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NOSSOS PASSOS<br />
1<br />
Paróquia São Francisco de Paula - Ordem dos Mínimos<br />
Praça Euvaldo Lodi, s/n - Barra da Tijuca - Cep.:22640.010 - Tel.: (21) 2493-8973<br />
www.paroquiasfp-minimos.org.br<br />
Arquidiocese do Rio de <strong>Janeiro</strong> - Vicariato de Jacarepaguá - 1º Região Pastoral<br />
Ano XV - 234<br />
<strong>Janeiro</strong> / 2019<br />
Maria Mãe de Deus<br />
(Theotókos)
2 JANEIRO/ 2019
NOSSOS PASSOS<br />
3<br />
Diretor:<br />
Frei Evelio de Jesús Muñoz<br />
Ed. <strong>Janeiro</strong>/ 2018<br />
SUMÁRIO<br />
Conselheiros:<br />
Gilberto Rezende<br />
Haroldo da Costa S.<br />
Departamento de Comunicação e Marketing:<br />
Armênio Soares<br />
Maria Vitória Oliveira<br />
revistanossospassos@gmail.com<br />
Jornalista Responsável:<br />
Maria Vitória Oliveira<br />
ESPM: 8101/87<br />
AIRJ: 10059-82<br />
Diagramação e Artes:<br />
Agência RHercos<br />
Tel.: (21) 3576-5580<br />
rhercos@rhercos.com.br<br />
www.rhercos.com.br<br />
Tiragem e Prioridade:<br />
2.000 Exemplares<br />
Mensal<br />
Exp<strong>ed</strong>iente da Secretaria:<br />
De segunda a sexta-feira, das 9h às 18h<br />
Telefones: Secretaria - 2493-8973 e 2486-0917<br />
Ambulatório - 2491-8509<br />
DISTRIBUIÇÃO GRATUITA NOS PONTOS DIRI-<br />
GIDOS. VENDA PROIBIDA.<br />
A <strong>Revista</strong> <strong>Nossos</strong> <strong>Passos</strong> é uma publicação da Paróquia<br />
São Francisco de Paula e respeita a liberdade de expressão.<br />
As matérias, reportagens, artigos e anúncios<br />
são de total responsabilidade de seus signatários.<br />
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E-mail: sfpcharitas@gmail.com<br />
CLASSI. SAÚDE ENSAIO MATÉRIA DE CAPA<br />
ARTIGOS<br />
NOTÍCIAS<br />
Harvard: Missa é “remédio para melhorar a saúde<br />
física e mental”<br />
p. 06<br />
Bispo irlandês p<strong>ed</strong>e a profissionais da saúde que<br />
resistam diante de lei do aborto<br />
p. 07<br />
Sobre a Doutrina do Purgatório, tão esquecida<br />
mas tão importante para nossos dias<br />
p. 08<br />
Hugo de São Vitor, o monge, e o intelectual do<br />
século XXI<br />
p. 12<br />
Maria Mãe de Deus (Theotokos)<br />
p. 16<br />
Da Ideologia<br />
p. 19<br />
Impulsividade: Com Reconhecer e Como Tratar<br />
p. 26<br />
Classificados <strong>Nossos</strong> <strong>Passos</strong><br />
p. 30
4 JANEIRO/ 2019<br />
EDITORIAL<br />
SOB NOVOS PASSOS<br />
EXPEDIENTE<br />
PAROQUIAL<br />
A nossa querida revista Novos <strong>Passos</strong> está<br />
passando por grandes mudanças. Para atender a<br />
necessidade de abastecer nossa comunidade com<br />
uma cultura superior, a <strong>Nossos</strong> <strong>Passos</strong> mudou.<br />
Mudou para a melhor. O católico<br />
moderno carece de uma identidade cultural<br />
elevada. Em um Brasil cada vez mais deficitário<br />
<strong>ed</strong>ucacionalmente, assumimos a missão de suprir<br />
essa demanda em nossas publicações.<br />
A Civilização Ocidental foi construída pela<br />
Igreja Católica sob o evangelho de Jesus Cristo,<br />
durante séculos os inimigos da Santa Igreja<br />
tentaram mutilar e subverter os ensinamentos<br />
sagrados. Mesmo depois de todos esses anos,<br />
a Igreja resiste, pois, a cultura católica é um<br />
elemento civilizacional incorruptível.<br />
A <strong>Nossos</strong> <strong>Passos</strong> vem com um novo modelo<br />
<strong>ed</strong>itorial, apresentando artigos e ensaios cujo<br />
objetivo é resgatar todos esses valores atemporais<br />
que hoje são demonizados pelas ideologias<br />
modernas e anticristãs.<br />
O homem de fé também precisa alimentar<br />
o imaginário com coisas boas e absorver uma<br />
cultura perene e de elevado padrão.<br />
Pároco:<br />
Frei Evelio de Jesús Muñoz<br />
Padres:<br />
Frei Zezinho - Vigário (Pe. José Antônio de Lima)<br />
Frei Dino (Pe. Costantino Mandarino)<br />
Igreja Santa Teresinha<br />
Praça Desembargador Araújo Jorge, s/n<br />
Largo da Barra<br />
Capela São P<strong>ed</strong>ro - Ilha da Gigóia<br />
R. Dr. Sebastião de Aquino, nº 90 A<br />
HORÁRIOS DAS MÍSSAS<br />
Paróquia São Francisco de Paula:<br />
De Segunda a sexta-feira: 7h30m e 19h.<br />
Sábado: 17h (crianças) e 19h.<br />
Domingo: 7h30; 10h; 17h e 19h (jovens).<br />
Barramares:<br />
Quarto domingo do mês, às 17h.<br />
Capela São P<strong>ed</strong>ro (Ilha da Gigóia)<br />
Domingo, às 9h.<br />
Santa Teresinha:<br />
Domingo às 19h30h<br />
GRUPOS DE ORAÇÃO<br />
Paróquia São Francisco de Paula<br />
Quarta-feira, às 15h: quinta-feira, às 20h.<br />
TERÇO DOS HOMENS<br />
Santa Teresinha<br />
Toda terça-feira do mês, às 20h<br />
ADORAÇÃO AO SANTÍSSIMO SACRAMENTO<br />
Paróquia São Francisco de Paula:<br />
Quinta-feira, o dia todo.<br />
Santa Teresinha<br />
Primeira quinta-feira do mês, às 20h.<br />
NA PARÓQUIA<br />
Confissões:<br />
De terça-feira, das 9h às 11h e das 15h às 17h:<br />
Domingo, antes das missas.<br />
Hora Santa Vocacional<br />
Primeira sexta-feira do mês, às 17h30m.<br />
Inscrições para batizados:<br />
Segunda-feira, das 18h30m às 19h30m:<br />
Quinta-feira, das 15 às 17h<br />
Ambulatório Médico<br />
De seg a sexta-feira, das 8h às 12h e das 13 às 17h<br />
Frei Evelio de Jesús Muñoz<br />
Pároco<br />
Assistência Jurídica<br />
Quarta-feira, às 15h<br />
Assistência Psicológica<br />
Quarta-feira, das 9 às 11h<br />
M<strong>ed</strong>iação Comunitária<br />
Terças e sextas-feiras das 9h às 12h e das 14h às 20h.
NOSSOS PASSOS<br />
5<br />
Escola de Música<br />
Santa Cecília<br />
Paróquia São Francisco de Paula<br />
Pároco<br />
Frei Evélio de Jesus Muñoz<br />
Direção<br />
Diácono Vicente Arruda<br />
Coordenação<br />
Júlio Moura e Maria Lopes
6 JANEIRO/ 2019<br />
NOTÍCIAS<br />
Harvard: Missa é “remédio para melhorar a saúde física e mental”<br />
O professor de epidemiologia na Universidade de Segundo a mesma linha de pensamento, VanderWeele<br />
e Siniff sinalizam que adultos que vão à Missa<br />
Harvard, Tyler J. VanderWeele e John Siniff atuante<br />
na área de comunicação publicaram um artigo pelo menos uma vez por semana “apresentam um<br />
intitulado “A religião poderia ser um m<strong>ed</strong>icamento<br />
milagroso”, no jornal americano USA Today. em comparação aos que não possuem esse<br />
risco menor de morte na próxima década e meia”<br />
costume.<br />
O artigo demonstra resultados de um estudo feito<br />
por VanderWeele em 2016 com título “Association<br />
between religious service attendance and lower suicide<br />
rates among US women”, publicado na revista<br />
JAMA Psychiatry da Associação Americana de M<strong>ed</strong>icina,<br />
concluiu que “a participação em atividades<br />
religiosas está associada com uma taxa significativamente<br />
mais baixa em suicídios”. VanderWeele deixa<br />
claro que “a saúde e religiosidade são próximas”.<br />
Ambos relatam também que a participação comunitária<br />
em virtude da fé potencializa resultados de<br />
uma boa saúde. A Missa, segundo eles pode oferecer<br />
uma mensagem de esperança e fé o que r<strong>ed</strong>uz o efeito<br />
de pensamento negativos ou sentimentos ruins.<br />
Fonte:<br />
VanderWeele, T.J and Sniff, J., Religion may be<br />
a miracle drug. USA Today, Oct. 28, 2016
NOSSOS PASSOS<br />
7<br />
NOTÍCIAS<br />
Bispo irlandês p<strong>ed</strong>e a profissionais da saúde que resistam<br />
diante de lei do aborto<br />
O Bispo de Elphin (Irlanda), Dom Kevin Doran,<br />
p<strong>ed</strong>iu aos médicos, enfermeiras e farmacêuticos<br />
fundamental de que os cidadãos devem ob<strong>ed</strong>ecer<br />
a uma lei justa, mas neste caso é uma lei injusta<br />
e, portanto, não tem força moral”, indicou<br />
o Bispo de Elphin.<br />
que “resistam” e “permaneçam unidos” para fazer<br />
frente à nova lei do aborto que o Senado debate<br />
esta semana.<br />
Ao fazer isso, disse, será evitado que digam coisas<br />
como “ensinaremos que isso (o nascituro) é<br />
A lei de regulação de término da gravidez não<br />
apenas um aglomerado de células” ou “isso está<br />
certo porque a lei o diz”.<br />
tem força moral e “os católicos não são obrigados<br />
a ob<strong>ed</strong>ecê-la”, disse o Prelado em declarações<br />
ao jornal ‘Irish Independent’.<br />
Além disso, comentou que os farmacêuticos<br />
“precisam ter coragem” para não fazer parte da<br />
Disse o Bispo, “apoiam totalmente o direitos dos<br />
médicos, enfermeiras e obstetras não só a não<br />
produção de remédios abortivos e os chamou a<br />
não se envolver nisso.<br />
fazer abortos, mas também a que não lhes seja<br />
exigido que encaminhem seus pacientes a outros<br />
profissionais”, embora isso lhes gere problemas<br />
legais.<br />
Fonte:<br />
ACI Digital, Bispo irlandês p<strong>ed</strong>e a profissionais<br />
“Devemos dizer que defendemos o pressuposto<br />
da saúde que resistam diante de lei do aborto,<br />
11 Dez. 18.
8 JANEIRO/ 2019<br />
Sobre a Doutrina do Purgatório, tão esquecida<br />
mas tão importante para nossos dias.<br />
Douglas K. Bertelli<br />
Advogado em Brasília<br />
“Felizes as almas que tiverem passado<br />
grande parte do seu purgatório na terra,<br />
m<strong>ed</strong>iante a aceitação generosa das<br />
contrari<strong>ed</strong>ades quotidianas. Graças aos<br />
múltiplus sacrífícios de todos os dias,<br />
alcançarão um amor puro e perfeito,<br />
e é por ele que serão julgadas.” (Padre<br />
Reginal Garrigou-Lagrange, O Homem<br />
e a Eternidade).<br />
Pouco se fala hoje dia a respeito da Doutrina do<br />
Purgatório no meio cristão. E o pouco que se<br />
fala por vezes é falso ou incompleto. Tal situação<br />
tem gerado erros e omissões e nada melhor do<br />
que o ensino da Tradição da Igreja para trazer luz<br />
às presentes trevas.<br />
O Magistério da Igreja, firmado nas Sagradas<br />
Escrituras e na Tradição, é claro ao afirmar que<br />
a Igreja, o Corpo Místico de Nosso Senhor Jesus<br />
Cristo, coexiste em três estados: Trifunfante, consistente<br />
nos fiéis mortos que já desfrutam da visão<br />
beatífica de Deus, ou seja, estão no Céu; Militante,<br />
que consiste nos fiéis vivos nesta terra que lutam<br />
pela salvação e conversão diária através do uso dos<br />
Santos Sacramentos; e Padecente, ou parte da Igreja<br />
que, embora salva e santa, ainda não expiou totalmente<br />
a pena pelo seu pecado.<br />
Após a morte, segue-se para toda pessoa seu<br />
juízo particular (carta aos Hebreus, IX, 27). A alma<br />
que tenha falecido em estado de graça, ou seja, absolvida<br />
plenamente da culpa seus pecados pelos<br />
Sacramentos da Confissão e da Santa Comunhão,<br />
encontra-se salva. Todavia, a depender da expiação<br />
feita de seus pecados ainda em vida, poderá ter ou<br />
não que padecer um fogo semelhante ao do Inferno<br />
(pois em bem menor intensidade e com a garantia<br />
da salvação), por certo tempo e para que se purifique<br />
de seus pecados veniais e das consequências de<br />
seus pecados mortais absolvidos.
NOSSOS PASSOS<br />
Deus é Amor e Misericórdia. Mas também<br />
é um Deus Justo e Santíssimo, e para adentrar ao<br />
estado de perfeição por Ele exigido (Céu), é necessário<br />
que toda falta cometida em vida tenha sido<br />
expiada. Diz o Catecismo Romano de Sao Pio V<br />
sobre o Purgatório: “Há também um fogo de expiação,<br />
no qual por certo tempo se purificam as almas<br />
dos justos, até que lhes seja franqueado o acesso da<br />
Pátria Celestial, [lugar] onde nada de impuro pode<br />
entrar.” (Cap. VI, III, 3, b).<br />
São Gregório, o Grande, Interc<strong>ed</strong>endo<br />
por Almas no Purgatório<br />
(Giovanni Odazzi | 1663–1731)<br />
As almas que padecem no Purgatório são,<br />
portanto, almas justas, e portanto salvas. Eis<br />
porque são também chamadas Santas Almas do<br />
Purgatório. Há inúmero relatos na literatura da<br />
Igreja de Santos e até Papas (p. ex., Inocêncio III,<br />
falecido em 16 de julho de 1216), que passaram<br />
pelo Purgatório. Inclusive conta-se que Santa<br />
Teresa d’Ávila, doutora da Igreja, precisou fazer<br />
uma genuflexão no Purgatório pois, apesar de<br />
santa e de estar vivendo na sétima morada espiritual,<br />
deixou uma vez de se ajoelhar diante do<br />
Santíssimo.<br />
Apesar do sofrimento pelo fogo expiador,<br />
as Santas Almas purgam suas faltas com esperança<br />
e são constantemente consoladas pelos<br />
Anjos, Santos (como São Nicolau de Tolentino,<br />
padroeiro das almas do Purgatório) e, é claro,<br />
por Nossa Senhora. Eis aí a importância também<br />
da oração do Santo Rosário, m<strong>ed</strong>iante a qual<br />
podemos oferecer preces à Igreja Pac<strong>ed</strong>ente no<br />
Purgatório. Outra importante oração fora revelada<br />
por Nosso Senhor à Santa Gertrudes, ben<strong>ed</strong>itina,<br />
mística e teóloga alemã do século XIII, e<br />
que é utilizada na oração do Santo Rosário após<br />
o Pai-Nosso:<br />
“Eterno Pai, Ofereço-Vos o Preciosíssimo<br />
Sangue de Vosso Divino Filho Jesus, em união<br />
com todas as Missas que hoje são celebradas em<br />
todo o mundo; por todas as Santas almas do purgatório,<br />
pelos pecadores de todos os lugares, pelos<br />
pecadores de toda a Igreja, pelos de minha<br />
casa e de meus vizinhos. Amém!”<br />
As almas que se encontram nesse estado<br />
pouco podem fazer para que sejam dele libertas,<br />
já que com a morte se encerra a misericórdia divina.<br />
Todavia, sendo a Igreja um Corpo, exige-se<br />
que a parte Militante, o Corpo Místico de Cristo<br />
na Terra, ofereça constantemente sacrifícios em<br />
favor dessas almas, sendo o mais perfeito deles<br />
o Santo Sacrifício da Missa. Eis porque a Igreja<br />
d<strong>ed</strong>ica todo um mês (o de Novembro) para que<br />
venhamos em socorros das pobres almas que padecem<br />
esse fogo de expiação. Todavia, durante<br />
todo restante do ano podemos – e devemos – nos<br />
lembrar dessas pobres almas, já que é um grande<br />
ato de caridade rezar pelas almas santas que dependem<br />
da Comunhão dos Santos da Igreja para<br />
serem libertas:<br />
“Muitíssimo grata me é a oração pelas almas<br />
do Purgatório, porque por ela tenho ocasião de libertá-las<br />
das suas penas e introduzi-las na glória<br />
eterna”. (revelação privada de Nosso Senhor à<br />
Santa Gertrudes, quando estava rezava com fervor<br />
pelos falecidos).<br />
A Doutrina do Purgatório foi fortemente<br />
atacada pela revolta protestante de Lutero e seus<br />
seguidores, pois a heresia do sola fide (somente<br />
a fé) excluiu qualquer obra meritória na santificação<br />
– e consequente salvação – da alma humana.<br />
Ao negar a santificação nega-se obviamente a<br />
existência do Purgatório como estado necessário<br />
para purificação da alma.<br />
9
10 JANEIRO/ 2019<br />
Outro ponto esquecido da Doutrina do<br />
Purgatório se refere à possibilidade de expiarmos<br />
nossas falsas ainda nessa vida, o que se<br />
pode chamar de via purgativa pré-morte. Muitas<br />
vezes sofremos – seja por causa de nossos pecados<br />
seja por motivos que desconhecemos no<br />
momento – e entramos em desespero, achando<br />
que não somos amados por Deus e que estamos<br />
sendo injustamente castigados quando nos sobrevém<br />
uma doença, a morte de um parente<br />
querido, um desemprego etc.<br />
Todavia, Deus corrige o filho a que ama e<br />
muitas vezes o faz pela via do sofrimento com<br />
um propósito maior do que podemos enxergar<br />
de im<strong>ed</strong>iato. É sinal de maturidade suportar<br />
com resigno tais dores, e melhor ainda quando<br />
podemos oferecê-las a Deus pela expiação de<br />
nossas falhas ou em favor de alguém, vivo ou<br />
morto, que amamos. Tendo consciência desse<br />
objetivo certamente suportaremos as adversidades<br />
e contradições dessa vida com paciência<br />
e amor:<br />
“Com efeito, é coisa agradável a Deus sofrer<br />
contrari<strong>ed</strong>ades e padecer injustamente, por motivo<br />
de consciência para com Deus. Que mérito teria<br />
alguém se suportasse pacientemente os açoites<br />
por ter praticado o mal? Ao contrário, se é por ter<br />
feito o bem que sois maltratados, e se o suportardes<br />
pacientemente, isso é coisa agradável aos<br />
olhos de Deus. Ora, é para isso que fostes chamados.<br />
Também Cristo padeceu por vós, deixando-vos<br />
exemplo para que sigais os seus passos.”<br />
(Carta de São P<strong>ed</strong>ro, II, 19-21).<br />
“[…] a purificação passiva dos sentidos e do<br />
espírito, descrita por São João da Cruz, deve ser<br />
feita, tanto quanto possível, na vida terrena com<br />
mérito, para que não seja necessário sofrê-la sem<br />
mérito, depois da morte. E, portanto, devemos<br />
aceitar generosamente, por amor de Deus, as<br />
contrari<strong>ed</strong>ades da vida presente; se assim for, a<br />
reparação far-se-á com mérito e aumento de caridade,<br />
de maneira a obter no céu uma visão de<br />
Deus mais penetrante e um amor a Deus mais<br />
intenso e mais forte para a eternidade. Mas, de<br />
facto, as almas que conseguem escapar do purgatório<br />
são, decerto, muito poucas pois foi revelado<br />
a Santa Teresa que, dos muito bons religiosos<br />
que ela tinha conhecido, só três o tinham<br />
evitado completamente”. (Idem, O Homem e a<br />
Eternidade).<br />
Entender melhor, portanto, a Doutrina do<br />
Purgatório pode ajudar muitos cristãos a superarem<br />
a dor de seus sofrimentos, oferecendo ela<br />
a Deus, o justo e misericordioso Juiz das Almas.<br />
Aceitar as contradições por que passamos como<br />
O padre Reginald Garrigou-Lagrange, em<br />
seu livro O Homem e a Eternidade (recém publicado<br />
no Brasil pela <strong>ed</strong>itora Ecclesiae), faz<br />
um excelente estudo sob essa perspectiva:<br />
“Felizes as almas que tiverem passado grande<br />
parte do seu purgatório na terra, m<strong>ed</strong>iante a<br />
aceitação generosa das contrari<strong>ed</strong>ades quotidianas.<br />
Graças aos múltiplos sacrifícios de todos os<br />
dias, alcançarão um amor puro e perfeito, e é por<br />
ele que serão julgadas.” (Padre Reginal Garrigou-Lagrange,<br />
O Homem e a Eternidade).<br />
São Miguel chegando para salvar almas<br />
no purgatório<br />
(Jacopo Vignali | Século XVII)
NOSSOS PASSOS<br />
Providência divina para nosso aperfeiçoamento<br />
é um ato de Fé e de Amor à Divina Providência,<br />
o qual certamente será recompensado m<strong>ed</strong>iante<br />
a r<strong>ed</strong>ução do tempo destinado à alma no Purgatório,<br />
seja o nosso, seja do nosso próximo.<br />
Por fim, além de rezar em favor das Santas<br />
Almas do Purgatório e padecer com elas sacrifícios<br />
que resultam também em nossa santificação,<br />
delas também podemos p<strong>ed</strong>ir a intercessão,<br />
como fazemos com os Santos e Anjos<br />
conhecidos. O Santo Cura d’Ars, São João-Maria<br />
Batista Vianney, ensinava que “se soubéssemos<br />
como é grande o poder das boas almas do<br />
Purgatório (em nosso favor) sobre o Coração de<br />
Jesus, e se soubéssemos também quantas graças<br />
poderíamos obter por intercessão delas, é certo,<br />
não seriam tão esquecidas”.<br />
Enquanto vivos, portanto, podemos nos<br />
valer de inúmeros meios fornecidos pela Igreja<br />
para crescermos em amor e santidade, tanto<br />
para conosco como em favor do nosso próximo.<br />
Esse é o sentido da Comunhão dos Santos,<br />
que por vezes sabemos apenas o trecho que recitamos<br />
decor do Cr<strong>ed</strong>o quando participamos<br />
Santa Missa, mas esquecemos das implicações<br />
práticas e relevantes que tal ensino pode ter<br />
em nossa vida diária.<br />
Sejamos, assim, amorosos com os que<br />
padecem nesta e na outra vida, rezando sempre<br />
e, quando possível, oferecendo algum tipo<br />
11<br />
de sacrifício (jejum, esmola ou oração) em<br />
seu favor. Não nos esqueçamos também que a<br />
Santa Missa, o Santíssimo Sacramento divino<br />
e curativo deixado por Deus na Terra, sempre<br />
será o meio mais eficaz para expiação das faltas<br />
humanas, tanto as nossas como as dos nossos<br />
próximos já falecidos.<br />
Com efeito, peçamos constantemente a<br />
intercessão dos Santos (como São Nicolau de<br />
Tolentino, padroeiro das santas almas) e Anjos<br />
em favor das Santas Almas do Purgatório,<br />
as quais também interc<strong>ed</strong>em por nós aqui em<br />
vida, sendo esse o sentido verdadeiro e pleno<br />
da Comunhão Universal da Igreja, seja ela<br />
Triunfante, Militante ou Padecente.<br />
Referências:<br />
Bíblia Ave-Maria.<br />
Catecismo da Igreja Católica de São João Paulo II<br />
Catecismo Romano de São Pio V<br />
O Homem e a Eternidade, do padre Reginal Garrigou-Lagrange<br />
(<strong>ed</strong>ição portuguesa pela Editorial<br />
Aster<br />
Tratado do Purgatório, de Santa Catarina de Gênova<br />
Noite Escura da Alma, de São João da Cruz.<br />
Tenhamos Compaixão das Pobres Almas do Purgatório,<br />
de Monsenhor Ascânio Brandão.<br />
https://padrepauloricardo.org/blog/o-papa-que-<br />
-veio-do-purgatorio-para-p<strong>ed</strong>ir-oracoes-a-uma-<br />
-santa.
12 JANEIRO/ 2019<br />
Hugo de São Vitor, o monge,<br />
e o intelectual do século XXI<br />
Lucas Fonseca dos Santos<br />
Escritor em Soliloquios Filosofia<br />
https://soliloquiosfilosofia.blogspot.com<br />
Da Abadia de São Vitor, no século XII, até<br />
nossos dias, os estudantes das chamadas<br />
“humanidades” tem muito a agradecer ao Abade<br />
Hugo, que foi um dos maiores <strong>ed</strong>ucadores que<br />
o período da baixa idade média nos legou, e que<br />
soube sistematizar um plano completo da <strong>ed</strong>ucação<br />
do homem de letras — humanas e divinas.<br />
É particularmente intrigante para um homem<br />
de nosso tempo que o tratamento que<br />
Hugo dá ao filosofo — em sua obra magistral<br />
Didascalicon — , tratando-o como um sinonimo<br />
quase perfeito do monge, que recluso<br />
em sua cela do mosteiro, vive numa vida de<br />
abnegação e oração, penitencia e contemplação,<br />
temperança e disciplina, e assim é capaz<br />
de se d<strong>ed</strong>icar aos altos estudos. Este ideal de<br />
formação moral e espiritual do sábio cristão<br />
na <strong>ed</strong>ucação — que Werner Jaeger chamou<br />
de Paideia Christi ao tratar do surgimento do<br />
ideal nos Santos Padres — é válido ainda hoje<br />
para toda e qualquer pessoa que, tendo a vocação<br />
intelectual e a graça da fé católica, busca<br />
crescer em sab<strong>ed</strong>oria, ser <strong>ed</strong>ucado pelo Logos<br />
Divino e dar frutos. É neste mesmo tom que<br />
A.D. Sertillanges, em um de seus mais célebres<br />
livros, clama o intelectual a cultivar a virtude<br />
do silêncio, do recolhimento, da m<strong>ed</strong>itação da<br />
verdade:<br />
“Querem os senhores compor uma obra<br />
intelectual? Comecem por criar em seu interior<br />
uma zona de silencio, um hábito de recolhimento,<br />
uma vontade de despojamento, de desapego,<br />
que os deixem inteiramente disponíveis para a<br />
obra; adquiram esta disposição das faculdades<br />
mentais isenta do peso de desejos e de vontade<br />
própria, que é o estado de graça do intelectual.<br />
Sem isso, não farão nada, em todo caso, nada<br />
que valha.” A <strong>ed</strong>ucação do intelectual cristão<br />
tem então como pressuposto uma prévia <strong>ed</strong>ucação<br />
moral e espiritual, uma submissão ao Logos<br />
Divino que se fez carne e habitou entre nós. Uma<br />
submissão que muito distante de nos restringir<br />
intelectualmente, abre horizontes que só podem<br />
ser vistos sob a luz da fé: é o mesmo Sertillanges<br />
que recorda que“ razão tem por ambição apenas<br />
um mundo; a fé lhe da a imensidão” ( p. 18).<br />
E entre esses pressupostos morais e intelectuais,<br />
Hugo põe em primeiro lugar — em seu Opusculo<br />
Sobre o Modo de Aprender e M<strong>ed</strong>itar — a<br />
humildade.
NOSSOS PASSOS<br />
Hugo de São Vitor, como o bom monge que<br />
foi, coloca a humildade no principio do aprendizado.<br />
A humildade é assim em razão da atitude<br />
que o que o possuidor dessa virtude tem diante<br />
da realidade que o cerca: é uma virtude que traz<br />
um realismo quanto a sua condição, a humildade<br />
é a condição do amante da sab<strong>ed</strong>oria que, mesmo<br />
sendo Sócrates, sabe apenas que nada sabe. Ou<br />
melhor dizendo, é a condição daquele que quanto<br />
mais conhece, mais descobre o quanto ainda falta<br />
conhecer, o quão inesgotável é o conhecimento<br />
das coisas, e o quanto devemos prescrutar a realidade<br />
com diligência e ardor, mesmo sabendo que<br />
nunca a esgotaremos (Santo Tomás diz que não<br />
somos capazes de esgotar a inteligibilidade nem<br />
mesmo de uma mosca). Essa atitude se faz necessária<br />
justamente porque :<br />
“…a verdade total esconde-se de nós, porque<br />
quanto mais nosso espirito arda de amor, e quanto<br />
mais profunda se torne a busca pela verdade, mais<br />
difícil sua compreensão plena.” (Hugo de São Vitor,<br />
Didascalicon)<br />
A humildade, que lembra a condição de pó e<br />
terra (humus), na verdade é a condição de possibilidade<br />
para qualquer pretensão de ascender<br />
moral e intelectualmente. Inicia por ser uma virtude<br />
do homem realista (não no sentido moderno,<br />
pessimista), que conhece bem a si mesmo e a<br />
suas misérias; um homem que, quando possuidor<br />
dessa virtude, pode repetir o ponto do Caminho,<br />
de São Josemaria Escriva: “Tu?… Soberba? — De<br />
quê? (Caminho, 600).<br />
A humildade é também uma<br />
postura de submissão, em certo<br />
sentido. E por isso Sertillanges, ao<br />
tratar da necessidade da virtude<br />
da laboriosidade no intelectual,<br />
diz que “a verdade só se mostra<br />
aos seus servos”, àqueles que se<br />
submetem à verdade conhecida,<br />
e que como no ditado popular,<br />
vem na verdade conhecida<br />
uma verdade a ser ob<strong>ed</strong>ecida.<br />
13<br />
Obviamente, fica muito<br />
mais claro o sentido de humildade<br />
no Opúsculo quando recordamos<br />
uma passagem das Escrituras — que<br />
com certeza acompanhava os monges da abadia<br />
de São Vitor — que diz que “o temor do Senhor<br />
é o principio da Sab<strong>ed</strong>oria (Prov. 9,10)”;<br />
por isso, a sab<strong>ed</strong>oria tem um caráter sacro, e<br />
a investigação intelectual será um prescrutar<br />
das pequenas verdades que tem sua fonte na<br />
Verdade Eterna, que faz do sábio, do filósofo<br />
e do amante da sab<strong>ed</strong>oria em geral um teófilo,<br />
alguém que encarna em sua vida o primeiro<br />
mandamento de amar o Senhor Deus de todo o<br />
coração, com toda a alma, com todas as forças e<br />
com toda a inteligencia.<br />
O adágio tomista de que “todas as coisas,<br />
tendendo a seus próprios fins e perfeição, tendem<br />
a Deus, que é o Fim Último e Suprema<br />
Perfeição” é um modelo que inspira a investigação<br />
das realidades criadas como referentes<br />
também a teologia, e por isso, a humildade exigida<br />
ao estudante não é só algo interior, mas<br />
também uma atitude em relação à realidade<br />
exterior. Para estes — que certamente ficariam<br />
escandalizados com os delírios desconstrucionistas<br />
contemporâneos — , nós não criamos a<br />
realidade, mas sim, nos submetemos a ela. A<br />
filosofia m<strong>ed</strong>ieval — tachada de “teocentrica<br />
demais” — parece portanto ser menos “teocentrica”<br />
que a visão contemporânea dos seres<br />
humanos como pequenos deuses criando a realidade<br />
social, ontológica, moral, etc. Há um realismo<br />
muito grande; não criamos a realidade,<br />
nos submetemos a ela. E a virtude que nos dá<br />
essa capacidade é a humildade.<br />
Diferentemente de alguns fideísmos<br />
protestantes e dos sentimentalismos<br />
contemporâneos dentro da teologia,<br />
Hugo vê no estudo da sab<strong>ed</strong>oria não<br />
um empecilho para a vida espiritual,<br />
mas sim uma forma de ascender<br />
cada vez mais. Assim como dirá<br />
Santo Tomas nos primeiros capítulos<br />
da Suma Contra os Gentios um<br />
século depois, o Abade de São Vitor<br />
também vê o genuíno filósofo como<br />
sinônimo do teófilo, daquele que<br />
ama a Deus, e vê no estudo da sab<strong>ed</strong>oria<br />
uma aproximação Daquele<br />
que criou tudo com sab<strong>ed</strong>oria.
14 JANEIRO/ 2019<br />
Tendo explicado a importância da vida<br />
moral e espiritual na vida do intelectual cristão,<br />
podemos avançar na importância que<br />
Hugo dá ao estudo das artes liberais para o desenvolvimento<br />
do estudo das disciplinas mais<br />
altas e nobres (Teologia Sagrada; mais especificamente,<br />
o estudo das Sagradas Escrituras).<br />
Como o mestre que escreve para iniciantes,<br />
em seu Didascalicon expõe três preceitos<br />
prévios quanto a leitura (que como veremos,<br />
é princípio da doutrina): (i) Saber o que devemos<br />
ler; (ii) a ordem com que devemos ler e<br />
(iii) como devemos ler.<br />
Quanto ao primeiro, diz respeito à importância<br />
de se escolher bem os livros a serem<br />
lidos, principalmente em uma era onde muitos<br />
livros supérfluos são publicados e que nos fazem<br />
perder um bom tempo que poderíamos<br />
usar lendo os realmente importantes, os que<br />
vão nos auxiliar nos estudos mais nobres e os<br />
próprios estudos sagrados. Esse conselho preliminar<br />
do Didascalicon — que pode parecer<br />
restritivo — parece se contrapor ao conselho<br />
do mesmo autor no Opusculo Sobre o Aprender<br />
e M<strong>ed</strong>itar, de que não se deve desprezar e<br />
nem tratar qualquer escrito como vil. Mas é<br />
claro que, como um bom escolástico faria, precisamos<br />
fazer certas distinções que farão claras<br />
as coisas.<br />
O estudante deve ter uma certa atitude<br />
de abertura perante a realidade, perante<br />
os conhecimentos; e aqui, Hugo cita o<br />
ensinamento paulino “provai de tudo, ficai<br />
com o que é bom” (Ts 5,21), que é uma amostra<br />
dessa atitude. De fato, também Sertillanges usa<br />
a analogia do garimpo e da peneira para fazer<br />
visível: o intelectual (e no caso do opúsculo,<br />
o estudante) deve saber extrair da lama a sua<br />
melhor substancia, saber tirar dos p<strong>ed</strong>regulhos,<br />
areia, galhos, o que de ouro se oculta nestes,<br />
mesmo que seja pouco. Obviamente isso não é<br />
um incentivo a vã curiosidade, prejudicial ao<br />
progresso intelectual, mas sim uma atitude que<br />
deriva diretamente da virtude da humildade.<br />
Ao descobrir nossa situação, de forma<br />
realista, e o quanto não sabemos e precisamos<br />
ainda aprender, adquire-se uma posição<br />
de aprendiz, que ligado ao primeiro conselho,<br />
busca aprender de todos, sem distinção — de<br />
tudo é possível fazer o “garimpo” e retirar o<br />
minimo que seja de ouro.<br />
Não é absurdo supor que o Mestre de<br />
São Vitor — ao aconselhar no inicio de seu<br />
Opúsculo: “não ter como vil nenhuma ciência<br />
e nenhuma escritura” — não podia imaginar<br />
como as livrarias e bibliotecas de hoje<br />
estariam tão cheias, mas ao mesmo tempo tão<br />
vazias. Nem sequer se passava por sua mente,<br />
que um dia os livros não seriam mais tão<br />
difíceis de serem encontrados, e que os livros<br />
clássicos — tratados em sua época como tesouros<br />
— seriam hoje abandonados pela nova<br />
moda “literária”(utilizando aqui uma analogia<br />
imprópria ao chamar o que vemos hoje de literatura)<br />
de cada mês.
NOSSOS PASSOS<br />
Bem, mas não é muito útil saber quais<br />
livros devem ser lidos se não se sabe qual a<br />
ordem da leitura. Bons livros, quando lidos<br />
fora da ordem (cronológica, de complexidade,<br />
de importância para a disciplina), podem<br />
causar mais confusão e prejudicar mais o<br />
crescimento intelectual do que simplesmente<br />
não ler nada. Por essa razão, a ordem de ler os<br />
livros essenciais é extremamente importante<br />
para o estudante.<br />
15<br />
Sabendo o que ler e a ordem dessas leituras,<br />
devemos saber como ler cada uma delas<br />
e tirar o melhor proveito de cada uma para o<br />
avanço nos estudos. Alguns livros irão exigir<br />
uma leitura mais m<strong>ed</strong>itada por sua densidade,<br />
outros, nem tanto. Alguns levarão tempo<br />
para um bom fichamento, em outros talvez<br />
não seja necessário que seja feito. Alguns precisarão<br />
ser relidos (e estes são geralmente os<br />
mais relevantes), outros servirão apenas para<br />
mapear um debate mais amplo dentro do objeto<br />
do estudo. Sobre o modo de ler, o próprio<br />
livro há de impor ao estudante, que irá com<br />
o tempo descobrindo a maneira mais fácil de<br />
aprender e reter na memória o aprendido, ordenando<br />
o mais importante a ser memorizado<br />
e conectando as diversas impressões que podem<br />
haver em comum com outros estudos.<br />
Estes parecem ser alguns conselhos úteis<br />
àqueles que são buscam cultivar uma vida intelectual,<br />
vindos diretamente do distante século<br />
XII até nós. E mesmo que pareça haver<br />
uma disparidade entre esses tempos, a substancia<br />
dos conselhos de Hugo permanece intacta<br />
para o homem contemporâneo; ainda<br />
hoje o que cultiva a vida intelectual ainda é<br />
tido por louco por seu silencio, por sua disciplina,<br />
por sua conversa silenciosa, sua grande<br />
— e por vezes solitária — conversa com os gigantes<br />
do passado, etc. Mas a todos estes que<br />
o tem por louco, a resposta do Mestre de São<br />
Vitor permanece valorosa:<br />
“…alguém poderia se dirigir a um filósofo<br />
dizendo: ‘tu não vês como os homens zombam<br />
de ti?’ E, em resposta ele diria: ‘sim, eles zombam<br />
de mim, mas deles zombam os asnos’.” (Didascálicon<br />
— A Arte de Ler).
16 JANEIRO/ 2019<br />
Maria Mãe de Deus<br />
(Theotókos)<br />
A<br />
Igreja Católica celebra no primeiro dia de<br />
cada ano (1º de <strong>Janeiro</strong>) a Solenidade de<br />
Maria Mãe de Deus. Esta festa Mariana começou<br />
a ser celebrada em Roma no sexto século,<br />
possivelmente junto com a festa da d<strong>ed</strong>icação<br />
do tempo “Santa Maria Antiga” a qual é uma<br />
das “primeiras” igrejas romanas.<br />
A antiguidade desta celebração mariana é<br />
testemunhada das pinturas encontradas com o<br />
nome de “Maria Mãe de Deus” nas Catacumbas<br />
em Roma onde se reuniam os primeiros<br />
cristãos no tempo perseguições. Segundo um<br />
antigo escrito encontrado do III século, os<br />
cristãos do Egíto dirigiam a Maria esta oração:<br />
“Á vossa proteção recorremos, Santa Mãe<br />
de Deus. Não desprezeis as nossas súplicas em<br />
nossas necessidades, mas livrai-nos sempre de<br />
todos os perigos, ó Virgem gloriosa e bendita”.<br />
Frei Evelio de Jesus Muñoz<br />
Já ao final do século IV, Theotokos se usava<br />
com mais frequência seja em oriente que em<br />
Ocidente, o que indicava que era já patrimônio<br />
da fé do povo de Deus. No ano 1931, o Papa Pio<br />
XI, por ocasião do décimo quinto (XV) centenário<br />
do Concilio de Éfeso celebrado no ano<br />
431, instituiu a Festa Mariana para ser celebrada<br />
cada 11 de outubro em lembrança deste<br />
Concilio, no qual se proclamou solenemente<br />
Santa Maria como verdadeira Mãe de Cristo,<br />
verdadeiro Filho de Deus. Na última reforma<br />
do calendário litúrgico após do Concilio Vaticano<br />
II, começou a se celebrar no dia 1º de<br />
janeiro a Solenidade da Santa Maria Mae de<br />
Deus. Assim, esta festa Mariana se encontra<br />
em sintonia com toda a Liturgia adequada<br />
ao tempo de Natal do Senhor e permitindo a<br />
todos os cristãos que iniciem sempre o novo<br />
ano baixo a Proteção da Mãe Maria.
NOSSOS PASSOS<br />
São Cirilo de Alexandria foi o maior<br />
defensor da maternidade de Maria. Havia muito<br />
tempo que o título “Mãe de Deus” era estava<br />
nos lábios e na alma do povo, quando Nestorio<br />
que era patriarca de Constantinopla colocouse<br />
contra. Cirilo por sua vez era o patriarca<br />
de Alexandria desde o ano 412 e também era<br />
uma alta autoridade em matéria de doutrina<br />
do Oriente, obteve do Papa Celestino durante<br />
o Concilio de Éfeso (431) a condenação de<br />
Nestório.<br />
Na serrada disputa contra Nestório, Cirilo<br />
de Alexandria escreveu um texto, nas vésperas do<br />
Concilio de Éfeso, aos monges no Egíto falando<br />
sobre a beleza da afirmação dogmática de Maria<br />
como Mãe de Deus e também para lhes alertar<br />
sobre a heresia de Nestório. Cirilo diz que Maria<br />
é Virgem Mãe de Deus. Que Maria deu à luz a<br />
Jesus Cristo, Deus vivo, e consequentemente a<br />
Virgem deve ser chamada Mãe de Deus. Cirilo<br />
fala com convicção e cita o seu venerável e<br />
pr<strong>ed</strong>ecessor Atanásio que durante muito tempo<br />
se opôs as intervenções dos heréticos com<br />
invencível sab<strong>ed</strong>oria digna dos apóstolos. Cirilo<br />
diz que “a Sagrada Escritura faz da pessoa do<br />
Salvador duas vezes testemunho. Por uma<br />
parte Ele é o Deus eterno, o Filho e o Verbo, o<br />
esplendor e a sab<strong>ed</strong>oria do Pai; por outra parte,<br />
nos últimos tempos e para a nossa salvação<br />
se encarnou da Virgem Maria, Mãe de Deus<br />
e se fez homem”. Por outra parte, a Escritura<br />
divinamente inspirada, declara que o Verbo se<br />
fez carne, ou seja, se uniu a uma carne.<br />
O concilio de Nicéa ensina que o mesmo<br />
Filho único de Deus, gerado da mesma<br />
substancia do Pai, por quem tudo foi feito, e<br />
que tudo subiste por ele e que a causa da nossa<br />
salvação desceu dos céus e se encarnou se fez<br />
homem, sofreu, morreu e ressuscitou e um dia<br />
voltará como juiz. O Concilio diz que o Verbo<br />
de Deus é o único Senhor Jesus Cristo, o Verbo<br />
vivo, gerado e da mesma substancia de Deus Pai<br />
e que existe desde a eternidade.<br />
17<br />
Afirma Cirilo de Alexandria que na<br />
continuidade dos tempos o Verbo se fez carne, ou<br />
seja, uniu-se a uma carne que possuía uma alma<br />
racional (Maria) por isso pode se dizer que nasceu<br />
de uma mulher segundo a carne.<br />
Mãe de Deus (Theotokos) não significa que<br />
Maria exista em qualquer modo antes de Deus. Os<br />
irmãos separados tendem a ironizar os católicos<br />
afirmando que nesse caso Maria haveria criado<br />
Deus. Mãe de Deus indica que Maria deu à luz<br />
a Jesus, que é verdadeiro Deus e verdadeiramente<br />
humano. Mãe que há gerado no seu ventre o mesmo<br />
Deus na pessoa de Jesus. Por isso a Maternidade<br />
divina de Maria refere-se somente a geração<br />
humana do filho de Deus, e não a sua geração<br />
Divina. De fato, o Catecismo da Igreja Católica<br />
afirma: “Com efeito, aquele que ela concebeu como<br />
homem pela ação do Espírito Santo e que se tornou<br />
verdadeiramente seu Filho segundo a carne não é<br />
outro que Filho eterno do Pai, a segunda Pessoa da<br />
Santíssima Trindade. A Igreja confessa que Maria é<br />
verdadeiramente Mãe de Deus” (CIC, n. 495). Em<br />
outras palavras, o Filho de Deus é gerado desde<br />
sempre por Deus Pai e é consubstancial ao Pai. Por<br />
isso, é claro que nessa geração eterna, Maria não<br />
interveio para absolutamente nada. Mas o Filho<br />
de Deus, há mais de dois mil nãos, tomou a nossa<br />
natureza humana e então Maria o concebeu no seu<br />
ventre dando-lhe à luz.<br />
Lembremos que Maria não somente é Mãe<br />
de Deus, mas é também a nossa Mãe por vontade<br />
expressa de Jesus aos pés da Cruz do seu Filho. Por<br />
isso, ao começarmos este novo ano 2019 peçamos<br />
a Maria que interc<strong>ed</strong>a por esta terra de Santa Cruz<br />
para que assim saibamos ser verdadeiros cidadãos<br />
nestes pais e nos ajude a nos tornarmos cidadãos<br />
dos céus.<br />
Referências<br />
W. Beinert - Novo Léxico da Teologia Dogmática<br />
Católica. Ed. Vozes 2014.<br />
Catecismo da Igreja Católica
18 JANEIRO/ 2019
NOSSOS PASSOS<br />
19<br />
ENSAIO<br />
DA IDEOLOGIA<br />
Vitor Matias<br />
Escritor no grupo de estudos filosóficos Contra os Acadêmicos<br />
É apenas à ignorância que se devem debitar<br />
tais coisas, ou aliam-se a ela a má fé e segundas<br />
intenções? Será produto de uma deficiência do<br />
espírito, ou ob<strong>ed</strong>ece a uma intencionalidade<br />
que não pode ser confessada?[1].<br />
Há algum tempo, o termo ideologia vem sendo<br />
evocado em discussões de cunho político,<br />
notavelmente desde o advento das grandes manifestações<br />
e das simultâneas crises governamentais<br />
desde 2013. A partir disso, especialmente entre<br />
os jovens envoltos num mar de suposta responsabilidade<br />
política e ass<strong>ed</strong>iados por partidos em<br />
busca de influência, inicia-se a corrida ideológica<br />
e a proliferação de vários centros e grupos de<br />
“estudo” em busca de uma razão para acr<strong>ed</strong>itar<br />
que o país ainda pode salvar-se. O tempo passou,<br />
e após certo período de instabilidade, outro<br />
problema surgiu: o embate entre os membros de<br />
vários grupos e o crescimento da agressividade<br />
entre os normalmente menos habilitados a falar<br />
sobre alguma coisa, carinhosamente apelidados<br />
de pão-com-ovo pela direita e mortadela pela esquerda.<br />
Ideologias e seus tentáculos à parte, este<br />
não é um tema novo, embora o Brasil normalmente<br />
seja atrasado até neste tipo de discussão.<br />
Ideologia é um termo cunhado até onde se<br />
sabe na época de Napoleão Bonaparte, e significava<br />
um sistema de idéias abstratas que busca<br />
o aperfeiçoamento da soci<strong>ed</strong>ade (direcionado<br />
pelo gosto dos governantes). John Adams<br />
(1735-1826), com razão, chamou-a de “ciência<br />
da idiotice”. Mais tarde, Karl Marx (1818-1883)<br />
associou o termo à expressão dos interesses de<br />
uma determinada classe, definidos segundo sua<br />
relação com a economia. Sendo assim, ideologia<br />
é apenas uma apologia de interesses. Dentro<br />
do sistema materialista, a ideologia nos termos<br />
marxistas é a máscara perfeita para a política.<br />
Falamos de um sistema que interpreta a realidade<br />
com o fim de confortar o homem e não<br />
de descobrir a verdade. Como sistemas não metafísicos,<br />
as escolas de pensamento derivadas do<br />
materialismo negam a verdade enquanto absoluta<br />
e transcendente, e tendem a colocá-la como uma<br />
espécie de conluio – este que dá a validade objetiva<br />
da verdade nesse sistema – e ela não faria mais<br />
que favorecer as classes dominantes. Não há fatos,<br />
apenas interpretação ideológica; não há verdade,<br />
apenas os interesses de classe. Este ponto foi bem<br />
observado por Russel Kirk (1918-1994):
20 JANEIRO/ 2019<br />
“Kenneth Minogue, no livro Alien Powers:<br />
The Pure Theory of Ideology [Poderes Estrangeiros:<br />
A Teoria Pura da Ideologia], utiliza o termo “ideologia”<br />
para “denotar qualquer doutrina que apresente<br />
a verdade salvífica e oculta do mundo sob a<br />
forma de análise social. É característica de todas<br />
essas doutrinas a incorporação de uma teoria geral<br />
dos erros de todas as outras.” Essa “verdade salvífica<br />
e oculta” é uma fraude – um complexo de “mitos”<br />
artificiais e falsos, disfarçado de história, sobre<br />
a soci<strong>ed</strong>ade por nós herdada.”[2]<br />
“Ideologia é um<br />
construto teórico<br />
ilusor que direciona<br />
seus fins à reforma da<br />
soci<strong>ed</strong>ade segundo<br />
sua imagem...”<br />
Muitos outros autores atentaram ao exame do<br />
conceito de ideologia. Mesmo aqueles que defendem<br />
sua razão de ser necessariamente irão admitir um<br />
ponto fundamental: ela é falsa, ou, como disse<br />
Althusser (1918-1990) em seu Ideologia e Aparelhos<br />
Ideológicos do Estado, é pura ilusão, puro sonho, um<br />
nada cuja realidade reside em si própria enquanto<br />
construção imaginária.[3]<br />
É curioso observar que um sistema assim só<br />
pode existir num meio onde não é admitida a existência<br />
da verdade em sentido absoluto – o que peremptoriamente<br />
exclui as religiões, eminentemente<br />
transcendentes enquanto pregam um fim externo ao<br />
homem baseados na verdade absoluta revelada. Em<br />
um sistema que não admite a existência de verdades<br />
fora de sua própria construção, sobra apenas a falsificação<br />
voluntária em torno do interesse. Podemos,<br />
agora, começar a sintetizar o termo.<br />
Ideologia é um construto teórico ilusor que<br />
direciona seus fins à reforma da soci<strong>ed</strong>ade segundo<br />
sua imagem, excluindo qualquer transcendência ou<br />
verdade para além de seu próprio sistema e objetivo<br />
longínquo. O cerne das ideologias é a imanentização<br />
do eschaton, a r<strong>ed</strong>ução dos fins a si mesma, o que<br />
normalmente desemboca em utopias. A felicidade<br />
do homem, ou qualquer outro fim, devem estar sempre<br />
englobados pelos ditames do sistema. Russel Kirk<br />
bem chamou a ideologia de religião invertida[4].<br />
É curioso apontar que essa definição aproxima-se<br />
muito do que se conheceu como movimento<br />
gnóstico, que, ao contrário do que alguns pregam,<br />
não foi apenas uma deturpação do cristianismo<br />
em seus primeiros anos, mas uma modalidade de<br />
religião secular que procura alcançar a transcendência<br />
no tempo. Um bom exemplo do pensamento<br />
gnóstico foi Joaquim de Fiore (1135-1202). Segundo<br />
Eric Voegelin (1901-1985) em A Nova<br />
Ciência da Política — obra absolutamente indispensável<br />
para tratar do tema — Fiore r<strong>ed</strong>uziu a salvação<br />
à história através do simbolismo da trindade.<br />
“Joaquim rompeu com a concepção agostiniana da<br />
soci<strong>ed</strong>ade cristã ao aplicar o símbolo da Trindade ao<br />
curso da história. Em sua especulação, a história da<br />
humanidade teve três períodos, correspondente às três<br />
pessoas da Trindade. O primeiro foi a era do Pai; com<br />
o surgimento de Cristo teve início a era do Filho. Mas<br />
esta não será a última, devendo a ela seguir-se a era do<br />
Espírito.”[5]<br />
Atentemos que por seu aspecto imanentista,<br />
constantemente a ideologia se refere a um fim da história<br />
ou um fim na história – precisamente o tema da<br />
escatologia – como foi descrito na mesma obra:<br />
“Em sua escatologia trinitária, Joaquim criou o<br />
conjunto de símbolos que preside, até hoje, a auto-interpretação<br />
da soci<strong>ed</strong>ade política moderna. O primeiro<br />
desses símbolos é a concepção da história como uma<br />
sequência de três eras, das quais a última é claramente<br />
o Terceiro Reino final. É possível reconhecer-se como<br />
variações desse símbolo a divisão da história em antiga,<br />
m<strong>ed</strong>ieval e moderna; a teoria de Turgot e de Comte<br />
acerca da sequência das fases teológica, metafísica e<br />
científica; a dialética hegeliana dos três estágios de liberdade<br />
e realização espiritual auto-reflexiva; a dialética<br />
marxista dos três estágios do comunismo primitivo,
NOSSOS PASSOS<br />
soci<strong>ed</strong>ade de classes e comunismo final; e por último, o<br />
símbolo nacional-socialista do Terceiro Reino – embora<br />
este seja um caso especial, que exige maior atenção.”[6]<br />
Um aspecto da relação do gnosticismo com a<br />
ideologia é sua propagação, que, como pode-se presumir<br />
e confirmar pela observação, possui rápida<br />
adesão pelos jovens secularizados. A salvação não<br />
depende mais de um Deus transcendente, mas sim<br />
dos ditames da ideologia e seus fins imanentes, como<br />
a felicidade terrena, o fim da desigualdade, o fim do<br />
estado, a acumulação de donuts ou dinheiro numa<br />
vida vazia. Há ideologias ao gosto do freguês, mas,<br />
indiscutivelmente, todas compartilham do mesmo<br />
vácuo espiritual.<br />
A destituição da autoridade de uma verdade exterior<br />
imutável produz outro fenômeno interessante: os<br />
princípios éticos, retirados da transcendência em que<br />
depositam sua validade universal,são colocados dentro<br />
do sistema ideológico. O sistema, por sua vez, passa a<br />
ditar o que é correto ou não, com ditames acentuadamente<br />
relativos. O justo, destituído de seu referencial<br />
eterno, aceitaria o favorecimento dos amigos como razão<br />
suficiente de sua qualidade. O ponto foi duramente<br />
criticado por Platão no livro I de A República.<br />
“Portanto, ele diz que a justiça consiste em fazer<br />
bem aos amigos e mal aos inimigos?”[7]<br />
21<br />
Nesse aspecto os fins realmente justificam os<br />
meios, mesmo que os meios sejam um holocausto. É<br />
um pensamento extremamente cômodo para partidos<br />
políticos, dominados pelas ideologias.<br />
Assim como religiões que possuem dissidentes<br />
heréticos, a ideologia costuma “botar alguns ovos” e<br />
se ramificar, mantendo a premissa central intacta ou<br />
levemente alterada, como os galhos que crescem a<br />
partir do tronco. Dentro de uma ideologia formam-<br />
-se correntes. O todo eventualmente se tornará uma<br />
subcultura, como bem observado por Olavo de Carvalho<br />
neste trecho:<br />
“Investigando durante décadas a natureza do<br />
marxismo, acabei concluindo que ele não é só uma<br />
teoria, uma “ideologia” ou um movimento político. É<br />
uma “cultura”, no sentido antropológico, um universo<br />
inteiro de crenças, símbolos, valores, instituições, poderes<br />
formais e informais, regras de conduta, padrões de<br />
discurso, hábitos conscientes e inconscientes, etc. Por<br />
isso é autofundante e auto-referente, nada podendo<br />
compreender exceto nos seus próprios termos, não admitindo<br />
uma realidade para além do seu próprio horizonte<br />
nem um critério de veracidade acima dos seus<br />
próprios fins autoproclamados. Como toda cultura, ele<br />
tem na sua própria subsistência um valor que deve ser<br />
defendido a todo preço, muito acima das exigências<br />
da verdade ou da moralidade, pois ele constitui a totalidade<br />
da qual verdade e moralidade são elementos<br />
parciais, motivo pelo qual a pretensão de fazer-lhe cobranças<br />
em nome delas soa aos seus ouvidos como uma<br />
intolerável e absurda revolta das partes contra o todo,<br />
uma violação insensata da hierarquia ontológica.”[8]
22 JANEIRO/ 2019<br />
Enquanto subcultura, mesmo aqueles que não<br />
compartilham dos mesmos objetivos ou valores das<br />
ideologias acabam sendo infectados por ela numa espécie<br />
de simbiose à qual contribuem mesmo sem intenção.<br />
Este é notavelmente o caso do feminismo. A grande<br />
maioria das mulheres que diz repudiá-lo age como a<br />
mais radical das feministas — ou pior. Isto pode ainda<br />
ser observado nos trejeitos dos seguidores de uma ideologia<br />
ou pessoas próximas a ela, como o tom de voz e<br />
o jeito de andar.<br />
Ainda que possuam o mesmo cerne, os integrantes<br />
da dita subcultura formada debaixo das asas do dogma<br />
costumam procurar meios de diferenciação e eventualmente<br />
guerreiam entre si. Daí surge uma gradação,<br />
dos “extremos” aos “moderados”, diferenciando-se pelo<br />
tempo estimado para alcançar o objetivo – quantas semanas<br />
se passarão até que o rei seja levado à forca? Tal<br />
oposição pode ser simulada, como acontece na conhecida<br />
“estratégia das tesouras”. [9]<br />
Os métodos e a linguagem mudam, mas o cerne<br />
permanece, funcionando como uma igreja de fé única<br />
e características ritualísticas diversas. O fenômeno é<br />
visível na doutrina do Feminismo. As participantes de<br />
algumas correntes criticam outras, mesmo que desejem<br />
a mesma coisa — às vezes inconscientemente. A fim de<br />
forçar tal confusão, algumas ideologias procuram mesclar-se<br />
com outras e parasitar doutrinas. São casos notórios<br />
a Teologia da Libertação, que procura interpretar<br />
o cristianismo à luz do materialismo histórico-dialético,<br />
e o próprio feminismo, que deturpa a milenar doutrina<br />
do jusnaturalismo jurídico.<br />
A este fenômeno convém chamar mimetismo<br />
ideológico. A doutrina assume formas variadas, embora<br />
seus cânones se mantenham. Ele ocorre pela falácia<br />
da composição: o ideólogo acusa o adversário de atacar<br />
um valor legítimo quando o que ele ataca, em verdade,<br />
é apenas a ideologia. É o caso, por exemplo, de o<br />
marxista relacionar com o fascismo tudo o que se opõe<br />
ao socialismo. Do mesmo modo, a feminista acusa seus<br />
oponentes de violar a igualdade de direitos.<br />
Algo a se observar é que dentre as premissas<br />
centrais das ideologias há o aspecto mitológico. Mitos<br />
são alegorias utilizadas na história sagrada para contar<br />
acontecimentos primordiais e revelar o mistério da<br />
criação de modo que o homem possa contemplá-lo ainda<br />
que setorialmente.[10] Dentro da ideologia, funciona<br />
como fundamentação e exemplificação da ideia que<br />
se procura induzir, como o clássico trecho do Manifesto<br />
do Partido Comunista:<br />
A história de todas as soci<strong>ed</strong>ades até hoje existentes<br />
é a história da luta de classes. [11]<br />
Dependendo do grau de verossimilhança, isso<br />
se reflete em grandes falsificações da história (algumas<br />
vezes com anacronismos grosseiros, como o Jesus socialista<br />
[12], o Platão Fascista ou o Aristóteles individualista),<br />
procurando adequar os fatos às ideias. É uma<br />
interessante inversão da definição de verdade. A verdade<br />
é a adequação do intelecto à realidade; a Ideologia é<br />
a adequação da realidade ao intelecto.<br />
A mencionada Teologia da Libertação é o caso<br />
mais notório de um empreendimento levado à cabo<br />
pelos ideólogos com o objetivo de coadunar a ideologia<br />
e a religião, num sincretismo comparável a sentar<br />
Baal à direita de Cristo na Santa Ceia. Ignorando<br />
o fato da ideologia imanente não poder englobar a<br />
transcendência, – característica capital da religião –<br />
alguns ideólogos procuram sincretizá-la afirmando<br />
que os postulados encontrados nos livros sagrados<br />
são idênticos ou no mínimo identificáveis com os<br />
postulados da ideologia. Um caso notório é a tentativa<br />
hercúlea de alguns partidários do anarquismo de<br />
livre mercado (ou anarcocapitalismo), que tentam<br />
espremer a bíblia dentro do sistema da ética de autopropri<strong>ed</strong>ade<br />
ou ainda da praxeologia, o que dá origem<br />
a pequenas aberrações. Basta atentar ao fato de<br />
que os pseudo-religiosos dessa vertente não amam<br />
sua religião, mas seguem sua religião pois esta “concorda”<br />
com sua ideologia, e assim não servem a um<br />
Deus, mas a si mesmos.
NOSSOS PASSOS<br />
E servir a si mesmo – neste sentido – é imanentizar<br />
o eschaton.<br />
O modo mais prático de se adequar a realidade<br />
ao que se quer é corromper sua interpretação. Assim<br />
surge o aspecto linguístico da ideologia, a corrupção<br />
de termos: o significado das palavras sofre um<br />
processo de sofisma e ganha o significado desejado<br />
segundo os interesses “do partido”. A esmagadora<br />
maioria dos termos ideológicos é composta de palavras<br />
com notória pobreza de significado, denotando<br />
grave deficiência dialética e grave deficiência moral.<br />
Isso remonta a uma questão notória na filosofia,<br />
rastreável, pelo menos, até o século XV: o vasto<br />
problema das definições, em que dez autores possuem<br />
dez significados diferentes para a mesma palavra<br />
em dez cosmovisões conflitantes. O termo “liberdade”<br />
é um dos exemplos mais conhecidos.<br />
Há ainda uma consequência linguística do mimetismo:<br />
usar os termos corrompidos como se fossem<br />
os originais e acusar-se ataques desferidos contra<br />
o primeiro como se fossem pelo segundo. Um<br />
exemplo notório é o anarco-capitalismo, ao corromper<br />
os conceitos de vida, propri<strong>ed</strong>ade, liberdade e etc.<br />
Essa corrupção terminológica contribui para o<br />
anacronismo grosseiro cometido pelas ideologias.<br />
Assim, não nos é estranha a massiva confusão<br />
em discussões de cunho ideológico, quando há partes<br />
realmente contrárias Num estado normal, a massa<br />
mais inculta dos integrantes do “partido” tende a se<br />
tornar cada vez mais agressiva a detratores e perder a<br />
capacidade de raciocínio não-ideológico. Neste aspecto,<br />
a ideologia se torna uma cosmovisão deformada.<br />
23<br />
Toda ideologia é uma cosmovisão, mas nem toda cosmovisão<br />
é uma ideologia. Negando constantemente<br />
tudo que contraria sua amada crença e procurando<br />
auto justificação, o círculo ideológico cria um campo<br />
fértil a doenças psicológicas. É bem conhecido o surto<br />
de depressão pelo qual passamos, boa parte com raiz<br />
na constante não-aceitação da realidade. Há ainda a<br />
“aberração da compreensão” identificada por Bernard<br />
Lonergan (1904-1984):<br />
“Chamemos escotose a tal aberração da compreensão,<br />
e escotoma ao ponto cego resultante. Fundamentalmente,<br />
a escotose é um processo inconsciente. Não<br />
surge em atos conscientes, mas na censura que governa<br />
a emergência dos conteúdos psíquicos. Apesar de tudo, o<br />
processo integral não nos está oculto, porque a exclusão<br />
meramente espontânea de intelecções indesejadas não é<br />
igual à série total de eventualidades. Sobrevém intelecções<br />
antagônicas. Podem ser aceitas como corretas, mas<br />
apenas para sofrerem o eclipse que a distorção origina,<br />
ao excluir as ulteriores questões relevantes. E ainda, Podem<br />
ser rejeitadas como incorretas, como meras ideias<br />
brilhantes sem uma sólida fundamentação nos fatos; e<br />
essa rejeição tende a estar associada à racionalização da<br />
escotose e a um esforço por acumular provas a seu favor.”[13]<br />
Aqui se encerram as considerações acerca da<br />
definição de ideologia e alguns de seus efeitos. É comum<br />
a confusão entre ideologia e cosmovisão, ou a<br />
exaltação da ideologia como parte necessária da vida.<br />
Nada disso é verdade. Há vida sem ideologias, como a<br />
vida religiosa. A ideologia é uma cópia apodrecida da<br />
religião e procura aproximar-se desta de modo parasitário,<br />
mas nunca será como ela, visto sua essencial<br />
diferença de propósito. A religião é transcendente e a<br />
ideologia imanente; não há paridade entre ambas, e,<br />
enquanto a religião procura salvar almas, a ideologia<br />
explicitamente as planta na terra, tentando transformar<br />
carne em espírito numa alquimia m<strong>ed</strong>onha.<br />
Subsumir o pensamento aos termos de uma jaula<br />
ideológica é assassinar a própria capacidade cognitiva,<br />
e não verificar suas premissas é colocar grilhões em<br />
si mesmo. Muitas pessoas não abandonam a ideologia<br />
apenas por não conseguirem se livrar de suas definições<br />
primárias.<br />
Tomemos o ensinamento dos antigos como exemplo, e<br />
não nos deixemos perverter por discursos ideológicos.<br />
Tomemos apenas a verdade como substrato das ações,<br />
pois ela mesmo prometeu nos libertar.
24 JANEIRO/ 2019<br />
Referências<br />
Althusser, Louis. Ideologia e Aparelhos Ideológicos do<br />
Estado. Tradução de Joaquim José de Moura Ramos. 1º<br />
Edição, Lisboa, Presença/Martins Fontes, 1980.<br />
Dos Santos, M.F. Origem dos Grandes Erros Filosóficos,<br />
1º <strong>ed</strong>ição, São Paulo, Matese, 1965.Eliade, Mircea. O Sagrado<br />
e o Profano. Tradução de Rogério Fernandes. 4º<br />
<strong>ed</strong>ição, São Paulo, Martins Fontes, 2013.<br />
Kirk, Russel. A Política da Prudência. Tradução de Gustavo<br />
Santos e Márcia Xavier de Brito. 1º <strong>ed</strong>ição, São Paulo, É<br />
Realizações Editora, 2013.<br />
Lonergan, Bernard. INSIGHT – Um Estudo do Conhecimento<br />
Humano. Tradução de Mendo Castro Henriques e<br />
Arthur Mourão. 1º <strong>ed</strong>ição, São Paulo, É Realizações Editora,<br />
2010<br />
Marx, Karl. O Manifesto do Partido Comunista. Álvaro<br />
Pitta. 5º <strong>ed</strong>ição, São Paulo, Boitempo Editorial, 2007.<br />
Platão. A República. Tradução e notas de Maria Helena<br />
da Rocha Pereira. 14º <strong>ed</strong>ição, Lisboa, Fundação Calouste<br />
Gulbenkian, 2014<br />
Voegelin, Eric. A Nova Ciência da Política. Tradução de<br />
José Viegas Filho. 2º Edição, Brasília, Editora da Universidade<br />
de Brasília, 1982.<br />
_____________. Reflexões Autobiográficas. Tradução de<br />
Maria Inês de Carvalho. 1º Edição, São Paulo, É Realizações<br />
Editora, 2015.<br />
_____________ .Helenismo, Roma e Cristianismo Primitivo<br />
– História das Idéias Políticas – Volume 1. Tradução<br />
de Mendo Castro Henriques. 1º <strong>ed</strong>ição, São Paulo, É<br />
Realizações Editora, 2012.<br />
Notas<br />
[1] Origem dos grandes problemas filosóficos p. 4.<br />
[2] A Política da Prudência p. 94.<br />
[3] Na Ideologia Alemã, esta fórmula figura num contexto<br />
francamente positivista. A ideologia é então concebida<br />
como pura ilusão, puro sonho, isto é, nada. Toda a<br />
sua realidade está fora de si própria. É pensada como uma<br />
construção imaginária cujo estatuto é exatamente semelhante<br />
ao estatuto teórico do sonho nos autores anteriores<br />
a Freud. Para estes autores, o sonho era o resultado<br />
puramente imaginário, isto é, nulo, de “resíduos diurnos”,<br />
apresentados numa composição e numa ordem arbitrárias,<br />
por vezes «invertidas», numa palavra, “na desordem”.<br />
Para eles, o Sonho era o imaginário vazio e nulo “construído”<br />
arbitrariamente, ao acaso, com resíduos da única realidade<br />
cheia e positiva, a do dia. Tal é, na Ideologia Alemã,<br />
o estatuto exato da filosofia e da ideologia (pois que nesta<br />
obra a filosofia é a ideologia por excelência). Ideologia e<br />
Aparelhos Ideológicos do Estado p. 73.<br />
[4] A ideologia é uma religião invertida, negando a doutrina<br />
cristã de salvação pela graça, após a morte, e pondo<br />
em seu lugar a salvação coletiva, aqui na Terra, por meio<br />
da revolução e da violência. A ideologia herda o fanatismo<br />
que, algumas vezes, afetou a fé religiosa e aplica essa<br />
crença intolerante a preocupações seculares. A Política da<br />
Prudência p. 95.<br />
[5] A Nova Ciência da Política p. 87.<br />
[6] Ibidem, 87-88<br />
[7] A República 332d.<br />
[8] Olavo de Carvalho, “A Natureza do Marxismo”, Jornal<br />
da Tarde, 18 de dezembro de 2003.<br />
[9] Estratégias das tesouras é uma tática partidária onde<br />
um mesmo partido ramifica-se em dois afim de criar uma<br />
oposição simulada, onde não importando em quem o<br />
eleitorado vote, a agenda permanece intacta.<br />
[10] Para uma boa introdução aos mitos e a história sagrada,<br />
ver Mircea Eliade, “O Sagrado e o Profano”, Tradução<br />
de Rogério Fernandes. 4º <strong>ed</strong>ição, São Paulo, Martins<br />
Fontes, 2013.<br />
[11] Karl Marx, “O Manifesto do Partido Comunista”, Álvaro<br />
Pitta. 5º <strong>ed</strong>ição, São Paulo, Boitempo Editorial, 2007.<br />
[12] Para uma refutação do mito do Jesus Socialista, ver<br />
Eric Voegelin, “Helenismo, Roma e Cristianismo Primitivo<br />
– História das Idéias Políticas – Volume 1”. Tradução<br />
de Mendo Castro Henriques. 1º <strong>ed</strong>ição, São<br />
Paulo, É Realizações Editora, 2012.<br />
[13] Bernard Lonergan. Insight – Um Estudo do<br />
Conhecimento Humano p. 204.
NOSSOS PASSOS<br />
25<br />
LITERATURA<br />
4 LIVROS OBRIGATÓRIOS PARA JOVENS E ADOLESCENTES<br />
O Pe. Brown, um erudito que através<br />
de sua experiência em compreender<br />
a profundidade das mazelas<br />
humanas se utiliza desse conhecimento<br />
único para imp<strong>ed</strong>ir crimes.<br />
Um livro de contos onde as reflexões<br />
filosóficas são transcritas de formas<br />
mais palativeis ao grande público.<br />
Qualquer semelhança com elementos<br />
da nossa realidade não é mera<br />
coincidência. 1984 se passa em um<br />
futuro distópico onde um Governo<br />
tirânico procura vigiar e controla<br />
toda a soci<strong>ed</strong>ade através dos mais<br />
diversos artifícios. O preço de clamar<br />
pelo crescimento do Estado<br />
pode resultar na nossa aniquilação.<br />
Quem nunca foi contaminado pelo<br />
orgulho? Ivan Ilitch um magistrado<br />
bem suc<strong>ed</strong>ido em seus últimos momentos<br />
antes da morte questiona-se<br />
se seu materialismo durante a vida<br />
foi o suficiente para suprir sua existência.<br />
Ivan nos ensina que pequenas<br />
alegrias são muito maiores do que<br />
todo o ouro e prestígio do mundo.<br />
Em uma noite de beb<strong>ed</strong>eira, um jovem grita<br />
- morte ao capitalismo. Em busca de um<br />
sentido para viver o protagonista de O Anarquista<br />
experimenta todos os aspectos da ideologia<br />
e se lança a um abismo niilista que<br />
transcende sua própria consciência. O caminho<br />
em que o jovem anarquista trilha, é<br />
o mesmo em que diversos jovens universitários<br />
se deparam durante suas vivências<br />
no Ensino Superior. A rebeldia sem causa, o<br />
desejo de querer mudar o mundo a sua própria<br />
imagem , a vaidade e orgulho de se sentirem<br />
superiores é um pouco do que o jovem<br />
moderno tem em comum com o anarquista.
26 JANEIRO/ 2019 2018<br />
Impulsividade é um padrão de comportamento<br />
caracterizado por reações rápidas e não planejadas.<br />
Frequentemente, a pessoa impulsiva diz que<br />
“quando viu, já fez”, “fez primeiro e pensou depois”<br />
e outras frases do gênero. As consequências não são<br />
devidamente avaliadas e a pessoa “age sem pensar”.<br />
Obviamente, este comportamento, quando recorrente,<br />
coloca a pessoa em situações complicadas e,<br />
muitas vezes, até mesmo arriscada, como: dirigir embriagada,<br />
ter episódios de compulsão alimentar, uso<br />
de drogas, brigas e agressões, tentativas de suicídio,<br />
conflitos conjugais, risco de perda do emprego – só<br />
para citar algumas.<br />
Impulsividade é um traço de personalidade e<br />
todos a possuem em menor ou maior grau. O problema<br />
é quando a impulsividade é excessiva e leva a<br />
pessoa a tomar atitudes das quais ela se arrepende depois.<br />
Para entender melhor a impulsividade, vamos<br />
analisar como é o processo normal de tomada de decisão.<br />
Quando precisamos agir, passamos por<br />
quatro fases:<br />
1) Fase de intenção: é o momento em que percebemos<br />
que desejamos algo. Por exemplo: sentimos vontade<br />
de comer um chocolate.<br />
2) Fase de deliberação: é o momento no qual pesamos<br />
os prós e os contras de ir atrás do nosso desejo.<br />
Exemplificando, a pessoa pode ter pensamentos<br />
contraditórios: “eu quero emagrecer e um chocolate<br />
engorda muito”, “ah, mas estou com muita vontade e<br />
um só não vai fazer mal” e daí por diante.<br />
3) Fase de decisão: É o momento no qual decidimos,<br />
finalmente, agir. No nosso exemplo, seria o momento<br />
no qual resolvemos: “vou comer o chocolate”.<br />
SAÚDE E BEM-ESTAR<br />
IMPULSIVIDADE<br />
COMO RECONHECER E COMO TRATAR<br />
Claudia Siqueira de Albuquerque Costa<br />
Psicóloga | CRP: 05/52487<br />
4) Fase de execução: é o momento da ação<br />
propriamente dita e os atos envolvidos em ir lá, pegar<br />
o chocolate e comê-lo.<br />
Pessoas muito impulsivas eliminam a fase de<br />
deliberação e “pulam” direto do desejo para a ação.<br />
Há uma série de transtornos psicológicos<br />
e psiquiátricos que estão intimamente ligados<br />
à dificuldade de controle dos impulsos. Alguns<br />
exemplos são:<br />
Transtorno explosivo intermitente: fracasso frequente<br />
em frear os impulsos agressivos, o que leva a<br />
pessoa a se envolver em uma série de agressões, destruição<br />
de propri<strong>ed</strong>ade e às vezes até atos autodestrutivos;<br />
Cleptomania: impulsos irresistíveis em roubar itens<br />
desnecessários;<br />
Piromania: a pessoa fracassa em resistir ao impulso<br />
de incendiar objetos e outros bens;<br />
Jogo patológico: a pessoa se torna “dependente” de<br />
jogos de azar ou apostas;<br />
Tricotilomania: impulso irresistível de arrancar fios<br />
do próprio cabelo, o que muitas vezes causa uma área<br />
de “careca” visível na cabeça ou em outras áreas do<br />
corpo onde antes havia pelos;<br />
E a dependência química, também estão muito relacionadas<br />
à dificuldade no controle dos impulsos.<br />
Algumas pessoas, por uma vari<strong>ed</strong>ade de<br />
motivos, parecem não conseguir frear alguns<br />
comportamentos impulsivos, sejam eles frequentes<br />
ou não. Quando nos deparamos com alguma<br />
tentação, é possível que tomemos alguma<br />
atitude sem pensar, por impulso, e que vai gerar
NOSSOS PASSOS<br />
arrependimentos futuros.<br />
Mas como saber quando um comportamento<br />
impulsivo precisa ser analisado com mais atenção?<br />
Além disso, como saber quando o comportamento<br />
impulsivo pode causar consequências negativas?<br />
Como lidar com o comportamento impulsivo<br />
O primeiro passo para contornar problemas<br />
gerados pelas ações impulsivas é identificar em que<br />
situações elas tendem a acontecer. Para isso, vale<br />
analisar o próprio comportamento procurando<br />
descobrir:<br />
Qual sentimento aciona o comportamento<br />
impulsivo?<br />
As atitudes são prem<strong>ed</strong>itadas ou decididas no<br />
momento?<br />
Há alguma pessoa que costuma motivar esse<br />
comportamento?<br />
Em que estado você está quando age dessa forma?<br />
(sob efeito de álcool, com m<strong>ed</strong>o, raiva, etc.)<br />
O autoconhecimento é uma excelente<br />
forma de identificar aquilo que motiva suas<br />
ações impulsivas. Ao conhecer seu próprio<br />
comportamento, fica mais fácil antever algumas<br />
situações e tentar frear atitudes impensadas.<br />
Além disso, conhecendo seus impulsos fica mais<br />
fácil tomar riscos calculados e, assim, diminuir<br />
os danos de alguma atitude precipitada.<br />
Comportamentos comuns na vida de<br />
quem age por impulso e não domina as<br />
próprias emoções podem ser amenizados<br />
27<br />
com algumas dicas importantes como criar<br />
estratégias para se controlar nas situações em<br />
que costuma perder o rumo e se apropriar das<br />
suas reações.<br />
Para r<strong>ed</strong>uzir o stress você pode, por exemplo:<br />
1) Limitar as demandas e compromissos que assume;<br />
2) Dormir o suficiente para relaxar;<br />
3) Praticar m<strong>ed</strong>itação, exercícios físicos e de<br />
respiração.<br />
Aliás, assim que perceber que as coisas<br />
vão sair de controle, você deve respirar<br />
profundamente — isso altera de im<strong>ed</strong>iato as suas<br />
emoções — e conforme se acalma, você toma<br />
consciência do seu estado e passa a administrar<br />
as reações.<br />
O exercício físico regular r<strong>ed</strong>uz o excesso<br />
de energia e agressividade, acalma a mente e é um<br />
excelente repositor de hormônios e neuroquímicos.<br />
Muitas vezes até fazer uma caminhada ou dar uma<br />
volta a pé no quarteirão já r<strong>ed</strong>uz a ansi<strong>ed</strong>ade.<br />
E por falar em ansi<strong>ed</strong>ade, se ela vier junto<br />
com depressão, busque ajuda profissional, porque<br />
nem tudo você pode resolver sem apoio. Reserve<br />
um tempo para você, tenha um hobby, leve o cachorro<br />
para passear na praça, dance (nem que seja<br />
sozinho e com sua música preferida), vá ao jogo<br />
de futebol, tenha sempre uma conversa boa com os<br />
amigos. Tudo isso contribui para r<strong>ed</strong>uzir o stress<br />
e assim você aprende a assumir o controle de suas<br />
emoções.
28 JANEIRO/ 2019<br />
Entre as estratégias, você pode:<br />
1) Evitar as situações que possam provocar um<br />
descontrole,<br />
2) Ensaiar previamente como pretende reagir, se já<br />
sabe com o que vai ter que lidar.<br />
Mas se for inevitável e você sentir que a emoção<br />
vai dominar as suas palavras e atitudes, simplesmente<br />
saia de perto e se dê um tempo para retomar<br />
a conversa. Nesse intervalo, respirar fundo sempre<br />
ajuda a acalmar a mente. Quando recuperar o controle,<br />
se for o caso, admita que você se exc<strong>ed</strong>eu e<br />
mostre o que pensa racionalmente. Contar com o<br />
apoio dos amigos e familiares pode ser de grande<br />
ajuda: p<strong>ed</strong>indo que interfiram de forma positiva<br />
nos momentos mais críticos e apresentando a situação<br />
sob outras perspectivas. Eles também precisam<br />
estar conscientes de que a sua reação im<strong>ed</strong>iata<br />
pode ser mais forte do que o normal.<br />
Ser dono das próprias reações não é tão simples<br />
assim, mas elas podem ser moderadas se você<br />
estiver consciente de que os sentimentos mudam,<br />
tanto os bons como os ruins. Os nossos relacionamentos<br />
familiares e sociais podem ser bem melhores<br />
se você estiver mais atento ao sentimento do<br />
outro e o impacto que suas reações podem causar<br />
na vida de todos à sua volta.<br />
Enfim, procure separar seus sentimentos das<br />
suas ações e, se for preciso, busque um treinamento<br />
Mindfulness para obter uma ajuda mais efetiva.<br />
O Mindfulness é um estado de atenção plena, no<br />
qual a consciência é direcionada ao momento presente,<br />
de maneira intencional e sem julgamento. Estudos<br />
científicos comprovam os resultados positivos<br />
dessa prática, que inclui a m<strong>ed</strong>itação e atividades que<br />
estimulam sair do piloto automático.<br />
Quando você descobre as estratégias para contornar<br />
os sintomas da impulsividade e consequente<br />
descontrole emocional, a vida pode se tornar bem<br />
melhor em todos os aspectos. Quanto mais você ficar<br />
atento às suas reações e mais exercitar as estratégias<br />
de estar presente e consciente, mais apto estará para<br />
reagir com equilíbrio. Então, poderá experimentar<br />
uma vida com menos conflitos e mais tranquilidade<br />
em todos os campos de relacionamento. E caso perceba<br />
que não consegue elaborar sozinho uma estratégia<br />
para vencer essas barreiras, busque ajuda psicológica,<br />
que pode ser de grande valia para estabelecer<br />
um plano de ação mais positivo.<br />
Até o nosso próximo encontro.
NOSSOS PASSOS<br />
29<br />
1 Antonio Augusto Ferreira Borges<br />
1 Francesco Novello<br />
1 Isis Von Klay Leão Rosário<br />
2 Victor Alberico Boisson Moraes<br />
3 Encarnacion González Conte<br />
6 Gilda Alves Bezerra<br />
6 Maria das Dores Ferreira da Costa<br />
7 Vilma de Paula Chaves de Almeida<br />
8 Celso Araujo Braga<br />
8 Marilene Andrade Araújo<br />
9 Simone dos Santos Frutuoso<br />
10 Elisa Figueir<strong>ed</strong>o<br />
11 Ana Maria Braz Pavão<br />
11 Angela Puppin Gonçalves Cunha<br />
11 Cléa da Silva Alves<br />
11 Janir Goulart Gil Carvalho<br />
11 Myriam Cavalcanti de Albuquerque Fidalgo<br />
11 Silvana Mafalda de Rose<br />
12 Janaina Resende Jubé<br />
14 Ernani <strong>Passos</strong> Duarte<br />
14 Joseane Coimbra Thomé Tavares Ferreira<br />
14 Leopoldino Francisco Zimmermann<br />
16 Maria Augusta Linhares da F. e C. Barissa<br />
16 Maria Ester de Pinho Souza<br />
16 Maria Helena de Nazareth Figueira<br />
16 Neide Cerqueira Pondé<br />
16 Patricia Villas-Bôas Marinho da Silva<br />
17 Antonio da Costa Pereira Netto<br />
18 Carmen Dora Machado Damazio<br />
18 Orita Costa de Souza Leão<br />
18 Selma Aparecida Lamas Portela<br />
19 Fiorina Barone Pagnotta<br />
19 Francisco José M<strong>ed</strong>ina Maia<br />
19 Jorge João da Silva<br />
20 Maria de Fátima Prata Barbosa<br />
21 Elizabeth Maria D. Pereira das Neves<br />
21 Maria Inês Campos Maestrelli<br />
21 Mércia Domingues Pieroni<br />
22 Paula Uchôa Alves<br />
24 Ely<strong>ed</strong>no Soares Duarte<br />
24 Waldyr Tostes Filho<br />
25 Darlene Maria Mendonça Bruno<br />
25 Maria Inácia dos Santos Messer<br />
30 Dora Maria Britto de Campos Zamagna<br />
30 Maria Helena dos Santos Católico<br />
30 Tânia Lúcia Leitão Chies<br />
31 Fernando Dias de Carvalho<br />
31 José Eduardo Nobre Matta<br />
Oração do Dizimista<br />
Recebei, Senhor, a minha oferta.<br />
Ela representa a minha gratidão e<br />
o meu reconhecimento, pois, o que<br />
tenho eu o recebi de Vós.<br />
Amém!
30 JANEIRO/ 2019<br />
CLASSIFICADOS
NOSSOS PASSOS<br />
31
32 JANEIRO/ 2019