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NUMERO 21 - HAKIM BEY - ZONAS AUTÔNOMAS TEMPORÁRIAS (TAZ)

OS PIRATAS E CORSÁRIOS do século XVIII montaram uma "rede de informações" que se estendia sobre o globo. Mesmo sendo primitiva e voltada basicamente para negócios cruéis, a rede funcionava de forma admirável. Era formada por ilhas, esconderijos remotos onde os navios podiam ser abastecidos com água e comida, e os resultados das pilhagens eram trocados por artigos de luxo e de necessidade. Algumas dessas ilhas hospedavam "comunidades intencionais", mini sociedades que conscientemente viviam fora da lei e estavam determinadas a continuar assim, ainda que por uma temporada curta, mas alegre. Há alguns anos, vasculhei uma grande quantidade de fontes secundárias sobre pirataria esperando encontrar algum estudo sobre esses enclaves - mas parecia que nenhum historiador ainda os havia considerado merecedores de análise. (William Burroughs mencionou o assunto, assim como o anarquista britânico Larry Law - mas nenhuma pesquisa sistemática foi levada adiante.) Fui então em busca das fontes primárias e construí minha própria teoria, da qual discutiremos alguns aspectos neste ensaio. Eu chamei esses assentamentos de Utopias Piratas.

OS PIRATAS E CORSÁRIOS do século XVIII montaram uma "rede de informações" que se estendia sobre o globo. Mesmo sendo primitiva e voltada basicamente para negócios cruéis, a rede funcionava de forma admirável. Era formada por ilhas, esconderijos remotos onde os navios podiam ser abastecidos com água e comida, e os resultados das pilhagens eram trocados por artigos de luxo e de necessidade. Algumas dessas ilhas hospedavam "comunidades intencionais", mini sociedades que conscientemente viviam fora da lei e estavam determinadas a continuar assim, ainda que por uma temporada curta, mas alegre.
Há alguns anos, vasculhei uma grande quantidade de fontes secundárias sobre pirataria esperando encontrar algum estudo sobre esses enclaves - mas parecia que nenhum historiador ainda os havia considerado merecedores de análise. (William Burroughs mencionou o assunto, assim como o anarquista britânico Larry Law - mas nenhuma pesquisa sistemática foi levada adiante.) Fui então em busca das fontes primárias e construí minha própria teoria, da qual discutiremos alguns aspectos neste ensaio. Eu chamei esses assentamentos de Utopias Piratas.

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"...desta vez, no entanto, eu venho<br />

como o vitorioso Dionísio, que<br />

transformará o mundo<br />

numa festa... Não que eu tenha<br />

muito tempo..."<br />

Nietzsche<br />

CAPÍTULO l<br />

UTOPIAS PIRATAS<br />

OS PIRATAS E CORSÁRIOS do século XVIII montaram uma "rede de informações"<br />

que se estendia sobre o globo. Mesmo sendo primitiva e voltada basicamente para negócios<br />

cruéis, a rede funcionava de forma admirável. Era formada por ilhas, esconderijos remotos<br />

onde os navios podiam ser abastecidos com água e comida, e os resultados das pilhagens eram<br />

trocados por artigos de luxo e de necessidade. Algumas dessas ilhas hospedavam<br />

"comunidades intencionais", mini sociedades que conscientemente viviam fora da lei e<br />

estavam determinadas a continuar assim, ainda que por uma temporada curta, mas alegre.<br />

Há alguns anos, vasculhei uma grande quantidade de fontes secundárias sobre pirataria<br />

esperando encontrar algum estudo sobre esses enclaves - mas parecia que nenhum historiador<br />

ainda os havia considerado merecedores de análise. (William Burroughs mencionou o assunto,<br />

assim como o anarquista britânico Larry Law - mas nenhuma pesquisa sistemática foi levada<br />

adiante.) Fui então em busca das fontes primárias e construí minha própria teoria, da qual<br />

discutiremos alguns aspectos neste ensaio. Eu chamei esses assentamentos de Utopias<br />

Piratas.<br />

Recentemente, Bruce Sterling, um dos principais expoentes da ficção cientifica cyberpunk,<br />

publicou um romance ambientado num futuro próximo e tendo como base o pressuposto de<br />

que a decadência dos sistemas políticos vai gerar uma proliferação de experiências<br />

comunitárias descentralizadas: corporações gigantescas mantidas por seus funcionários,<br />

enclaves independentes dedicados à "pirataria de dados", enclaves verdes e social-democratas,<br />

enclaves de Trabalho Zero, zonas anarquistas liberadas etc. A economia de informação que<br />

sustenta esta diversidade é chamada de Rede. Os enclaves (e o título do livro) são Ilhas na<br />

Rede.<br />

Os Assassins medievais fundaram um "Estado" que consistia de uma rede de remotos<br />

castelos em vales montanhosos, separados entre si por milhares de quilômetros,<br />

estrategicamente invulneráveis a qualquer invasão, conectados por um fluxo de informações<br />

conduzidas por agentes secretos, em guerra com todos os governos, e dedicado apenas ao<br />

saber. A tecnologia moderna, culminando no satélite espião, reduz esse tipo de autonomia a<br />

um sonho romântico. Chega de ilhas piratas! No futuro, essa mesma tecnologia - livre de todo<br />

controle político - pode tornar possível um mundo inteiro de zonas autônomas. Mas, por<br />

enquanto, o conceito continua sendo apenas ficção científica - pura especulação.<br />

Estamos nós, que vivemos no presente, condenados a nunca experimentar a autonomia,<br />

nunca pisarmos, nem que seja por um momento sequer, num pedaço de terra governado<br />

apenas pela liberdade? Estamos reduzidos a sentir nostalgia pelo passado, ou pelo futuro?<br />

Devemos esperar até que o mundo inteiro esteja livre do controle político para que pelo menos<br />

um de nós possa afirmar que sabe o que é ser livre? Tanto a lógica quanto a emoção condenam<br />

2<br />

<strong>HAKIM</strong> <strong>BEY</strong> - <strong>TAZ</strong>

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