenas parcialmente do recurso<br />

aos antidepressivos.<br />

Os dados da investigação, agora<br />

revelados, sugerem que essa<br />

forma de depressão resistente<br />

ao tratamento pode estar associada<br />

à deficiência de uma molécula,<br />

a acetilcarnitina (ALC), e<br />

que medir os níveis sanguíneos<br />

dessa molécula pode ser uma<br />

maneira eficaz de diagnosticar<br />

o distúrbio.<br />

NOVEMBRO 2018 | NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE 13


SAÚDE ONLINE | PROFISSÃO<br />

35% dos fumadores tentam deixar de fumar<br />

Dr. Rui Alves,<br />

médico de Medicina Geral e<br />

Familiar do Centro de Saúde<br />

de Sete Rios<br />

O<br />

consumo de tabaco<br />

é a principal causa<br />

evitável de cancro,<br />

doença respiratória crónica e<br />

doenças cardiovasculares. O<br />

tabagismo continua a ser um<br />

dos principais causadores de<br />

perda de qualidade de vida e<br />

mortalidade prematura. A promoção<br />

da cessação tabágica<br />

é a melhor forma para reduzir o<br />

número de mortes por doenças<br />

associadas ao tabaco nos próximos<br />

vinte a trinta anos. Estudos<br />

indicam que cerca de 80 por<br />

cento dos fumadores expressam<br />

vontade de deixar de fumar, no<br />

entanto, apenas 5 por cento consegue<br />

deixar com êxito e sem<br />

ajuda médica. Todos os anos, 35<br />

por cento dos fumadores tentam<br />

deixar de fumar, contudo a taxa<br />

de sucesso é reduzida.<br />

Deixar de fumar é difícil. Tratando-se<br />

de um hábito com dependência<br />

física e psíquica, os<br />

sintomas de privação do tabaco<br />

nem sempre se conseguem ultrapassar<br />

sem ajuda. No entanto,<br />

sabemos que é quatro vezes<br />

mais fácil deixar de fumar com<br />

ajuda médica, pois permite controlar<br />

e diminuir os níveis de ansiedade<br />

durante o processo.<br />

Planear a decisão calmamente e<br />

recorrer a ajuda junto do médico<br />

de família é essencial, assim<br />

como envolver família, amigos<br />

e colegas de trabalho em todo<br />

o processo. Anunciar a decisão<br />

de deixar de fumar vai reforçar e<br />

tornar mais simples de cumprir o<br />

compromisso que estabeleceu.<br />

Atualmente existem consultas<br />

de cessação tabágica nos centros<br />

de saúde e hospitais do<br />

Serviço Nacional de Saúde. Recomenda-se<br />

assim, que o processo<br />

de fumar seja apoiado por<br />

uma equipa multidisciplinar, de<br />

forma a que seja feito um maior<br />

controlo e preparação<br />

de todas as situações<br />

novas que a pessoa<br />

terá de experienciar.<br />

É também aconselhado<br />

que durante os<br />

primeiros 3 meses de<br />

cessação, o fumador<br />

se concentre apenas<br />

na cessação tabágica<br />

e melhore ou modifique<br />

os seus hábitos de<br />

vida, alimentação e higiene<br />

do sono, promovendo ainda<br />

o exercício físico.<br />

As pessoas que deixam de<br />

fumar vivem em média mais<br />

10 anos, reduzem para metade<br />

o risco de sofrer de<br />

doença cardiovascular, assim<br />

como o risco de sofrer<br />

de cancro e de doenças<br />

respiratórias. Quanto mais<br />

cedo for tomada a decisão,<br />

maiores serão os benefícios<br />

em termos de saúde.<br />

Dores nas costas podem ser<br />

sintomas de espondilartrose<br />

A<br />

espondilartrose é uma<br />

doença que afeta as<br />

articulações da coluna<br />

vertebral e que resulta<br />

do processo de desgaste<br />

entre as vértebras da coluna.<br />

De causa sobretudo<br />

genética é agravada pela<br />

obesidade; ocupação profissional<br />

(vibração provocada<br />

em trabalhadores que usam<br />

martelos pneumáticos ou sobrecarga<br />

provocada pelo transporte<br />

de pesos); doenças endócrinas<br />

(diabetes mellitus, acromegalia<br />

e outras) e doenças metabólicas<br />

(como a doença de Paget,<br />

gota, etc.). É mais frequente a<br />

partir dos 40 anos. Os principais<br />

sintomas são dores intensas,<br />

normalmente na parte inferior<br />

das costas, sensação de peso,<br />

queimadura ou formigueiro<br />

na coluna,<br />

dificuldade em realizar<br />

movimentos<br />

simples como andar<br />

ou sentar e diminuição<br />

de força nas<br />

pernas. Estes sinais<br />

pioram quando a<br />

pessoa fica muito<br />

tempo na mesma<br />

posição, sobretudo “dobrada”<br />

ou faz algum esforço físico. Rigidez<br />

matinal pode acompanhar<br />

o quadro, assim como perda da<br />

flexibilidade da coluna.<br />

O diagnóstico pode ser feito<br />

com recurso a avaliação clínica,<br />

observação do doente, complementado<br />

com radiografias e<br />

ressonância magnética.O tratamento<br />

é variável e depende da<br />

causa, idade da pessoa, atividade,<br />

esperança de vida, qualidade<br />

do suporte ósseo, níveis<br />

atingidos, etc. O tratamento dos<br />

sintomas pode ser feito com<br />

analgésicos, anti-inflamatórios,<br />

fisioterapia (recuperação funcional<br />

e meios físicos anti-inflamatórios).<br />

Pode ainda ser necessário<br />

o recurso a tratamentos<br />

cirúrgicos como a substituição<br />

Manuel Tavares de Matos,<br />

Presidente da Sociedade<br />

Portuguesa de Patologia da<br />

Coluna Vertebral<br />

artroplástica do disco, a fusão<br />

de vértebras adjacentes<br />

ou a infiltração com corticoides<br />

e/ou analgésicos. Para<br />

prevenir a espondilartrose é<br />

importante evitar esforços desnecessários;<br />

manter o peso<br />

dentro dos padrões considerados<br />

normais; fazer atividade<br />

física de modo regular (como<br />

caminhadas, bicicleta ou hidroginástica,<br />

por exemplo).<br />

14 NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE | NOVEMBRO 2018


SAÚDE ONLINE | ENTREVISTA<br />

SILVIA GUICHARDO<br />

Diretora-geral da GSK Portugal<br />

GlaxoSmithKline apela<br />

a diálogo para garantir<br />

sustentabilidade do SNS<br />

Com a aproximação do fim do prazo para a saída do Reino Unido<br />

da União Europeia, as multinacionais com sede no país preparam<br />

planos de contingência para atenuar potenciais falhas nos<br />

circuitos de distribuição de produtos.<br />

Um dos setores mais sensíveis ao<br />

Brexit, é o da Saúde, com as empresas<br />

farmacêuticas a anteciparem<br />

potenciais falhas no acesso dos doentes a<br />

medicamentos. A solução preconizada pela<br />

maioria é a da aprovação, pelas partes, de<br />

um período de transição suficientemente lato<br />

de modo a permitir ajustar as operações à<br />

nova realidade. Entre as empresas “preocupadas”<br />

com o desenrolar das negociações<br />

está o gigante farmacêutico Glaxo Smithkleine,<br />

um dos maiores do mundo, responsável<br />

pela produção de produtos essenciais, como<br />

vacinas e medicamentos para a asma e vendas<br />

anuais superiores a 30 bilhões de libras.<br />

Em setembro de 2017, foi reconhecida, pelo<br />

“Dow Jones Sustainability World Index” (DJSI)<br />

como uma referência em sustentabilidade<br />

corporativa, com pontuação de excelência no<br />

modelo de governação corporativa na maioria<br />

das áreas auditadas. Em entrevista, Silvia<br />

Guichardo, que no início do ano assumiu a<br />

direção da filial portuguesa da multinacional<br />

britânica, fala dos receios e planos para fazer<br />

frente ao que aí vem e os projetos de futuro.<br />

O advento do Brexit vem, de alguma forma,<br />

dificultar a manutenção pela GSK do<br />

estatuto de empresa mais sustentável,<br />

atribuído pelo índice de sustentabilidade<br />

Dow Jones?<br />

De forma alguma. A GSK irá manter a sua<br />

forma de trabalhar, com três prioridades claramente<br />

definidas – Inovação, Performance,<br />

Confiança – e uma ambição sólida: ser uma<br />

das farmacêuticas mais inovadoras, com<br />

melhor performance e de maior confiança do<br />

mercado, que trabalha diariamente para ajudar<br />

as pessoas a fazerem mais, sentirem-se<br />

melhor e viverem mais tempo.<br />

E quanto ao Brexit… Não vos preocupa?<br />

No que diz respeito ao Brexit, as nossas<br />

principais preocupações estão relacionadas<br />

com um eventual impacto que a situação<br />

possa ter na vida dos doentes, nomeadamente,<br />

no seu acesso aos medicamentos e<br />

vacinas. Paralelamente, estamos também<br />

focados em medidas de apoio, a médio-longo<br />

prazo, que fomentem a inovação e a cooperação<br />

na área científica entre o Reino Unido<br />

e a União Europeia, que tenham como<br />

fim último o benefício global dos doentes.<br />

Que medidas têm previstas para atenuar<br />

o impacto?<br />

A GSK tem estado a preparar-se para a saída<br />

do Reino Unido da União Europeia, definindo<br />

como uma prioridade máxima, nesse plano de<br />

preparação, a salvaguarda da continuidade<br />

do fornecimento dos nossos medicamentos<br />

e vacinas para todos os doentes. Esse plano<br />

inclui a configuração de estruturas de testes<br />

duplicados, a transferência do licenciamento<br />

de produtos e a adaptação de embalagens,<br />

no que prevemos possa vir a ter um custo estimado<br />

de 80 milhões de euros (£70M).<br />

Quais as implicações do atraso nas negociações<br />

de acordo de saída para as<br />

operações da GSK?<br />

Continua a ser vital garantir um período<br />

de transição. Não obstante estarmos a fazer<br />

tudo o que está ao nosso alcance para<br />

enfrentar o impacto que o Brexit irá ter, há<br />

algumas situações que não dependem de<br />

nós, incluindo as decisões relativamente<br />

às fronteiras. Assim, a União Europeia e o<br />

Reino Unido, para minimizar eventuais riscos<br />

para as comunidades, devem assumir,<br />

como prioridade, a garantia da segurança<br />

do doente e a salvaguarda do seu acesso a<br />

todos os medicamentos e vacinas. É crítico,<br />

também, minimizar a possibilidade de inter-<br />

16 NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE | NOVEMBRO 2018


ENTREVISTA | SAÚDE ONLINE<br />

rupção no fornecimento de medicamentos,<br />

preparando um Acordo de Reconhecimento<br />

Mútuo sobre testes de produtos e inspeções,<br />

que possam entrar em vigor assim<br />

que o Reino Unido deixar a UE.<br />

Que balanço faz da atividade da GSK em<br />

Portugal em 2018?<br />

Não obstante todos os desafios e dificuldades<br />

que um mercado tão exigente e maduro<br />

como Portugal apresenta, o balanço da<br />

nossa atividade, até este momento, tem<br />

sido positivo. A GSK está com uma performance<br />

sólida, tendo em conta os desafios e<br />

os constrangimentos financeiros que o país<br />

e o sistema de saúde enfrentam. Estamos<br />

a conseguir disponibilizar a nossa inovação<br />

aos doentes, nomeadamente na área respiratória<br />

e vacinas, que são o foco da nossa<br />

atividade. Por outro lado, sentimos por parte<br />

do mercado, nomeadamente dos profissionais<br />

de saúde e das autoridades, um sentimento<br />

de confiança no nosso modelo de<br />

negócio e forma de trabalhar. Sem dúvida<br />

que isso se deve, por completo, à excelente<br />

equipa que encontrei e com quem tenho o<br />

privilégio de trabalhar diariamente. São um<br />

grupo de pessoas muito talentosas e orientadas<br />

para o doente, que colocam no centro<br />

de tudo o que fazem.<br />

A GSK tem uma posição de liderança<br />

nas áreas respiratória e de vacinas em<br />

Portugal (e no mundo). É uma aposta<br />

para continuar?<br />

É uma aposta não só para continuar, mas<br />

para reforçar. No que diz respeito à vacinação,<br />

gostaria de salientar os resultados do<br />

recente estudo promovido pela Comissão Europeia,<br />

que revela que Portugal é o país da<br />

União Europeia com a maior percentagem de<br />

população a confiar nas vacinas, considerando-as<br />

seguras, efetivas e importantes para<br />

as crianças: 98% dos portugueses defendem<br />

que as vacinas são importantes para as crianças,<br />

96,6% entendem que são efetivas e 95%<br />

dizem que são seguras. A esse respeito, é de<br />

saudar o nível de vacinação dos recém-nascidos,<br />

não obstante ainda existir trabalho a<br />

fazer junto das faixas etárias mais elevadas.<br />

Relativamente ao nosso portfólio nessa<br />

área, a vacina contra a Meningite B (Bexsero)<br />

é uma prioridade absoluta. A Meningite<br />

B é uma doença devastadora, com sintomas<br />

iniciais muito inespecíficos, podendo<br />

ter um início muito rápido e que evolui para<br />

« A GSK está com uma<br />

performance sólida, tendo<br />

em conta os desafios<br />

e os constrangimentos<br />

financeiros que o país<br />

e o sistema de saúde<br />

enfrentam. Estamos a<br />

conseguir disponibilizar<br />

a nossa inovação aos<br />

doentes, nomeadamente<br />

na área respiratória e<br />

vacinas, que são o foco da<br />

nossa atividade »<br />

doença grave em apenas 15-24 horas. Entre<br />

12–20% dos sobreviventes têm sequelas<br />

significativas e incapacidades a longo prazo,<br />

como paralisia, surdez, deficiência mental,<br />

amputações, perda auditiva e convulsões.<br />

A mortalidade pode atingir 10-20%, mesmo<br />

com tratamento antibiótico adequado, pelo<br />

que a melhor estratégia para prevenir este<br />

flagelo é a vacinação.<br />

NOVEMBRO 2018 | NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE 17


SAÚDE ONLINE | ENTREVISTA<br />

Na área respiratória, os nossos medicamentos<br />

mais recentes – Anoro, Relvar e Nucala<br />

– são superiores em termos de eficácia<br />

a alguns dos já existentes. Para 2019, está<br />

previsto o lançamento de um novo medicamento<br />

na área respiratória, mais concretamente<br />

no tratamento da doença pulmonar<br />

obstrutiva crónica (DPOC). Trata-se do Trelegy<br />

Ellipta, uma terapêutica tripla disponível<br />

num único inalador, que representa um<br />

milestone para o tratamento da DPOC. Se<br />

pensarmos que esta doença é, em Portugal,<br />

a sétima causa de morte prematura, percebemos<br />

que ainda existe uma grande necessidade<br />

médica por responder a este nível.<br />

O desenvolvimento de medicamentos que<br />

reduzam as exacerbações, os internamentos<br />

e a mortalidade é crucial. Assim sendo,<br />

estamos muito entusiasmados com o lançamento<br />

do Trelegy Ellipta, que demonstrou<br />

uma eficácia sem precedentes na redução<br />

das exacerbações em doentes com DPOC.<br />

Acreditamos que este fármaco vai beneficiar<br />

um grupo de doentes, em Portugal, que necessita<br />

de tratamentos mais eficazes.<br />

Que novidades são esperadas para os<br />

próximos anos?<br />

A curto-médio prazo, como referi, estamos<br />

absolutamente focados na área respiratória,<br />

nomeadamente, nos desafios que patologias<br />

tão limitantes como a DPOC e a Asma Grave,<br />

representam para os profissionais de saúde<br />

e os doentes. Paralelamente, os nossos profissionais<br />

de investigação e desenvolvimento<br />

continuam a trabalhar em diferentes frentes e<br />

uma das áreas em que esperamos ter lançamentos<br />

muito em breve é em Oncologia. Está<br />

previsto, brevemente, o lançamento de um<br />

medicamento para o mieloma múltiplo. É um<br />

tratamento estudado na população de doentes<br />

refractários à terapêutica convencional.<br />

Comparando com os diferentes cenários<br />

geográficos por onde passou, foi difícil<br />

adaptar-se à realidade portuguesa?<br />

De forma alguma. Portugal é um país fantástico,<br />

com pessoas maravilhosas. Além disso,<br />

a oportunidade de trabalhar em diferentes<br />

mercados e países, com ambientes socioeconómicos<br />

e culturais diversos, permite-nos<br />

alargar horizontes, não só em relação à forma<br />

como encaramos os mercados, mas também<br />

no que diz respeito à nossa visão do mundo.<br />

Isso acaba por influenciar a forma como<br />

crescemos e nos desenvolvemos enquanto<br />

líderes, permitindo sermos capazes de encarar<br />

diferentes pontos de vista e incorporar as<br />

melhores práticas dos mercados que já conhecemos<br />

e onde já trabalhámos.<br />

Quais foram os principais desafios que<br />

teve de enfrentar?<br />

A questão da inovação é extremamente<br />

desafiante, sobretudo, devido ao subfinanciamento<br />

crónico do sistema de saúde. Em<br />

Portugal, o tempo médio que leva até a inovação<br />

terapêutica chegar “às mãos” dos<br />

doentes é superior relativamente a outros<br />

países da Europa, ou seja, não somos capazes<br />

de disponibilizar a inovação aos doentes<br />

à velocidade que gostaríamos.<br />

De qualquer forma, temos estado a acompanhar,<br />

com elevadas expetativas, o esforço<br />

que as autoridades estão a fazer no sentido<br />

de reverter esta situação e procurar disponibilizar<br />

mais cedo a inovação aos doentes<br />

portugueses. Teremos que aguardar mais<br />

algum tempo para ver os resultados práticos<br />

dessa motivação e se vem acompanhada de<br />

uma vontade política e económica de investir<br />

mais na saúde da população.<br />

O SNS é um “cliente difícil?”<br />

Queria, antes de mais, aproveitar esta oportunidade<br />

para, em nome da GSK Portugal,<br />

endereçar as minhas felicitações à nova ministra<br />

da saúde e respetiva equipa, desejando<br />

os maiores sucessos nas novas funções.<br />

O sucesso do Ministério da Saúde, será sempre<br />

o sucesso do SNS e dos portugueses.<br />

Relativamente à sua questão, o SNS tem<br />

sido classificado como um dos melhores a<br />

nível mundial em termos de outcomes. Esse<br />

facto deve-se, em grande parte, ao excelente<br />

trabalho dos profissionais de saúde.<br />

Apesar dos bons resultados do SNS, há<br />

que garantir a sustentabilidade do sistema<br />

de saúde e procurar dar resposta aos principais<br />

desafios. O sub-financiamento crónico,<br />

que está diretamente relacionado com<br />

o elevado tempo que os doentes demoram<br />

a ter acesso à inovação, é uma das áreas<br />

que necessita de mais e melhor atenção. O<br />

Orçamento de Estado para o próximo ano,<br />

aparentemente, demonstra já essa preocupação,<br />

mas necessitamos aguardar pela<br />

sua discussão na especialidade e posterior<br />

aprovação para saber, em concreto, o que<br />

podemos esperar ao nível de uma maior<br />

dotação e aposta no SNS, com uma visão<br />

clara do que representa o investimento na<br />

saúde dos portugueses.<br />

Paralelamente, é absolutamente fundamental<br />

que todos os atores do sistema –<br />

autoridades políticas e regulamentares,<br />

players da Indústria Farmacêutica, profissionais<br />

de saúde e associações de doentes<br />

– se unam para promover o diálogo e<br />

a cooperação em torno da sustentabilidade<br />

do nosso SNS, para que, desta forma, se<br />

consiga dar resposta às necessidades da<br />

nossa população, gerando mais e melhor<br />

saúde em Portugal.<br />

NOTA BIOGRÁFICA<br />

Silvia Guichardo nasceu na República Dominicana, em 1968. É licenciada em Ciências<br />

Farmacêuticas, pela Universidade Tecnológica de Santiago, com um MBA, pela Universidade<br />

Católica Pontifical Madre & Maestra, e diversas formações avançadas, na<br />

área da gestão, em universidades norte-americanas. Iniciou o seu percurso profissional<br />

na Indústria Farmacêutica na filial Lilly, na República Dominicana, tendo transitado em<br />

2005 para A GSK EUA, onde desempenhou vários cargos de liderança nas áreas do<br />

marketing, vendas e acesso ao mercado. Em julho de 2016, foi nomeada diretora de<br />

marketing da área respiratória da GSK Espanha, onde foi responsável pelo lançamento<br />

e relançamento de vários produtos, incluindo o primeiro medicamento biológico para<br />

o tratamento da asma eosinofílica grave. No início deste ano, assumiu a liderança da<br />

área farmacêutica da GSK Portugal.<br />

18 NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE | NOVEMBRO 2018


SAÚDE ONLINE | ENTREVISTA<br />

Saúde Online (SO) | Quais são os grandes<br />

mitos que ainda subsistem relativamente<br />

à anestesia?<br />

Dr. Pais Martins (PM) | Esses grandes mitos<br />

têm a ver sobretudo com a segurança.<br />

Para muitos, a anestesia continua a ser<br />

algo desconhecido, pese embora todas as<br />

campanhas de divulgação sobre o tema. A<br />

anestesiologia (melhor dito que anestesia,<br />

porque a anestesiologia engloba uma série<br />

de áreas em que o anestesiologista é perito)<br />

é hoje uma ciência completamente segura<br />

e com uma reduzida morbimorbilidade associada.<br />

A medicina do intraoperatório é aquela<br />

que os doentes temem mais: pensam “vão<br />

pôr-me a dormir. Será que poderei não acordar?”.<br />

Este é um dos muito mitos que estão<br />

associados à anestesiologia.<br />

ANTÓNIO PAIS MARTINS<br />

Chefe de Serviço de Anestesiologia<br />

do Hospital São Francisco Xavier<br />

“O medo de ‘não<br />

acordar’ não tem<br />

razão de existir”<br />

Na semana em que assinalou o Dia Mundial da Anestesia,<br />

o Saúde Online esteve à conversa com o Chefe de Serviço<br />

de Anestesiologia do Hospital São Francisco Xavier.<br />

António Pais Martins destaca a segurança dos procedimentos<br />

anestésicos nos dias de hoje e garante que a incidência de efeitos<br />

secundários no pós-operatório tem vindo a diminuir.<br />

SO | Mas existe o risco de o doente não<br />

acordar ou essa hipótese só se coloca<br />

com doentes mais velhos?<br />

PM | As técnicas anestésicas têm evoluído<br />

muito ao longo dos tempos. A anestesia geral,<br />

entre as várias técnicas utilizadas pelo<br />

anestesiologista, é extremamente segura e<br />

com uma reduzida taxa de complicações.<br />

Portanto, diria que podem haver desfechos<br />

fatais no intraoperatório, relacionados não<br />

só com a técnica anestésica, como também<br />

com o procedimento cirúrgico, mas<br />

esse medo do “não acordar” não tem razão<br />

de existir. Certo é que a população mundial<br />

está a envelhecer e, com o prolongar da<br />

vida, hoje é frequente um doente com 90<br />

anos ser operado. Ora, estes doentes têm<br />

comorbilidades diversas (insuficiências respiratórias,<br />

cardíacas, etc) que podem ditar<br />

desfechos menos favoráveis. No entanto, a<br />

optimização pré-operatória destes doentes<br />

contribui significativamente para obter melhores<br />

resultados.<br />

SO | O anestesiologia pode aconselhar<br />

que a cirurgia não se realize?<br />

PM | Pode e deve, se tal contribuir para melhorar<br />

o resultado do ato anestésico cirúrgico.<br />

No entanto, se a situação for emergente,<br />

a cirurgia tem de ser feita. Não se deve<br />

iniciar o ato anestésico em doentes com<br />

expectativa de vida limitada, com elevado<br />

risco de morte ou recuperação funcional gravemente<br />

comprometida, sem discutir com a<br />

equipa e o doente, os resultados esperados<br />

e os objetivos do tratamento.<br />

Em situações programadas, nós podemos<br />

protelar – e muitas vezes é protelada a data<br />

da cirurgia – para haver uma otimização ade-<br />

20 NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE | NOVEMBRO 2018


ENTREVISTA | SAÚDE ONLINE<br />

« As técnicas<br />

anestésicas têm<br />

evoluído muito ao longo<br />

dos tempos. A anestesia<br />

geral, entre as várias<br />

técnicas utilizadas pelo<br />

anestesiologista, é<br />

extremamente segura e<br />

com uma reduzida taxa<br />

de complicações »<br />

quada do doente. Por exemplo, um doente<br />

com asma brônquica grave e que é proposto<br />

para uma colecistectomia por litíase vesicular.<br />

Previamente à cirurgia deve haver uma<br />

optimização respiratória multifacetada.<br />

SO | Quando fala em “otimizar” refere-se<br />

diretamente ao quê?<br />

PM | Passa por uma otimização da terapêutica<br />

médica que o doente está a fazer. Estes<br />

doentes são também incluídos muitas vezes<br />

em programas de fisioterapia e cinesioterapia<br />

respiratória no pré-operatório. Outra<br />

otimização que é frequentemente feita está<br />

relacionada com os níveis analíticos, como,<br />

por exemplo, os valores de hemoglobina.<br />

Todos estes factores são e devem ser optimizados<br />

antes da operação. É um trabalho<br />

efectuado no pré-operatório que contribui<br />

para o sucesso da cirurgia. O doente não é<br />

admitido no hospital para ser anestesiado,<br />

mas sim para ser submetido a um procedimento<br />

cirúrgico ou diagnostico que requer<br />

a participação do anestesiologista. O anestesiologista<br />

é, assim, quem garante a segurança<br />

do doente.<br />

SO | Quando o doente está anestesiado<br />

como é que se faz a monitorização da<br />

anestesia?<br />

PM | A partir do momento em que o doente<br />

é proposto para cirurgia, o anestesiologista<br />

tem ao seu dispor uma monitorização clínica,<br />

instrumental e laboratorial extremamente<br />

eficaz. Quando falamos de anestesia geral,<br />

de uma forma extremamente simplista, podemos<br />

explicá-la como um triângulo, onde<br />

cada vértice corresponde a um dos três<br />

componentes da anestesia geral: a analgesia,<br />

o relaxamento muscular e estado de<br />

inconsciência. Ora é sobre estes três vértices<br />

que incide a monitorização da anestesia<br />

geral. Dependendo do estado funcional do<br />

doente e da agressão do procedimento, leia-<br />

-se cirurgia, é aumentado o nível standard<br />

de monitorização.<br />

A par disto, temos tido o desenvolvimento<br />

de algumas técnicas anestésicas, nomeadamente<br />

a anestesia regional, que veio<br />

aumentar a segurança e o bem-estar dos<br />

doentes. Nos dias de hoje, é extremamente<br />

raro que numa cirurgia dos membros inferiores,<br />

por exemplo, se tenha que recorrer<br />

à anestesia geral. Com a ecografia aplicada<br />

à anestesiologia, conseguimos bloquear<br />

os nervos seletivamente. Com este tipo de<br />

anestesia, mantemos intactas as funções<br />

respiratórias e cardiocirculatórias do doente<br />

e limitamos a um nível residual a incidência<br />

de incidentes e acidentes.<br />

SO | É frequente ser administrada uma<br />

quantidade demasiado alta ou demasiado<br />

baixa de anestesia?<br />

PM | Não. O anestesiologista é também um<br />

expert em farmacologia. Portanto, todos os<br />

fármacos são administrados tendo em conta<br />

as características farmacológicas do mesmo,<br />

o peso do doente e as necessidades<br />

anestésicas. Esse mito da sobredosagem<br />

de fármacos é mais um de entre aqueles de<br />

que falávamos há pouco.<br />

Outro medo é o de despertar no intraoperatório.<br />

Esta é uma das complicações temíveis<br />

e à qual o anestesiologista tem de estar<br />

sempre atento. Pode gerar um stress pós-<br />

-traumático enorme. Imagine-se um doente<br />

acordado e paralisado, a sentir dor e a ouvir<br />

tudo o que o rodeia. Os doentes podem ficar<br />

descansados porque a probabilidade de isto<br />

acontecer – não vou dizer que é zero – mas<br />

é infinitamente reduzida. A monitorização<br />

utilizada nos dias de hoje contribui para que<br />

tal não aconteça.<br />

SO | Qual é o procedimento em que o<br />

doente pede mais anestesia do que aquela<br />

que está recomendada, ou seja, em<br />

que pede uma anestesia geral em vez de<br />

uma regional?<br />

PM | Uma das contraindicações para a realização<br />

de anestesia regional é a recusa do<br />

doente. Por exemplo, não se pode nem deve<br />

realizar uma anestesia epidural, frequentemente<br />

utilizada na obstetrícia, contra a vontade<br />

expressa da doente.<br />

SO | Quais são os efeitos secundários de<br />

uma anestesia no pós-operatório?<br />

PM | Digamos que o efeito secundário mais<br />

frequente são as náuseas e vómitos. Muito<br />

desagradável para os doentes, a sua incidência<br />

está relacionada com a utilização de<br />

determinados fármacos, o tipo de cirurgia<br />

e local anatómico. Outros fatores, como a<br />

instabilidade hemodinâmica, o nível de profundidade<br />

anestésica e a presença ou não<br />

de hábitos tabágicos (os fumadores têm menos<br />

náuseas e vómitos), contribuem para a<br />

maior ou menor incidência deste efeito. No<br />

entanto, tem havido um progresso enorme<br />

no controlo destes sintomas, sou anestesiologista<br />

há mais de 25 anos, e posso dizer<br />

que o pós-operatório de hoje não tem nada<br />

a ver com aquilo que era há uns anos, quer<br />

no controlo analgésico, quer no controlo de<br />

náuseas e vómitos.<br />

SO | Que tipos de anestesia existem?<br />

PM | Existem vários tipos de técnicas anestésicas:<br />

a anestesia geral, a anestesia regional,<br />

a sedação e os cuidados anestésicos<br />

monitorizados. Uma das técnicas que tem<br />

tido um enorme desenvolvimento nos últimos<br />

anos é a anestesia regional, fruto sobretudo<br />

da aplicação da ecografia.<br />

A anestesia do neuroeixo, nomeadamente<br />

a anestesia e analgesia epidural, muito utilizada<br />

no trabalho de parto, continua a ser o<br />

gold standart na analgesia em Obstetrícia.<br />

A sedação é outras das técnicas anestésicas<br />

onde o anestesiologista é perito. Pensar<br />

hoje em fazer uma colonoscopia sem<br />

apoio anestésico será quase criminoso. O<br />

mesmo se passa com diversos exames de<br />

diagnostico e tratamento, realizados em<br />

doentes em idade pediátrica, em doentes<br />

com patologia oftalmológica ou ORL. Há<br />

uma série de exames e técnicas que só podem<br />

ser feitos, com toda o conforto e segu-<br />

« Existem vários tipos<br />

de técnicas anestésicas: a<br />

anestesia geral, a anestesia<br />

regional, a sedação e os<br />

cuidados anestésicos<br />

monitorizados.<br />

Uma das técnicas que<br />

tem tido um enorme<br />

desenvolvimento nos<br />

últimos anos é a anestesia<br />

regional, fruto sobretudo da<br />

aplicação da ecografia »<br />

NOVEMBRO 2018 | NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE 21


SAÚDE ONLINE | ENTREVISTA<br />

rança, com o apoio do anestesiologista.<br />

SO | A sedação é uma técnica que é feita<br />

apenas por anestesiologistas ou pode ser<br />

feita por outro médico?<br />

PM | Isso é um ponto quente. Do ponto de<br />

vista técnico e de segurança, a sedação é<br />

uma técnica anestésica e, como tal, só deve<br />

ser feita por um anestesiologista. Se recuarmos<br />

no tempo, lembramo-nos de caso do<br />

Michael Jackson, que tinha um cardiologista<br />

a administrar-lhe um sedativo para dormir e,<br />

claro, não correu bem… Nós lidamos com<br />

fármacos extremamente potentes, depressores<br />

do estado de consciência e, em muitos<br />

casos, depressores do sistema respiratório.<br />

A sedação tem vários níveis de profundidade.<br />

Por exemplo, uma sedação para a realização<br />

de uma endoscopia digestiva alta,<br />

não obriga ao mesmo nível de profundidade<br />

de uma sedação para uma broncoscopia rígida.<br />

Por outro lado, cada doente é um doente,<br />

com os seus limiares álgicos e de ansiedade,<br />

com patologia associada especifica. Não é<br />

assim recomendado, que o médico que realiza<br />

o exame/procedimento seja o responsável<br />

pela sedação. Isso dá sempre asneira e, infelizmente,<br />

temos múltiplos casos que documentam<br />

o que acabo de afirmar.<br />

SO | Mas a realidade é que temos carência<br />

de anestesiologistas em Portugal.<br />

PM | É um facto, é noticia frequente a falta<br />

de anestesiologistas nos hospitais portugueses.<br />

Mas esse facto não pode ser motivo<br />

para comprometermos a segurança do<br />

doente. Muitas vezes fazer uma sedação<br />

é mais difícil, do ponto de vista técnico, do<br />

que fazer uma anestesia geral. Imagine-se<br />

o que é alguém estar a fazer uma anestesia<br />

geral sem conhecimentos técnicos e sem<br />

que esteja certificado para tal. Os doentes<br />

não iriam aceitar tal facto, como não devem<br />

aceitar que uma sedação seja feita por não<br />

anestesiologistas.<br />

SO | Uma das terapêuticas usadas para<br />

acelerar a recuperação e evitar possíveis<br />

efeitos secundários são os Agentes Reversores<br />

de Bloqueio Neuromuscular. De<br />

que se trata?<br />

PM | Entre outros, os relaxantes musculares<br />

são muitos usados na anestesia geral.<br />

Estes fármacos são usados para criar as<br />

condições necessárias para o cirurgião poder<br />

operar. Têm tempos de ação próprios,<br />

que o anestesiologista conhece bem, e em<br />

função disso, vai administrando ou não.<br />

Nós tínhamos agentes reversores destes<br />

fármacos mas com elevados efeitos secundários.<br />

Com a introdução no mercado, não<br />

há muitos anos, de um agente reversor de<br />

elevada qualidade e com poucos efeitos<br />

secundários, a incidência de curarização residual<br />

nos pós-operatório foi drasticamente<br />

reduzida. Tem o problema de ter um preço<br />

elevado, que depois é diluído no custo geral<br />

da intervenção anestésico cirúrgica.<br />

« A Sociedade Portuguesa<br />

de Anestesiologia, o Colégio<br />

de Anestesiologia da Ordem<br />

dos Médicos e os Serviços<br />

de Anestesiologia dos<br />

hospitais portugueses tem<br />

a preocupação constante<br />

de formar, com cada<br />

vez maior qualidade, os<br />

anestesiologistas mais<br />

novos. Essa é a nossa<br />

grande aposta »<br />

SO | Quais são os grandes desafios que<br />

podemos esperar encontrar nos próximos<br />

anos nesta área?<br />

PM | A Sociedade Portuguesa de Anestesiologia,<br />

o Colégio de Anestesiologia da Ordem<br />

dos Médicos e os Serviços de Anestesiologia<br />

dos hospitais portugueses tem a preocupação<br />

constante de formar, com cada vez<br />

maior qualidade, os anestesiologistas mais<br />

novos. Essa é a nossa grande aposta.<br />

Outro desafio fundamental é o investimento<br />

na segurança do doente. Nós atingimos<br />

patamares de segurança fantásticos e esse<br />

vai ter de continuar a ser o enfoque. Por outro<br />

lado, não abdicamos das nossas áreas<br />

de especialização: a medicina do per operatório,<br />

a medicina da dor e a medicina intensiva<br />

e de urgência.<br />

Para além disso, a investigação. Cada vez<br />

mais, temos médicos doutorados na área<br />

da anestesiologia, que era um fenómeno<br />

residual até há bem pouco tempo. Esses<br />

doutorados serão responsáveis pela investigação<br />

de novos fármacos, novos monitores<br />

e, naturalmente, novas e inovadoras<br />

técnicas anestésicas.<br />

SO | Há alguma inovação ou avanço que<br />

gostasse de ver concretizado nos próximos<br />

anos?<br />

PM | A nível terapêutico, falamos muitas<br />

vezes do anestésico ideal. Gostava que,<br />

no curto prazo, houvesse esse fármaco.<br />

Temos alguns que se aproximam dos anestésicos<br />

ideais mas, neste caso, seria um<br />

fármaco que tivesse efeitos anestésicos<br />

e analgésicos, sem causar depressão do<br />

centro respiratório e sem efeitos cardiovasculares<br />

nocivos.<br />

22 NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE | NOVEMBRO 2018


ESPECIAL<br />

USF Genesis<br />

Equipa já conseguiu<br />

abranger toda a população<br />

Desde 2013 que a USF Genesis não para de crescer. De tal modo que<br />

cinco anos depois da sua constituição, conseguiu integrar todos os<br />

utentes da sua área de influência (Póvoa de Santo Adrião e Olival de<br />

Basto), dando-lhes as mesmas oportunidades de acesso e a mesma<br />

qualidade de cuidados. Os últimos 3.500 utentes chegaram há cerca<br />

de dois meses. Para uma equipa que congrega 11 médicos - seis dos<br />

quais recém-especialistas - 11 enfermeiros e seis secretários clínicos, o<br />

ano de 2018 centra-se na consolidação dos processos e num trabalho<br />

árduo, difícil e exigente, na perspetiva de um futuro melhor, tanto para<br />

os utentes como para os profissionais<br />

USF GENESIS


UMA INICIATIVA<br />

Dr. Hugo Fernando Gaspar, coordenador da USF Genesis: “Estamos a<br />

privilegiar a forma organizativa da USF. O nosso objetivo é que todos<br />

tenham a mesma linguagem e os mesmos métodos de trabalho”<br />

Todos os utentes de Póvoa de<br />

Santo Adrião e Olival de Basto, do<br />

agrupamento de centros de saúde<br />

(ACES) Loures/Odivelas, estão<br />

hoje a receber cuidados personalizados,<br />

abrangentes e de qualidade<br />

graças ao alargamento da<br />

USF Genesis. Após a abertura,<br />

em 2013, a equipa tem vindo a ser<br />

sucessivamente reforçada, com a<br />

entrada de novos médicos e enfermeiros.<br />

De acordo com o coordenador,<br />

Hugo Fernando Gaspar, “o<br />

nosso objetivo era cobrir integralmente<br />

a União de Freguesias de<br />

Póvoa de Santo Adrião/Olival de<br />

Basto. Iniciámos a atividade com<br />

seis médicos mas desde 2013<br />

que a equipa não parou de crescer.<br />

Hoje, temos 11 médicos, 11<br />

enfermeiros e seis administrativos,<br />

o que significa que atingimos<br />

a lotação máxima, com 19.500<br />

utentes inscritos”.<br />

Os primeiros médicos e enfermeiros<br />

que integraram a unidade<br />

de saúde familiar trabalhavam<br />

em unidades de cuidados de<br />

saúde personalizados (UCSP) de<br />

Odivelas. A constituição da USF<br />

avançou no momento em que se<br />

concluiu a construção de um novo<br />

edifício com capacidade para albergar<br />

a USF, uma UCSP, a unidade<br />

de cuidados na comunidade<br />

(UCC) e a unidade de recursos assistenciais<br />

partilhados (URAP). “O<br />

grande passo deu-se após a conclusão<br />

do Internato Médico de um<br />

grupo de quadro internos de MGF.<br />

A entrada desses recém-especialistas<br />

permitiu o último alargamento<br />

da USF e, consequentemente,<br />

o encerramento da UCSP”.<br />

Contudo, o fluxo contínuo de novos<br />

utentes - na sua maioria, migrantes<br />

- não parou. Já no limite<br />

máximo da capacidade, a direção<br />

do ACES contratou dois médicos<br />

de recurso para dar resposta<br />

às novas inscrições de utentes.<br />

Provisoriamente, estes profissionais<br />

dão consulta nas instalações<br />

da anterior UCSP, uma vez por<br />

semana, estando prevista a sua<br />

transferência para o centro de<br />

saúde de Odivelas assim que estiverem<br />

concluídas as obras do<br />

novo edifício. Até então, estes médicos<br />

contam com o apoio dos<br />

profissionais de enfermagem e do<br />

secretariado clínico da USF.<br />

Um grande desafio pela frente<br />

A unidade de saúde familiar está<br />

inserida numa região caraterizada<br />

por uma população migrante<br />

e multicultural. Trata-se também<br />

de “uma população muito extensa<br />

que estamos a começar a estudar,<br />

tratar, e acompanhar”. Por<br />

isso, 2018 é encarado pela equipa<br />

como o ano da estabilização e<br />

consolidação.<br />

Neste contexto, e apesar de ter<br />

seis médicos recém-especialistas,<br />

a USF optou por não receber<br />

ainda internos de Medicina Geral<br />

e Familiar. “Precisamos de entre<br />

um a dois anos para conhecer a<br />

nossa população”. Isso implica<br />

tempo e disponibilidade e seria<br />

complicado, na opinião do coordenador,<br />

“dedicar-nos simultaneamente<br />

aos nossos internos e aos<br />

nossos utentes com a mesma intensidade”.<br />

Contudo, “recebemos<br />

internos do Ano Comum, alunos<br />

das faculdades de Medicina e de<br />

Enfermagem, sem esquecer a dinamização<br />

de ações de formação<br />

destinadas aos profissionais da<br />

nossa USF”.<br />

Para além de um trabalho exigente,<br />

entre as 8 da manhã e as<br />

20 horas, nos dias úteis, há vários<br />

médicos, enfermeiros e administrativos<br />

da USF que trabalham,<br />

em conjunto com outros profissionais<br />

do ACES, no Atendimento<br />

Complementar (AC) que funciona<br />

naquele edifício, todos os dias da<br />

semana entre as 18 e as 22 horas,<br />

e aos fins-de-semana entre as 10<br />

e as 20 horas.<br />

“É uma correria, mas estamos<br />

a dar conta do recado”, garante<br />

Maria de Fátima Gonçalves, responsável<br />

administrativa da USF.<br />

Até porque as expetativas são<br />

animadoras, prevendo-se, dentro<br />

de algum tempo, o reforço do<br />

setor com a entrada de um sétimo<br />

elemento.<br />

Já no que diz respeito ao sistema<br />

informático e demais equipamento,<br />

como computadores e impressoras,<br />

as perspetivas não são tão risonhas.<br />

Existe apenas uma impressora<br />

para os três postos de trabalho<br />

do setor administrativo<br />

“É uma correria, mas estamos a dar conta do recado”, apesar<br />

das condições algo precárias, diz Maria de Fátima Gonçalves,<br />

responsável administrativa da USF.<br />

Sala de espera da USF Genesis<br />

USF GENESIS


ESPECIAL<br />

e, quando um computador avaria,<br />

como aconteceu com o seu, “há<br />

documentos que não são recuperados,<br />

por falta de disponibilidade<br />

do setor informático, tendo que<br />

voltar a ser introduzidos manualmente”.<br />

A este nível, “as condições<br />

são um pouco precárias”, admite.<br />

Os administrativos atendem, em<br />

média, 500 utentes por dia e chamam,<br />

à voz, cada um deles - “A<br />

28, senha verde!...”. Esta é, na<br />

opinião do coordenador, “uma situação<br />

incomportável” que poderia<br />

resolver-se facilmente com um<br />

painel eletrónico de chamada de<br />

senhas ou um quiosque. Contudo,<br />

“fizemos várias exposições sobre<br />

o assunto mas ainda não tivemos<br />

resposta”.<br />

Em relação à falta de impressoras,<br />

o médico concorda plenamente<br />

com a desmaterialização das receitas<br />

e dos meios complementares<br />

de diagnóstico. Mas, “as impressoras<br />

continuam a ser necessárias<br />

porque, para além de todo o trabalho<br />

burocrático que existe, ainda<br />

há pessoas que não têm e-mail ou<br />

mesmo telemóvel. A tecnologia não<br />

chega de igual modo a toda a gente!<br />

Vamos continuar a precisar de impressoras<br />

para lhes passar receitas<br />

em papel. Nomeadamente, aos<br />

doentes crónicos!”.<br />

Uniformizar cuidados<br />

é a palavra de ordem<br />

O coordenador não tem qualquer<br />

dúvida de que a integração<br />

de todos os utentes da União de<br />

Freguesias de Póvoa de Santo<br />

Adrião/Olival de Basto foi uma<br />

enorme mais-valia, uma vez que<br />

permitiu que todos tivessem as<br />

mesmas oportunidades de acesso<br />

a serviços de saúde de qualidade.<br />

No que diz respeito aos profissionais,<br />

“estamos a trabalhar também<br />

na perspetiva de um futuro<br />

melhor. Neste momento somos<br />

uma USF Modelo A mas pretendemos<br />

passar para Modelo<br />

B e sabíamos que para conseguir<br />

prestar os melhores cuidados<br />

possíveis teríamos que fazer este<br />

alargamento da equipa. Dá muitas<br />

A USF Genesis tem, neste momento, 19.500 doentes inscritos.<br />

Dra. Fátima Salvador , médica da USG Genesis.<br />

Enfermeira Margarida Duarte: “Gostávamos mesmo que esta USF<br />

atingisse o Modelo B e fosse uma referência na Póvoa de Santo Adrião”.<br />

Dra. Joana Pinto Sousa, médica da USF Genesis<br />

Dra. Patrícia Vilarinho, médica da USF Genesis.<br />

dores de cabeça, pois exige bastante<br />

organização e trabalho, mas<br />

está tudo a correr bem”.<br />

Desde 2017, o primeiro ano de trabalho<br />

com a equipa alargada, “que<br />

estamos a privilegiar a forma organizativa<br />

da USF. O nosso objetivo<br />

é que todos tenham a mesma<br />

linguagem e os mesmos métodos<br />

de trabalho. A partir daí - previsivelmente,<br />

a partir de maio - iremos<br />

focar-nos mais nos objetivos e indicadores.<br />

O nosso índice de desempenho<br />

global tem sempre crescido<br />

ao longo do tempo, apesar de<br />

há dois meses termos recebido<br />

3.500 novos utentes, muitos dos<br />

quais não tinham médico de família<br />

atribuído. A direção do ACES sabe<br />

que tem aqui uma super- equipa organizada<br />

e motivada para o trabalho<br />

que tem pela frente. Funciona e<br />

tem objetivos claros”.<br />

“Gostávamos mesmo que esta<br />

USF atingisse o Modelo B e fosse<br />

uma referência na Póvoa de Santo<br />

Adrião”, enfatiza a Enfermeira<br />

Margarida Duarte. “Normalmente,<br />

as pessoas não têm a noção de<br />

que esta é uma zona bastante carenciada.<br />

Temos jovens que trabalham<br />

em Lisboa e que residem<br />

aqui, mas também pessoas bastante<br />

idosas e carenciadas, com<br />

pouco apoio das instituições de<br />

retaguarda, bem como uma parte<br />

muito volátil de comunidades de<br />

imigrantes de Cabo Verde, Angola,<br />

Guiné, Índia e Paquistão. Garantir<br />

um acompanhamento adequado<br />

desses utentes representa um<br />

grande desafio para todos nós”.<br />

Face à evolução contínua da USF,<br />

derivada do alargamento progressivo<br />

a toda a população, o coordenador<br />

explica que “não nos<br />

foi possível contratualizar uma<br />

carteira adicional de serviços”.<br />

Contudo, essa é uma evolução<br />

prevista a curto prazo, tanto mais<br />

que o plano de ação da USF para<br />

2018 contempla já o início de consultas<br />

de cessação tabágica e de<br />

medicina do viajante. Na realidade<br />

“é mais um esforço que estamos a<br />

fazer para ir ao encontro dos nossos<br />

pressupostos futuros e do que<br />

a nossa população necessita”.<br />

PP-GEP-PRT-0163<br />

“O Conteúdo e as afirmações expressas nesta publicação são da exclusiva responsabilidade do(s) Entrevistado(s).”<br />

USF GENESIS


NACIONAL | SAÚDE ONLINE<br />

Mais de 150 mil crianças e jovens<br />

sem médico de família em Portugal<br />

Mais de 150 mil menores<br />

em Portugal ainda<br />

estão sem médico de<br />

família atribuído, mais de dois<br />

anos depois de estar em vigor<br />

legislação que estabelece que<br />

nenhuma criança deve ficar privada<br />

de médico de família.<br />

“Continuam a existir obstáculos<br />

à atribuição de médico de família<br />

a todos os menores de 18 anos,<br />

que são particularmente preocupantes<br />

na região de Lisboa e<br />

Vale do Tejo, mas também nas<br />

regiões autónomas dos Açores<br />

e da Madeira”, refere o relatório<br />

“Gerações Mais Saudáveis” que<br />

vai ser hoje divulgado pelo Conselho<br />

Nacional de Saúde.<br />

Segundo dados do relatório relativos<br />

a 31 de outubro deste ano,<br />

eram 153 mil as crianças e jovens<br />

até aos 18 anos sem médico<br />

de família em Portugal. A região<br />

de Lisboa e Vale do Tejo era<br />

a que registava maior número de<br />

menores sem médico de família,<br />

sendo quase 110 mil.<br />

Contudo, em termos percentuais,<br />

a região da Madeira é que tem<br />

a maior proporção de menores<br />

sem médico de família, sendo<br />

quase 40%. Segue-se Lisboa,<br />

com 16% dos menores sem médico<br />

de família, os Açores, com<br />

11,8% e o Algarve, com 11,4%.<br />

No Norte, não chega a 1% a proporção<br />

de menores de 18 anos<br />

sem médico de família, no Centro<br />

são 1,9% e no Alentejo 3,3%.<br />

“Em outubro de 2018, mais de<br />

dois anos após a entrada em vigor<br />

da lei que estipula que nenhuma<br />

criança devia ficar privada de<br />

médico de família, existiam ainda<br />

mais de 150 mil crianças sem<br />

médico atribuído, sendo mais<br />

de 130 mil no continente”, refere<br />

o relatório do Conselho Nacional<br />

de Saúde, a que a agência<br />

Lusa teve acesso. O Conselho<br />

recomenda que seja reforçado o<br />

acesso aos cuidados de saúde<br />

primários para crianças, fazendo<br />

refletir na prática o que está na legislação:<br />

“É necessário assegurar<br />

que todas as crianças têm médico<br />

de família atribuído”. Em termos<br />

de acesso a cuidados de saúde<br />

por menores, os conselheiros do<br />

Governo sublinham, contudo,<br />

que o alargamento da isenção<br />

das taxas moderadoras na prestação<br />

de cuidados a menores<br />

de 18 anos “foi um importante<br />

passo para garantir a universalidade<br />

dos cuidados às crianças<br />

e jovens em Portugal”, o que<br />

acontece desde maio de 2015.<br />

O relatório do Conselho Nacional<br />

de Saúde intitulado “Gerações<br />

Mais Saudáveis” analisa as<br />

políticas públicas de proteção e<br />

promoção da saúde das crianças<br />

e jovens até aos 18 anos.<br />

LUSA<br />

Cerca de dois milhões de<br />

portugueses sofrem de enxaquecas<br />

“A causa da enxaqueca é multifatorial<br />

e infelizmente não<br />

conseguimos prever quem vai ter<br />

enxaquecas, exceto por algumas<br />

coisas como ter história familiar”,<br />

explica Miguel Rodrigues, membro<br />

da comissão científica da SPC<br />

Quase um milhão de portugueses<br />

sofre da doença<br />

há mais de 10 anos. Estudo,<br />

apresentado, no Congresso<br />

de Neurologia revela que 44%<br />

dos doentes dizem que crises de<br />

enxaqueca duram um ou mais<br />

dias. Cerca de 20% da população<br />

portuguesa tem enxaquecas. A<br />

conclusão é da Sociedade Portuguesa<br />

de Cefaleias (SPC), que<br />

estima que, destas, 700 mil pessoas<br />

sofram de enxaquecas graves<br />

– o que significa que têm mais<br />

de quatro crises de cefaleias por<br />

mês, com uma maior intensidade<br />

de dores. Para calcular o número<br />

de portuguesas com episódios de<br />

enxaqueca e de enxaqueca grave,<br />

a SPC baseia-se numa tese<br />

de doutoramento apresentada há<br />

mais de 20 anos (em 1995), o único<br />

estudo feito em Portugal sobre<br />

a doença. No entanto, como explica<br />

Miguel Rodrigues, membro<br />

da comissão científica da SPC ao<br />

Público, os números devem ser<br />

semelhantes na atualidade.<br />

A doença afeta mais mulheres<br />

que homens, sendo que as primeiras<br />

crises podem surgir na<br />

infância e adolescência. “A causa<br />

é multifatorial e infelizmente<br />

não conseguimos prever quem<br />

vai ter enxaquecas, exceto por<br />

algumas coisas como ter história<br />

familiar”, refere o especialista.<br />

Um estudo mundial, que avaliou a<br />

carga da enxaqueca do ponto de<br />

vista do doente, vai ser apresentado<br />

esta semana, segundo avança<br />

o jornal Público. Este trabalho<br />

mostra que metade dos pacientes<br />

portugueses faltou em média 3,8<br />

dias ao trabalho por causa das<br />

fortes dores de cabeça.<br />

O estudo, que investigou dados<br />

de mais de 11 mil doentes com<br />

pelo menos quatro dias de enxaqueca<br />

por mês (143 deles portugueses),<br />

vai ser apresentado no<br />

Congresso de Neurologia, que<br />

decorre entre 15 e 17 de novembro,<br />

no Porto. Promovido pela<br />

European Migraine e Headache<br />

Alliance (EMHA), organismo<br />

que junta várias associações de<br />

doentes, e financiado pelo laboratório<br />

farmacêutico Novartis, o<br />

trabalho conclui que a enxaqueca<br />

tem impacto na vida de mais<br />

de 80% dos inquiridos.<br />

De entre os inquiridos em Portugal,<br />

95% referiu dificuldades em<br />

dormir e mais de metade (54%)<br />

sentiu incompreensão por parte<br />

de outros. Quase 60% tem histórico<br />

de enxaqueca na família,<br />

sendo que, geralmente, a doença<br />

se manifesta de forma mais<br />

intensa entre os 35 e os 45 anos.<br />

43% dos doentes portugueses<br />

são afetados por enxaquecas há<br />

mais de dez anos e quase metade<br />

garantem que as crises de enxaqueca<br />

duram um ou mais dias.<br />

Os doentes reportaram uma média<br />

de dez dias de enxaqueca no<br />

mês anterior ao estudo.<br />

NOVEMBRO 2018 | NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE 27


SAÚDE ONLINE | ENTREVISTA<br />

MARIA JOSÉ PASSOS<br />

Presidente do Intergrupo<br />

Português do Melanoma<br />

“Imunoterapia já é<br />

utilizada em mais de<br />

metade dos casos de<br />

melanoma avançado”<br />

Na sequência do VI Simpósio<br />

do Melanoma, que<br />

decorreu no final de outubro,<br />

o Saúde Online esteve à<br />

conversa com a presidente do<br />

Intergrupo Português do Melanoma.<br />

Maria José Passos destaca a<br />

importância do diagnóstico precoce<br />

e o aparecimento de novas<br />

terapêuticas mas alerta para o<br />

aumento da incidência da doença<br />

em Portugal.<br />

Saúde Online (SO) | Quais são os sinais<br />

de alerta a que as pessoas devem estar<br />

atentas?<br />

Dra. Maria José Passos (MJP) | O melanoma<br />

é um tumor que se cura quando é diagnosticado<br />

precocemente. Às vezes é um pequeno<br />

pontinho preto, que é retirado e 99%<br />

das pessoas curam-se. Mas se deixarmos<br />

passar esta fase cirúrgica e surgirem aqueles<br />

sinais já de grandes dimensões, heterogéneos,<br />

muito feios, que sangram, o melanoma<br />

evolui para uma fase mais avançada<br />

e aqui é já uma doença muito dramática que<br />

pode não se curar. Muita gente desvaloriza,<br />

diz que é um “sinalzinho”.<br />

O principal grupo de risco é o dos indivíduos<br />

loiros, muito branquinhos, que não se chegam<br />

a bronzear – ficam queimados, todos<br />

vermelhos e Indivíduos que tenham antecedentes<br />

familiares de cancro de pele.<br />

Estas pessoas têm de ter muito cuidado com<br />

o sol. Ou seja, não se exporem nas horas<br />

perigosas (do meio dia às 16), que agora<br />

são cada vez mais perigosas por causa da<br />

diminuição da camada de ozono. E sobretudo<br />

ter muita atenção às crianças. No futuro,<br />

o sol todo que estas crianças apanharam<br />

pode ter consequências nefastas.<br />

SO | Como é que as pessoas podem perceber<br />

se esse sinal é realmente preocupante<br />

ou não?<br />

MJP | Qualquer sinal que aumente de dimensões,<br />

que seja novo, cuja coloração<br />

se tornou diferente, que seja assimétrico<br />

(imaginando uma linha que divide ao meio<br />

o sinal, se as duas partes não forem iguais)<br />

tem risco de ser maligno. A evolução do sinal<br />

é o mais importante – se for superior a 6,8<br />

milímetros já é bastante suspeito. A pessoa<br />

deve dirigir-se ao seu dermatologista. É claro<br />

que há casos raros que fogem as estas<br />

variantes. No entanto, apesar das campa-<br />

28 NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE | NOVEMBRO 2018


ENTREVISTA | SAÚDE ONLINE<br />

nhas e do trabalho fantástico que os dermatologistas<br />

têm feito ao longo dos últimos<br />

anos, aparecem ainda muitos doentes.<br />

Nós aqui no instituto temos também uma população<br />

um pouco enviesada porque vêm os<br />

casos mais difíceis. De qualquer das maneiras,<br />

vêm pessoas que já têm doenças muito<br />

avançadas e consultam o médico pela primeira<br />

vez e parece que nunca ouviram falar<br />

nestes assuntos.<br />

SO | E são pessoas mais velhas?<br />

MJP | Há dois grupos: temos gente nova mas<br />

o grupo maior são as pessoas com mais de<br />

65 anos. As pessoas mais velhas têm tido<br />

mais melanomas mas o melanoma também<br />

foi sempre conhecido por atingir pessoas<br />

mais novas (30,40 anos) e até crianças. Os<br />

americanos dizem que há um aumento de 1<br />

a 2% ao ano dos melanomas infantis. Há 30<br />

anos não se viam melanomas nas crianças<br />

e agora estamos a ver mais vezes. No total<br />

de casos, são cerca de 1%.<br />

SO | Para além da exposição solar, existem<br />

outras causas?<br />

MJP | Sim, também existem fatores genéticos:<br />

pessoas que têm muitos melanomas,<br />

que têm antecedentes familiares de melanoma.<br />

Mas é uma minoria em relação aos fatores<br />

ambientais. Neste momento também há<br />

terapêuticas mais avançadas do que havia<br />

há uns anos atrás.<br />

SO | Quais foram os temas em destaque<br />

no VI Simpósio do Melanoma, que decorreu<br />

no final de outubro, em Lisboa?<br />

MJP | Falou-se de muita coisa no simpósio.<br />

Falou de epidemiologia: nota-se que a melanoma<br />

tem vindo a aumentar no nosso país.<br />

Falou-se também da importância de termos<br />

um registo oncológico nacional. Ainda não<br />

temos os dados atuais e gostávamos de ter<br />

os dados para percebermos quantos melanomas<br />

temos hoje para sabermos isso todos<br />

os anos no país inteiro. Agora sabemos que<br />

as estimativas do Globocan 2018 indicam<br />

que há um aumento da incidência em Portugal.<br />

Temos dito que ronda os 8,9 casos por<br />

100 mil habitantes mas deve ir até aos 10.<br />

E cerca de 1300 novos casos por ano. Mas<br />

isto é uma estimativa, nós queremos ter os<br />

valores verdadeiros em cada ano.<br />

SO | Tem havido alguns problemas na<br />

formação do registo, nomeadamente<br />

no que diz respeito à confidencialidade<br />

dos dados.<br />

MJP | Sim, e também porque os registos estavam<br />

divididos por zonas (Norte, Centro) e<br />

« A imunoterapia é uma<br />

terapêutica que incide<br />

no hospedeiro – e não no<br />

tumor- de modo a que ele se<br />

defenda e lute contra o tumor.<br />

Vai estimular os linfócitos<br />

T de forma a fornecer o<br />

armamentário suficiente ao<br />

doente para que ele própria<br />

destrua o tumor»<br />

agora é preciso congregar tudo isso num só.<br />

Mas também num país tão pequeno como o<br />

nosso não faz sentido que não tenhamos os<br />

dados nacionais.<br />

Depois, falou-se da deteção precoce (prevenção<br />

secundária). Estiveram pessoas<br />

nesse simpósio que são as que mais sabem<br />

acerca do tratamento do melanoma: os dermatologistas<br />

(que se ocupam da prevenção<br />

e do diagnóstico), os cirurgiões (que operam<br />

os doentes e discutem os aspetos cirúrgicos),<br />

os oncologistas médicos.<br />

Nestes simpósios, estamos lá todos a discutir<br />

alguns pontos que sejam novos ou<br />

outros que causem discussão. Este ano<br />

tivemos uma mesa muito interessante sobre<br />

metastização cerebral, onde estiveram<br />

neurocirurgiões, oncologistas, radioterapeutas.<br />

O melanoma avançado tem uma<br />

grande incidência de metastização cerebral,<br />

comparado com outros tumores e já<br />

há terapêuticas interessantes (combinam<br />

neurocirurgia com radioterapia).<br />

SO | Quais são os tratamentos que são<br />

utilizados atualmente e quais podem surgir<br />

nos próximos tempos?<br />

MJP | No melanoma avançado, temos a<br />

sorte de dispor agora de tratamentos muito<br />

melhores. Digamos que os melanomas não<br />

são todos iguais. 40 ou 50% expressam uma<br />

determinada proteína, que resulta de uma<br />

alteração do DNA (o B-Raf). Esses doentes<br />

têm um comportamento diferente e têm um<br />

tratamento com terapêuticas dirigidas àquela<br />

mutação de DNA. A pessoa tem uma alteração<br />

e nós vamos fazer um medicamento<br />

que vai neutralizar aquela alteração.<br />

Já fazemos estes agentes dirigidos em primeira<br />

linha. Depois, em segunda linha, ainda<br />

podem fazer imunoterapia. Temos várias<br />

armas terapêuticas.<br />

SO | Qual é o tratamento usado em primeira<br />

linha?<br />

MJP | Normalmente, usam combinações de<br />

medicamentos. Dabrafenib + Trametinib é<br />

o que usamos neste momento, que é o tal<br />

inibidor B-Raf. Esta combinação é menos<br />

tóxica e tem uma eficácia idêntica às outras<br />

opções. E vão surgindo novas combinações,<br />

através de ensaios clínicos. Serão<br />

aprovadas posteriormente mas ainda não<br />

estão no mercado.<br />

Depois temos a imunoterapia, que é muito interessante.<br />

Ao contrário da terapêutica de que<br />

falávamos, aqui é uma terapêutica que incide<br />

no hospedeiro – e não no tumor- de modo a<br />

que ele se defenda e lute contra o tumor. Vai<br />

estimular os linfócitos T de forma a fornecer o<br />

armamentário suficiente ao doente para que<br />

ele própria destrua o tumor. E isso é um conceito<br />

muito interessante em que o melanoma<br />

foi pioneiro. A partir daqui este conceito foi extrapolado<br />

para o cancro do pulmão, da bexiga,<br />

da cabeça e pescoço, linfomas.<br />

SO | E, no caso do melanoma, a imunoterapia<br />

é usada em muitos casos?<br />

MJP | Nós usamos em primeira linha em<br />

todos os melanomas avançados que não<br />

possuam aquela mutação. Por exemplo,<br />

num doente avançado, fazemos sempre a<br />

determinação do B-Raf, é uma rotina. Se for<br />

negativo, entra logo na imunoterapia. Neste<br />

caso, faz anti PD 1. E temos tido resultados<br />

bastante animadores e com toxicidade mais<br />

baixa em comparação com a quimioterapia<br />

clássica, que não tem efeito nenhum no<br />

melanoma (foi praticamente abandonada).<br />

Mas temos de nos continuar a esforçar porque<br />

ainda há doentes que não respondem.<br />

Estão em estudo muitas moléculas novas e<br />

outros inibidores de check point no domínio<br />

da imunoterapia.<br />

SO | E em relação à radioterapia?<br />

MJP | A radioterapia é muito utilizada. Mesmo<br />

sendo paliativa, é importante para tirar as dores.<br />

Usa-se também para parar uma hemorragia<br />

e no tratamento da metastização cerebral.<br />

Usa-se agora também a radiocirurgia.<br />

SO | Todos os doentes são sujeitos a cirurgia<br />

quando chegam ao IPO?<br />

MJP | Nos casos mais precoces, são logo<br />

retirados os sinais. Mas pode haver um caso<br />

de um individuo que chega aqui com metástases<br />

por todos os lados e aí já não tem indicação<br />

cirúrgica.<br />

NOVEMBRO 2018 | NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE 29


SAÚDE ONLINE | NACIONAL<br />

Número de reações adversas a medicamentos<br />

não para de aumentar. Há 30 casos por dia<br />

Números de situações reportadas<br />

à Autoridade<br />

Nacional do Medicamentos<br />

(Infarmed) quase duplicou<br />

nos primeiros seis meses do ano.<br />

Infarmed apela ao reporte com<br />

campanha dirigida, este ano, a<br />

grávidas, bebés e crianças.<br />

Só nos primeiros seis meses<br />

de 2018 a autoridade do medicamento<br />

registou em média 30<br />

casos de reações adversas a fármacos<br />

por dia, num total de 5385<br />

notificações. Estes números,<br />

avançados pelo Jornal de Notícias,<br />

a 19 de novembro, representam<br />

um aumento significativo<br />

em relação ao ano passado.<br />

Em 2017 registaram-se, em média,<br />

17 casos por dia (6105 no<br />

total do ano). Os casos mais<br />

severos foram reportados na<br />

sequência da utilização de fármacos<br />

inovadores na área oncológica.<br />

Um terço dos casos<br />

aconteceu na população idosa.<br />

No entanto, o aumento das notificações<br />

de reações adversas<br />

não significa que esteja em causa<br />

a segurança e a qualidade<br />

dos medicamentos. Sofia Oliveira<br />

Martins, vogal do Conselho<br />

Diretivo do Infarmed, lembra ao<br />

JN a criação do portal RAM (reações<br />

adversas ao medicamento),<br />

em 2017, que tornou mais<br />

simples o processo de reporte.<br />

A maior literacia dos cidadãos<br />

também ajuda a explicar parte<br />

do aumento. Contudo, segundo<br />

Sofia Oliveira Martins, Portugal<br />

está ainda abaixo do número de<br />

notificações esperados, segundo<br />

estudos internacionais.<br />

O recurso à automedicação, o aumento<br />

do consumo de fármacos,<br />

o cruzamento de comprimidos e<br />

a toma de produtos naturais estão<br />

entre as principais causas<br />

dos efeitos secundários. O uso<br />

abusivo dos antibióticos também<br />

pode contribuir para uma menor<br />

tolerância a certos fármacos.<br />

Em 2017, foram contabilizados<br />

quase 4 mil casos de reações adversas<br />

graves. A maior parte dessas<br />

reações não estavam descritas<br />

nas bulas dos medicamentos.<br />

Campanha<br />

Com o objetivo de apelar aos<br />

cidadãos para que reportem as<br />

situações de reações adversas<br />

a algum medicamento, o Infarmed<br />

lançou no mesmo dia uma<br />

campanha nas redes sociais.<br />

Este ano a campanha coloca o<br />

foco nas grávidas, nos bebés e<br />

nas crianças. “Isso é ainda mais<br />

importante, porque usamos muitas<br />

vezes medicamentos em<br />

crianças que não têm ensaios<br />

próprios e estamos a extrapolar<br />

o conhecimento que temos dos<br />

medicamentos para adultos”,<br />

explica Maria do Céu Machado,<br />

presidente do Infarmed.<br />

Mais de 60% dos enfermeiros portugueses<br />

estão insatisfeitos com a profissão<br />

Um novo estudo indica que<br />

61% dos enfermeiros<br />

inquiridos estão insatisfeitos<br />

com a profissão, estando<br />

a maioria a exercer funções nos<br />

hospitais (66.8%). No seu artigo,<br />

o autor começa por salientar a importância<br />

de avaliar a satisfação<br />

em cada profissão, sendo importante<br />

fazê-lo no caso dos enfermeiros<br />

“para decisivamente se<br />

poderem tomar medidas de melhoria,<br />

controle e monitorização”.<br />

Para a realização deste estudo,<br />

procedeu-se à revisão de 11 artigos<br />

publicados entre 2003 e<br />

2017, todos correspondentes a<br />

teses de Mestrado de universidade<br />

de Norte a Sul do país. Com<br />

os dados recolhidos foi possível<br />

definir duas linhas de orientação<br />

para este estudo que consistiram<br />

em traçar um perfil do Enfermeiro<br />

em Portugal e averiguar o grau<br />

de satisfação profissional.<br />

A primeira fase pretendeu determinar<br />

as seguintes variáveis:<br />

sexo, tipologia da unidade<br />

onde exerce funções, tipologia<br />

do vínculo laboral, habilitações<br />

académicas, funções de gestão,<br />

tempo de serviço e se é sindicalizado.<br />

Para a segunda fase, foi<br />

desenvolvido um questionário<br />

sob a escala de likert para avaliar<br />

nível de satisfação com a<br />

profissão, com a carreira profissional,<br />

com a remuneração, com<br />

o local de trabalho, com a Chefia<br />

e com a Direção de Enfermagem<br />

do local onde exerce funções. A<br />

partir dos artigos estudados, foi<br />

também possível concluir que<br />

nunca se determinou o grau de<br />

satisfação com a Ordem dos Enfermeiros<br />

e com os Sindicatos,<br />

resultando na inclusão dessas<br />

questões neste inquérito.<br />

O questionário foi disponibilizado<br />

na rede social Facebook no<br />

dia 9 de setembro do presente<br />

ano, obtendo, em 24 horas, um<br />

número de respostas superior ao<br />

pretendido, ou seja, 539 inquéritos<br />

preenchidos quando eram<br />

apenas necessários 383.<br />

No que diz respeito ao perfil do Enfermeiro<br />

Português, concluiu-se<br />

que 85.4% são mulheres, 66.8%<br />

desempenham funções em Hospitais,<br />

20.3% possuem Especialidade<br />

e 65.4% não é sindicalizada.<br />

Relativamente ao Grau de Satisfação<br />

Profissional, sabe-se que<br />

61% dos enfermeiros não estão<br />

satisfeitos, 90.6% está descontente<br />

com a sua carreira, 96.5%<br />

não concorda com a sua remuneração,<br />

53.9% não estão satisfeitos<br />

com a direção de enfermagem,<br />

contudo há mais satisfeitos<br />

com a sua chefia (43.4%) do que<br />

insatisfeitos (39%) e, no que toca<br />

ao local de trabalho, há quase<br />

tantos satisfeitos (43.1%) como<br />

insatisfeitos (43.5%). Concluiu-se<br />

também 80.6% dos enfermeiros<br />

não estão satisfeitos com os<br />

sindicatos que os representam e<br />

55.5% está satisfeito com a Ordem<br />

dos Enfermeiros.<br />

De uma forma geral, o autor sugere<br />

a realização de novos estudos<br />

que possam aprofundar estas<br />

questões, assim como acompanhar<br />

a evolução do grau de satisfação<br />

destes profissionais.<br />

Mónica Abreu Silva<br />

30 NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE | NOVEMBRO 2018


NACIONAL | SAÚDE ONLINE<br />

ANTIBIÓTICOS<br />

Consumo de antibióticos diminuiu<br />

nos hospitais e em ambulatório<br />

O<br />

consumo de antibióticos<br />

em meio hospitalar baixou<br />

4,96% entre 2013 e<br />

2017, segundo dados divulgados<br />

ontem pela Direção-Geral da Saúde<br />

(DGS), que revelam também<br />

uma descida do consumo destes<br />

medicamentos em ambulatório.<br />

“O consumo global de antimicrobianos<br />

em meio hospitalar reduziu-se,<br />

entre 2013 e 2017, 4,96%<br />

(de 1,64 DHD [Doses Diárias<br />

Definidas por 1000 habitantes]<br />

para 1,53DHD)”, indicam os números<br />

da DGS. Esta baixa deve-se<br />

essencialmente à redução<br />

do consumo de antibióticos da<br />

classe das quinolonas (-29,58%)<br />

e aminoglicosídeos (-19,43%)”,<br />

refere o relatório anual do Programa<br />

de Prevenção e Controlo<br />

de Infeções e de Resistência aos<br />

Antimicrobianos (PPCIRA).<br />

Relativamente aos consumos<br />

em ambulatório (os que ocorrem<br />

nos serviços de urgência, serviços<br />

de atendimento permanente,<br />

cuidados de saúde primários,<br />

cuidados continuados integrados<br />

e consultórios privados), o<br />

consumo baixou para 20,3 DHD<br />

em 2017, correspondendo assim<br />

de forma idêntica ao resultado<br />

obtido em 2014, adianta o relatório<br />

apresentado na 4.ª Jornada<br />

do Programa de Prevenção e<br />

Controlo de Infeções e de Resistência<br />

aos Antimicrobianos, que<br />

está a decorrer em Lisboa.<br />

Em declarações aos jornalistas,<br />

à margem do encontro, a<br />

diretora do PPCIRA, Maria do<br />

Rosário Rodrigues, afirmou que<br />

“os números estão a diminuir<br />

porque têm sido feitos esforços<br />

nesse sentido”.<br />

Maria do Rosário Rodrigues<br />

apontou como “pilares da área<br />

de controlo de infeção”, os programas<br />

de apoio à prescrição<br />

de antibióticos na área dos hospitais<br />

e cuidados de saúde primários<br />

e as “precauções básicas<br />

de controlo de infeção” sobre as<br />

quais se tem vindo a insistir.<br />

Diminuição das<br />

resistências<br />

“Em relação às resistências,<br />

também estamos com bons resultados.<br />

Temos na maior parte<br />

dos casos tendências de diminuição”,<br />

salientou.<br />

A bactéria “Staphylococcus<br />

aureus resistente à Meticilina”<br />

(MRSA), que provoca infeções<br />

muito difíceis de tratar, está “a<br />

diminuir paulatinamente”, disse<br />

a responsável, explicando que<br />

esta bactéria provoca infeções<br />

da corrente sanguínea, infeções<br />

da pele e tecidos moles,<br />

pneumonias, infeções nos cuidados<br />

intensivos, na neonatologia,<br />

“até porque este agente<br />

pode estar na pele”.<br />

“As nossas mãos podem ser<br />

transmissoras e daí a importância<br />

grande na higiene das mãos<br />

como medida de controlo de<br />

contenção da transmissão deste<br />

microrganismo”, apontou Maria<br />

do Rosário Rodrigues.<br />

Para a descida da MSRA, contribuíram<br />

de forma “muito benéfica”<br />

as medidas conjuntas, a<br />

política de apoio de prescrição<br />

aos antibióticos, a insistência na<br />

higiene das mãos e das precauções<br />

básicas e a própria norma<br />

que saiu de rastreio e controlo<br />

da MRSA. Já a bactéria “Klebsiella<br />

pneumoniae”, que provoca<br />

pneumonias e infeções<br />

sanguíneas e do trato urinário<br />

entre outras doenças, está “em<br />

crescimento” em Portugal e em<br />

outros países da Europa.<br />

“É uma bactéria resistente a<br />

muitos antibióticos. Depois ficamos<br />

muito restritos em termos<br />

de possibilidades de terapêutica.<br />

Por outro lado, essas bactérias<br />

como adquirem resistências<br />

têm muita facilidade na sua<br />

disseminação e propagam-se<br />

com facilidade”, explicou esta<br />

responsável.<br />

Por estas razões, esta bactéria<br />

pode causar surtos, que “são<br />

problemáticos porque são difíceis<br />

de controlar e de tratar”.<br />

Como razões para o aumento<br />

da “Klebsiella pneumoniae”,<br />

apontou o uso elevado de antibióticos,<br />

que pode provocar<br />

mais resistências.<br />

A prevenção destas infeções<br />

passa por medidas de controlo<br />

como o rastreio, a higiene do<br />

ambiente das unidades, a sinalização<br />

de doentes que surgem<br />

com infeções depois de terem<br />

sido tratados com antibióticos.<br />

Lusa<br />

NOVEMBRO 2018 | NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE 31


SAÚDE ONLINE | ENTREVISTA<br />

Portugal tem dos mais altos rácios<br />

mortalidade no conjunto de mais de<br />

30 países analisados, com 11,3 por<br />

100 mil habitantes, apenas ultrapassado<br />

por Itália e Grécia. O Saúde Online esteve<br />

à conversa com o ex-diretor do Programa<br />

de Prevenção e Controlo de Infeções<br />

e de Resistência aos Antimicrobianos da<br />

DGS. Paulo André Fernandes garante que<br />

é possível evitar o agravamento do problema<br />

nas próximas décadas e admite que,<br />

muitas vezes, prescrever um antibiótico é<br />

o caminho mais fácil.<br />

PAULO ANDRÉ FERNANDES<br />

Resistência aos<br />

antibióticos agrava-se:<br />

“É a própria<br />

medicina moderna<br />

que está em causa”<br />

Um estudo agora divulgado pela OCDE alerta que<br />

podem morrer 40 mil pessoas em Portugal até 2050<br />

na sequência deste problema, estimando-se que por<br />

ano morram acima de 1.100 portugueses.<br />

Saúde Online (SO) | Como é que podemos<br />

encarar o problema da resistência<br />

aos antibióticos?<br />

Dr. Paulo André Fernandes (PAF) | Devemos<br />

encarar com noção de que é importante,<br />

de que é o principal efeito adverso associado<br />

aos internamentos. Internamos os<br />

doentes para os tratar ou para diagnosticar<br />

problemas de saúde e, como sabemos, o<br />

efeito adverso mais grave são as infeções<br />

associadas aos cuidados de saúde – muitas<br />

vezes por microrganismos multirresistentes.<br />

De acordo com trabalhos publicados nos<br />

últimos anos (e com grande repercussão a<br />

nível mundial), as resistências aos antimicrobianos<br />

serão a principal causa de morte<br />

em 2050. Só este dado justifica que sejam<br />

tomadas medidas para que isso não aconteça.<br />

Não estamos a falar de fatalidades (terramotos,<br />

furacões) que não podemos evitar<br />

que aconteçam. Estamos a falar de algo que<br />

é provocado pelas práticas de utilização de<br />

antibióticos a nível mundial. Temos de encarar<br />

o problema, não com alarmismo, mas<br />

com noção da sua gravidade.<br />

A [excessiva] utilização de antibióticos a nível<br />

mundial é um problema pelo qual são<br />

responsáveis uma série de entidades, desde<br />

os cidadãos aos decisores políticos. Com<br />

particular importância nas práticas dos médicos,<br />

que prescrevem os antibióticos.<br />

SO | Acha que os médicos e os pacientes<br />

não estão ainda suficientemente sensibilizados<br />

para a necessidade de limitar o<br />

uso de antibióticos?<br />

PAF | Não estão de certeza. Se estivessem<br />

as práticas eram outras. É verdade que a<br />

sensibilização tem vindo a ser feita. Ocasionalmente<br />

a imprensa fala do assunto.<br />

Nos hospitais, há profissionais que tentam<br />

sensibilizar e formar os colegas. Portanto,<br />

a noção sobre a importância do uso correto<br />

dos antibióticos tem vindo a crescer até na<br />

população. Temos, por vezes, o barómetro<br />

da União Europeia sobre este problema dos<br />

32 NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE | NOVEMBRO 2018


ENTREVISTA | SAÚDE ONLINE<br />

antibióticos e os resultados, nomeadamente<br />

em Portugal, demonstram que – embora<br />

continuemos numa posição pouco simpática<br />

a nível europeu (os nossos cidadãos<br />

são dos que menos sabem de antibióticos)<br />

– temos vindo a melhorar. Nomeadamente<br />

em questões como não se dar antibióticos<br />

para as gripes, o facto de o antibiótico não<br />

matar os vírus. Portanto, estas noções muito<br />

simples estão mais consolidadas. Contudo,<br />

continuamos a usar mal os antibióticos em<br />

muitas situações.<br />

SO | Prescrever um antibiótico é o caminho<br />

mais fácil?<br />

PAF | Muitas vezes é. As pessoas veem o<br />

imediato. Pelo sim, pelo não, toma-se antibiótico.<br />

Pode ser um bom resultado no imediato:<br />

a pessoa melhora. Mas não sabe se<br />

não melhoraria mesmo sem o antibiótico.<br />

Essa pessoa esquece-se que, a prazo, cada<br />

vez vamos ter mais dificuldade em tratar essas<br />

infeções.<br />

Há algumas gerações atrás, morria-se de tuberculose,<br />

de pneumonia. Não havia maneira<br />

de tratar estas doenças. As doenças infeciosas<br />

eram uma das principais causas de<br />

morte a nível mundial. A determinada altura,<br />

quer as populações, quer os médicos começaram<br />

a confiar nos antibióticos de uma<br />

forma extrema, não dando atenção à resistência.<br />

Isto porque as bactérias adaptam-se,<br />

ganham resistências. Matando aquelas que<br />

são mais sensíveis aos antibióticos, estamos<br />

a selecionar populações de bactérias<br />

resistentes, que não conseguimos tratar.<br />

SO | Em que situações é que pode evitar<br />

o uso do antibiótico?<br />

PAF | Por exemplo, a gripe – nesta fase é<br />

uma boa altura para falar nisso. Os chamados<br />

síndromes gripais, que temos quase<br />

« De acordo com<br />

trabalhos publicados<br />

nos últimos anos (e com<br />

grande repercussão a nível<br />

mundial), as resistências<br />

aos antimicrobianos<br />

serão a principal causa de<br />

morte em 2050. Só este<br />

dado justifica que sejam<br />

tomadas medidas para que<br />

isso não aconteça »<br />

todos durante o inverno, são situações típicas<br />

nas quais o antibiótico não tem qualquer<br />

indicação e, apesar disso, é prescrito com<br />

grande frequência. A gripe é uma doença<br />

aguda, transitória, causada por um vírus e<br />

os antibióticos não matam os vírus.<br />

Por outro lado, a seguir à gripe, muitas vezes<br />

temos períodos de tosse com expetoração,<br />

mas, desde que sejamos saudáveis e<br />

não tenhamos outro tipo de doenças, não é<br />

necessário tomar antibiótico nessa fase.<br />

SO | Sente que muitas vezes as pessoas<br />

ficam com a sensação de que, se o médico<br />

não lhe prescrever antibiótico é um<br />

mau médico?<br />

PAF | Se a pessoa não está alertada para o<br />

problema, quando o médico não lhe prescreve<br />

antibiótico fica a achar isso. E os médicos<br />

que estão sujeitos a grande pressão – para<br />

que demorem pouco tempo com cada consulta<br />

– não têm tempo para exercer a devida<br />

pedagogia no doente e explicar que este<br />

não tem indicação para tomar antibiótico. E<br />

o doente vem contente e convicto de que<br />

está a fazer o tratamento indicado. Se não<br />

prescrevermos o antibiótico, a pessoa acaba<br />

por ir a outro médico até que há um que<br />

acaba por lhe prescrever.<br />

SO | Porque é que Portugal é um dos países<br />

que mais sofre com este problema?<br />

PAF | Estivemos muito tempo a usar os<br />

antibióticos de uma forma desmedida. Em<br />

2012, um estudo da União Europeia, que<br />

avaliou a prevalência das infeções hospitalares,<br />

chegou-se à conclusão de que 45%<br />

dos internados em Portugal estavam a fazer<br />

antibiótico, quando a média europeia<br />

ronda os 35%. Portanto, usámos muito os<br />

antibióticos durante um período, depois<br />

melhorámos, e nos últimos dois anos esse<br />

consumo voltou a subir.<br />

Estamos agora perto da média europeia.<br />

Agora, pior é o tipo de antibióticos que consumimos:<br />

antibióticos de largo espectro,<br />

como é o caso das quinolonas e dos carbapenemos.<br />

Principalmente estes últimos,<br />

que são uma família de antibióticos de muito<br />

largo espetro. Devem ser antibióticos de fim<br />

de linha e em, em 2016, éramos o segundo<br />

país da europa que mais os prescrevia (mais<br />

do dobro da média europeia). E, portanto,<br />

são estas práticas menos corretas que levam<br />

a que estejamos nesta situação.<br />

SO | Disse há pouco que não é inevitável<br />

que a resistência aos antibióticos se<br />

torne na primeira causa de morte a nível<br />

mundial em 2050. Como é que podemos<br />

« Esta evolução das<br />

resistências não torna só<br />

o tratamento das infeções<br />

mais difícil. Por exemplo,<br />

a terapêutica oncológica é<br />

muito agressiva, destrói a<br />

imunidade dos doentes e é<br />

acompanhada, muitas vezes<br />

por infeções »<br />

evitar que isso aconteça?<br />

PAF | Consumindo os antibióticos com mais<br />

racionalidade. Consumir apenas quando<br />

é necessário e durante o tempo em que é<br />

necessário. Há uns anos, nos hospitais, os<br />

períodos de terapêutica antibiótica, eram de<br />

duas semanas; hoje em dia, há muitos trabalhos<br />

que demonstram que basta fazer 7<br />

ou 8 dias de antibiótico. Há uma série de regras<br />

que devem ser cumpridas e não só na<br />

medicina humana, também na medicina veterinária.<br />

As práticas que existem na saúde<br />

animal e na humana concorrem para a geração<br />

desta resistência: nós ingerimos carne<br />

e contactamos com esse tipo de resistência<br />

a nível animal. Portanto, tem de haver um<br />

esforço a todos os níveis.<br />

Esta evolução das resistências não torna só<br />

o tratamento das infeções mais difícil. Por<br />

exemplo, a terapêutica oncológica é muito<br />

agressiva, destrói a imunidade dos doentes<br />

e é acompanhada, muitas vezes por infeções.<br />

Tratamos as infeções e o doente sobrevive.<br />

Se viermos a ter mais dificuldade<br />

em tratar essas infeções, não faz sentido<br />

fazermos terapêuticas mais agressivas nas<br />

neoplasias se não conseguimos lidar com<br />

as infeções que surgem a seguir. Por exemplo,<br />

os bebés prematuros, que hoje em dia<br />

conseguimos que sobrevivam apesar de<br />

terem défices imunitários e contraírem infeções<br />

com mais facilidade, são tratados.<br />

E também numa série de outras situações,<br />

como as cirurgias.<br />

SO | Portanto, é um problema que está a<br />

montante de tudo o resto?<br />

PAF | É um problema civilizacional. É a própria<br />

medicina moderna que está em causa.<br />

Grande parte dos avanços da medicina moderna<br />

fez-se sob o “chapéu” das infeções.<br />

Se não conseguirmos tratar as infeções,<br />

como é que vamos conseguir que sobrevivam<br />

bebés prematuros? Como é que vamos<br />

conseguir fazer cirurgias alargadas?<br />

NOVEMBRO 2018 | NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE 33


SAÚDE ONLINE | PROFISSÃO<br />

Vacinação reduz o número de<br />

casos e de mortes por pneumonia<br />

Vasco Barreto,<br />

Internista e membro da<br />

Sociedade Portuguesa de<br />

Medicina Interna<br />

Com a aproximação do<br />

inverno e das baixas<br />

temperaturas, regista-<br />

-se um aumento do número de<br />

casos de gripe e de outras infeções<br />

respiratórias. Nalguns<br />

doentes, como idosos ou portadores<br />

de doenças crónicas,<br />

esta pode evoluir para situações<br />

mais graves, das quais<br />

se destaca a pneumonia.<br />

A pneumonia é uma infeção<br />

do tecido pulmonar, mais precisamente<br />

o parênquima pulmonar,<br />

que prejudica a realização<br />

de trocas gasosas ao<br />

nível dos alvéolos e dos bronquíolos<br />

respiratórios, provocando<br />

dificuldade respiratória.<br />

Esta doença é desenvolvida,<br />

na maior parte dos casos,<br />

através da inalação de bactérias<br />

e outros microrganismos<br />

presentes na faringe e na cavidade<br />

oral. Mais raramente,<br />

pode também desenvolver-<br />

-se pelo contacto com outros<br />

doentes, através da transmissão<br />

de partículas ou gotículas<br />

infetadas, bem como em contexto<br />

hospitalar, onde existe<br />

uma multiplicidade de microrganismos,<br />

uma parte deles<br />

resistente a antibióticos.<br />

Mais frequente em idosos e<br />

crianças, a pneumonia atinge<br />

outros grupos de risco, tais<br />

como doentes crónicos (com<br />

doença pulmonar obstrutiva<br />

crónica, diabetes, infeção VIH,<br />

insuficiência renal, imunodepressão,<br />

etc.), fumadores, alcoólicos<br />

e toxicodependentes.<br />

Os seus sintomas mais frequentes<br />

são a dificuldade respiratória<br />

ou falta de ar, dor na zona torácica,<br />

febre (na maioria dos casos<br />

elevada), calafrios, tosse com<br />

possibilidade de expetoração e<br />

dor de cabeça e nos músculos.<br />

Normalmente, estas complicações<br />

surgem de forma rápida,<br />

com possibilidade de se manifestarem<br />

ao mesmo tempo.<br />

É aqui que importa realizar um<br />

diagnóstico atempado, dado que<br />

os todos os sintomas referidos<br />

são comuns a outras doenças<br />

do sistema respiratório. Exceto<br />

em casos de grande gravidade,<br />

o doente deve começar por se<br />

dirigir aos Cuidados de Saúde<br />

Primários, onde os médicos estão<br />

em condições de decidir se é<br />

possível iniciar tratamento apenas<br />

com base<br />

nos sintomas e<br />

no exame físico<br />

ou se é necessário<br />

realizar<br />

análises e uma<br />

radiografia torácica,<br />

o que em<br />

geral obriga a<br />

deslocação ao<br />

hospital.<br />

No que respeita<br />

ao tratamento<br />

da pneumonia,<br />

este centra-se<br />

na administração<br />

de antibióticos<br />

e no controlo<br />

dos sintomas,<br />

além de medidas<br />

gerais como repouso, alimentação<br />

adequada e correta ingestão<br />

de líquidos. Dependendo<br />

da gravidade do estado do doente,<br />

decide-se se este será tratado<br />

em regime de ambulatório ou se<br />

será internado.<br />

Mesmo com o registo maioritário<br />

de casos tratados em regime ambulatório,<br />

a pneumonia continua a<br />

ser uma das principais causas de<br />

internamento hospitalar no nosso<br />

país. Isto acontece devido à gravidade<br />

do quadro clínico ou por via<br />

da fragilidade dos doentes, que<br />

muitas vezes veem as suas doenças<br />

crónicas descompensadas.<br />

A pneumonia pode e deve ser<br />

prevenida através da adoção<br />

de um estilo de vida saudável<br />

(que inclua alimentação saudável,<br />

prática de exercício físico,<br />

cessação tabágica e redução do<br />

consumo de álcool) e, muito importante,<br />

através da vacinação,<br />

que inclui a administração da vacina<br />

pneumocócica e da vacina<br />

da gripe. No meio hospitalar, o<br />

respeito pelas regras de controlo<br />

de infeção é essencial (higienização<br />

das mãos, uso de equipamento<br />

de proteção, respeito<br />

pelas sinalizações presentes<br />

nas enfermarias).<br />

Existe ainda muita resistência<br />

por parte da população portuguesa<br />

à vacinação sazonal<br />

contra a gripe. É por isso<br />

crucial trabalhar no sentido<br />

de consciencializar, principalmente<br />

os grupos de risco, para<br />

esta doença, potencialmente<br />

fatal, e para a importância<br />

da vacinação. Só este ano, o<br />

Serviço Nacional de Saúde<br />

tem 1.4 milhões de doses de<br />

vacinas para administrar, para<br />

além das vacinas que podem<br />

ser adquiridas nas farmácias<br />

com prescrição médica.<br />

Adotar os comportamentos<br />

preventivos referidos anteriormente<br />

é já um grande passo<br />

na redução do número de casos<br />

de pneumonia, algo em<br />

que a Sociedade Portuguesa<br />

de Medicina Interna quer continuar<br />

a apostar, seja na promoção<br />

de iniciativas dirigidas à<br />

população, seja na constante<br />

formação de internistas e outros<br />

profissionais de saúde.<br />

34 NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE | NOVEMBRO 2018


ESPECIAL | CONGRESSOS E SIMPÓSIOS<br />

“Dentro de uma década<br />

algumas funções médicas e<br />

de enfermagem passarão a<br />

ser feitas por máquinas”<br />

Em entrevista ao Saúde Online, o Presidente da Comissão Organizadora do<br />

21º Congresso da Ordem dos Médicos defende que a “saúde no futuro terá de<br />

funcionar por equipas” e antecipa que dentro de “5 ou 10 anos” vamos poder<br />

conhecer o nosso genoma em pouco tempo.<br />

ALEXANDRE VALENTIM LOURENÇO<br />

Presidente do Conselho Regional do Sul da Ordem dos Médicos<br />

Saúde Online (SO) | Do programa<br />

deste 21º Congresso da Ordem<br />

dos Médicos, qual o tema<br />

que gostaria de destacar?<br />

Alexandre Valentim Lourenço<br />

(AVL) | Este congresso conta<br />

uma história. O que nós queremos<br />

destacar neste congresso é a<br />

viagem da tecnologia, da ciência,<br />

da evolução que vai ocorrer nos<br />

próximos 20 anos e que implicação<br />

é que isso vai ter nas nossas<br />

instituições, nos nossos hospitais<br />

e centros de saúde e na formação<br />

dos médicos. Porquê? Porque o<br />

médico demora 20 anos a formar,<br />

os hospitais têm de se organizar e<br />

as modificações que se preveem<br />

para os próximos 20 anos são<br />

muito grandes. Por isso, ou nós<br />

programamos o médico agora,<br />

com esquemas, competências e<br />

formação para daqui a 20 anos,<br />

ou quando o médico acabar a<br />

formação está desatualizado. Por<br />

isso o que vamos fazer no congresso<br />

é antecipar o futuro: avaliar<br />

o impacto da inteligência artificial,<br />

da nanotecnologia, da avaliação<br />

digital da imagem, da análise<br />

automatizada, da robótica na cirurgia,<br />

dos novos equipamentos.<br />

Saber o impacto que isso vai ter<br />

no tratamento dos doentes e na<br />

forma de trabalhar dos médicos e<br />

dos outros profissionais de saúde.<br />

SO | Um dos temas abordados<br />

vai ser a medicina personalizada.<br />

Para além da área de<br />

combate ao cancro, em que<br />

outras áreas pode ser aplica-<br />

da a medicina personalizada?<br />

AVL | Há várias doenças em que<br />

a medicina personalizada é essencial.<br />

Quase todas as doenças<br />

se manifestam de forma diferente<br />

em função do perfil genético de<br />

cada um, sempre único. A análise<br />

genética da uma pessoa, permite<br />

antever que venha a desenvolver<br />

um determinado tipo de doenças<br />

mais facilmente que outras pessoas.<br />

Ou seja, conhecendo nós<br />

o doente de uma forma individual,<br />

podemos perceber primeiro<br />

quais são as doenças que ele tem<br />

maior risco de ter nos próximos<br />

anos. face a uma doença (como<br />

a diabetes, o Parkinson ou a Esclerose<br />

Múltipla), identificarmos a<br />

sua avaliação individual e utilizarmos,<br />

quer os seus mecanismos<br />

de defesa, quer a sua genética,<br />

quer medicamentos desenhados<br />

para a própria pessoa para chegar<br />

a alvos muito específicos, de<br />

modo a otimizar os resultados e<br />

diminuir os efeitos secundários<br />

de muitos fármacos. O cancro é<br />

o mais evidente: as pessoas sabem<br />

que o cancro mata e que os<br />

medicamentos que atualmente<br />

prescrevemos para o tratamento<br />

de doença oncológica também<br />

matam. Por isso, se conseguimos<br />

dar menos medicamentos<br />

e menos quimioterapia conseguimos<br />

tratar bem o doente com<br />

menos efeitos secundários.<br />

SO | Já estamos a fazer um caminho<br />

nesse sentido ou ainda<br />

está tudo por fazer?<br />

AVL | Temos ao nosso dispor algo<br />

que não tínhamos há 20 anos: a<br />

análise do genoma humano. Nós<br />

já conseguimos determinar o<br />

genoma de uma pessoa. Neste<br />

momento, ainda demora tempo<br />

(alguns meses) e é muito caro.<br />

Mas os avanços na avaliação do<br />

genoma sugerem que, daqui a 5<br />

ou 10 anos, possamos conhecer<br />

o genoma em dois ou três dias,<br />

a um preço aceitável. E, se eu<br />

souber isso, vou perceber se<br />

tenho risco de cancro da próstata,<br />

se tenho possibilidade de<br />

ter diabetes – porque algumas<br />

destas doenças têm claramente<br />

identificação com algum gene.<br />

36 NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE | NOVEMBRO 2018


CONGRESSOS E SIMPÓSIOS | ESPECIAL<br />

Neste momento ainda não é fácil<br />

transpor para a parte comercial<br />

porque ainda não estão estudados<br />

todos os mecanismos e são<br />

muito caros. Mesmo o tratamento<br />

de alguns cancros, por exemplo<br />

com recurso a terapias CART-T<br />

(em que se utiliza o sistema imune<br />

do doente para combater o<br />

tumor que é ainda é muito caro,<br />

começa a tornar-se mais acessível<br />

e para mais doenças.<br />

SO | Em relação ao futuro das<br />

profissões de saúde, que tipo<br />

de mudanças podemos esperar<br />

nos próximos tempos?<br />

AVL | Nós temos várias profissões<br />

na área da saúde com<br />

competência diferentes: médicos,<br />

enfermeiros, técnicos de<br />

diagnóstico, auxiliares. O que vai<br />

acontecer no futuro (daqui a 10,<br />

15 anos) é que algumas das funções<br />

que médicos, técnicos ou<br />

enfermeiros realizam atualmente<br />

passarão a ser feitas por máquinas.<br />

Por exemplo, já existe uma<br />

máquina que consegue tirar sangue.<br />

Já está a ser testada, já funcionou<br />

em vários doentes. Através<br />

de ecografia, vê onde está a<br />

veia, pica a veia e tira sangue.<br />

SO | Já existe em Portugal?<br />

AVL | Ainda não existe em Portugal<br />

mas está a ser testada. É apenas<br />

a aplicação tecnológica de<br />

algo que é muito banal. Se essa<br />

máquina for barata e se disseminar<br />

por todos os países, é claro<br />

que os técnicos de análise, que<br />

perdem metade do seu tempo a<br />

tirar sangue aos doentes, deixam<br />

de o fazer – calanizando os seus<br />

esforços para doentes “mais difíceis”.<br />

Por exemplo, também no<br />

caso do electrocardiograma, as<br />

máquinas avaliam esse exame<br />

de uma maneira quase tão fiável<br />

como um cardiologista. Quando a<br />

inteligência artificial e as máquinas<br />

forem melhoradas, vão ser<br />

iguais ao cardiologista. Por isso,<br />

em determinadas áreas, há competências<br />

que podem mudar para<br />

as máquinas. Quem está mais<br />

exposto? Quem for dependente<br />

de atos isolados, ou seja, se um<br />

médico ou um enfermeiro só faz<br />

uma coisa e essa coisa é automatizada,<br />

ele deixa de ter emprego.<br />

Portanto, vão desaparecer algumas<br />

profissões, vão modificar-<br />

-se outras e vão aparecer ainda<br />

outras. Por exemplo, vai haver,<br />

certamente, pessoas especializadas<br />

em análise de DNA, porque o<br />

DNA é muito complexo – os analistas<br />

de DNA podem ser médicos<br />

geneticistas ou outros técnicos.<br />

Os médicos vão, provavelmente,<br />

perder menos tempo com o diagnóstico<br />

e vão ter que se dedicar<br />

a fazer aquilo que eles fazem<br />

melhor, que é falar com o doente,<br />

avaliar o contexto e ajudar o<br />

doente a tomar as decisões adequadas<br />

para aquela doença.<br />

SO | A questão é saber como<br />

se conjuga a necessidade de<br />

uma relação próxima e humana<br />

entre médico e doente e a<br />

introdução de uma ‘avalanche’<br />

de tecnologia.<br />

AVL | Temos de evitar que a tecnologia<br />

seja apenas um conjunto<br />

de gadgets. Temos coisas muito<br />

engraçadas mas que em algumas<br />

situações não melhoram o<br />

resultado final no doente. O que<br />

nós queremos mesmo é que esta<br />

tecnologia e estes equipamentos<br />

sejam para resolver problemas<br />

repetitivos e simples e também<br />

que melhorem a qualidade do<br />

tratamento que fazemos.<br />

SO | Portanto, é preciso filtrar a<br />

aposta na tecnologia.<br />

AVL | Filtrar a aposta na tecnologia,<br />

fazer com que a tecnologia<br />

tenha um processo de licenciamento<br />

semelhante ao do medicamento<br />

para ser implementada.<br />

Porque há tecnologia que, se<br />

for colocada no mercado, e não<br />

for licenciada, pode fazer mais<br />

mal do que bem. Imagine uma<br />

tecnologia que uma pessoa em<br />

casa usa para fazer uma análise,<br />

que lhe diz que dentro de dez<br />

anos tem uma probabilidade de<br />

5% de desenvolver um cancro. A<br />

pessoa pode entrar em pânico e<br />

começar a tomar medicamentos<br />

que lhe fazem pior.<br />

SO | Estarão os médicos dispostos<br />

a partilhar competências?<br />

AVL | Claro. O problema da partilha<br />

das competências tem a ver<br />

com a integração do sistema.<br />

Quando em Portugal falamos de<br />

partilha de competência estamos<br />

a falar de usurpação de funções.<br />

O que significa é que há profissões<br />

que querem ser independentes<br />

umas das outras – e não<br />

é só em relação aos médicos.<br />

Estou-me a lembrar dos fisioterapeutas<br />

em relação aos enfermeiros<br />

de reabilitação. Quando cada<br />

um quer ser independente, pode<br />

gerar-se um conflito grave que<br />

se repercute nos cuidados ao<br />

doente. O que queremos dizer é<br />

que a partilha e a delegação de<br />

competências deve ser feita nas<br />

equipas, ou seja, há uma equipa<br />

que tem cinco profissionais<br />

diferentes e a equipa em si estabelece<br />

quem faz o quê. Normalmente<br />

isto dá bom resultado. O<br />

que acontece neste momento é<br />

que há enfermeiros que querem<br />

prescrever medicamentos e fazer<br />

diagnósticos de forma independente<br />

dos médicos. E isso<br />

não é correto porque o conhecimento<br />

que os enfermeiros têm<br />

das doenças e dos tratamentos<br />

é muito inferior ao dos médicos.<br />

SO | Portanto, é uma partilha<br />

de competências condicionada<br />

à autorização dos médicos?<br />

AVL | Não, partilha não é autorização.<br />

A saúde no futuro terá de<br />

funcionar por equipas. O doente<br />

tem de ir a um centro multidisciplinar<br />

onde todos e cada um, nos<br />

seus diferentes papeis, prestam<br />

os melhores cuidados. O problema<br />

na independência é a ausência<br />

completa de coordenação.<br />

O nosso país normalmente não<br />

planifica e não se prepara com<br />

tempo. No congresso vamos<br />

ter suecos, holandeses e finlandeses<br />

a dizerem o que fizeram<br />

para chegarem aqui, uma vez<br />

que estão melhores do que nós<br />

(estão melhor organizados e têm<br />

melhores cuidados). No caso da<br />

Holanda, eles vão mostrar como<br />

pensam que a Saúde vai estar<br />

daqui a 20 anos e quais os passos<br />

intermédios que têm de dar<br />

para modificar os hospitais de<br />

modo a chegarem lá. Se for a<br />

uma urgência na Holanda, tem<br />

cinco pessoas a serem atendidas<br />

durante dez ou doze horas; se for<br />

em Portugal tem 500.<br />

SO | Têm mais recursos humanos.<br />

AVL | Não, as pessoas que estão<br />

na urgência são menos porque<br />

os doentes são tratados antes de<br />

chegarem à urgência. Nós, como<br />

temos um sistema que não planifica<br />

e está mal organizado, os<br />

doentes acabam na rebaldaria das<br />

urgências, numa confusão de centenas<br />

de pessoas a afluir a um sitio<br />

que não as pode tratar convenientemente.<br />

Na Suécia, na Holanda,<br />

isso não existe. Os doentes têm<br />

menos doenças porque foram tratados<br />

noutros níveis antes de chegarem<br />

à urgência. Em Portugal,<br />

só chegam à urgência porque os<br />

outros níveis estão a falhar.<br />

SO | Temos, então, de fazer<br />

uma aposta nos cuidados de<br />

saúde primários?<br />

AVL | Não é só nos primários. Se<br />

as consultas hospitalares não<br />

esperarem três anos, eu não<br />

preciso de mandar um doente<br />

ser visto por um dermatologista<br />

à urgência. Mando-o à consulta<br />

no próprio dia ou no dia seguinte.<br />

Agora, como ele tem de esperar<br />

três anos, onde é que ele vai?<br />

Vai à urgência e está lá 3 ou 4<br />

horas e o dermatologista não tem<br />

meios para o tratar. E já não o vê<br />

da segunda vez porque, no dia<br />

seguinte, quando for à urgência,<br />

já é outro médico que lá está.<br />

Portanto, não são cuidados de<br />

saúde primários: são os cuidados<br />

agudos sem serem urgência. Se<br />

tiver uma dor no peito (suspeita<br />

de enfarte) deve ir à urgência<br />

mas, se tiver uma dor num ombro<br />

há uma semana, deve ir a um ortopedista<br />

para ele fazer um raio-x<br />

no espaço de um ou dois dias.<br />

Os países nórdicos já resolveram<br />

este problema há muito tempo, fizerem<br />

uma reforma hospitalar há<br />

5 ou 6 anos e as urgências deles,<br />

que eram iguais às nossas,<br />

diminuíram para um terço. É tudo<br />

uma questão de organização.<br />

NOVEMBRO 2018 | NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE 37


ESPECIAL | CONGRESSOS E SIMPÓSIOS<br />

“Conseguimos desenvolver<br />

investigação da melhor que<br />

se faz no mundo”<br />

MANUEL CORREIA<br />

Presidente da Sociedade Portuguesa<br />

de Neurologia (SPN)<br />

Entre os dias 15 e 17 de<br />

novembro decorreu o<br />

Congresso de Neurologia<br />

2018, dedicado ao tema “inteligência<br />

artificial e inovação tecnológica”.<br />

Ao Saúde Online, o<br />

Prof. Dr. Manuel Correia, presidente<br />

da Sociedade Portuguesa<br />

de Neurologia (SPN) fala sobre<br />

o contributo de novas áreas para<br />

a evolução das neurociências,<br />

destacando os avanços tecnológicos<br />

em Portugal.<br />

gia 2018?<br />

Manuel Correia (MC) | Esperamos<br />

à volta de 350 pessoas<br />

inscritas, excluindo os moderadores<br />

e os palestrantes. É um<br />

congresso que a SPN organiza<br />

todos os anos, em que convidamos<br />

especialistas estrangeiros<br />

e nacionais da área das neurociências.<br />

Temos conferencistas<br />

de outras áreas também, como o<br />

prof. Arlindo Oliveira do IST que<br />

vai abordar o tema sobre a inteligência<br />

artificial e o arquiteto Alexandre<br />

Alves Costa que vai falar<br />

sobre criatividade e tecnologia. É<br />

um congresso que vai para além<br />

da neurologia, envolvendo outras<br />

áreas da ciência e da cultura.<br />

MAS | E de que forma estas<br />

áreas se relacionam com a<br />

neurologia?<br />

MC | A tecnologia tem uma relação<br />

direta com a neurologia.<br />

A inovação tecnológica vem da<br />

imaginação (criatividade), que<br />

vem do nosso cérebro e os processos<br />

do funcionamento cerebral<br />

são estudados nesta área.<br />

MAS | Considera a evolução<br />

tecnológica poderá trazer obstáculos<br />

para esta área?<br />

MC | Pelo contrário, traz muitas<br />

coisas boas. A inovação no<br />

tratamento e observação dos<br />

doentes vem da tecnologia. É<br />

só imaginar o que a neurologia<br />

evoluiu a partir do momento em<br />

que se tornou possível fazer<br />

imagens do cérebro através da<br />

ressonância magnética. São<br />

inovações enormes que dependem<br />

da evolução tecnológica.<br />

MAS | Que patologias beneficiaram<br />

mais com o desenvolvimento<br />

tecnológico?<br />

MC | Todas as patologias. Desde<br />

o Acidente Vascular Cerebral<br />

(AVC) à esclerose múltipla, assim<br />

como a demência.<br />

MAS | Que inovações gostaria<br />

de destacar?<br />

MC | Consigo pensar em muitas.<br />

Do ponto de vista terapêutico, as<br />

nanoestruturas que transportam<br />

os medicamentos para onde estes<br />

são necessários e a utilização<br />

de biomarcadores para detenção<br />

de doenças. Isto pode-se aplicar<br />

Mónica Abreu Silva (MAS) |<br />

Quais são as expectativas<br />

para o Congresso de Neuroloa<br />

várias áreas da ciências.<br />

MAS | Quais os principais desafios<br />

da neurologia?<br />

O que precisa de ser ainda trabalhado<br />

nesta especialidade é<br />

perceber os mecanismos das<br />

doenças. Sabemos o que é que<br />

acontece, mas não sabemos o<br />

porquê. Particularmente na área<br />

da neurologia, passa também<br />

por perceber o ambiente em que<br />

vivemos, assim como as consequências<br />

disso para o cérebro<br />

e para a doença. Por exemplo,<br />

tem sido muito defendido que a<br />

poluição atmosférica é um grande<br />

fator de risco para o AVC ou<br />

que viver junto de autoestradas<br />

muito movimentadas aumenta o<br />

risco de Alzheimer. Portanto, há<br />

uma grande área para perceber<br />

como o nosso cérebro se relaciona<br />

com o meio em que vivemos<br />

e como é que isso se traduz<br />

no desencadear das doenças. É<br />

o futuro.<br />

MAS | Considera que Portugal<br />

está a conseguir acompanhar<br />

outros países quanto à inovação<br />

tecnológica?<br />

MC | Não tenho a mínima dúvida.<br />

Em termos de investigação médica,<br />

temos excelentes cientistas<br />

e conseguimos desenvolver<br />

investigação da melhor que se<br />

faz no mundo. Neste congresso,<br />

vamos ter uma mesa redonda,<br />

organizada por nós e pela Universidade<br />

do Porto, onde se vai<br />

mostrar os desenvolvimentos<br />

tecnológicos em ciência básica<br />

e ciência de translação que se<br />

faz em Portugal.<br />

Mónica Abreu Silva<br />

38 NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE | NOVEMBRO 2018


CONGRESSOS E SIMPÓSIOS | ESPECIAL<br />

VENCESLAU HESPANHOL<br />

Presidente da Sociedade Portuguesa<br />

de Pneumologia<br />

Novos desafios do<br />

tabagismo em debate no<br />

XXXIV Congresso da<br />

Sociedade Portuguesa<br />

de Pneumologia<br />

Entre os dias 8 e 10 de novembro<br />

realizou-se o 34º<br />

Congresso da Sociedade<br />

Portuguesa de Pneumologia<br />

(SPP), em simultâneo com o X<br />

Congresso Luso-Brasileiro de<br />

Pneumologia. Ao Saúde Online,<br />

Venceslau Hespanhol, presidente<br />

da SPP, falou sobre as inovações<br />

e desafios desta especialidade<br />

e que foram discutidos<br />

neste evento.<br />

Mónica Abreu Silva (MAS) |<br />

Quais são as principais novidades<br />

na pneumologia?<br />

Venceslau Hespanhol (VH) Temos<br />

bastantes coisas na área do<br />

diagnóstico, nomeadamente o<br />

diagnóstico invasivo e na pneumologia<br />

de intervenção. Temos<br />

também novidades no tratamento<br />

nas doenças difusas, na fibrose<br />

pulmonar idiopática e no cancro,<br />

especialmente com a imunoterapia.<br />

A área da ventilação também<br />

é muito importante e está a evoluir.<br />

A Medicina evoluiu, globalmente,<br />

de uma forma muito rápida<br />

e isso sente-se em todas as<br />

áreas, incluindo na pneumologia.<br />

MAS | Quais são os desafios que<br />

esta área enfrenta atualmente?<br />

VH | O desafio é diagnosticar<br />

doenças muito complicadas, nomeadamente<br />

as doenças difusas<br />

e os tumores. Ao melhorarmos<br />

esse diagnóstico, conseguimos<br />

tratá-las de uma forma individualizada<br />

e com melhores resultados.<br />

A asma, por exemplo, está numa<br />

fase importantíssima, com novos<br />

tratamentos individualizados para<br />

a asma grave, que não cedia ao<br />

tratamento tradicional e que hoje<br />

em dia é tratada com terapêuticas<br />

moleculares, muito mais eficazes.<br />

MAS | Quais são as expectativas<br />

para o 34º Congresso de<br />

Pneumologia?<br />

VH | Muito elevadas, porque temos<br />

um vasto conjunto de temas<br />

que serão discutidos e que envolvem<br />

todas as áreas da pneumologia<br />

em se se incluem a tuberculose,<br />

doenças difusas do<br />

pulmão, DPOC, asma, cancro,<br />

entre outros temas que serão<br />

discutidos nas várias sessões<br />

agendadas. Considerando as<br />

últimas edições, são esperadas<br />

cerca de 800 pessoas, mas podem<br />

ser muitas mais. Este ano,<br />

em conjunto com este congresso,<br />

realiza-se o X Congresso<br />

Luso-Brasileiro de Pneumologia.<br />

MAS | E que outras iniciativas<br />

estão agendadas para este<br />

evento?<br />

VH | Nos primeiros dias temos<br />

as sessões sobre o “Ano pneumológico<br />

em revisão” em que<br />

fazemos uma atualização de conhecimentos<br />

em algumas áreas<br />

da pneumologia, um dos objetivos<br />

deste congresso, que é o de<br />

promover a formação ativa das<br />

pessoas. Temos também sessões<br />

com especialistas nacionais<br />

e estrangeiros que vão debater<br />

a tuberculose, as doenças difusas,<br />

pneumologia de intervenção,<br />

etc. Também está agendada<br />

uma sessão de apresentações<br />

comentadas, que é um dos momentos<br />

apreciados neste evento<br />

e é uma forma de reconhecimento<br />

para os investigadores.<br />

MAS | Uma das sessões é dedicada<br />

aos “novos desafios<br />

do tabagismo”. De que estamos<br />

a falar exatamente?<br />

VH | Essa sessão deverá abordar<br />

a necessidade de termos<br />

uma resposta adequada às dificuldades<br />

que existem na abordagem<br />

clínica da doença que<br />

é o tabagismo. É um problema<br />

cujo tratamento começa por informar,<br />

depois por conseguir<br />

que a pessoa deixe este hábito e<br />

por controlar todas as situações<br />

que daí advêm. Por outro lado, a<br />

sessão também deverá focar-se<br />

nas novas formas de tabagismo<br />

e na investigação que tem sido<br />

feita nessa área.<br />

Inserido no Congresso Luso-Brasileiro,<br />

também será discutida a<br />

Marijuana e todas as implicações<br />

que daqui vão surgir. Vamos ter<br />

uma pessoa especialista Biologia<br />

Molecular que vai entrar na discussão<br />

e explicar algumas das<br />

questões à volta deste tema.<br />

Mónica Abreu Silva<br />

NOVEMBRO 2018 | NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE 39


ESPECIAL | CONGRESSOS E SIMPÓSIOS<br />

“O Cancro do Pâncreas é um<br />

tumor que cresce silenciosamente”<br />

No âmbito do 14º Congresso do Cancro Digestivo, que decorreu nos dias 9 e 10 de novembro, em Albufeira,<br />

o Saúde Online falou com o Dr. Hélder Mansinho, Presidente do Grupo de Investigação do Cancro Digestivo<br />

(GICD), para perceber quais os principais temas e desafios que vão ser abordados.<br />

Saúde Online (SO) | Que expectativas<br />

tem para este congresso?<br />

Hélder Mansinho (HM) | A expectativa<br />

é que este congresso seja<br />

um momento de atualização, de<br />

discussão das novas diretivas e<br />

das situações que levantam mais<br />

dúvidas no tratamento dos tumores<br />

oncológicos do sistema digestivo.<br />

Também temos 60 trabalhos<br />

originais apresentados, que<br />

depois serão avaliados consoante<br />

a originalidade e o rigor científico,<br />

a probidade. Depois serão<br />

atribuídos prémios. Os trabalhos<br />

mais votados têm apresentação<br />

em pleno congresso – este ano,<br />

colocámos essas apresentações<br />

em horário nobre.<br />

SO | Um dos temas abordados<br />

vai ser o Cancro Colorretal. Que<br />

avanços se têm registado nos<br />

últimos anos no que diz respeito<br />

a este carcinoma?<br />

HM | Em relação ao cancro do<br />

cólon, que o que se vai discutir<br />

é a terapêutica adjuvante e a<br />

pertinência de a fazer durante 3<br />

ou 6 meses. Porque é diferente<br />

em termos de toxicidade, provavelmente<br />

mantendo a mesma<br />

eficácia – é isso que os últimos<br />

estudos mostraram.<br />

Vamos falar também do papel<br />

da imunoterapia no tratamento<br />

do cancro colorretal e discutir<br />

também qual o melhor tratamento<br />

para um grupo dos tumores<br />

BRAF mutados, que são tumores<br />

muito agressivos e que aparecem<br />

em doentes muito jovens.<br />

Estes tumores merecem uma<br />

terapêutica muito agressiva inicialmente<br />

e vamos discutir qual<br />

será a melhor abordagem.<br />

HÉLDER MANSINHO<br />

Presidente do Grupo de Investigação<br />

do Cancro Digestivo (GICD)<br />

SO | Já começam a existir tratamentos<br />

de imunoterapia destinados<br />

aos cancros do sistema<br />

digestivo?<br />

HM | Sim, principalmente nos<br />

tumores que têm uma particularidade,<br />

que se chama instabilidade<br />

microssatélite. No fundo, são<br />

tumores que têm uma deficiência<br />

de reparação do DNA e têm uma<br />

carga mutacional muito alta.<br />

SO | Em relação ao cancro do<br />

pâncreas, que novidades podemos<br />

esperar?<br />

HM | No fundo, vamos discutir<br />

qual será a melhor abordagem<br />

para os tumores localmente<br />

avançados (aqueles que não são<br />

operáveis logo à partida) e se<br />

vale a pena fazer apenas quimioterapia<br />

ou quimio e radioterapia.<br />

Vamos falar também da situação<br />

daqueles que são operáveis logo<br />

à partida, no sentido de perceber<br />

se vale a pena fazer quimioterapia<br />

pré-cirúrgica. Nas últimas<br />

reuniões não houve grandes<br />

atualizações em relação a isso<br />

mas vamos ver se existe alguma<br />

evidência mais sólida.<br />

SO Tem aumentado a taxa de<br />

sobrevivência do cancro do<br />

pâncreas?<br />

HM | O cancro do pâncreas é o<br />

único em que a mortalidade está<br />

a aumentar. A sobrevivência aos<br />

cinco anos ronda os 3%. Desta<br />

maneira, irá ser, em 2020, provavelmente<br />

a segunda causa de<br />

morte por cancro – apesar de não<br />

ser dos tumores mais frequentes.<br />

SO | Porque tem o cancro do<br />

pâncreas uma mortalidade tão<br />

elevada?<br />

HM | Por várias razões: é um tumor<br />

que cresce silenciosamente,<br />

o diagnóstico é tardio, as pessoas<br />

confundem os sintomas (são normalmente<br />

sintomas pouco marcantes).<br />

Portanto, em cada 100<br />

doentes com cancro do pâncreas<br />

diagnosticado, só 20 é que conseguem<br />

ser operados e, desses<br />

20, 16 recidiram. É um tumor com<br />

uma mortalidade quase igual à<br />

incidência. É muito difícil de tratar<br />

em termos de quimioterapia.<br />

SO | E tem surgido inovações<br />

terapêuticas?<br />

HM | Sim, há algumas, quer em<br />

esquemas a utilizar em cirurgia,<br />

quer em esquemas a utilizar em<br />

doença metastizada mas o fundamental<br />

é o diagnóstico precoce.<br />

E, para isso, tem de haver um<br />

trabalho muito intenso de consciencialização<br />

e de informação<br />

dirigido aos próprios clínicos e à<br />

população, principalmente aos<br />

doentes que fumem, que tenham<br />

familiares com tumores do cólon,<br />

que desencadeiam diabetes tardiamente.<br />

Dentro dos tumores<br />

com este nível de mortalidade,<br />

este é dos tumores que tem atribuídas<br />

menos verbas para investigação.<br />

O que é uma coisa que<br />

não se compreende.<br />

SO | Que outros temas quer<br />

destacar neste XIV Congresso<br />

do Cancro Digestivo?<br />

HM | Vamos dar novidades em<br />

relação a novas drogas aprovadas<br />

para o hepatocarcinoma e<br />

também algumas drogas para<br />

imunoterapia que poderão ter um<br />

papel importante, porque o cancro<br />

do fígado é difícil de tratar. O regorafenib,<br />

que é a droga indicada,<br />

não dá os resultados que gostaríamos.<br />

Também vamos falar dos<br />

tumores raros do sistema digestivo,<br />

nomeadamente o tumor do<br />

apêndice; dos tumores da junção<br />

castro-esofágica.<br />

40 NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE | NOVEMBRO 2018


SAÚDE ONLINE | NACIONAL<br />

Greve dos enfermeiros criou um<br />

"Panorama extremamente grave",<br />

alertam administradores hospitalares<br />

“Existem várias situações de<br />

doentes que necessitam de<br />

forma urgente de uma cirurgia<br />

sem que seja contemplada<br />

pelos serviços mínimos, que,<br />

na prática, consideram doentes<br />

oncológicos e os que entram<br />

pela porta da urgência”, alerta<br />

Alexandre Lourenço, presidente<br />

da Associação Portuguesa dos<br />

Administradores Hospitalares<br />

Os administradores hospitalares<br />

alertam que<br />

há doentes em situações<br />

graves que estão a ver as<br />

cirurgias adiadas com a greve<br />

dos enfermeiros, considerando<br />

que o panorama é “extremamente<br />

grave”.<br />

“Existem várias situações de<br />

doentes que necessitam de<br />

forma urgente de uma cirurgia<br />

sem que seja contemplada pelos<br />

serviços mínimos, que, na<br />

prática, consideram doentes<br />

oncológicos e os que entram<br />

pela porta da urgência”, afirmou<br />

à agência Lusa o presidente da<br />

Associação Portuguesa dos Administradores<br />

Hospitalares.<br />

Isto porque, segundo o responsável,<br />

os serviços mínimos decretados<br />

para esta greve são<br />

serviços mínimos típicos para<br />

uma greve de um, dois ou três<br />

dias, quando esta paralisação<br />

vai durar no total mais de um<br />

mês, até ao final de dezembro.<br />

Para Alexandre Lourenço, a situação<br />

atual nos hospitais onde<br />

decorre há uma semana e meia<br />

a greve dos enfermeiros em<br />

blocos operatórios é “extremamente<br />

grave”.<br />

O presidente da associação dos<br />

administradores hospitalares<br />

apela ao Ministério da Saúde<br />

para que divulgue aos portugueses<br />

as situações de doentes<br />

graves com cirurgias adiadas ou<br />

que autorize as administrações<br />

dos hospitais a fazerem-no.<br />

Os sindicatos e a Ordem dos<br />

Enfermeiros têm referido que a<br />

greve em blocos operatórios de<br />

cinco hospitais públicos está a<br />

levar ao adiamento de cerca de<br />

500 cirurgias por dia, mas Alexandre<br />

Lourenço não avança<br />

dados concretos da parte dos<br />

hospitais, preferindo destacar<br />

os “casos graves” que não estão<br />

a ser atendidos. “Já ultrapassámos<br />

até uma avaliação do<br />

número de cirurgias que estão<br />

a ser adiadas. Estamos a falar<br />

de casos individuais de doentes<br />

que pela gravidade do seu estado<br />

de saúde vão ser prejudicados<br />

para a vida por este adiamento<br />

de cirurgias”, insistiu.<br />

O representante dos administradores<br />

hospitalares vinca a importância<br />

de que o Ministério da<br />

Saúde e os sindicatos cheguem<br />

a um acordo para terminar esta<br />

greve, apelando à “sensibilidade<br />

por casos individuais graves”.<br />

Os enfermeiros dos blocos operatórios<br />

do Centro Hospitalar<br />

Universitário de S. João (Porto),<br />

no Centro Hospitalar Universitário<br />

do Porto, no Centro Hospitalar<br />

e Universitário de Coimbra,<br />

no Centro Hospitalar Universitário<br />

Lisboa Norte e no Centro<br />

Hospitalar de Setúbal estão em<br />

greve desde o dia 22 de novembro<br />

e admitem prolongar a paralisação<br />

até final do ano.<br />

A greve foi convocada pela Associação<br />

Sindical Portuguesa de<br />

Enfermeiros (ASPE) e pelo Sindicato<br />

Democrático dos Enfermeiros<br />

de Portugal (Sindepor),<br />

embora inicialmente o protesto<br />

tenha partido de um movimento<br />

de enfermeiros que lançou<br />

um fundo aberto ao público que<br />

recolheu mais de 360 mil euros<br />

para compensar os colegas que<br />

aderissem à paralisação.<br />

Lusa<br />

42 NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE | NOVEMBRO 2018


SAÚDE ONLINE | ENTREVISTA<br />

PROF. PHIL MCEWAN<br />

Professor e diretor técnico do Center for Health<br />

Economics da Swansea University e diretor<br />

administrativo da consultora HEOR Ltd<br />

Em 2040, a obesidade vai<br />

representar 20% dos gastos<br />

com cuidados de saúde<br />

a nível mundial<br />

Tendo como pano de fundo o 22º Congresso Português de Obesidade,<br />

organizado pela Sociedade Portuguesa para o Estudo da Obesidade (SPEO),<br />

o Saúde Online falou com o Prof. Phil McEwan que participou numa sessão<br />

dedicada ao “impacto económico da Obesidade”, debruçando-se sobre o<br />

peso desta doença nas contas de um sistema de saúde.<br />

A<br />

prevalência de obesidade tem vindo a<br />

aumentar não só em Portugal, mas no<br />

mundo inteiro, representando um enorme<br />

fardo na saúde, pelas várias patologias<br />

associadas, como as doenças cardiovasculares,<br />

diabetes, doenças respiratórias e cancro,<br />

e na economia, sobretudo se considerarmos<br />

a diminuição da produtividade. Phil McEwan,<br />

professor e diretor técnico do Center for<br />

Health Economics, da Swansea University e<br />

diretor administrativo da HEOR Ltd, consultora<br />

que atua nas áreas do HIV, oncologia,<br />

diabetes e doenças infeciosas, começou a<br />

sua apresentação neste congresso por referir<br />

que, em 2040, o custo global com os cuidados<br />

de saúde irá aumentar entre cerca de 7<br />

a 18 triliões de dólares, sendo 20% destinado<br />

ao tratamento da obesidade e das comorbilidades<br />

a ela associadas.<br />

Mónica Abreu Silva (MAS) | Estima-se<br />

que em 2040, o custo global com cuidados<br />

de saúde irá aumentar entre cerca de<br />

7 a 18 triliões de dólares. Qual a peso da<br />

obesidade neste valor?<br />

Phil McEwan (PM) | Falando de uma forma<br />

geral, à volta de 20% (cerca de 2 triliões)<br />

estará associado à obesidade e às suas<br />

complicações. É um pouco difícil prever qual<br />

será o custo desta doença, porque inclui<br />

outras complicações como a diabetes, as<br />

doenças cardiovasculares, cancro, doenças<br />

respiratórias, entre outras.<br />

Esta previsão é calculada de acordo com a<br />

atual prevalência da obesidade, à medida<br />

que muitas pessoas vão entrando para esta<br />

categoria e os custos vão aumentando.<br />

MAS | De que forma a perda de peso poderá<br />

ajudar a reduzir estes custos? Será<br />

suficiente?<br />

PM | Claro. Uma das formas de olhar para<br />

esta questão é pensar na redução de peso<br />

para as pessoas que têm excesso de peso e<br />

ajudá-las a atingir esse objetivo e a mantê-<br />

-lo. A longo prazo, isto trará benefícios. Mas<br />

não deve ser a única abordagem. Em primeiro<br />

lugar, devemos evitar, depois ajudar<br />

a perder peso e, por fim, educar as pessoas<br />

para esta mudança de estilo de vida que é<br />

permanente e que deve ser mantida.<br />

MAS | Com tanta informação que já foi<br />

transmitida sobre a obesidade e sobre as<br />

suas consequências para a saúde, o que<br />

é que continua a falhar?<br />

PM | Temos que olhar para a raiz do problema.<br />

A obesidade não se deve à preguiça,<br />

44 NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE | NOVEMBRO 2018


ENTREVISTA | SAÚDE ONLINE<br />

tem a sua origem no crescimento económico<br />

e na prosperidade. À medida que uma nação<br />

vai ficando mais rica, tendemos a comprar<br />

casas maiores e bons carros, a comer<br />

boa comida e a beber bom vinho, trabalhamos<br />

em secretárias o dia todo. É mudança<br />

estrutural e estamos a lidar com as consequências<br />

do crescimento económico.<br />

Em Portugal, tenho a ideia de que a alimentação<br />

é muito rica, as pessoas ainda cozinham<br />

e utilizam produtos naturais, e isso é<br />

bom e saudável. Não é apenas pensarmos<br />

se vamos morrer, mas sim pensarmos nas<br />

políticas que aplicamos. No caso dos Estados<br />

Unidos, em particular, há um grande<br />

consumo de comida processada, logo é necessária<br />

uma reeducação de longo prazo o<br />

que não é algo de fácil resolução.<br />

MAS | Também mencionou na sua apresentação<br />

que a cirurgia bariátrica é a<br />

forma mais eficaz para combater a obesidade,<br />

contudo não é a mais acessível.<br />

Podemos então considerar que é uma<br />

solução?<br />

PM | É a solução com o efeito mais dramático<br />

e prolongado, mas é também a mais<br />

cara para começar, mas, como eu referi,<br />

as compensações associadas aos custos<br />

de reduzir a diabetes e a doença cardiovascular<br />

são substanciais. É fácil demonstrar<br />

que a cirurgia é a opção com menos<br />

custos. Isto foi muito bem documentado no<br />

Reino Unido, onde se verificou uma grande<br />

resistência em financiar a cirurgia, mas os<br />

cirurgiões bariátricos fizeram um excelente<br />

trabalho em demonstrar que se têm num<br />

paciente com um IMC 45, o menos dispendioso<br />

a fazer é a cirurgia, porque se não<br />

fizer, os custos serão superiores!<br />

Em todo o caso, não é a abordagem mais<br />

correta. A cirurgia representa um valor fantástico<br />

a nível monetário, aumenta a esperança<br />

de vida e reduz custos, mas deve ser<br />

evitada pelos potenciais riscos e complicações<br />

cirúrgicas que se lhe associam.<br />

MAS | Como reduzir o custo económico e<br />

garantir o melhor acompanhamento possível<br />

para o doente em simultâneo?<br />

PM | Quem trata dos orçamentos todos<br />

os anos, não pensa nas consequências.<br />

O trabalho dessas pessoas não é pensar<br />

sob uma perspetiva da saúde pública, nem<br />

no que vai acontecer daqui a 20 anos. É<br />

uma situação que se complica devido aos<br />

decisores políticos que não permitem que<br />

se tomem boas decisões em prol da nação;<br />

por não conseguirem conciliar custos<br />

e poupanças a curto termo com resultados<br />

a longo prazo. Estas intervenções são caras<br />

e requerem muitos especialistas, desde<br />

dietistas a cirurgiões. Daqui a um ano, os<br />

custos vão aumentar, mas serão recuperados<br />

a longo prazo. O enfâse deve ser posto<br />

na necessidade de garantir que, quando as<br />

intervenções nestes pacientes ocorrem, os<br />

mecanismos de suporte vão contribuir para<br />

manter a perda de peso.<br />

Mónica Abreu Silva<br />

NOVEMBRO 2018 | NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE 45


SAÚDE ONLINE | NACIONAL<br />

Investimento de 1,5 milhões de euros para<br />

melhorar e ampliar USF no Porto<br />

A<br />

Unidade de Saúde Familiar<br />

(USF) “Novo Sentido”<br />

contará no final de 2019<br />

com novas instalações, agregando<br />

parte da antiga Escola do<br />

Básica e Secundária do Cerco,<br />

no Porto, num investimento de<br />

1,5 milhões euros, foi anunciado<br />

no início do mês.<br />

Em comunicado, a Administração<br />

Regional de Saúde (ARS)<br />

do Norte dá conta do início das<br />

obras de requalificação que incluem<br />

a “remodelação do edifício<br />

e do equipamento”, de uma<br />

unidade de saúde “até agora a<br />

funcionar em instalações exíguas<br />

e de acessibilidade desadequadas”,<br />

nomeadamente no que<br />

“respeita a pessoas de mobilidade<br />

reduzida e/ou portadoras de<br />

deficiência motora permanente”.<br />

A ARS Norte adianta que a obra<br />

terá um investimento calculado<br />

de cerca de 1,5 milhões de euros,<br />

85% dos quais obtidos através do<br />

Programa Operacional Regional<br />

do Norte (Norte 2020) e o restante<br />

vindo do Orçamento do Estado.<br />

De acordo com o projeto aprovado,<br />

as futuras instalações incluirão<br />

“dois módulos: um de Saúde<br />

Familiar, com nove gabinetes<br />

médicos, três de enfermagem,<br />

duas salas de tratamento, dois<br />

gabinetes de vacinas e injetáveis<br />

e quatro de Saúde Materna/Infantil,<br />

e outro que será destinado<br />

a Cuidados na Comunidade, com<br />

três gabinetes médicos, um polivalente<br />

e um de enfermagem”.<br />

A ARS Norte informou ainda que<br />

desde 3 do corrente começaram<br />

a funcionar a USF de Avintes,<br />

em Vila Nova de Gaia, que servirá<br />

“uma população de mais de<br />

10.200 utentes inscritos”, e a de<br />

Vale do Este, em Vila Nova de<br />

Famalicão, para “aproximadamente,<br />

6.100 utentes”.<br />

Os utentes inscritos nestas USF,<br />

acrescenta o comunicado, “passaram<br />

a dispor deste novo modelo<br />

de organização e, consequentemente,<br />

dos cuidados de saúde<br />

prestados em regime de Equipa de<br />

Saúde Familiar (médico, enfermeiro<br />

e secretário clínico). Segundo a<br />

ARS Norte, com mais estas duas<br />

unidades, “a Região de Saúde do<br />

Norte passa a dispor, nesta data,<br />

de 248 USF, prevendo-se que, até<br />

final do ano em curso, este número<br />

possa ser aumentado”.<br />

Estas novas USF refere ainda<br />

a nota de imprensa, incluem os<br />

“serviços da carteira básica preconizada<br />

atualmente e adequada<br />

às características da população:<br />

vigilância, promoção da<br />

saúde e prevenção da doença<br />

nas diversas fases da vida (Medicina<br />

Geral, Saúde da Mulher,<br />

Saúde do Recém-nascido, da<br />

Criança e do Adolescente; Saúde<br />

do Adulto e do Idoso)”.<br />

A oferta de serviços inclui ainda<br />

“Cuidados em situação de Doença<br />

Aguda, Acompanhamento<br />

clínico das situações de doença<br />

crónica e patologia múltipla;<br />

Desenvolvimento do modelo de<br />

Enfermeiro de Família; Cuidados<br />

no domicílio e integração e<br />

colaboração em rede com outros<br />

serviços, setores e níveis de diferenciação,<br />

numa perspetiva de<br />

‘gestor de saúde’ do cidadão”.<br />

Dezenas de pessoas juntaram-se<br />

no passado dia<br />

6 numa vigília para exigirem<br />

um novo centro de saúde<br />

em Corroios, no Seixal, dado<br />

que o atual está instalado num<br />

prédio de quatro andares sem<br />

condições para o atendimento<br />

de doentes com mobilidade<br />

reduzida. “A construção de um<br />

novo centro de saúde é absolutamente<br />

necessária porque o atual<br />

está instalado num prédio de<br />

quatro andares, sem elevador e<br />

População do Seixal reclama novo<br />

centro de saúde em Corroios<br />

com escadas muito estreitas. Os<br />

médicos têm de descer ao piso<br />

inferior para atenderem as pessoas<br />

com mobilidade reduzida e<br />

já não querem vir trabalhar para<br />

esta unidade de saúde”, disse<br />

à agência Lusa José Lourenço,<br />

coordenador da Comissão de<br />

Utentes da Saúde<br />

do Seixal, no<br />

distrito de Setúbal.<br />

Segundo<br />

José Lourenço,<br />

“o Ministério da<br />

Saúde já lançou<br />

dois concursos<br />

públicos para a<br />

construção do<br />

novo centro de saúde de Corroios,<br />

mas por um preço muito<br />

baixo – 1,6 milhões de euros –<br />

em função do volume de construção”,<br />

pelo que até a comissão<br />

percebeu que “não iria aparecer<br />

nenhuma empresa interessada”.<br />

“Os dois concursos públicos ficaram<br />

desertos”, acrescentou.<br />

José Lourenço adiantou que a<br />

vigília, ao final da tarde de hoje,<br />

mobilizou cerca de 70 utentes e<br />

pretendeu sensibilizar o Governo<br />

para a urgência de um novo centro<br />

de saúde, numa comunidade de<br />

cerca de “36.000 utentes, 20.000<br />

dos quais sem médico de família”.<br />

“O Ministério da Saúde devia lançar<br />

de imediato um novo concurso<br />

público, mas, desta vez, com<br />

valores realistas, para que possamos<br />

ter o novo equipamento<br />

construído e a funcionar quanto<br />

antes, se possível antes do final<br />

do próximo ano, uma vez que<br />

o prazo de execução das obras<br />

nos concursos anteriores era de<br />

200 dias”, defendeu.<br />

José Lourenço referiu ainda que<br />

a Câmara Municipal do Seixal<br />

já adjudicou, por 300 mil euros,<br />

os arranjos exteriores do terreno<br />

que a própria autarquia cedeu<br />

ao Ministério da Saúde para a<br />

construção do novo centro de<br />

saúde de Corroios.<br />

46 NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE | NOVEMBRO 2018


ESPECIAL | II WORSHOP “VACINAS DO VIAJANTE”<br />

Viatim®: prevenir a hepatite A<br />

e a febre tifóide numa só vacina<br />

A Sanofi Pasteur, divisão de vacinas da multinacional farmacêutica Sanofi, esteve presente no II Workshop<br />

“Vacinas no Viajante”, que se realizou em novembro, na Alfândega do Porto, um evento organizado pela<br />

Sociedade Portuguesa de Medicina do Viajante. O workshop teve como principal objetivo a discussão de<br />

temas que contribuam para um melhor e mais completo conhecimento sobre vacinas.<br />

A Sanofi Pasteur, divisão de<br />

vacinas da multinacional farmacêutica<br />

Sanofi, esteve presente<br />

no II Workshop “Vacinas<br />

no Viajante”, que se realizou<br />

em novembro, na Alfândega<br />

do Porto, um evento organizado<br />

pela Sociedade Portuguesa<br />

de Medicina do Viajante. O<br />

workshop teve como principal<br />

objetivo a discussão de temas<br />

que contribuam para um melhor<br />

e mais completo conhecimento<br />

sobre vacinas.<br />

A Dra. Maria João Cunha, Medical<br />

Affairs Lead na Sanofi Pasteur<br />

Portugal, que integrou o<br />

painel “Vacinas em Portugal – A<br />

Perspetiva da Indústria”, partilhou<br />

com os presentes a visão<br />

da Sanofi que tem duas vertentes.<br />

A primeira, centrada nas<br />

parcerias, nomeadamente com<br />

as sociedades médicas e científicas.<br />

A Dra. Maria João Cunha<br />

salientou a importância desta interação,<br />

seja na área da forma-<br />

ção ou educação, reforçando a<br />

necessidade de uma “contribuição<br />

ativa” por parte da indústria.<br />

A responsável enfatizou a relevância<br />

da partilha de know-how<br />

que a indústria detém sobre vacinas<br />

e vacinologia com os profissionais<br />

de saúde na área da<br />

Medicina do Viajante.<br />

Outro ponto muito importante<br />

salientado pela Dra. Maria<br />

João Cunha, sobretudo numa<br />

companhia que se dedica ao<br />

desenvolvimento de vacinas, é<br />

a disponibilização no mercado<br />

nacional de vacinas inovadoras.<br />

“As vacinas são um bem escasso,<br />

até pelas dificuldades que<br />

envolvem a sua produção”.<br />

Viatim® chega a Portugal<br />

E é precisamente na senda da<br />

inovação que a Medical Affairs<br />

Lead partilhou com os presentes<br />

Viatim®, a vacina disponível nas<br />

farmácias portuguesas desde junho<br />

deste ano. Viatim® é uma vacina<br />

combinada contra a hepatite<br />

A e febre tifóide. A Dra. Maria João<br />

Cunha especificou que a razão<br />

pela qual se desenvolveu uma vacina<br />

combinada teve a ver com o<br />

facto destas duas doenças serem<br />

sobreponíveis não só em termos<br />

de transmissão mas também em<br />

termos das regiões onde os agentes<br />

etiológicos são endémicos –<br />

“Fazia todo o sentido desenvolver<br />

uma vacina que com apenas uma<br />

administração pudesse imunizar<br />

contra as duas doenças”.<br />

Relativamente às vacinas que<br />

integram o portfólio da Sanofi<br />

e que de alguma forma estão<br />

relacionadas com Viatim®, Typhim<br />

Vi® está disponível desde<br />

1988, agora em mais 160 países.<br />

Avaxim®, vacina contra a<br />

hepatite A no mercado desde<br />

1996 “infelizmente não está<br />

disponível em Portugal”, informou<br />

a Dra. Maria João Cunha<br />

adiantando, no entanto, esperarem<br />

“em breve conseguir disponibilizá-la<br />

no nosso país.”<br />

A Medical Affairs Lead realçou<br />

que esta vacina tem indicação<br />

para indivíduos com 16 ou<br />

mais anos de idade. Salientou<br />

também o facto de esta ser<br />

uma “vacina versátil” na forma<br />

como pode ser administrada;<br />

“Foi estudada não só como primovacinação<br />

mas também na<br />

revacinação nomeadamente<br />

no caso da hepatite A”.<br />

Relativamente aos perfis de<br />

segurança, “o perfil de Viatim®<br />

é sobreponível aos perfis de<br />

segurança das vacinas monovalentes<br />

contra a febre tifoide<br />

e hepatite A”.<br />

48 NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE | NOVEMBRO 2018


II WORSHOP “VACINAS DO VIAJANTE” | ESPECIAL<br />

Seringa inovadora<br />

Uma das inovações apresentadas<br />

nesta vacina é o facto de ter<br />

incorporada uma seringa de câmara<br />

dupla, que permite a mistura<br />

extemporânea de ambos<br />

os componentes imediatamente<br />

antes da administração. A vacina<br />

é administrada por via intramuscular<br />

profunda e lenta, de<br />

preferência na região deltoide.<br />

A Dra. Maria João Cunha terminou<br />

a sua exposição alertando<br />

que a Organização Mundial de<br />

Saúde (OMS) recomenda a vacinação<br />

contra a febre tifoide e hepatite<br />

A quando os viajantes vão<br />

para zonas de alto risco. “Nesse<br />

sentido, temos uma vacina com<br />

um perfil de segurança adequado,<br />

tornando se mais fácil a imunização<br />

contra as duas doenças<br />

numa só administração. Porque<br />

as doenças não precisam de<br />

passaporte…”, concluiu.<br />

ENTREVISTA A...<br />

Prof. Jorge Atouguia,<br />

Presidente da Sociedade<br />

Portuguesa de Medicina do<br />

Viajante (SPMV)<br />

Porque resolveu a organização<br />

incluir uma mesa redonda<br />

com a indústria?<br />

Para nós, a indústria, no âmbito<br />

das vacinas, é um parceiro. Porque<br />

a maior parte das empresas<br />

que têm vacinas foram elas próprias<br />

que as desenvolveram, ou<br />

acompanharam todo o seu desenvolvimento.<br />

São as empresas<br />

que têm o conhecimento mais<br />

completo sobre as suas vacinas.<br />

Ou seja, esta parceria não é comercial,<br />

é técnica, e interessa-nos<br />

muito saber o que as empresas<br />

têm no seu portfólio. E, sobretudo,<br />

porque em muitos casos nós próprios<br />

sofremos com não sabermos<br />

se temos, ou não, vacinas para<br />

utilizar. Há problemas de stock,<br />

há problemas de modificações de<br />

RCM, de défices de informação,<br />

de haver vacinas para adultos e<br />

não haver para crianças. Quando<br />

existe algum problema é com as<br />

empresas que falamos.<br />

Qual a mais-valia da Viatim®<br />

para a Consulta do Viajante?<br />

É um dois-em-um. Ao ser um<br />

dois-em-um, alguma da hesitação<br />

em vacinar por parte das pessoas,<br />

sobretudo aquelas que têm<br />

medo de injeções, diminui. Há<br />

uma maior adesão a ser vacinado.<br />

Por outro lado, o componente<br />

de febre tifóide desta vacina só<br />

está disponível, atualmente, nos<br />

centros de vacinação internacional.<br />

Esta é a única alternativa<br />

para que possa ser comprada na<br />

farmácia, ainda para mais, associada<br />

a uma outra vacina que é<br />

muito utilizada: a da hepatite A,<br />

das vacinas com maior recomendação.<br />

Logo, é uma mais-valia<br />

para a prescrição. O único problema<br />

é não ser comparticipada.<br />

Maria João Cunha,<br />

Medical Affairs Lead<br />

na Sanofi Pasteur Portugal<br />

A Sanofi Pasteur lançou recentemente<br />

uma nova vacina contra<br />

a febre tifoide e hepatite A.<br />

Desde quando está disponível?<br />

A vacina está disponível em<br />

Portugal desde junho passado,<br />

mas já tem vários anos no<br />

mercado. Viatim® foi comercializado<br />

no Reino Unido em 2001,<br />

estando atualmente disponível<br />

em 30 países.<br />

Qual a grande vantagem desta<br />

nova vacina dois-em-um?<br />

Esta vacina foi sempre vista<br />

como uma mais-valia pelo facto<br />

de ser uma combinação que<br />

integra um componente de hepatite<br />

A e um componente de<br />

febre tifóide. Como muitas vezes<br />

há dificuldade em ter stocks das<br />

vacinas monovalentes contra a<br />

hepatite A, acaba por ter ainda<br />

maior relevância. Adicionalmente<br />

e dado que as regiões de<br />

alto risco para os dois agentes<br />

etiológicos são sobreponíveis e<br />

a forma de transmissão similar<br />

(transmissão fecal-oral), a existencia<br />

desta vacina combinada<br />

vai ao encontro das necessidades<br />

dos viajantes para as regiões<br />

endémicas de febre tifóide<br />

e seroprevalentes de hepatite A.<br />

Quem pode tomar a nova<br />

vacina?<br />

Está indicada para indivíduos<br />

com 16 ou mais anos de idade.<br />

NOVEMBRO 2018 | NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE 49

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