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Shortstory- Duas almas uma metamorfose
DUAS ALMAS
UMA
METAMORFOSE
Era um dia exatamente como todos
os outros para Mérida. O mundo
girava tão rápido que às vezes a
deixava inconsciente. Isso e porque
as drogas eram o amor da sua vida. Afinal,
por breves instantes, faziam-na esquecer
o batimento constante do seu coração que
a relembrava da existência da sua alma
neste planeta. E quando se lembrava, era
um problema. Um problema de verdade,
tendo em conta que Mérida era um
espírito livre, livre de preconceitos, livre
dos rótulos impostos pela humanidade.
Era como se a natureza tentasse comunicar
através dela, mas ninguém estava disposto
Era uma alma transformada,
uma reencarnação de dois
sexos, mas apenas um lhe
fazia bem ao coração.
a ouvir o que ela tinha para dizer. Vivia mais
num dia do que cem na pele das outras
pessoas e, tal até poderia ser uma qualidade
se ignorássemos o facto de ser chacoteada
com palavras e, de vez em quando, com
cinzas que lhe fervem a pele. Mas era uma
bela vida à mesma, pelo menos era o que
ela gostava de acreditar. Incompreendida na
vida e recusada a ser ouvida por qualquer
outra alma que vagueava pela Terra,
Mérida tentava viver o seu dia-a-dia da
melhor forma que conseguia. As visitas
pelas florestas eram como uma dádiva na
sua vida e, de acordo com os religiosos, o
mais próximo que ela alguma vez estaria
de atingir as nuvens. Mas as palavras dos
religiosos valiam o mesmo que as palavras
ficadas por dizer pelo Deus em que eles
acreditavam. Mérida preferia conectar com
a entidade que a ouvia e que a aceitava
exatamente como ela era, a Natureza.
Era uma ligação invisível e de impossível
tradução, mas existia. Mesmo
apesar do erro cometido
pela natureza quando ela
nasceu. Mas não havia
problema, ela perdoou-a e
ambas seguiram em frente
com caminhos cruzados.
No entanto, se existiam
dádivas que ofereciam
alguma clareza à vida,
também existiam maldições
que a atormentavam. Infelizmente para
Mérida, a vida enclausurada não era uma
opção compatível com sobrevivência. Ser
constantemente atirada aos leões como se
de uma arena romana se tratasse fazia parte
do seu dia-a-dia e era algo inquestionável.
O pior nem eram as ruas que torturavam o seu nome, mas sim, o inferno do seu local
de trabalho. Se imaginássemos duas guerras mundiais a acontecerem num escritório,
ainda não conseguiríamos imaginar as peripécias psicológicas vividas por Mérida nesta
maldita companhia de seguros. Desde as desigualdades salariais à convivência com os
súbditos do diabo em pessoa, ela sabia que aquela vida na organização não era para si.
Foram muitas as vezes que quis desistir, mas as ausências de oportunidades na
vida não permitiram. Era tão difícil ser-se uma borboleta num local onde apenas
nasciam simples lagartas. Pelo menos era o que a natureza lhe dizia. Havia dias em
que Mérida desejava voltar atrás e nunca ter entrado naquele casulo tão tentador.
Será que o seu amor próprio valeu a pena todo o sofrimento infringido pelos não entendedores?
Malditos sejam todos aqueles que se opõem às palavras da natureza.
RAFAEL PAIS
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