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DIVERSA

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DIVE SA

R

1


Subtitulo

04

UMA VISÃO. UMA

REVOLUÇÃO DA VOSSA

PERCEÇÃO

06

A FAMOSA AGENDA

HOMOSSEXUAL

ÍNDICE

FICHA TÉCNICA

Equipa gráfica

Equipa de

Redação Editorial

18 08

(DES)IGUALDADES

NA LUTA PELOS DIREITOS DE

IGUALDADE

- ANGELINA JOLIE

- ANTÓNIO GUTERRES

14

28

DA TELEVISÃO À REALIDA-

DE, UMA VISÃO UTÓPICA QUE

FICOU POR SER ESCRITA EM

HOLLYWOOD.

A DESCRIMINAÇÃO

QUANDO NÃO É SÓ NA

TELEVISÃO

Ana Carolina

Francisca Vilar Gomes

Inês Martins Costa

Joana Marques

Rita Lopes

Rute Vicente

Catarina Cascarrinho

Joana Santos

Rafael Pais

30

DUAS ALMAS, UMA

METAMORFOSE

38

SEXISMO

44

DESIGUALDADES ATUAIS

46

AS TELEFONISTAS

2 3



UMA VISÃO.

UMA REVOLUÇÃO DA VOSSA PERCEÇÃO.

Num mundo onde a injustiça é muita e

a neutralidade rege, a nossa opção por

gritar e expor o cru da realidade

advém primeiro do que o silêncio. “Eu

decidi que é melhor gritar. O silêncio é

o verdadeiro crime contra a humanidade”,

afirma Nadezhda Mandelstam

(e muitíssimo bem).

Na verdade, a história foi nos ensinando

que nenhuma mudança provém do

silêncio ou da serenidade das comunidades.

É preciso sermos vocais sobre o

que nos incomoda, sermos aliados dos

injustiçados e destruirmos o sistema

que nos engole, de modo a liderarmos

um mundo melhor. Por nós. Pelas

gerações futuras.

Foi assim que surgiu a DIVERSA, a

revista que se define pela diversidade

das realidades que alberga.

Nem sempre é confortável expor a

verdade, ir contra muitas das crenças

enraizadas nos leitores, mas seria

ainda mais desconfortável deixar o

tempo passar sem nos fazermos ouvir.

Por essa razão, a DIVERSA ascendeu

das cinzas do sistema prejudicial que

há muito foi feito para beneficiar uns e

excluir outros. A nossa voz será como

uma mancha no silêncio, como um

rebuçado amargo no meio de tantos

doces. Mas é necessário consumi-lo. É

necessário refletir sobre o mundo e

marcarmos a nossa posição.

“A neutralidade ajuda o opressor, nunca a

vítima. O silêncio encoraja o atormentador,

nunca o atormentado”, de Elie Wiesel,

é a expressão que melhor define o conjunto

de experiências que esta revista se

apresenta predisposta a oferecer aos seus

leitores. Com um pouco de ironia, tristeza

e realismo, conseguimos alcançar os objetivos

pessoais que nos motivavam em

direção a uma revista incolor, na teoria, e

colorida, na sua prática.

Na génese da DIVERSA está inerente o

desafio, o sentirmo-nos desafiados para

irmos, não só de encontro às necessidades

dos leitores revolucionários, como

também para a escrita e contextualização

dos novos géneros jornalísticos, fortemente

presentes ao longo desta experiência

que nos proporcionamos a oferecer.

Esta revista está composta pelos mais

variados projetos: uma short story, dois

perfis, seis crónicas, uma recensão, uma

reportagem e três cartoons. E todos eles

recheados de valores sensíveis ao sistema

atual, capazes de fazerem a nossa sociedade

refletir sobre o que acabara de ler. E

principalmente oferecer-lhes uma visão

atual. Mas diversificada. Ora, a short story

aborda os conflitos com o eu interior,

enquanto que as crónicas optam por destacar

temas delicados dentro das desigualdades

socias, nomeadamente a

homofobia, o sexismo e a discriminação

generalizada. Todo o período de criação

da revista DIVERSA foi à distância, o que

dificultou um pouco o processo.

Foram nove os estudantes académicos

que, perante uma pandemia, se organizaram

e dividiram projetos de maneira a que

cada um tornasse visível a sua visão. Três

alunos de Ciências da Comunicação e seis

alunos de Design realizaram um trabalho

de elevado calibre, onde a exigência para

com este projeto não passasse despercebida,

e, onde numa fase inicial tudo pareciam

pontas soltas. Uns textos aqui, uns

tipos de letra acolá. Umas páginas de

Word, e uns quantos quadros de programas

da Adobe, esta visão de uma revista

material manteve-se viva na nossa imaginação

durante meses. Agora podemos

dizer que a confusão inicial nos serviu de

motivação em direção ao nascimento de

um projeto transformador, a DIVERSA.

nome DIVERSA surgiu por si próprio

perante todas as desigualdades sociais

que nos rodeiam. Deste tema surgiram

inúmeras temáticas atuais, interessantes

e polémicas, que não podiam deixar de

lado toda a história passada que atesta as

dificuldades para o alcance da igualdade e

os esforços, ainda diários de muitas comunidades,

para se sentirem integradas

numa sociedade. A reportagem, por sua

vez, tem como base as vivências de dois

indivíduos com ansiedade e a maneira

como este transtorno influencia as suas

vidas e, por fim, os cartoons visitam, de

forma fria e irónica, assuntos que percorrem

as conversas da sociedade atual. Tudo

isto numa só revista.

4 5



Crónica - A Famosa Agenda Homossexual

A verdade é que todos já ouvimos falar do termo homofobia.

Não, não é um mito e também não quer dizer que as

pessoas têm medo de homossexuais. Na verdade, é mais

uma espécie de preconceito em relação aos indivíduos que

possuem relações homo afetivas, seja entre homens ou

mulheres. Muitos consideram ser um conceito demasiado

complexo para caber na cabeça de algumas pessoas, aliás,

a homofobia e a homossexualidade até são temas que devem

escapar as mentes dos nossos velhinhos e das nossas

preciosas crianças que são demasiado puras para ouvirem

falar de tal coisa. Até porque uma coisa é permitirmos as

nossas crianças verem filmes onde mulheres se apaixonam

por abelhas, monstros, ou até

mesmo sapos, outra coisa completamente

diferente é permitirmos

que estas tenham conhecimento

da existência de homens que gostam

de outros homens. Para quê

ter aquela conversa desconfortável

com os nossos filhos sobre a variedade

de sexualidades existentes

se podemos simplesmente rezar

a Deus e perguntar-lhes, sempre

que tal oportunidade surgir, quantas

namoradas têm. Se assim o

fizermos, provavelmente estaremos

safos. Mas só provavelmente.

Não sei de que geração estes pensamentos surgiram, mas

de uma coisa sei. Se tivesse tido uma conversa positiva com

os meus pais, desde muito cedo, sobre possíveis orientações

que eu pudesse vir a descobrir mais tarde na vida, provavelmente

não teria crescido com um sentimento de culpa por

algo que estava aquém do meu controlo. Mas uma vez mais,

só provavelmente. Mas apesar disso, não os culpo. Cresceram

numa geração que preferia ignorar o assunto do que

abordá-lo. Porque abordar o assunto era chamar a atenção

para tal fenómeno e isso poderia levar ao fim do mundo

tradicional que todos faziam questão de proteger. Mas felizmente,

não foi esse mundo que me fez ter vergonha de

brincar com a coleção gigantesca de barbies que ficaram na

minha infância, ou que me impediu de crescer e orgulhar-me

Por um mundo igual, justo e onde o amor

A FAMOSA AGENDA

não é censurado.

HOMOSSEXUAL

RAFAEL PAIS

da pessoa que sou atualmente. Na verdade,

sempre fui uma criança irreverente, mas

sensível à opinião das outras pessoas. Aliás,

digo aqui e agora que crescer num mundo

onde a homossexualidade era considerada

um assunto taboo não foi tarefa fácil. Cresceram

numa geração que preferia ignorar

o assunto do que abordá-lo. Porque abordar

o assunto era chamar a atenção para

tal fenómeno e isso poderia levar ao fim do

mundo tradicional que todos faziam questão

de proteger. Mas felizmente, não foi esse

mundo que me fez ter vergonha de brincar

com a coleção gigantesca de barbies que ficaram

na minha infância, ou que me impediu

de crescer e orgulhar-me da pessoa que

sou atualmente. Na verdade, sempre fui uma

criança irreverente, mas sensível à opinião

das outras pessoas. Aliás, digo aqui e agora

que crescer num mundo onde a homossexualidade

era considerada um assunto taboo

não foi tarefa fácil. Mas apesar dos vários

traumas a homens heterossexuais que desenvolvi

na minha infância, ainda existem

muitos portugueses que exclamam firmemente

que a homofobia pertence a águas

passadas. Consideram que não seja necessário

a realização de marchas de orgulho LGB-

TQ+ anuais, e protestam contra a constante

diversidade de representação nas séries ou

novelas. Aliás, acham, tendo em conta que já

não somos assassinados na rua (pelo menos

em Portugal) e por já não sermos considerados

doentes mentais pela grande comunidade

de psicólogos conceituados mundialmente,

que já temos tudo o que necessitamos

para sobreviver e não incomodar os outros.

Mas é aqui que eu discordo.

Se a homofobia realmente fizesse parte do

passado, as pessoas não ficariam desconfortáveis

sempre que o termo igualdade de

experiências e oportunidades entrasse na

conversa. Não necessitariam de tomar um

calmante sempre que uma personagem da

sua série favorita se revelasse gay e de certeza

que não conspiravam em torno de uma

possível “agenda” de domínio do mundo por

parte da nossa comunidade. No entanto,

agora que penso nisso, esta ideia de dominar

o mundo nem parece absurda. Pensamentos

nazis à parte, será que podemos parar para

pensar num mundo colorido, com músicas

da Britney Spears a tocar o tempo todo e

onde a igualdade e a justiça são a norma?

Um sonho. Mas esse nunca foi o nosso plano,

somos um pouco mais simplistas. As nossas

tentativas de sermos integrados no meio da

discussão pública, principalmente através

dos vários meios de comunicação, sempre

foi o nosso principal objetivo. Não queremos

que as pessoas batam palmas quando avistam

um casal homossexual na rua ou que

nos tratem de forma especial, queremos sim

representar a sociedade exatamente como

ela é. Celebrar a diferença sem exagero.

Celebrar a existência divina de cada pessoa

sem a glorificar. Normalizar um assunto que,

durante séculos, foi considerado segredo

de estado. Proporcionar um sentimento de

pertença que origine a esperança por um

mundo melhor. Fazer com que cada criança

confusa com a sua orientação sexual, como

eu uma vez fui, não se sinta anormal e que

as tendências suicidas reduzam.

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7



Recensão - (Des)igualdades

As desigualdades sociais estão bem presentes nas nossas

vidas desde que nos lembramos. Às vezes acontecem e não

damos por elas. Neste caso, podemos dizer que foram o

foco principal e não passaram despercebidas. A “Casa Ocupada”

e o “Omnibus”, de Julio Cortázar, são dois dos exemplos

que destacaram a importância da sua abertura.

São, essencialmente, dois contos que representam experiências

diferentes, mas realidades idênticas. O conto “Omnibus”

foca-se na observação e julgamento, num autocarro,

por parte dos seus passageiros para com dois jovens que

iniciavam o seu trajeto matinal. O ambiente era de tristeza,

pelo menos para aqueles que se dirigiam ao cemitério.

Outros, por terem um destino

diferente, eram sentenciados

pelas flores que não se encontravam

em sua posse.

Apesar de ser um conto fictício,

a sua história dá voz ao que são

os problemas diários de várias

comunidades. Várias pessoas

garantem que o julgamento realizado

é desprovido de maldade,

contudo, a sua realidade vai

para além disso.

Os dois jovens não foram julgados pela ausência de flores,

mas sim pela maldade inconsciente que reside na mente humana.

Tais exemplos podem ser encontrados na vasta história

de acontecimentos cruéis que ocuparam lugar na nossa

sociedade ao longo dos séculos. Assim sendo, o tempo do

conto “Omnibus” poderia ser perfeitamente transposto para

o pós 11 de Setembro de 2001. Os dois jovens representariam

os milhares de muçulmanos que viram a sua vida dificultada

por simplesmente pertencerem à mesma cultura que os

responsáveis pelo insensível ato. Ao longo do seu percurso

de autocarro, sofreram de um claro ato de perseguição xenófoba

e racista, por se direcionarem à grande praça e não

ao local onde foram homenageados os entes falecidos. A sua

presença num local público, de modo geral, incomodou a sanidade

americana e, enquanto cidadãos extremamente focados

em si mesmos, não conseguiram aceitar a coexistência

de duas culturas distintas num mesmo local. A compreensão

de que uma pessoa não deve ser

(DES)

IGUALDADES

CATARINA CASCARRINHO RAFAEL PAIS

JOANA SANTOS

8 9



responsabilizada pelas ações de outras, não cabe na misera

perceção da população mundial. Apesar de tudo,

neste caso, o único estilo de vida aceitável é o americano,

e é assim que tem sido durante séculos, e em praticamente

todo o mundo.

De certo modo, este representa apenas um dos inúmeros

marcos históricos que protagonizam a discriminação

vivida por várias entidades que pertencem a diversas minorias

sociais. Mas não ficamos por aqui. O conto “Casa

Ocupada” retrata também esta temática intemporal que

consome a identidade da nossa sociedade. Conta a típica

história de dois irmãos pouco afortunados que habitavam

uma modesta casa, mas que não era deles. Era da

sociedade. Da cultura à qual eles não pertenciam. Lá viviam,

como se tivessem encontrado paz pela primeira vez

na sua vida. Mas ela depressa lhes foi retirada, mostrando

que a justiça não escolhe felizardos. Só porque perderam

as suas conquistas uma vez, no seu país de origem,

não quer dizer que não as possam perder uma segunda.

Infelizmente, é o mundo em que vivemos. Mas à medida

em que a sociedade se apoderava da casa, estes irmãos

iam abandonando-a, deixando para trás tudo o que tinham

conquistado no país. E de forma silenciosa. Sem

uma única palavra falada. Achavam, de certa forma, que

era o que mereciam por não terem nascido privilegiados.

E assim se recomeçava um ciclo sem fim à vista. É o que

acontece com milhares de refugiados que fogem dos seus

países em busca de uma vida melhor. Mas nem sempre a

encontram. Por vezes, só veem a sua vida ainda mais dificultada,

e, foi, certamente, o que aconteceu com os dois

irmãos que se viram obrigados a abandonar a casa que

não era deles. Foi uma evacuação pacífica, mas a chave

daquela maldita casa foi lançada para o esgoto,

para que mais nenhum refugiado tentasse procurar paz

num país apodrecido e apaixonado pelo ódio instalado

nas suas veias. Para que mais ninguém seja azarado o

suficiente para se instalar num país onde tudo podem

iniciar, e onde tudo podem perder.

Assim, foram dois contos crus no seu realismo. Dois

contos que nos fazem refletir enquanto cidadãos deste

planeta. Dois contos que rebentam aquela bolha

que nos mantém seguros e privilegiados durante toda

a nossa vida. Porque, na verdade, para que serve este

privilégio se não o podemos utilizar em função do bem?

Numa sociedade

onde as

desigualdades

sociais são muitas,

a consciencialização

dos seus habitantes

é a única chave para

a abertura deste

cofre chamado

IGUALDADE.

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STEREÓTIPOS

Subtitulo

Olha para ali mulher,

aquelas duas, só se

veem os olhinhos!

É que nem a cara

apanha sol. Estas

religiões...

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Crónica - Da Televisão à Realidade

UMA VISÃO UTÓPICA QUE FICOU POR SER

ESCRITA EM HOLLYWOOD

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DA

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TELEVISÃO

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À

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REALIDADE

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RAFAEL PAIS

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A crónica sobre a famosa agenda homossexual ilumina

a maneira como a representação é extremamente

fundamental no combate às desigualdades sociais. Se

as diversidades de realidades forem ilustradas nos

grandes painéis que atravessam continentes e diminuírem

a discriminação social, como seria o mundo

atualmente se as barreiras invisíveis que impedem

as minorias sociais de alcançarem a igualdade tivessem

sido quebradas, pela indústria cinematográfica,

nos anos de 1940? Aqui está uma boa questão. E até

acho que Ryan Murphy a conseguiu ilustrar no seu

mais recente projeto televisivo. A nova série original

da Netflix, Hollywood, reescreve a “Era de Ouro” do

cinema americano e representa o mundo de oportunidades

que daí poderia ter surgido. “E se?” é a grande

questão que se coloca ao longo desta emotiva série

e, infelizmente, apesar de não existir uma conclusão

definitiva, a única coisa que podemos fazer é refletir.

Refletir sobre o passado e as ações que ficaram por

fazer. Refletir sobre os preconceitos da cultura cinematográfica

e o medo pela diferença. Refletir sobre

tanto, mas nada traz de volta estas décadas perdidas.

Hollywood conta com um grupo de personagens principais

pertencentes a minorias sociais, que, por ação

do destino, se cruzam e aspiram alcançar o grande

estrelato no cinema americano. Jack Castello, um homem

caucasiano com o sonho de ser ator, Archie, um

argumentista negro e homossexual extramente talentoso,

que se apaixona por Rock Hudson, também

aspirante a ator, Raymond, um homem meio-asiático,

com o sonho de ser realizador e a sua namorada,

Camille Washington, uma mulher negra, também

aspirante a atriz. Estas são, de facto, personagens

que tinham de tudo para serem rejeitadas na cultura

americana de 1940. Eram homossexuais, negros,

asiáticos, mulheres, indivíduos sem experiência na

representação devido à inexistência de oportunidades.

No entanto, numa série fictícia e extremamente

exagerada, os planetas parecem alinhar-se para lhes

oferecerem as oportunidades das suas vidas. Com o

desenrolar da temporada, estas personagens acabam

por conseguir, com muito esforço e sacrifício, reservar

o seu lugar num dos maiores estúdios de Hollywood,

Ace Pictures, e estrelar no filme “Meg”, que retrata a

história de uma mulher negra que vê os seus sonhos

despedaçados após não conseguir atingir o sucesso

nesta indústria. No mundo ideal da Netflix e, que de

nenhum modo representa a realidade crua da história

cinematográfica americana, o filme “Meg”, realizado

juntamente com a nova diretora do Ace Pictures, Avis

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Crónica - Da Televisão à Realidade

Amberg, depressa atingiu o sucesso relevância mínima e extremamente preconceituosa,

nacional. Mesmo com centenas de assim eram as carreiras cinematográficas das pessoas

teatros a recusarem-se a reproduzir

um filme com o argumento de atribuiu-lhes uma nova perspetiva e deu-lhes o tão

que pertenciam a minorias sociais. Mas Ryan Murphy

um homem negro e homossexual e merecido “final feliz”. Era, de facto, um belo sonho,

ameaças que assombravam os pesadelos

de todas as personagens, ca foi escrita, nunca poderá ser celebrada. Hollywood

embora passageiro. Infelizmente, a história que nun-

a diretora do estúdio recusou-se a sempre teve o poder de moldar histórias, tanto no cinema

como na vida real, e, tal como todos os meios de

ceder e lançou o filme que veio a

receber um conjunto de óscares e disseminação de informação, não se trata de apenas

um sucesso que se espalhou pelo um filme, série ou notícia. Trata-se de atribuir uma

país com uma rapidez relâmpago. voz às pessoas que não a têm. De valorizar experiências

que não sejam as nossas. De mudar a perceção da

Desta forma, Meg abriu portas a um

mercado mais inclusivo, onde, apesar

da existência de preconceitos, reconhecido e validado mulheres de várias etnias e

sociedade em nome da justiça. Se Hollywood tivesse

começaram a valorizar as experiências

de todos aqueles que eram rativos, talvez não tivéssemos que lutar exatamente

sexualidades em papéis merecedores e pouco pejo-

desprezados anteriormente. Um pela mesma causa nos dias de hoje. Porque, apesar

pequeno passo para um estúdio, do que pode ser dito, se mudarmos a maneira como

um grande passo para o combate às os filmes são feitos, é possível mudar o mundo e a maneira

como ele funciona. Acho eu.

desigualdades sociais. O filme conta

também com a presença de Hattie

McDaniel, a primeira mulher negra a ganhar um

óscar em 1940, na categoria de Melhor Atriz Secundária

e Anna May Wong, que perdeu o papel de uma

mulher asiática no filme “The God Earth” para uma

atriz caucasiana, que acabou por arrecadar um Óscar

com a sua atuação. Em papéis secundários ou de

Eram homossexuais, negros, asiáticos,

mulheres, indivíduos sem experiência

na representação devido à inexistência

de oportunidades.

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Perfil - Na Luta Pelos Direitos dos Refugiados - Angelina Jolie e António Guterres

NA LUTA PELOS

DIREITOS DOS

REFUGIADOS

Catarina Cascarrinho

Duas personalidades distintas

mas com um objetivo comum

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Perfil - Na Luta Pelos Mesmos Direitos - Angelina Jolie

Angelina Jolie Voight, nasceu a 4 de Junho de 1975,

em Los Angeles.

É atriz, cineasta e ativista humanitária. Em 2001,

atingiu reconhecimento internacional depois da

sua atuação no filme Lara Croft: Tomb Raider,

passando a ser uma das principais atrizes de

Hollywood. Como figura publica, é uma das

pessoas mais influentes e poderosas na indústria

de entretenimento americana.

Angelina Jolie testemunhou pela primeira

vez os efeitos de uma crise humanitária

quando filmava Lara Croft: Tomb Raider,

no Camboja. O país estava arrasado por

uma guerra naquela altura e a atriz afirma

ter trazido dali uma maior compreensão

do mundo. Depois das gravações

Jolie contactou o Alto Comissariado

das Nações Unidas para os Refugiados

(ACNUR) para obter informações

sobre lugares problemáticos

a nível mundial. A atriz norte-americana

mostrou-se bastante

interessada pelo assunto e para

saber mais informações começou

a visitar campos de refugiados

por todo o mundo.

Jolie regressou ao Camboja

por duas semanas onde se

encontrou com refugiados

afegãos no Paquistão e

doou 1 milhão de dólares.

Perfil - Na Luta Pelos Mesmos Direitos - Angelina Jolie

A maior doação já recebida

de uma iniciativa privada

individual.

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Perfil - Na Luta Pelos Direitos dos Refugiados - Angelina Jolie

Foi a própria que cobriu todos os custos relacionados com as suas missões e partilhou

as mesmas condições rudimentares de trabalho e de vida com as pessoas de campo do

ACNUR em todas as visitas. Angelina Jolie foi nomeada embaixadora da Boa Vontade na

sede do ACNUR em Genebra, no mesmo ano (2001). Durante a década seguinte, a atriz

participou em mais de 40 missões de campo, onde se encontrava com refugiados e pessoas

deslocadas internamente em mais de 30 países. No ano 2002 perguntaram-lhe o

que esperava realizar, ao qual Angelina Jolie respondeu:

Conscientizar a situação dessas pessoas,

acho que elas deveriam ser elogiadas

pelo que sobreviveram, não

desprezadas.

A atriz distinguiu-se por ter sido capaz de viajar para zonas

em guerra, como a região sudanesa de Dafur, durante o conflito

de Dafur, a fronteira sírio-iraquiana durante a Segunda

Guerra do Golfo, onde reuniu em privado com tropas americanas

e outras forças multinacionais, e a capital afegã, Cabul,

durante a Guerra do Afeganistão, onde foram assassinados 3

trabalhadores humanitários durante a sua

primeira visita.

Angelina Jolie começou a ter aulas de voo

em 2004, com o intuito de transportar

trabalhadores humanitários e suprimentos

de alimentos em todo o mundo. Atualmente

a atriz norte-americana possui

uma licença de piloto privado com habilitação

de voo instrumental e possui duas

aeronaves (Cirrus SR22 e Cessna 208 Caravan

monomotor).

Em 2012, Angelina Jolie foi promovida ao cargo de Enviado

Especial do Alto Comissário António Guterres (o primeiro a

assumir esse cargo na organização). Neste cargo foi autorizada

a representar António Guterres e o Alto Comissariado

das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) a nível diplomático,

com principal foco nas grandes crises de refugiados.

Nos meses seguintes, fez a sua primeira visita como Enviado

Especial ao Equador, onde se encontrou com refugiados

colombianos e acompanhou António Guterres numa viagem

de uma semana pela Jordânia, Líbano, Turquia e Iraque, para

avaliar a situação dos refugiados da Síria. A partir daí, Angelina

Jolie não parou e continua a realizar missões de campo

em todo o mundo com o objetivo de ajudar os refugiados e

lutar pelos direitos dos mesmos.

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6



Perfil - Na Luta Pelos Direitos dos Refugiados - António Guterres

António Manuel de Oliveira Guterres, nasceu em

Lisboa a 30 de Abril de 1949, mas tem raízes no

concelho do Fundão. Licenciou-se, em 1971, em

Engenharia Eletrotécnica, no Instituto Superior

Técnico de Lisboa. Nesse ano, começou a dar

aulas nesse mesmo instituto e participou em

atividades de ação social, promovidas pela Juventude

Universitária Católica. António Guterres

exerceu ainda o cargo de presidente

do Centro de Ação Social Universitário, uma

associação que realizava projetos sociais

em bairros desfavorecidos em Lisboa, durante

a década de 70.

António Guterres passou a ser secretário-geral

das Nações Unidas no dia 1 de

Janeiro de 2017, sendo a nona pessoa a

ocupar esse lugar.

Entrou para o sistema da ONU em

2005, quando foi nomeado alto comissário

das Nações Unidas para

os Refugiados, cargo que ocupou

durante 10 anos.

Este cargo foi exercido em tempos

exigentes, tendo lidado

com umas crises mais graves

de refugiados das últimas décadas.

O agravamento dos

conflitos na Síria, no Iraque,

no Iémen e de outras crises

em África, como no Sudão

do Sul e na República

Centro-Africana.

O secretário-geral das Nações Unidas foi também membro fundador do Conselho Português

para os Refugiados, em 1991, e da Associação para a Defesa do Consumidor

(DECO). É atualmente, membro do Clube de Madrid e do Fórum Ibero-americano. Guterres

assistiu ao sofrimento de inúmeros grupos vulneráveis da sociedade em campos

de refugiados e zonas de guerra. Sempre se mostrou determinado a servir como intermediário

para a paz, promoveu a inovação e a reforma.

Atualmente, como secretário-geral

das Nações Unidas, António Guterres

é o porta-voz para todos os interesses

e carências de todos, nomeadamente

dos mais frágeis e desprotegidos.

Nessa altura foram promovidas inúmeras reformas estruturais, com o intuito

de melhorar a capacidade de resposta e a eficácia da agência em situações de

emergência. Antes de António Guterres ter sido eleito secretário-geral das Nações

Unidas, ainda exerceu o cargo de conselheiro de Estado, designado pelo

presidente da República Portuguesa, Marcelo Rebelo de Sousa, cargo esse que

já tinha exercido entre 1991 e 2002 por inerência dos cargos preenchidos na

altura.

Foi ainda administrador não executivo do conselho de administração da Fundação

Gulbenkian.

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Subtitulo

RACISMO

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277



Crónica - Descriminação Quando Não é Só na Televisão

DESCRIMINAÇÃO QUANDO

NÃO É SÓ NA TELEVISÃO

Joana Santos

A série “13 Reasons Why”, original da Netflix que estreou em

2017, tem sido desde então um sucesso. Aborda temas sensíveis

da adolescência como o suicídio, o bullying e a homossexualidade.

As primeiras duas temporadas centram-se numa jovem adolescente,

Hanna Baker, que se suicida e deixa uma caixa com

cassetes gravadas por ela, com os treze motivos que a levaram

a tirar a vida. Já a terceira e quarta temporada centram-

-se no homicídio de Bryan Walker e Montegomory de La Cruz

e nos segredos por detrás destas duas tragédias.

Centrando-nos agora no oitavo episódio

da quarta temporada assisti-mos a um ato

de discriminação por parte da polícia que

ajudava a manter a segurança dentro do

Liberty High School. Isto acontece quando

o ator Brandon Flynn, no papel de Justin

Foley e o ator Jan Luis Castellanos, no

papel de Diego Torres, se envolvem numa

discussão e violência física e o polícia ao

separá-los é mais bruto com Diego, só por

ele ser mulato e estrangeiro (dominicano),

e acaba por nem fazer nada a Justin, que

até tinha sido quem começou a luta, e este

ao ver esta injustiça decide intervir e ajudar

Diego.

Escolhi esta série e este episódio para falar de um assunto

que nos tempos em que correm já nem devia ser um assunto

a ser discutido e sim um assunto ence rrado. Como todos

sabemos, existe violência e discriminação policial nos Estados

Unidos que não é de hoje, mas sim desde sempre. Aliás

recentemente tivemos o caso de George Floyd, que morreu

asfixiado por um polícia. Uma morte causada pelo abuso de

autoridade e discriminação policial.

Na minha opinião, em pleno século XXI, já nem devia ser discutido

a diferença de raças e sim ser um dado adquirido a

existência de igualdade entre indivíduos independentemente

as raças. A cor já não devia ser algo que impedisse a existência

de igualdade de tratamento. Devia haver liberdade e

justiça para todos. Não é justo um branco ter mais direitos,

mais segurança e mais liberdade que alguém de raça negra.

Não é justo um negro ter de olhar por cima do ombro sempre

que sai a rua e ter de ouvir comentários racistas. E também

não é concebível um negro ter medo de andar na rua só por

ser negro. A cor não devia importar para nada, mas infelizmente

importa.

Assim, enquanto houver a distinção de tratamento pela cor,

de raça, de sexo e uns tiverem mais liberdade, mais direitos

mais segurança que outros, temos de lutar para mudar este

paradigma. Ninguém é mais que ninguém. As vidas das

pessoas negras importam.

Somos todos iguais.

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11



Shortstory- Duas almas uma metamorfose

DUAS ALMAS

UMA

METAMORFOSE

Era um dia exatamente como todos

os outros para Mérida. O mundo

girava tão rápido que às vezes a

deixava inconsciente. Isso e porque

as drogas eram o amor da sua vida. Afinal,

por breves instantes, faziam-na esquecer

o batimento constante do seu coração que

a relembrava da existência da sua alma

neste planeta. E quando se lembrava, era

um problema. Um problema de verdade,

tendo em conta que Mérida era um

espírito livre, livre de preconceitos, livre

dos rótulos impostos pela humanidade.

Era como se a natureza tentasse comunicar

através dela, mas ninguém estava disposto

Era uma alma transformada,

uma reencarnação de dois

sexos, mas apenas um lhe

fazia bem ao coração.

a ouvir o que ela tinha para dizer. Vivia mais

num dia do que cem na pele das outras

pessoas e, tal até poderia ser uma qualidade

se ignorássemos o facto de ser chacoteada

com palavras e, de vez em quando, com

cinzas que lhe fervem a pele. Mas era uma

bela vida à mesma, pelo menos era o que

ela gostava de acreditar. Incompreendida na

vida e recusada a ser ouvida por qualquer

outra alma que vagueava pela Terra,

Mérida tentava viver o seu dia-a-dia da

melhor forma que conseguia. As visitas

pelas florestas eram como uma dádiva na

sua vida e, de acordo com os religiosos, o

mais próximo que ela alguma vez estaria

de atingir as nuvens. Mas as palavras dos

religiosos valiam o mesmo que as palavras

ficadas por dizer pelo Deus em que eles

acreditavam. Mérida preferia conectar com

a entidade que a ouvia e que a aceitava

exatamente como ela era, a Natureza.

Era uma ligação invisível e de impossível

tradução, mas existia. Mesmo

apesar do erro cometido

pela natureza quando ela

nasceu. Mas não havia

problema, ela perdoou-a e

ambas seguiram em frente

com caminhos cruzados.

No entanto, se existiam

dádivas que ofereciam

alguma clareza à vida,

também existiam maldições

que a atormentavam. Infelizmente para

Mérida, a vida enclausurada não era uma

opção compatível com sobrevivência. Ser

constantemente atirada aos leões como se

de uma arena romana se tratasse fazia parte

do seu dia-a-dia e era algo inquestionável.

O pior nem eram as ruas que torturavam o seu nome, mas sim, o inferno do seu local

de trabalho. Se imaginássemos duas guerras mundiais a acontecerem num escritório,

ainda não conseguiríamos imaginar as peripécias psicológicas vividas por Mérida nesta

maldita companhia de seguros. Desde as desigualdades salariais à convivência com os

súbditos do diabo em pessoa, ela sabia que aquela vida na organização não era para si.

Foram muitas as vezes que quis desistir, mas as ausências de oportunidades na

vida não permitiram. Era tão difícil ser-se uma borboleta num local onde apenas

nasciam simples lagartas. Pelo menos era o que a natureza lhe dizia. Havia dias em

que Mérida desejava voltar atrás e nunca ter entrado naquele casulo tão tentador.

Será que o seu amor próprio valeu a pena todo o sofrimento infringido pelos não entendedores?

Malditos sejam todos aqueles que se opõem às palavras da natureza.

RAFAEL PAIS

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Shortstory- Duas almas uma metamorfose

Assim sendo, o dia continuava a ser

como todos os outros, sem uma única

exceção. Mérida acordou às 6:30, vestiuse,

conversou com a sua única amiga,

saiu de sua casa, que mostrava claros

sinais de degradação, e apanhou um táxi.

Até seria linda,

se não tivesse

corpo de

homem

eram algumas das palavras que a pobre

rapariga ouvia no dia-a-dia, mas ou decidia

ignorar ou decidia preencher algumas das

fantasias que alguns desses homens tinham.

Negligenciar os seus desejos sexuais seria

contradizer as vontades da natureza e,

neste dia, ela estava demasiado carente

para o fazer. Mas havia-se esquecido de um

pequeno pormenor. Já tinha sido avisada uma

numerosa quantidade de vezes, pelos seus

supervisores, para nunca se atrasar e, ao

mínimo descuido, ela sabia que o mundo se

virava ao contrário. Pelo menos era assim que

funcionava com ela. Mas mesmo assim decidiu

mergulhar na tentação e confiar na sua

habilidade de chegar a horas à organização.

Mas o plano não correu como ela esperava.

Eram quase 8 da manhã e ainda ninguém

a tinha visto na organização. Assim

começavam as conversas entre as pessoas

que procuravam pequenas falhas para

fazerem o seu mundo desabar. E quando

os supervisores descobriram, instalou-se

o caos total. Eram fotos da cara de Mérida

impressas por todos os escritórios. Mas não

eram fotos normais. Oxalá que fossem. Mas

eles diziam ser necessário para a castigar.

Os corredores da organização enchiam-se

de pequenas gargalhadas e coscuvilhices,

como se estivessem a assistir a uma

daquel as horríficas touradas

que todas as pessoas pagam

para ver. Mas houve um

momento em que tudo parou.

As pequenas gargalhadas converteramse

num silêncio profundo e uma camada

de nuvens quase que fez a luz do dia

desaparecer. Parecia uma daquelas entradas

de um vilão numa cena de histórias para

crianças. Mas não passava da nossa pobre

protagonista. Lá estava ela, mas não parecia

ela. Tinha um aspeto nada característico seu.

As roupas estavam rotas, a maquilhagem

quase inexistente e os cortes por todo o

corpo eram algo que só os nossos pesadelos

podiam inventar. Não é que alguém tivesse

perguntado, mas tinha sido violada. E não

podia faltar ao trabalho por uma razão

absurda dessas. Mas estava devastada. Era

como se lhe tivessem arrancado, com uma

pinça, uma das suas asas de borboleta.

E as palavras ficaram por dizer naquela organização. Nem a própria Mérida estava

com vontade de trocar umas palavras com a Natureza. Era como se ela também

estivesse ferida. Afinal funcionavam como se fossem apenas uma. Se calhar até eram,

mas ainda não se tinham apercebido de algo. Quem me dera poder dizer que era algo

inocente. Mas de inocente não tinha nada. Apercebeu-se finalmente das centenas de

fotografias impressas com a sua cara colada num corpo de um homem musculado.

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Shortstory- Duas almas uma metamorfose

A pobre Mérida que, ainda nem se tinha erguido da violação e já via o seu

mundo desabar uma vez mais. Quase vencida, Mérida falava uma vez mais

com a versão de si mesma que ainda não tinha conseguido fazer renascer:

Ó minha natureza, tão pura como sempre

foste, mas deixaste de ser. Não por vontade

própria, mas o veneno da humanidade fezte

perder o brilho. Eles não acreditam em

ti, acreditam neles próprios e este ódio eles

utilizam como balas. Balas mortíferas que

perfuram a nossa alma e, maior dor que

essa não há. Mas nós lutamos com aquilo

que a natureza nos tem para oferecer.

Ela prometeu-se a si mesma que daquele

dia, alma por alma se faria pagar.

Mas as horas mal passavam naquele maldito

escritório. Parecia que alguém lhe estava

a dar tempo para refletir e não cometer

nenhuma loucura, como se não soubesse

que a loucura vivia mascarada dentro de

si. Mascarada de algo que nem Mérida

compreendia. Mas essa entidade estava

pronta para renascer como uma só, tal como

a Natureza. Coração mais puro não existia,

mas a alma já tinha sido contaminada e só

havia uma maneira de voltar a ser feliz.

Era como se ambas necessitassem de se livrar

de tudo o que era tóxico para conseguirem

concluir a metamorfose e serem as melhores

versões delas próprias possíveis. Um

sacrifício por uma nova alma, pelo menos

era o que as vozes na sua cabeça diziam.

E a espera que o dia chegasse ao fim

continuava. Nessa tarde, a cabeça de Mérida A distorção preenchia-lhe a mente

estava um inferno absoluto, onde nem as e ninguém se podia atrever a falar

drogas que consumia faziam efeito. Apesar de com ela. Talvez até tenha sido pelo

ela ainda não conseguir ver direito, os rebentos melhor o facto de ninguém ter tentado.

da Natureza estavam prontíssimos para ver a Apesar de ainda dorida da invasão

luz do dia através dos seus olhos encarnados. corporal e espiritual não consentida,

Mérida não precisava de esperar mais

que o fim do dia trouxesse a quietude na

organização que ela tanto necessitava. A

maior parte dos trabalhadores já estavam

de saída e ainda soltavam uma gargalhada

quando passavam pelas imagens penduradas

pelos escritórios. Ainda lá estavam,

parecia que existia um certo conforto no

desconforto de Mérida. E lá ficariam, como

se se tratassem de inúmeras fotografias da

pior empregada do mês. Mas esse título não

lhe pertencia. O seu único erro nem foi seu,

foi da Natureza. Nasceu com duas almas

que a tornaram especial, mas uma morreu

e a outra estava severamente contaminada.

Contaminada do erro da Natureza de ter

criado uma humanidade tão desumana. Mas

ela sabia que não tinha sido intenção sua.

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Shortstory- Duas almas uma metamorfose

A hora de renascer tinha finalmente chegado.

Estava na altura de, não só deixar para trás, mas

também destruir por completo a carapaça de

sofrimento que sempre a impediu de alcançar

a divindade. A partir daquele momento, tudo

mudou. Aconteceu tão rápido, como se Mérida

não quisesse parar para pensar. Ela acreditava

que, lá no fundo, estava a purificar a humanidade

e a emendar o erro da Natureza, mas não queria

pensar mais sobre isso. Ainda estava

frágil, como sempre, e havia muito para

processar. Com as suas próprias mãos,

ela fez justiça de todas as situações

em que a sua alma foi severamente

humilhada e passada por cima. Tentou

servir, durante muito tempo, em favor

da paz, mas esses tempos acabaram.

A seleção natural tardava e a sua alma

não tinha tempo a perder. As vozes

na sua cabeça estavam esfomeadas

e, desta vez, não foi da capacidade

de Mérida deixá-las sem alimento.

No momento em que finalmente conseguiu

apoderar-se da sua própria visão, não viu

nada sem ser a vermelhidão do sangue dos

seus opressores e a escuridão das almas que

procuravam o Céu, e que provavelmente

continuariam a procurá-lo por uma eternidade.

Se tivessem nascido com duas almas, tal

como ela, provavelmente teriam tido a

capacidade de renascerem. Mas a jornada

na Terra de quase 10 trabalhadores daquela

organização tinha chegado ao fim. Tal como

o processo de metamorfose de Mérida.

A partir deste momento, já nada se apresentava

como um obstáculo ao renascimento da

divindade que morava em si e, pela primeira

vez na sua vida, o palpitar de adrenalina do

seu coração não a fez querer consumir drogas.

Era como se a Natureza se tivesse apoderado,

não só do seu corpo, mas também da sua

alma renovada e, graças a ela, o mundo

estava purificado. Pelo menos até ser

contaminado uma vez mais, mas, desta

vez, pela toxicidade das ações de Mérida

em nome de uma divindade absoluta que

renasceu em si. Apesar de tudo, não foi bem

um dia exatamente como todos os outros.

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Crónica - Desigualdades Sociais

SEX

ISMO

CATARINA CASCARRINHO

Sem nos apercebermos

somos todos sexistas.

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Crónica - Desigualdades Sociais

Para quem não sabe, o sexismo é o ato de discriminação ou objetivação

sexual. É quando se reduz alguém ou um grupo por causa do

seu género ou orientação sexual. Parece elaborado, mas o sexismo

é muito mais banal do que parece. Em pleno século XXI, em que

o tema do Género ocupa grande parte das discussões públicas, o

sexismo é ainda um problema a resolver. No nosso dia-a-dia temos

conversas sexistas, banais, onde opinamos sobre as atitudes

uns dos outros e acabamos por dizer coisas que já são ditas há

muitos anos. As mulheres dizem que os homens são os típicos distraídos,

que não lhes ligam nenhuma, que não têm qualquer tipo

de sentimentos e claro, não choram. Já os homens comentam que

as mulheres são as românticas incansáveis, o clássico perigo nas

estradas, as que choram por tudo e por nada, vas que não percebem

de assuntos como política e as que falam pelos cotovelos. Sem

nos apercebermos somos todos sexistas. Talvez porque fomos

educados assim, desde pequenos que ouvimos coisas do género:

‘‘quando tiveres idade vamos às gajas’’

ou ‘‘já está na altura de te tornares

uma mulher e aprenderes a cozinhar’’

e quer queiramos quer não, isso fica

na cabeça e acaba por passar de geração

em geração. Estas palavras, por

vezes, passam de um estereótipo criado

na cabeça de cada um de nós, para

comportamentos de assédio. Comportamentos

esses, que menosprezam as

mulheres, que perturbam as mulheres

e que causam mossa no psicológico das

mesmas. É desconfortável passar por

situações de sexismo ou de assédio.

Mas infelizmente, isso ainda acontece, numa base diária. E não devia.

Na verdade é como se, quando saímos à rua, fossemos presas

para predadores, que nos atacam com olhares, comentários e atitudes

que já não deviam ter lugar numa sociedade moderna, civilizada

e regida por leis. Mas têm.Por exemplo, há umas semanas

usei um vestido que ficava um pouco acima do joelho. Fui abordada

três vezes na rua. A primeira vez foi no Cais do Sodré, por

dois policias, que me assobiaram, olharam de alto abaixo e ainda

mandaram um beijo, com um ar nojento. Dois polícias, agentes de

segurança pública! A segunda vez foi no comboio, sentei-me sozinha

e uns bancos à frente estava um homem, que devia estar na

casa dos quarenta e muitos anos. Piscou-me o olho e não desviou

o olhar. E a terceira vez, foi outro homem que, por sua vez, estava

com uma mulher ao lado a passar pela porta da minha faculdade

e diz: “bonitas pernas”, com um ar rebarbado, e à medida que ia

andando ficou a olhar para trás, sem qualquer tipo de noção.

Questiono-me se os homens ou mulheres que têm atitudes destas

têm filhas ou netas. Questiono-me também quantas pessoas passam

por isto por dia. É que esta experiência que partilhei não foi

a primeira em que fui vítima de assédio/sexismo. Este género de

atitudes sexistas são muito mais graves do que simplesmente dizer

que as mulheres falam pelos cotovelos, olhar para nós mulheres

como se fossemos unicamente objetos sexuais já é considerado

crime.

Assédio é crime

840 41 9



Subtitulo

COVID´19PRÉ-COVID

QUE ESTRANHO

AQUELE SENHOR

ESTAR DE

MÁSCARA!

DURANTE COVID

AQUELE IDOSO

ALI NÃO TEM

CUIDADO!

DEVIA ESTAR A

USAR MÁSCARA!

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Crónica - Desigualdades Atuais

DESIGUALDADES

JOANA SANTOS

ATUAIS

Sempre que ouvimos falar de discriminação vem-nos

ao pensamento aquela ideia de racismo por parte de

um indivíduo de cor branca para com um indivíduo de

cor negra. Mas será que a discriminação é só isto? Ora,

sendo a discriminação o ato de colocar algo ou alguém

de parte, ou seja, o tratamento desigual ou injusto

dado a uma pessoa ou grupo, com base em preconceitos,

acho que podemos pegar na situação atual de

pandemia que vivemos para falar num extremo a que

isto pode chegar. Bom, todos já sabemos o que é este

vírus, como ele se propaga e quais são os seus sintomas

e, também já sabemos as medidas de prevenção

e que até existir uma vacina teremos que

ter uma atenção redobrada de onde estamos

e de onde tocamos. Ah! E não esquecer

de evitar levar a mão à cara, aos

olhos e à boca. Contudo, toda esta situação

faz me retroceder uns anos até ao

tempo em que na África do Sul existia o

Apartheid. Só que na altura existia uma

segregação entre quem está contaminado

e quem não está contaminado. Mas

a questão é: como faríamos esta segregação

dado que o vírus só começa a dar

sintomas dias depois?

É nesta parte em que entra o pânico e o

exagero extremo. No fundo já vimos isto,

não é? Tenho febre? Espirro? Nariz entu-

pido? - coronavírus. De repente, qualquer pessoa com

um sintoma comum de gripe ou até mesmo de alergia,

passa a ser visto como um potencial infetado de

covid-19. O extremo é tanto que não nos podemos ir

queixar a um centro de saúde, que nos fecham numa

casa de banho. Ou melhor, não podemos estar durante

a pandemia a trabalhar e a estar na linha da frente

que mal chegamos a casa temos vizinhos revoltados

que pedem para ir viver para outro sítio durante esta

pandemia. Este cenário pode ser estúpido, mas a verdade

é que todos os cenários que tenham uma pinga

de discriminação também o são. Com este vírus todo

o cuidado é pouco, mas o dramatismo também pode

ser um exagero. Assim, é preciso sempre haver um

equilíbrio.

Ah! E não esquecer de evitar

levar a mão à cara, aos olhos

e à boca.

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Crónica- As telefonistas

AS

TELEFONISTAS

“As Telefonistas”, é uma série espanhola

reproduzida pela Netflix, centrada na temática

da emancipação das mulheres. A série tem

início na década de 20, quando quatro mulheres

começam a trabalhar juntas como telefonistas

numa empresa espanhola de telecomunicações.

Passa-se no começo do auge da luta das mulheres

por uma maior representatividade e respeito. Recorre

a uma pegada feminista retratando tudo o que as

mulheres daquela época passaram e ainda passam nos

dias de hoje. Preconceito, cargos baixos no trabalho,

abuso doméstico, pais machistas, bissexualidade

e maternidade são muitos dos temas retratados.

Blanca Suárez, retratada como Lidia Aguilar, a

protagonista, assume a liderança do grupo e encoraja

as colegas a lutarem pela sua liberdade. Carlota (Ana

Fernández), uma rebelde nata,

sofreu por ter nascido num

berço de ouro, oprimida pelo

seu pai que não permitia que

trabalhasse, porque para ele,

trabalhar não era “uma coisa”

de mulher digna. A jovem, foi

expulsa de casa, não baixou os

braços, e continuou a lutar para

adquirir os seus direitos. Marga,

interpretada por Rita de Santiago,

pura, inocente e romântica

deixa-se levar pelo turbilhão

de emoções e reviravoltas das

vidas das suas amigas que

inicialmente iam contra os ideais

de uma típica mulher dos anos

20. Ángeles interpretada por Maggie Civantos, sofreu

um aborto após ter sido espancada pelo marido por

não querer deixar o seu emprego na companhia de

telecomunicações, na qual era bastante reconhecida. Os

anos mudam e situações destas continuam recorrentes,

as mulheres necessitam, ainda hoje, de lutar por direitos

que deveriam estar em pleno século 21, instalados.

Esta série é apenas um retrato da década de 20, mas

quando comparamos com os dias de hoje, percebemos

que os problemas continuam praticamente os mesmos.

Numa geração com tanta informação e com tanto poder

de voz ainda são encontradas tantas falhas no sistema.

O caminho para a igualdade de género ainda está

longo, porque apesar de termos conseguido alcançar

certas metas, as mulheres ainda continuam a receber

menos que os homens, continuam a ser menosprezadas,

assediadas e denominadas de “elo mais fraco”.

CATARINA CASCARRINHO

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