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JORNAL<br />
SAÚDE NLINE<br />
WWW.SAUDEONLINE.PT<br />
NOVEMBRO 2018 | N.º 16 | ANO 3 | MENSAL | PREÇO: 3€<br />
Diretor: Miguel Múrias Mauritti<br />
ENTREVISTA PÁG. 16<br />
SILVIA GUICHARDO,<br />
Diretora-geral da GSK Portugal<br />
Com a<br />
aproximação do fim<br />
do prazo para a saída do<br />
Reino Unido da União Europeia,<br />
as multinacionais com sede<br />
no país preparam planos de<br />
contingência para atenuar<br />
potenciais falhas nos circuitos<br />
de distribuição<br />
de produtos.<br />
USF GENESIS<br />
PÁG. 24<br />
UMA INICIATIVA<br />
ENTREVISTA<br />
“Imunoterapia já é utilizada em mais de metade<br />
dos casos de melanoma avançado”.<br />
Na sequência do VI Simpósio do Melanoma, o Saúde<br />
Online esteve à conversa com a presidente do Intergrupo<br />
Português do Melanoma.<br />
PÁG. 28<br />
OPINIÃO<br />
PÁG. 4<br />
MARIA JOSÉ PASSOS<br />
JOÃO ARAÚJO CORREIA<br />
Presidente da Sociedade<br />
de Medicina Interna<br />
“Comunicar com o<br />
doente: um passo<br />
para deixar de fumar”<br />
Equipa já conseguiu abranger toda a população<br />
É o fim do mais<br />
temido dos<br />
exames. Alunos<br />
respondem ao<br />
Harrison pela<br />
última vez.<br />
Ao fim de 40 anos,<br />
o exame de acesso<br />
à especialidade<br />
vai mudar. Nova<br />
prova entra em<br />
vigor em 2019 e,<br />
ao contrário do<br />
Harrison, privilegia o<br />
raciocínio clínico.<br />
PÁG. 5<br />
Número de<br />
reações adversas a<br />
medicamentos não<br />
para de aumentar.<br />
Há 30 casos<br />
por dia.<br />
Números de situações<br />
reportadas à Autoridade<br />
Nacional do Medicamentos<br />
(Infarmed) quase duplicou<br />
nos primeiros seis<br />
meses do ano. Infarmed<br />
apela ao reporte com<br />
campanha dirigida, este<br />
ano, a grávidas, bebés<br />
e crianças.<br />
PÁG. 30
SUMÁRIO<br />
ENTREVISTA: SILVIA GUICHARDO, DIRETORA-GERAL DA GSK PORTUGAL<br />
GlaxoSmithKline apela a diálogo<br />
para garantir sustentabilidade do SNS<br />
Com a aproximação do fim do prazo para a saída do Reino Unido<br />
da União Europeia, as multinacionais com sede no país preparam<br />
planos de contingência para atenuar potenciais falhas nos circuitos<br />
de distribuição de produtos.<br />
pág. 16<br />
04 Opinião<br />
João Correia<br />
Comunicar com o doente:<br />
um passo para deixar de fumar<br />
05 É o fim do mais temido dos<br />
exames. Alunos respondem ao<br />
Harrison pela última vez<br />
Ao fim de 40 anos, o exame de acesso à<br />
especialidade vai mudar. Nova prova entra<br />
em vigor em 2019 e, ao contrário do Harrison,<br />
privilegia o raciocínio clínico. Este ano, centenas<br />
de candidatos vão ficar novamente fora das vagas.<br />
06 Opinião<br />
Luísa Lagarto<br />
Black Friday não traz “desconto” nos sintomas<br />
de Oniomania.<br />
10 Entrevista<br />
Prof. Rui Loureiro, Membro do Board do<br />
European Health Futures Forum (EHFF)<br />
“Setor farmacêutico português é um exemplo<br />
de resiliência”.<br />
13 Depressão resistente<br />
poderá vir a ser diagnosticada<br />
através de um simples<br />
teste sanguíneo<br />
Dados da investigação, agora revelados, sugerem<br />
esta forma de depressão pode estar associada<br />
à deficiência de uma molécula, a acetilcarnitina<br />
(ALC), e que medir os níveis sanguíneos dessa<br />
molécula pode ser uma maneira eficaz de<br />
diagnosticar o distúrbio.<br />
14 Profissão<br />
Manuel Tavares de Matos<br />
Dores nas costas podem ser sintomas de<br />
espondilartrose.<br />
20 Entrevista<br />
António Pais Martins, Chefe de Serviço de<br />
Anestesiologia do Hospital São Francisco Xavier<br />
Na semana em que assinalou o Dia Mundial da<br />
Anestesia, o Saúde Online esteve à conversa<br />
com o Chefe de Serviço de Anestesiologia<br />
do Hospital São Francisco Xavier. António<br />
Pais Martins destaca a segurança dos<br />
procedimentos anestésicos nos dias de hoje e<br />
garante que a incidência de efeitos secundários<br />
no pós-operatório tem vindo a diminuir.<br />
24 Especial | Rota da Saúde<br />
USF Genesis<br />
28 Entrevista<br />
Maria José Passos, presidente do Intergrupo<br />
Português do Melanoma<br />
Na sequência do VI Simpósio do Melanoma,<br />
que decorreu no final de outubro, o Saúde<br />
Online esteve à conversa com a presidente<br />
do Intergrupo Português do Melanoma.<br />
Maria José Passos destaca a importância do<br />
diagnóstico precoce e o aparecimento de novas<br />
terapêuticas mas alerta para o aumento da<br />
incidência da doença em Portugal.<br />
30 Número de reações adversas<br />
a medicamentos não para de<br />
aumentar. Há 30 casos por dia<br />
32 Entrevista<br />
Paulo André Fernandes, infeciologista e exdiretor<br />
do programa Programa de Prevenção<br />
e Controlo de Infeções e de Resistência aos<br />
Antimicrobianos da DGS. Resistência aos<br />
antibióticos agrava-se “É a própria medicina<br />
moderna que está em causa”.<br />
34 Opinião<br />
Vasco Barreto<br />
Vacinação reduz o número de casos e de<br />
mortes por pneumonia.<br />
FICHA TÉCNICA | Publicação online de informação geral e médica<br />
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da alinea a) do nº1 do artigo 12º do<br />
decreto regulamentar nº8/99, de 9 de junho<br />
Periodicidade<br />
Informação permanente<br />
Ano de fundação: 2016
SAÚDE ONLINE | OPINIÃO<br />
COMUNICAR COM O DOENTE<br />
Um passo para deixar de fumar<br />
João Araújo Correia,<br />
Internista e presidente da<br />
Sociedade Portuguesa de<br />
Medicina Interna<br />
O<br />
tabagismo,<br />
caraterizado<br />
pelo consumo e/ou<br />
dependência de tabaco,<br />
é uma doença crónica que afeta<br />
mais de 20% da população<br />
portuguesa, sendo também uma<br />
das principais causas de morte<br />
no nosso país.<br />
Segundo a Organização Mundial<br />
de Saúde, este hábito nefasto<br />
para a saúde pública tem vindo<br />
a aumentar drasticamente a nível<br />
mundial, estimando-se que<br />
entre 2025 e 2030 o número de<br />
mortes por ano se fixe em cerca<br />
de 10 milhões. Este cenário<br />
requer uma preocupação acrescida<br />
dos profissionais de saúde,<br />
dado que o consumo de tabaco<br />
pode implicar que o indivíduo<br />
desenvolva diversas complicações<br />
de saúde.<br />
No que respeita ao sistema respiratório,<br />
estão associados ao<br />
tabagismo o cancro do pulmão,<br />
a asma, a bronquite, o enfisema<br />
e, principalmente, a Doença<br />
Pulmonar Obstrutiva Crónica<br />
(DPOC). Além destes, o consumo<br />
tabágico fomenta igualmente<br />
o desenvolvimento da doença<br />
coronária, acidente vascular cerebral,<br />
doença aterosclerótica<br />
cardiovascular, osteoporose, úlcera,<br />
infertilidade, e muito outros.<br />
Com a finalidade de melhorar a<br />
sua qualidade de vida e longevidade,<br />
muitos são os indivíduos<br />
que tentam deixar de fumar. Contudo,<br />
a cessação tabágica demonstra<br />
ser um processo de difícil<br />
concretização: somente 25% das<br />
tentativas de abstinência com ajuda<br />
médica conseguem ultrapassar<br />
uma semana de tratamento.<br />
É, por isso, essencial, que os especialistas<br />
de Medicina Interna,<br />
em conjunto com profissionais de<br />
psicologia, pneumologia, nutrição<br />
e enfermagem definam um plano<br />
de cessação tabágica adaptado<br />
a cada indivíduo, de forma a assegurar<br />
o sucesso do tratamento<br />
e, por sua vez, reduzir a probabilidade<br />
de ocorrerem recaídas.<br />
Importa inclusive que o internista<br />
esteja sensibilizado para o papel<br />
da comunicação com o doente.<br />
Dado o impacto psicológico que<br />
este processo acarreta, muitas<br />
vezes associado ao aumento<br />
dos níveis de stress e ansiedade,<br />
é crucial que o médico transmita<br />
confiança e empatia com o<br />
paciente, através do aconselhamento<br />
e acompanhamento ao<br />
longo do tratamento, assim como<br />
através da consciencialização<br />
para os riscos do tabaco e para<br />
os benefícios de deixar de fumar.<br />
Entre os benefícios a médio-<br />
-prazo estão o aumento da esperança<br />
e qualidade de vida, a<br />
melhoria da saúde cardiovascular,<br />
a diminuição da falta de ar,<br />
tosse e obstrução brônquica, o<br />
aumento da probabilidade de ter<br />
filhos mais saudáveis, e muito<br />
mais. Já a curto prazo, os resultados<br />
são diversos: segundo<br />
a agência norte-americana de<br />
Centros de Controlo e Prevenção<br />
de Doenças, 20 minutos<br />
após deixar de fumar, a frequência<br />
cardíaca e a pressão arterial<br />
do indivíduo normalizam os<br />
seus níveis; já 10 anos depois, o<br />
risco de desenvolver cancro do<br />
pulmão reduz para metade.<br />
Desta forma, a Sociedade Portuguesa<br />
de Medicina Interna, em<br />
conjunto com os seus núcleos de<br />
estudo, tem investido em campanhas<br />
de sensibilização junto da<br />
população e, principalmente, na<br />
formação de internistas e outros<br />
profissionais de saúde, de forma<br />
a que estejam preparados para<br />
responder às necessidades e especificidades<br />
de cada doente. Só<br />
assim poder-se-á contribuir para<br />
uma sociedade mais saudável,<br />
mais ativa e com maior esperança<br />
de vida.<br />
« O tabagismo,<br />
é uma doença<br />
crónica que afeta<br />
mais de 20%<br />
da população<br />
portuguesa, sendo<br />
também uma<br />
das principais<br />
causas de morte<br />
no nosso país »<br />
4 NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE | NOVEMBRO 2018
ESTUDAR MEDICINA<br />
NACIONAL | SAÚDE ONLINE<br />
É o fim do mais temido dos<br />
exames. Alunos respondem ao<br />
Harrison pela última vez<br />
Ao fim de 40 anos, o exame<br />
de acesso à especialidade<br />
vai mudar. Nova<br />
prova entra em vigor em 2019 e,<br />
ao contrário do Harrison, privilegia<br />
o raciocínio clínico. Este ano,<br />
centenas de candidatos vão ficar<br />
novamente fora das vagas.<br />
É já esta quinta-feira que quase<br />
três milhares de licenciados<br />
em Medicina vão testar os seus<br />
conhecimentos de modo a assegurarem<br />
um lugar na formação<br />
especializada. No entanto, este<br />
ano, os 2879 alunos vão fazer o<br />
exame Harrison, que já se realiza<br />
há mais de 40 anos, pela última<br />
vez. No próximo ano, entrará em<br />
vigor um novo modelo de prova.<br />
Com o número de candidatos<br />
às especialidades a aumentar<br />
de ano para ano e o número de<br />
vagas praticamente estagnado,<br />
aumenta a pressão sobre<br />
os candidatos para que tirem<br />
uma boa nota. Hoje, às 15 horas,<br />
os alunos estarão frente<br />
a frente com o Harrison, uma<br />
prova baseada exclusivamente<br />
naquela que é considerada<br />
a “bíblia da Medicina” – o livro<br />
“Harrison’s Principles of Internal<br />
Medicine” – e que é constituída<br />
por 100 perguntas de escolha<br />
múltipla divididas por cinco temas:<br />
Cardiologia, Pneumologia,<br />
Nefrologia, Hematologia e<br />
Gastrenterologia. Para além da<br />
complexidade das matérias, a<br />
vastidão da obra, com quase<br />
1000 páginas, é uma dificuldade<br />
acrescida para os candidatos,<br />
que têm de memorizar todos os<br />
conteúdos do livro.<br />
Para além dos alunos que terminaram<br />
a licenciatura este ano em<br />
Portugal, podem ainda fazer a<br />
prova aqueles que se formaram<br />
no estrangeiro e os que querem<br />
repetir o Harrison por não terem<br />
conseguido vaga na especialidade.<br />
Este é, aliás, um cenário<br />
que tem repetido nos últimos<br />
anos. Em 2017, por exemplo,<br />
676 candidatos ficaram de fora,<br />
uma vez que havia 2341 candidatos<br />
para apenas 1665 vagas.<br />
Os lugares para os diplomados<br />
deste ano só serão conhecidos<br />
em 2019 mas o cenário de desproporção<br />
tende a agravar-se,<br />
aumentando o contingente de<br />
médicos indiferenciados.<br />
Como não existe nenhuma classificação<br />
mínima que garanta a<br />
tão desejada vaga na especialidade<br />
escolhida, o objetivo dos<br />
alunos é conseguir uma nota<br />
perto dos 100%. Por exemplo,<br />
uma nota a rondar os 80% pode<br />
não chegar para um aluno conseguir<br />
vaga em Dermatologia<br />
ou Oftalmologia, mas pode ser<br />
suficiente para a entrada na<br />
formação em Medicina Interna<br />
ou Medicina Geral e Familiar,<br />
especialidades menos procuradas<br />
pelas novas gerações, que<br />
evitam o excesso de trabalho<br />
na urgência e a sobrecarga de<br />
doentes nos centros de saúde,<br />
adianta o Expresso.<br />
Mudança em 2019<br />
O debate sobre fim do Harrison<br />
já se arrasta há alguns anos. Em<br />
2004, o Conselho Nacional do<br />
Internato Médico alertava para<br />
a necessidade de mudanças<br />
no exame e, em 2009, foram<br />
as próprias faculdades a propor<br />
alterações. Uma das críticas<br />
apontadas à prova assentava no<br />
facto de existirem cada vez mais<br />
alunos a conseguirem notas acima<br />
dos 90%, o que dificulta a ordenação<br />
da entrada nas vagas.<br />
Outra era a própria configuração<br />
do exame, que dava primazia à<br />
memorização sobre o raciocínio.<br />
Contudo, só em 2012 o Ministério<br />
da Saúde decidiu criar um<br />
grupo de trabalho (que juntou<br />
representes da tutela, dos alunos,<br />
da Ordem dos Médicos e<br />
da ACSS) para avaliar o assunto.<br />
Depois de cinco anos de reflexão,<br />
os intervenientes assinaram,<br />
em abril do ano passado,<br />
um protocolo para avançar com<br />
a criação de uma nova prova<br />
com critérios diferentes.<br />
O Gabinete da Prova Nacional<br />
de Acesso, liderado pelo professor<br />
catedrático Serafim Magalhães,<br />
vai ser o responsável para<br />
construção da nova prova, com<br />
a ajuda da organização americana<br />
National Border Medical Examiners,<br />
onde os membros do<br />
gabinete foram fazer formação.<br />
Para o dia 23 de novembro está<br />
marcado um teste-piloto, que já<br />
tem mais de mil alunos inscritos<br />
– movidos, talvez, pela curiosidade<br />
de saberem como vai ser<br />
a prova em 2019. Lisboa, Porto,<br />
Coimbra, Braga e Covilhã são as<br />
cidades escolhidas para acolher<br />
o teste-piloto. Já se sabe, no entanto,<br />
que, ao contrário do Harrison<br />
(que tinha uma duração de<br />
duas horas e meia), a nova prova<br />
vai ser dividida em duas partes,<br />
de 120 minutos cada, e com um<br />
intervalo de uma hora pelo meio.<br />
Outra mudança já conhecida é<br />
o número de questões. Agora<br />
serão 150 perguntas de escolha<br />
múltipla, que vão incidir também<br />
sobre as especialidades de cirurgia,<br />
ginecologia-obstetrícia,<br />
pediatria e psiquiatria, que não<br />
estavam contempladas no Harrison.<br />
As questões de Medicina<br />
Interna vão contar 50% para a<br />
nota final e os restantes 50% serão<br />
ocupados pelas outras especialidades.<br />
Ao contrário do Harrison,<br />
o novo exame vai privilegiar<br />
o raciocínio clínico.<br />
NOVEMBRO 2018 | NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE 5
SAÚDE ONLINE | PROFISSÃO<br />
Black Friday não traz “desconto”<br />
nos sintomas de Oniomania<br />
Luisa Lagarto,<br />
Psiquiatra da Unidade<br />
Psiquiátrica Privada<br />
de Coimbra<br />
A<br />
oniomania,<br />
também<br />
designada por Perturbação<br />
Compulsiva por<br />
Compras, é considerada uma<br />
doença psiquiátrica caraterizada<br />
por um desejo recorrente<br />
e descontrolado de realizar<br />
compras. Estima-se que atinja<br />
6 por cento da população<br />
geral, e a maioria dos estudos<br />
indica que cerca de 90<br />
por cento são mulheres.<br />
Os principais sintomas consistem<br />
em comportamentos<br />
repetitivos, pensamentos<br />
intrusivos e preocupações<br />
relacionadas com compras<br />
e impulsos para comprar, os<br />
quais são vivenciados como<br />
irresistíveis e de difícil controlo.<br />
Os doentes descrevem<br />
uma sensação de tensão e<br />
de ansiedade crescente, que<br />
só alivia quando a compra<br />
é realizada. Posteriormente<br />
geram-se habitualmente<br />
sentimentos de culpa, angústia<br />
e preocupação. É frequente<br />
serem adquiridos objetos<br />
supérfluos e de elevado valor,<br />
conduzindo a problemas financeiros<br />
graves.<br />
A oniomania tem início no final<br />
da adolescência ou na segunda<br />
década de vida, o que<br />
poderá estar relacionado com<br />
a emancipação do núcleo familiar,<br />
acesso a contas bancárias<br />
e uso compulsivo do computador,<br />
particularmente a utilização<br />
de sites onde é possível fazer<br />
compras online.<br />
Estes comportamentos provocam<br />
sofrimento no indivíduo,<br />
são consumidores de tempo e<br />
podem originar problemas ao<br />
nível pessoal, familiar, legal e<br />
financeiro. Sintomas de depressão,<br />
ansiedade, distúrbios alimentares<br />
e/ou uso de substâncias<br />
são comuns nos doentes<br />
que sofrem desta doença.<br />
É importante distinguir estes<br />
comportamentos daqueles que<br />
decorrem dentro dos padrões<br />
considerados normais. Os gastos<br />
excessivos episódicos que<br />
ocorrem em ocasiões especiais<br />
(festas, aniversários, férias,<br />
etc.) não configuram necessariamente<br />
este diagnóstico, principalmente<br />
se não estiverem<br />
associados à preocupação ou<br />
angústia, e se não implicarem<br />
consequências adversas.<br />
Ainda não estão esclarecidas<br />
as causas desta perturbação,<br />
mas sabe-se que estão envolvidos<br />
fatores neurobiológicos,<br />
psicológicos e sociais. Traços<br />
obsessivos e impulsividade são<br />
características da personalidade<br />
que estão frequentemente associadas<br />
à doença. Alguns fatores<br />
socioculturais são reforçadores<br />
deste tipo de comportamentos,<br />
particularmente a crença de que<br />
a aquisição de bens representa<br />
ascensão social, poder, prestígio<br />
e autonomia financeira.<br />
Para além disso, o estímulo para<br />
o consumo e a disponibilidade de<br />
uma ampla gama de produtos podem<br />
contribuir para o desenvolvimento<br />
da doença. As estratégias<br />
de marketing relacionados com<br />
promoções atrativas, como a<br />
época da “Black Friday”, podem<br />
conduzir a um aumento<br />
do risco para as compulsões<br />
por compras, agravando assim<br />
os sintomas.<br />
O curso da doença é normalmente<br />
crónico e intermitente.<br />
O tratamento envolve<br />
acompanhamento psiquiátrico<br />
regular, psicoterapia e<br />
intervenção farmacológica.<br />
As intervenções em grupo<br />
são benéficas, dado que<br />
proporcionam um ambiente<br />
de apoio e encorajamento<br />
mútuos. A terapia de casal<br />
também pode ser necessária,<br />
caso se verifique problemática<br />
no relacionamento conjugal<br />
precipitada pela doença.<br />
Para prevenir a compulsão<br />
por compras, os doentes são<br />
orientados no sentido de alterarem<br />
os seus comportamentos<br />
e hábitos de vida. Por<br />
exemplo, sugere-se para estes<br />
doentes: evitar épocas de<br />
promoções, evitar frequentar<br />
regularmente centros comerciais<br />
ou fazê-lo em companhia,<br />
não levar cartão de crédito<br />
ou usar crédito limitado,<br />
fazer listas previamente para<br />
adquirir apenas o que é necessário,<br />
e evitar a utilização<br />
sites de compras online.<br />
6 NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE | NOVEMBRO 2018
SAÚDE ONLINE | OPINIÃO<br />
DIA MUNDIAL DA DIABETES<br />
Complicações vasculares da<br />
Diabetes: prevenir para evitar<br />
Isabel Mangas,<br />
Endocrinologista do Centro<br />
Hospitalar Universitário<br />
do Porto<br />
Desde 1991 que a Federação<br />
Internacional da Diabetes<br />
(IDF) e a Organização<br />
mundial de Saúde (OMS)<br />
comemoram, no dia 14 de novembro,<br />
o Dia Mundial da Diabetes.<br />
A partir de 2006, o Dia Mundial<br />
da Diabetes passou a contar<br />
com o apoio da Organização das<br />
Nações Unidas (ONU). A ONU<br />
reconheceu a diabetes mellitus<br />
(DM) como uma doença crónica,<br />
debilitante e com elevados custos,<br />
principalmente quando associada<br />
a complicações graves.<br />
O número de pessoas afetadas<br />
em todo o mundo com DM reflete<br />
a magnitude do problema.<br />
Segundo os dados da IDF, existem<br />
atualmente cerca de 425 milhões<br />
de pessoas com diabetes<br />
em todo o mundo. Em Portugal,<br />
segundo a mesma fonte, estima-<br />
-se que a prevalência de diabetes<br />
na população adulta seja de<br />
13,9%. Isto significa que mais de<br />
um milhão de portugueses neste<br />
grupo etário tem DM.<br />
A DM é uma doença caracterizada<br />
por uma hiperglicemia crónica<br />
resultante de deficiência na<br />
secreção e/ou ação da insulina.<br />
A DM tipo 1 ocorre em 5-10%<br />
dos doentes com DM e é devida<br />
a uma destruição autoimune das<br />
células beta pancreáticas. A DM<br />
tipo 2 (DM2) é responsável por<br />
cerca de 90 a 95% dos casos<br />
de DM, mas a sua etiologia não<br />
é completamente conhecida:<br />
sabe-se que não há destruição<br />
autoimune das células beta pancreáticas<br />
e que os doentes não<br />
têm outra causa conhecida de<br />
diabetes (doenças do pâncreas<br />
exócrino, destruição pancreática,<br />
fármacos…).<br />
A DM2 pode permanecer não<br />
diagnosticada por muitos anos:<br />
a hiperglicemia desenvolve-se<br />
gradualmente e, em estados<br />
iniciais, não é suficientemente<br />
grave para o doente apresentar<br />
sintomas. Isto contribui para<br />
que, em todo o mundo, uma em<br />
duas pessoas com diabetes<br />
ainda não esteja diagnosticada.<br />
Desde o início da doença<br />
até ao desenvolvimento dos<br />
sintomas, estes doentes apresentam<br />
um elevado risco de<br />
desenvolverem complicações<br />
micro e macrovasculares. A<br />
deteção precoce, o diagnóstico<br />
e o tratamento podem salvar<br />
vidas e prevenir ou retardar<br />
significativamente as complicações<br />
devastadoras relacionadas<br />
com esta doença como a<br />
doença renal crónica, a retinopatia,<br />
a neuropatia, a doença<br />
cardíaca e a doença cerebrovascular,<br />
nomeadamente o acidente<br />
vascular cerebral (AVC) .<br />
Atualmente, há evidência de<br />
que, em muitos casos, a DM2<br />
pode ser prevenida e tratada<br />
adotando-se um estilo de vida<br />
saudável: (1) uma alimentação<br />
saudável, focando-se na qualidade<br />
dos alimentos ingeridos<br />
– substituir hidratos de carbono<br />
(HC) refinados por HC complexos;<br />
preferir como fonte de<br />
proteínas o peixe, as aves e as<br />
leguminosas, evitando as carnes<br />
vermelhas; evitar gorduras<br />
saturadas e gorduras trans e<br />
aumentar o consumo de ácidos<br />
gordos ómega 3 e 6; (2) redução<br />
da ingestão de sal, principalmente<br />
em doentes com DM<br />
e HTA, (3) redução do consumo<br />
de álcool, (4) abstinência tabágica<br />
e (5) atividade física no<br />
mínimo de 150 minutos semana<br />
de exercício moderado a intenso.<br />
O principal objetivo destas<br />
alterações é diminuir a adiposidade<br />
visceral e, deste modo,<br />
diminuir a insulinorresistência,<br />
o que permite melhorar o perfil<br />
glicémico, lipídico e metabólico.<br />
Para a maioria dos doentes<br />
com DM, o grande desafio é,<br />
« A comemoração<br />
do Dia Mundial<br />
da Diabetes surge<br />
como um alerta,<br />
porque muito<br />
pode ser feito para<br />
prevenir, melhorar a<br />
qualidade de vida e<br />
reduzir a morbidade<br />
e mortalidade das<br />
pessoas que vivem<br />
com DM »<br />
precisamente, esta mudança<br />
no estilo de vida, pelo que é<br />
fundamental o empoderamento<br />
do doente.<br />
A comemoração do Dia Mundial<br />
da Diabetes surge como<br />
um alerta, porque muito pode<br />
ser feito para prevenir, melhorar<br />
a qualidade de vida e reduzir a<br />
morbidade e mortalidade das<br />
pessoas que vivem com DM.<br />
8 NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE | NOVEMBRO 2018
SAÚDE ONLINE | ENTREVISTA<br />
PROF. DR. RUI LOUREIRO<br />
Membro do Board do European<br />
Health Futures Forum (EHFF)<br />
“Setor farmacêutico<br />
português é um<br />
exemplo de resiliência”<br />
Especialista em Farmacêutica Industrial e membro do Board do<br />
European Health Futures Forum (EHFF), Rui Loureiro defende que é<br />
preciso olhar para o setor farmacêutico como estratégico e global,<br />
ao mesmo tempo que em Portugal se deve observar e aprender<br />
com os casos de sucesso de outros países.<br />
“A<br />
indústria farmacêutica tem um papel<br />
estruturante e criador de valor<br />
para o país no seu todo, mas precisa<br />
de ser encarada como tal e de forma<br />
integrada... Pelos seus múltiplos atores<br />
e nas várias vertentes, incluindo política”.<br />
Quem o defende é o Professor Rui Loureiro,<br />
especialista em Farmacêutica Industrial.<br />
Para o também membro do Board European<br />
Health Futures Forum (EHFF), Portugal<br />
deve observar e aprender com os casos<br />
de sucesso de outros países. A Espanha fê-<br />
-lo. Resultado: hoje, 21% da I&D industrial<br />
em Espanha tem origem na indústria farmacêutica”.<br />
Em entrevista exclusiva ao nosso<br />
jornal, o docente da Faculdade de Farmácia<br />
da Universidade de Lisboa, defende ainda<br />
que “o Estado deve olhar para a I&D dos<br />
farmacêuticos como uma área e um setor<br />
estratégico, indutor de emprego qualificado<br />
e com enorme potencial de exportação – na<br />
verdade, algo como um cluster farmacêutico,<br />
criador de sinergias virtuosas e a vários<br />
níveis. Um deles, assinala, é o do turismo<br />
de Saúde. “Temos tudo para que dê<br />
certo: uma boa infraestrutura e uma oferta<br />
robusta, naturalmente indissociável de idiossincrasias<br />
próprias e favoráveis do país,<br />
do clima à cultura, geografia e segurança.<br />
Portugal é hoje procurado por pacientes de<br />
todo o mundo, que aqui vêm à procura de<br />
realizar intervenções específicas, como cirurgias<br />
às cataratas, angioplastias coronárias,<br />
artoplastias da anca, colicistectomias,<br />
entre muitas outras.”<br />
Miguel Múrias Mauritti (MMM) | As Farmácias<br />
de Oficina vivem um tempo de<br />
profundas alterações, com a falência de<br />
um número muito elevado de operadores.<br />
Trata-se de uma situação conjuntural<br />
ou estrutural?<br />
Prof. Dr. Rui Loureiro (RL) | É preciso olhar<br />
para as Farmácias de oficina como parte<br />
integrante de uma rede mais vasta, na qual<br />
a falência de um dos pontos afeta o todo<br />
e mesmo outras áreas e o público. Assim,<br />
os problemas que se têm vindo a registar<br />
ao nível da viabilidade do negócio, afetam,<br />
desde logo, o acesso dos cidadãos a cuidados<br />
de saúde prestados por uma rede de<br />
prestadores (farmácias de oficina) que cobrem,<br />
como nenhum outro, todo o território<br />
nacional. E uma rede relativamente à qual<br />
existe uma boa percepção, por parte da população,<br />
tanto da qualidade técnica como<br />
da qualidade percebida, sendo apontada<br />
por uma percentagem muito significativa<br />
como primeiro ponto de contacto com o sistema<br />
nacional de saúde.<br />
10 NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE | NOVEMBRO 2018
ENTREVISTA | SAÚDE ONLINE<br />
MMM | Como foi possível que isso acontecesse?<br />
RL | Desde logo, por a Farmácia não ter<br />
sido considerada, pelo Estado, como integrando<br />
o setor industrial, se considerarmos<br />
todo o ciclo, da investigação à produção e<br />
à dispensa ao público. Como também não<br />
foi valorada como prestadora de um serviço<br />
público, realizado por técnicos muito diferenciados.<br />
Um serviço, cuja prestação acarreta<br />
custos de diversa ordem (pessoal, fornecedores,<br />
bancários e de seguros, rendas, entre<br />
outros). Ao invés de reconhecer o setor<br />
como “estratégico”, protegendo-o, os anos<br />
de Troika levaram a Investigação e Desenvolvimento<br />
(I&D) dos Farmacêuticos portugueses<br />
para os cuidados intensivos, fruto de<br />
uma queda vertiginosa e direta nas margens<br />
da atividade, que suportavam essa I&D.<br />
MMM | A queda foi assim tão dramática?<br />
RL | Sem dúvida: de 22.63% entre 2010<br />
e 2016, o que representa uma quebra de<br />
544.8 milhões de euros em apenas 6 anos.<br />
MMM | Ainda assim, o setor revelou uma<br />
resiliência notável. Como é que explica<br />
essa resiliência?<br />
RL | Há três coisas das quais, globalmente,<br />
não prescindimos: alimentação, cuidados de<br />
saúde e segurança. Não necessariamente<br />
por esta ordem. Portanto, qualquer setor que<br />
trabalhe a área da saúde e as suas sinergias,<br />
tanto para consumo nacional, como para o<br />
mercado externo, apresenta uma maior resiliência.<br />
Não quer dizer que não sofra com os<br />
solavancos da economia global. Por exemplo,<br />
Angola era, antes da “crise”, um importante<br />
destino de exportação de produtos made in<br />
Portugal. Ora, como todos sabemos, hoje,<br />
Angola atravessa uma crise, em muito devido<br />
à queda do preço do petróleo nos mercados<br />
internacionais. Ainda assim, quer o anterior,<br />
quer o atual Governo, embora tenham aplicado<br />
restrições cambiais para a maioria dos<br />
setores, libertaram recursos em moeda forte<br />
para dois setores considerados vitais: alimentação<br />
e Saúde. Isto mostra a resiliência e o<br />
interesse de se investir neste setor e em que<br />
surjam spin-offs de centros de investigação,<br />
especializadas desde construção de hospitais,<br />
softwares clínicos, redes de comunicação<br />
para saúde, medicamentos, e todos os<br />
demais serviços associados. O Estado deve<br />
olhar para a I&D dos farmacêuticos como<br />
uma área e um setor estratégico, indutor de<br />
emprego qualificado e com enorme potencial<br />
de exportação – na verdade, algo como um<br />
cluster farmacêutico, criador de sinergias virtuosas<br />
e a vários níveis.<br />
MMM | Os impactos foram apenas internos?<br />
RL | Não foram apenas internos, mas esses<br />
foram muito significativos. Em resultado de<br />
algumas medidas concretas, como a descida<br />
substancial nos preços de referência dos<br />
medicamentos, muitas empresas foram forçadas<br />
a desinvestir em I&D essencial à sua<br />
atividade, acabando muitas delas por serem<br />
assimiladas por players internacionais – tudo<br />
isto ao mesmo tempo que, também devido a<br />
essas medidas, a nossa quota de mercado<br />
na Europa caiu de 2.25% para 1.7%, fazendo-nos<br />
“derrapar” da 10ª para a 13ª posição<br />
no ranking europeu.<br />
Não menos negligenciáveis foram as perdas<br />
ao nível dos recursos humanos qualificados<br />
e altamente qualificados, que<br />
recuaram 21.7%, naquela que constituiu<br />
uma perda de talentos sem precedentes no<br />
País. E no rescaldo da Troika, está ainda<br />
muito a ser feito para inverter a situação.<br />
Há pequenas medidas que estão a ocorrer<br />
agora e que ajudam a que a queda não seja<br />
tão pronunciada tanto como nos tempos da<br />
Troika, mas diria que essa está longe de<br />
estabilizar – ou, mais ainda, de permitir<br />
uma evolução autossustentável.<br />
MMM | A verdade é que outros mercados,<br />
como aqui o vizinho espanhol, passaram<br />
pelo mesmo tipo de constrangimentos<br />
tendo recuperado a pujança inicial.<br />
RL | Nem mais. A nossa vizinha Espanha,<br />
igualmente afetada pela austeridade, conseguiu<br />
“dar a volta” e hoje é líder na produtividade<br />
por funcionário, tendo conseguido<br />
gerar cerca de 40 mil empregos diretos estáveis,<br />
93% dos quais com contratos sem<br />
termo e 59% de quadros qualificados.<br />
MMM | Como é que o conseguiram?<br />
RL | Através da adoção de medidas cruciais,<br />
com impactos concretos. Por exemplo, assumindo<br />
a I&D farmacêutica como setor estratégico.<br />
Resultado: hoje, 21% da I&D industrial<br />
em Espanha tem origem na indústria<br />
farmacêutica. Isso é muito relevante.<br />
MMM | Em Portugal, o Governo não tem<br />
adotado medidas nesse sentido?<br />
RL | Têm sido aprovadas algumas medidas<br />
positivas, é certo, mas também é verdade<br />
que há ainda muito por fazer. E os nossos<br />
concorrentes internacionais não param; estão<br />
em contínua evolução, importando as<br />
medidas que avaliam como bem-sucedidas<br />
além-fronteiras. Convém não esquecer que<br />
este setor é profundamente competitivo tanto<br />
a nível nacional como internacional.<br />
E, definitivamente, é o que nós também<br />
temos que começar a fazer urgentemente:<br />
olhar para mercados semelhantes ao nosso,<br />
como o belga, e ver o que podemos fazer<br />
para conseguirmos sermos tão ou mais<br />
bem-sucedidos.<br />
Sendo certo que Portugal é uma pequena<br />
economia aberta e, como tal, particularmente<br />
sensível aos estímulos externos e com<br />
pouca capacidade para impor regras, isso<br />
não quer dizer que tenhamos que ser sempre<br />
frágeis. Há muitos exemplos de países<br />
com a mesma dimensão que o nosso que<br />
se desenvolveram: o Luxemburgo no setor<br />
bancário, a Bélgica nos ensaios clínicos ou<br />
a Suíça na indústria farmacêutica. Portanto,<br />
não é uma inevitabilidade.<br />
O grande desafio do país passa por olhar<br />
para este setor de uma forma global, desde<br />
a indústria às farmácias, passando pelos<br />
armazenistas, os centros de investigação<br />
públicos e privados, as universidades,<br />
e começar a ver todas estas vertentes<br />
como peças de um puzzle que precisam<br />
de ligações fortes. No fundo, o tal cluster<br />
farmacêutico estratégico e criador de valor<br />
referido acima.<br />
MMM | Deu o exemplo da Bélgica, que é um<br />
caso de sucesso no que respeita à atração<br />
de ensaios clínicos. Como é que Portugal<br />
poderia alcançar o mesmo sucesso?<br />
RL | De facto, a Bélgica é um bom exemplo.<br />
Trata-se de um país com uma dimensão<br />
semelhante à de Portugal, onde o setor farmacêutico<br />
enfrenta as mesmas dificuldades<br />
que o nosso no que toca à aprovação de novos<br />
medicamentos e à construção/constituição<br />
de preços, como nós. Contudo, no que<br />
respeita aos ensaios clínicos, aí tudo funciona<br />
bem.... É preciso perceber o que estão<br />
a fazer de diferente, o que ajuda a atrair os<br />
investidores internacionais, e replicar em<br />
Portugal. E quem diz ensaios clínicos, diz<br />
muitas outras áreas deste importante setor<br />
na vida das pessoas.<br />
Agora, não se deve híper-simplificar a questão<br />
restringindo o potencial a um único módulo<br />
de toda a rede, como os ensaios clínicos.<br />
Estes são um dos muitos módulos nos<br />
quais devemos apostar, para criar ligações<br />
que permitam perceber toda essa rede e as<br />
suas interações, para conseguirmos compreendê-la<br />
no seu todo.<br />
Isto para dizer que temos aí um interessante<br />
benchmark, um referencial de um país com<br />
a mesma dimensão e com a mesma estrutura<br />
que o nosso, mas com um desempenho<br />
muito superior. Como referi acima, importa<br />
encontrar a resposta à questão: o que é que<br />
estão a fazer melhor do que nós.<br />
NOVEMBRO 2018 | NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE 11
SAÚDE ONLINE | ENTREVISTA<br />
MMM | A verdade é que já exportamos<br />
mais medicamentos do que vinho do Porto.<br />
Mas é algo pouco falado. Não há muita<br />
consciência de que o setor tenha peso.<br />
RL | Aí está uma situação que urge mudar.<br />
O setor deveria tornar-se mais visível, para<br />
mostrar que, apesar dos danos provocados<br />
pelo programa de assistência externa da<br />
Troika, que afetaram a economia como um<br />
todo, ainda assim o setor farmacêutico foi<br />
um claro exemplo de resiliência – quando<br />
comparado com outros setores de atividade.<br />
As exportações estão de novo a aumentar,<br />
mas é preciso fazer com que cresçam mais.<br />
MMM | Não se sente no terreno que alguma<br />
coisa esteja a ser feita nesse sentido...<br />
RL | Tem surgido legislação nova sempre num<br />
sentido positivo. Aliás, este Governo criou recentemente<br />
uma entidade para gerir ensaios<br />
clínicos. Devo, por outro lado, sublinhar que<br />
boa parte da nossa legislação formal é igual<br />
ao espaço europeu. Ou seja, estamos sujeitos<br />
às mesmas condições de regulação que<br />
os nossos parceiros europeus.<br />
MMM | Existem condições para evoluir no<br />
sentido de alterar o paradigma do consumo<br />
interno e passar a exportar serviços?<br />
RL | Já exportamos medicamentos, dispositivos<br />
médicos, serviços e profissionais. Estamos<br />
a investir em formar pessoas e recursos<br />
bastante caros. Cursos como Medicina, Farmácia<br />
e Biologia, que implicam laboratórios<br />
e recursos técnicos e tecnológicos significativos,<br />
são, por inerência, mais onerosos do<br />
que, por exemplo, cursos como Letras ou<br />
Economia – também muito importantes, mas<br />
menos dispendiosos.<br />
Há um investimento enorme do país, quer<br />
público, quer privado e em instituições de investigação<br />
nesta área como o I3S ou Centro<br />
Champalimaud. Agora, quando olhamos para<br />
esta realidade como um todo, verificamos<br />
que a rede de pontos existe efetivamente,<br />
mas que as ligações entre eles são fracas…<br />
muitas vezes planas.<br />
MMM | Por isso não conseguimos alcançar<br />
os mesmos resultados…<br />
RL | Exatamente. É por isso que defendo que<br />
é imprescindível percebermos os porquês<br />
que justificam os melhores desempenhos<br />
de países como a Bélgica, Espanha ou Áustria.<br />
Temos bons exemplos, onde podemos<br />
ir buscar o melhor de tudo. E não apenas no<br />
que toca a ensaios clínicos. Há muitas mais<br />
áreas em que podemos e devemos apostar.<br />
Até temos na nossa história exemplos de<br />
sucesso em termos de empreendedorismo.<br />
Veja-se a Escola de Sagres, no século XV.<br />
O Infante D. Henrique tinha recursos para<br />
investir e reinvestir, interesse e liderança, e<br />
foi buscar o que de melhor havia no mundo<br />
e começou a fazer protótipos e a aprender<br />
com a experiência. Éramos muito inovadores<br />
nessa área. E, enquanto toda a gente<br />
andava entretida no Mediterrâneo, nós estávamos<br />
já a explorar outras geografias, aquilo<br />
que em gestão se designa de “estratégia<br />
do Oceano Azul” – por contraponto à “estratégia<br />
do Oceano Vermelho”. Isto é, em vez<br />
de concorrermos em áreas em que outros<br />
estavam à nossa frente, apostámos num ‘nicho’<br />
ainda por explorar... e criando inovação<br />
com valor. Se calhar, a pergunta que devemos<br />
aqui fazer é: o que nos pode diferenciar<br />
em termos de ensaios de clínicos.<br />
MMM | Tudo numa perspetiva de benchmarking?<br />
RL | Sim, mas usando o conceito corretamente.<br />
Em Portugal, muita gente acha que<br />
benchmarking é comparar números. Ora, o<br />
benchmarking passa, não por observar os<br />
números em si, mas a forma como se atingiram<br />
os resultados.<br />
MMM | O que mais caberia na “Estratégia<br />
de oceano Azul?”<br />
RL | O turismo de Saúde é definitivamente<br />
uma dessas áreas. Temos tudo para que dê<br />
certo: uma boa infraestrutura e uma oferta<br />
robusta, naturalmente indissociável de idiossincrasias<br />
próprias e favoráveis do país,<br />
do clima à cultura, geografia e segurança.<br />
Portugal é hoje procurado por pacientes de<br />
todo o mundo, que aqui vêm à procura de<br />
realizar intervenções específicas, como cirurgias<br />
às cataratas, angioplastias coronárias,<br />
artoplastias da anca, colicistectomias,<br />
entre muitas outras. Temos que aproveitar<br />
esta oportunidade e investir seriamente no<br />
setor – mas, uma vez mais, de uma forma<br />
integrada e multissectorial. Nem o turismo<br />
é apenas Economia, nem as farmacêuticas<br />
são apenas Saúde. É preciso abordar os setores<br />
estratégicos do país como um todo.<br />
MMM | Acredita que o Brexit poderá, de<br />
alguma forma, ser potenciador de oportunidades<br />
de negócio?<br />
RL | Sem dúvida. Sabia que na Holanda e na<br />
Inglaterra não se faz hemodiálise a partir dos<br />
70 anos? Em Portugal não é assim. Esse<br />
pequeno exemplo mostra o como não é difícil<br />
transformar uma aparente ameaça numa<br />
clara oportunidade. É a eterna questão do<br />
copo meio-cheio ou meio-vazio. Aliás, não é<br />
displicente o número de ingleses que veio viver<br />
para Portugal, pelo clima, mas também<br />
porque o SNS inglês não lhes permitia fazer<br />
a hemodiálise, da mesma forma que também<br />
não é displicente existirem pacotes de<br />
férias para pacientes e suas famílias. Afinal,<br />
como é sabido, um doente hemodialisado<br />
e os seus próximos vivem condicionados –<br />
para não referir mesmo aprisionados – com<br />
a necessidade constante de cuidados.<br />
MMM | Em relação aos ensaios clínicos, é<br />
uma das áreas de que recorrentemente se<br />
fala como uma janela de oportunidade para<br />
Portugal, embora nunca mais a vemos colocada<br />
na parede. Ainda estamos muito<br />
longe em relação à Bélgica, por exemplo.<br />
RL | No que respeita a ensaios clínicos, as<br />
empresas querem (e precisam de) rapidez<br />
nos processos de aprovação e de implementação.<br />
Porém, isso está muito dependente<br />
da legislação e da mecânica de aplicação<br />
dessa legislação. É verdade que se<br />
têm registado progressos, mas há ainda um<br />
longo caminho a percorrer neste campo.<br />
MMM | Esse é um argumento que tem sido<br />
apresentado por todos, mas como é que<br />
se consegue chegar aí?<br />
RL | Estas são políticas que requerem prazos<br />
médios e longos de implementação, já que<br />
exigem um pensamento estratégico e integrado,<br />
naturalmente tendo sempre em conta<br />
os desenvolvimentos a nível internacional.<br />
Ainda que envolva diversos passos (decididos)<br />
ao longo do percurso, é algo que não<br />
se resolve num ano económico ou mesmo<br />
numa legislatura. É verdade que, na prática,<br />
é sempre mais difícil. Mas acredito que, com<br />
as políticas certas, consistentemente aplicadas,<br />
consigamos passar, em dez anos, dos<br />
atuais quase mil milhões em exportações<br />
para 2 mil milhões de Euros. Naturalmente,<br />
não chegamos lá com medidas avulsas e<br />
aos solavancos. Há uma necessidade clara<br />
de integração e de todo o setor como um<br />
agente económico multifacetado e com diversas<br />
dimensões que passam pela saúde,<br />
pela economia, pelas exportações...<br />
Para concluir, a indústria farmacêutica tem<br />
um papel estruturante e criador de valor para<br />
o país no seu todo, mas precisa de ser encarada<br />
como tal e de forma integrada... pelos<br />
seus múltiplos atores e nas várias vertentes,<br />
incluindo política. Mas, tal como evidenciam<br />
os números, o que falta para sermos vistos<br />
em Portugal como já somos internacionalmente?<br />
Como tenho questionado em várias<br />
instâncias, não deveríamos acarinhar e potenciar<br />
um setor que cria valor, reputação e<br />
emprego de qualidade em Portugal?<br />
12 NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE | NOVEMBRO 2018
INVESTIGAÇÃO | SAÚDE ONLINE<br />
Investigadores australianos desenvolvem teste<br />
capaz de detetar cancro em 10 minutos<br />
“O próximo passo é desenvolver<br />
mais testes com populações<br />
maiores e mais tipos de cancro”,<br />
afirmou Matt Trau<br />
Uma equipa de cientistas<br />
australianos desenvolveu<br />
um novo teste experimental<br />
que consegue, em apenas 10<br />
minutos, detetar cancro utilizando<br />
ADN, obtido a partir de uma simples<br />
amostra de sangue. Trata-se<br />
de um passo importante para melhorar<br />
o diagnóstico e fazê-lo numa<br />
fase inicial da doença, o que pode<br />
ser determinante para o sucesso<br />
do tratamento. “O resultado foi<br />
uma surpresa completa e uma<br />
descoberta por acaso”, admite<br />
Matt Trau, da Universidade de<br />
Queensland, na Austrália. O teste<br />
ainda está numa fase preliminar<br />
de desenvolvimento, mas a<br />
equipa acredita que ele pode vir<br />
a transformar-se no futuro numa<br />
ferramenta acessível e barata<br />
para aplicação clínica.<br />
Duas investigadoras do laboratório<br />
(especializado em nanotecnologia<br />
e diagnóstico molecular)<br />
dirigido por Matt Trau estavam<br />
a fazer sequências de ADN de<br />
amostras de tumores quando<br />
descobriram um padrão que parece<br />
ser comum em quatro tipos<br />
de cancro: mama, colorretal, linfoma<br />
e próstata. Descoberto o<br />
padrão, os cientistas desenvolveram<br />
um teste capaz de identificar<br />
essa assinatura molecular<br />
a partir de uma amostra de sangue.<br />
Os investigadores descobriram<br />
que as moléculas presentes<br />
no referido padrão aderiam a<br />
partículas de ouro, quando colocados<br />
numa substância aquosa.<br />
Quando existem estruturas de<br />
ADN cancerígeno as partículas<br />
de ouro mudam de cor.<br />
“Concebemos um teste simples<br />
usando nanopartículas de ouro<br />
que mudam instantaneamente<br />
de cor para determinar se as<br />
nanoestruturas 3D do ADN do<br />
cancro estão presentes”, resume<br />
Trau. O trabalho foi desenvolvido<br />
ao longo dos últimos quatro anos<br />
mas só agora foi descrito num artigo<br />
publicado na revista científica<br />
Nature Communications.<br />
Em apenas 10 minutos, o teste<br />
determina se o resultado é positivo<br />
ou negativo. No entanto,<br />
por esta altura, o teste ainda tem<br />
uma taxa de 10% de falsos positivos<br />
- o que significa que tem de<br />
ser melhorado - e é também incapaz<br />
de determinar de que tipo de<br />
cancro se trata nem em que estádio<br />
se encontra. Os cientistas<br />
também não sabem a partir de<br />
que fase da doença é identificável<br />
a assinatura molecular.<br />
A equipa testou 200 amostras de<br />
ADN de doentes com e sem cancro<br />
mas ainda há um longo caminho<br />
a percorrer. “O próximo passo<br />
é desenvolver mais testes com<br />
populações maiores e mais tipos<br />
de cancro”, disse Matt Trau ao<br />
jornal i. A confirmar-se este alargamento<br />
de que fala Trau, este<br />
teste pode tornar-se o primeiro<br />
teste de diagnóstico experimental<br />
para detetar a doença.<br />
Depressão resistente poderá vir<br />
a ser diagnosticada através de<br />
um simples teste sanguíneo<br />
Dados da investigação,<br />
agora revelados, sugerem<br />
esta forma de depressão<br />
pode estar associada à<br />
deficiência de uma molécula, a<br />
acetilcarnitina (ALC), e que medir<br />
os níveis sanguíneos dessa<br />
molécula pode ser uma maneira<br />
eficaz de diagnosticar o distúrbio.<br />
Um novo estudo, publicado na<br />
revista Proceedings of the National<br />
Academy of Sciences<br />
(PNAS), sugere que poderá estar<br />
para breve a disponibilização<br />
de um teste sanguíneo de diagnóstico<br />
da depressão severa.<br />
Uma nova investigação, realiza-<br />
da pelo Professor de neuroendocrinologia<br />
Bruce McEwen e pela<br />
pesquisadora associada Carla<br />
Nasca – ambos da<br />
Universidade Rockefeller<br />
de Nova<br />
York, em colaboração<br />
com Natalie<br />
Rasgon, professora<br />
de psiquiatria da<br />
Escola de Medicina<br />
da Universidade de<br />
Stanford, na Califórnia,<br />
mostra que<br />
a depressão resistente ao tratamento<br />
é caracterizada pela redução<br />
dos níveis sanguíneos de<br />
uma molécula específica, pelo<br />
que poderá ser diagnosticada<br />
com recurso a uma simples análise<br />
sanguínea.<br />
A maioria dos indivíduos com depressão<br />
responde ao tratamento<br />
antidepressivo. No entanto, até<br />
30% deles não apresentam sinais<br />
de melhora, ou beneficiam<br />
apenas parcialmente do recurso<br />
aos antidepressivos.<br />
Os dados da investigação, agora<br />
revelados, sugerem que essa<br />
forma de depressão resistente<br />
ao tratamento pode estar associada<br />
à deficiência de uma molécula,<br />
a acetilcarnitina (ALC), e<br />
que medir os níveis sanguíneos<br />
dessa molécula pode ser uma<br />
maneira eficaz de diagnosticar<br />
o distúrbio.<br />
NOVEMBRO 2018 | NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE 13
SAÚDE ONLINE | PROFISSÃO<br />
35% dos fumadores tentam deixar de fumar<br />
Dr. Rui Alves,<br />
médico de Medicina Geral e<br />
Familiar do Centro de Saúde<br />
de Sete Rios<br />
O<br />
consumo de tabaco<br />
é a principal causa<br />
evitável de cancro,<br />
doença respiratória crónica e<br />
doenças cardiovasculares. O<br />
tabagismo continua a ser um<br />
dos principais causadores de<br />
perda de qualidade de vida e<br />
mortalidade prematura. A promoção<br />
da cessação tabágica<br />
é a melhor forma para reduzir o<br />
número de mortes por doenças<br />
associadas ao tabaco nos próximos<br />
vinte a trinta anos. Estudos<br />
indicam que cerca de 80 por<br />
cento dos fumadores expressam<br />
vontade de deixar de fumar, no<br />
entanto, apenas 5 por cento consegue<br />
deixar com êxito e sem<br />
ajuda médica. Todos os anos, 35<br />
por cento dos fumadores tentam<br />
deixar de fumar, contudo a taxa<br />
de sucesso é reduzida.<br />
Deixar de fumar é difícil. Tratando-se<br />
de um hábito com dependência<br />
física e psíquica, os<br />
sintomas de privação do tabaco<br />
nem sempre se conseguem ultrapassar<br />
sem ajuda. No entanto,<br />
sabemos que é quatro vezes<br />
mais fácil deixar de fumar com<br />
ajuda médica, pois permite controlar<br />
e diminuir os níveis de ansiedade<br />
durante o processo.<br />
Planear a decisão calmamente e<br />
recorrer a ajuda junto do médico<br />
de família é essencial, assim<br />
como envolver família, amigos<br />
e colegas de trabalho em todo<br />
o processo. Anunciar a decisão<br />
de deixar de fumar vai reforçar e<br />
tornar mais simples de cumprir o<br />
compromisso que estabeleceu.<br />
Atualmente existem consultas<br />
de cessação tabágica nos centros<br />
de saúde e hospitais do<br />
Serviço Nacional de Saúde. Recomenda-se<br />
assim, que o processo<br />
de fumar seja apoiado por<br />
uma equipa multidisciplinar, de<br />
forma a que seja feito um maior<br />
controlo e preparação<br />
de todas as situações<br />
novas que a pessoa<br />
terá de experienciar.<br />
É também aconselhado<br />
que durante os<br />
primeiros 3 meses de<br />
cessação, o fumador<br />
se concentre apenas<br />
na cessação tabágica<br />
e melhore ou modifique<br />
os seus hábitos de<br />
vida, alimentação e higiene<br />
do sono, promovendo ainda<br />
o exercício físico.<br />
As pessoas que deixam de<br />
fumar vivem em média mais<br />
10 anos, reduzem para metade<br />
o risco de sofrer de<br />
doença cardiovascular, assim<br />
como o risco de sofrer<br />
de cancro e de doenças<br />
respiratórias. Quanto mais<br />
cedo for tomada a decisão,<br />
maiores serão os benefícios<br />
em termos de saúde.<br />
Dores nas costas podem ser<br />
sintomas de espondilartrose<br />
A<br />
espondilartrose é uma<br />
doença que afeta as<br />
articulações da coluna<br />
vertebral e que resulta<br />
do processo de desgaste<br />
entre as vértebras da coluna.<br />
De causa sobretudo<br />
genética é agravada pela<br />
obesidade; ocupação profissional<br />
(vibração provocada<br />
em trabalhadores que usam<br />
martelos pneumáticos ou sobrecarga<br />
provocada pelo transporte<br />
de pesos); doenças endócrinas<br />
(diabetes mellitus, acromegalia<br />
e outras) e doenças metabólicas<br />
(como a doença de Paget,<br />
gota, etc.). É mais frequente a<br />
partir dos 40 anos. Os principais<br />
sintomas são dores intensas,<br />
normalmente na parte inferior<br />
das costas, sensação de peso,<br />
queimadura ou formigueiro<br />
na coluna,<br />
dificuldade em realizar<br />
movimentos<br />
simples como andar<br />
ou sentar e diminuição<br />
de força nas<br />
pernas. Estes sinais<br />
pioram quando a<br />
pessoa fica muito<br />
tempo na mesma<br />
posição, sobretudo “dobrada”<br />
ou faz algum esforço físico. Rigidez<br />
matinal pode acompanhar<br />
o quadro, assim como perda da<br />
flexibilidade da coluna.<br />
O diagnóstico pode ser feito<br />
com recurso a avaliação clínica,<br />
observação do doente, complementado<br />
com radiografias e<br />
ressonância magnética.O tratamento<br />
é variável e depende da<br />
causa, idade da pessoa, atividade,<br />
esperança de vida, qualidade<br />
do suporte ósseo, níveis<br />
atingidos, etc. O tratamento dos<br />
sintomas pode ser feito com<br />
analgésicos, anti-inflamatórios,<br />
fisioterapia (recuperação funcional<br />
e meios físicos anti-inflamatórios).<br />
Pode ainda ser necessário<br />
o recurso a tratamentos<br />
cirúrgicos como a substituição<br />
Manuel Tavares de Matos,<br />
Presidente da Sociedade<br />
Portuguesa de Patologia da<br />
Coluna Vertebral<br />
artroplástica do disco, a fusão<br />
de vértebras adjacentes<br />
ou a infiltração com corticoides<br />
e/ou analgésicos. Para<br />
prevenir a espondilartrose é<br />
importante evitar esforços desnecessários;<br />
manter o peso<br />
dentro dos padrões considerados<br />
normais; fazer atividade<br />
física de modo regular (como<br />
caminhadas, bicicleta ou hidroginástica,<br />
por exemplo).<br />
14 NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE | NOVEMBRO 2018
SAÚDE ONLINE | ENTREVISTA<br />
SILVIA GUICHARDO<br />
Diretora-geral da GSK Portugal<br />
GlaxoSmithKline apela<br />
a diálogo para garantir<br />
sustentabilidade do SNS<br />
Com a aproximação do fim do prazo para a saída do Reino Unido<br />
da União Europeia, as multinacionais com sede no país preparam<br />
planos de contingência para atenuar potenciais falhas nos<br />
circuitos de distribuição de produtos.<br />
Um dos setores mais sensíveis ao<br />
Brexit, é o da Saúde, com as empresas<br />
farmacêuticas a anteciparem<br />
potenciais falhas no acesso dos doentes a<br />
medicamentos. A solução preconizada pela<br />
maioria é a da aprovação, pelas partes, de<br />
um período de transição suficientemente lato<br />
de modo a permitir ajustar as operações à<br />
nova realidade. Entre as empresas “preocupadas”<br />
com o desenrolar das negociações<br />
está o gigante farmacêutico Glaxo Smithkleine,<br />
um dos maiores do mundo, responsável<br />
pela produção de produtos essenciais, como<br />
vacinas e medicamentos para a asma e vendas<br />
anuais superiores a 30 bilhões de libras.<br />
Em setembro de 2017, foi reconhecida, pelo<br />
“Dow Jones Sustainability World Index” (DJSI)<br />
como uma referência em sustentabilidade<br />
corporativa, com pontuação de excelência no<br />
modelo de governação corporativa na maioria<br />
das áreas auditadas. Em entrevista, Silvia<br />
Guichardo, que no início do ano assumiu a<br />
direção da filial portuguesa da multinacional<br />
britânica, fala dos receios e planos para fazer<br />
frente ao que aí vem e os projetos de futuro.<br />
O advento do Brexit vem, de alguma forma,<br />
dificultar a manutenção pela GSK do<br />
estatuto de empresa mais sustentável,<br />
atribuído pelo índice de sustentabilidade<br />
Dow Jones?<br />
De forma alguma. A GSK irá manter a sua<br />
forma de trabalhar, com três prioridades claramente<br />
definidas – Inovação, Performance,<br />
Confiança – e uma ambição sólida: ser uma<br />
das farmacêuticas mais inovadoras, com<br />
melhor performance e de maior confiança do<br />
mercado, que trabalha diariamente para ajudar<br />
as pessoas a fazerem mais, sentirem-se<br />
melhor e viverem mais tempo.<br />
E quanto ao Brexit… Não vos preocupa?<br />
No que diz respeito ao Brexit, as nossas<br />
principais preocupações estão relacionadas<br />
com um eventual impacto que a situação<br />
possa ter na vida dos doentes, nomeadamente,<br />
no seu acesso aos medicamentos e<br />
vacinas. Paralelamente, estamos também<br />
focados em medidas de apoio, a médio-longo<br />
prazo, que fomentem a inovação e a cooperação<br />
na área científica entre o Reino Unido<br />
e a União Europeia, que tenham como<br />
fim último o benefício global dos doentes.<br />
Que medidas têm previstas para atenuar<br />
o impacto?<br />
A GSK tem estado a preparar-se para a saída<br />
do Reino Unido da União Europeia, definindo<br />
como uma prioridade máxima, nesse plano de<br />
preparação, a salvaguarda da continuidade<br />
do fornecimento dos nossos medicamentos<br />
e vacinas para todos os doentes. Esse plano<br />
inclui a configuração de estruturas de testes<br />
duplicados, a transferência do licenciamento<br />
de produtos e a adaptação de embalagens,<br />
no que prevemos possa vir a ter um custo estimado<br />
de 80 milhões de euros (£70M).<br />
Quais as implicações do atraso nas negociações<br />
de acordo de saída para as<br />
operações da GSK?<br />
Continua a ser vital garantir um período<br />
de transição. Não obstante estarmos a fazer<br />
tudo o que está ao nosso alcance para<br />
enfrentar o impacto que o Brexit irá ter, há<br />
algumas situações que não dependem de<br />
nós, incluindo as decisões relativamente<br />
às fronteiras. Assim, a União Europeia e o<br />
Reino Unido, para minimizar eventuais riscos<br />
para as comunidades, devem assumir,<br />
como prioridade, a garantia da segurança<br />
do doente e a salvaguarda do seu acesso a<br />
todos os medicamentos e vacinas. É crítico,<br />
também, minimizar a possibilidade de inter-<br />
16 NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE | NOVEMBRO 2018
ENTREVISTA | SAÚDE ONLINE<br />
rupção no fornecimento de medicamentos,<br />
preparando um Acordo de Reconhecimento<br />
Mútuo sobre testes de produtos e inspeções,<br />
que possam entrar em vigor assim<br />
que o Reino Unido deixar a UE.<br />
Que balanço faz da atividade da GSK em<br />
Portugal em 2018?<br />
Não obstante todos os desafios e dificuldades<br />
que um mercado tão exigente e maduro<br />
como Portugal apresenta, o balanço da<br />
nossa atividade, até este momento, tem<br />
sido positivo. A GSK está com uma performance<br />
sólida, tendo em conta os desafios e<br />
os constrangimentos financeiros que o país<br />
e o sistema de saúde enfrentam. Estamos<br />
a conseguir disponibilizar a nossa inovação<br />
aos doentes, nomeadamente na área respiratória<br />
e vacinas, que são o foco da nossa<br />
atividade. Por outro lado, sentimos por parte<br />
do mercado, nomeadamente dos profissionais<br />
de saúde e das autoridades, um sentimento<br />
de confiança no nosso modelo de<br />
negócio e forma de trabalhar. Sem dúvida<br />
que isso se deve, por completo, à excelente<br />
equipa que encontrei e com quem tenho o<br />
privilégio de trabalhar diariamente. São um<br />
grupo de pessoas muito talentosas e orientadas<br />
para o doente, que colocam no centro<br />
de tudo o que fazem.<br />
A GSK tem uma posição de liderança<br />
nas áreas respiratória e de vacinas em<br />
Portugal (e no mundo). É uma aposta<br />
para continuar?<br />
É uma aposta não só para continuar, mas<br />
para reforçar. No que diz respeito à vacinação,<br />
gostaria de salientar os resultados do<br />
recente estudo promovido pela Comissão Europeia,<br />
que revela que Portugal é o país da<br />
União Europeia com a maior percentagem de<br />
população a confiar nas vacinas, considerando-as<br />
seguras, efetivas e importantes para<br />
as crianças: 98% dos portugueses defendem<br />
que as vacinas são importantes para as crianças,<br />
96,6% entendem que são efetivas e 95%<br />
dizem que são seguras. A esse respeito, é de<br />
saudar o nível de vacinação dos recém-nascidos,<br />
não obstante ainda existir trabalho a<br />
fazer junto das faixas etárias mais elevadas.<br />
Relativamente ao nosso portfólio nessa<br />
área, a vacina contra a Meningite B (Bexsero)<br />
é uma prioridade absoluta. A Meningite<br />
B é uma doença devastadora, com sintomas<br />
iniciais muito inespecíficos, podendo<br />
ter um início muito rápido e que evolui para<br />
« A GSK está com uma<br />
performance sólida, tendo<br />
em conta os desafios<br />
e os constrangimentos<br />
financeiros que o país<br />
e o sistema de saúde<br />
enfrentam. Estamos a<br />
conseguir disponibilizar<br />
a nossa inovação aos<br />
doentes, nomeadamente<br />
na área respiratória e<br />
vacinas, que são o foco da<br />
nossa atividade »<br />
doença grave em apenas 15-24 horas. Entre<br />
12–20% dos sobreviventes têm sequelas<br />
significativas e incapacidades a longo prazo,<br />
como paralisia, surdez, deficiência mental,<br />
amputações, perda auditiva e convulsões.<br />
A mortalidade pode atingir 10-20%, mesmo<br />
com tratamento antibiótico adequado, pelo<br />
que a melhor estratégia para prevenir este<br />
flagelo é a vacinação.<br />
NOVEMBRO 2018 | NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE 17
SAÚDE ONLINE | ENTREVISTA<br />
Na área respiratória, os nossos medicamentos<br />
mais recentes – Anoro, Relvar e Nucala<br />
– são superiores em termos de eficácia<br />
a alguns dos já existentes. Para 2019, está<br />
previsto o lançamento de um novo medicamento<br />
na área respiratória, mais concretamente<br />
no tratamento da doença pulmonar<br />
obstrutiva crónica (DPOC). Trata-se do Trelegy<br />
Ellipta, uma terapêutica tripla disponível<br />
num único inalador, que representa um<br />
milestone para o tratamento da DPOC. Se<br />
pensarmos que esta doença é, em Portugal,<br />
a sétima causa de morte prematura, percebemos<br />
que ainda existe uma grande necessidade<br />
médica por responder a este nível.<br />
O desenvolvimento de medicamentos que<br />
reduzam as exacerbações, os internamentos<br />
e a mortalidade é crucial. Assim sendo,<br />
estamos muito entusiasmados com o lançamento<br />
do Trelegy Ellipta, que demonstrou<br />
uma eficácia sem precedentes na redução<br />
das exacerbações em doentes com DPOC.<br />
Acreditamos que este fármaco vai beneficiar<br />
um grupo de doentes, em Portugal, que necessita<br />
de tratamentos mais eficazes.<br />
Que novidades são esperadas para os<br />
próximos anos?<br />
A curto-médio prazo, como referi, estamos<br />
absolutamente focados na área respiratória,<br />
nomeadamente, nos desafios que patologias<br />
tão limitantes como a DPOC e a Asma Grave,<br />
representam para os profissionais de saúde<br />
e os doentes. Paralelamente, os nossos profissionais<br />
de investigação e desenvolvimento<br />
continuam a trabalhar em diferentes frentes e<br />
uma das áreas em que esperamos ter lançamentos<br />
muito em breve é em Oncologia. Está<br />
previsto, brevemente, o lançamento de um<br />
medicamento para o mieloma múltiplo. É um<br />
tratamento estudado na população de doentes<br />
refractários à terapêutica convencional.<br />
Comparando com os diferentes cenários<br />
geográficos por onde passou, foi difícil<br />
adaptar-se à realidade portuguesa?<br />
De forma alguma. Portugal é um país fantástico,<br />
com pessoas maravilhosas. Além disso,<br />
a oportunidade de trabalhar em diferentes<br />
mercados e países, com ambientes socioeconómicos<br />
e culturais diversos, permite-nos<br />
alargar horizontes, não só em relação à forma<br />
como encaramos os mercados, mas também<br />
no que diz respeito à nossa visão do mundo.<br />
Isso acaba por influenciar a forma como<br />
crescemos e nos desenvolvemos enquanto<br />
líderes, permitindo sermos capazes de encarar<br />
diferentes pontos de vista e incorporar as<br />
melhores práticas dos mercados que já conhecemos<br />
e onde já trabalhámos.<br />
Quais foram os principais desafios que<br />
teve de enfrentar?<br />
A questão da inovação é extremamente<br />
desafiante, sobretudo, devido ao subfinanciamento<br />
crónico do sistema de saúde. Em<br />
Portugal, o tempo médio que leva até a inovação<br />
terapêutica chegar “às mãos” dos<br />
doentes é superior relativamente a outros<br />
países da Europa, ou seja, não somos capazes<br />
de disponibilizar a inovação aos doentes<br />
à velocidade que gostaríamos.<br />
De qualquer forma, temos estado a acompanhar,<br />
com elevadas expetativas, o esforço<br />
que as autoridades estão a fazer no sentido<br />
de reverter esta situação e procurar disponibilizar<br />
mais cedo a inovação aos doentes<br />
portugueses. Teremos que aguardar mais<br />
algum tempo para ver os resultados práticos<br />
dessa motivação e se vem acompanhada de<br />
uma vontade política e económica de investir<br />
mais na saúde da população.<br />
O SNS é um “cliente difícil?”<br />
Queria, antes de mais, aproveitar esta oportunidade<br />
para, em nome da GSK Portugal,<br />
endereçar as minhas felicitações à nova ministra<br />
da saúde e respetiva equipa, desejando<br />
os maiores sucessos nas novas funções.<br />
O sucesso do Ministério da Saúde, será sempre<br />
o sucesso do SNS e dos portugueses.<br />
Relativamente à sua questão, o SNS tem<br />
sido classificado como um dos melhores a<br />
nível mundial em termos de outcomes. Esse<br />
facto deve-se, em grande parte, ao excelente<br />
trabalho dos profissionais de saúde.<br />
Apesar dos bons resultados do SNS, há<br />
que garantir a sustentabilidade do sistema<br />
de saúde e procurar dar resposta aos principais<br />
desafios. O sub-financiamento crónico,<br />
que está diretamente relacionado com<br />
o elevado tempo que os doentes demoram<br />
a ter acesso à inovação, é uma das áreas<br />
que necessita de mais e melhor atenção. O<br />
Orçamento de Estado para o próximo ano,<br />
aparentemente, demonstra já essa preocupação,<br />
mas necessitamos aguardar pela<br />
sua discussão na especialidade e posterior<br />
aprovação para saber, em concreto, o que<br />
podemos esperar ao nível de uma maior<br />
dotação e aposta no SNS, com uma visão<br />
clara do que representa o investimento na<br />
saúde dos portugueses.<br />
Paralelamente, é absolutamente fundamental<br />
que todos os atores do sistema –<br />
autoridades políticas e regulamentares,<br />
players da Indústria Farmacêutica, profissionais<br />
de saúde e associações de doentes<br />
– se unam para promover o diálogo e<br />
a cooperação em torno da sustentabilidade<br />
do nosso SNS, para que, desta forma, se<br />
consiga dar resposta às necessidades da<br />
nossa população, gerando mais e melhor<br />
saúde em Portugal.<br />
NOTA BIOGRÁFICA<br />
Silvia Guichardo nasceu na República Dominicana, em 1968. É licenciada em Ciências<br />
Farmacêuticas, pela Universidade Tecnológica de Santiago, com um MBA, pela Universidade<br />
Católica Pontifical Madre & Maestra, e diversas formações avançadas, na<br />
área da gestão, em universidades norte-americanas. Iniciou o seu percurso profissional<br />
na Indústria Farmacêutica na filial Lilly, na República Dominicana, tendo transitado em<br />
2005 para A GSK EUA, onde desempenhou vários cargos de liderança nas áreas do<br />
marketing, vendas e acesso ao mercado. Em julho de 2016, foi nomeada diretora de<br />
marketing da área respiratória da GSK Espanha, onde foi responsável pelo lançamento<br />
e relançamento de vários produtos, incluindo o primeiro medicamento biológico para<br />
o tratamento da asma eosinofílica grave. No início deste ano, assumiu a liderança da<br />
área farmacêutica da GSK Portugal.<br />
18 NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE | NOVEMBRO 2018
SAÚDE ONLINE | ENTREVISTA<br />
Saúde Online (SO) | Quais são os grandes<br />
mitos que ainda subsistem relativamente<br />
à anestesia?<br />
Dr. Pais Martins (PM) | Esses grandes mitos<br />
têm a ver sobretudo com a segurança.<br />
Para muitos, a anestesia continua a ser<br />
algo desconhecido, pese embora todas as<br />
campanhas de divulgação sobre o tema. A<br />
anestesiologia (melhor dito que anestesia,<br />
porque a anestesiologia engloba uma série<br />
de áreas em que o anestesiologista é perito)<br />
é hoje uma ciência completamente segura<br />
e com uma reduzida morbimorbilidade associada.<br />
A medicina do intraoperatório é aquela<br />
que os doentes temem mais: pensam “vão<br />
pôr-me a dormir. Será que poderei não acordar?”.<br />
Este é um dos muito mitos que estão<br />
associados à anestesiologia.<br />
ANTÓNIO PAIS MARTINS<br />
Chefe de Serviço de Anestesiologia<br />
do Hospital São Francisco Xavier<br />
“O medo de ‘não<br />
acordar’ não tem<br />
razão de existir”<br />
Na semana em que assinalou o Dia Mundial da Anestesia,<br />
o Saúde Online esteve à conversa com o Chefe de Serviço<br />
de Anestesiologia do Hospital São Francisco Xavier.<br />
António Pais Martins destaca a segurança dos procedimentos<br />
anestésicos nos dias de hoje e garante que a incidência de efeitos<br />
secundários no pós-operatório tem vindo a diminuir.<br />
SO | Mas existe o risco de o doente não<br />
acordar ou essa hipótese só se coloca<br />
com doentes mais velhos?<br />
PM | As técnicas anestésicas têm evoluído<br />
muito ao longo dos tempos. A anestesia geral,<br />
entre as várias técnicas utilizadas pelo<br />
anestesiologista, é extremamente segura e<br />
com uma reduzida taxa de complicações.<br />
Portanto, diria que podem haver desfechos<br />
fatais no intraoperatório, relacionados não<br />
só com a técnica anestésica, como também<br />
com o procedimento cirúrgico, mas<br />
esse medo do “não acordar” não tem razão<br />
de existir. Certo é que a população mundial<br />
está a envelhecer e, com o prolongar da<br />
vida, hoje é frequente um doente com 90<br />
anos ser operado. Ora, estes doentes têm<br />
comorbilidades diversas (insuficiências respiratórias,<br />
cardíacas, etc) que podem ditar<br />
desfechos menos favoráveis. No entanto, a<br />
optimização pré-operatória destes doentes<br />
contribui significativamente para obter melhores<br />
resultados.<br />
SO | O anestesiologia pode aconselhar<br />
que a cirurgia não se realize?<br />
PM | Pode e deve, se tal contribuir para melhorar<br />
o resultado do ato anestésico cirúrgico.<br />
No entanto, se a situação for emergente,<br />
a cirurgia tem de ser feita. Não se deve<br />
iniciar o ato anestésico em doentes com<br />
expectativa de vida limitada, com elevado<br />
risco de morte ou recuperação funcional gravemente<br />
comprometida, sem discutir com a<br />
equipa e o doente, os resultados esperados<br />
e os objetivos do tratamento.<br />
Em situações programadas, nós podemos<br />
protelar – e muitas vezes é protelada a data<br />
da cirurgia – para haver uma otimização ade-<br />
20 NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE | NOVEMBRO 2018
ENTREVISTA | SAÚDE ONLINE<br />
« As técnicas<br />
anestésicas têm<br />
evoluído muito ao longo<br />
dos tempos. A anestesia<br />
geral, entre as várias<br />
técnicas utilizadas pelo<br />
anestesiologista, é<br />
extremamente segura e<br />
com uma reduzida taxa<br />
de complicações »<br />
quada do doente. Por exemplo, um doente<br />
com asma brônquica grave e que é proposto<br />
para uma colecistectomia por litíase vesicular.<br />
Previamente à cirurgia deve haver uma<br />
optimização respiratória multifacetada.<br />
SO | Quando fala em “otimizar” refere-se<br />
diretamente ao quê?<br />
PM | Passa por uma otimização da terapêutica<br />
médica que o doente está a fazer. Estes<br />
doentes são também incluídos muitas vezes<br />
em programas de fisioterapia e cinesioterapia<br />
respiratória no pré-operatório. Outra<br />
otimização que é frequentemente feita está<br />
relacionada com os níveis analíticos, como,<br />
por exemplo, os valores de hemoglobina.<br />
Todos estes factores são e devem ser optimizados<br />
antes da operação. É um trabalho<br />
efectuado no pré-operatório que contribui<br />
para o sucesso da cirurgia. O doente não é<br />
admitido no hospital para ser anestesiado,<br />
mas sim para ser submetido a um procedimento<br />
cirúrgico ou diagnostico que requer<br />
a participação do anestesiologista. O anestesiologista<br />
é, assim, quem garante a segurança<br />
do doente.<br />
SO | Quando o doente está anestesiado<br />
como é que se faz a monitorização da<br />
anestesia?<br />
PM | A partir do momento em que o doente<br />
é proposto para cirurgia, o anestesiologista<br />
tem ao seu dispor uma monitorização clínica,<br />
instrumental e laboratorial extremamente<br />
eficaz. Quando falamos de anestesia geral,<br />
de uma forma extremamente simplista, podemos<br />
explicá-la como um triângulo, onde<br />
cada vértice corresponde a um dos três<br />
componentes da anestesia geral: a analgesia,<br />
o relaxamento muscular e estado de<br />
inconsciência. Ora é sobre estes três vértices<br />
que incide a monitorização da anestesia<br />
geral. Dependendo do estado funcional do<br />
doente e da agressão do procedimento, leia-<br />
-se cirurgia, é aumentado o nível standard<br />
de monitorização.<br />
A par disto, temos tido o desenvolvimento<br />
de algumas técnicas anestésicas, nomeadamente<br />
a anestesia regional, que veio<br />
aumentar a segurança e o bem-estar dos<br />
doentes. Nos dias de hoje, é extremamente<br />
raro que numa cirurgia dos membros inferiores,<br />
por exemplo, se tenha que recorrer<br />
à anestesia geral. Com a ecografia aplicada<br />
à anestesiologia, conseguimos bloquear<br />
os nervos seletivamente. Com este tipo de<br />
anestesia, mantemos intactas as funções<br />
respiratórias e cardiocirculatórias do doente<br />
e limitamos a um nível residual a incidência<br />
de incidentes e acidentes.<br />
SO | É frequente ser administrada uma<br />
quantidade demasiado alta ou demasiado<br />
baixa de anestesia?<br />
PM | Não. O anestesiologista é também um<br />
expert em farmacologia. Portanto, todos os<br />
fármacos são administrados tendo em conta<br />
as características farmacológicas do mesmo,<br />
o peso do doente e as necessidades<br />
anestésicas. Esse mito da sobredosagem<br />
de fármacos é mais um de entre aqueles de<br />
que falávamos há pouco.<br />
Outro medo é o de despertar no intraoperatório.<br />
Esta é uma das complicações temíveis<br />
e à qual o anestesiologista tem de estar<br />
sempre atento. Pode gerar um stress pós-<br />
-traumático enorme. Imagine-se um doente<br />
acordado e paralisado, a sentir dor e a ouvir<br />
tudo o que o rodeia. Os doentes podem ficar<br />
descansados porque a probabilidade de isto<br />
acontecer – não vou dizer que é zero – mas<br />
é infinitamente reduzida. A monitorização<br />
utilizada nos dias de hoje contribui para que<br />
tal não aconteça.<br />
SO | Qual é o procedimento em que o<br />
doente pede mais anestesia do que aquela<br />
que está recomendada, ou seja, em<br />
que pede uma anestesia geral em vez de<br />
uma regional?<br />
PM | Uma das contraindicações para a realização<br />
de anestesia regional é a recusa do<br />
doente. Por exemplo, não se pode nem deve<br />
realizar uma anestesia epidural, frequentemente<br />
utilizada na obstetrícia, contra a vontade<br />
expressa da doente.<br />
SO | Quais são os efeitos secundários de<br />
uma anestesia no pós-operatório?<br />
PM | Digamos que o efeito secundário mais<br />
frequente são as náuseas e vómitos. Muito<br />
desagradável para os doentes, a sua incidência<br />
está relacionada com a utilização de<br />
determinados fármacos, o tipo de cirurgia<br />
e local anatómico. Outros fatores, como a<br />
instabilidade hemodinâmica, o nível de profundidade<br />
anestésica e a presença ou não<br />
de hábitos tabágicos (os fumadores têm menos<br />
náuseas e vómitos), contribuem para a<br />
maior ou menor incidência deste efeito. No<br />
entanto, tem havido um progresso enorme<br />
no controlo destes sintomas, sou anestesiologista<br />
há mais de 25 anos, e posso dizer<br />
que o pós-operatório de hoje não tem nada<br />
a ver com aquilo que era há uns anos, quer<br />
no controlo analgésico, quer no controlo de<br />
náuseas e vómitos.<br />
SO | Que tipos de anestesia existem?<br />
PM | Existem vários tipos de técnicas anestésicas:<br />
a anestesia geral, a anestesia regional,<br />
a sedação e os cuidados anestésicos<br />
monitorizados. Uma das técnicas que tem<br />
tido um enorme desenvolvimento nos últimos<br />
anos é a anestesia regional, fruto sobretudo<br />
da aplicação da ecografia.<br />
A anestesia do neuroeixo, nomeadamente<br />
a anestesia e analgesia epidural, muito utilizada<br />
no trabalho de parto, continua a ser o<br />
gold standart na analgesia em Obstetrícia.<br />
A sedação é outras das técnicas anestésicas<br />
onde o anestesiologista é perito. Pensar<br />
hoje em fazer uma colonoscopia sem<br />
apoio anestésico será quase criminoso. O<br />
mesmo se passa com diversos exames de<br />
diagnostico e tratamento, realizados em<br />
doentes em idade pediátrica, em doentes<br />
com patologia oftalmológica ou ORL. Há<br />
uma série de exames e técnicas que só podem<br />
ser feitos, com toda o conforto e segu-<br />
« Existem vários tipos<br />
de técnicas anestésicas: a<br />
anestesia geral, a anestesia<br />
regional, a sedação e os<br />
cuidados anestésicos<br />
monitorizados.<br />
Uma das técnicas que<br />
tem tido um enorme<br />
desenvolvimento nos<br />
últimos anos é a anestesia<br />
regional, fruto sobretudo da<br />
aplicação da ecografia »<br />
NOVEMBRO 2018 | NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE 21
SAÚDE ONLINE | ENTREVISTA<br />
rança, com o apoio do anestesiologista.<br />
SO | A sedação é uma técnica que é feita<br />
apenas por anestesiologistas ou pode ser<br />
feita por outro médico?<br />
PM | Isso é um ponto quente. Do ponto de<br />
vista técnico e de segurança, a sedação é<br />
uma técnica anestésica e, como tal, só deve<br />
ser feita por um anestesiologista. Se recuarmos<br />
no tempo, lembramo-nos de caso do<br />
Michael Jackson, que tinha um cardiologista<br />
a administrar-lhe um sedativo para dormir e,<br />
claro, não correu bem… Nós lidamos com<br />
fármacos extremamente potentes, depressores<br />
do estado de consciência e, em muitos<br />
casos, depressores do sistema respiratório.<br />
A sedação tem vários níveis de profundidade.<br />
Por exemplo, uma sedação para a realização<br />
de uma endoscopia digestiva alta,<br />
não obriga ao mesmo nível de profundidade<br />
de uma sedação para uma broncoscopia rígida.<br />
Por outro lado, cada doente é um doente,<br />
com os seus limiares álgicos e de ansiedade,<br />
com patologia associada especifica. Não é<br />
assim recomendado, que o médico que realiza<br />
o exame/procedimento seja o responsável<br />
pela sedação. Isso dá sempre asneira e, infelizmente,<br />
temos múltiplos casos que documentam<br />
o que acabo de afirmar.<br />
SO | Mas a realidade é que temos carência<br />
de anestesiologistas em Portugal.<br />
PM | É um facto, é noticia frequente a falta<br />
de anestesiologistas nos hospitais portugueses.<br />
Mas esse facto não pode ser motivo<br />
para comprometermos a segurança do<br />
doente. Muitas vezes fazer uma sedação<br />
é mais difícil, do ponto de vista técnico, do<br />
que fazer uma anestesia geral. Imagine-se<br />
o que é alguém estar a fazer uma anestesia<br />
geral sem conhecimentos técnicos e sem<br />
que esteja certificado para tal. Os doentes<br />
não iriam aceitar tal facto, como não devem<br />
aceitar que uma sedação seja feita por não<br />
anestesiologistas.<br />
SO | Uma das terapêuticas usadas para<br />
acelerar a recuperação e evitar possíveis<br />
efeitos secundários são os Agentes Reversores<br />
de Bloqueio Neuromuscular. De<br />
que se trata?<br />
PM | Entre outros, os relaxantes musculares<br />
são muitos usados na anestesia geral.<br />
Estes fármacos são usados para criar as<br />
condições necessárias para o cirurgião poder<br />
operar. Têm tempos de ação próprios,<br />
que o anestesiologista conhece bem, e em<br />
função disso, vai administrando ou não.<br />
Nós tínhamos agentes reversores destes<br />
fármacos mas com elevados efeitos secundários.<br />
Com a introdução no mercado, não<br />
há muitos anos, de um agente reversor de<br />
elevada qualidade e com poucos efeitos<br />
secundários, a incidência de curarização residual<br />
nos pós-operatório foi drasticamente<br />
reduzida. Tem o problema de ter um preço<br />
elevado, que depois é diluído no custo geral<br />
da intervenção anestésico cirúrgica.<br />
« A Sociedade Portuguesa<br />
de Anestesiologia, o Colégio<br />
de Anestesiologia da Ordem<br />
dos Médicos e os Serviços<br />
de Anestesiologia dos<br />
hospitais portugueses tem<br />
a preocupação constante<br />
de formar, com cada<br />
vez maior qualidade, os<br />
anestesiologistas mais<br />
novos. Essa é a nossa<br />
grande aposta »<br />
SO | Quais são os grandes desafios que<br />
podemos esperar encontrar nos próximos<br />
anos nesta área?<br />
PM | A Sociedade Portuguesa de Anestesiologia,<br />
o Colégio de Anestesiologia da Ordem<br />
dos Médicos e os Serviços de Anestesiologia<br />
dos hospitais portugueses tem a preocupação<br />
constante de formar, com cada vez<br />
maior qualidade, os anestesiologistas mais<br />
novos. Essa é a nossa grande aposta.<br />
Outro desafio fundamental é o investimento<br />
na segurança do doente. Nós atingimos<br />
patamares de segurança fantásticos e esse<br />
vai ter de continuar a ser o enfoque. Por outro<br />
lado, não abdicamos das nossas áreas<br />
de especialização: a medicina do per operatório,<br />
a medicina da dor e a medicina intensiva<br />
e de urgência.<br />
Para além disso, a investigação. Cada vez<br />
mais, temos médicos doutorados na área<br />
da anestesiologia, que era um fenómeno<br />
residual até há bem pouco tempo. Esses<br />
doutorados serão responsáveis pela investigação<br />
de novos fármacos, novos monitores<br />
e, naturalmente, novas e inovadoras<br />
técnicas anestésicas.<br />
SO | Há alguma inovação ou avanço que<br />
gostasse de ver concretizado nos próximos<br />
anos?<br />
PM | A nível terapêutico, falamos muitas<br />
vezes do anestésico ideal. Gostava que,<br />
no curto prazo, houvesse esse fármaco.<br />
Temos alguns que se aproximam dos anestésicos<br />
ideais mas, neste caso, seria um<br />
fármaco que tivesse efeitos anestésicos<br />
e analgésicos, sem causar depressão do<br />
centro respiratório e sem efeitos cardiovasculares<br />
nocivos.<br />
22 NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE | NOVEMBRO 2018
ESPECIAL<br />
USF Genesis<br />
Equipa já conseguiu<br />
abranger toda a população<br />
Desde 2013 que a USF Genesis não para de crescer. De tal modo que<br />
cinco anos depois da sua constituição, conseguiu integrar todos os<br />
utentes da sua área de influência (Póvoa de Santo Adrião e Olival de<br />
Basto), dando-lhes as mesmas oportunidades de acesso e a mesma<br />
qualidade de cuidados. Os últimos 3.500 utentes chegaram há cerca<br />
de dois meses. Para uma equipa que congrega 11 médicos - seis dos<br />
quais recém-especialistas - 11 enfermeiros e seis secretários clínicos, o<br />
ano de 2018 centra-se na consolidação dos processos e num trabalho<br />
árduo, difícil e exigente, na perspetiva de um futuro melhor, tanto para<br />
os utentes como para os profissionais<br />
USF GENESIS
UMA INICIATIVA<br />
Dr. Hugo Fernando Gaspar, coordenador da USF Genesis: “Estamos a<br />
privilegiar a forma organizativa da USF. O nosso objetivo é que todos<br />
tenham a mesma linguagem e os mesmos métodos de trabalho”<br />
Todos os utentes de Póvoa de<br />
Santo Adrião e Olival de Basto, do<br />
agrupamento de centros de saúde<br />
(ACES) Loures/Odivelas, estão<br />
hoje a receber cuidados personalizados,<br />
abrangentes e de qualidade<br />
graças ao alargamento da<br />
USF Genesis. Após a abertura,<br />
em 2013, a equipa tem vindo a ser<br />
sucessivamente reforçada, com a<br />
entrada de novos médicos e enfermeiros.<br />
De acordo com o coordenador,<br />
Hugo Fernando Gaspar, “o<br />
nosso objetivo era cobrir integralmente<br />
a União de Freguesias de<br />
Póvoa de Santo Adrião/Olival de<br />
Basto. Iniciámos a atividade com<br />
seis médicos mas desde 2013<br />
que a equipa não parou de crescer.<br />
Hoje, temos 11 médicos, 11<br />
enfermeiros e seis administrativos,<br />
o que significa que atingimos<br />
a lotação máxima, com 19.500<br />
utentes inscritos”.<br />
Os primeiros médicos e enfermeiros<br />
que integraram a unidade<br />
de saúde familiar trabalhavam<br />
em unidades de cuidados de<br />
saúde personalizados (UCSP) de<br />
Odivelas. A constituição da USF<br />
avançou no momento em que se<br />
concluiu a construção de um novo<br />
edifício com capacidade para albergar<br />
a USF, uma UCSP, a unidade<br />
de cuidados na comunidade<br />
(UCC) e a unidade de recursos assistenciais<br />
partilhados (URAP). “O<br />
grande passo deu-se após a conclusão<br />
do Internato Médico de um<br />
grupo de quadro internos de MGF.<br />
A entrada desses recém-especialistas<br />
permitiu o último alargamento<br />
da USF e, consequentemente,<br />
o encerramento da UCSP”.<br />
Contudo, o fluxo contínuo de novos<br />
utentes - na sua maioria, migrantes<br />
- não parou. Já no limite<br />
máximo da capacidade, a direção<br />
do ACES contratou dois médicos<br />
de recurso para dar resposta<br />
às novas inscrições de utentes.<br />
Provisoriamente, estes profissionais<br />
dão consulta nas instalações<br />
da anterior UCSP, uma vez por<br />
semana, estando prevista a sua<br />
transferência para o centro de<br />
saúde de Odivelas assim que estiverem<br />
concluídas as obras do<br />
novo edifício. Até então, estes médicos<br />
contam com o apoio dos<br />
profissionais de enfermagem e do<br />
secretariado clínico da USF.<br />
Um grande desafio pela frente<br />
A unidade de saúde familiar está<br />
inserida numa região caraterizada<br />
por uma população migrante<br />
e multicultural. Trata-se também<br />
de “uma população muito extensa<br />
que estamos a começar a estudar,<br />
tratar, e acompanhar”. Por<br />
isso, 2018 é encarado pela equipa<br />
como o ano da estabilização e<br />
consolidação.<br />
Neste contexto, e apesar de ter<br />
seis médicos recém-especialistas,<br />
a USF optou por não receber<br />
ainda internos de Medicina Geral<br />
e Familiar. “Precisamos de entre<br />
um a dois anos para conhecer a<br />
nossa população”. Isso implica<br />
tempo e disponibilidade e seria<br />
complicado, na opinião do coordenador,<br />
“dedicar-nos simultaneamente<br />
aos nossos internos e aos<br />
nossos utentes com a mesma intensidade”.<br />
Contudo, “recebemos<br />
internos do Ano Comum, alunos<br />
das faculdades de Medicina e de<br />
Enfermagem, sem esquecer a dinamização<br />
de ações de formação<br />
destinadas aos profissionais da<br />
nossa USF”.<br />
Para além de um trabalho exigente,<br />
entre as 8 da manhã e as<br />
20 horas, nos dias úteis, há vários<br />
médicos, enfermeiros e administrativos<br />
da USF que trabalham,<br />
em conjunto com outros profissionais<br />
do ACES, no Atendimento<br />
Complementar (AC) que funciona<br />
naquele edifício, todos os dias da<br />
semana entre as 18 e as 22 horas,<br />
e aos fins-de-semana entre as 10<br />
e as 20 horas.<br />
“É uma correria, mas estamos<br />
a dar conta do recado”, garante<br />
Maria de Fátima Gonçalves, responsável<br />
administrativa da USF.<br />
Até porque as expetativas são<br />
animadoras, prevendo-se, dentro<br />
de algum tempo, o reforço do<br />
setor com a entrada de um sétimo<br />
elemento.<br />
Já no que diz respeito ao sistema<br />
informático e demais equipamento,<br />
como computadores e impressoras,<br />
as perspetivas não são tão risonhas.<br />
Existe apenas uma impressora<br />
para os três postos de trabalho<br />
do setor administrativo<br />
“É uma correria, mas estamos a dar conta do recado”, apesar<br />
das condições algo precárias, diz Maria de Fátima Gonçalves,<br />
responsável administrativa da USF.<br />
Sala de espera da USF Genesis<br />
USF GENESIS
ESPECIAL<br />
e, quando um computador avaria,<br />
como aconteceu com o seu, “há<br />
documentos que não são recuperados,<br />
por falta de disponibilidade<br />
do setor informático, tendo que<br />
voltar a ser introduzidos manualmente”.<br />
A este nível, “as condições<br />
são um pouco precárias”, admite.<br />
Os administrativos atendem, em<br />
média, 500 utentes por dia e chamam,<br />
à voz, cada um deles - “A<br />
28, senha verde!...”. Esta é, na<br />
opinião do coordenador, “uma situação<br />
incomportável” que poderia<br />
resolver-se facilmente com um<br />
painel eletrónico de chamada de<br />
senhas ou um quiosque. Contudo,<br />
“fizemos várias exposições sobre<br />
o assunto mas ainda não tivemos<br />
resposta”.<br />
Em relação à falta de impressoras,<br />
o médico concorda plenamente<br />
com a desmaterialização das receitas<br />
e dos meios complementares<br />
de diagnóstico. Mas, “as impressoras<br />
continuam a ser necessárias<br />
porque, para além de todo o trabalho<br />
burocrático que existe, ainda<br />
há pessoas que não têm e-mail ou<br />
mesmo telemóvel. A tecnologia não<br />
chega de igual modo a toda a gente!<br />
Vamos continuar a precisar de impressoras<br />
para lhes passar receitas<br />
em papel. Nomeadamente, aos<br />
doentes crónicos!”.<br />
Uniformizar cuidados<br />
é a palavra de ordem<br />
O coordenador não tem qualquer<br />
dúvida de que a integração<br />
de todos os utentes da União de<br />
Freguesias de Póvoa de Santo<br />
Adrião/Olival de Basto foi uma<br />
enorme mais-valia, uma vez que<br />
permitiu que todos tivessem as<br />
mesmas oportunidades de acesso<br />
a serviços de saúde de qualidade.<br />
No que diz respeito aos profissionais,<br />
“estamos a trabalhar também<br />
na perspetiva de um futuro<br />
melhor. Neste momento somos<br />
uma USF Modelo A mas pretendemos<br />
passar para Modelo<br />
B e sabíamos que para conseguir<br />
prestar os melhores cuidados<br />
possíveis teríamos que fazer este<br />
alargamento da equipa. Dá muitas<br />
A USF Genesis tem, neste momento, 19.500 doentes inscritos.<br />
Dra. Fátima Salvador , médica da USG Genesis.<br />
Enfermeira Margarida Duarte: “Gostávamos mesmo que esta USF<br />
atingisse o Modelo B e fosse uma referência na Póvoa de Santo Adrião”.<br />
Dra. Joana Pinto Sousa, médica da USF Genesis<br />
Dra. Patrícia Vilarinho, médica da USF Genesis.<br />
dores de cabeça, pois exige bastante<br />
organização e trabalho, mas<br />
está tudo a correr bem”.<br />
Desde 2017, o primeiro ano de trabalho<br />
com a equipa alargada, “que<br />
estamos a privilegiar a forma organizativa<br />
da USF. O nosso objetivo<br />
é que todos tenham a mesma<br />
linguagem e os mesmos métodos<br />
de trabalho. A partir daí - previsivelmente,<br />
a partir de maio - iremos<br />
focar-nos mais nos objetivos e indicadores.<br />
O nosso índice de desempenho<br />
global tem sempre crescido<br />
ao longo do tempo, apesar de<br />
há dois meses termos recebido<br />
3.500 novos utentes, muitos dos<br />
quais não tinham médico de família<br />
atribuído. A direção do ACES sabe<br />
que tem aqui uma super- equipa organizada<br />
e motivada para o trabalho<br />
que tem pela frente. Funciona e<br />
tem objetivos claros”.<br />
“Gostávamos mesmo que esta<br />
USF atingisse o Modelo B e fosse<br />
uma referência na Póvoa de Santo<br />
Adrião”, enfatiza a Enfermeira<br />
Margarida Duarte. “Normalmente,<br />
as pessoas não têm a noção de<br />
que esta é uma zona bastante carenciada.<br />
Temos jovens que trabalham<br />
em Lisboa e que residem<br />
aqui, mas também pessoas bastante<br />
idosas e carenciadas, com<br />
pouco apoio das instituições de<br />
retaguarda, bem como uma parte<br />
muito volátil de comunidades de<br />
imigrantes de Cabo Verde, Angola,<br />
Guiné, Índia e Paquistão. Garantir<br />
um acompanhamento adequado<br />
desses utentes representa um<br />
grande desafio para todos nós”.<br />
Face à evolução contínua da USF,<br />
derivada do alargamento progressivo<br />
a toda a população, o coordenador<br />
explica que “não nos<br />
foi possível contratualizar uma<br />
carteira adicional de serviços”.<br />
Contudo, essa é uma evolução<br />
prevista a curto prazo, tanto mais<br />
que o plano de ação da USF para<br />
2018 contempla já o início de consultas<br />
de cessação tabágica e de<br />
medicina do viajante. Na realidade<br />
“é mais um esforço que estamos a<br />
fazer para ir ao encontro dos nossos<br />
pressupostos futuros e do que<br />
a nossa população necessita”.<br />
PP-GEP-PRT-0163<br />
“O Conteúdo e as afirmações expressas nesta publicação são da exclusiva responsabilidade do(s) Entrevistado(s).”<br />
USF GENESIS
NACIONAL | SAÚDE ONLINE<br />
Mais de 150 mil crianças e jovens<br />
sem médico de família em Portugal<br />
Mais de 150 mil menores<br />
em Portugal ainda<br />
estão sem médico de<br />
família atribuído, mais de dois<br />
anos depois de estar em vigor<br />
legislação que estabelece que<br />
nenhuma criança deve ficar privada<br />
de médico de família.<br />
“Continuam a existir obstáculos<br />
à atribuição de médico de família<br />
a todos os menores de 18 anos,<br />
que são particularmente preocupantes<br />
na região de Lisboa e<br />
Vale do Tejo, mas também nas<br />
regiões autónomas dos Açores<br />
e da Madeira”, refere o relatório<br />
“Gerações Mais Saudáveis” que<br />
vai ser hoje divulgado pelo Conselho<br />
Nacional de Saúde.<br />
Segundo dados do relatório relativos<br />
a 31 de outubro deste ano,<br />
eram 153 mil as crianças e jovens<br />
até aos 18 anos sem médico<br />
de família em Portugal. A região<br />
de Lisboa e Vale do Tejo era<br />
a que registava maior número de<br />
menores sem médico de família,<br />
sendo quase 110 mil.<br />
Contudo, em termos percentuais,<br />
a região da Madeira é que tem<br />
a maior proporção de menores<br />
sem médico de família, sendo<br />
quase 40%. Segue-se Lisboa,<br />
com 16% dos menores sem médico<br />
de família, os Açores, com<br />
11,8% e o Algarve, com 11,4%.<br />
No Norte, não chega a 1% a proporção<br />
de menores de 18 anos<br />
sem médico de família, no Centro<br />
são 1,9% e no Alentejo 3,3%.<br />
“Em outubro de 2018, mais de<br />
dois anos após a entrada em vigor<br />
da lei que estipula que nenhuma<br />
criança devia ficar privada de<br />
médico de família, existiam ainda<br />
mais de 150 mil crianças sem<br />
médico atribuído, sendo mais<br />
de 130 mil no continente”, refere<br />
o relatório do Conselho Nacional<br />
de Saúde, a que a agência<br />
Lusa teve acesso. O Conselho<br />
recomenda que seja reforçado o<br />
acesso aos cuidados de saúde<br />
primários para crianças, fazendo<br />
refletir na prática o que está na legislação:<br />
“É necessário assegurar<br />
que todas as crianças têm médico<br />
de família atribuído”. Em termos<br />
de acesso a cuidados de saúde<br />
por menores, os conselheiros do<br />
Governo sublinham, contudo,<br />
que o alargamento da isenção<br />
das taxas moderadoras na prestação<br />
de cuidados a menores<br />
de 18 anos “foi um importante<br />
passo para garantir a universalidade<br />
dos cuidados às crianças<br />
e jovens em Portugal”, o que<br />
acontece desde maio de 2015.<br />
O relatório do Conselho Nacional<br />
de Saúde intitulado “Gerações<br />
Mais Saudáveis” analisa as<br />
políticas públicas de proteção e<br />
promoção da saúde das crianças<br />
e jovens até aos 18 anos.<br />
LUSA<br />
Cerca de dois milhões de<br />
portugueses sofrem de enxaquecas<br />
“A causa da enxaqueca é multifatorial<br />
e infelizmente não<br />
conseguimos prever quem vai ter<br />
enxaquecas, exceto por algumas<br />
coisas como ter história familiar”,<br />
explica Miguel Rodrigues, membro<br />
da comissão científica da SPC<br />
Quase um milhão de portugueses<br />
sofre da doença<br />
há mais de 10 anos. Estudo,<br />
apresentado, no Congresso<br />
de Neurologia revela que 44%<br />
dos doentes dizem que crises de<br />
enxaqueca duram um ou mais<br />
dias. Cerca de 20% da população<br />
portuguesa tem enxaquecas. A<br />
conclusão é da Sociedade Portuguesa<br />
de Cefaleias (SPC), que<br />
estima que, destas, 700 mil pessoas<br />
sofram de enxaquecas graves<br />
– o que significa que têm mais<br />
de quatro crises de cefaleias por<br />
mês, com uma maior intensidade<br />
de dores. Para calcular o número<br />
de portuguesas com episódios de<br />
enxaqueca e de enxaqueca grave,<br />
a SPC baseia-se numa tese<br />
de doutoramento apresentada há<br />
mais de 20 anos (em 1995), o único<br />
estudo feito em Portugal sobre<br />
a doença. No entanto, como explica<br />
Miguel Rodrigues, membro<br />
da comissão científica da SPC ao<br />
Público, os números devem ser<br />
semelhantes na atualidade.<br />
A doença afeta mais mulheres<br />
que homens, sendo que as primeiras<br />
crises podem surgir na<br />
infância e adolescência. “A causa<br />
é multifatorial e infelizmente<br />
não conseguimos prever quem<br />
vai ter enxaquecas, exceto por<br />
algumas coisas como ter história<br />
familiar”, refere o especialista.<br />
Um estudo mundial, que avaliou a<br />
carga da enxaqueca do ponto de<br />
vista do doente, vai ser apresentado<br />
esta semana, segundo avança<br />
o jornal Público. Este trabalho<br />
mostra que metade dos pacientes<br />
portugueses faltou em média 3,8<br />
dias ao trabalho por causa das<br />
fortes dores de cabeça.<br />
O estudo, que investigou dados<br />
de mais de 11 mil doentes com<br />
pelo menos quatro dias de enxaqueca<br />
por mês (143 deles portugueses),<br />
vai ser apresentado no<br />
Congresso de Neurologia, que<br />
decorre entre 15 e 17 de novembro,<br />
no Porto. Promovido pela<br />
European Migraine e Headache<br />
Alliance (EMHA), organismo<br />
que junta várias associações de<br />
doentes, e financiado pelo laboratório<br />
farmacêutico Novartis, o<br />
trabalho conclui que a enxaqueca<br />
tem impacto na vida de mais<br />
de 80% dos inquiridos.<br />
De entre os inquiridos em Portugal,<br />
95% referiu dificuldades em<br />
dormir e mais de metade (54%)<br />
sentiu incompreensão por parte<br />
de outros. Quase 60% tem histórico<br />
de enxaqueca na família,<br />
sendo que, geralmente, a doença<br />
se manifesta de forma mais<br />
intensa entre os 35 e os 45 anos.<br />
43% dos doentes portugueses<br />
são afetados por enxaquecas há<br />
mais de dez anos e quase metade<br />
garantem que as crises de enxaqueca<br />
duram um ou mais dias.<br />
Os doentes reportaram uma média<br />
de dez dias de enxaqueca no<br />
mês anterior ao estudo.<br />
NOVEMBRO 2018 | NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE 27
SAÚDE ONLINE | ENTREVISTA<br />
MARIA JOSÉ PASSOS<br />
Presidente do Intergrupo<br />
Português do Melanoma<br />
“Imunoterapia já é<br />
utilizada em mais de<br />
metade dos casos de<br />
melanoma avançado”<br />
Na sequência do VI Simpósio<br />
do Melanoma, que<br />
decorreu no final de outubro,<br />
o Saúde Online esteve à<br />
conversa com a presidente do<br />
Intergrupo Português do Melanoma.<br />
Maria José Passos destaca a<br />
importância do diagnóstico precoce<br />
e o aparecimento de novas<br />
terapêuticas mas alerta para o<br />
aumento da incidência da doença<br />
em Portugal.<br />
Saúde Online (SO) | Quais são os sinais<br />
de alerta a que as pessoas devem estar<br />
atentas?<br />
Dra. Maria José Passos (MJP) | O melanoma<br />
é um tumor que se cura quando é diagnosticado<br />
precocemente. Às vezes é um pequeno<br />
pontinho preto, que é retirado e 99%<br />
das pessoas curam-se. Mas se deixarmos<br />
passar esta fase cirúrgica e surgirem aqueles<br />
sinais já de grandes dimensões, heterogéneos,<br />
muito feios, que sangram, o melanoma<br />
evolui para uma fase mais avançada<br />
e aqui é já uma doença muito dramática que<br />
pode não se curar. Muita gente desvaloriza,<br />
diz que é um “sinalzinho”.<br />
O principal grupo de risco é o dos indivíduos<br />
loiros, muito branquinhos, que não se chegam<br />
a bronzear – ficam queimados, todos<br />
vermelhos e Indivíduos que tenham antecedentes<br />
familiares de cancro de pele.<br />
Estas pessoas têm de ter muito cuidado com<br />
o sol. Ou seja, não se exporem nas horas<br />
perigosas (do meio dia às 16), que agora<br />
são cada vez mais perigosas por causa da<br />
diminuição da camada de ozono. E sobretudo<br />
ter muita atenção às crianças. No futuro,<br />
o sol todo que estas crianças apanharam<br />
pode ter consequências nefastas.<br />
SO | Como é que as pessoas podem perceber<br />
se esse sinal é realmente preocupante<br />
ou não?<br />
MJP | Qualquer sinal que aumente de dimensões,<br />
que seja novo, cuja coloração<br />
se tornou diferente, que seja assimétrico<br />
(imaginando uma linha que divide ao meio<br />
o sinal, se as duas partes não forem iguais)<br />
tem risco de ser maligno. A evolução do sinal<br />
é o mais importante – se for superior a 6,8<br />
milímetros já é bastante suspeito. A pessoa<br />
deve dirigir-se ao seu dermatologista. É claro<br />
que há casos raros que fogem as estas<br />
variantes. No entanto, apesar das campa-<br />
28 NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE | NOVEMBRO 2018
ENTREVISTA | SAÚDE ONLINE<br />
nhas e do trabalho fantástico que os dermatologistas<br />
têm feito ao longo dos últimos<br />
anos, aparecem ainda muitos doentes.<br />
Nós aqui no instituto temos também uma população<br />
um pouco enviesada porque vêm os<br />
casos mais difíceis. De qualquer das maneiras,<br />
vêm pessoas que já têm doenças muito<br />
avançadas e consultam o médico pela primeira<br />
vez e parece que nunca ouviram falar<br />
nestes assuntos.<br />
SO | E são pessoas mais velhas?<br />
MJP | Há dois grupos: temos gente nova mas<br />
o grupo maior são as pessoas com mais de<br />
65 anos. As pessoas mais velhas têm tido<br />
mais melanomas mas o melanoma também<br />
foi sempre conhecido por atingir pessoas<br />
mais novas (30,40 anos) e até crianças. Os<br />
americanos dizem que há um aumento de 1<br />
a 2% ao ano dos melanomas infantis. Há 30<br />
anos não se viam melanomas nas crianças<br />
e agora estamos a ver mais vezes. No total<br />
de casos, são cerca de 1%.<br />
SO | Para além da exposição solar, existem<br />
outras causas?<br />
MJP | Sim, também existem fatores genéticos:<br />
pessoas que têm muitos melanomas,<br />
que têm antecedentes familiares de melanoma.<br />
Mas é uma minoria em relação aos fatores<br />
ambientais. Neste momento também há<br />
terapêuticas mais avançadas do que havia<br />
há uns anos atrás.<br />
SO | Quais foram os temas em destaque<br />
no VI Simpósio do Melanoma, que decorreu<br />
no final de outubro, em Lisboa?<br />
MJP | Falou-se de muita coisa no simpósio.<br />
Falou de epidemiologia: nota-se que a melanoma<br />
tem vindo a aumentar no nosso país.<br />
Falou-se também da importância de termos<br />
um registo oncológico nacional. Ainda não<br />
temos os dados atuais e gostávamos de ter<br />
os dados para percebermos quantos melanomas<br />
temos hoje para sabermos isso todos<br />
os anos no país inteiro. Agora sabemos que<br />
as estimativas do Globocan 2018 indicam<br />
que há um aumento da incidência em Portugal.<br />
Temos dito que ronda os 8,9 casos por<br />
100 mil habitantes mas deve ir até aos 10.<br />
E cerca de 1300 novos casos por ano. Mas<br />
isto é uma estimativa, nós queremos ter os<br />
valores verdadeiros em cada ano.<br />
SO | Tem havido alguns problemas na<br />
formação do registo, nomeadamente<br />
no que diz respeito à confidencialidade<br />
dos dados.<br />
MJP | Sim, e também porque os registos estavam<br />
divididos por zonas (Norte, Centro) e<br />
« A imunoterapia é uma<br />
terapêutica que incide<br />
no hospedeiro – e não no<br />
tumor- de modo a que ele se<br />
defenda e lute contra o tumor.<br />
Vai estimular os linfócitos<br />
T de forma a fornecer o<br />
armamentário suficiente ao<br />
doente para que ele própria<br />
destrua o tumor»<br />
agora é preciso congregar tudo isso num só.<br />
Mas também num país tão pequeno como o<br />
nosso não faz sentido que não tenhamos os<br />
dados nacionais.<br />
Depois, falou-se da deteção precoce (prevenção<br />
secundária). Estiveram pessoas<br />
nesse simpósio que são as que mais sabem<br />
acerca do tratamento do melanoma: os dermatologistas<br />
(que se ocupam da prevenção<br />
e do diagnóstico), os cirurgiões (que operam<br />
os doentes e discutem os aspetos cirúrgicos),<br />
os oncologistas médicos.<br />
Nestes simpósios, estamos lá todos a discutir<br />
alguns pontos que sejam novos ou<br />
outros que causem discussão. Este ano<br />
tivemos uma mesa muito interessante sobre<br />
metastização cerebral, onde estiveram<br />
neurocirurgiões, oncologistas, radioterapeutas.<br />
O melanoma avançado tem uma<br />
grande incidência de metastização cerebral,<br />
comparado com outros tumores e já<br />
há terapêuticas interessantes (combinam<br />
neurocirurgia com radioterapia).<br />
SO | Quais são os tratamentos que são<br />
utilizados atualmente e quais podem surgir<br />
nos próximos tempos?<br />
MJP | No melanoma avançado, temos a<br />
sorte de dispor agora de tratamentos muito<br />
melhores. Digamos que os melanomas não<br />
são todos iguais. 40 ou 50% expressam uma<br />
determinada proteína, que resulta de uma<br />
alteração do DNA (o B-Raf). Esses doentes<br />
têm um comportamento diferente e têm um<br />
tratamento com terapêuticas dirigidas àquela<br />
mutação de DNA. A pessoa tem uma alteração<br />
e nós vamos fazer um medicamento<br />
que vai neutralizar aquela alteração.<br />
Já fazemos estes agentes dirigidos em primeira<br />
linha. Depois, em segunda linha, ainda<br />
podem fazer imunoterapia. Temos várias<br />
armas terapêuticas.<br />
SO | Qual é o tratamento usado em primeira<br />
linha?<br />
MJP | Normalmente, usam combinações de<br />
medicamentos. Dabrafenib + Trametinib é<br />
o que usamos neste momento, que é o tal<br />
inibidor B-Raf. Esta combinação é menos<br />
tóxica e tem uma eficácia idêntica às outras<br />
opções. E vão surgindo novas combinações,<br />
através de ensaios clínicos. Serão<br />
aprovadas posteriormente mas ainda não<br />
estão no mercado.<br />
Depois temos a imunoterapia, que é muito interessante.<br />
Ao contrário da terapêutica de que<br />
falávamos, aqui é uma terapêutica que incide<br />
no hospedeiro – e não no tumor- de modo a<br />
que ele se defenda e lute contra o tumor. Vai<br />
estimular os linfócitos T de forma a fornecer o<br />
armamentário suficiente ao doente para que<br />
ele própria destrua o tumor. E isso é um conceito<br />
muito interessante em que o melanoma<br />
foi pioneiro. A partir daqui este conceito foi extrapolado<br />
para o cancro do pulmão, da bexiga,<br />
da cabeça e pescoço, linfomas.<br />
SO | E, no caso do melanoma, a imunoterapia<br />
é usada em muitos casos?<br />
MJP | Nós usamos em primeira linha em<br />
todos os melanomas avançados que não<br />
possuam aquela mutação. Por exemplo,<br />
num doente avançado, fazemos sempre a<br />
determinação do B-Raf, é uma rotina. Se for<br />
negativo, entra logo na imunoterapia. Neste<br />
caso, faz anti PD 1. E temos tido resultados<br />
bastante animadores e com toxicidade mais<br />
baixa em comparação com a quimioterapia<br />
clássica, que não tem efeito nenhum no<br />
melanoma (foi praticamente abandonada).<br />
Mas temos de nos continuar a esforçar porque<br />
ainda há doentes que não respondem.<br />
Estão em estudo muitas moléculas novas e<br />
outros inibidores de check point no domínio<br />
da imunoterapia.<br />
SO | E em relação à radioterapia?<br />
MJP | A radioterapia é muito utilizada. Mesmo<br />
sendo paliativa, é importante para tirar as dores.<br />
Usa-se também para parar uma hemorragia<br />
e no tratamento da metastização cerebral.<br />
Usa-se agora também a radiocirurgia.<br />
SO | Todos os doentes são sujeitos a cirurgia<br />
quando chegam ao IPO?<br />
MJP | Nos casos mais precoces, são logo<br />
retirados os sinais. Mas pode haver um caso<br />
de um individuo que chega aqui com metástases<br />
por todos os lados e aí já não tem indicação<br />
cirúrgica.<br />
NOVEMBRO 2018 | NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE 29
SAÚDE ONLINE | NACIONAL<br />
Número de reações adversas a medicamentos<br />
não para de aumentar. Há 30 casos por dia<br />
Números de situações reportadas<br />
à Autoridade<br />
Nacional do Medicamentos<br />
(Infarmed) quase duplicou<br />
nos primeiros seis meses do ano.<br />
Infarmed apela ao reporte com<br />
campanha dirigida, este ano, a<br />
grávidas, bebés e crianças.<br />
Só nos primeiros seis meses<br />
de 2018 a autoridade do medicamento<br />
registou em média 30<br />
casos de reações adversas a fármacos<br />
por dia, num total de 5385<br />
notificações. Estes números,<br />
avançados pelo Jornal de Notícias,<br />
a 19 de novembro, representam<br />
um aumento significativo<br />
em relação ao ano passado.<br />
Em 2017 registaram-se, em média,<br />
17 casos por dia (6105 no<br />
total do ano). Os casos mais<br />
severos foram reportados na<br />
sequência da utilização de fármacos<br />
inovadores na área oncológica.<br />
Um terço dos casos<br />
aconteceu na população idosa.<br />
No entanto, o aumento das notificações<br />
de reações adversas<br />
não significa que esteja em causa<br />
a segurança e a qualidade<br />
dos medicamentos. Sofia Oliveira<br />
Martins, vogal do Conselho<br />
Diretivo do Infarmed, lembra ao<br />
JN a criação do portal RAM (reações<br />
adversas ao medicamento),<br />
em 2017, que tornou mais<br />
simples o processo de reporte.<br />
A maior literacia dos cidadãos<br />
também ajuda a explicar parte<br />
do aumento. Contudo, segundo<br />
Sofia Oliveira Martins, Portugal<br />
está ainda abaixo do número de<br />
notificações esperados, segundo<br />
estudos internacionais.<br />
O recurso à automedicação, o aumento<br />
do consumo de fármacos,<br />
o cruzamento de comprimidos e<br />
a toma de produtos naturais estão<br />
entre as principais causas<br />
dos efeitos secundários. O uso<br />
abusivo dos antibióticos também<br />
pode contribuir para uma menor<br />
tolerância a certos fármacos.<br />
Em 2017, foram contabilizados<br />
quase 4 mil casos de reações adversas<br />
graves. A maior parte dessas<br />
reações não estavam descritas<br />
nas bulas dos medicamentos.<br />
Campanha<br />
Com o objetivo de apelar aos<br />
cidadãos para que reportem as<br />
situações de reações adversas<br />
a algum medicamento, o Infarmed<br />
lançou no mesmo dia uma<br />
campanha nas redes sociais.<br />
Este ano a campanha coloca o<br />
foco nas grávidas, nos bebés e<br />
nas crianças. “Isso é ainda mais<br />
importante, porque usamos muitas<br />
vezes medicamentos em<br />
crianças que não têm ensaios<br />
próprios e estamos a extrapolar<br />
o conhecimento que temos dos<br />
medicamentos para adultos”,<br />
explica Maria do Céu Machado,<br />
presidente do Infarmed.<br />
Mais de 60% dos enfermeiros portugueses<br />
estão insatisfeitos com a profissão<br />
Um novo estudo indica que<br />
61% dos enfermeiros<br />
inquiridos estão insatisfeitos<br />
com a profissão, estando<br />
a maioria a exercer funções nos<br />
hospitais (66.8%). No seu artigo,<br />
o autor começa por salientar a importância<br />
de avaliar a satisfação<br />
em cada profissão, sendo importante<br />
fazê-lo no caso dos enfermeiros<br />
“para decisivamente se<br />
poderem tomar medidas de melhoria,<br />
controle e monitorização”.<br />
Para a realização deste estudo,<br />
procedeu-se à revisão de 11 artigos<br />
publicados entre 2003 e<br />
2017, todos correspondentes a<br />
teses de Mestrado de universidade<br />
de Norte a Sul do país. Com<br />
os dados recolhidos foi possível<br />
definir duas linhas de orientação<br />
para este estudo que consistiram<br />
em traçar um perfil do Enfermeiro<br />
em Portugal e averiguar o grau<br />
de satisfação profissional.<br />
A primeira fase pretendeu determinar<br />
as seguintes variáveis:<br />
sexo, tipologia da unidade<br />
onde exerce funções, tipologia<br />
do vínculo laboral, habilitações<br />
académicas, funções de gestão,<br />
tempo de serviço e se é sindicalizado.<br />
Para a segunda fase, foi<br />
desenvolvido um questionário<br />
sob a escala de likert para avaliar<br />
nível de satisfação com a<br />
profissão, com a carreira profissional,<br />
com a remuneração, com<br />
o local de trabalho, com a Chefia<br />
e com a Direção de Enfermagem<br />
do local onde exerce funções. A<br />
partir dos artigos estudados, foi<br />
também possível concluir que<br />
nunca se determinou o grau de<br />
satisfação com a Ordem dos Enfermeiros<br />
e com os Sindicatos,<br />
resultando na inclusão dessas<br />
questões neste inquérito.<br />
O questionário foi disponibilizado<br />
na rede social Facebook no<br />
dia 9 de setembro do presente<br />
ano, obtendo, em 24 horas, um<br />
número de respostas superior ao<br />
pretendido, ou seja, 539 inquéritos<br />
preenchidos quando eram<br />
apenas necessários 383.<br />
No que diz respeito ao perfil do Enfermeiro<br />
Português, concluiu-se<br />
que 85.4% são mulheres, 66.8%<br />
desempenham funções em Hospitais,<br />
20.3% possuem Especialidade<br />
e 65.4% não é sindicalizada.<br />
Relativamente ao Grau de Satisfação<br />
Profissional, sabe-se que<br />
61% dos enfermeiros não estão<br />
satisfeitos, 90.6% está descontente<br />
com a sua carreira, 96.5%<br />
não concorda com a sua remuneração,<br />
53.9% não estão satisfeitos<br />
com a direção de enfermagem,<br />
contudo há mais satisfeitos<br />
com a sua chefia (43.4%) do que<br />
insatisfeitos (39%) e, no que toca<br />
ao local de trabalho, há quase<br />
tantos satisfeitos (43.1%) como<br />
insatisfeitos (43.5%). Concluiu-se<br />
também 80.6% dos enfermeiros<br />
não estão satisfeitos com os<br />
sindicatos que os representam e<br />
55.5% está satisfeito com a Ordem<br />
dos Enfermeiros.<br />
De uma forma geral, o autor sugere<br />
a realização de novos estudos<br />
que possam aprofundar estas<br />
questões, assim como acompanhar<br />
a evolução do grau de satisfação<br />
destes profissionais.<br />
Mónica Abreu Silva<br />
30 NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE | NOVEMBRO 2018
NACIONAL | SAÚDE ONLINE<br />
ANTIBIÓTICOS<br />
Consumo de antibióticos diminuiu<br />
nos hospitais e em ambulatório<br />
O<br />
consumo de antibióticos<br />
em meio hospitalar baixou<br />
4,96% entre 2013 e<br />
2017, segundo dados divulgados<br />
ontem pela Direção-Geral da Saúde<br />
(DGS), que revelam também<br />
uma descida do consumo destes<br />
medicamentos em ambulatório.<br />
“O consumo global de antimicrobianos<br />
em meio hospitalar reduziu-se,<br />
entre 2013 e 2017, 4,96%<br />
(de 1,64 DHD [Doses Diárias<br />
Definidas por 1000 habitantes]<br />
para 1,53DHD)”, indicam os números<br />
da DGS. Esta baixa deve-se<br />
essencialmente à redução<br />
do consumo de antibióticos da<br />
classe das quinolonas (-29,58%)<br />
e aminoglicosídeos (-19,43%)”,<br />
refere o relatório anual do Programa<br />
de Prevenção e Controlo<br />
de Infeções e de Resistência aos<br />
Antimicrobianos (PPCIRA).<br />
Relativamente aos consumos<br />
em ambulatório (os que ocorrem<br />
nos serviços de urgência, serviços<br />
de atendimento permanente,<br />
cuidados de saúde primários,<br />
cuidados continuados integrados<br />
e consultórios privados), o<br />
consumo baixou para 20,3 DHD<br />
em 2017, correspondendo assim<br />
de forma idêntica ao resultado<br />
obtido em 2014, adianta o relatório<br />
apresentado na 4.ª Jornada<br />
do Programa de Prevenção e<br />
Controlo de Infeções e de Resistência<br />
aos Antimicrobianos, que<br />
está a decorrer em Lisboa.<br />
Em declarações aos jornalistas,<br />
à margem do encontro, a<br />
diretora do PPCIRA, Maria do<br />
Rosário Rodrigues, afirmou que<br />
“os números estão a diminuir<br />
porque têm sido feitos esforços<br />
nesse sentido”.<br />
Maria do Rosário Rodrigues<br />
apontou como “pilares da área<br />
de controlo de infeção”, os programas<br />
de apoio à prescrição<br />
de antibióticos na área dos hospitais<br />
e cuidados de saúde primários<br />
e as “precauções básicas<br />
de controlo de infeção” sobre as<br />
quais se tem vindo a insistir.<br />
Diminuição das<br />
resistências<br />
“Em relação às resistências,<br />
também estamos com bons resultados.<br />
Temos na maior parte<br />
dos casos tendências de diminuição”,<br />
salientou.<br />
A bactéria “Staphylococcus<br />
aureus resistente à Meticilina”<br />
(MRSA), que provoca infeções<br />
muito difíceis de tratar, está “a<br />
diminuir paulatinamente”, disse<br />
a responsável, explicando que<br />
esta bactéria provoca infeções<br />
da corrente sanguínea, infeções<br />
da pele e tecidos moles,<br />
pneumonias, infeções nos cuidados<br />
intensivos, na neonatologia,<br />
“até porque este agente<br />
pode estar na pele”.<br />
“As nossas mãos podem ser<br />
transmissoras e daí a importância<br />
grande na higiene das mãos<br />
como medida de controlo de<br />
contenção da transmissão deste<br />
microrganismo”, apontou Maria<br />
do Rosário Rodrigues.<br />
Para a descida da MSRA, contribuíram<br />
de forma “muito benéfica”<br />
as medidas conjuntas, a<br />
política de apoio de prescrição<br />
aos antibióticos, a insistência na<br />
higiene das mãos e das precauções<br />
básicas e a própria norma<br />
que saiu de rastreio e controlo<br />
da MRSA. Já a bactéria “Klebsiella<br />
pneumoniae”, que provoca<br />
pneumonias e infeções<br />
sanguíneas e do trato urinário<br />
entre outras doenças, está “em<br />
crescimento” em Portugal e em<br />
outros países da Europa.<br />
“É uma bactéria resistente a<br />
muitos antibióticos. Depois ficamos<br />
muito restritos em termos<br />
de possibilidades de terapêutica.<br />
Por outro lado, essas bactérias<br />
como adquirem resistências<br />
têm muita facilidade na sua<br />
disseminação e propagam-se<br />
com facilidade”, explicou esta<br />
responsável.<br />
Por estas razões, esta bactéria<br />
pode causar surtos, que “são<br />
problemáticos porque são difíceis<br />
de controlar e de tratar”.<br />
Como razões para o aumento<br />
da “Klebsiella pneumoniae”,<br />
apontou o uso elevado de antibióticos,<br />
que pode provocar<br />
mais resistências.<br />
A prevenção destas infeções<br />
passa por medidas de controlo<br />
como o rastreio, a higiene do<br />
ambiente das unidades, a sinalização<br />
de doentes que surgem<br />
com infeções depois de terem<br />
sido tratados com antibióticos.<br />
Lusa<br />
NOVEMBRO 2018 | NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE 31
SAÚDE ONLINE | ENTREVISTA<br />
Portugal tem dos mais altos rácios<br />
mortalidade no conjunto de mais de<br />
30 países analisados, com 11,3 por<br />
100 mil habitantes, apenas ultrapassado<br />
por Itália e Grécia. O Saúde Online esteve<br />
à conversa com o ex-diretor do Programa<br />
de Prevenção e Controlo de Infeções<br />
e de Resistência aos Antimicrobianos da<br />
DGS. Paulo André Fernandes garante que<br />
é possível evitar o agravamento do problema<br />
nas próximas décadas e admite que,<br />
muitas vezes, prescrever um antibiótico é<br />
o caminho mais fácil.<br />
PAULO ANDRÉ FERNANDES<br />
Resistência aos<br />
antibióticos agrava-se:<br />
“É a própria<br />
medicina moderna<br />
que está em causa”<br />
Um estudo agora divulgado pela OCDE alerta que<br />
podem morrer 40 mil pessoas em Portugal até 2050<br />
na sequência deste problema, estimando-se que por<br />
ano morram acima de 1.100 portugueses.<br />
Saúde Online (SO) | Como é que podemos<br />
encarar o problema da resistência<br />
aos antibióticos?<br />
Dr. Paulo André Fernandes (PAF) | Devemos<br />
encarar com noção de que é importante,<br />
de que é o principal efeito adverso associado<br />
aos internamentos. Internamos os<br />
doentes para os tratar ou para diagnosticar<br />
problemas de saúde e, como sabemos, o<br />
efeito adverso mais grave são as infeções<br />
associadas aos cuidados de saúde – muitas<br />
vezes por microrganismos multirresistentes.<br />
De acordo com trabalhos publicados nos<br />
últimos anos (e com grande repercussão a<br />
nível mundial), as resistências aos antimicrobianos<br />
serão a principal causa de morte<br />
em 2050. Só este dado justifica que sejam<br />
tomadas medidas para que isso não aconteça.<br />
Não estamos a falar de fatalidades (terramotos,<br />
furacões) que não podemos evitar<br />
que aconteçam. Estamos a falar de algo que<br />
é provocado pelas práticas de utilização de<br />
antibióticos a nível mundial. Temos de encarar<br />
o problema, não com alarmismo, mas<br />
com noção da sua gravidade.<br />
A [excessiva] utilização de antibióticos a nível<br />
mundial é um problema pelo qual são<br />
responsáveis uma série de entidades, desde<br />
os cidadãos aos decisores políticos. Com<br />
particular importância nas práticas dos médicos,<br />
que prescrevem os antibióticos.<br />
SO | Acha que os médicos e os pacientes<br />
não estão ainda suficientemente sensibilizados<br />
para a necessidade de limitar o<br />
uso de antibióticos?<br />
PAF | Não estão de certeza. Se estivessem<br />
as práticas eram outras. É verdade que a<br />
sensibilização tem vindo a ser feita. Ocasionalmente<br />
a imprensa fala do assunto.<br />
Nos hospitais, há profissionais que tentam<br />
sensibilizar e formar os colegas. Portanto,<br />
a noção sobre a importância do uso correto<br />
dos antibióticos tem vindo a crescer até na<br />
população. Temos, por vezes, o barómetro<br />
da União Europeia sobre este problema dos<br />
32 NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE | NOVEMBRO 2018
ENTREVISTA | SAÚDE ONLINE<br />
antibióticos e os resultados, nomeadamente<br />
em Portugal, demonstram que – embora<br />
continuemos numa posição pouco simpática<br />
a nível europeu (os nossos cidadãos<br />
são dos que menos sabem de antibióticos)<br />
– temos vindo a melhorar. Nomeadamente<br />
em questões como não se dar antibióticos<br />
para as gripes, o facto de o antibiótico não<br />
matar os vírus. Portanto, estas noções muito<br />
simples estão mais consolidadas. Contudo,<br />
continuamos a usar mal os antibióticos em<br />
muitas situações.<br />
SO | Prescrever um antibiótico é o caminho<br />
mais fácil?<br />
PAF | Muitas vezes é. As pessoas veem o<br />
imediato. Pelo sim, pelo não, toma-se antibiótico.<br />
Pode ser um bom resultado no imediato:<br />
a pessoa melhora. Mas não sabe se<br />
não melhoraria mesmo sem o antibiótico.<br />
Essa pessoa esquece-se que, a prazo, cada<br />
vez vamos ter mais dificuldade em tratar essas<br />
infeções.<br />
Há algumas gerações atrás, morria-se de tuberculose,<br />
de pneumonia. Não havia maneira<br />
de tratar estas doenças. As doenças infeciosas<br />
eram uma das principais causas de<br />
morte a nível mundial. A determinada altura,<br />
quer as populações, quer os médicos começaram<br />
a confiar nos antibióticos de uma<br />
forma extrema, não dando atenção à resistência.<br />
Isto porque as bactérias adaptam-se,<br />
ganham resistências. Matando aquelas que<br />
são mais sensíveis aos antibióticos, estamos<br />
a selecionar populações de bactérias<br />
resistentes, que não conseguimos tratar.<br />
SO | Em que situações é que pode evitar<br />
o uso do antibiótico?<br />
PAF | Por exemplo, a gripe – nesta fase é<br />
uma boa altura para falar nisso. Os chamados<br />
síndromes gripais, que temos quase<br />
« De acordo com<br />
trabalhos publicados<br />
nos últimos anos (e com<br />
grande repercussão a nível<br />
mundial), as resistências<br />
aos antimicrobianos<br />
serão a principal causa de<br />
morte em 2050. Só este<br />
dado justifica que sejam<br />
tomadas medidas para que<br />
isso não aconteça »<br />
todos durante o inverno, são situações típicas<br />
nas quais o antibiótico não tem qualquer<br />
indicação e, apesar disso, é prescrito com<br />
grande frequência. A gripe é uma doença<br />
aguda, transitória, causada por um vírus e<br />
os antibióticos não matam os vírus.<br />
Por outro lado, a seguir à gripe, muitas vezes<br />
temos períodos de tosse com expetoração,<br />
mas, desde que sejamos saudáveis e<br />
não tenhamos outro tipo de doenças, não é<br />
necessário tomar antibiótico nessa fase.<br />
SO | Sente que muitas vezes as pessoas<br />
ficam com a sensação de que, se o médico<br />
não lhe prescrever antibiótico é um<br />
mau médico?<br />
PAF | Se a pessoa não está alertada para o<br />
problema, quando o médico não lhe prescreve<br />
antibiótico fica a achar isso. E os médicos<br />
que estão sujeitos a grande pressão – para<br />
que demorem pouco tempo com cada consulta<br />
– não têm tempo para exercer a devida<br />
pedagogia no doente e explicar que este<br />
não tem indicação para tomar antibiótico. E<br />
o doente vem contente e convicto de que<br />
está a fazer o tratamento indicado. Se não<br />
prescrevermos o antibiótico, a pessoa acaba<br />
por ir a outro médico até que há um que<br />
acaba por lhe prescrever.<br />
SO | Porque é que Portugal é um dos países<br />
que mais sofre com este problema?<br />
PAF | Estivemos muito tempo a usar os<br />
antibióticos de uma forma desmedida. Em<br />
2012, um estudo da União Europeia, que<br />
avaliou a prevalência das infeções hospitalares,<br />
chegou-se à conclusão de que 45%<br />
dos internados em Portugal estavam a fazer<br />
antibiótico, quando a média europeia<br />
ronda os 35%. Portanto, usámos muito os<br />
antibióticos durante um período, depois<br />
melhorámos, e nos últimos dois anos esse<br />
consumo voltou a subir.<br />
Estamos agora perto da média europeia.<br />
Agora, pior é o tipo de antibióticos que consumimos:<br />
antibióticos de largo espectro,<br />
como é o caso das quinolonas e dos carbapenemos.<br />
Principalmente estes últimos,<br />
que são uma família de antibióticos de muito<br />
largo espetro. Devem ser antibióticos de fim<br />
de linha e em, em 2016, éramos o segundo<br />
país da europa que mais os prescrevia (mais<br />
do dobro da média europeia). E, portanto,<br />
são estas práticas menos corretas que levam<br />
a que estejamos nesta situação.<br />
SO | Disse há pouco que não é inevitável<br />
que a resistência aos antibióticos se<br />
torne na primeira causa de morte a nível<br />
mundial em 2050. Como é que podemos<br />
« Esta evolução das<br />
resistências não torna só<br />
o tratamento das infeções<br />
mais difícil. Por exemplo,<br />
a terapêutica oncológica é<br />
muito agressiva, destrói a<br />
imunidade dos doentes e é<br />
acompanhada, muitas vezes<br />
por infeções »<br />
evitar que isso aconteça?<br />
PAF | Consumindo os antibióticos com mais<br />
racionalidade. Consumir apenas quando<br />
é necessário e durante o tempo em que é<br />
necessário. Há uns anos, nos hospitais, os<br />
períodos de terapêutica antibiótica, eram de<br />
duas semanas; hoje em dia, há muitos trabalhos<br />
que demonstram que basta fazer 7<br />
ou 8 dias de antibiótico. Há uma série de regras<br />
que devem ser cumpridas e não só na<br />
medicina humana, também na medicina veterinária.<br />
As práticas que existem na saúde<br />
animal e na humana concorrem para a geração<br />
desta resistência: nós ingerimos carne<br />
e contactamos com esse tipo de resistência<br />
a nível animal. Portanto, tem de haver um<br />
esforço a todos os níveis.<br />
Esta evolução das resistências não torna só<br />
o tratamento das infeções mais difícil. Por<br />
exemplo, a terapêutica oncológica é muito<br />
agressiva, destrói a imunidade dos doentes<br />
e é acompanhada, muitas vezes por infeções.<br />
Tratamos as infeções e o doente sobrevive.<br />
Se viermos a ter mais dificuldade<br />
em tratar essas infeções, não faz sentido<br />
fazermos terapêuticas mais agressivas nas<br />
neoplasias se não conseguimos lidar com<br />
as infeções que surgem a seguir. Por exemplo,<br />
os bebés prematuros, que hoje em dia<br />
conseguimos que sobrevivam apesar de<br />
terem défices imunitários e contraírem infeções<br />
com mais facilidade, são tratados.<br />
E também numa série de outras situações,<br />
como as cirurgias.<br />
SO | Portanto, é um problema que está a<br />
montante de tudo o resto?<br />
PAF | É um problema civilizacional. É a própria<br />
medicina moderna que está em causa.<br />
Grande parte dos avanços da medicina moderna<br />
fez-se sob o “chapéu” das infeções.<br />
Se não conseguirmos tratar as infeções,<br />
como é que vamos conseguir que sobrevivam<br />
bebés prematuros? Como é que vamos<br />
conseguir fazer cirurgias alargadas?<br />
NOVEMBRO 2018 | NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE 33
SAÚDE ONLINE | PROFISSÃO<br />
Vacinação reduz o número de<br />
casos e de mortes por pneumonia<br />
Vasco Barreto,<br />
Internista e membro da<br />
Sociedade Portuguesa de<br />
Medicina Interna<br />
Com a aproximação do<br />
inverno e das baixas<br />
temperaturas, regista-<br />
-se um aumento do número de<br />
casos de gripe e de outras infeções<br />
respiratórias. Nalguns<br />
doentes, como idosos ou portadores<br />
de doenças crónicas,<br />
esta pode evoluir para situações<br />
mais graves, das quais<br />
se destaca a pneumonia.<br />
A pneumonia é uma infeção<br />
do tecido pulmonar, mais precisamente<br />
o parênquima pulmonar,<br />
que prejudica a realização<br />
de trocas gasosas ao<br />
nível dos alvéolos e dos bronquíolos<br />
respiratórios, provocando<br />
dificuldade respiratória.<br />
Esta doença é desenvolvida,<br />
na maior parte dos casos,<br />
através da inalação de bactérias<br />
e outros microrganismos<br />
presentes na faringe e na cavidade<br />
oral. Mais raramente,<br />
pode também desenvolver-<br />
-se pelo contacto com outros<br />
doentes, através da transmissão<br />
de partículas ou gotículas<br />
infetadas, bem como em contexto<br />
hospitalar, onde existe<br />
uma multiplicidade de microrganismos,<br />
uma parte deles<br />
resistente a antibióticos.<br />
Mais frequente em idosos e<br />
crianças, a pneumonia atinge<br />
outros grupos de risco, tais<br />
como doentes crónicos (com<br />
doença pulmonar obstrutiva<br />
crónica, diabetes, infeção VIH,<br />
insuficiência renal, imunodepressão,<br />
etc.), fumadores, alcoólicos<br />
e toxicodependentes.<br />
Os seus sintomas mais frequentes<br />
são a dificuldade respiratória<br />
ou falta de ar, dor na zona torácica,<br />
febre (na maioria dos casos<br />
elevada), calafrios, tosse com<br />
possibilidade de expetoração e<br />
dor de cabeça e nos músculos.<br />
Normalmente, estas complicações<br />
surgem de forma rápida,<br />
com possibilidade de se manifestarem<br />
ao mesmo tempo.<br />
É aqui que importa realizar um<br />
diagnóstico atempado, dado que<br />
os todos os sintomas referidos<br />
são comuns a outras doenças<br />
do sistema respiratório. Exceto<br />
em casos de grande gravidade,<br />
o doente deve começar por se<br />
dirigir aos Cuidados de Saúde<br />
Primários, onde os médicos estão<br />
em condições de decidir se é<br />
possível iniciar tratamento apenas<br />
com base<br />
nos sintomas e<br />
no exame físico<br />
ou se é necessário<br />
realizar<br />
análises e uma<br />
radiografia torácica,<br />
o que em<br />
geral obriga a<br />
deslocação ao<br />
hospital.<br />
No que respeita<br />
ao tratamento<br />
da pneumonia,<br />
este centra-se<br />
na administração<br />
de antibióticos<br />
e no controlo<br />
dos sintomas,<br />
além de medidas<br />
gerais como repouso, alimentação<br />
adequada e correta ingestão<br />
de líquidos. Dependendo<br />
da gravidade do estado do doente,<br />
decide-se se este será tratado<br />
em regime de ambulatório ou se<br />
será internado.<br />
Mesmo com o registo maioritário<br />
de casos tratados em regime ambulatório,<br />
a pneumonia continua a<br />
ser uma das principais causas de<br />
internamento hospitalar no nosso<br />
país. Isto acontece devido à gravidade<br />
do quadro clínico ou por via<br />
da fragilidade dos doentes, que<br />
muitas vezes veem as suas doenças<br />
crónicas descompensadas.<br />
A pneumonia pode e deve ser<br />
prevenida através da adoção<br />
de um estilo de vida saudável<br />
(que inclua alimentação saudável,<br />
prática de exercício físico,<br />
cessação tabágica e redução do<br />
consumo de álcool) e, muito importante,<br />
através da vacinação,<br />
que inclui a administração da vacina<br />
pneumocócica e da vacina<br />
da gripe. No meio hospitalar, o<br />
respeito pelas regras de controlo<br />
de infeção é essencial (higienização<br />
das mãos, uso de equipamento<br />
de proteção, respeito<br />
pelas sinalizações presentes<br />
nas enfermarias).<br />
Existe ainda muita resistência<br />
por parte da população portuguesa<br />
à vacinação sazonal<br />
contra a gripe. É por isso<br />
crucial trabalhar no sentido<br />
de consciencializar, principalmente<br />
os grupos de risco, para<br />
esta doença, potencialmente<br />
fatal, e para a importância<br />
da vacinação. Só este ano, o<br />
Serviço Nacional de Saúde<br />
tem 1.4 milhões de doses de<br />
vacinas para administrar, para<br />
além das vacinas que podem<br />
ser adquiridas nas farmácias<br />
com prescrição médica.<br />
Adotar os comportamentos<br />
preventivos referidos anteriormente<br />
é já um grande passo<br />
na redução do número de casos<br />
de pneumonia, algo em<br />
que a Sociedade Portuguesa<br />
de Medicina Interna quer continuar<br />
a apostar, seja na promoção<br />
de iniciativas dirigidas à<br />
população, seja na constante<br />
formação de internistas e outros<br />
profissionais de saúde.<br />
34 NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE | NOVEMBRO 2018
ESPECIAL | CONGRESSOS E SIMPÓSIOS<br />
“Dentro de uma década<br />
algumas funções médicas e<br />
de enfermagem passarão a<br />
ser feitas por máquinas”<br />
Em entrevista ao Saúde Online, o Presidente da Comissão Organizadora do<br />
21º Congresso da Ordem dos Médicos defende que a “saúde no futuro terá de<br />
funcionar por equipas” e antecipa que dentro de “5 ou 10 anos” vamos poder<br />
conhecer o nosso genoma em pouco tempo.<br />
ALEXANDRE VALENTIM LOURENÇO<br />
Presidente do Conselho Regional do Sul da Ordem dos Médicos<br />
Saúde Online (SO) | Do programa<br />
deste 21º Congresso da Ordem<br />
dos Médicos, qual o tema<br />
que gostaria de destacar?<br />
Alexandre Valentim Lourenço<br />
(AVL) | Este congresso conta<br />
uma história. O que nós queremos<br />
destacar neste congresso é a<br />
viagem da tecnologia, da ciência,<br />
da evolução que vai ocorrer nos<br />
próximos 20 anos e que implicação<br />
é que isso vai ter nas nossas<br />
instituições, nos nossos hospitais<br />
e centros de saúde e na formação<br />
dos médicos. Porquê? Porque o<br />
médico demora 20 anos a formar,<br />
os hospitais têm de se organizar e<br />
as modificações que se preveem<br />
para os próximos 20 anos são<br />
muito grandes. Por isso, ou nós<br />
programamos o médico agora,<br />
com esquemas, competências e<br />
formação para daqui a 20 anos,<br />
ou quando o médico acabar a<br />
formação está desatualizado. Por<br />
isso o que vamos fazer no congresso<br />
é antecipar o futuro: avaliar<br />
o impacto da inteligência artificial,<br />
da nanotecnologia, da avaliação<br />
digital da imagem, da análise<br />
automatizada, da robótica na cirurgia,<br />
dos novos equipamentos.<br />
Saber o impacto que isso vai ter<br />
no tratamento dos doentes e na<br />
forma de trabalhar dos médicos e<br />
dos outros profissionais de saúde.<br />
SO | Um dos temas abordados<br />
vai ser a medicina personalizada.<br />
Para além da área de<br />
combate ao cancro, em que<br />
outras áreas pode ser aplica-<br />
da a medicina personalizada?<br />
AVL | Há várias doenças em que<br />
a medicina personalizada é essencial.<br />
Quase todas as doenças<br />
se manifestam de forma diferente<br />
em função do perfil genético de<br />
cada um, sempre único. A análise<br />
genética da uma pessoa, permite<br />
antever que venha a desenvolver<br />
um determinado tipo de doenças<br />
mais facilmente que outras pessoas.<br />
Ou seja, conhecendo nós<br />
o doente de uma forma individual,<br />
podemos perceber primeiro<br />
quais são as doenças que ele tem<br />
maior risco de ter nos próximos<br />
anos. face a uma doença (como<br />
a diabetes, o Parkinson ou a Esclerose<br />
Múltipla), identificarmos a<br />
sua avaliação individual e utilizarmos,<br />
quer os seus mecanismos<br />
de defesa, quer a sua genética,<br />
quer medicamentos desenhados<br />
para a própria pessoa para chegar<br />
a alvos muito específicos, de<br />
modo a otimizar os resultados e<br />
diminuir os efeitos secundários<br />
de muitos fármacos. O cancro é<br />
o mais evidente: as pessoas sabem<br />
que o cancro mata e que os<br />
medicamentos que atualmente<br />
prescrevemos para o tratamento<br />
de doença oncológica também<br />
matam. Por isso, se conseguimos<br />
dar menos medicamentos<br />
e menos quimioterapia conseguimos<br />
tratar bem o doente com<br />
menos efeitos secundários.<br />
SO | Já estamos a fazer um caminho<br />
nesse sentido ou ainda<br />
está tudo por fazer?<br />
AVL | Temos ao nosso dispor algo<br />
que não tínhamos há 20 anos: a<br />
análise do genoma humano. Nós<br />
já conseguimos determinar o<br />
genoma de uma pessoa. Neste<br />
momento, ainda demora tempo<br />
(alguns meses) e é muito caro.<br />
Mas os avanços na avaliação do<br />
genoma sugerem que, daqui a 5<br />
ou 10 anos, possamos conhecer<br />
o genoma em dois ou três dias,<br />
a um preço aceitável. E, se eu<br />
souber isso, vou perceber se<br />
tenho risco de cancro da próstata,<br />
se tenho possibilidade de<br />
ter diabetes – porque algumas<br />
destas doenças têm claramente<br />
identificação com algum gene.<br />
36 NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE | NOVEMBRO 2018
CONGRESSOS E SIMPÓSIOS | ESPECIAL<br />
Neste momento ainda não é fácil<br />
transpor para a parte comercial<br />
porque ainda não estão estudados<br />
todos os mecanismos e são<br />
muito caros. Mesmo o tratamento<br />
de alguns cancros, por exemplo<br />
com recurso a terapias CART-T<br />
(em que se utiliza o sistema imune<br />
do doente para combater o<br />
tumor que é ainda é muito caro,<br />
começa a tornar-se mais acessível<br />
e para mais doenças.<br />
SO | Em relação ao futuro das<br />
profissões de saúde, que tipo<br />
de mudanças podemos esperar<br />
nos próximos tempos?<br />
AVL | Nós temos várias profissões<br />
na área da saúde com<br />
competência diferentes: médicos,<br />
enfermeiros, técnicos de<br />
diagnóstico, auxiliares. O que vai<br />
acontecer no futuro (daqui a 10,<br />
15 anos) é que algumas das funções<br />
que médicos, técnicos ou<br />
enfermeiros realizam atualmente<br />
passarão a ser feitas por máquinas.<br />
Por exemplo, já existe uma<br />
máquina que consegue tirar sangue.<br />
Já está a ser testada, já funcionou<br />
em vários doentes. Através<br />
de ecografia, vê onde está a<br />
veia, pica a veia e tira sangue.<br />
SO | Já existe em Portugal?<br />
AVL | Ainda não existe em Portugal<br />
mas está a ser testada. É apenas<br />
a aplicação tecnológica de<br />
algo que é muito banal. Se essa<br />
máquina for barata e se disseminar<br />
por todos os países, é claro<br />
que os técnicos de análise, que<br />
perdem metade do seu tempo a<br />
tirar sangue aos doentes, deixam<br />
de o fazer – calanizando os seus<br />
esforços para doentes “mais difíceis”.<br />
Por exemplo, também no<br />
caso do electrocardiograma, as<br />
máquinas avaliam esse exame<br />
de uma maneira quase tão fiável<br />
como um cardiologista. Quando a<br />
inteligência artificial e as máquinas<br />
forem melhoradas, vão ser<br />
iguais ao cardiologista. Por isso,<br />
em determinadas áreas, há competências<br />
que podem mudar para<br />
as máquinas. Quem está mais<br />
exposto? Quem for dependente<br />
de atos isolados, ou seja, se um<br />
médico ou um enfermeiro só faz<br />
uma coisa e essa coisa é automatizada,<br />
ele deixa de ter emprego.<br />
Portanto, vão desaparecer algumas<br />
profissões, vão modificar-<br />
-se outras e vão aparecer ainda<br />
outras. Por exemplo, vai haver,<br />
certamente, pessoas especializadas<br />
em análise de DNA, porque o<br />
DNA é muito complexo – os analistas<br />
de DNA podem ser médicos<br />
geneticistas ou outros técnicos.<br />
Os médicos vão, provavelmente,<br />
perder menos tempo com o diagnóstico<br />
e vão ter que se dedicar<br />
a fazer aquilo que eles fazem<br />
melhor, que é falar com o doente,<br />
avaliar o contexto e ajudar o<br />
doente a tomar as decisões adequadas<br />
para aquela doença.<br />
SO | A questão é saber como<br />
se conjuga a necessidade de<br />
uma relação próxima e humana<br />
entre médico e doente e a<br />
introdução de uma ‘avalanche’<br />
de tecnologia.<br />
AVL | Temos de evitar que a tecnologia<br />
seja apenas um conjunto<br />
de gadgets. Temos coisas muito<br />
engraçadas mas que em algumas<br />
situações não melhoram o<br />
resultado final no doente. O que<br />
nós queremos mesmo é que esta<br />
tecnologia e estes equipamentos<br />
sejam para resolver problemas<br />
repetitivos e simples e também<br />
que melhorem a qualidade do<br />
tratamento que fazemos.<br />
SO | Portanto, é preciso filtrar a<br />
aposta na tecnologia.<br />
AVL | Filtrar a aposta na tecnologia,<br />
fazer com que a tecnologia<br />
tenha um processo de licenciamento<br />
semelhante ao do medicamento<br />
para ser implementada.<br />
Porque há tecnologia que, se<br />
for colocada no mercado, e não<br />
for licenciada, pode fazer mais<br />
mal do que bem. Imagine uma<br />
tecnologia que uma pessoa em<br />
casa usa para fazer uma análise,<br />
que lhe diz que dentro de dez<br />
anos tem uma probabilidade de<br />
5% de desenvolver um cancro. A<br />
pessoa pode entrar em pânico e<br />
começar a tomar medicamentos<br />
que lhe fazem pior.<br />
SO | Estarão os médicos dispostos<br />
a partilhar competências?<br />
AVL | Claro. O problema da partilha<br />
das competências tem a ver<br />
com a integração do sistema.<br />
Quando em Portugal falamos de<br />
partilha de competência estamos<br />
a falar de usurpação de funções.<br />
O que significa é que há profissões<br />
que querem ser independentes<br />
umas das outras – e não<br />
é só em relação aos médicos.<br />
Estou-me a lembrar dos fisioterapeutas<br />
em relação aos enfermeiros<br />
de reabilitação. Quando cada<br />
um quer ser independente, pode<br />
gerar-se um conflito grave que<br />
se repercute nos cuidados ao<br />
doente. O que queremos dizer é<br />
que a partilha e a delegação de<br />
competências deve ser feita nas<br />
equipas, ou seja, há uma equipa<br />
que tem cinco profissionais<br />
diferentes e a equipa em si estabelece<br />
quem faz o quê. Normalmente<br />
isto dá bom resultado. O<br />
que acontece neste momento é<br />
que há enfermeiros que querem<br />
prescrever medicamentos e fazer<br />
diagnósticos de forma independente<br />
dos médicos. E isso<br />
não é correto porque o conhecimento<br />
que os enfermeiros têm<br />
das doenças e dos tratamentos<br />
é muito inferior ao dos médicos.<br />
SO | Portanto, é uma partilha<br />
de competências condicionada<br />
à autorização dos médicos?<br />
AVL | Não, partilha não é autorização.<br />
A saúde no futuro terá de<br />
funcionar por equipas. O doente<br />
tem de ir a um centro multidisciplinar<br />
onde todos e cada um, nos<br />
seus diferentes papeis, prestam<br />
os melhores cuidados. O problema<br />
na independência é a ausência<br />
completa de coordenação.<br />
O nosso país normalmente não<br />
planifica e não se prepara com<br />
tempo. No congresso vamos<br />
ter suecos, holandeses e finlandeses<br />
a dizerem o que fizeram<br />
para chegarem aqui, uma vez<br />
que estão melhores do que nós<br />
(estão melhor organizados e têm<br />
melhores cuidados). No caso da<br />
Holanda, eles vão mostrar como<br />
pensam que a Saúde vai estar<br />
daqui a 20 anos e quais os passos<br />
intermédios que têm de dar<br />
para modificar os hospitais de<br />
modo a chegarem lá. Se for a<br />
uma urgência na Holanda, tem<br />
cinco pessoas a serem atendidas<br />
durante dez ou doze horas; se for<br />
em Portugal tem 500.<br />
SO | Têm mais recursos humanos.<br />
AVL | Não, as pessoas que estão<br />
na urgência são menos porque<br />
os doentes são tratados antes de<br />
chegarem à urgência. Nós, como<br />
temos um sistema que não planifica<br />
e está mal organizado, os<br />
doentes acabam na rebaldaria das<br />
urgências, numa confusão de centenas<br />
de pessoas a afluir a um sitio<br />
que não as pode tratar convenientemente.<br />
Na Suécia, na Holanda,<br />
isso não existe. Os doentes têm<br />
menos doenças porque foram tratados<br />
noutros níveis antes de chegarem<br />
à urgência. Em Portugal,<br />
só chegam à urgência porque os<br />
outros níveis estão a falhar.<br />
SO | Temos, então, de fazer<br />
uma aposta nos cuidados de<br />
saúde primários?<br />
AVL | Não é só nos primários. Se<br />
as consultas hospitalares não<br />
esperarem três anos, eu não<br />
preciso de mandar um doente<br />
ser visto por um dermatologista<br />
à urgência. Mando-o à consulta<br />
no próprio dia ou no dia seguinte.<br />
Agora, como ele tem de esperar<br />
três anos, onde é que ele vai?<br />
Vai à urgência e está lá 3 ou 4<br />
horas e o dermatologista não tem<br />
meios para o tratar. E já não o vê<br />
da segunda vez porque, no dia<br />
seguinte, quando for à urgência,<br />
já é outro médico que lá está.<br />
Portanto, não são cuidados de<br />
saúde primários: são os cuidados<br />
agudos sem serem urgência. Se<br />
tiver uma dor no peito (suspeita<br />
de enfarte) deve ir à urgência<br />
mas, se tiver uma dor num ombro<br />
há uma semana, deve ir a um ortopedista<br />
para ele fazer um raio-x<br />
no espaço de um ou dois dias.<br />
Os países nórdicos já resolveram<br />
este problema há muito tempo, fizerem<br />
uma reforma hospitalar há<br />
5 ou 6 anos e as urgências deles,<br />
que eram iguais às nossas,<br />
diminuíram para um terço. É tudo<br />
uma questão de organização.<br />
NOVEMBRO 2018 | NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE 37
ESPECIAL | CONGRESSOS E SIMPÓSIOS<br />
“Conseguimos desenvolver<br />
investigação da melhor que<br />
se faz no mundo”<br />
MANUEL CORREIA<br />
Presidente da Sociedade Portuguesa<br />
de Neurologia (SPN)<br />
Entre os dias 15 e 17 de<br />
novembro decorreu o<br />
Congresso de Neurologia<br />
2018, dedicado ao tema “inteligência<br />
artificial e inovação tecnológica”.<br />
Ao Saúde Online, o<br />
Prof. Dr. Manuel Correia, presidente<br />
da Sociedade Portuguesa<br />
de Neurologia (SPN) fala sobre<br />
o contributo de novas áreas para<br />
a evolução das neurociências,<br />
destacando os avanços tecnológicos<br />
em Portugal.<br />
gia 2018?<br />
Manuel Correia (MC) | Esperamos<br />
à volta de 350 pessoas<br />
inscritas, excluindo os moderadores<br />
e os palestrantes. É um<br />
congresso que a SPN organiza<br />
todos os anos, em que convidamos<br />
especialistas estrangeiros<br />
e nacionais da área das neurociências.<br />
Temos conferencistas<br />
de outras áreas também, como o<br />
prof. Arlindo Oliveira do IST que<br />
vai abordar o tema sobre a inteligência<br />
artificial e o arquiteto Alexandre<br />
Alves Costa que vai falar<br />
sobre criatividade e tecnologia. É<br />
um congresso que vai para além<br />
da neurologia, envolvendo outras<br />
áreas da ciência e da cultura.<br />
MAS | E de que forma estas<br />
áreas se relacionam com a<br />
neurologia?<br />
MC | A tecnologia tem uma relação<br />
direta com a neurologia.<br />
A inovação tecnológica vem da<br />
imaginação (criatividade), que<br />
vem do nosso cérebro e os processos<br />
do funcionamento cerebral<br />
são estudados nesta área.<br />
MAS | Considera a evolução<br />
tecnológica poderá trazer obstáculos<br />
para esta área?<br />
MC | Pelo contrário, traz muitas<br />
coisas boas. A inovação no<br />
tratamento e observação dos<br />
doentes vem da tecnologia. É<br />
só imaginar o que a neurologia<br />
evoluiu a partir do momento em<br />
que se tornou possível fazer<br />
imagens do cérebro através da<br />
ressonância magnética. São<br />
inovações enormes que dependem<br />
da evolução tecnológica.<br />
MAS | Que patologias beneficiaram<br />
mais com o desenvolvimento<br />
tecnológico?<br />
MC | Todas as patologias. Desde<br />
o Acidente Vascular Cerebral<br />
(AVC) à esclerose múltipla, assim<br />
como a demência.<br />
MAS | Que inovações gostaria<br />
de destacar?<br />
MC | Consigo pensar em muitas.<br />
Do ponto de vista terapêutico, as<br />
nanoestruturas que transportam<br />
os medicamentos para onde estes<br />
são necessários e a utilização<br />
de biomarcadores para detenção<br />
de doenças. Isto pode-se aplicar<br />
Mónica Abreu Silva (MAS) |<br />
Quais são as expectativas<br />
para o Congresso de Neuroloa<br />
várias áreas da ciências.<br />
MAS | Quais os principais desafios<br />
da neurologia?<br />
O que precisa de ser ainda trabalhado<br />
nesta especialidade é<br />
perceber os mecanismos das<br />
doenças. Sabemos o que é que<br />
acontece, mas não sabemos o<br />
porquê. Particularmente na área<br />
da neurologia, passa também<br />
por perceber o ambiente em que<br />
vivemos, assim como as consequências<br />
disso para o cérebro<br />
e para a doença. Por exemplo,<br />
tem sido muito defendido que a<br />
poluição atmosférica é um grande<br />
fator de risco para o AVC ou<br />
que viver junto de autoestradas<br />
muito movimentadas aumenta o<br />
risco de Alzheimer. Portanto, há<br />
uma grande área para perceber<br />
como o nosso cérebro se relaciona<br />
com o meio em que vivemos<br />
e como é que isso se traduz<br />
no desencadear das doenças. É<br />
o futuro.<br />
MAS | Considera que Portugal<br />
está a conseguir acompanhar<br />
outros países quanto à inovação<br />
tecnológica?<br />
MC | Não tenho a mínima dúvida.<br />
Em termos de investigação médica,<br />
temos excelentes cientistas<br />
e conseguimos desenvolver<br />
investigação da melhor que se<br />
faz no mundo. Neste congresso,<br />
vamos ter uma mesa redonda,<br />
organizada por nós e pela Universidade<br />
do Porto, onde se vai<br />
mostrar os desenvolvimentos<br />
tecnológicos em ciência básica<br />
e ciência de translação que se<br />
faz em Portugal.<br />
Mónica Abreu Silva<br />
38 NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE | NOVEMBRO 2018
CONGRESSOS E SIMPÓSIOS | ESPECIAL<br />
VENCESLAU HESPANHOL<br />
Presidente da Sociedade Portuguesa<br />
de Pneumologia<br />
Novos desafios do<br />
tabagismo em debate no<br />
XXXIV Congresso da<br />
Sociedade Portuguesa<br />
de Pneumologia<br />
Entre os dias 8 e 10 de novembro<br />
realizou-se o 34º<br />
Congresso da Sociedade<br />
Portuguesa de Pneumologia<br />
(SPP), em simultâneo com o X<br />
Congresso Luso-Brasileiro de<br />
Pneumologia. Ao Saúde Online,<br />
Venceslau Hespanhol, presidente<br />
da SPP, falou sobre as inovações<br />
e desafios desta especialidade<br />
e que foram discutidos<br />
neste evento.<br />
Mónica Abreu Silva (MAS) |<br />
Quais são as principais novidades<br />
na pneumologia?<br />
Venceslau Hespanhol (VH) Temos<br />
bastantes coisas na área do<br />
diagnóstico, nomeadamente o<br />
diagnóstico invasivo e na pneumologia<br />
de intervenção. Temos<br />
também novidades no tratamento<br />
nas doenças difusas, na fibrose<br />
pulmonar idiopática e no cancro,<br />
especialmente com a imunoterapia.<br />
A área da ventilação também<br />
é muito importante e está a evoluir.<br />
A Medicina evoluiu, globalmente,<br />
de uma forma muito rápida<br />
e isso sente-se em todas as<br />
áreas, incluindo na pneumologia.<br />
MAS | Quais são os desafios que<br />
esta área enfrenta atualmente?<br />
VH | O desafio é diagnosticar<br />
doenças muito complicadas, nomeadamente<br />
as doenças difusas<br />
e os tumores. Ao melhorarmos<br />
esse diagnóstico, conseguimos<br />
tratá-las de uma forma individualizada<br />
e com melhores resultados.<br />
A asma, por exemplo, está numa<br />
fase importantíssima, com novos<br />
tratamentos individualizados para<br />
a asma grave, que não cedia ao<br />
tratamento tradicional e que hoje<br />
em dia é tratada com terapêuticas<br />
moleculares, muito mais eficazes.<br />
MAS | Quais são as expectativas<br />
para o 34º Congresso de<br />
Pneumologia?<br />
VH | Muito elevadas, porque temos<br />
um vasto conjunto de temas<br />
que serão discutidos e que envolvem<br />
todas as áreas da pneumologia<br />
em se se incluem a tuberculose,<br />
doenças difusas do<br />
pulmão, DPOC, asma, cancro,<br />
entre outros temas que serão<br />
discutidos nas várias sessões<br />
agendadas. Considerando as<br />
últimas edições, são esperadas<br />
cerca de 800 pessoas, mas podem<br />
ser muitas mais. Este ano,<br />
em conjunto com este congresso,<br />
realiza-se o X Congresso<br />
Luso-Brasileiro de Pneumologia.<br />
MAS | E que outras iniciativas<br />
estão agendadas para este<br />
evento?<br />
VH | Nos primeiros dias temos<br />
as sessões sobre o “Ano pneumológico<br />
em revisão” em que<br />
fazemos uma atualização de conhecimentos<br />
em algumas áreas<br />
da pneumologia, um dos objetivos<br />
deste congresso, que é o de<br />
promover a formação ativa das<br />
pessoas. Temos também sessões<br />
com especialistas nacionais<br />
e estrangeiros que vão debater<br />
a tuberculose, as doenças difusas,<br />
pneumologia de intervenção,<br />
etc. Também está agendada<br />
uma sessão de apresentações<br />
comentadas, que é um dos momentos<br />
apreciados neste evento<br />
e é uma forma de reconhecimento<br />
para os investigadores.<br />
MAS | Uma das sessões é dedicada<br />
aos “novos desafios<br />
do tabagismo”. De que estamos<br />
a falar exatamente?<br />
VH | Essa sessão deverá abordar<br />
a necessidade de termos<br />
uma resposta adequada às dificuldades<br />
que existem na abordagem<br />
clínica da doença que<br />
é o tabagismo. É um problema<br />
cujo tratamento começa por informar,<br />
depois por conseguir<br />
que a pessoa deixe este hábito e<br />
por controlar todas as situações<br />
que daí advêm. Por outro lado, a<br />
sessão também deverá focar-se<br />
nas novas formas de tabagismo<br />
e na investigação que tem sido<br />
feita nessa área.<br />
Inserido no Congresso Luso-Brasileiro,<br />
também será discutida a<br />
Marijuana e todas as implicações<br />
que daqui vão surgir. Vamos ter<br />
uma pessoa especialista Biologia<br />
Molecular que vai entrar na discussão<br />
e explicar algumas das<br />
questões à volta deste tema.<br />
Mónica Abreu Silva<br />
NOVEMBRO 2018 | NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE 39
ESPECIAL | CONGRESSOS E SIMPÓSIOS<br />
“O Cancro do Pâncreas é um<br />
tumor que cresce silenciosamente”<br />
No âmbito do 14º Congresso do Cancro Digestivo, que decorreu nos dias 9 e 10 de novembro, em Albufeira,<br />
o Saúde Online falou com o Dr. Hélder Mansinho, Presidente do Grupo de Investigação do Cancro Digestivo<br />
(GICD), para perceber quais os principais temas e desafios que vão ser abordados.<br />
Saúde Online (SO) | Que expectativas<br />
tem para este congresso?<br />
Hélder Mansinho (HM) | A expectativa<br />
é que este congresso seja<br />
um momento de atualização, de<br />
discussão das novas diretivas e<br />
das situações que levantam mais<br />
dúvidas no tratamento dos tumores<br />
oncológicos do sistema digestivo.<br />
Também temos 60 trabalhos<br />
originais apresentados, que<br />
depois serão avaliados consoante<br />
a originalidade e o rigor científico,<br />
a probidade. Depois serão<br />
atribuídos prémios. Os trabalhos<br />
mais votados têm apresentação<br />
em pleno congresso – este ano,<br />
colocámos essas apresentações<br />
em horário nobre.<br />
SO | Um dos temas abordados<br />
vai ser o Cancro Colorretal. Que<br />
avanços se têm registado nos<br />
últimos anos no que diz respeito<br />
a este carcinoma?<br />
HM | Em relação ao cancro do<br />
cólon, que o que se vai discutir<br />
é a terapêutica adjuvante e a<br />
pertinência de a fazer durante 3<br />
ou 6 meses. Porque é diferente<br />
em termos de toxicidade, provavelmente<br />
mantendo a mesma<br />
eficácia – é isso que os últimos<br />
estudos mostraram.<br />
Vamos falar também do papel<br />
da imunoterapia no tratamento<br />
do cancro colorretal e discutir<br />
também qual o melhor tratamento<br />
para um grupo dos tumores<br />
BRAF mutados, que são tumores<br />
muito agressivos e que aparecem<br />
em doentes muito jovens.<br />
Estes tumores merecem uma<br />
terapêutica muito agressiva inicialmente<br />
e vamos discutir qual<br />
será a melhor abordagem.<br />
HÉLDER MANSINHO<br />
Presidente do Grupo de Investigação<br />
do Cancro Digestivo (GICD)<br />
SO | Já começam a existir tratamentos<br />
de imunoterapia destinados<br />
aos cancros do sistema<br />
digestivo?<br />
HM | Sim, principalmente nos<br />
tumores que têm uma particularidade,<br />
que se chama instabilidade<br />
microssatélite. No fundo, são<br />
tumores que têm uma deficiência<br />
de reparação do DNA e têm uma<br />
carga mutacional muito alta.<br />
SO | Em relação ao cancro do<br />
pâncreas, que novidades podemos<br />
esperar?<br />
HM | No fundo, vamos discutir<br />
qual será a melhor abordagem<br />
para os tumores localmente<br />
avançados (aqueles que não são<br />
operáveis logo à partida) e se<br />
vale a pena fazer apenas quimioterapia<br />
ou quimio e radioterapia.<br />
Vamos falar também da situação<br />
daqueles que são operáveis logo<br />
à partida, no sentido de perceber<br />
se vale a pena fazer quimioterapia<br />
pré-cirúrgica. Nas últimas<br />
reuniões não houve grandes<br />
atualizações em relação a isso<br />
mas vamos ver se existe alguma<br />
evidência mais sólida.<br />
SO Tem aumentado a taxa de<br />
sobrevivência do cancro do<br />
pâncreas?<br />
HM | O cancro do pâncreas é o<br />
único em que a mortalidade está<br />
a aumentar. A sobrevivência aos<br />
cinco anos ronda os 3%. Desta<br />
maneira, irá ser, em 2020, provavelmente<br />
a segunda causa de<br />
morte por cancro – apesar de não<br />
ser dos tumores mais frequentes.<br />
SO | Porque tem o cancro do<br />
pâncreas uma mortalidade tão<br />
elevada?<br />
HM | Por várias razões: é um tumor<br />
que cresce silenciosamente,<br />
o diagnóstico é tardio, as pessoas<br />
confundem os sintomas (são normalmente<br />
sintomas pouco marcantes).<br />
Portanto, em cada 100<br />
doentes com cancro do pâncreas<br />
diagnosticado, só 20 é que conseguem<br />
ser operados e, desses<br />
20, 16 recidiram. É um tumor com<br />
uma mortalidade quase igual à<br />
incidência. É muito difícil de tratar<br />
em termos de quimioterapia.<br />
SO | E tem surgido inovações<br />
terapêuticas?<br />
HM | Sim, há algumas, quer em<br />
esquemas a utilizar em cirurgia,<br />
quer em esquemas a utilizar em<br />
doença metastizada mas o fundamental<br />
é o diagnóstico precoce.<br />
E, para isso, tem de haver um<br />
trabalho muito intenso de consciencialização<br />
e de informação<br />
dirigido aos próprios clínicos e à<br />
população, principalmente aos<br />
doentes que fumem, que tenham<br />
familiares com tumores do cólon,<br />
que desencadeiam diabetes tardiamente.<br />
Dentro dos tumores<br />
com este nível de mortalidade,<br />
este é dos tumores que tem atribuídas<br />
menos verbas para investigação.<br />
O que é uma coisa que<br />
não se compreende.<br />
SO | Que outros temas quer<br />
destacar neste XIV Congresso<br />
do Cancro Digestivo?<br />
HM | Vamos dar novidades em<br />
relação a novas drogas aprovadas<br />
para o hepatocarcinoma e<br />
também algumas drogas para<br />
imunoterapia que poderão ter um<br />
papel importante, porque o cancro<br />
do fígado é difícil de tratar. O regorafenib,<br />
que é a droga indicada,<br />
não dá os resultados que gostaríamos.<br />
Também vamos falar dos<br />
tumores raros do sistema digestivo,<br />
nomeadamente o tumor do<br />
apêndice; dos tumores da junção<br />
castro-esofágica.<br />
40 NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE | NOVEMBRO 2018
SAÚDE ONLINE | NACIONAL<br />
Greve dos enfermeiros criou um<br />
"Panorama extremamente grave",<br />
alertam administradores hospitalares<br />
“Existem várias situações de<br />
doentes que necessitam de<br />
forma urgente de uma cirurgia<br />
sem que seja contemplada<br />
pelos serviços mínimos, que,<br />
na prática, consideram doentes<br />
oncológicos e os que entram<br />
pela porta da urgência”, alerta<br />
Alexandre Lourenço, presidente<br />
da Associação Portuguesa dos<br />
Administradores Hospitalares<br />
Os administradores hospitalares<br />
alertam que<br />
há doentes em situações<br />
graves que estão a ver as<br />
cirurgias adiadas com a greve<br />
dos enfermeiros, considerando<br />
que o panorama é “extremamente<br />
grave”.<br />
“Existem várias situações de<br />
doentes que necessitam de<br />
forma urgente de uma cirurgia<br />
sem que seja contemplada pelos<br />
serviços mínimos, que, na<br />
prática, consideram doentes<br />
oncológicos e os que entram<br />
pela porta da urgência”, afirmou<br />
à agência Lusa o presidente da<br />
Associação Portuguesa dos Administradores<br />
Hospitalares.<br />
Isto porque, segundo o responsável,<br />
os serviços mínimos decretados<br />
para esta greve são<br />
serviços mínimos típicos para<br />
uma greve de um, dois ou três<br />
dias, quando esta paralisação<br />
vai durar no total mais de um<br />
mês, até ao final de dezembro.<br />
Para Alexandre Lourenço, a situação<br />
atual nos hospitais onde<br />
decorre há uma semana e meia<br />
a greve dos enfermeiros em<br />
blocos operatórios é “extremamente<br />
grave”.<br />
O presidente da associação dos<br />
administradores hospitalares<br />
apela ao Ministério da Saúde<br />
para que divulgue aos portugueses<br />
as situações de doentes<br />
graves com cirurgias adiadas ou<br />
que autorize as administrações<br />
dos hospitais a fazerem-no.<br />
Os sindicatos e a Ordem dos<br />
Enfermeiros têm referido que a<br />
greve em blocos operatórios de<br />
cinco hospitais públicos está a<br />
levar ao adiamento de cerca de<br />
500 cirurgias por dia, mas Alexandre<br />
Lourenço não avança<br />
dados concretos da parte dos<br />
hospitais, preferindo destacar<br />
os “casos graves” que não estão<br />
a ser atendidos. “Já ultrapassámos<br />
até uma avaliação do<br />
número de cirurgias que estão<br />
a ser adiadas. Estamos a falar<br />
de casos individuais de doentes<br />
que pela gravidade do seu estado<br />
de saúde vão ser prejudicados<br />
para a vida por este adiamento<br />
de cirurgias”, insistiu.<br />
O representante dos administradores<br />
hospitalares vinca a importância<br />
de que o Ministério da<br />
Saúde e os sindicatos cheguem<br />
a um acordo para terminar esta<br />
greve, apelando à “sensibilidade<br />
por casos individuais graves”.<br />
Os enfermeiros dos blocos operatórios<br />
do Centro Hospitalar<br />
Universitário de S. João (Porto),<br />
no Centro Hospitalar Universitário<br />
do Porto, no Centro Hospitalar<br />
e Universitário de Coimbra,<br />
no Centro Hospitalar Universitário<br />
Lisboa Norte e no Centro<br />
Hospitalar de Setúbal estão em<br />
greve desde o dia 22 de novembro<br />
e admitem prolongar a paralisação<br />
até final do ano.<br />
A greve foi convocada pela Associação<br />
Sindical Portuguesa de<br />
Enfermeiros (ASPE) e pelo Sindicato<br />
Democrático dos Enfermeiros<br />
de Portugal (Sindepor),<br />
embora inicialmente o protesto<br />
tenha partido de um movimento<br />
de enfermeiros que lançou<br />
um fundo aberto ao público que<br />
recolheu mais de 360 mil euros<br />
para compensar os colegas que<br />
aderissem à paralisação.<br />
Lusa<br />
42 NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE | NOVEMBRO 2018
SAÚDE ONLINE | ENTREVISTA<br />
PROF. PHIL MCEWAN<br />
Professor e diretor técnico do Center for Health<br />
Economics da Swansea University e diretor<br />
administrativo da consultora HEOR Ltd<br />
Em 2040, a obesidade vai<br />
representar 20% dos gastos<br />
com cuidados de saúde<br />
a nível mundial<br />
Tendo como pano de fundo o 22º Congresso Português de Obesidade,<br />
organizado pela Sociedade Portuguesa para o Estudo da Obesidade (SPEO),<br />
o Saúde Online falou com o Prof. Phil McEwan que participou numa sessão<br />
dedicada ao “impacto económico da Obesidade”, debruçando-se sobre o<br />
peso desta doença nas contas de um sistema de saúde.<br />
A<br />
prevalência de obesidade tem vindo a<br />
aumentar não só em Portugal, mas no<br />
mundo inteiro, representando um enorme<br />
fardo na saúde, pelas várias patologias<br />
associadas, como as doenças cardiovasculares,<br />
diabetes, doenças respiratórias e cancro,<br />
e na economia, sobretudo se considerarmos<br />
a diminuição da produtividade. Phil McEwan,<br />
professor e diretor técnico do Center for<br />
Health Economics, da Swansea University e<br />
diretor administrativo da HEOR Ltd, consultora<br />
que atua nas áreas do HIV, oncologia,<br />
diabetes e doenças infeciosas, começou a<br />
sua apresentação neste congresso por referir<br />
que, em 2040, o custo global com os cuidados<br />
de saúde irá aumentar entre cerca de 7<br />
a 18 triliões de dólares, sendo 20% destinado<br />
ao tratamento da obesidade e das comorbilidades<br />
a ela associadas.<br />
Mónica Abreu Silva (MAS) | Estima-se<br />
que em 2040, o custo global com cuidados<br />
de saúde irá aumentar entre cerca de<br />
7 a 18 triliões de dólares. Qual a peso da<br />
obesidade neste valor?<br />
Phil McEwan (PM) | Falando de uma forma<br />
geral, à volta de 20% (cerca de 2 triliões)<br />
estará associado à obesidade e às suas<br />
complicações. É um pouco difícil prever qual<br />
será o custo desta doença, porque inclui<br />
outras complicações como a diabetes, as<br />
doenças cardiovasculares, cancro, doenças<br />
respiratórias, entre outras.<br />
Esta previsão é calculada de acordo com a<br />
atual prevalência da obesidade, à medida<br />
que muitas pessoas vão entrando para esta<br />
categoria e os custos vão aumentando.<br />
MAS | De que forma a perda de peso poderá<br />
ajudar a reduzir estes custos? Será<br />
suficiente?<br />
PM | Claro. Uma das formas de olhar para<br />
esta questão é pensar na redução de peso<br />
para as pessoas que têm excesso de peso e<br />
ajudá-las a atingir esse objetivo e a mantê-<br />
-lo. A longo prazo, isto trará benefícios. Mas<br />
não deve ser a única abordagem. Em primeiro<br />
lugar, devemos evitar, depois ajudar<br />
a perder peso e, por fim, educar as pessoas<br />
para esta mudança de estilo de vida que é<br />
permanente e que deve ser mantida.<br />
MAS | Com tanta informação que já foi<br />
transmitida sobre a obesidade e sobre as<br />
suas consequências para a saúde, o que<br />
é que continua a falhar?<br />
PM | Temos que olhar para a raiz do problema.<br />
A obesidade não se deve à preguiça,<br />
44 NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE | NOVEMBRO 2018
ENTREVISTA | SAÚDE ONLINE<br />
tem a sua origem no crescimento económico<br />
e na prosperidade. À medida que uma nação<br />
vai ficando mais rica, tendemos a comprar<br />
casas maiores e bons carros, a comer<br />
boa comida e a beber bom vinho, trabalhamos<br />
em secretárias o dia todo. É mudança<br />
estrutural e estamos a lidar com as consequências<br />
do crescimento económico.<br />
Em Portugal, tenho a ideia de que a alimentação<br />
é muito rica, as pessoas ainda cozinham<br />
e utilizam produtos naturais, e isso é<br />
bom e saudável. Não é apenas pensarmos<br />
se vamos morrer, mas sim pensarmos nas<br />
políticas que aplicamos. No caso dos Estados<br />
Unidos, em particular, há um grande<br />
consumo de comida processada, logo é necessária<br />
uma reeducação de longo prazo o<br />
que não é algo de fácil resolução.<br />
MAS | Também mencionou na sua apresentação<br />
que a cirurgia bariátrica é a<br />
forma mais eficaz para combater a obesidade,<br />
contudo não é a mais acessível.<br />
Podemos então considerar que é uma<br />
solução?<br />
PM | É a solução com o efeito mais dramático<br />
e prolongado, mas é também a mais<br />
cara para começar, mas, como eu referi,<br />
as compensações associadas aos custos<br />
de reduzir a diabetes e a doença cardiovascular<br />
são substanciais. É fácil demonstrar<br />
que a cirurgia é a opção com menos<br />
custos. Isto foi muito bem documentado no<br />
Reino Unido, onde se verificou uma grande<br />
resistência em financiar a cirurgia, mas os<br />
cirurgiões bariátricos fizeram um excelente<br />
trabalho em demonstrar que se têm num<br />
paciente com um IMC 45, o menos dispendioso<br />
a fazer é a cirurgia, porque se não<br />
fizer, os custos serão superiores!<br />
Em todo o caso, não é a abordagem mais<br />
correta. A cirurgia representa um valor fantástico<br />
a nível monetário, aumenta a esperança<br />
de vida e reduz custos, mas deve ser<br />
evitada pelos potenciais riscos e complicações<br />
cirúrgicas que se lhe associam.<br />
MAS | Como reduzir o custo económico e<br />
garantir o melhor acompanhamento possível<br />
para o doente em simultâneo?<br />
PM | Quem trata dos orçamentos todos<br />
os anos, não pensa nas consequências.<br />
O trabalho dessas pessoas não é pensar<br />
sob uma perspetiva da saúde pública, nem<br />
no que vai acontecer daqui a 20 anos. É<br />
uma situação que se complica devido aos<br />
decisores políticos que não permitem que<br />
se tomem boas decisões em prol da nação;<br />
por não conseguirem conciliar custos<br />
e poupanças a curto termo com resultados<br />
a longo prazo. Estas intervenções são caras<br />
e requerem muitos especialistas, desde<br />
dietistas a cirurgiões. Daqui a um ano, os<br />
custos vão aumentar, mas serão recuperados<br />
a longo prazo. O enfâse deve ser posto<br />
na necessidade de garantir que, quando as<br />
intervenções nestes pacientes ocorrem, os<br />
mecanismos de suporte vão contribuir para<br />
manter a perda de peso.<br />
Mónica Abreu Silva<br />
NOVEMBRO 2018 | NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE 45
SAÚDE ONLINE | NACIONAL<br />
Investimento de 1,5 milhões de euros para<br />
melhorar e ampliar USF no Porto<br />
A<br />
Unidade de Saúde Familiar<br />
(USF) “Novo Sentido”<br />
contará no final de 2019<br />
com novas instalações, agregando<br />
parte da antiga Escola do<br />
Básica e Secundária do Cerco,<br />
no Porto, num investimento de<br />
1,5 milhões euros, foi anunciado<br />
no início do mês.<br />
Em comunicado, a Administração<br />
Regional de Saúde (ARS)<br />
do Norte dá conta do início das<br />
obras de requalificação que incluem<br />
a “remodelação do edifício<br />
e do equipamento”, de uma<br />
unidade de saúde “até agora a<br />
funcionar em instalações exíguas<br />
e de acessibilidade desadequadas”,<br />
nomeadamente no que<br />
“respeita a pessoas de mobilidade<br />
reduzida e/ou portadoras de<br />
deficiência motora permanente”.<br />
A ARS Norte adianta que a obra<br />
terá um investimento calculado<br />
de cerca de 1,5 milhões de euros,<br />
85% dos quais obtidos através do<br />
Programa Operacional Regional<br />
do Norte (Norte 2020) e o restante<br />
vindo do Orçamento do Estado.<br />
De acordo com o projeto aprovado,<br />
as futuras instalações incluirão<br />
“dois módulos: um de Saúde<br />
Familiar, com nove gabinetes<br />
médicos, três de enfermagem,<br />
duas salas de tratamento, dois<br />
gabinetes de vacinas e injetáveis<br />
e quatro de Saúde Materna/Infantil,<br />
e outro que será destinado<br />
a Cuidados na Comunidade, com<br />
três gabinetes médicos, um polivalente<br />
e um de enfermagem”.<br />
A ARS Norte informou ainda que<br />
desde 3 do corrente começaram<br />
a funcionar a USF de Avintes,<br />
em Vila Nova de Gaia, que servirá<br />
“uma população de mais de<br />
10.200 utentes inscritos”, e a de<br />
Vale do Este, em Vila Nova de<br />
Famalicão, para “aproximadamente,<br />
6.100 utentes”.<br />
Os utentes inscritos nestas USF,<br />
acrescenta o comunicado, “passaram<br />
a dispor deste novo modelo<br />
de organização e, consequentemente,<br />
dos cuidados de saúde<br />
prestados em regime de Equipa de<br />
Saúde Familiar (médico, enfermeiro<br />
e secretário clínico). Segundo a<br />
ARS Norte, com mais estas duas<br />
unidades, “a Região de Saúde do<br />
Norte passa a dispor, nesta data,<br />
de 248 USF, prevendo-se que, até<br />
final do ano em curso, este número<br />
possa ser aumentado”.<br />
Estas novas USF refere ainda<br />
a nota de imprensa, incluem os<br />
“serviços da carteira básica preconizada<br />
atualmente e adequada<br />
às características da população:<br />
vigilância, promoção da<br />
saúde e prevenção da doença<br />
nas diversas fases da vida (Medicina<br />
Geral, Saúde da Mulher,<br />
Saúde do Recém-nascido, da<br />
Criança e do Adolescente; Saúde<br />
do Adulto e do Idoso)”.<br />
A oferta de serviços inclui ainda<br />
“Cuidados em situação de Doença<br />
Aguda, Acompanhamento<br />
clínico das situações de doença<br />
crónica e patologia múltipla;<br />
Desenvolvimento do modelo de<br />
Enfermeiro de Família; Cuidados<br />
no domicílio e integração e<br />
colaboração em rede com outros<br />
serviços, setores e níveis de diferenciação,<br />
numa perspetiva de<br />
‘gestor de saúde’ do cidadão”.<br />
Dezenas de pessoas juntaram-se<br />
no passado dia<br />
6 numa vigília para exigirem<br />
um novo centro de saúde<br />
em Corroios, no Seixal, dado<br />
que o atual está instalado num<br />
prédio de quatro andares sem<br />
condições para o atendimento<br />
de doentes com mobilidade<br />
reduzida. “A construção de um<br />
novo centro de saúde é absolutamente<br />
necessária porque o atual<br />
está instalado num prédio de<br />
quatro andares, sem elevador e<br />
População do Seixal reclama novo<br />
centro de saúde em Corroios<br />
com escadas muito estreitas. Os<br />
médicos têm de descer ao piso<br />
inferior para atenderem as pessoas<br />
com mobilidade reduzida e<br />
já não querem vir trabalhar para<br />
esta unidade de saúde”, disse<br />
à agência Lusa José Lourenço,<br />
coordenador da Comissão de<br />
Utentes da Saúde<br />
do Seixal, no<br />
distrito de Setúbal.<br />
Segundo<br />
José Lourenço,<br />
“o Ministério da<br />
Saúde já lançou<br />
dois concursos<br />
públicos para a<br />
construção do<br />
novo centro de saúde de Corroios,<br />
mas por um preço muito<br />
baixo – 1,6 milhões de euros –<br />
em função do volume de construção”,<br />
pelo que até a comissão<br />
percebeu que “não iria aparecer<br />
nenhuma empresa interessada”.<br />
“Os dois concursos públicos ficaram<br />
desertos”, acrescentou.<br />
José Lourenço adiantou que a<br />
vigília, ao final da tarde de hoje,<br />
mobilizou cerca de 70 utentes e<br />
pretendeu sensibilizar o Governo<br />
para a urgência de um novo centro<br />
de saúde, numa comunidade de<br />
cerca de “36.000 utentes, 20.000<br />
dos quais sem médico de família”.<br />
“O Ministério da Saúde devia lançar<br />
de imediato um novo concurso<br />
público, mas, desta vez, com<br />
valores realistas, para que possamos<br />
ter o novo equipamento<br />
construído e a funcionar quanto<br />
antes, se possível antes do final<br />
do próximo ano, uma vez que<br />
o prazo de execução das obras<br />
nos concursos anteriores era de<br />
200 dias”, defendeu.<br />
José Lourenço referiu ainda que<br />
a Câmara Municipal do Seixal<br />
já adjudicou, por 300 mil euros,<br />
os arranjos exteriores do terreno<br />
que a própria autarquia cedeu<br />
ao Ministério da Saúde para a<br />
construção do novo centro de<br />
saúde de Corroios.<br />
46 NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE | NOVEMBRO 2018
ESPECIAL | II WORSHOP “VACINAS DO VIAJANTE”<br />
Viatim®: prevenir a hepatite A<br />
e a febre tifóide numa só vacina<br />
A Sanofi Pasteur, divisão de vacinas da multinacional farmacêutica Sanofi, esteve presente no II Workshop<br />
“Vacinas no Viajante”, que se realizou em novembro, na Alfândega do Porto, um evento organizado pela<br />
Sociedade Portuguesa de Medicina do Viajante. O workshop teve como principal objetivo a discussão de<br />
temas que contribuam para um melhor e mais completo conhecimento sobre vacinas.<br />
A Sanofi Pasteur, divisão de<br />
vacinas da multinacional farmacêutica<br />
Sanofi, esteve presente<br />
no II Workshop “Vacinas<br />
no Viajante”, que se realizou<br />
em novembro, na Alfândega<br />
do Porto, um evento organizado<br />
pela Sociedade Portuguesa<br />
de Medicina do Viajante. O<br />
workshop teve como principal<br />
objetivo a discussão de temas<br />
que contribuam para um melhor<br />
e mais completo conhecimento<br />
sobre vacinas.<br />
A Dra. Maria João Cunha, Medical<br />
Affairs Lead na Sanofi Pasteur<br />
Portugal, que integrou o<br />
painel “Vacinas em Portugal – A<br />
Perspetiva da Indústria”, partilhou<br />
com os presentes a visão<br />
da Sanofi que tem duas vertentes.<br />
A primeira, centrada nas<br />
parcerias, nomeadamente com<br />
as sociedades médicas e científicas.<br />
A Dra. Maria João Cunha<br />
salientou a importância desta interação,<br />
seja na área da forma-<br />
ção ou educação, reforçando a<br />
necessidade de uma “contribuição<br />
ativa” por parte da indústria.<br />
A responsável enfatizou a relevância<br />
da partilha de know-how<br />
que a indústria detém sobre vacinas<br />
e vacinologia com os profissionais<br />
de saúde na área da<br />
Medicina do Viajante.<br />
Outro ponto muito importante<br />
salientado pela Dra. Maria<br />
João Cunha, sobretudo numa<br />
companhia que se dedica ao<br />
desenvolvimento de vacinas, é<br />
a disponibilização no mercado<br />
nacional de vacinas inovadoras.<br />
“As vacinas são um bem escasso,<br />
até pelas dificuldades que<br />
envolvem a sua produção”.<br />
Viatim® chega a Portugal<br />
E é precisamente na senda da<br />
inovação que a Medical Affairs<br />
Lead partilhou com os presentes<br />
Viatim®, a vacina disponível nas<br />
farmácias portuguesas desde junho<br />
deste ano. Viatim® é uma vacina<br />
combinada contra a hepatite<br />
A e febre tifóide. A Dra. Maria João<br />
Cunha especificou que a razão<br />
pela qual se desenvolveu uma vacina<br />
combinada teve a ver com o<br />
facto destas duas doenças serem<br />
sobreponíveis não só em termos<br />
de transmissão mas também em<br />
termos das regiões onde os agentes<br />
etiológicos são endémicos –<br />
“Fazia todo o sentido desenvolver<br />
uma vacina que com apenas uma<br />
administração pudesse imunizar<br />
contra as duas doenças”.<br />
Relativamente às vacinas que<br />
integram o portfólio da Sanofi<br />
e que de alguma forma estão<br />
relacionadas com Viatim®, Typhim<br />
Vi® está disponível desde<br />
1988, agora em mais 160 países.<br />
Avaxim®, vacina contra a<br />
hepatite A no mercado desde<br />
1996 “infelizmente não está<br />
disponível em Portugal”, informou<br />
a Dra. Maria João Cunha<br />
adiantando, no entanto, esperarem<br />
“em breve conseguir disponibilizá-la<br />
no nosso país.”<br />
A Medical Affairs Lead realçou<br />
que esta vacina tem indicação<br />
para indivíduos com 16 ou<br />
mais anos de idade. Salientou<br />
também o facto de esta ser<br />
uma “vacina versátil” na forma<br />
como pode ser administrada;<br />
“Foi estudada não só como primovacinação<br />
mas também na<br />
revacinação nomeadamente<br />
no caso da hepatite A”.<br />
Relativamente aos perfis de<br />
segurança, “o perfil de Viatim®<br />
é sobreponível aos perfis de<br />
segurança das vacinas monovalentes<br />
contra a febre tifoide<br />
e hepatite A”.<br />
48 NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE | NOVEMBRO 2018
II WORSHOP “VACINAS DO VIAJANTE” | ESPECIAL<br />
Seringa inovadora<br />
Uma das inovações apresentadas<br />
nesta vacina é o facto de ter<br />
incorporada uma seringa de câmara<br />
dupla, que permite a mistura<br />
extemporânea de ambos<br />
os componentes imediatamente<br />
antes da administração. A vacina<br />
é administrada por via intramuscular<br />
profunda e lenta, de<br />
preferência na região deltoide.<br />
A Dra. Maria João Cunha terminou<br />
a sua exposição alertando<br />
que a Organização Mundial de<br />
Saúde (OMS) recomenda a vacinação<br />
contra a febre tifoide e hepatite<br />
A quando os viajantes vão<br />
para zonas de alto risco. “Nesse<br />
sentido, temos uma vacina com<br />
um perfil de segurança adequado,<br />
tornando se mais fácil a imunização<br />
contra as duas doenças<br />
numa só administração. Porque<br />
as doenças não precisam de<br />
passaporte…”, concluiu.<br />
ENTREVISTA A...<br />
Prof. Jorge Atouguia,<br />
Presidente da Sociedade<br />
Portuguesa de Medicina do<br />
Viajante (SPMV)<br />
Porque resolveu a organização<br />
incluir uma mesa redonda<br />
com a indústria?<br />
Para nós, a indústria, no âmbito<br />
das vacinas, é um parceiro. Porque<br />
a maior parte das empresas<br />
que têm vacinas foram elas próprias<br />
que as desenvolveram, ou<br />
acompanharam todo o seu desenvolvimento.<br />
São as empresas<br />
que têm o conhecimento mais<br />
completo sobre as suas vacinas.<br />
Ou seja, esta parceria não é comercial,<br />
é técnica, e interessa-nos<br />
muito saber o que as empresas<br />
têm no seu portfólio. E, sobretudo,<br />
porque em muitos casos nós próprios<br />
sofremos com não sabermos<br />
se temos, ou não, vacinas para<br />
utilizar. Há problemas de stock,<br />
há problemas de modificações de<br />
RCM, de défices de informação,<br />
de haver vacinas para adultos e<br />
não haver para crianças. Quando<br />
existe algum problema é com as<br />
empresas que falamos.<br />
Qual a mais-valia da Viatim®<br />
para a Consulta do Viajante?<br />
É um dois-em-um. Ao ser um<br />
dois-em-um, alguma da hesitação<br />
em vacinar por parte das pessoas,<br />
sobretudo aquelas que têm<br />
medo de injeções, diminui. Há<br />
uma maior adesão a ser vacinado.<br />
Por outro lado, o componente<br />
de febre tifóide desta vacina só<br />
está disponível, atualmente, nos<br />
centros de vacinação internacional.<br />
Esta é a única alternativa<br />
para que possa ser comprada na<br />
farmácia, ainda para mais, associada<br />
a uma outra vacina que é<br />
muito utilizada: a da hepatite A,<br />
das vacinas com maior recomendação.<br />
Logo, é uma mais-valia<br />
para a prescrição. O único problema<br />
é não ser comparticipada.<br />
Maria João Cunha,<br />
Medical Affairs Lead<br />
na Sanofi Pasteur Portugal<br />
A Sanofi Pasteur lançou recentemente<br />
uma nova vacina contra<br />
a febre tifoide e hepatite A.<br />
Desde quando está disponível?<br />
A vacina está disponível em<br />
Portugal desde junho passado,<br />
mas já tem vários anos no<br />
mercado. Viatim® foi comercializado<br />
no Reino Unido em 2001,<br />
estando atualmente disponível<br />
em 30 países.<br />
Qual a grande vantagem desta<br />
nova vacina dois-em-um?<br />
Esta vacina foi sempre vista<br />
como uma mais-valia pelo facto<br />
de ser uma combinação que<br />
integra um componente de hepatite<br />
A e um componente de<br />
febre tifóide. Como muitas vezes<br />
há dificuldade em ter stocks das<br />
vacinas monovalentes contra a<br />
hepatite A, acaba por ter ainda<br />
maior relevância. Adicionalmente<br />
e dado que as regiões de<br />
alto risco para os dois agentes<br />
etiológicos são sobreponíveis e<br />
a forma de transmissão similar<br />
(transmissão fecal-oral), a existencia<br />
desta vacina combinada<br />
vai ao encontro das necessidades<br />
dos viajantes para as regiões<br />
endémicas de febre tifóide<br />
e seroprevalentes de hepatite A.<br />
Quem pode tomar a nova<br />
vacina?<br />
Está indicada para indivíduos<br />
com 16 ou mais anos de idade.<br />
NOVEMBRO 2018 | NOTÍCIAS SAÚDE ONLINE 49