19.07.2021 Views

CARTA SENADO MENDONÇA DEFINITIVA

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

EXMOS SENHORES SENADORES DA REPÚBLICA

Associação Juízes para a Democracia - AJD,

Associação Brasileira de Juristas pela Democracia – ABJD;

Associação Advogadas e Advogados Públicas para a

Democracia – APD; Associação de Advogados e Advogadas

pela Democracia, Justiça e Cidadania – ADJC; Coletivo por um

Ministério Público Transformador - Transforma MP; Coletivo

Defensoras e Defensores Públicos pela Democracia; Instituto

de Pesquisa e Estudos Avançados da Magistratura e do

Ministério Público do Trabalho – IPEATRA e Movimento

Policiais Antifascismo, entidades que possuem entre suas

finalidades e objetivos essenciais a defesa do estado democrático

de direito, do equilíbrio de poderes e da independência do Poder

Judiciário, vêm respeitosamente à presença de Vossa Excelência,

no âmbito do movimento por elas inaugurado “POR UM STF

LAICO E INDEPENDENTE”, oferecer manifestação PELA

REJEIÇÃO da indicação do Advogado-Geral da União André Luiz

1


de Almeida Mendonça ao cargo de Ministro do Supremo Tribunal

Federal, pelas razões que passam a alinhavar:

1. Do papel do Senado Federal do Brasil na avaliação

das indicações ao Supremo Tribunal Federal

No desenho constitucional brasileiro, compete ao

Presidente da República indicar integrantes para o Supremo

Tribunal Federal, que serão por ele nomeados, após aprovação por

maioria absoluta do Senado Federal (art. 101, Constituição

Federal).

O modelo pressupõe a participação ativa dos

representantes eleitos pelo povo para aferir as credenciais do

candidato indicado pelo Chefe do Executivo para compor o órgão

supremo do Poder Judiciário brasileiro, que permanecerá

vitaliciamente sem o controle popular do mandato, como

destinatário e guardião dos valores constitucionais.

A sabatina não deve se apegar tão-somente à análise

formal do perfil moral e do currículo acadêmico e funcional do

indicado, mas, sobretudo, aferir a aderência dele aos valores

fundantes da Constituição e sua capacidade de portar-se à altura

das altas responsabilidades e deveres conferidos pela Carta

Magna ao ocupante do cargo de Ministro do Supremo Tribunal

Federal.

Nos registros do Senado Norte-Americano, em

procedimento espelhado na Constituição pátria, assim o

parlamentar Storm Thurmond sintetizou o papel do órgão

legislativo:

O Senado pode correr o risco de confirmar ao

Supremo Tribunal Federal alguém que não

2


reconhece certos direitos fundamentais que estão

embutidos na fibra da nossa Constituição - que

estão embutidos na fibra da nossa Nação?

Acho que a resposta - após audiências

detalhadas e extensas, após um sério debate no

plenário do Senado dos EUA - é clara.

A nação não pode correr esse risco. 1

Exatamente essa a situação e a responsabilidade que

se impõem ao Senado Federal do Brasil nessa quadra da história:

rejeitar a indicação do Chefe do Poder Executivo que está em

colisão com o sistema constitucional brasileiro, como se passa a

demonstrar.

2. Da indicação a partir de uma circunstância

estranha aos requisitos constitucionais exigidos para o

exercício do cargo de Ministro do Supremo Tribunal Federal

Segundo a Constituição Federal, os requisitos para o

exercício do cargo de Ministro do Supremo Tribunal Federal são:

(i) cidadania brasileira; (ii) idade entre trinta e cinco e sessenta e

cinco anos; (iii) notável saber jurídico e (iv) reputação ilibada.

Todavia, a par de atendê-los, a indicação do Advogado-

Geral da União André Mendonça se deu em decorrência de uma

outra circunstância absolutamente estranha a eles, vinculada a

1 Can the Senate take the risk of confirming to the Supreme Court someone who does

not recognize certain fundamental rights that are embedded in the fiber of our

Constitution - that are embedded in the fiber of our Nation? I think the answer - after

detailed and extensive hearings, after a serious debate on the floor of the U.S Senate -

is clear. The Nation cannot take that risk (CONGRESSIONAL RECORD - SENATE, October

23, 1987, p. 29121, disponível em

http://www.senate.gov/reference/resources/pdf/348_1987.pdf, consult. 13/07/2021).

3


uma particularidade do Presidente da República que acabou por

afastar a apreciação de outros tantos nomes.

Com efeito, desde o início do processo, o Chefe do

Executivo estabeleceu abertamente como requisito essencial para

a escolha ser o candidato “terrivelmente evangélico”, expressão

repetida à exaustão e que marca a atuação do indicado.

O fator decisivo para que o Senhor André Mendonça

fosse indicado a uma vaga no Supremo Tribunal Federal não

decorreu de sua atuação como advogado, membro da Advocacia-

Geral da União ou jurista de escol, mas do fato de professar a fé

como pastor de uma igreja presbiteriana.

Dessa forma, subvertendo as regras constitucionais, o

que se pretende é a criação de uma vertente evangélica na

composição da Corte a fim de orientar decisões sobre os mais

diversos temas e, muito especialmente, a pauta dos costumes.

A laicidade do Estado é uma conquista dura e longa na

tradição democrática brasileira e ocidental. Houve tempos em que

a figura do líder confundia o poder temporal e espiritual; em outra

época, havia a religião oficial do Estado. A experiência republicana

brasileira há muito abandonou esses modelos, que não atendem

às exigências pluralistas da modernidade e à laicidade do Estado,

ambos princípios fundantes do edifício constitucional brasileiro.

Em declaração pública por ocasião da indicação,

declarou o Presidente da República:

Ele é, sim, um extremamente evangélico, ele é

pastor evangélico, e eu já falei com ele que só

faço um pedido: que, uma vez por semana, ele

comece a sessão [no Supremo] com uma oração.

Isso já está fechado 2 .

2

Apud ALESSI, Gil. André Mendonça, o nome “terrivelmente evangélico” para o STF de

Bolsonaro. Jornal El Pais, disponível em https://brasil.elpais.com/brasil/2021-07-

4


A indicação consolida o entendimento distorcido e

equivocado do Chefe do Poder Executivo para a atuação judiciária:

Muitos tentam nos deixar de lado dizendo que o

Estado é laico. O Estado é laico, mas nós somos

cristãos [...]. Nós somos terrivelmente cristãos. E

esse espírito deve estar presente em todos os

poderes. Por isso, o meu compromisso: poderei

indicar dois ministros para o Supremo Tribunal

Federal [STF]. Um deles será terrivelmente

evangélico. 3

Em contrariedade à laicidade imperativa, além da

proclamação pública do Presidente da República em selecionar o

candidato com base em sua filiação religiosa em detrimento da

formação jurídica e humanística, o próprio indicado, em numerosas

ocasiões, reafirmou, em seu favor, seu perfil teocrático,

incompatível com o cargo que almeja.

Com efeito, ao se afastar dos deveres constitucionais

para com a saúde pública e defender a realização de cultos

religiosos durante a pandemia da Covid-19, o atual titular da

Advocacia-Geral da União declarou:

Não há cristianismo sem vida em comunidade,

sem a casa de Deus e sem o ‘dia do Senhor’. Por

isso, os verdadeiros cristãos não estão dispostos

jamais a matar por sua fé, mas estão sempre

dispostos a morrer para garantir a liberdade de

religião e de culto. 4

12/andre-mendonca-o-nome-terrivelmente-evangelico-para-o-stf-de-bolsonaro.html,

consultado em 12 JUL 2021.

3

Apud ALESSI, op. cit.

4

Apud ALESSI, op. cit.

5


Sintomaticamente, em suas razões orais, o Advogado-

Geral da União serviu-se de três trechos da bíblia e nenhum da

Constituição. Embora as declarações sejam estapafúrdias para o

constitucionalismo ocidental dos últimos 150 anos, serviram ao

resultado: a Associação Nacional dos Juristas Evangélicos 5

apressou-se em elaborar nota pública e recomendação 6 em apoio

ao pastor presbiteriano da Igreja brasiliense “Esperança”.

Em reconhecimento à divulgação da indicação de seu

nome, assim manifestou-se o Senhor André Mendonça nas redes

sociais:

Agradeço a Deus pela vida e por essa

possibilidade de servir meu país; à minha família,

pelo amor recíproco; ao presidente Jair

Bolsonaro, pela confiança; aos líderes

evangélicos, parlamentares, amigos e todos que

têm me apoiado. 7

As numerosas referências bíblicas e de agradecimentos

públicos aos líderes evangélicos revelam que o candidato

apresenta uma plataforma cujo engajamento religioso coloca em

risco inúmeras conquistas da cidadania brasileira e que constam

da possível agenda judiciária do Supremo Tribunal Federal.

As opiniões evangélicas do postulante poderão suscitar

um retrocesso preocupante aos direitos civis e aos valores laicos

5

ANAJURE, NOTA PÚBLICA, disponível em https://anajure.org.br/nota-publica-sobreindicacao-da-anajure-para-vaga-no-supremo-tribunal-federal/,

consultado em 12 JUL

2021.

6

ANAJURE, RECOMENDAÇÃO DA ANAJURE PARA A NOVA VAGA DE MINISTRO DO STF,

disponível em https://anajure.org.br/recomendacao-da-anajure-para-a-nova-vaga-deministro-do-stf/,

consultado em 12 JUL 2021.

7

Mensagem do Twitter do indicado, disponível em

https://twitter.com/AmendoncaAGU?ref_src=twsrc%5Egoogle%7Ctwcamp%5Eserp%7

Ctwgr%5Eauthor, consultado em 14 JUL 2021.

6


inscritos na Constituição Federal, como as seguintes questões que

aguardam serem pautadas para julgamento, entre outras:

• Aborto medicinal, piedoso ou por estupro: “Um

retrocesso para a sociedade. O pedido se trata do

estabelecimento e da constitucionalização de

uma segregação das espécies, que foi presente

no regime nazista”;

• Direitos fundamentais daqueles que se

relacionam com pessoas do mesmo sexo:

“Respeito é um princípio cristão. Contudo, isso

não significa que o cristão deva concordar ou não

possa questionar o homossexualismo (sic) com

base em suas convicções religiosas”;

• Uso medicinal de cannabis: "Se, em nosso país,

mesmo programas sociais com recursos por

beneficiários modestos possuem percentuais

significativos de fraudes, imagine-se a

legalização de empresas e associações que

podem ter suas atividades interseccionadas com

o segundo maior mercado ilícito mundial".

Em todos esses e outros pontos, o indicado mostrou-se

inteiramente fiel à orientação das lideranças evangélicas que o

apoiam.

Não se trata de intolerância ou resistência religiosa à fé

ou filiação espiritual de quem quer que seja, mas da defesa de um

valor basilar e central no constitucionalismo ocidental: a separação

entre religião e Estado.

Na dicção de Celso de Mello:

7


Nesse contexto, e considerado o delineamento

constitucional da matéria em nosso sistema

jurídico, impõe-se, como elemento viabilizador da

liberdade religiosa, a separação institucional entre

Estado e Igreja, a significar, portanto, que, no

Estado laico, como o é o Estado brasileiro,

haverá, sempre, uma clara e precisa demarcação

de domínios próprios de atuação e de incidência

do poder civil (ou secular) e do poder religioso (ou

espiritual), de tal modo que a escolha, ou não, de

uma fé religiosa revele-se questão de ordem

estritamente privada, vedada, no ponto, qualquer

interferência estatal, proibido, ainda, ao Estado o

exercício de sua atividade com apoio em

princípios teológicos, ou em razões de ordem

confessional, ou, ainda, em artigos de fé, sendo

irrelevante – em face da exigência constitucional

de laicidade do Estado – que se trate de dogmas

consagrados por determinada religião

considerada hegemônica no meio social, sob

pena de concepções de certa denominação

religiosa

transformarem-se,

inconstitucionalmente, em critério definidor das

decisões estatais e da formulação e execução de

políticas governamentais.

O fato irrecusável é que, nesta República laica,

fundada em bases democráticas, o Direito não se

submete à religião, e as autoridades incumbidas

de aplicá-lo devem despojar-se de précompreensões

em matéria confessional, em

ordem a não fazer repercutir, sobre o processo de

poder, quando no exercício de suas funções

(qualquer que seja o domínio de sua incidência),

as suas próprias convicções religiosas. 8

Nessa perspectiva, não se trata de discriminar um jurista

evangélico, insista-se, mas evitar a nomeação de alguém que,

assentindo ser religioso fundamentalista, antecipadamente admita

vergar as regras e princípios constitucionais em favor de agenda

que privilegia “pauta de costumes” avessa aos direitos da

população LGBT+, ao direito de aborto de fetos anencéfalos e às

8

DE MELLO, Celso. Voto proferido na ADI 26. Disponível em

http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ADO26votoMCM.pdf,

consulta em 14 JUL 2021.

8


políticas de educação antidiscriminatória e inclusiva nas escolas,

entre outros temas que exigem o necessário distanciamento do

credo.

Pede-se seja rejeitada a indicação porque decorrente

mais da filiação religiosa do indicado do que da análise dos

requisitos constitucionais do “notório saber jurídico” e da “reputação

ilibada”.

3. Do dócil assentimento do indicado aos caprichos

e aventuras jurídicas do Presidente da República

3.1 Da proposital antecipação do processo de

escolha do indicado à vaga no Supremo Tribunal Federal como

estratégia governamental

A indicação do Advogado-Geral da União Senhor André

Mendonça foi precedida de uma estratégia jamais utilizada por

outro Presidente da República, qual seja, a utilização da

prerrogativa constitucional para (i) inflar setores de sua base de

apoio, (ii) rebaixar as instituições de controle dos atos da

Presidência e (iii) favorecer decisões em processos criminais

envolvendo seus próprios filhos e correligionários.

Antes de ser reservada para um candidato

“terrivelmente evangélico”, a vaga havia sido prometida ao então

Juiz de Direito Sérgio Moro - que posteriormente viria a assumir o

Ministério da Justiça - e estendida, sutilmente, a Ministros do

Superior Tribunal de Justiça, onde tramita a grave ação penal que

tem por objeto a prática de “rachadinhas” atribuída ao clã

Bolsonaro, ao Procurador-Geral da República, autoridade

responsável por investigar o próprio Presidente da República, a

juízes de carreira da Justiça Estadual e Federal e outros indicados

pelo bloco de apoio ao governo na Câmara dos Deputados.

9


A inusitada prática sem dúvida representou o

amesquinhamento do processo de escolha do Ministro do STF e

verdadeiro menoscabo tanto ao Tribunal da Cidadania como à

Procuradoria-Geral da República, findando por dar contornos

diferentes à sabatina, já que a aprovação do candidato

representará a aceitação pelo parlamento dos excessos cometidos

pelo Executivo no decorrer do processo.

O fato é que, quem se sujeita aos caprichos do

Presidente da República com o propósito de vir a ser por ele

indicado ao cargo de Ministro do Supremo Tribunal Federal, por

certo não merece a confiança do povo, representado na sabatina

pelo Senado Federal.

3.2 Das condutas incompatíveis com o exercício do

cargo

A par da filiação religiosa, apontada como vetor

hermenêutico do candidato, outro conjunto de episódios inviabiliza

sua indicação devido à atuação jurídica francamente contrária aos

valores constitucionais com o propósito único de se viabilizar como

indicado do governo para o alto cargo de Ministro do Supremo

Tribunal Federal.

Agindo dessa forma, ou seja, colocando seus interesses

pessoais à frente do Direito, ele bem demonstra sua inaptidão para

ocupar um assento no órgão máximo do Poder Judiciário nacional.

O requisito constitucional da “reputação ilibada” sinaliza

que o indicado deve estar à altura de manter certa equidistância do

Poder Executivo. Alguém que se submete aos caprichos e

desígnios do Presidente da República, sem jamais questionar seus

atos, não se porta com a dignidade necessária para o exercício da

elevada função.

10


Ao contrário, o comportamento revelado pelo indicado à

frente das instituições públicas que comandou demonstra

deplorável submissão, pois, não raras vezes, contornou os

interesses institucionais que deveria defender em favor dos

interesses políticos ditados pelo Presidente da República.

André Mendonça iniciou sua trajetória no governo

Bolsonaro ao ser indicado para comandar a Advocacia-Geral da

União, sendo posteriormente guindado ao Ministério da Justiça

com a demissão do Senhor Sérgio Moro.

Notabilizou-se negativamente nesta função em maio de

2020, quando ingressou com habeas corpus em favor do então

Ministro da Educação, Abraham Weintraub, para suspender a

convocação dele para depor no inquérito instaurado para investigar

as fake news em curso no Supremo Tribunal Federal. 9

O habeas corpus foi considerado sem precedentes por

ex-Ministros da Justiça e com objetivo de mandar recado ao STF,

a ponto de suscitar o seguinte comentário do jornalista João

Dalmagro:

A utilização nada republicana do cargo de

ministro da Justiça e da Segurança Pública para

injetar autoridade aos argumentos do habeas

corpus de Weintraub não é só preocupante: é

imoral, apesar de não ser tão inusitada na lista de

aberrações do governo Bolsonaro [...]. Ao se

qualificar como ministro de Justiça e Segurança

Pública na petição de habeas corpus em favor de

Weintraub e dos ativistas bolsonaristas,

Mendonça não está exercendo suas atribuições

institucionais vinculadas à defesa da ordem

jurídica, dos direitos políticos e das garantias

constitucionais [...]. A administração pública se

pauta pelos princípios da impessoalidade e da

9

CONJUR, Ministro da Justiça pede HC para Weintraub e outros investigados pelo STF,

disponível em https://www.conjur.com.br/2020-mai-28/ministro-justica-hc-weintrauboutros-investigados,

consult. em 14 JUL 2021.

11


moralidade. Isso significa que, ainda que os

ministros auxiliem o presidente a conduzir a

nação, não se pode confundir o público com o

privado [,,,]. No momento em que o ministro da

Justiça bate às portas do Supremo em defesa de

determinados investigados, todos os limites

republicanos foram ultrapassados porque o

patrimônio público está sendo canalizado para

acomodar o interesse de particulares. Poucas

coisas podem ser institucionalmente mais graves

do que o titular da pasta a qual a Polícia Federal

é subordinada promover a defesa de investigados

pela PF e pela mais alta cúpula do Poder

Judiciário. 10

A justificativa apresentada foi ainda pior. André

Mendonça postaria a seguinte nota pela rede social Twitter:

Ingressei c/ HC perante o @STF_oficial em razão

do Inq 4781. A medida visa garantir liberdade de

expressão dos cidadãos. De modo mais

específico do Min @AbrahamWeint e demais

pessoas submetidas ao Inquérito. Tbm visa

preservar a independência, harmonia e respeito

entre os poderes. 11

A justificativa demonstra completo desconhecimento

acerca da liberdade de expressão, utilizada de forma desconexa

para impedir a averiguação de atos ilícitos.

A atuação de André Mendonça no Ministério da Justiça

passaria por páginas ainda mais sombrias. Em episódio que atenta

contra as garantias democráticas, foi o responsável por patrocinar

o inquérito realizado em sigilo pela Polícia Federal para investigar

10

DALMAGRO JUNIOR, João Carlos. Site Intercept Brasil. André Mendonça usa cargo de

ministro da Justiça para agir como advogado de bolsonaristas e Weintraub, disponível

em https://theintercept.com/2020/05/28/ministro-justica-andre-mendoncaweintraub-fake-news/,

consult. em 14 JUL 2021.

11

Mensagem do Twitter do indicado, disponível em

https://twitter.com/AmendoncaAGU, consultado em 14 JUL 2021.

12


opositores ao governo. Depois que a investigação clandestina

vazou à imprensa, André Mendonça foi forçado a entregar o dossiê

ao Congresso Nacional, quando se verificou o desvio de atividades

da Polícia Federal como uma Gestapo dos Trópicos,

metamorfoseada em polícia política do Poder Executivo. 12 André

Mendonça não hesitou em promover numerosas investigações

contra jornalistas e críticos ao governo, valendo-se da Lei de

Segurança Nacional, atingindo, dentre outros, o político Ciro

Gomes, o jornalista Hélio Schwartsmann e o sociólogo Tiago

Rodrigues. 13 Os sucessivos incidentes levaram o indicado a ser

acusado por prática de crime de responsabilidade e de abuso de

poder. 14

Em outro capítulo, o Senhor André Mendonça teve a

oportunidade de mostrar sua fidelidade cega ao Presidente da

República: com a defesa da ampliação irrestrita do acesso a armas

e munição, inclusive dificultando o rastreio das balas e facilitando o

desvio ao crime organizado. Questionado, se disse favorável a

todas as regulamentações desejadas pelo Presidente, porque

fariam parte de sua “bandeira política”, em contraste com as

12

PODER 360, Mendonça entrega dossiê sobre antifascistas ao Congresso, disponível

em https://www.poder360.com.br/governo/mendonca-entrega-dossie-sobreantifascistas-ao-congresso/,

consult.l em 14 JUL 2021.

13

ROCHA, Marcelo. FOLHAJUS. Sob Bolsonaro, Ministério da Justiça tem atuação

ideológica escorada na Lei de Segurança Nacional, disponível em

https://www1.folha.uol.com.br/poder/2021/05/sob-bolsonaro-ministerio-da-justicatem-atuacao-ideologica-escorada-na-lei-de-seguranca-nacional.shtml,

consult. em 14

JUL 2021.

14

FALCÃO, Márcio e PARREIRA, Marcelo. TV GLOBO. Aras apura uso da Lei de Segurança

Nacional por André Mendonça contra críticos do governo Bolsonaro, disponível em

https://g1.globo.com/politica/noticia/2021/04/16/aras-apura-uso-da-lei-deseguranca-nacional-por-andre-mendonca-contra-criticos-do-governo-bolsonaro.ghtml,

consult. em 14 JUL 2021.

13


recomendações de segurança pública e do Ministério que ocupava.

15

André Mendonça retornou à Advocacia-Geral da União

depois que o antigo ocupante do cargo, José Levi, foi exonerado -

ao que tudo indica - após se negar a assinar a ação proposta pelo

Executivo para impedir os governadores de adotarem medidas

protetivas da saúde coletiva durante o agravamento da pandemia

da Covid-19. 16 O novo ocupante não tardou em mostrar que não

teria o pudor de seu antecessor. Assumiu o papel de porta-voz

indefectível de Jair Bolsonaro em suas frequentes disputas no

Supremo Tribunal Federal.

Prosseguindo em sua sanha persecutória aos críticos ao

governo, defendeu a validade da Lei de Segurança Nacional na

parte em que, afastando-se abertamente do sistema acusatório,

permite a intervenção do Ministro da Justiça para determinar

investigações pela Polícia Federal.

Nesse episódio, apresentou argumentação

absolutamente rasa:

A requisição ministerial tem o condão de autorizar

o livre desempenho de competências

constitucional e legal pelos atores do sistema de

persecução penal pátrio, certo de que, ao final,

caberá a estes avaliar a presença ou não de

elementos que lastreiam a denominada justa

15

DEVENS, Natialia, A GAZETA. No ES, ministro da Justiça defende decretos de Bolsonaro

por mais armas, disponível em https://www.agazeta.com.br/es/cotidiano/no-esministro-da-justica-defende-decretos-de-bolsonaro-por-mais-armas-0221,

consult. em

14 JUL 2021.

16

REVISTA ISTO É, André Mendonça reassume AGU após demissão de José Levi,

https://istoe.com.br/andre-mendonca-reassume-agu-apos-demissao-de-jose-levi/,

consult. em 14 JUL 2021.

14


causa, para, em assim sendo, propor a ação

penal. 17

Críticos mais argutos e ácidos não tardaram a apontar

que o aparelhamento das instituições promovido a partir da gestão

de André Mendonça resultou na destruição das garantias

democráticas e a possibilidade de retorno aos malfadados

inquéritos policiais militares, com a submissão dos civis à Justiça

Militar. 18

Diante de tantas demonstrações de absoluta entrega à

ideologia bolsonarista, a indispensável imparcialidade ficará

inevitavelmente comprometida para julgar temas sensíveis ao

governo e outros que, de algum modo, interfiram nos projetos do

atual Presidente da República.

4. Das conclusões e dos pedidos

Por todo o exposto, em caráter exemplificativo, está

evidenciado que o Senhor André Mendonça não atende os

requisitos para a indicação ao Supremo Tribunal Federal porque:

a) em desvio dos requisitos constitucionais, foi indicado

pela sua filiação religiosa, fato admitido tanto pelo Presidente da

República como pelo indicado, o que viola a garantia fundamental

da separação entre Igreja e Estado, ameaça as liberdades públicas

laicas e enfraquece os valores constitucionais;

17

CONJUR, Ministério de André Mendonça é defendido pela AGU de André Mendonça,

disponível em https://www.conjur.com.br/2021-abr-18/ministerio-mendoncadefendido-agu-mendonca,

consult. em 14 JUL 2021.

18

LEITÃO, Míriam. Jonal O GLOBO-ABI, O que a AGU propõe é a volta dos IPMs da

ditadura, disponível em http://www.abi.org.br/o-que-a-agu-propoe-e-a-volta-dosipms-da-ditadura/,

consult. em 14 JUL 2021.

15


b) demonstrou ausência de reputação ilibada, com

inúmeros atos que revelam sua filiação à ideologia autoritária,

perseguição a críticos ao governo, patrocínio à defesa pública de

interesses particulares de membros do governo e risco à destruição

das garantias duramente conquistadas pela sociedade brasileira.

Em suma: o indicado maculou sua atuação ao procurar

servir a dois senhores: a facção evangélica fundamentalista que lhe

dá sustentação, viabilizando pauta de costumes contrária ao

pluralismo e à laicidade; e os desígnios do Presidente da

República, por mais injurídicos e inconstitucionais que fossem,

ainda que importassem na perseguição dos críticos ao governo,

com instrumentos típicos de regimes de exceção.

De um Ministro ou Ministra do Supremo Tribunal Federal

se espera fidelidade aos valores fundantes do Estado brasileiro,

inscritos na Constituição, como ilustra Ricardo Lewandovski:

Nós também temos um sonho: o sonho de ver um

Judiciário forte, unido e prestigiado, que possa

ocupar o lugar que merece no cenário social e

político deste País. Um Judiciário que esteja à

altura de seus valorosos integrantes, e que possa

colaborar efetivamente na construção de uma

sociedade mais livre, mais justa e mais solidária,

como determina a Constituição da República, a

qual todos os magistrados brasileiros, de forma

uníssona, juraram respeitar e defender. 19

Sem detrimento dos valores íntimos que cada um

expresse espiritualmente, ou da filiação política a qualquer

ideologia, o que se exige do Ministro e Ministra do Supremo

19

LEWANDOVSKI, Ricardo. Discurso de Posse. Disponível em

https://www.google.com/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=&ved=2ahUKE

wiEzbnfkuPxAhUxqpUCHZQOC1QQFnoECAIQAA&url=https%3A%2F%2Fwww.stf.jus.br

%2Farquivo%2Fcms%2FnoticiaNoticiaStf%2Fanexo%2FdiscursoMinistroRL.pdf&usg=A

OvVaw21ZfvccPU4rbnO48IfOvoz, consult. em 14 JUL 2021.

16


Tribunal Federal é que, se comportando à altura da função, erija

como o pilar da sua atuação a Constituição Federal. É este o

senhor a que se espera que o magistrado possa servir, bem

distante do que foi demonstrado pelo indicado nessa corrida a

qualquer custo pelo cargo, bem comprovando, por isso mesmo,

não se encontrar habilitado para exercer o nobre mister.

Postula-se, em conclusão, que o Senado Federal

REJEITE a indicação do Senhor André Luiz de Almeida Mendonça

para o cargo de Ministro do Supremo Tribunal Federal e,

supletivamente, aprofunde o debate convocando audiência pública

para o amplo debate com a sociedade civil da indicação e dos

critérios e circunstâncias descritos.

Brasília, 19 de julho de 2021.

17

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!