BP779 OUTUBRO 2019_final_grafica_bx
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
8<br />
Brasil<br />
Presbiteriano<br />
Outubro de <strong>2019</strong><br />
TEOLOGIA E VIDA<br />
A Reforma e a sua ênfase na misericórdia de Deus<br />
T<br />
Hermisten Costa<br />
eologicamente quando<br />
pensamos na palavra<br />
graça a associamos a um<br />
favor imerecido. Por sua<br />
vez, a misericórdia realça<br />
a miséria daqueles que são<br />
olhados com favor da parte<br />
de Deus. Portanto, ambos<br />
os conceitos se completam.<br />
No grego, a misericórdia<br />
é um sentimento provocado<br />
pela percepção da dor dos<br />
demais, manifestando-se<br />
em atos de bondade.<br />
Misericórdia é um sentimento<br />
que se concretiza em<br />
atos condizentes com a sua<br />
percepção. É a sensibilidade<br />
divina generosamente<br />
em ação. “Misericórdia é<br />
atender as necessidades,<br />
não apenas senti-las” (John<br />
MacArthur Jr., O Caminho<br />
da Felicidade, SP: Cultura<br />
Cristã, 2001, p.120). Misericórdia<br />
é amor em ato de<br />
bondade e perdão.<br />
O amor independe da<br />
misericórdia, contudo essa<br />
pressupõe aquele. As relações<br />
de amor não necessitam<br />
de se expressar em<br />
misericórdia, mas, a misericórdia<br />
é uma expressão do<br />
amor que se revela quando<br />
há alguma necessidade de<br />
socorro. Por isso, não pode<br />
haver misericórdia sem o<br />
amor como fundamento.<br />
Uma forma natural de<br />
pensar sobre a misericórdia<br />
é colocá-la em oposição à<br />
justiça. No entanto, esse<br />
conceito está totalmente<br />
distante do ensino bíblico.<br />
João saúda os seus destinatários<br />
relacionando a<br />
misericórdia à verdade e<br />
ao amor: “A graça, a misericórdia<br />
e a paz, da parte<br />
de Deus Pai e de Jesus<br />
Cristo, o Filho do Pai, serão<br />
conosco em verdade e<br />
amor” (2Jo 3). Em Deus, a<br />
graça sempre vem antes da<br />
misericórdia.<br />
Deus não quebra a sua<br />
justiça por amor, antes,<br />
cumpre a justiça em amor.<br />
A graça reina pela justiça<br />
(Rm 5.21). “De fato a graça<br />
reina, mas uma graça<br />
reinante à parte da justiça<br />
não é apenas inverossímil,<br />
mas também inconcebível”<br />
(John Murray, Redenção:<br />
Consumada e Aplicada,<br />
SP: Cultura Cristã, 1993, p.<br />
19).<br />
Paulo escreve: “Sendo<br />
justificados gratuitamente,<br />
por sua graça, mediante a<br />
redenção que há em Cristo<br />
Jesus” (Rm 3.24). Portanto,<br />
“Quando Deus justifica<br />
pecadores à base da obediência<br />
e da morte de Cristo,<br />
está agindo com toda equidade.<br />
Dessa maneira, longe<br />
de comprometer sua retidão<br />
judicial, esse método de<br />
justificação em realidade a<br />
exibe” (J.I. Packer, Justificação:<br />
In: J.D. Douglas,<br />
org. O Novo Dicionário da<br />
Bíblia, SP: Junta Editorial<br />
Cristã, 1966, v.2, p.899).<br />
A Palavra de Deus demonstra<br />
que todos nós, sem<br />
exceção, nos encontramos<br />
em um estado deplorável<br />
de pecado, distantes de<br />
Deus. Somos carentes da<br />
sua misericórdia.<br />
Necessitamos buscar a<br />
Deus diante do trono da<br />
sua misericórdia para ter a<br />
bênção da bem-aventurança<br />
que começa por nossa<br />
reconciliação com ele. Somente<br />
assim encontraremos<br />
o antídoto para as nossas<br />
misérias espirituais.<br />
Misericórdia merecida,<br />
portanto, é uma contradição<br />
de termos. Da mesma forma,<br />
graça obrigatória seria<br />
uma negação da graça.<br />
Misericórdia sempre<br />
pressupõe a indignidade<br />
daquele que a recebe.<br />
Enquanto que a graça<br />
ressalta a grandeza de Deus<br />
em relação aos homens; a<br />
misericórdia retrata como<br />
o Deus majestoso vem ao<br />
nosso encontro, em nossa<br />
miséria espiritual, nos perdoando<br />
os pecados restaurando-nos<br />
à comunhão com<br />
ele por meio de seu Filho<br />
Jesus.<br />
Deus se relaciona conosco<br />
em misericórdia. Ele<br />
é pleno de seus atributos;<br />
portanto, rico em misericórdia<br />
por causa do seu<br />
grande amor (Ef 2.4; Tg<br />
5.11).<br />
A misericórdia de Deus,<br />
por sua vez revela também<br />
a nossa miséria. Só pode<br />
haver misericórdia, justamente<br />
por carecer dela,<br />
para com os miseráveis<br />
(Sl 118.1; Sl 106.1; 107.1,<br />
etc.).<br />
Aqui há a compreensão<br />
de que toda a nossa relação<br />
com Deus se baseia em sua<br />
misericórdia (Lm 3.22).<br />
Tudo que somos e temos<br />
pode ser resumido na “misericórdia<br />
eterna de Deus”,<br />
que se compadece de nós e<br />
propicia a nossa salvação.<br />
No salmo 130 encontramos<br />
o salmista em uma situação<br />
extrema. Ele não se<br />
ilude com soluções humanas.<br />
Nenhuma metodologia<br />
de autoajuda o pode socorrer.<br />
Por isso, pode dizer do<br />
mais profundo de seu coração,<br />
das “profundezas” de<br />
sua situação: “Clamo a ti,<br />
SENHOR” (Sl 130.1).<br />
Ele sabe perfeitamente a<br />
quem se dirige. A sua experiência<br />
compartilhada é de<br />
esperar em Deus visto que<br />
ele é o Deus misericordioso<br />
(Sl 130.6-7).<br />
Nas Escrituras fica evidente<br />
que os servos de<br />
Deus sempre tiveram um<br />
conceito claro e abrangente<br />
de alguns importantes aspectos<br />
da sua misericórdia.<br />
A Reforma Protestante,<br />
atenta à Palavra, em plena<br />
consciência da condição<br />
miserável do homem como<br />
pecador e da santidade de<br />
Deus, enfatizou a necessidade<br />
de arrependimento<br />
a misericórdia de Deus e<br />
como somente por meio<br />
de Cristo a justiça de Deus<br />
pode ser aplicada a nós,<br />
nos redimindo e nos declarando<br />
justos, restauro-nos<br />
à comunhão com Deus.<br />
Essa mensagem continua<br />
com a mesma relevância<br />
de sempre e, portanto, deve<br />
ser anunciada a todos os<br />
homens.<br />
O Rev. Hermisten Maia Pereira da<br />
Costa integra a equipe de pastores<br />
da 1ª IP São Bernardo do Campo, São<br />
Paulo, SP, ensina teologia no JMC, é<br />
membro do CECEP e do Conselho<br />
Editorial do Brasil Presbiteriano.