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Juventudes, a arte de lutar por seus direitos

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Cara eu,<br />

Abri hoje a carta que você escreveu para mim há <strong>de</strong>z anos e,<br />

antes <strong>de</strong> tudo, gostaria <strong>de</strong> dizer que escrevo do mesmo quarto<br />

em que você me escreveu. A propósito, ainda durmo na mesma<br />

cama e tenho o mesmo guarda-roupa; a única coisa que mudou<br />

foi que agora tem uma escrivaninha com um computador on<strong>de</strong><br />

antes ficavam <strong>seus</strong> brinquedos; então, já lhe peço <strong>de</strong>sculpas <strong>por</strong><br />

não estar em Paris ou Nova York, como você imaginava. Na sua<br />

carta você pedia para que eu <strong>de</strong>sse um beijo nos meus filhos,<br />

no cachorrinho Bob, na Eliza (sua boneca favorita) e dissesse ao<br />

meu marido o quanto eu o amo. Então, a verda<strong>de</strong> é que o Bob<br />

morreu no ano seguinte ao que me escreveu, mas antes ele<br />

<strong>de</strong>struiu a Eliza. Quanto a filhos, ainda não tive nenhum e, <strong>por</strong><br />

falar nisso, pensei melhor quanto àquela i<strong>de</strong>ia que você tinha <strong>de</strong><br />

ter quatro: acho que, hoje em dia, se for pra ter, quero só um.<br />

Quanto ao marido, lamento informar, mas você não se casou<br />

com o Justin Bieber.<br />

Sabe, quando li sua carta, senti vergonha <strong>por</strong> não ser<br />

exatamente a pessoa que você esperava, mas, afinal, qual<br />

criança se orgulharia do adulto no qual se transformou? Não<br />

me formei em Medicina, como era o seu sonho, e <strong>de</strong>scobri nesse<br />

tempo que os sonhos mudam; na verda<strong>de</strong> parei <strong>de</strong> sonhar há<br />

algum tempo.<br />

Sua adolescência foi meio conturbada, mas a <strong>de</strong> quem não é?<br />

Até sua cantora preferida, a quem você tinha como exemplo,<br />

passou <strong>por</strong> momentos complicados e agora está em uma<br />

clínica <strong>de</strong> reabilitação. Você não passou <strong>por</strong> isso, mas, olha, foi<br />

<strong>por</strong> pouco.<br />

Sabe o rio em que você ia para se divertir? Pois é, ele está se<br />

acabando aos poucos, já não tem mais a areia fina e branquinha<br />

que tinha e não mais aquela quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> água que corria <strong>por</strong><br />

<strong>de</strong>baixo da ponte. Os córregos? Esses secaram <strong>por</strong> completo.<br />

Quase não existe mais fogão a lenha, e as pessoas não usam<br />

mais se sentar nas calçadas como na sua época. As crianças<br />

só querem saber <strong>de</strong> eletrônicos e não sabem mais o que é<br />

brincar nas ruas, nem sequer sabem como se brinca <strong>de</strong> roda<br />

ou se joga queimada. As pessoas agora trancam suas casas<br />

durante o dia, pois o índice <strong>de</strong> criminalida<strong>de</strong> cresceu bastante.<br />

É quase como viver em outro mundo, e, pensando agora em<br />

você, sei o quanto tudo isso parece estranho, mas infelizmente<br />

as pessoas se acostumaram a viver assim.<br />

Só tenho que te agra<strong>de</strong>cer <strong>por</strong> ter aproveitado bem o seu<br />

tempo e ter se divertido, pois hoje já não tenho mais tempo<br />

nem energia pra isso. Quero também te pedir <strong>de</strong>sculpas <strong>por</strong><br />

ter <strong>de</strong>struído <strong>seus</strong> sonhos. Você não <strong>de</strong>veria ter <strong>de</strong>sejado tanto<br />

crescer, <strong>por</strong>que aqui estou eu, <strong>de</strong>sejando encontrar uma forma<br />

<strong>de</strong> voltar a ser você.<br />

Bom, tenho que parar <strong>por</strong> aqui, vou aproveitar os poucos<br />

minutos que ainda tenho livres para escrever uma carta para<br />

mim daqui a <strong>de</strong>z anos. Espero que as coisas até lá mu<strong>de</strong>m para<br />

melhor.<br />

. 20 . . 21 .

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