You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
ao contrário da maioria <strong>de</strong>sses jovens, as vidas daqueles que<br />
aqui se expressam também contêm sonhos e esperanças. É<br />
sobre a tessitura <strong>de</strong>ssa fala que me concentrarei a partir daqui.<br />
O livro é aberto com o conto intitulado A menina com<br />
coração <strong>de</strong> borboleta, <strong>de</strong> autoria <strong>de</strong> Sâmia Ellen. Delicado<br />
como a própria imagem da borboleta, o conto é uma espécie<br />
<strong>de</strong> manifesto da esperança e da <strong>de</strong>lica<strong>de</strong>za; uma o<strong>de</strong> ao sonho<br />
e aos sonhadores. Nada mais a<strong>de</strong>quado, pois, para iniciar um<br />
livro editado pela REJUDES e da autoria dos próprios jovens<br />
em que nela estão enredados. O sonho da menina era voar, <strong>por</strong><br />
isso tanto se i<strong>de</strong>ntificava com as borboletas! De tal modo que<br />
“não queria apenas admirar as cores, o voo das borboletas, ela<br />
queria ser uma <strong>de</strong>las” (p. 17).<br />
Embora inicie <strong>de</strong>sse modo, candidamente, não são o sonho e<br />
a esperança a única matéria <strong>de</strong> que é composta esta coletânea.<br />
Ao contrário, o lirismo que a atravessa é o mesmo que brota<br />
dos sentimentos que habitam a vida dos <strong>seus</strong> autores. Desse<br />
modo, a obra está também inundada pela dor, revolta, medo,<br />
angústia e outros sentimentos constitutivos <strong>de</strong> cada história,<br />
<strong>de</strong> cada subjetivida<strong>de</strong>.<br />
Com a adolescência, <strong>de</strong>scortinam-se os <strong>de</strong>safios do<br />
mundo dos adultos e a vida se revela em <strong>seus</strong> encantos,<br />
arrebatamentos, mas também em sua precarieda<strong>de</strong>. Raiane<br />
Mariane, <strong>por</strong> exemplo, observa que “a solidão inva<strong>de</strong> mesmo<br />
quando estamos ro<strong>de</strong>ados <strong>de</strong> pessoas” (p. 33). E Ana Caroline<br />
quase profetiza: “O tempo passa (...) nada é como antes” (p.35).<br />
O que não mais seria como antes? São inúmeras as coisas<br />
que se transformam, que se movem. Algumas <strong>de</strong>las são<br />
apresentadas <strong>por</strong> José Everton: “O santo dança / A fé encanta<br />
/ O sino ressoa / E morre mais uma pessoa” (p. 39). Mas não é<br />
apenas a morte, que <strong>de</strong> tão comum se banaliza e se transforma<br />
no tema central <strong>de</strong> vários poemas, também a convivência com<br />
certos <strong>de</strong>stinos angustia e inquieta. É novamente José Everton<br />
quem explica: “Não pedi a morte / Mas a sorte (...) e o azar dos<br />
povos escuros” (p. 42).<br />
Gleisiana Nogueira é ainda mais contun<strong>de</strong>nte: “O que dizer<br />
<strong>de</strong>sse mundo / On<strong>de</strong> pessoas são tratadas como lixo? (...)<br />
Jovens querem buscar os <strong>seus</strong> <strong>direitos</strong> / Antes que acabem<br />
<strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um caixão” (p. 57).<br />
As coisas não são como antes <strong>por</strong>que a vida cotidiana cuida<br />
<strong>de</strong> rasgar os véus das ilusões acalentadas na infância. O que<br />
significa, <strong>por</strong> exemplo, a sorte e o azar dos povos escuros?<br />
Além da solidão, quando ro<strong>de</strong>ados <strong>de</strong> pessoas, esses jovens<br />
têm <strong>de</strong> lidar com os <strong>de</strong>stinos socialmente <strong>de</strong>terminados e<br />
suas divisões e segregações. E, muitas vezes, a consequência<br />
<strong>de</strong>ssa repartição <strong>de</strong>sigual da riqueza social são as “estatísticas<br />
estáticas” às quais se refere Andressa Andra<strong>de</strong>, quando fala da<br />
sua perda:<br />
Hoje lembrei-me <strong>de</strong> quando (ele) sorria e dizia que eu era<br />
a filha mais linda do mundo.<br />
Lembrei-me <strong>de</strong> quando chegava da escola e corria ao teu<br />
encontro só pra te mostrar as notas e ouvir você dizer:<br />
“filha, tu és o meu orgulho”.<br />
Lembrei-me <strong>de</strong> quando era pequenininha e eu te pedia<br />
aflita pra você nunca me abandonar e você sorria e dizia:<br />
“filha, nada vai nos separar”.<br />
(...) Mas a violência nos separou e te levou pra longe <strong>de</strong><br />
mim... assim, sem mais nem menos (...). Hoje meu pai faz<br />
p<strong>arte</strong> da estatística <strong>de</strong> pretos pobres assassinados (...)”<br />
(p. 63).<br />
É <strong>por</strong> isso, pela forma como a diferença e a <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong><br />
marcam e <strong>de</strong>finem <strong>de</strong>stinos, que muitos dos poetas aqui<br />
reunidos a tematizam como o faz Anabel Almeida, quando<br />
afirma: “Por mais diferentes que sejamos, ainda temos muito<br />
em comum, e é <strong>por</strong> sermos diferentes que precisamos uns dos<br />
outros...” (p. 86).<br />
Felizmente, do sofrimento consequente da discriminação e<br />
do preconceito nascem não apenas a luta e a consciência da<br />
. 10 . . 11 .